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O barulho era ensurdecedor.

Imaginava que seria assim, mas não ao ponto de quase estourar


todos os meus tímpanos. Havia muito que reclamar do som, mas não de queixar da vitória,
afinal, o evento estava sendo um sucesso. Quem quer que fossem os donos dos riffs de
guitarras e das vozes escandalosas, fortaleciam meu ego pela resposta do público. Era o baile
de formatura mais lotado que já tinha presenciado e coordenado. Mal acreditava, não havia
planejado um local para tantas pessoas, não tinha noção do quanto bandas assim atraiam os
universitários. Devia ter dado mais ouvidos a Tiffany, se soubesse teria perdido menos tempo
com pop stars amistosos e sem personalidades. Sem dúvidas, personalidade é o que não
faltava nesses adolescentes espalhafatosos metidos a malvadões.

Ao final da festa mal estava acreditando no quanto tinha faturado em um único show; Que
achei ser de nível medíocre, meus olhos brilhavam, estava em choque.

Teria encontrado finalmente minha mina de ouro?

Sorria vendo os euros em montantes encima da mesa.

- Por favor, Tiffy, não diga mais nada, chamem os “artistas” aqui agora, preciso convencê-los a
continuarem comigo.

- Eu te avisei antes, não quis analisar os fatos, eu disse que estavam fazendo o maior
burburinho no campus da Universidade.

- Eles já fecharam com o Brian? – me levanto exasperada, não podia perdê-los, muitos menos
para a concorrência.

- Ainda não, a notícia não se espalhou, mas logo o que mais vai ter é empresário querendo
gerenciar a carreira deles.

- Os chamem logo Tiffany, não posso perder mais tempo, esses garotos serão a porta para nós
tornar milionárias!

- Karem, você tem certeza que damos conta de agenciar uma banda nova dessas? Você sabe o
que se passa nos bastidores.

- Transformar fracassados em astros é o que a gente faz, não será uns adolescentes trevosos a
nos atrapalhar.

Deathkids, era o nome da banda de jovens desajustados que mal saíram


da escola, e que mais pareciam, de fato, mortos vivos. O líder deles entra
primeiro na sala, com pose de confiança, sendo seguido pelos outros três
carregando instrumentos. Era inacreditável que berros e gritos, com
tachas e tatuagens atraíssem público em pleno século 21, sinceramente,
sempre achei que toda essa cultura anarquista tinha sido deixada no
passado.
- Rapazes, me chamo Karem Passos, a organizadora do evento, e tenho
uma ótima notícia para lhes dar; Vocês foram aceitos! – dizia com falso
entusiasmo.

- Preciso de uma privada – reconheci o baterista exasperar correndo ao


banheiro, ele estava com a mão na boca, provavelmente, apressado para
vomitar até as tripas. O baixista estava completamente bêbado, entrou
no meu camarim já desmoronando no sofá. Como eles conseguiam se
apresentar nessas condições? Cadê a responsabilidade com a saúde?
Eu teria mais problemas do que imaginava.

Respirei fundo e tentei ignorar no momento. Eu tinha idade suficiente


para dar conta, nunca fui mãe, mas agora teria que fazer o papel; Pelo
bem do meu sucesso profissional. Colocar essas crianças no eixo seria
fácil, ao menos faria de tudo para ser.

E modéstia parte, nisso sempre fui muito boa.

- Posso conseguir um contrato maravilhoso para vocês!

- Conseguimos então? – o vocalista/líder era a cara da banda, um


menino de provavelmente seus 17 anos; Com piercings na cara toda, e
um estilo completamente calamitoso. Notei pela primeira vez que nem
estilo de roqueiro ele tinha, diria que era de quem morava debaixo de
uma ponte, e usava roupas doadas. Cheirava a maconha, chegava a
incomodar.

Fiz força para não levar a mão ao nariz, e voltei à expressão de simpatia.
A impressão era a que ficava, já que na primeira vez de verdade nem tive
a intenção de levá-los a sério. Pareciam mais um grupo de drogados.

- Ainda não, mas eu tenho muitos contatos, e sei exatamente a quem


apresentá-los. Podemos hoje mesmo ir para a estrada atrás de algumas
gravadoras.

- Você não é a empresária gostosa que mal olhou na nossa cara, e que
quis ficar com 40% do nosso cachê? – o baixista, que achei estar morto
no sofá, infelizmente, relembrou.
- Sou a empresária que vai fazê-los alcançar o estrelato, vamos
negociar? – sorridente, acenei para Tiffany correr com os papéis, não
queria deixá-los pensar muito nas opções. Pra ser sincera, eu mesma
estava sem elas.

- Hoje lotamos o ginásio, pensei que conseguiríamos um contrato.

