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PERIGOSAS

Amor nas Alturas


Trilogia Amor nas Alturas
Livro 1

C. Caraciolo

ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI


PERIGOSAS

Ficha Técnica
Copyright 2018 Clara Caraciolo Taveira
Todos os direitos reservados.
Trilogia Amor nas Alturas
Livro I
Autora: C. Caraciolo
Revisão: Raphael Pellegrini (Capitu Já Leu)

ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI


PERIGOSAS

Sumário

Primeiro encontro

Convite

Chegando na mansão

Estranho

Primeiro café

Work³

Pesquisas de tendência

Desconfiança

A viagem

Barcelona

Pré-show

Madrid

Paris

Presentinhos

Zurique

Bruxelas

Amsterdã

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PERIGOSAS

Oslo

Estocolmo

Não perca o segundo volume da trilogia!

Sobre a autora

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PERIGOSAS

Find me in the forest, in the fire


Find me in the midst of your desire
I got love in high places
Love in high places

Find me in the secrets, in the lies


Find me in the darkest place, in the light
I got love in high places
I see the love in all the faces[1]

Love in high places — Kimbra

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PERIGOSAS

Primeiro encontro

Há muitas coisas sobre minha vida que eu não costumo contar a


ninguém. Ninguém mesmo, salvo amigos muito próximos. Já notei que há
certos colunistas de revistas de fofoca que têm um desejo imenso de saber de
minha relação com Alexandro ou mesmo o motivo para eu não falar mais
com meus pais. Soube, inclusive, que um deles já tentou entrevistar minha
irmã nos Estados Unidos! Júlia me contou que precisou de uma força de
vontade imensa para não fazer a Britney em 2006 e tacar um guarda-chuva
nele.
Mas, estranhamente, houve uma pessoa que conseguiu derrubar esse
meu lado silencioso. Jamais, jamais mesmo, eu entendi o motivo de ter
contado tudo o que houve comigo para ele. Não sei se foi sua profissão, se foi
o clima de intimidade — provavelmente não, há uma diferença muito grande
entre intimidade sexual e intimidade afetiva — ou se simplesmente sua figura
imponente me causava algum tipo de segurança. O ponto é que naquela
manhã eu despejei tudo que sentia em relação aos meus receios em Gabriel
como se ele fosse meu amigo de anos.
Vamos por partes.
A primeira coisa que você precisa saber é que eu não fui penetra
naquele show, como muita gente diz. Antônia, vocalista da Trophy Husband
e uma de minhas melhores amigas, cansada de me ver deprimida pelo que
Alexandro fizera comigo, decidiu, de última hora, me enfiar na lista de staff
de sua banda, que abriria o show da incrível Sissy Walker. Assim, do nada:
“Lena, você vai viajar comigo para outro país como figurinista da banda, e
Luciana vai como nossa maquiadora. Seu passaporte tá ok?”
Felizmente, estava. Tanto eu quanto Luciana, minha sócia, temos
dupla cidadania, então conseguir tudo às pressas foi mais fácil do que poderia
ser para outras pessoas. Ainda assim, mal tivemos tempo para refletir quão
doida era aquela situação.
Ora bolas, a Trophy Husband, banda de nossa melhor amiga, ia abrir
o show da maior banda de rock indie da atualidade! Não era uma loucura?
Sim, com certeza!

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Luciana estava em êxtase. Mesmo sendo uma pessoa normalmente


