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SIZWE BANSI ESTÁ MORTO

Idealizado por:

Athol Fugard, John Kani & Winston Ntshona

Tradução: Bruna Haddad; Danielly Cordeiro; Danilo Guimarães; Fernanda Lima Maciel;
Filipe Batista; Janaína Batista; João Portela; Lígia Ribeiro; Mateus Gomes; Pedro Pousada.

Edição: Victor Lima

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Personagens:

Styles

Sizwe Bansi

Buntu

Essa peça foi apresentada pela primeira vez em 8 de outubro de 1972, no The Space, Cidade do
Cabo, e foi dirigida pelo Athol Fugard com o seguinte elenco:

Styles e Buntu: John Kani

Sizwe Banzi: Winston Ntshona

2
SIZWE BANSI ESTÁ MORTO

Primordialmente a peça está se passando no estúdio de fotografia do Styles localizado na cidade


africana de New Brighton, Port Elizabeth. Em uma forma em destaque há uma placa:
Estúdio de fotografia do Styles. Anuários; Passaportes; Casamentos; Noivados; Festas de
aniversário e festas em gerais.
- Prop. Styles
Embaixo da placa tem uma exibição de fotografias de vários tamanhos. No meio do palco tem uma
mesa e uma cadeira. Que é obviamente usado para as fotos, pois tem uma câmera em um tripé na
direção delas.
Há também mais uma mesa, ou uma mesa de escritório, com muitas ferramentas e equipamentos
de fotografia e uma variedade de adereços para elas.
A configuração para essa e para as cenas mais a frente devem ser o mais simples possível, para
que a ação seja de forma contínua.
Styles entra com um jornal. Ele é um jovem, elegante e atento que está vestindo um sobretudo
branco e uma gravata borboleta. Ele se senta à mesa e começa a ler o jornal.

STYLES. [lendo as manchetes] Tempestade sacode Natal. Danos em muitas áreas… As árvores
voaram como… o quê?... fósforos....’
[ele ri]
Eles estão tendo isso, cara! E eu estou só vendo … no jornal.
[virando a página, outra manchete]
‘China: Um ponto de interrogação para o sul africano’ o que a China está querendo ali? Yo! Eles
têm que tomar cuidado. Se a China chegar lá … [ri] eu vou te falar o que acontece…
[Para de repente, olha pelos lados como se alguém estivesse escutando a intimidade que ele está
partilhando com a plateia]
Sem comentários.
[Voltando para o jornal]
O que é isso?... Argh, política americana. Nixon e todos os seus votos. Não significam nada para
nós.
[Outra página, outra manchete]
3
“Expansão na usina automotiva. 1,5 milhões de rand” 1 . Eu vou contar para vocês o que isso
significa... Mais máquinas... Mais prédios enormes… Nunca nenhuma expansão no salário. Isso
me faz ficar cansado. Eu sei o que eu estou falando. Eu trabalhei na Ford uma vez. Nós
costumávamos ler nos jornais, grandes manchetes!... ‘fulano e fulano americano ou de Londres
fizeram um grande discurso’: “... iremos ver se as condições dos trabalhadores não brancos no sul
da África melhoraram.”’ A conversa terminou no jornal mesmo, não apareceu no meu pagamento.
Outra vez nós lemos “o Senhor Henry Ford Júnior número um ou dois, seja lá quem ele for… está
visitando a fábrica da Ford do sul da África.”
[Balança a cabeça com tristeza na memória]
Foi uma grande notícia para gente, cara! Quando um cara desse visitava lá, normalmente viria um
dinheiro a mais no pagamento no fim da semana.
Quinta de manhã, cheguei na usina… ‘hey! O que é isso?’... tudo estava quieto! Aquelas máquinas
enormes que faziam tanto barulho que minha cabeça ficava tonta...? silêncio! Fui pro quadro de
avisos e li: senhor Ford vai nos visitar hoje!
Aquele que está no comando da gente… [ri] Hey! Eu lembro dele. Encarregado Sr ‘Baas’ 2
Bradley. Ele é um cara bom, se você souber como lidar com ele… eles nos chamaram:
[Styles imita o Sr ‘Baas’ Bradley, ele tem um sotaque africano pesado]
‘Escutem, garotos, não vão trabalhar na linha de produção. Vamos ter uma limpeza geral primeiro.’
Eu gostava de limpezas gerais. Nada em específico, você sabe, um pouco aqui, um pouco ali. Mas
aquele dia! Jesus... Entrou uma máquina que tinha água quente e escovas - como se fosse um
esfregão elétrico - e Deus sabe lá o que mais - Nós começamos pelo chão. O óleo e a sujeira
embaixo das máquinas estavam difícil, cara. O tempo todo os patrões estavam caminhando nos
vigiando:
[Batendo nas mãos enquanto ele estimula os ‘garotos’]
‘Vamos, garotos! Tem que estar impecável! É um grande dia para a fábrica!’
Até o chefão, aquele que a gente só vê no almoço andando para a cantina com um cigarro na boca
e mãos no bolso… aquele dia? Ele estava com as mangas dobradas, correndo em nossa volta:

1Rand: Moeda oficial da África do Sul.


2Baas: Termo utilizado na África do Sul para se referir a uma pessoa branca no
poder de pessoas não brancas.

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‘Vamos lá! Impecável, meus garotos! Daquele lado, John…’ Eu pensei: mas que porra está
acontecendo? Estava começando a ficar pesado, cara. Eu estou dizendo para vocês nós limpamos
aquele lugar em quinze minutos!... tipo você pensaria que tínhamos acabado de construir. A
primeira etapa da limpeza geral terminou. Nós começamos a segunda. Sr ‘Baas’ Bradley chegou
com tintas e pincéis. Eu observei
F-A-I-X-A B-R-A-N-C-A
[Mr ‘Baas’ Bradley pinta uma longa faixa branca no chão]
O que é isso? Eu estou aqui há 5 anos e nunca vi uma faixa branca antes. Então:
[Mr ‘Baas’ Bradley no trabalho com o pincel]
CUIDADO NESSE LADO. EMPILHADEIRA EM MOVIMENTO
[Styles ri]
Isso foi bom, cara. Precauções de segurança depois de seis anos. Em seguida outro galão de tinta
F-A-I-X-A A-M-A-R-E-L-A
PROIBIDO FUMAR NESTA ÁREA. PERIGO!
E depois outro galão:
F-A-I-X-A V-E-R-D-E
Eu percebi que aquela faixa cortou a parte de chapisco que trabalhávamos, nós utilizamos um bloco
de motores bem áspero que pegamos da Iscor. Que mundo perigoso aquele. Grandes máquinas!
Um erro lá e você está em perigo. Eu observei eles e pensei: o que será que vai acontecer lá?
Quando a faixa verde estava finalizada, eles agacharam no chão – Sr ‘Baas’ Bradley, o grande! –
com um grande quadro verde, um pincelzinho, e um pouco de tinta branca. ZONA DE
PROTEÇÃO DOS OLHOS. E então meu maior momento:
‘Styles!’
‘Sim, senhor!’
[Sr ‘Baas’ Bradley com sotaque forte africano] ‘Como se diz na sua linguagem isso, zona de
proteção dos olhos’ Era fácil, cara!
‘Gqokra Izi Khuselo Zamehlo Kule Ndawo’ Ninguém escreveu!
‘Não me faça de idiota, Styles!’
‘De maneira alguma, senhor’
‘Então soletra... devagar’ [Styles ri bastante]

5
Hey, aquele era o meu momento, cara. ajoelhados no chão estavam o encarregado, o gerente
encarregado, o supervisor, o gestor... e o Styles? Estava lá em pé!
[cruza os braços e imaginando que estava interagindo com figuras de cócoras que estavam no chão]
‘G-q-o-k-r-a... e continuei com Sr ‘Baas’ Bradley e ele limpando o suor enquanto pintava disse:
‘você realmente não está me enganando, hey!’
Depois que o quadro verde ficou pronto. A gente parou para admirar. A usina está ficando legal,
cara! Colorida!
Entrando na fase três na limpeza geral
‘Styles!’
‘Sim, senhor!’
‘Fala para os garotos que eles têm que ir agora para o chuveiro agora tomar banho’ Nós
precisávamos! Dentro do banheiro, embaixo do chuveiro... água quente, sabonete... numa
quinta-feira! Antes das dez? Yo! O que está acontecendo com a usina? Outro chapa me
perguntou: o que está acontecendo, Styles? E eu falei: “o grande filho da puta americano está
vindo nos visitar’ quando terminamos de nos limpar eles nos deram toalhas... [ri] Trezentos de
nós, cara! Nós estávamos tão limpos que fiquei tímido! Em pé como mocinhas em frente do
espelho. Indo de lá até o armazém geral.
Entreguei meu uniforme sujo.
‘Jogue no chão.’
‘Sim, senhor!’
Um novo uniforme, embrulhado em plástico. Novinho, cara! Eu normalmente pego um trinta e
oito, mas esse aí estava um quarenta e cinco. Então próxima parada para o depósito de
ferramentas... ferramentas novíssimas, com chave, chave inglesa, chave de torque – todas elas
novinhas – E porque eu trabalhei na área perigosa do teste de fogo eu ganhei um avental de amianto
novo e luvas à prova de fogo para substituir aquelas que perdi a mais ou menos um ano atrás. Eu
estou dizendo para vocês eu voltei bem pesado para o meu lugar. Astronauta indo para a lua!
Dentro da usina estava tendo uma reunião geral de novo. O encarregado Sr ‘Baas’ Bradley me
chamou.
‘Styles!’
‘Sim, Senhor.’

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Venha traduzir.’
‘Sim, senhor!’
[Styles tira uma cadeira. Sr. ‘Baas’ Bradley fala de um lado. Styles traduz do outro.]
‘Diga aos garotos na sua língua que esse é um dia muito grandioso na vida deles.’ ‘Senhores, esse
velho otário diz que esse é um dia daqueles nas suas vidas.’ Os homens riram.
‘Eles estão muito felizes em ouvir isso, senhor.’
‘Diga aos garotos que o senhor Henry Ford Segundo, o dono desse lugar, irá nos visitar. Os diga
que Sr. Ford é o chefão. Ele conhece a fábrica e tudo que há ali.’
‘Senhores, o velho Bradley diz que esse Ford é um grande cretino. Ele é dono de tudo nesse
prédio, o que significa que vocês também são dele.’ Uma voz veio da multidão:
‘Ele é um tolo maior do que o Bradley?’
‘Eles estão perguntando, senhor, ele é maior que o senhor?’
‘Certamente… [berrando]... certamente. Ele é um grandessíssimo chefão. Ele é… [procurando
por palavras] … ele é um chefe Makulu3.
Eu amei aquilo.
‘Sr. Bass Bradley diz que certamente o Sr. Ford é maior do que ele. Na verdade, o Sr. Ford é o
chefe-vovó de todos eles… isso foi o que ele me disse.’
‘Styles, diga aos garotos que quando o Sr. Henry Ford chegar na fábrica, eu quero que todos eles
pareçam felizes. Nós vamos diminuir a velocidade da linha de produção para que eles possam
sorrir e cantar enquanto estão trabalhando.’
‘Senhores, ele disse que quando a porta abrir e a vovó dele chegar vocês devem mostrar que estão
vestindo uma máscara de sorrisos. Escondam seus sentimentos verdadeiros, irmãos. Vocês devem
cantar. As canções felizes dos velhos dias antes de termos pessoas como esse ao meu lado para
nos preocuparmos.’ [para Bradley] ‘Sim, senhor!’
‘Diga a eles, Styles, que eles devem tentar impressionar o Sr. Henry Ford, que eles são melhores
que aqueles macacos do seu próprio país, aqueles negros no Harlem que não sabem de nada,
apenas greve, greve.’ Yo! Eu gostei daquilo também.