- Vocês irão, assinem comigo que shows como esse se tornaram


rotineiros, até lotar estádios.

- Uau, imagina tocar num estádio? – o baixista desmaiado, por um


milagre aparente, não tinha morrido de coma alcoólico.
- Ptfu – não reconheci qual deles desdenhou, mas não fazia mal. Não acreditarem era até bom,
eles ainda não sabiam do potencial que poderiam alcançar. Ainda mais na minha mão.

- Aqui estão toda os papeis, burocracias bobas, mas, que garantem a minha equipe como
responsável por toda a agenda de vocês dentro e fora de Londres por um ano.

- Você conseguiria marcar shows fora do estado? – o líder estava animado, ao contrário do
resto, aparentava ser o deslumbrado com as possibilidades. Bingo, mina de ouro
encomendada!

- Até fora do país, se tudo der certo nos meus planos.

- Ouviu isso James, vamos agitar até fora da cidade! – “James” estava sentado no chão, de
cabeça baixa, aparentemente, limpando uma guitarra com um pano velho. Cabelo loiro,
completamente bagunçado ao estilo largado, o tom era natural. Usava muitas pulseiras
metaleiras no pulso. O que analisei no show já deu para ter uma noção da dinâmica. Um
cantava/berrava e tocava guitarra apoio, outro era o guitarrista principal, um baixista, e claro,
o baterista.

Todos assinaram sem muito pensar, não pareciam ligar muito, nem acreditar num futuro
promissor. Talvez levassem a música apenas como hobby, o que ia ter que ser mudado com
urgência. Via em cada palavra sendo escrita na folha de papel meu futuro construído. Eu
finalmente deixaria de ser uma mera caça talentos, e poderia mostrar todo meu potencial para
chegar ao topo.

Não tinha interjeições, não depois de hoje. Deathkids seria a nova ascensão a
estar na mesma calçada de fama que grandes astros do rock, seria
questão de tempo e paciência.

- Temos um moter home exclusivo, podemos ir logo até as gravadoras


escolher a melhor opção. Tiffany mande a equipe ajudar a levar todos os
instrumentos para lá, hoje mesmo vamos ir à busca de um contrato.
- Louco! Já vamos ter um moter home para entrar na estrada com nosso
nome?

- Iremos providenciar em breve um caminhão, mas, sim. Avisem quem


tiver que avisar, agora mesmo, pois, essa será a nova casa de vocês por
um tempo.

Mandei servir comida e remédios de enjôos para os integrantes antes de


irmos, dar um tempo para decidirem e avisar suas famílias. Eles estavam
mais despertos pela animação, falando e contando como parecia um
sonho a ser realizado, agora de forma mais profissional. Entretanto, nem
todos pareciam estar na mesma sintonia; O garoto loiro que continuava
limpando a guitarra no chão do camarim não pulou, olhou, comeu, nem
mesmo respondeu seus companheiros sobre o que achava da nova
equipe de trabalho.

Revirei os olhos, sempre tinha que ter o elemento “problema”. Já


enfrentei vários até chegar aqui.

Após tudo ser encaixado no moter home, comecei meu planejamento. O


automóvel estava na estrada fazia meia hora. Os garotos dormindo,
aliás, mal entramos com suas respectivas tralhas e apagaram nos
beliches sem tratarmos do resto. Teria que providenciar a relação de
cada um dos seus responsáveis; Só por presenciar o estado que se
encontravam de bebedeira, dava-se para perceber que a criação não foi
lá àquelas coisas. Pelo menos parecia que após o show eles não tinham
muita energia, depois de tanta algazarra, quem teria?

- Como eles se chamam? – indaguei Tiffy. Precisava conhecer e moldar


calmamente cada um com mais detalhes. Peguei minha agenda, e
anotei;

- O vocalista é o Toddy Wanson, inicialmente fundou a banda com o


melhor amigo.

- Sei, o deslumbrado que fala pelos cotovelos, 17 anos. Moicano


descolorido, voz anasalada.

- Esse mesmo.

- Ok, e os outros? – o moter home se mexia demais, dificultando um


pouco escrever com precisão na mesa da sala. Anotava o perfil de cada
um, em uma planilha já elaborada.
- Bom, temos o James Kelly, mesma idade, colega de classe do Toddy,
guitarrista desde bem novo. É o mais introvertido, apesar de ser o mais
popular.

- O que não fala, só desdenha, entendo... Por que o mais popular?

- É tido como o mais bonito.

- Ah compreendo, próximo?

- O Rick Thomposm, o mais jovem, 16 anos, baixista e filho da Elliot


Seige.

- Agora está explicada a pequena fama, eles têm background.