blasé, madura demais para seus vinte e um anos, uma prodígio, já formada
em Administração de Empresas e, na época, cursando Marketing, ela não
conseguia esconder a felicidade. Sissy era uma de suas bandas preferidas, e
ela tinha uma paixonite imensa em relação à vocalista, Betty. Se eu não
tivesse certeza absoluta que Lu é heterossexual, pensaria que estava na hora
de minha amiga sair do armário!
Eu estava achando tudo bacana, mas nada de muito sensacional.
Claro, viajar de graça para outro país, ouvir um show incrível em um festival
de rock badaladíssimo e ainda conhecer um monte de gente famosa e, quem
sabe, fazer contatos, era incrível. Mas, naquela época, nada me animava
totalmente. Sempre havia um certo receio, um monstrinho ali, pendurado no
meu ombro, sempre sussurrando no meu ouvido “tá feliz por quê? Não abaixa
essa guarda não, bruaca! Olha o que aconteceu com você há dois anos,
quando você relaxou! Não aprendeu a lição?”
O monstrinho me acompanhou durante a gigante viagem de avião —
como Londres é distante do Brasil, meu Deus do céu! — e fez questão de
ficar em alerta quando eu fui deixada sozinha no backstage do show: a
Trophy Husband foi para um lado, Luciana para outro, e eu, distraída, fiquei
parada, observando o caos dos bastidores.
Confesso: a culpa foi minha. Estava fascinada com aquela correria. Já
era familiarizada com o backstage de eventos de moda, claro, levando em
conta que eu mesma organizei alguns para minha marca, a Wings, e para
outras que me contratavam como consultora. Mas eu nunca havia estado atrás
das cortinas de um show de rock. A energia era outra, era tudo muito intenso!
Nada de modelos seminuas ou araras de roupas a cada cinco metros. O lance
ali, obviamente, era outro.
Por um momento, o monstrinho em meu ombro tentou encher meu
saco, até que cansou e sossegou, de tão imersa eu estava, acompanhando o
caos, a correria, a gritaria, ouvindo a multidão ao longe gritando pela Sissy
Walker.
Foi aí que eu o notei.
E, de repente, a multidão silenciou, ao menos para mim e pelo menos
por meio minuto, até Tony me encontrar.
— Lena!! Lenita, você precisa ver o camarim, eu me sinto uma
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rockstar famosíssima nele e...! — Antônia parou de me puxar pelo braço e


seguiu meu olhar, dando uma risada quando entendeu o que eu estava tanto
olhando. — Eu sabia que você ia se interessar por ele, sua vadia! É o
segurança da Sissy Walker, Gabriel! Conheci meses atrás, quando
começamos a negociar esse show!
A voz de Tony, rouca, sexy, potente, parecia um zumbidinho de
criança.
Eu realmente estava mesmerizada olhando aquele homem. Era o
espécime masculino mais atraente que eu já vira em todos os meus então
vinte e quatro anos de idade. Confesso que de imediato fiquei tão
impressionada com seu rosto, que não prestei atenção no restante. Foquei
principalmente em sua boca, rígida numa linha fina que mostrava sua
concentração, e em seus olhos emoldurados por cílios escuros. Suas
sobrancelhas eram levemente arqueadas na pontinha externa, fazendo com
que seu olhar parecesse eternamente severo.
Desci os olhos por seu corpo e fiquei muito satisfeita com o que vi.
Ele tinha um porte muito bonito, com braços fortes e um corpo do jeito que
mais me atraía: grande, mas sem parecer um pote de Whey ambulante.
— Helena! — Tony exclamou, e eu parei de mirar o homem delicioso
que nem notara a minha presença. — Escuta o que eu tenho a dizer, mocreia!
— Perdão, querida, pode dizer. Desculpe, eu só... — tentei explicar,
mas não consegui, então só apontei para o tal do Gabriel. — Ele é britânico?
Não me parece um nome inglês...
Tony deu um meio sorriso irônico e afastou a franja ruiva da frente
dos olhos, ajeitando seu cabelo repicado enquanto explicava:
— Não, não, ele também é brasileiro, como Betty e Aline. Do sul do
país, se não me falha a memória, mas mora em Londres há uns vinte anos.
Eu, se fosse você, amiga, desistia. Betty me contou que ele é praticamente
assexuado. Vive para o trabalho, e nesses anos de banda, quase não foi visto
acompanhado.
Dei um suspiro, ligeiramente decepcionada, até que, como se
estivesse nos escutando, apesar da distância, ele voltou o rosto em minha
direção.
Dessa vez, não somente a multidão escandalosa silenciou, como

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minha amiga também.


Que olhar, que aparência, que porte. Que homem!
Ele parecia intrigado com algo enquanto me olhava, até que um
mínimo sorriso despontou em seus lábios, sumindo imediatamente quando
alguém parou em frente a ele e perguntou alguma coisa.
— Opa! Ele sorriu para você! Viu? — Tony perguntou, a animação
tão nítida na voz, que ultrapassou a bolha de desejo que estava me isolando
acusticamente do mundo inteiro. — Há esperanças, então. Bom, querida, pare
de querer se dar bem e venha! Vamos lá ajudar sua melhor amiga no planeta
a se arrumar, que eu não sei vestir aquele troço que você costurou pra mim.
— Ei! — exclamei quando me dei conta de suas palavras. Até parei
de encarar como uma tarada o segurança, que estava dando ordens, ainda
estacado no mesmo lugar. — Foi inspirado em uma peça da Vivienne
Westwood, sua...
— Tanto faz, Lena, vamos! — implorou, e eu não tive opção a não ser
seguir Tony até o camarim, perdendo o segurança de vista.