3 Makulu: Homem superior em uma organização. Geralmente um homem branco. Palavra frequentemente
usada ironicamente.

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‘Senhores, ele disse que nós devemos nos lembrar, quando Sr. Ford entrar, que nós somos
macacos sul-africanos. Macacos sul-africanos são bem mais treinados…’ Antes mesmo de eu
poder acabar, uma voz estava gritando de fora da multidão:
‘Ele está falando merda!’ Eu tinha de ser cuidadoso.
[Servil e cheio de sorrisos enquanto se dirige a Bradley]
‘Não, senhor! O homem disse que está muito feliz em se comportar como aqueles macacos
americanos.’
Certo! A linha de produção foi ligada. Boa e lenta – e nós começamos a trabalhar.
‘Tshotsholoza… tshotsholoza… kulezondawo…’4

Nós tínhamos todo o tempo do mundo, cara! … torque arrancada… a porca da cabeça do cilindro
apertada… esperar pelo próximo… [cantando] ‘Vyabaleka… vyabaleka… kulezondawo...’5 Eu
fiquei de olho no escritório frontal. Eu conseguia vê-los --Sr. ‘Baas’ Bradley, o supervisor da linha
de produção – pela grande janela de vidro, penteando o cabelo, ajeitando a gravata. Ali havia algum
tipo de limpeza geral acontecendo também. [Ele ri]
Nós estamos observando-os. Ninguém estava nos observando. Até mesmo o velho segurança.
Aquele que toda vez que via um homem negro passar com suas mãos no bolso, via uma faísca
sair da fábrica. Hoje? Foi para o inferno e lá ficou no outro lado, polindo seus sapatos pretos.
Então, pela janela, eu vi três longas galáxias negras se aproximando. Eu passei a palavra pela linha
de produção: ‘Ele chegou!’
Deixem-me dizer o que aconteceu. As grandes portas se abriram; a próxima coisa foi o
Superintendente Geral, Supervisor da linha de produção, o Mestre de obra geral, o Gerente, o
Gerente sênior, o Diretor de Gerência… toda a gentalha estava lá… como um grupo de filhotinhos
de cachorro!
[Faz mímica de um grupo de homens bajuladores ficando atrás de alguém importante]

4 “Tshotsholoza… tshotsholoza… kulezondawo…’’: “Corra rápido naquelas montanhas”. O verso é uma


música de origem no Zimbabwe, mas que foi popularizada na África do Sul. A música era cantada por
trabalhadores migrantes que trabalhavam nas minas da África do Sul e serve como uma música de liberdade.
A canção é tão popular que é conhecida como o segundo hino nacional do país.
5 “ Vyabaleka… vyabaleka… kulezondawo…”: “Você está fugindo naquelas montanhas”.
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Eu olhei e ri! ‘Caraca, Styles! Todos eles estão seguindo suas ordens hoje!’ Eles correram, cara.
Depois entrou um homem alto, um metro e oitenta, robusto, cheio de respeito e dignidade… Eu
me maravilhei com ele! Me deixem mostrar o que ele fez.
[Três enormes passos] Um… dois… três... [Olhar superficial em volta enquanto ele se vira e dá
os três passos de volta]
Um… dois… três… FORA! Pela galáxia e desapareceu! É isso. Não falou comigo, nem com Sr.
‘Bass’ Bradley, nem com o Supervisor da linha de produção, nem ninguém. Ele nem olhou para a
fábrica! E o que eu vi quando as três galáxias desapareceram? A equipe de brancos da principal
mesa telefônica.
‘Duplique a velocidade na linha de produção. Temos que cobrir o prejuízo da produção!’ Acabou
que nós tivemos que trabalhar ainda mais naquele maldito dia do que em qualquer outro dia. Só
por causa daquele grande… [balança a cabeça] Seis anos lá. Seis anos um burro!
[De volta ao seu jornal. Mais algumas manchetes com um comentário apropriado, então…]
[Lendo] ‘O assassino em massa! Doom! [sorriso de reconhecimento]
‘Para pulgas… Doom. Para moscas… Doom. Para baratas e outras pestes domésticas. O inseticida
da residência… Doom. Coisa útil. Você se lembra, Styles? Ya.
[Para a platéia] Depois de todo aquele tempo na Ford, eu me sentei um dia. Eu disse a mim
mesmo:
‘Styles, você é um macaco maldito, garoto!’
‘O que você quer dizer?’
‘Que você é um macaco, cara!’
‘Vá pro inferno!’
‘Vamos lá, Styles! Você é um macaco, cara, e você sabe disso. Corre pra cima e pra baixo a merda
do dia todo! Sua vida não pertence a você. Você a vendeu. Para que, Styles? Um relógio de pulso
de ouro num período de vinte e cinco anos quando eles te demitem porque você está velho demais
pra fazer qualquer coisa hoje em dia?’
Eu estava certo. Eu olhei bem a minha vida. O que eu vi? Um maldito macaco de circo! Vendendo
a maioria de seu tempo na terra para outro homem. Das vinte e quatro horas, eu podia
completamente chamar de minhas as seis nas quais eu estava dormindo. Qual é o uso disso, merda?

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Pense nisso, amigo. Acorde de manhã, seis e meia, fora dos pijamas e dentro da banheira, coloque
sua camisa com uma mão, meias com a outra, perceba que colocou o sapato no pé errado, e todo
o tempo os segundos estão passando e se você não se apressar, vai perder o ônibus… ‘Pegue o
almoço, querida. Estou atrasado. Meu almoço, por favor, querida!...’ Então as crianças vêm.
‘Papai, eu posso ter isso?’, ‘Papai, eu quero dinheiro para aquilo.’ ‘Peça para a sua mãe. Eu não
tenho tempo. Cuide das crianças, por favor, coração!!’... pegue seu almoço… ‘Tchau-tchau!!’ e
então corra como eu-não-sei-o-que para o ponto de ônibus. Você chama isso de viver? Eu me
voltei a mim mesmo para outra conversa:
‘Suponhamos que você esteja certo. Então o quê?’
‘Tente algo diferente.’ ‘Tipo o quê?’
Pergunta boba para se fazer. Eu sei o que eu ia dizer. Fotógrafo! Era o meu hobby naqueles dias.
Eu sempre arranjava alguns centavos tirando uns cartões em festas, casamentos, grandes ocasiões.
Mas quando fui tentar dizer a minha esposa e família que eu queria me tornar profissional…!!
Meu pai foi o pior.
‘Você chama isso de trabalho? Click-click com uma câmera. Você está doido?’ Eu tentei explicar.
‘Papai, se eu conseguir me manter com meus próprios pés e não ser ferramenta de ninguém, eu
teria algum respeito por mim mesmo. Eu seria um homem.’
‘O que você quer dizer? Você já não é um? Você é circuncidado, tem uma esposa…’
Conversa sobre o conflito de gerações!
Enfim, eu pensei: Que eles vão pro inferno. Eu vou tentar.
Era a paralisação de natal, então eu tinha bastante tempo para procurar por um estúdio. Meu amigo
Dhlamini da agência funerária me falou sobre uma sala ao lado que estava sendo alugada. Ele me
encorajou. Eu me lembro de suas palavras: ‘Aproveite essa chance, Styles! Pegue-a antes que
alguém da minha linha de produção te coloque numa caixa e feche a tampa.’ Eu me candidatei
para a permissão para usar a sala como estúdio. Depois de algum tempo, a primeira carta veio:
‘Sua candidatura foi recebida e está sendo analisada.’ Um mês depois: ‘A questão está recebendo
sérias considerações do conselho.’ Outro mês: ‘Sua candidatura está na mesa do diretor.’ Eu quase
desisti, amigos. Mas um dia, uma batida na porta - o correio- eu tive que assinar uma carta
registrada. ‘Estamos contentes em informá-lo…’
[Styles gargalha bastante]

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Eu percorri todo o caminho até a administração, peguei as chaves, corri todo o caminho de volta
até a Red Location, destranquei a porta e entrei!
O que eu encontrei me deixou um pouco mais sóbrio. As vidraças das janelas estavam todas
quebradas; um grande buraco no teto, teia de aranha nos cantos.
Mas eu não deixei aquilo me desanimar. Falei para mim: ‘Essa é a sua chance, Styles. Agarre.’
Algumas crianças me ajudaram a limpar tudo. Aquela poeira! Yo! Quando a vassoura chegou
aquele deserto do Sahara se foi! Mas no fim do dia estava tudo razoavelmente limpo. Permaneci
no meio da sala, de pé! Você tem ideia do que isso significa? Estar de pé em um espaço só seu?
Ser seu próprio... General Foreman, ‘Mr Baas’, Supervisor de linha – o maioral! Eu era alto, um
metro e oitenta e fazendo a minha própria inspeção da planta!
Então eu estava parado lá – aqui – me sentindo imenso e o que eu vejo nas paredes? Baratas. Ya,
baratas... no meu espaço. Não estou falando daquelas coisinhas que correm por todo lado quando
você tira a gaveta da cozinha. Estou falando daquelas filhas da mãe enormes, voadoras que chama.
Eu não as suporto. Não tenho medo, mas não as suporto! Em todo lugar, no chão nas paredes. Eu
senti uma na parede dizer: ‘O que é isso? Quem abriu a porta?’ E a do chão responder: ‘Relaxa.
Ele não vai durar muito. Esse lugar está condenado.’ Foi quando me ocorrer:
Doom*.
Fora daqui e indo para a loja do Chinês. ‘Bom dia, Senhor. Eu tenho um problema. Baratas.’ O
chinês nem parou pra pensar, cara, só disse: ‘Doom!’ Eu respondi: ‘Certamente.’ Ele disse:
‘Doom, setenta e cinco centavos a lata.’ Paguei por duas e voltei. Yo! Vocês tinham que me ver.
O Charlie com os dois sprays!
[Com as latas em mãos, indicadores nos botões, Styles nos dá uma reconstituição gráfica do que
aconteceu. Há um breve momento para ‘recarregar’ – sacode as latas – e amarra um lenço em
volta do nariz para voltar para a ‘luta’. Styles eventualmente volta à porta imaginária, ainda
disparando, e a fecha. Gira as latas e as guarda nos coldres.]
Eu fui para casa dormir. Eu fui para casa dormir. Não elas [as baratas]. O que você acha que
aconteceu aqui? Fuga geral para baixo do assoalho. Malditos sobreviventes. O velho professor
endereçou a elas: ‘Irmãos, nós enfrentamos um sério problema de poluição... contaminação! A
ameaça parece se chamar Doom! Recomendei a vacinação geral da comunidade. Todos em fila,
por favor. [procedimento de vacinação] Próximo... Próximo... Próximo...’ Enquanto o pobre Styles
está dormindo sorridente! Na manhã seguinte eu entrei... [Ele para abruptamente] ... O que é isso?