- Sim, a Elliot deve ter influenciado/ajudado o filho a entrar na carreira de


músico.

- Ou não, para termos os encontrado fazendo show num luau de


maconheiros na periferia de Londres há uma semana atrás.

- Talvez não desse apoio aos segmentos que ele quis ir.

- Verdade, triste mesmo para uma artista magnífica como a Ellie, cantora
de Jazz maravilhosa e injustiçada. Que mais?

- E o David Duran, o mais velho, 18 anos, baterista há menos de seis


meses da banda. Parece que tiveram problemas com um ex integrante,
brigas internas.

- O mais velho é o que parece ter mais problemas com álcool, o que
chegou a vomitar.

- Sim.

- Imagino o que deve dar de problemas, temos que apaziguá-los Tiffy,


quero bastante chá na alimentação deles. Diminuir um pouco essa
rebeldia adolescente desenfreada, isso não leva a nada; Não ao sucesso
longínquo. E quero roupas, muitas. Precisamos de uma estilista, vamos
dá-los a cara de uma banda de rock de verdade.

Passei a metade da madrugada planejando o que faríamos durante a


semana, tempo era dinheiro, e dinheiro me faltava. Estava exausta, e
finalmente fui me deitar também. Já havia acostumado a morar num
moter home, mas não em dividi-los com tanta gente; Geralmente,
agenciava artistas solos.
Ao passar pelo beliche dei uma olhada discreta em cada um deles.
Transformá-los em perfeitos astros do rock, talvez, não desse tanto
trabalho. Tentei ser positiva.

O guitarrista, James, era o único acordado; Deitado no beliche à direita


na parte de baixo. De barriga pra cima usava fones de ouvindo, enquanto
ouvia música no celular. O som era altíssimo, me preocupei se com isso
não ficaria surdo. Sorri-lhe simpática, vendo a luz do aparelho iluminar
bem seus enormes olhos azuis cor do céu, lindos, sem dúvidas;
Perguntei se estava confortável, e ele simplesmente me ignorou. Mal
educado. Esse, com certeza, não tinha ido com minha cara. Mal me
olhava! Xinguei mentalmente; Você pode ser o lindão, querido, mas não
terá moleza comigo.

Eu tinha um quarto particular, afinal, o veículo era meu. Cama de casal,


ar condicionado. Tirei meu salto scarpin, e me posicionei enfrente ao
espelho para remover a maquiagem de um dia inteiro. Uma coisa que
teria que mudar, como empresária de roqueiros tão jovens, era meu
estilo, aparentar ser menos elegante e mais casual. Fiquei imaginando o
que poderia alterar sem perder minha autenticidade. Chegar aos 28 anos
sem expectativas de sucesso foi cansativo, afetou bastante a minha
aparência cheia de olheiras. No mais, as coisas iriam mudar, apesar dos
notórios obstáculos.

Lidar com jovens rebeldes era uma tarefa difícil, não há um colega da
área que diga o contrário.

Deitei e adormeci logo depois, acordei com a cabeça latejando e muito


barulho de conversa. Coloquei o travesseiro na orelha, e desistir de
tentar voltar a dormir. Olhei pela janela, tomei uma aspirina sem mesmo
levantar da cama; Tinha acabado de amanhecer. Tudo era muito
apertado, mal dava um passo já estava fora do quarto.

Os rapazes estavam acordados, rindo, e tintilando pratos na cozinha.


Respirei fundo, chegou então à hora, contudo, precisavam fazer tanto
barulho logo cedo sendo que fomos dormir quase as quatro? A vida só
começava depois das sete, no relógio marcava ainda seis e meia.

Vesti um roupão e sai do quarto, dois estavam na cozinha, um no


banheiro tomando banho e outro na televisão passeando por canais.
Tiffany ajudava a preparar uma aparente omelete, enquanto era meio
atacada com olhares bem julgadores a suas coxas expostas. Fin, o
motorista, também tomava café da manhã. Estávamos estacionados em
um posto, perto da rodovia.

- Bom dia a todos, acordaram cedo! – anunciei próxima a cozinha.

- Bom dia empresária linda, sonhou comigo? – Toddy era o mais


inconveniente, percebi; Sua voz não era tão nasal igual quando cantava,
além do mais infantil também.

- Sim Toddy, sonhei com todos vocês – respondi olhando as notificações


do meu celular. William tinha perguntado que dia iria voltar.

- Uau, sério? – abriu um enorme sorriso animado. Ele tinha o dente da


frente separado, chegava a ser engraçado o jeito meio bobo e inocente
dos garotos dessa idade.

- Sim, sonhei com a banda ensaiando, e se preparando para o show que


vamos marcar hoje à noite.

- Ah, mas não era assim que queria que você sonhasse comigo.