***

Horas depois, quando o festival já havia acabado, eu o encontrei de


novo, dessa vez no hotel. Dali para o seu quarto, foi um pulo: pelo que
parecia, Gabriel não era tão assexuado quanto a vocalista de sua banda
achava...
Vou poupar você dos detalhes da noite estupenda que passamos
juntos. Ou, caso prefira, eu conto depois. Não há problema nenhum em
contar isso, até porque uma noite como aquela deveria ser relembrada para
sempre.
Ok, eu conto, prometo. Mas, por agora, vamos nos concentrar no dia
seguinte à noite de sexo.
Imagina a situação: eu, na época sempre em estado de alerta, não
somente relaxei ao lado do segurança da banda, como dormi — literalmente
— com ele. Isso era algo muito fora do meu padrão. Eu nunca dormia com
ninguém que não tivesse saído do mesmo útero que eu. No máximo, Luciana

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ou Tony, que eram minhas amigas queridas. Mas homens? Jamais. Sempre
segui a ordem sexo-táxi-casa.
Acordei seis da manhã no quarto dele, impressionada por nem me
assustar ao vê-lo ali. Parecia tão natural, que eu confesso ter ficado um pouco
confusa. Eu havia acabado de conhecê-lo!
Enfim, após tomar um bom banho, decidi acordá-lo antes de ir
embora de seu quarto — eu tinha um voo para pegar, afinal de contas. O
problema foi que eu esqueci de uma das lições aprendidas com meu tio:
jamais pegue desprevenido alguém que tenha porte de arma. Normalmente,
segundo ele, são pessoas que sempre estão em alerta, mesmo durante um
momento de relaxamento, como o sono.
Ignorando essa dica valiosa, coloquei a mão em seu rosto relaxado e...
bem... Gabriel, no susto, a torceu para trás, abrindo os olhos imediatamente.
Já deixo bem claro que não foi culpa de ninguém. Ele estava
dormindo, eu estava ainda meio distraída com tudo, meu monstrinho estava
em coma, então aconteceu o acidente.
Gabriel se desmanchou de pedidos de desculpas, foi buscar gelo na
cozinha do hotel e, quando viu que eu ainda estava tensa, ofereceu uma
caminhada no parque mais próximo do hotel. Acabei aceitando, o que fez
meu monstrinho enlouquecer: “o cara quase quebra teu pulso, e você confia
nele mesmo assim?”
Foi aí que aconteceu tudo: chegando no parque, sentamos em um
banco e eu simplesmente contei tudo o que acontecera comigo:
— Há quase dois anos, eu e Lula fomos num bar na cidade onde
moramos. Um cara idiota, Alexandro, deu em cima dela e foi prontamente
recusado. Depois, veio tentar a sorte comigo, foi agressivo, e eu o empurrei.
Os seguranças retiraram ele do bar, mas quando decidimos ir embora, ele
surgiu não se sabe de onde e me deu um soco aqui — apontei para minha
nuca. — Eu acordei no hospital, com parte do cabelo cortado e sete pontos.
Gabriel desviou o olhar quando eu terminei de falar. A raiva contida
estava nítida em seu rosto. Seu maxilar estava cerrado e uma pequena veia
estava saltada em seu pescoço.
— O cara, o que aconteceu com ele? Alguém o segurou?
— A Tony estava tocando naquele dia na Lyubov, e ela sempre
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andava com um desses aparelhos de choque, sabe? Eu estava com ela no