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Barata andando na parece? Outra no teto? De jeito nenhum! O Doom fez isso ontem. O Doom faz
isso hoje. [Saca as duas latas e vai para a luta. Dessa vez, entretanto, não tão demorado antes de
elas acabarem] Psssssssss... Pssssss... Pssss... Pss... [uma última sacudida desesperada, mas ele
mal consegue um jato].
Pss.
Nada! A filha da mãe apenas balançou suas antenas no ar como se estivesse aproveitando o ar-
condicionado. Fui ao lado no Dhlamini e contei a ele o meu problema. Ele riu. ‘Doom. Você está
perdendo seu tempo, Styles. Se você quer resolver esse problema, arrume um gato. Do que você
acha que vive um gato nessa cidade? Leite? Se houver algum é para o bebê. Carne? Que a família
só vê uma vez por semana? Camundongos? Os garotinhos já se livraram deles há anos. Insetos,
cara, gatos da cidade são comedores de insetos. Aqui...’
Ele me deu um gatinho. Eu... Eu normalmente não sou tão fã de gatos. Esse se chamava Blackie.
Também não era tão fã do nome dele. Mas... Gatinho! Gatinho! Gatinho! O Blackiezinho me
seguiu de volta até o estúdio.
Na manhã seguinte quando entrei o que vocês acham que eu vi? Asas. Eu sorri. Porque se tem
algo que eu sei é que baratas não podem tirar as próprias asas. Mortas! [Gesto orgulhoso
‘pegando’ todo o estúdio] Então aqui está!
[Para o quadro com seu nome]
‘Styles Estúdio Fotográfico. Anuários; Passaportes; Casamentos; Noivados; Aniversários e Festas.
Proprietário: Styles.’
O que vocês veem quando olham para isso? Apenas outro estúdio fotográfico? Onde as pessoas
vão porque perderam seu anuário e precisam de uma foto para o novo? Que as sento, preparo a
câmera... ‘Sem expressão, por favor.’... clique- clique... ‘Volte amanhã, por favor.’ E depois as
coloco pra fora e espero pelo próximo? Não, meu amigo. É mais que isso. Esse é um cofre de
sonhos. Os sonhadores? Meu povo. As pessoas simples, que você nunca encontra mencionadas em
um livro de história, que nunca tem estátuas erguidas em sua homenagem, ou monumentos
comemorando seus feitos. Pessoas que seriam esquecidas, junto com seus sonhos, se não fosse
pelo Styles. Isso é o que eu faço, amigos. Ponho, à minha maneira, no papel os sonhos e esperanças
do meu povo e então até os filhos de seus filhos lembrarão do homem... ‘Esse era o nosso avô.’ ...
e dirão o nome dele. Ande por entre as casas de New Brighton e nas paredes você encontrará
pendurada a história das pessoas que os escritores dos grandes livros esquecem.

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[Para o seu painel. ]
Esse aqui [uma fotografia] veio aqui numa manhã. Eu estava só matando tempo. Meio de semana.
Os negócios vão devagar nesses momentos. Enfim, alguém bateu na porta. Sim! Tenho que
explicar um negócio. Eu tenho dois tipos de batida. Quando eu ouço... [bate solenemente na mesa]
Eu sequer levanto os olhos, cara. ‘A Funerária fica ao lado.’ Mas quando eu ouço... [batida
enérgica na mesa... ele ri] ... é o meu som e eu grito ‘Entre!’
Entrou um sujeito, cheio de sorrisos, com um pacote embaixo do braço. Eu ainda posso vê-lo, cara!
[Styles interpreta ambos papéis]
‘Senhor Styles?’
Eu disse: ‘Entre!’
‘Senhor Styles, eu vim tirar uma foto, senhor Styles.’
Eu disse: ‘Sente-se! Sente-se, meu amigo!’
‘Não, senhor Styles. Eu vim tirar uma foto de pé. [Mal conseguindo conter sua suprimida
excitação e felicidade] Senhor Styles, tire a foto, por favor!’
Eu disse: ‘Certamente, amigo.’
Algo que não se deve fazer é interferir no sonho de um homem. Se ele quer fazer isso em pé, deixe-
o em pé. Se ele quiser se sentar, deixe-o sentar. Faça exatamente o que ele quer! Às vezes eles
aparecem aqui, todo elegantes de terno, depois aparecem jaquetas e sapatos e meias... [adota uma
postura de boxeador ] ... ‘Tire, Senhor Styles. Tire!’ E eu tiro. Sem questionar! Comece a fazer
perguntas estúpidas e você vai destruir aquele sonho. Enfim, esse sujeito do qual estou contando...
[ri calorosamente conforme lembra ] Eu já vi vários sorrisos no meu ramo, amigos, mas aquele
merece o primeiro lugar! Eu preparei minha câmera, e assim que eu estava pronto para tirar...
‘Espere, espere, senhor Styles! Eu quero que você tire a foto com isso.’ De seu pacote saiu um
longo pedaço de papel branco... parecia algum tipo de documento... Ele o segurou à sua frente.
[Styles demonstra ] Pela primeira vez eu não tinha o que dizer, ‘Sorria!’ Apenas: ‘Segure!’ ... e,
clique, ... fim. Eu perguntei a ele do que se tratava o documento. ‘Veja bem, senhor Styles, eu
tenho quarenta e quatro anos. Eu trabalho há vinte e dois anos para a prefeitura e o chefe continuava
me dizendo que se eu quiser ser promovido a comandante-júnior eu devo tentar melhorar a minha
educação. Eu não escrevia bem, senhor Styles. Então eu tive aulas à distância com a Damelin
Correspondence College. Sete anos, senhor Styles! E eu finalmente terminei. Aqui está.
Certificado nível seis, escolar completo, terceira classe! Eu consegui, senhor Styles. Eu consegui.

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Mas não acabei. Eu vou prestar para o certificado Junior, e depois Sênior... e veja só, senhor Styles.
Um dia eu saio de casa, graduado, realizado! Até, senhor Styles.’ ... e saiu daqui feliz o homem,
realizado.
[De volta ao seu painel; outra fotografia]
Meu melhor. Foto de família. Você conhece o cartão familiar? Bom para os negócios. Muitas
pessoas e todas querem cópias.
Uma manhã de sábado. De repente um barulho dos infernos na rua lá fora. Pensei: O que é agora?
Logo irrompeu a porta e eles chegaram! Primeiro os pequenos, depois os de entre cinco e seis
anos... eu não sabia o que estava acontecendo, cara! Crianças estúpidas, vindo bagunçar o meu
espaço. Já estava até indo até eles quando os meninos e as meninas mais velhos atravessaram a
porta. Então veio o clique. Foto de família!
[Mudando abruptamente seus modos. ]
‘Venham! Venham!’
[Conduzindo a multidão para seu estúdio. ]
... agora os homens e mulheres mais jovens estavam entrando, e depois as mães e pais, tios e tias...
o filho mais velho, um homem maduro, e finalmente...
[Sacudindo sua cabeça com admiração na memória. ]
O Homem mais velho, o Avô! [O ‘homem mais velho’ anda lentamente e com honra até o estúdio
e se senta na cadeira]
Eu o olhei. Seu cabelo grisalho era um sinal de sabedoria. Seu rosto, desgastado pelo tempo e
alinhado com experiência. Olhá-lo era como numerar as páginas de um volume de sua história
escrita por ele mesmo. Ele era um símbolo vivo da Vida, de tudo o que ela significa e faz com um
homem. Eu o adorei. Ele se sentou lá - meio sorrindo, meio sério- como se já houvesse visto o fim
de sua trajetória.
O filho mais velho disse para mim: ‘Sr Styles, esse é o meu pai, minha mãe, meus irmãos e irmãs,
suas mulheres e maridos, nossos filhos. Somos vinte e sete, Sr Styles. Viemos fazer um cartão.
Meu pai…,’ ele apontou ao velho, ‘... meu pai sempre quis isso.’ Eu disse: ‘Certamente. Deixe o
resto comigo.’ Eu fui ao trabalho.
[Outra reencenação gráfica da cena como ele vai descrevendo]
A senhora aqui, o filho mais velho ali. Aí o outro com o outro. Neste lado eu fiz algo com as filhas,
tias e um irmão solteiro. Aí, na frente de todos, as crianças de oito a doze anos de pé, na frente

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deles os de quatro a sete ajoelhados, e, finalmente, no chão, todos os que sobraram, sentados. Jesus,
foi um trabalho difícil, mas no final eu ajeitei todos e fui para trás da câmera. [Atrás de sua câmera]
Ajustando o foco…
[Crianças imaginárias na frente das lentes ; Styles leva as crianças de volta para a família.] ‘...
Sentem-se! Sentem-se!’
De volta para a câmera, focando novamente…. Nenhum Deles Estava Sorrindo! Eu tentei o velho
truque. ‘Digam xis, por favor.’
De primeira, eles só olharam para mim. ‘Vamos! Xis!’ As crianças foram as primeiras.
[Vozes de crianças] ‘Xis. Xis. Xis.’ Depois, os um pouco mais velhos - ‘Xis.’ - em seguida, os
outros - ‘Xis.’ - os tios e tias - ‘Xis.’ - e, finalmente, o velho - ‘Xis’! Eu achei que o teto ia cair,
cara! Pessoas que passavam na rua vieram olhar pela janela. Elas se juntaram a eles: ‘Xis.’ Quando
eu olhei novamente, até os enlutados da funerária estavam enxugando suas lágrimas e dizendo
‘Xis.’ Apertei o meu botãozinho e lá estava - o sorriso de New Brighton e suas vinte e sete
variações. Não acredite nos idiotas que inventaram que não sabemos sorrir!
De qualquer jeito, vocês deveriam ter me visto lá. Mudei o solteirão de lado, as cunhadas para o
outro. Coloquei o filho mais velho atrás do velho. Reorganizei as crianças… [Atrás de sua câmera
novamente] ‘Mais uma, por favor! Xis!’ De volta ao trabalho… velho e velha juntos, filhas atrás
deles, filhos ao lado. Os que estavam ajoelhados agora estavam de pé, aqueles que estavam de pé,
agora ajoelhados… Dez vezes, amigos! Cada uma diferente da outra!
[Um Styles exausto desmorona na cadeira]
Quando eles saíram eu quase disse Nunca Mais! Uma semana depois o filho mais velho veio buscar
os cartões. Eles já estavam prontos. No momento em que ele entrou, eu percebi que havia algum
problema. Ele disse para mim: ‘Sr Styles, nós quase não conseguimos. Dois dias depois do cartão,
meu pai morreu. Ele nunca irá conseguir vê-lo.’ ‘Vamos.’ Eu disse. ‘Você é um homem. Algum
dia todos nós precisamos ir para casa. Aqui está…’ Eu peguei os cartões. ‘Aqui. Olhe o seu pai e
agradeça a Deus pelo tempo que lhe foi dado aqui na terra.’ Nós olhamos os cartões. Ele olhou-os
em silêncio. Após o terceiro, uma lágrima desceu lentamente por sua bochecha.
Mas, ao mesmo tempo… eu estava observando-o cuidadosamente… uma coisa começou a
acontecer enquanto ele estava vendo seu pai lá com ele, com seus irmãos e irmãs, e todos os netos.
Ele começou a sorrir. ‘É isso, irmão,’ Eu disse. ‘Sorria! Sorria ao seu pai. Sorria ao mundo.’