- Já temos show pra hoje à noite? – David indagou surpreso.

- Sim, quero vocês preparados, vai estar bem lotado – não havia nenhum
show marcado, ainda, mas eles precisam sempre estar treinando para
serem os melhores que pretendo que sejam.

- Meus dedos estão machucados de ontem, preciso de descanso – Rick,


o mais jovem, reclamou.

- Cara, é nossa chance de fazer mais fãs, não vamos ter preguiça agora
que conseguimos um contrato.

- O Toddy está certo, exatamente, nada de descanso, não para quem


quer fazer sucesso.

- Já me vejo sendo o novo Axel Rose, cheio de gatinhas! – ele sorria em


devaneio. Fazendo uma dançinha. Homens. Todos iguais não importava
a idade.

- Feio que nem um cão como você só vai atrair as groupies – David o
provocou, levando a omelete de Tiffany a boca numa só garfada.

- To nem ai se forem groupies, quero só transar com várias.


Precisava comprar camisinhas para essas crianças, urgente, não queria
ter um astro morrendo de HIV antes dos 27 anos, a idade que a maioria
deles morre.

- E ai empresária, vamos ter roupas novas?

- Sim, Rick, logo chegarão os novos figurinos.

- Quero uma jaqueta de couro com muitos spikes.

- Eu quero um coturno com salto quadrado.

- Ele tem vergonha de ser o mais baixo – Rick e o Toddy gargalharam do


pedido de David. O vocalista com mais empolgação. Eu não os tinha
analisado ainda tão bem, mas o baterista era realmente o menos
privilegiado de altura dos quatro.

- Ah pelos menos meu pau não é o menor!

- Ao menos tenho mais talento que você.

- Vai seu foder filho da puta, tu errou dois riffs ontem e vem querer falar
merda de mim.

- Conseguir uma empresária e um contrato seu otario, você mal entrou


na banda.

Não briguem crianças, deu vontade séria de corrigir assim.

Respirei fundo e deixei a Tiffany resolver, precisava me trocar primeiro.


Andei até o fundo ainda escutando o banheiro com o chuveiro ligado,
tinha esquecido como certos homens adoravam demorar pra tomar
banho; As experiências diziam por si só. Bati na porta sem cerimônias,
não estava com muita paciência de esperar. O chuveiro foi desligado e o
box aberto, espero que o garoto tenha a decência de não sair pelado,
não duvido nada de adolescentes.

Graças a Deus saiu vestido. Bem, notei, bonito, muito muito bonito,
realmente, e bem alto o senhor popular mudo de olhos azuis! Ele olha
pra mim ao sair como se olhasse pra um abacate podre. Tudo bem
garoto, já sei que me odiou, não precisa fazer esse cara de nojo.

Entrei no banheiro e o vi uma zona, paciência, o maior obstáculo; A


convivência. Ele não podia ao menos ter recolhido a cueca suja?
Esqueceu que tem mulher no local? Não teve mãe pra o ensinar não?
Credo. Bufei pegando no tecido intimo com cuidado, o joguei na cesta de
roupa suja, junto com uma camisa preta e calção da mesma cor. Liguei o
chuveiro e o deixei um tempo esquentar. Na prateleira não tinha
shampoo nem condicionador; Presumir que o senhor bonitão não lavava
o lindo cabelo loiro adequadamente, deve usar o sabão para isso
também.

Sentia que tinha acabado de ter tido quatro filhos, sem sequer parir,
apesar da idade não bater. Não tinha idade para ter filhos nessa faixa
etária, contudo, o tanto de bordoada que já tomei da vida me fizeram ter
exatamente a cabeça de uma mulher uns 20 anos a mais do que tenho
hoje. Sai do banheiro, e peguei em meu quarto os produtos que faltavam
para tomar um banho de verdade. Para começar o dia, que
provavelmente seria estressante, precisava primeiramente de um banho;
Em pensar que ainda tinha que resolver o almoço na casa da sogra.

Eu odiava minha sogra, e ultimamente estava chateada com meu


namorado também. O amava, mas Klaus não me dava espaço mais,
muito ciúmes idiota. Literalmente, queria mandar em tudo que faço, e
ditar que eu estava errada, pra variar. Ele era um advogado renomado, e
só por ganhar rios de dinheiro achava que deveria ser totalmente
dependente dele, o que eu nunca serei de nenhum homem.

Aprendi bastante como era uma relação de dependência com meus pais,
o tanto que minha mãe sofreu foi uma vida de humilhações. Se Klaus
não conseguisse compreender que tinha que viver viajando para
agenciar meus clientes, a gente teria que terminar, uma hora ou outra.
Não queria viver brigando, discutindo por causa disso.

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