estacionamento quando ele veio por trás e me bateu. Ela sacou o taser e fritou
o cara. Ele foi preso e continua preso até hoje, até onde eu sei. Não era réu
primário, era traficante de drogas de universidade particular, sabe?
Gabriel balançou a cabeça concordando. Seu rosto deixava
transparecer uma irritação fortemente contida, o que me causou um certo
conforto.
— O dono do bar mexeu seus pauzinhos para que Alexandro fosse
preso e permanecesse assim. Não pegava bem para a imagem de seu
estabelecimento saber que um cara nocauteou uma garota só porque ela o
recusou. Em época de boicotes organizados no Facebook, isso seria suficiente
para que o dono perdesse metade de seus clientes.
Continuei contando para ele como fora minha rotina após a agressão e
tudo o que eu fiz. As consultas com psicólogos, psiquiatras, analistas, os
remédios de depressão, o corte de açúcar da dieta e tudo que havia feito para
sair do fundo do poço. Até conseguira ensaiar uma olhada para fora desse
poço, mas o problema maior estava naquilo que eu não compartilhava com
ninguém: na minha cabeça, era obrigação minha melhorar, superar tudo o que
havia acontecido.
Larguei todos os tratamentos, todos os médicos, tudo, quando notei
que nada me ajudava a superar a agressão, nada me ajudava a superar o
trauma, o estado de alerta. Nada matava o meu monstrinho, e as crises de
ansiedade eram frequentes por isso.
Foi aí que, com uma frase, Gabriel apertou o gatilho para que eu
iniciasse meu processo de aceitação do meu passado:
— Mas esse tipo de coisa não se supera, Lena. O que esse imbecil fez
é muito sério e muito pesado. Fisicamente e mentalmente, e eu consigo
imaginar quão exaustivo foi. Exatamente por isso não dá para você achar que
pode seguir em frente como se nada tivesse acontecido. É impossível apagar
uma memória sua assim, com essa facilidade. Isso faz parte da sua história.
Inicialmente, quis desdenhar de suas palavras. O que ele poderia saber
sobre superação de traumas ou coisas do tipo? Ele...
Foi aí que me dei conta de que ele não somente tinha uma profissão
de risco, ou seja, provavelmente já presenciara situações semelhantes, como
também não havia prova alguma de que ele não vivera nenhuma. Eu não o
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conhecia, afinal de contas. Todo mundo luta contra um monstro interno, a


gente só não sabe como ele é.
— Então eu vou ter que entrar em modo de defesa ninja a cada vez
que um homem se aproximar de mim? — perguntei sem desviar o olhar de
seus lindos olhos cor de terra, sérios, mas brilhantes ao mesmo tempo.
— Por que não? Há muitos homens escrotos no mundo, você precisa
saber que não dá para confiar em qualquer um. Descer a guarda para todos
pode ser prejudicial para você.
— Mas e se eu quiser superar isso e não conseguir? Porque é algo
bem incômodo achar que eu já superei e depois voltar tudo com força
máxima, sabe? Sempre que eu penso que tudo está bem, acontece alguma
coisa, e a crise volta, as lembranças voltam, as... tudo volta. Nada é superado
— rebati.
— Esse tipo de coisa não se supera, Lena — Gabriel repetiu e virou o
corpo em minha direção, apoiando a lateral do joelho no banco e
aproximando seu rosto do meu — Esse tipo de coisa a gente aprende a
conviver. É algo que faz parte de você agora e que, graças a diversos fatores,
como sua amiga, sua força física e sua força interior, te mudou, e não só de
um modo negativo. Aprenda a conviver com tudo isso, não tente apagar tudo
desse modo. Só vai causar uma frustração injusta em você.
Essas frases, ditas em um local até então desconhecido para mim, no
meio do Reino Unido, ditas por um homem com leve sotaque britânico no
fundo de suas palavras em português, um homem que eu nunca havia
conversado antes do dia anterior, soaram como um ronco de motor em meu
coração.
Foi como se eu desse a partida de minha vida.
Voltando daquela viagem, eu retomei a busca por ajuda profissional,
tendo em mente tudo aquilo: não é obrigação minha ou de ninguém superar
nada. Não se supera um problema: se aprende a conviver com ele, até que,
assim como uma cicatriz, ele deixa de incomodar.
A partir desse primeiro passo, tudo melhorou imensamente. As crises
diminuíram quase que por completo, eu voltei a ser uma pessoa sociável,
pude dedicar mais tempo aos meus amigos e, principalmente, consegui
relaxar desde aquele dia horrível em que Alexandro, um homem que, assim
como Gabriel, eu jamais vira antes, resolveu fazer o oposto que o segurança
fizera. Enquanto um me socou para dentro de um poço de tristeza e
ansiedade, o outro iluminou o caminho de volta.
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Não vou dizer que Gabriel foi o responsável por tudo isso. Não foi.
Ele poderia falar quaisquer palavras bonitas, que não adiantaria nada se eu
não estivesse pronta e disposta a me ajudar. Mas que ele foi uma peça
importantíssima nisso e que eu guardei em meu coração um espacinho para
ele por causa de sua pequena lição de vida, dita após quase fraturar meu pulso
sem querer, ah, isso não tenho dúvidas.
Exatamente por isso que, quando recebi aquele convite de trabalho
que me faria supostamente conviver diariamente com o segurança da Sissy
Walker, quase quatro anos após meu primeiro e único encontro com ele, eu
fiquei confusa.
Meu coração batendo com força no peito não me deixou raciocinar
direito.