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Quando ele foi embora, eu imaginei ele voltando à sua casinha em algum lugar de New Brighton,
passando o dia com as mãezinhas vestidas de preto porque um homem havia morrido. Eu imaginei
meus cartões passando de mão em mão. Imaginei mãos enxugando lágrimas, e depois os primeiros
sorrisinhos tímidos.
Vocês precisam entender uma coisa. Não somos donos de nada além de nós mesmos. Esse mundo
e suas leis, não nos permitem nada, além de nós mesmos. Não podemos deixar nada para trás
quando morremos, exceto as memórias de nós. Eu sei do que estou falando, amigos - eu tive um
pai, e ele morreu. [Ao quadro luminoso]
Aqui está ele. Meu pai. É ele. Lutou na guerra. Segunda Guerra Mundial. Lutou em Tobruk. No
Egito. Ele lutou na França para que o seu país e diversos outros pudessem ser Livres. Quando ele
voltou, eles o despiram nas docas - sua arma, seu uniforme, a dignidade que o permitiram ter por
alguns poucos anos porque o mundo precisava de homens que lutassem e estivessem dispostos a
se sacrificar por algo chamado Liberdade. Em troca, eles deixaram que ficasse com sua lancheira
e deram uma bicicleta. Tamanho vinte e oito. Eu lembro por que era muito grande para mim.
Quando ele morreu, eu achei a fotografia em uma mala velha apodrecida, junto com outras coisas
velhas. Isso é tudo. Isso é tudo que eu tenho dele.
[O quadro luminoso novamente]
Ou essa senhora. Sra Matothlana. Morava na rua Sangocha. Vocês se lembram! Seu marido foi
preso….
[Batida na porta]
Depois eu falo para vocês. Entre!
[Um homem entra nervosamente no estúdio. Vestido em um terno trespassado e mal ajustado. Ele
está carregando uma sacola plástica com um chapéu dentro. Seu jeito é hesitante e tímido. Styles
olha para ele e começa a dar um grande sorriso] [À plateia] Um Sonho!
[Ao homem] Entre, meu amigo.
HOMEM. Sr Styles?
STYLES. Sou eu. Entre! Você veio fazer um cartão?
HOMEM. Foto.
STYLES. Sim, um cartão. Você tem algum depósito?
HOMEM. Sim.

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STYLES. Ótimo. Deixe-me anotar o seu nome. Veja, você paga o depósito agora, e depois, quando
vier buscar o cartão, paga o resto.
HOMEM. Sim.
STYLES. [À sua mesa e um livro preto para nomes e endereços] Qual é o seu nome? [O homem
hesita como se não tivesse certeza de si mesmo] Seu nome, por favor?
[Pausa.]
Vamos, meu amigo. Você com certeza tem um nome.
HOMEM. [Se recuperando, mas ainda muito nervoso.] Robert Zwelinzima.
STYLES. [Escrevendo.] ‘Robert Zwelinzima.’ Endereço?
HOMEM [Engolindo seco.] Rua Mapija, 50.
STYLES. [Escreve e para.] ‘Mapija. 50?’
HOMEM. Sim.
STYLES. Você está ficando com o Buntu?
HOMEM. Buntu.
STYLES. Ótima pessoa, ele. Veio para o seu cartão de casamento. Sempre ajudando pessoas. Se
ele fosse branco, chamariam-o de liberal.
[Agora, acabou de escrever. Dirigindo-se ao cliente] Muito bem. Quantos cartões você quer?
HOMEM. Um cartão.
STYLES. [Decepcionado.] Só um?
HOMEM. Um.
STYLES. Como você quer tirar o cartão?
[O homem não tem certeza do que a pergunta quer dizer.]
Você pode tirar o cartão de pé… [Styles faz uma pose perto da mesa.] sentado…
[Outra pose… dessa vez na cadeira] de qualquer forma. Como você quer?
HOMEM. De qualquer forma.
STYLES. Muito bem. Sente-se.
[Robert hesita.] Sente-se!
[Styles pega um vaso de flores, tira seu pó, e o coloca na mesa. Robert segura sua sacola plástica]
O que você tem aí?

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[De dentro aparece o chapéu] Aha! Coloque-o, meu amigo. [Robert entrega-o timidamente] Você
pode colocá-lo, Robert.
[Robert coloca-o. Styles arruma um dos botões de seu colete] Mas que belo terno, meu amigo!
Onde você comprou?
HOMEM. na liquidação.
STYLES. [parafraseando o slogan da liquidação] ‘um lugar onde o mundo negro compra o
melhor. Seis meses para pagar. Pague enquanto estiver usando’
[empurra Robert]
...E eles nunca pegam de volta
[Eles riem juntos]
O que você vai fazer com esse cartão?
[Falando enquanto anda em direção da câmera, para configurá-la para a foto. Robert observa a
preparação apreensivo.]
HOMEM. Manda para a minha esposa
STYLES. Sua esposa!
HOMEM. Nowetu
STYLES. Onde que ela está?
HOMEM. King William’s Town.
STYLES. [com muita admiração]. Finalmente. O tipo de homem que eu gosto. Não o tipo de
jovem tonto que vem aqui para trabalhar e esquece sua família. Um homem com responsabilidade!
Onde você trabalha?
HOMEM. Feltex
STYLES. Escutei que eles pagam bem lá.
HOMEM. Não é ruim
[Ele agora está bem tenso encarando a câmera fixamente. Styles se endireita atrás]
STYLES. Vamos lá Robert! você quer que a sua esposa receba seu cartão com essa cara de
preocupado que você está? como se tivesse toda a preocupação do mundo nas costas? O que ela
vai pensar? ‘Meu pobre marido está em perigo’ você tem que sorrir!” [Robert envergonhado
relaxa um pouco e começa a sorrir] Aí está!

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[Ele relaxa mais. Começa a se divertir. Mas ainda sem muita confiança, começa a montar um
charuto muito chique que estava em um de seus bolsos. Styles está agora se aquecendo para
começar a tarefa]
Olha, você algum dia já andou em um escritório onde em uma das portas enormes de vidro tinha
uma placa enorme escrito “Gerente – Bestuurder”. Imagine, você, Robert Zwelinzia, atrás de uma
mesa de escritório como essa! Pode acontecer, Robert. Rápida promoção para Mensageiro do
Chefe. Vou te mostrar o que fazemos. [Styles apresenta um mapa mundi estudantil, que coloca
atrás da mesa como um pano de fundo para a foto.]
Olhe, Robert. América, Inglaterra, África, Rússia, Ásia!
[Consumido pelo seu entusiasmo, Styles pega um cigarro, acende, e dá pra Robert segurar. Agora
este está pronto para a foto... cigarro em uma mão e cachimbo na outra. Styles fica atrás da
câmera e admira seu trabalho]
Sr. Robert Zwenlinzima, Mensageiro Chefe da Feltex, sentado no seu escritório com o mundo atrás
dele. Sorria, Robert. Sorria!
[Estudando seu sujeito através do visor da câmera]
Abaixe a mão, Robert... em direção ao cinzeiro... Mais... agora faça uma quatro com as pernas…
[Ele mostra atrás da câmera. Robert cruza as pernas]
Segure, Robert... Continue sorrindo... isso [aperta o botão da câmera – o obturador clica]
Lindo! Tudo certo, Robert
[Robert e seu sorriso continuam congelados] Robert. Você pode relaxar agora. Acabou!
HOMEM. Acabou?
STYLES. Sim. Você só quer um cartão?
HOMEM. Sim.
STYLES. O que vai acontecer se você o perder? Hein? Já ouvi histórias sobre entregadores de
carta, Robert. Sentam do lado da estrada e abrem as cartas que deveriam entregar! ‘Querida
esposa…’ - uma linha lida e jogam fora a carta. ‘Querida esposa…’ - outra linha, jogam fora.
Você quer que aconteça isso com você? Que tal um filme, Robert?
HOMEM. Filme?
STYLES. Você sabe o que é o filme?
HOMEM. Não

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STYLES. Simples! Só ande e você verá... [Styles demonstra; em um certo ponto congela a meio
passo.] ... e eu tiro o cartão! Ai você escreve pra sua esposa:
‘querida esposa, eu voltarei para casa no Natal...’ põe o cartão na carta e a posta. A esposa abre a
carta e o que ela vê? Seu Robert, voltando para casa, para ela! Ela mostra para as crianças. ‘Vejam
crianças, o papai está vindo!’. As crianças pulam e batem palmas: ‘O papai está vindo! O papai
está vindo!’
HOMEM. [Animado pela imagem que Styles conjurou]. Muito bem!
STYLES. Você quer um filme?
HOMEM. Eu quero um filme.
STYLES. Esse é meu garoto! Veja isso, Robert.
[Styles vira o mapa pendurado atrás da mesa ao avesso, revelando uma chamativa pintura de uma
cidade futurista]
Cidade do Futuro! Veja só isso. Sr. Robert Zwelinzima, homem da cidade, futuro líder da Feltex,
andando pela cidade do futuro!
HOMEM. [examinando o pano de fundo com admiração. Ele reconhece um limite]. OK
STYLES. Ok Bazaars... [as outras construções]... Sociedade de Construções Mutuas, Banco
Barclays... A quantidade!
O que está procurando, Robert?
HOMEM. Feltex.
STYLES. Pois é... Bem, veja, eu não consegui fazer caber tudo, Robert. Mas se houvesse espaço
um suficiente, Feltex estaria aí. [para sua mesa procurando adereços] Bengala... Jornal...
HOMEM. [timidamente] Eu não sei ler.
STYLES. Isso não importa, meu amigo. Você acha que todos esses macacos carregando jornais
sabem ler? Eles olham as imagens.
[Depois de vestir Robert com os adereços ele volta para sua câmera]
Isso vai ser lindo, Robert. Meu melhor cartão. Eu preciso enviar um para as revistas.
Muito bom, Robert, agora vá para trás. Lembre-se do que eu lhe mostrei. Apenas ande na minha
direção e bem de frente com a Cidade do Futuro. Eu vou tirar a foto. Pronto? Vamos lá, Robert...
[Cachimbo na boca, bengala na mão, jornal debaixo do outro braço, Robert dá um passo animado
e então congela, como Styles o mostrou antes]

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Venha, Robert…
[Outro passo.]
STYLES. Só mais um, Robert....
[Outro passo.]
STYLES. Para! Espera, Robert. Espera!
[O flash da câmera apaga; simultaneamente, um apagão, exceto pela luz em Robert, congelado
na pose que vai aparecer na foto. Agora nós estamos, de fato, olhando pra foto. Ela ganha vida,
e vai ditar a carta que a acompanhará à Nowetu em King William’s Town.]
HOMEM. Nowetu…
[Se corrigindo.]
Querida Nowetu,
Eu tenho notícias incríveis pra você nessa carta. Meus problemas acabaram, eu acho. Você não vai
acreditar, mas preciso te contar. Sizwe Bansi, de certo modo de falar, está morto! Vou te contar o
que eu puder.
Como você sabe, quando eu saí da Railway Compound, eu fui ficar com um amigo meu chamado
Zola. Um grande amigo, Nowetu. Na verdade, ele ainda estava tentando me ajudar a arrumar um
emprego. Mas isso não é fácil, Nowetu, pois Port Elizabeth é um lugar grande, um lugar muito
grande com muitas fábricas, mas também com muita gente procurando um emprego como eu. Há
tantos homens, Nowetu, que deixaram suas casas pois estavam lisos e vieram aqui procurar
trabalho!
Depois de uma semana com Zola, eu estava em uma enrascada. O chefe apareceu, e depois de
vários acontecimentos que eu te conto quando lhe vir, eles colocaram um carimbo na minha
caderneta que dizia que eu deveria sair de vez de Port Elizabeth em três dias. Eu estava muito
infeliz, Nowetu. Eu não poderia ficar com Zola pois se o chefe me encontrasse lá novamente,
minha enrascada seria maior ainda. Então Zola me levou até um amigo dele chamado Buntu, e o
perguntou se eu poderia ficar com ele até eu decidir o que fazer…
[Casa de Buntu em New Brighton. Uma mesa e duas cadeiras. Robert, em continuidade com a
cena anterior, já está lá quando Buntu entra com sua jaqueta pendurada no ombro e estende sua
mão a Robert.]
BUNTU. Oi. Buntu.

21
[Eles apertam a mãos.]
HOMEM. Sizwe Bansi.
BUNTU. Sente-se.
[Eles se sentam.]
Zola me disse que você vinha. Mas não teve tempo de me explicar nada. Apenas perguntou se você
poderia passar algumas noites aqui. Você pode acomodar-se naquele sofá do canto. Eu estou
sozinho no momento. Minha mulher é uma empregada doméstica... e dorme em Kabega Park... e
só volta aos finais de semana. Está quente hoje, não?
[Ao longo da cena Buntu irá manter-se ocupado lavando a mesa com um jarro de água e uma
bacia. Depois mudará suas roupas de trabalho apropriadas para sair. Sizwe continuará em sua
cadeira.]
Qual é o seu problema, amigo?
HOMEM. Eu não tenho permissão para ficar em Port Elisabeth.
BUNTU. Onde você tem permissão para ficar?
HOMEM. Em King William’s Town.
BUNTU. Como eles descobriram?
HOMEM. [Conta sua história hesitante e incerto das palavras apropriadas. Quando elas falham
ele tenta gesticular.]
Eu estava ficando com Zola, como você sabe. Eu estava muito feliz lá. Mas uma noite... eu estava
dormindo no chão... Eu ouvi uns barulhos e quando pude ver havia tochas brilhando através da
janela...então fez-se uma batida muito alta na porta. Quando eu acordei Zola estava lá no escuro...
Ele estava tentando sussurrar alguma coisa. Eu acho que ele estava tentando dizer para eu me
esconder. Então eu engatinhei para baixo da mesa. O líder veio, procurou ao redor, me achou ali...
e me tirou de lá.
BUNTU. Ataque surpresa?
HOMEM. Sim, foi um ataque surpresa. Eu usava apenas as minhas calças. Minha camiseta estava
jogada do outro lado. Eu apenas tive tempo de pegá-la enquanto ele me colocava para fora... Eu
terminei de me vestir na van. Eles dirigiram direto para o escritório de administração... e de lá para
o Departamento de Trabalho. Me mandaram ficar no caminho de passagem com todo mundo
mexendo suas cabeças como se soubessem que eu estava com grandes problemas. Mais tarde me

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levaram a um escritório e me disseram para ficar ao lado da porta... O homem branco atrás da mesa
tinha o meu livro e ele também me olhou e balançou sua cabeça. Apenas naquele momento outro
homem branco veio com um cartão.
BUNTU. Um cartão?
HOMEM. Ele estava carregando um cartão.
BUNTU. Um cartão cor de rosa?
HOMEM. Sim, era um cartão rosa.
BUNTU. Era o seu cartão de registro. Toda a sua bendita vida está escrita naquilo. Continue.
HOMEM. Então o primeiro homem branco começou a escrever algo no cartão... em seguida
alguém veio carregando um...
[Demonstra o que ele quer dizer batendo seu punho fechado na mesa.]
BUNTU. Um selo?
HOMEM. Isso, um selo. [Repete a ação.] Ele estava carregando um selo.
BUNTU. E aí?
HOMEM. Ele colocou na minha caderneta.
BUNTU. Posso vê-la?
[Sizwe tira sua caderneta do bolso de trás de suas calças. Buntu a examina.]
Merda! Você sabe o que é isso? [O selo.]
HOMEM. Eu não sei ler.
BUNTU. Escute... [lê] ‘Você está convocado para depor ao Comissário de negócios de Bantu em
King William’s Town dentro de três dias passados da data mencionada...’ Você deveria ter ido
para casa ontem!... ‘para a proposta de reparação ao seu distrito natal’ Controle de Influxo. Você
está com problemas, Sizwe.
HOMEM. Eu não quero deixar Port Elizabeth.
BUNTU. Tudo bem, mas se a caderneta diz que você deve ir, você vai.
HOMEM. Eu não posso talvez queimar essa caderneta e conseguir uma nova?
BUNTU. Queimar essa caderneta? Pare de brincadeiras, Sizwe! De qualquer forma eu suponho
que você deve. Você deve fazer o requerimento de uma nova, imediatamente. Certo? E até a nova
chegar você deve ser cuidadoso para que a polícia não o pare e peça sua documentação. Direto
para o tribunal, irmão. Acusação: Não apresentar seu cartão de registro quando exigido. Cinco

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rands ou cinco dias. Finalmente, quando a nova caderneta chegar vá até o Departamento de
Trabalho e peça por um novo selo… é preciso que você seja endossado com a permissão de estar
nessa área. O homem branco naquele lugar pega a caderneta e olha para ela e não para você! - vai
até a grande máquina e coloca o número...
[Buntu faz a mímica de digitar um número em um computador.]
… do seu documento e lê: ‘Sizwe Bansi. Endossado para King William’s Town...’ Pega a sua
caderneta, coloca o mesmo selo e começa tudo de novo. Então você queima essa caderneta ou
joga-a fora e consegue outra. Acontecendo a mesma coisa.
[Buntu digita no computador; o documento é impresso.]
‘Sizwe Bansi. Endossado para King William’s Town...’ O selo é colocado uma terceira vez… Mas
agora também em uma van e fora do escritório do Comissário; o documento enrolado em seu
pescoço como o seu número nele; escoltado dos dois lados e de volta para King William’s Town.
Eles ainda farão você pagar por toda a tarifa de trem também!
HOMEM. Eu acho que vou procurar alguns trabalhos em jardinagem.
BUNTU. Você? Trabalhar como um jardineiro? Você não leu os jornais?
HOMEM. Eu não sei ler.
BUNTU. Eu vou te dizer o que as senhoras branquinhas disseram: ‘Trabalhos domésticos. Eu
quero um jardineiro com boas maneiras e grande conhecimento sobre as estações e as flores.
Documentação em ordem.’ A sua está em ordem? De qualquer maneira o que você sabe sobre as
estações e as flores? [Depois de pensar por um momento.] Você conhece algum homem branco
disposto a te dar um emprego?
HOMEM. Não. Eu não conheço nenhum homem branco.
BUNTU. Pena. Nós poderíamos ser capazes de resolver alguma coisa se esse fosse o caso. Você
fala como um branco, entende, e pede que ele te escreva uma carta dizendo que tem um emprego
para você. Você leva essa carta de volta a King William’s e a apresenta ao comissário de lá. Ele
lerá essa carta de um branco em Port Elizabeth que está pronto para te dar um emprego. Escreve
outra carta para o comissário de Port Elizabeth. Então você volta aqui com as duas cartas. O
comissário de Port Elizabeth lê a carta do comissário de King William’s junto com a primeira do
homem branco que está preparado para te dar um emprego e diz: Ah sim, Sizwe Bansi terá o
emprego. Então o comissário de Port Elizabeth escreverá uma carta que você juntará as outras duas
e levará ao oficial sênior do Departamento de Trabalho que lerá todas as cartas. E colocará o selo

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certo em sua caderneta e dará a você uma nova carta escrita por ele mesmo que junto a todas as
outras, você levará ao escritório de administração aqui em New Brighton e fará a aplicação para
uma permissão de residência e assim você não será mais vítima de emboscadas novamente.
Simples.
HOMEM. Talvez eu consiga começar um negócio vendendo batatas e…
BUNTU. Onde você vai conseguir as batatas?
HOMEM. Eu vou comprá-las.
BUNTU. Com o quê?
HOMEM. Vou pedir um dinheiro emprestado…
BUNTU. Quem vai emprestar dinheiro a alguém endossado para o inferno e que saiu do meio do
mato? E como você vai comprar suas batatas no mercado sem uma licença Hawker? A mesma
história, Sizwe. Você não vai por causa do maldito selo na sua caderneta. Não tem uma saída,
Sizwe. Você não é o primeiro homem que tentou achá-la. Aceite o meu conselho e pegue aquele
trem de volta para King William’s. Se você precisar tanto de um emprego vá bater na porta do
escritório de recrutamento das mineradoras. Procure ouro para os brancos. Esse é o único momento
em que eles não vão se importar com o controle de fluxo.
HOMEM. Eu não quero trabalhar nas minas. Não me darão dinheiro lá. E é perigoso abaixo do
solo. Muitos negros morrem quando as pedras desabam. Você pode morrer lá.
BUNTU. [Congelado pela última frase da conversa e possivelmente a primeira vez em que ele de
fato olha para Sizwe.] Você não quer morrer.
HOMEM. Eu não quero morrer.
BUNTU. [Para seja o lá o que está fazendo pra sentar e falar com Sizwe com uma intimidade que
não estava ali ontem.] Você é casado, Sizwe?
HOMEM. Sim.
BUNTU. Quantas crianças?
HOMEM. Eu tenho quatro crianças.
BUNTU. Meninos? Meninas?
HOMEM. Eu tenho três meninos e uma menina.
BUNTU. Estudando?
HOMEM. Duas estão estudando. Os outros dois ficam em casa com minha mãe.

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BUNTU. Sua mulher não está trabalhando.
HOMEM. O lugar em que nós ficamos fica a quinze milhas da cidade. Só tem uma loja lá. Baas
van Wyk. Ele já tem uma mulher trabalhando pra ele. King William’s Town é um lugar escasso,
Mr Buntu... muito pequeno e gente demais. É por isso que eu não quero voltar.
BUNTU. Ag, amigo... Eu não sei! Também sou casado. Uma criança.
HOMEM. Só uma?
BUNTU. Ya, minha mulher vai a uma clínica de controle de natalidade. A criança está ficando
com minha mãe. [balançando a cabeça.] Hai, Sizwe! Se eu tivesse que te contar o perrengue que
eu passei antes que eu conseguisse os carimbos certos no meu livro, embora eu tenha nascido nesse
lugar! O perrengue que eu passei antes que eu conseguisse um emprego decente... nascido nesse
lugar! O perrengue que eu passei pra conseguir uma casa de dois cômodos... nascido nesse lugar!
HOMEM. Porque tem tanto perrengue, Mr Buntu?
BUNTU. Duas semanas atrás eu fui a um funeral com um amigo meu. Fora do país. Um antigo
parente dele faleceu. Aquela coisa... sermões na casa, sermões na igreja, sermões na sepultura.
Pensei que eles nunca iam parar de falar!
Nos trabalhos da sepultura tinha um cara, um pregador leigo... homem baixo, bigodinho arrumado,
vestindo um daqueles ternos pretos antigos... Haai! Ele era incrível. Enquanto ele falava ele fazia
um gestual com as mãos... tipo assim... isso me lembrou da nossa juventude, quando nós
aprendemos a lutar com kieries. O texto dele era “Going Home”. Ele lidou bem, Sizwe. Começou
dizendo que o primeiro homem a assinar o contrato da morte com Deus foi Adão quando ele pecou
no Éden. Desde aquele dia, onde quer que o Homem esteja, ou qualquer coisa que ele faça, ele
nunca está sem sua fiel companheira, morte. Quanto ao Outa Jacob... o nome do homem morto...
ele pelo menos aceitou os termos de seu contrato com Deus. Mas em sua vida, amigos, ele andou
pelas estradas dessa terra. Ele ajudou a criar essas trilhas que guiam através dos arbustos e pelo
véu... trilhas essas cujas suas crianças agora percorrem. Ele trabalhou em fazendas. Eu conhecia
ele. Ele era um amigo. Muita gente conhecia Outa Jacob. Por muito tempo ele trabalhou pro Baas
van der Walt. Mas quando o velho morreu, seu jovem filho Hendrik disse: “Eu não gosto de você.
Vá!” Outa Jacob pegou suas coisas e as colocou nos ombros. Sua mulher o seguiu. Ele foi pra
próxima fazenda... pela cerca, até a casa...: “Trabalho, por favor, Baas”. Baas Potgieter. Ele ficou
um longo tempo lá também, até que um dia houve um desentendimento entre a Madame e sua
mulher. Jacob e sua esposa estavam a andar novamente. A carga nas suas costas estava mais