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Convite

Terminei o pedido de diversas metragens de tecidos e enviei por e-


mail para o fornecedor, finalizando minha última tarefa do dia. Eu estava me
espreguiçando, sentindo um sorriso brincando em meus lábios, quando
Shirley, minha assistente, apareceu da copa segurando minha caneca e seu
famoso café com espuminha de leite.
— Ai, Ley, diz que é para mim esse café, por favor! — eu implorei,
sorrindo, e ela balançou seus cabelos longos enquanto assentia com a cabeça.
— Você é um tesouro na minha vida!
Shirley deu um sorriso tímido e foi sentar em sua estação de trabalho,
logo ao meu lado. Sua mesa obviamente era a mais próxima da minha, mas,
no fundo, todo mundo trabalhava junto no segundo andar do escritório.
Aquele andar do quartel-general da Wings era exatamente do jeito que nós
havíamos planejado, eu e minhas sócias: Luciana, presidente da empresa,
relações-públicas, responsável pela administração e por mil coisas distintas e
complicadas, e Sophia, a estilista responsável pela parte de alfaiataria e
acessórios da marca. Era um ambiente amplo, sem divisórias ou barreiras.
A Wings, nossa amada marca de roupas, prosperava a cada dia. Até
aquele momento, havia vinte e oito lojas por todo o Brasil, doze somente no
Rio de Janeiro, além dos planos de lançarmos outras em breve.
As vendas continuavam crescendo, e a quantidade de funcionários só
aumentava. Contratávamos os serviços de uma empresa terceirizada para
cuidar da parte de recursos humanos, mas eu mesma tinha a função de
verificar como andavam os vendedores das lojas do Rio duas vezes por
semana, sempre com cuidado para não meter medo em ninguém. Além, é
claro da função principal: estilista/diretora de estilo e costureira, claro.
Sophia era a responsável pela decoração e vitrine de todas as filiais,
então, no final das contas, nós três vivíamos transitando pelos espaços
ocupados pela Wings, logo, podíamos dizer com certeza que tudo ia muito
bem, obrigada.
Parei de pensar no sucesso de nossa “filha” querida e, com meu café
com espuminha em mãos, praticamente me joguei em um dos pufes, o rosa-

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choque, que ficava ao lado da minha mesa. O dia tinha sido cheio, mas
lembrei de um detalhe importante, então chamei minha assistente:
— Ley, você poderia chamar o motoboy e pedir que ele leve as peças-
piloto para a fábrica?
— Já estão prontas? — Shirley exclamou, parecendo surpresa.
— Já, distraída, eu terminei mais cedo. Anda, leva essa sua bunda
linda até o Weskley e diz que eu mandei um beijo. Aproveita e vê com a
Luciana a performance da jaqueta que você desenhou, por favor. E pede pra
gerente do Nova América forçar a vitrine da saia Ariel.
Shirley corou ao notar sua desatenção e sorriu antes de assentir com a
cabeça e ir fazer o que eu havia pedido. Fiquei olhando ela ir embora e sorri,
contente ao pensar na vitória que foi trazer aquela senhora para Wings. Ela
era extremamente dedicada e atenciosa, mas a vida havia sido cruel com
Shirley até Luciana a encontrar em uma loja de tecidos no Centro. Ela
transbordava talento, e eu já estava louca para promovê-la. Só estávamos
esperando que concluísse seus estudos antes.
Mal pensei nisso, Luciana entrou pela porta que nem um raio,
assustando todos os funcionários presentes.
— Lena!! Sala de reunião. Agora!! — ela gritou e correu para o
espaço, deixando todos espantados.
Luciana, Lula, para os íntimos, era uma coisinha pequena, magrinha,
parecia uma versão nacional daquela atriz que fez “O Ódio que Você
Semeia”. Era confuso que alguém tão pequenino conseguisse gritar tão alto.
Olhei para meus funcionários, deixando evidente minha surpresa.
— Eu fiz algo de errado? — ouvi algumas risadas e me levantei,
agarrada em minha caneca como um adolescente com medo de levar esporro
do professor. Odiava levar broncas de Lula, ela era tão assustadora quanto...
Bom, quanto eu quando estava trabalhando.
Essa vibe de “modo profissional ativado” realmente é medonha.
Bebi meu café de uma vez, entrei na sala e fechei a porta, vendo Lula
ligar a tomada do carregador de seu notebook de modo apressado.
— Lula, o que houve? — perguntei calmamente enquanto sentava na
cadeira principal, no lado oposto à tela de projeções.