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pesada, ele era mais tão jovem, e agora havia crianças atrás deles. No caminho para a próxima
fazenda. Nenhum trabalho. A próxima. Nenhum trabalho. Então a próxima. Um tempinho lá. Mas
a seca era terrível, e o fazendeiro disse: “Desculpe, Jacob. O gado está morrendo. Estou me
mudando pra cidade.” Jacob já pegou suas coisas de novo. E foi assim, amigos. De novo e de
novo... até ele chegar ali. [A cova aos seus pés.] Agora pelo menos está acabado. Não importa o
quão durão o fazendeiro dessa fazenda possa ser, ele não pode mudar Outa Jacob. Ele chegou em
casa.
[Pausa.]
É isso, irmão. O único momento que encontraremos paz é quando eles abrirem um buraco para
nós, e prensarem nossa cara na terra.
[Colocando seu casaco.]
Ag, pro inferno isso. Se continuarmos assim por mais tempo, nós cavaremos o buraco pra eles.
[Mudando o tom.]
Você conhece o Sky’s, Sizwe?
HOMEM. Não.
BUNTU. Venha. Vou te dar um gostinho. Te banco lá.
[Buntu sai. Blackout exceto a luz em Sizwe. Ele continua sua carta a Nowetu.]
HOMEM. O Sky’s? [Balança sua cabeça e ri.] Ei, Nowetu! Quando menciono esse nome de
novo, fico com dor de cabeça... a mesma dor de cabeça que tive quando acordei na casa de Buntu
na manhã seguinte. Você não vai acreditar como era. Você não pode! Seria como descer a rua
Pickering em King William’s Town e entrar no Koekemoer’s Café pra comprar pão, e o que você
vê sentado lá nas mesas e cadeiras? Seu marido, Sizwe Bansi, sendo servido com sorvete e bebidas
legais pela própria Mrs Koekemoer. Tanta seria a surpresa se você tivesse me visto no Sky’s. Só
que eles não estavam servindo bebidas legais e sorvete. Não! Bebida de primeira classe, Nowetu.
E não era a Mrs Koekemoer me servindo, mas uma certa amável e linda moça chamada Miss
Nkonyemi. E não era só seu marido Sizwe sentado lá com todas as pessoas mais importantes de
New Brighton, mas o Mister Bansi. [Ele começa a rir.] Mister Bansi!
[Conforme a risada fica maior, Sizwe se levanta.]
[A rua fora da taberna Sky’s em New Brighton. Nosso cara está amavelmente bêbado. Ele mexe
com a plateia.]

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HOMEM. Você sabe quem eu sou, amigo? Pega minha mão, amigo. Pega minha mão. Eu sou
Mister Bansi, amigo. Você sabe de onde eu venho? Eu venho do Sky’s, amigo. Eu tenho bebido,
amigos - brandy6, vinho, cerveja... Vocês não querem entrar lá, boas pessoas? Vamos todos entrar
no Sky’s. [Gritando.] Mr Buntu! Mr Buntu!
[Buntu entra gritando adeus aos amigos na taberna. Ele se junta a Sizwe. Buntu, apesar de não
estar bêbado, também está amavelmente falante pela influência de algumas boas bebidas.]
BUNTU. [Descobrindo o público] Ei, de onde você tirou todas essas pessoas incríveis?
HOMEM. Eu acabei de achá-los aqui, Mr Buntu.
BUNTU. Incrível!
HOMEM. Eu estou convidando eles pro Sky’s, Mr Buntu.
BUNTU. Você fala pra eles sobre o Sky’s?
HOMEM. Eu falei pra eles do Sky’s, Mr Buntu.
BUNTU. [Ao público] A gente tá se divertindo lá, cara!
HOMEM. Eles sabem disso. Eu contei tudo pra eles.
BUNTU. [Rindo.] Sizwe! Nós nos divertimos lá.
HOMEM. Ei... Ei...
BUNTU. Lembra daquele membro do comitê de assessoria?
HOMEM. Ei... Ei... Mr Buntu! Você sabe que eu te respeito, amigo. Você precisa me chamar
direito.
BUNTU. O que vc quer dizer?
HOMEM. [Dignidade desajeitada]. Eu não sou mais apenas Sizwe. Ele pode ter entrado, mas Mr
Bansi que saiu!
BUNTU. [Acompanhando-o]. Eu sinto muito, Mr Bansi. Eu peço desculpas pela minha
familiaridade. Por favor não se ofenda.
[Oferecendo uma das duas laranjas que está carregando.] Permita-me... com os cumprimentos da
Miss Nkonyeni.
HOMEM. [pegando a laranja com um sorriso grande, mas acanhado] Miss Nkonyeni!

6 Brandy: Produto decorrente da destilação de vinho, geralmente contendo cerca de 40–60% de graduação
alcoólica por volume.

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BUNTU. Bons sonhos, Mr Bansi.
[abre a laranja com os dedões e começa a comer de forma bagunçada].
HOMEM.Moça adorável, Mr Buntu.
BUNTU. [Deixa Sizwe com uma risada. Ao público]. Lá na taberna um membro do comitê de
assessoria escutou que ele vem de King William’s Town. Ele se dirige a Sizwe. ‘Me diga, Mr.
Bansi, o que você acha da Independência Ciskeiniana?’
HOMEM. [interrompendo]. Ya, eu lembro dessa. O grande Senhor Membro do Conselho
Consultivo. Falando da Independência Ciskeiniana!
[Ao público.]
Preciso lhe dizer, amigo... quando um carro passa ou o vento levanta a poeira, a Independência
Ciskeiniana faz você tossir. Tô falando, amigo... coloque um homem numa casa de campo e chama
isso de Independência? Meu bom amigo, deixo te dizer... a Independência Ciskeiniana é uma
merda!
BUNTU. Ou aquele outro cara! O Velho Jolobe. Aquele gordo! [para a audiência] Vem até eu...
[voz pomposa] ... ‘́Seu amigo, Sr Bansi, ele está numa visita oficial na cidade?’ ‘Não,’ Eu disse,
‘Sr Bansi está em um passeio oficial!’ [Buntu acha que isso é uma grande piada.]
HOMEM. [teimoso]. Eu tô aqui pra ficar.
BUNTU. [olhando seu relógio]. Ei, Sizwe...
HOMEM. [reprovando]. Sr Buntu!
BUNTU. [corrigindo-se]. Sr Bansi, está ficando tarde. Tenho que trabalhar amanhã. Se importa
de liderar o caminho, Sr Bansi?
HOMEM. Acha que eu não consigo? Acha que Sr Bansi está perdido?
BUNTU. Eu não disse isso.
HOMEM. Você está pensando isso, amigo. Vou te mostrar. Essa é a rua Chinga.
BUNTU. Muito bem! Mas que caminho nós...?
HOMEM. [partindo] Por aqui.
BUNTU. [puxando-o]. Errou. Você está indo para Site e Service e um monte de problemas com
os Tsotsis.
HOMEM. [direção oposta]. Aquele caminho.
BUNTU. Vá na frente. Tô logo atrás de você.

29
HOMEM. Ya, você está certo, Sr Buntu. Ali está a escola Newell High. Agora...
BUNTU. Pense bem!
HOMEM. Quando estávamos indo pra Sky, Newell estava na frente. Então quando saímos da Sky,
Newell ficou atrás.
BUNTU. Muito bom!
[Uma virada apropriada na direção. Eles continuam andando, e eventualmente chegam até
um quadrado, com estradas levando para vários caminhos. Sizwe está perdido. Ele vagueia,
incerto de que direção seguir.]
HOMEM. Haai, Sr Buntu...!
BUNTU. Praça Mbizweni.
HOMEM. Yo! Encruzilhada pro inferno, espera... [olha atentamente o ponto de referência.]...
Esse prédio... Cinema Rio! Então devemos...
BUNTU. Cinema Rio? Com uma cruz branca em cima, sino fora e o grande show aos Domingos?
HOMEM. [timidamente]. Você está certo, amigo. Eu achei, Sr Buntu. Por ali.
[Ele começa a ir. Buntu o observa.]
BUNTU. Adeus. A King William’s Town está a 150 milhas. Não esqueça de escrever.
HOMEM. [apressou-se por sua vez]. Haai... haai ...
[Buntu desaparece no escuro]
BUNTU. Ok, Sizwe! Você é um tolo! Levando o Sr Buntu e o Sr Bansi pelo caminho errado. Você
acha que conhece New Brighton? Você não sabe nada.
[Buntu corre de volta]
BUNTU. [urgentemente]. Vamos embora daqui.
HOMEM. Espera, Sr. Buntu, to falando pro idiota do Sizwe que...
BUNTU. Vamos! Tem um problema ali... [apontando na direção que ele veio] ... vamos andando.
HOMEM. Espera, Sr Buntu, espera. Deixa-me primeiro falar pro Sizwe...
BUNTU. Tem um homem morto ali!
HOMEM. Homem morto?
BUNTU. Achei que eu só estava mijando numa pilha de lixo, mas quando olhei cuidadosamente
eu vi que era um homem. Morto. Coberto com sangue. Tsotsis devem ter pego ele. Vamos embora
daqui antes que alguém veja a gente.

30
HOMEM. Buntu... Buntu...
BUNTU. Me escuta, Sizwe! Os Tsotsis podem estar por aqui.
HOMEM. Buntu...
BUNTU. Você quer se juntar a ele?
HOMEM. Não quero me juntar a ele.
BUNTU. Então vem.
HOMEM. Espera, Buntu.
BUNTU. Jesus! Se Zola tivesse me falado o problema que você seria!
HOMEM. Buntu... temos que mostrar esse homem para a estação policial.
BUNTU. Estação policial! Você tá louco? Você tá bêbado, caderneta não está em ordem...
‘Viemos reportar um homem morto, Sargento.’ ‘Peguem eles!’ Caso resolvido. Matamos ele.
HOMEM. Sr Buntu,... não podemos deixar ele...
BUNTU. Por favor, Sizwe!
HOMEM. Espera. Vamos levar ele pra casa.
BUNTU. Vamos fazer isso! Andar pelas ruas de New Brighton, essa hora, carregando um homem
morto. Além de não sabermos onde ele mora. Vem.
HOMEM. Espera, Buntu... escuta...
BUNTU. Sizwe!
HOMEM. Buntu, podemos descobrir onde ele mora. A caderneta dele vai dizer. Ela fala, meu
amigo, assim como a minha. A caderneta dele vai contar pra você.
BUNTU. [depois de um momento de hesitação]. Você realmente quer me meter nessa merda, hein.
[desaparece no escuro de novo]
HOMEM. Vai te contar em um bom inglês onde ele mora. Minha caderneta fala um inglês bom
também... palavras grandes que Sizwe não consegue ler e não entende. Sizwe quer ficar aqui em
New Brighton e encontrar um trabalho; a caderneta diz, ‘Não! Reporte de volta.’ Sizwe quer
alimentar sua mulher e suas crianças; a caderneta diz, ‘Não. Reafirmando.’ Sizwe quer...
[Buntu aparece outra vez, uma caderneta em sua mão. Olha em volta furtivamente e move-se para
a luz embaixo de um poste de luz.]
Eles nunca dizem como será quando eles apresentam. Eles dizem: Livro da Vida! Seu amigo!
Você nunca vai se perder! Eles contam mentiras. [Se junta a Buntu que está examinando o livro.]

31
BUNTU. Haai! Olha pra ele [a fotografia no livro, lendo].
‘Robert Zwelinzima. Tribo: Xhosa. Número de identificação local…’
HOMEM. Onde ele mora, Buntu?
BUNTU. [folheando o livro]. Trabalhou no Dorman Long sete anos... Kilomet Engineering...
dezoito meses... Anderson Handware dois anos... agora desempregado. Ei, olha, Sizwe! Ele tá uma
na sua frente. Ele tem a permissão para trabalhar.
HOMEM. Onde ele mora, Buntu?
BUNTU. Lodger’s Permit na rua Mdala, 42. Daqui para rua Sangocha... agora na...
[Pausa. Olha o livro abruptamente.] Pro inferno com isso, não vou lá.
HOMEM. Onde, Buntu?
BUNTU. [enfatizando]. Eu Não Vou Pra Lá!
HOMEM. Buntu...
BUNTU. Você sabe onde ele está morando agora? Single Men’s Quarters! Se você acha que vou
lá essa hora da noite você tem outra suposição vindo.
[Sizwe não entende.]
Olha, Sizwe... Eu fico numa casa com um nome de rua e um número. Fácil de achar. Pergunte pra
alguém... Rua Mapija? Aquele caminho. Você sabe onde fica Single Men’s Quarters? Um grande
campo de concentração com um monte de coisas que parecem vagões de trem. Seis portas cada!
Doze pessoas atrás de cada porta! Você quer que eu vá lá agora? Bata na primeira: ‘Robert
Zwenlinzima vive aqui?’ ‘Não!’ Próxima: ‘Robert...?’ ‘Vaza, estamos tentando dormir!’
Próxima: ‘Robert Zwelinzima...?’ Eles vão foder a gente, cara! Eu vou devolver esse livro e vamos
pra casa.
HOMEM. Buntu!
BUNTU. [no meio do caminho do beco]. Quê?
HOMEM. Você faria isso comigo, amigo? Se Tsotsis tivesses esfaqueado Sizwe, e o deixassem
lá no chão, você iria embora também?
[A acusação para Buntu.]
Você me deixaria no chão, molhado com seu mijo? Queria estar morto. Queria estar morto porque
não ligo para mais porra nenhuma.
[se virando para a audiência.]

32
O que está acontecendo nesse mundo, boas pessoas? Quem liga para quem nesse mundo? Quem
quer quem?
Quem me quer, amigo? O que há de errado comigo? Sou um homem. Eu tenho olhos para ver. Eu
tenho ouvidos para ouvir quando as pessoas falam. Eu tenho uma cabeça para pensar boas coisas.
O que há de errado comigo?
[Começa a arrancar as roupas]
Olhem pra mim! Sou um homem. Eu tenho pernas. Eu posso correr com um carrinho de mão cheio
de cimento! Eu sou forte! Eu sou um homem. Olhem! Eu tenho uma esposa. Eu tenho quatro
crianças. Quantos ele fez, senhora? [O homem sentado ao lado dela.] Ele é um homem? O que ele
tem que eu não tenho?
[Um Buntu pensativo volta a se unir a eles, o livro de referência do homem morto continua em
suas mãos]
BUNTU. Posso ver seu livro? [Sizwe não responde] Me dê seu livro!
HOMEM. É um policial agora, Buntu?
BUNTU. Me dê a droga do seu livro, Sizwe!
HOMEM. [entregando o livro] Pegue, Buntu. Pegue este livro e leia com cuidado, amigo, e me
diga o que ele diz sobre mim. Buntu, esse livro diz a você que eu sou um homem?
[Buntu estuda os livros. Sizwe vira-se para a platéia] Esse livro maldito…! Pessoas, vocês
sabem? Não! Qualquer lugar que você vá...é esse maldito livro. Você vai pra escola, ele vai
também. Vai pro trabalho, ele vai também. Vai pra igreja e reza, e canta hinos de louvor, ele senta
lá com você. Vai pro hospital e morre, ele se deita lá também!
[Buntu coletou as vestimentas jogadas de Sizwe]
BUNTU. Venha!
[Casa do Buntu, como antes. Mesa e duas cadeiras. Buntu empurra Sizwe para uma cadeira. Sizwe
continua resmungando, enquanto se esforça para botar de volta suas roupas. Buntu abre os dois
livros de referência e coloca eles lado a lado sobre a mesa. Ele produz um pote de cola, então
cuidadosamente retira a fotografia de cada livro. Um pouquinho de cola na costa de cada foto e
então Sizwe volta para o livro de Robert, e Robert volta para o livro de Sizwe. Sizwe observa Buntu
trabalhando, primeiramente desinteressado, mas quando percebe o que ele pretende fazer, começa
a se preocupar. Quando o trabalho termina, Buntu empurra os dois livros para a frente de Sizwe.]
HOMEM. [balançando a cabeça enfaticamente] Yo! Haai, haai. Não, Buntu.

33
BUNTU. É uma chance.
HOMEM. Haai, haai, haai….
BUNTU. É sua única chance!
HOMEM. Não, Buntu! O que isso significa? Que eu, Sizwe Bansi…
BUNTU. Está morto.
HOMEM. Não estou morto, amigo.
BUNTU. Nós queimamos esse livro… [Original do Sizwe] …e Sizwe Bansi some da face da terra.
HOMEM. E o homem que deixamos caído no beco?
BUNTU. Amanhã o esquadrão de vôo passará por lá e encontrará ele. Checarão seus bolsos...
nenhum passaporte. Necrotério em Mount Road. Depois de três dias ninguém vai identificá-lo.
Enterro de indigente. Caso fechado.
HOMEM. E então?
BUNTU. Amanhã entro em contato com meu amigo Norman da Feltex. Ele é um dos sub-chefes
de lá. Falo com ele sobre outro amigo, Robert Zwelinzima, livro em ordem, está procurando por
emprego. Você aparece por lá mais tarde, entrega o livro para o homem branco. Com quem Robert
Zwelinzima se parece? Você! Quem recebe o pagamento na sexta? Você, cara!
HOMEM. E sobre toda aquela merda de Escritório Trabalhista, Buntu?
BUNTU. Você não tem que ir lá. Esse companheiro tem uma permissão de empregador, Sizwe.
Tudo o que você faz é entregar o livro para o Homem Branco. Ele verifica com o Escritório
Trabalhista. Eles verificam com a grande máquina. ‘Robert Zewlinzima tem o direito de ser
empregado e ficar nesta cidade.’
HOMEM. Não quero perder meu nome, Buntu.
BUNTU. Você quer dizer que não quer perder seu passaporte maldito! Você ama ele, hein?
HOMEM. Buntu. Eu não posso perder meu nome.
BUNTU. [deixando a mesa] Tudo bem. Eu está apenas tentando ajudar. Como Robert Zwelinzima
você poderia ter ficado e trabalhado nesta cidade. Como Sizwe Bansi...? Comece a andar, amigo.
Cidade de King Williams. Cento e cinquenta milhas. E não perca tempo! Você precisa estar lá
amanhã. Espero que aproveite.
HOMEM. Buntu…
BUNTU. Muitos cenários em cento e cinquenta milhas.

34
HOMEM. Buntu!...
BUNTU. Talvez uma ideia melhor seja apenas esperar até que eles o capturem. Livre-se de toda
essa caminhada. Para o trem com a escolta! Coisa inteligente, hein. Apesar disso espero que não
esteja lotado. Um inferno de gente sendo chutada pra fora, ouvi dizer.
HOMEM. Buntu!...
BUNTU. Mas quando estiver de volta! Sente-se ao lado da estrada perto de sua cabana com sua
família...o Clã Bansi inteiro de saída...para sempre! Hei, isso parece bom. Assistindo todos os
carros passando, e como você disse, amigo, com os malditos pulmões tossindo pra fora a
Independência Ciskeiniana.
HOMEM. [Agora realmente desesperado] Buntu!!!
BUNTU. O que está esperando? Vá!
HOMEM. Buntu.
BUNTU. O que?
HOMEM. E sobre minha esposa, Nowetu?
BUNTU. O que tem ela?
HOMEM. [lágrimas sentimentais]. Seu amado marido, Sizwe Bansi, está morto!
BUNTU. E daí? Ele vai se casar com um homem melhor.
HOMEM. [reprimindo]. Quem?
BUNTU. Você...Robert Zwelinzima.
HOMEM. [completamente confuso]. Como posso me casar com minha esposa, Buntu?
BUNTU. Traga ela até aqui e eu vou apresentá-lo.
HOMEM. Não faça piadas, Buntu. Robert...Sizwe...estou todo misturado. Quem eu sou?
BUNTU. Um tolo que não está aproveitando sua chance.
HOMEM. E minhas crianças! O pai delas é Sizwe Bansi. Estão todas registradas na escola como
Bansi…
BUNTU. Está realmente preocupado com suas crianças, amigos ou está apenas preocupado com a
droga do seu nome? Acorde, cara! Use esse livro com seu pagamento na sexta e você terá a chance
real de fazer algo por eles.
HOMEM. Estou com medo. Como me acostumo com Robert? Como vivo sendo sombra do
fantasma de outro homem?

35
BUNTU. Não era Sizwe Bansi um fantasma?
HOMEM. Não!
BUNTU. Não? Quando o homem branco olhava para você no Escritório Trabalhista o que ele via?
Um homem com dignidade ou um passaporte de merda com um número de seguro nacional? Isso
não é um fantasma? Quando o homem branco te vê andando pela rua e te chama, “Ei, John! Venha
aqui”... para você, Sizwe Bansi...não é isso um fantasma? Ou quando a pequena criança dele chama
você de “Garoto”...você, um homem, circuncidado com uma esposa e quatro crianças...não é isso
um fantasma? Pare de se enganar. Tudo que estou dizendo é para ser um fantasma de verdade, se
é isso que eles querem, o que eles nos tornaram. Apavore-os até o inferno, cara!
[Sizwe está mudo. Buntu percebe que suas palavras começaram a alcançar o outro homem. Ele se
aquieta, procurando um novo movimento. Ele encontra.]
Suponha que você tenta o meu plano. Sexta. Setor de Fundição Pesada na Feltex. Pagamento por
hora. Fila de homens - trabalhadores sem habilidade. Homem branco com uma caixa cheia de
pacotes de pagamento.
“John Kani!” “Sim, Senhor” Pacote de pagamento entregue. “Obrigado, Senhor!” Outro [Buntu lê
o nome em um pacote de pagamento imaginário] “Winston Ntshona!” “Sim, Senhor!” Pacote de
pagamento saindo. “Obrigado, Senhor” Outro “Fats Bhokolane” “Hier is ek. My baas!”7 Pacote
de pagamento saindo. “Dankie my baas!”8 Outro. “Robert Zwelinzima!”
[Sem resposta de Sizwe] “Robert Zwelinzima!”
HOMEM. Sim, senhor.
BUNTU. [Entregando a ele o pacote imaginário] Abra-o. Vá em frente. [Pega de volta o pacote,
abre-o, esvazia seu conteúdo em cima da mesa e começa a contá-lo] Cinco...dez...onze...doze...e
noventa e nove cents. No seu bolso!
[Buntu novamente se aquieta, deixando Sizwe para pensar. Eventualmente…]
Sábado. Homem de macacão, doze rands e noventa e nove cents no seu bolso de trás, caminhando
pela rua principal procurando por casas de venda. Encontra uma e entra. O vendedor se aproxima
para conhecê-lo.
“Vim comprar um terno.” O vendedor é muito amigável.