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Minha sócia e amiga não respondeu, apenas ligou seu notebook,


conectou no projetor e abriu um vídeo no YouTube, aumentando o volume
das caixas de som do aparelho.
Deixei meu copo de café na mesa e entrei no modo workaholic,
apoiando os cotovelos na mesa e prestando atenção no vídeo que passava.
Não pude conter um sorriso ao ver que era um canal de fofocas que
anunciava uma bomba: a Sissy Walker faria uma turnê europeia de sete
meses para comemorar os dez anos de banda.
Impressionada com aquela informação, ergui as sobrancelhas e olhei
para minha sócia, que assistia o vídeo em silêncio.
— Uau, eu nem sabia que eles já tinham uma década...! E essa turnê,
anunciada assim, do nada? De onde veio?
— Foi tudo feito em segredo, mas os fãs desconfiavam pelas pistas
largadas pelas redes sociais dos integrantes. Diego, por exemplo, que é muito
ativo no Instagram, coisa que você deveria ser também, passou a postar
várias fotos com referências, como um chaveiro com uma pequena torre
Eiffel, fotos de malas de viagem, essas coisas.
— Entendi... Bacana! Mas... o que isso tudo tem a ver com a gente?
Pierre solicitou algo de diferente? — perguntei, tentando puxar na memória
se o figurinista da banda havia feito algum pedido no último mês que não
fosse o usual: roupas para Betty, a vocalista, amiga íntima — íntima até
demais — de Antônia, e Aline, a baterista brasileira da Sissy Walker.
Lula parou o vídeo e deixou rolando um clipe da banda, diminuindo o
volume enquanto se virava para mim:
— Você abriu seu e-mail hoje?
— Óbvio, sua trouxona. Tem dez minutos, no máximo. O que é que
tem?
— Ok, abra agora, então — ela disse enquanto checava uma
informação em seu celular.
Desconfiada, peguei o meu e abri o aplicativo. Vi um e-mail que
havia chegado tinha uns dois minutos. Era... de Betty!
Olhei para Lula, que manteve o rosto impassível, e abri a mensagem.
Tratava-se de um e-mail de negócios, extremamente formal, em que a líder da
banda solicitava uma reunião via Skype comigo.
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— Lula, o que isso quer dizer?