7
Aqui estou, meu senhor!
8
Obrigado, meu senhor!

36
“Certamente. Por que não se senta? Vou pegar os formulários. Tenho certeza de que você quer
abrir uma conta, Senhor. Seis meses para pagar. Mas primeiro eu vou precisar de todos seus
detalhes.” no bolso de trás, descendo a Avenida Principal procurando a Sales House. Encontra-a e
entra.
Salesman se adianta em sua direção.
‘Eu vim comprar um terno.’ Salesman é bastante amigável.
‘Certamente. Por que não se senta? Vou pegar os formulários. Tenho certeza de que quer abrir
uma conta, senhor. Seis meses para pagar. Mas primeiro eu preciso de todos os seus dados.’
[Buntu virou a mesa, com Swize do outro lado, na cena imaginária em Sales House.]
BUNTU. [lápis posicionado, pronto para preencher um formulário]. Seu nome, por favor,
senhor?
HOMEM. [respondendo com insegurança]. Robert Zwelinzima
BUNTU. [escrevendo] ‘Robert Zwelinzima’. Endereço?
HOMEM. Rua Mapija, número cinquenta.
BUNTU. Onde trabalha?
HOMEM. Feltex
BUNTU. Valor do salário?
HOMEM. Doze…
BUNTU. Número de identidade, por favor?
[Sizwe hesita.]
Seu Número de identidade por favor?
[Sizwe ainda está inseguro. Buntu abandona o ato e pega a caderneta de Robet Zwelinzima. Ele
lê o número em voz alta.]
N-I-3-8-1-1-8-6-3.
Escreva isso na sua testa, amigo. Está me escutando? É mais importante que seu nome. Número
de identidade... Três...
HOMEM. Três.
BUNTU. Oito.
HOMEM. Oito.
BUNTU. Um.

37
HOMEM.Um.
BUNTU. Um.
HOMEM. Um.
BUNTU. Oito.
HOMEM. Oito.
BUNTU. Seis.
HOMEM. Seis.
BUNTU. Três.
HOMEM. Três.
BUNTU. Novamente. Três
HOMEM. Três.
BUNTU. Oito.
HOMEM. Oito.
BUNTU. Um.
HOMEM. Um.
BUNTU. Um.
HOMEM. Um.
BUNTU. Oito.
HOMEM. Oito.
BUNTU. Seis.
HOMEM. Seis.
BUNTU. Três.
HOMEM. Três.
BUNTU. [ pegando seu lápis e retomando o papel do vendedor] Número de identidade, por favor.
HOMEM. [fazendo pausas frequentemente, usando suas mãos para lembrar]. Três... Oito... Um...
Um... Oito... Seis... Três...
BUNTU. [abandonando a ação]. Bom garoto.
[Ele dá alguns passos. Sizwe senta e aguarda.]
Domingo. Um homem vestido com a roupa da casa de vendas, chapéu na cabeça, indo à igreja.

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Hinário e bíblia debaixo do braço. Senta-se no banco da frente. O padre está no púlpito.
[Buntu pula sobre uma cadeira em seu novo papel. Sizwe se ajoelha.] O Tempo chegou!
HOMEM. Amém!
BUNTU. Orai, irmãos e irmãs... Orai... Agora!
HOMEM. Amém.
BUNTU. O Senhor quer salvá-los. Entreguem-se a ele enquanto ainda é tempo, enquanto Jesus
ainda está preparado para ouvi-los.
HOMEM. [levado pelo que sente] Amém, Jesus!
BUNTU. Tenham cuidado, meus irmãos e irmãs...
HOMEM. Aleluia!
BUNTU. Sejam cuidadosos a fim de que, quando o grande dia chegar e as páginas do grande livro
tenham sido viradas, não seja descoberto que estão faltando seus nomes. Arrependam-se antes que
seja tarde.
HOMEM. Aleluia! Amém
BUNTU. Todos aqueles que ainda não entregaram seus nomes para nossa sociedade dos enterros
por favor permaneçam atrás.
[Buntu abandona o púlpito e circula com uma caderneta] Nome, por favor, senhor? Número?
Obrigado.
Boa tarde, irmã. Seu nome, por favor.
Endereço? Número? Deus lhe abençoe. [Ele chegou até Sizwe] Seu nome, por favor, irmão?
HOMEM. Robert Zwelinzima
BUNTU. Endereço?
HOMEM. Rua Mapija, número cinquenta.
BUNTU. Número de identidade.
HOMEM. [novamente faz um tremendo esforço para lembrar]. Três... Oito... Um... UM... Oito...
Seis... Três...
[Ambos relaxam]
BUNTU. [Após dar alguns passos durante alguns segundos]. O mesmo homem saindo da Igreja...
Descendo a rua.
[Buntu atua seu papel enquanto Sizwe assiste. Ele cumprimenta outros membros da congregação.]

39
‘Deus o abençoe, irmão Bansi. Que tu estejas sempre na misericórdia de Deus’
‘Saudações, Irmão Bansi. Seja bem-vindo ao bando de Jesus com os espíritos felizes’
‘Deus o abençoe, Irmão Bansi. Fique com o Senhor, o Diabo é forte.’ De repente...
[Buntu foi para trás de Sizwe. Ele o segura violentamente pelo ombro.] Polícia!
[Sizwe fica parado, apavorado. Buntu o observa cuidadosamente.] Não homem! Limpe sua
expressão.
[Sizwe adota uma expressão impassível. Buntu prossegue como policial] Qual é o seu nome?
HOMEM. Robert Zwelinzima
BUNTU. Onde trabalha?
HOMEM. Feltex.
BUNTU. Livro!
[Sizwe entrega o livro e espera enquanto o policial o abre e olha a fotografia, então Sizwe, e
finalmente checa os selos e diferimentos. Enquanto tudo isso acontece Sizwe está em pé, quieto,
olhando para baixo em direção a seus pés, assobiando com a respiração. O livro é finalmente
devolvido]
Okay
[Sizwe pega seu livro e se senta]
HOMEM. [Após uma pausa]. Eu vou experimentar, Buntu.
BUNTU. É claro que deve, se quiser sobreviver.
HOMEM. Sim, mas Sizwe Bansi está morto.
BUNTU. E então o que acha de Robert Zwelinzima? Aquele pobre bastardo que eu mijei lá fora
no escuro. Então ele vive novamente. Que milagre, homem!
Veja, se alguém fosse me oferecer as coisas que eu mais quero na vida, as coisas que fariam a mim,
minha esposa, e minha criança felizes, em troca do nome Buntu... Você acha que eu não trocaria?
HOMEM. Você tem certeza, Buntu?
BUNTU. [Examinando seriamente a questão]. Se houvesse apenas eu... Quero dizer, se eu fosse
sozinho, se eu não tivesse ninguém com quem me preocupar ou cuidar exceto eu... Talvez estivesse
preparado para pagar um certo preço por algum orgulho. Mas se eu tivesse uma esposa e quatro
crianças passando sua única vida na poeira e na pobreza da Independência Ciskeiniana... Se eu

40
tivesse quatro crianças esperando por mim, o pai deles, para fazer algo sobre suas vidas ... Ag, não,
Sizwe...
HOMEM. Robert, Buntu.
BUNTU. [com raiva] Tudo bem! Robert, John, Athol, Wisnton... Merda de nomes, cara! Pro
inferno com eles se em troca você pudesse pegar um pedaço de pão para seu estômago e um
cobertor no inverno. Me entenda, irmão. Não estou dizendo que orgulho não é um caminho para
gente. O que estou dizendo é foda-se nosso orgulho se somente estamos enganando nós mesmo
que somos homens.
Pegue seu nome de volta, Sizwe Bansi, se isso é tão importante para você. Mas da próxima vez
que você ouvir um homem branco dizer “John” para você, não vá dizendo “sim, senhor?” e a
próxima vez que o maldito homem branco disser para você, um homem, “garoto, venha cá” não
corra para ele e lamba sua bunda como todos nós fazemos. Encare ele e diga: “homem branco, eu
sou um homem!” Oh cara, que merda! Estamos enganando nós mesmos.
É como o chapéu do meu pai. O chapéu especial, cara! Cuidadosamente envolto em plástico no
topo do guarda-roupa de seu quarto. Deus ajude a criança que tanto o toca! Domingo está na cabeça
dele, e um homem, cheio de dignidade, um homem que eu respeito, anda descendo a rua.
Um homem branco para ele: “vem aqui, preto!” O que ele faz?
[Buntu arranca o chapéu imaginário de sua cabeça e o amassa em suas mãos enquanto aceita
uma bajulação, pose servil em frente ao homem branco.]
“O que é isso, senhor?”
Se é isso que você chama de orgulho, então foda-se isso! Pegue o meu e me dê comida para
minhas crianças. [pausa]
Olhe, irmão, Robert Swelinzima, esse pobre bastardo fora daqui, no beco, se existem fantasmas,
ele está sorrindo está noite. Ele está aqui, conosco, e está dizendo “boa sorte, Sizwe! Eu espero
que isso funcione! Ele é um irmão, cara.
HOMEM. Por quanto tempo, Buntu?
BUNTU. Por quanto tempo? Pelo tempo que você conseguir ficar fora de problemas. Problemas
significarão delegacia da polícia, e então impressões digitais para a Pretoria, para checar nossas
condenações anteriores... e quando eles fizerem isso... Sizwe Bansi vai viver novamente e você
terá tido isso.

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HOMEM. Buntu, você sabe o que está dizendo? Um homem preto ficar fora de problemas?
Impossível, Buntu. Nossa pele é um problema.
BUNTU. [cansado] você disse que queria tentar.
HOMEM. E eu vou
BUNTU. [pega seu casaco] Estou cansado... Robert. Boa sorte. Vejo você amanhã.
[Buntu sai. Sizwe pega a caderneta, a olha por um longo tempo, e então coloca em seu bolso de
trás. Ele acha sua bengala, jornal, cachimbo e segue para a frente do palco em uma luz solitária.
Ele termina a carta para sua esposa.]
HOMEM. Então Nowetu, por enquanto meus problemas acabaram. No natal eu vou para casa.
Enquanto isso Buntu está trabalhando em um plano para conseguir uma permissão de inquilino
para mim. Se eu conseguir isso, você e as crianças podem vir para cá e passar alguns dias comigo
em Port Elizabeth. Gaste o dinheiro que estou te mandando, cuidadosamente. Se tudo ocorrer bem
eu irei te enviar mais um pouco a cada semana.
Minha querida esposa, eu não esqueci de você.
Seu amado marido,
Sizwe Bansi.
[Conforme ele vai terminando a carta, Sizwe retorna para a pose da foto. Estudio de fotografia
do Styles. Styles está atrás da câmera.]
STYLES. Mantem, Robert. Isso, desse jeito. Só mais uma.
Agora sorria, Robert. . . sorria . . . sorria ...
[Flash da câmera e blackout.]

FIM.

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