Luciana abriu o Skype em seu notebook, conectou, e em poucos
segundos a imagem de Betty apareceu projetada na parede.
— Boa tarde, Luciana — ela disse com um pequeno sorriso enquanto
prendia seus longos cabelos azuis em um rabo-de-cavalo. Lula a
cumprimentou e virou o notebook em minha direção.
— Ei, Betty! O que houve? Tá todo mundo bem? — eu perguntei,
totalmente confusa. Era extremamente raro aquele tipo de situação. Em geral,
só fazíamos videoconferências quando a Wings lançava coleções novas, pois
nós mandávamos o catálogo e conversávamos sobre o que seria ou não
enviado.
— Sim, querida, tá tudo ok. É o seguinte, eu andei conversando com
Luciana e Sophia, e elas aceitaram a proposta que eu tenho para fazer.
Olhei para Lu, que ainda estava concentrada em seu modo
profissional, e voltei minha atenção para a tela do notebook, puxando o
equipamento para perto de mim e ignorando que a imagem de Betty estava
projetada bem grande na parede.
— Pois não, estou ouvindo... — disse, um pouco incerta, e Betty
prosseguiu:
— Nós anunciamos a turnê de comemoração dos dez anos da Sissy
Walker, você soube?
— Sim, parabéns!
— Obrigada, vai ser ótimo. O problema é que nosso responsável pelo
estilo, Pierre, provavelmente não poderá nos acompanhar a turnê inteira, pois
sua mãe descobriu um problema de saúde delicado, e ele está com
dificuldades para encontrar alguém que fique com ela.
— Sinto muito — disse com sinceridade. Não conhecia Pierre
pessoalmente, mas sabia que ele era um jovem adorável. E mesmo se não
fosse, ninguém merecia esse tipo de situação, não é?
— É, bem delicado isso tudo. Enfim, a questão é que eu não consegui
pensar em ninguém que o substituísse como figurinista da banda, a não ser
você. Também precisamos de uma consultoria de estilo e de alguém que
resolva certas questões que Pierre não está apto a resolver, como consertos
rápidos de peças muito exclusivas. Aline recebe roupas de um fornecedor da
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Vivienne Westwood, por exemplo, mas sempre ficam imensas nela, e Pierre
não é costureiro. Luciana está em mãos com um contrato de trabalho de doze
meses que eu enviei por e-mail hoje cedo. É um contrato para você trabalhar
conosco. Gostaria que lesse, conversasse com as meninas e me ligasse em
seguida.
Fiz um esforço imenso para não mostrar minha surpresa ao ouvir
aquela proposta, assenti com a cabeça e avisei que analisaria tudo. Betty e eu
nos despedimos rapidamente, e Lula encerrou a chamada. Mal deu tempo
para ela dizer algo e a metralhei com perguntas:
— Lula, você pirou? Como assim, trabalhar de figurinista para uma
banda de rock? Por que mandaram para você primeiro? Onde está a Sophia?
Eu vou enforcar vocês duas!
— Estou aqui! Desculpem, parei para comprar café e a fila estava
imensa! — So-so, a terceira ponta da Wings, nossa bonequinha de porcelana,
entrou correndo na sala, nos entregando copos com a logo da Starbucks
estampada enquanto se equilibrava em seus saltos boneca imensos.
Peguei um dos copos e bebi metade do conteúdo de uma vez,
ignorando a temperatura elevada e tentando não reclamar do sabor horrível de
açúcar puro que aquela bebida tinha.
Odeio café da Starbucks. Sempre vou odiar. Tem gosto de carvão
adoçado.
Lula, que estava com seu modo profissional completamente ativado,
não sorriu nem quando Sophia entregou a ela o outro copo, apenas agradeceu
e começou a me explicar:
— Lena, eu analisei o contrato junto com a Anya — anunciou,
citando Anastácia, minha amiga da época da escola e advogada principal da
Wings — É ótimo e vantajoso. Você vai viajar por vinte e tantas cidades da
Europa e a Wings vai aparecer nos créditos da gravação de um documentário
sobre a relação do rock com a moda. Ouviu bem? Sobre moda! Além disso,
Betty autorizou que você tivesse plenos poderes na escolha, seleção,
confecção e encomenda de peças. Você pode comprar o que quiser para a
banda. De aviamentos a roupas da Wings.
Dei uma bufada de desdém.
— Grande coisa, isso é o básico para o serviço que eles querem. Ou

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você achava que eu ia comprar as roupas da banda do meu bolso ou fabricar


aviamentos?
— Além disso, Lena — Sophia começou a dizer, interrompendo
minha rabugice. — Seu contrato não é só para escolher, reformar ou costurar
roupas. Não sei se foi mencionado no Skype, mas Betty quer que você faça
pesquisas de tendência para vestir a Sissy Walker e o staff todo. Esse trabalho
será feito em conjunto com o moço de olhos puxadinhos, o figurinista,
quando ele puder comparecer aos shows. Pierre o nome dele, certo?
Balancei a cabeça concordando, e ela prosseguiu:
— Você será paga também para pesquisar sobre o estilo de cada uma
das cidades, o que é excelente para a Wings, já que Betty concordou em nos
ceder seu material de pesquisa. E ela quer montar uma coleção de roupas
licenciadas da Sissy Walker, e está disposta a investir nisso, queridinha. Vai
custear a assinatura da WGSN durante o seu contrato, inclusive. Isso significa
que economizaremos uma boa grana mensalmente por causa disso.
Ok, agora sim é interessante! Ia ser de uma riqueza absurda para as
futuras coleções da Wings esse material produzido. E, poxa: assinatura da
WGSN, uma plataforma de previsão de tendências mundialmente famosa,
cuja assinatura custa a bagatela algumas dezenas de milhares de dólares.
Mensais.
Não seria nada mal a Wings não pagar essa assinatura por um ano.
— Quanto eu vou receber? — eu perguntei, ainda meio impressionada
com aquele monte de informação.
Lula estendeu uma pasta, eu a peguei, ainda meio desconfiada, e abri.
Era o contrato: doze meses, mais ou menos nove de turnê e o restante dos
meses realizando os serviços contratados na mansão de Betty e... Uau. Eles
realmente estavam me querendo ali.
Bom, a Sissy Walker era lançada por uma das maiores gravadoras do
mundo. O que eu esperava? Um salário mínimo e vale-refeição?
Sophia e Lula me olharam com a mesma expressão impassível no
rosto. Elas aguardavam uma resposta, e aguardavam naquele exato momento.
— Bom, meninas... Eu... Uau, eu... Nem sei o que dizer...
— Você vai rever Gabriel — Luciana disse e me deu um sorriso

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irônico.
Meu coração deu um pequeno salto ao ouvir o nome do segurança da
Sissy Walker.
Uau.
Rever o Gabriel.
Não tinha pensado nisso! Realmente, seria muito bom, eu poderia
revê-lo, quem sabe tomar uns cafés com ele e...
O que eu estou pensando, meu Deus? Foco no trabalho, Helena!!
Ignorei a sensação de euforia que se espalhou no meu corpo, bufei e
respondi com sarcasmo:
— Ah, sim, agora eu me decidi, era essa a motivação que eu
precisava! Minha vida profissional inteira é falocêntrica! Vai cagar, Lula.
— Falando sério, Lena — Sophia disse, contendo um sorriso. — É
uma imensa oportunidade para a gente, em termos de pesquisa de campo e de
marketing. Sabe a propaganda que vai gerar para Wings? Já viu quantos
prêmios a Sissy Walker ganhou nesse ano? Eles têm fandom por tudo quanto
é canto do mundo, em especial na Europa, é óbvio, já que eles são de lá. Fora
os Grammys, MTV Awards e tudo aquilo que você tá careca de saber que
eles têm.
Mordi o lábio e tamborilei os dedos na mesa enquanto ponderava.
— Ok, eu entendo que é bacana, mas... um ano longe daqui? Como a
Wings...?
— Eu e Lula não vamos com você, ué. A Wings continua. Skype,
FaceTime e Slack estão aí para isso.
— Mas...
— Anastácia já fez uma procuração. Você assina e a gente resolve
sozinhas o que necessitar de sua assinatura. Quase nada, na verdade, já que
somos maioria, mas... Por via das dúvidas...
— E eu quero promover Shirley. Já está na hora — Lula anunciou. —
Ela ficaria com a função de Sophia, que te substituiria na parte de criação e
avaliação das lojas sozinha, ao menos por doze meses.
Refleti sobre o que elas diziam. Era algo extremamente válido e todas

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as saídas delas eram ótimas. Porém...


— Ok, eu vou ligar para Anastácia e perguntar... — tentei dizer para
ganhar tempo, mas Lula abriu o Skype e conectou imediatamente com
Anastácia, que surgiu na tela, sorrindo e gritando:
— Vai logo, cachorrona, o contrato tá limpíssimo e sem pegadinhas!
Já verifiquei sua situação e requisitei seu visto de trabalho.
Uau! Nem sabia que ela poderia fazer isso por mim!
— E aí, Lena? — Sophia disse e me deu um sorriso iluminado.
Respirei fundo, pedi que Sophia chamasse Betty no Skype de novo e
avisei que já tinha lido uma parte do contrato, mas que iria levar para casa e
estudar com calma a proposta. Todas os presentes na conversa reviraram os
olhos, estivessem comigo pessoalmente ou por videoconferência.
— Ah, gente, dá um tempo. Vocês sabem que eu não sou a rainha dos
impulsos. Deixa eu pensar com carinho, dou a resposta amanhã, ok? —
perguntei à Betty, que assentiu:
— Sem problemas, querida. Eu espero.
Encerramos a ligação, eu peguei o contrato e pedi licença a todos.
Peguei minha bolsa, meu celular e minhas coisas espalhadas na mesa e avisei
que tiraria o dia de folga para pensar sobre a proposta.
Fui para casa com o coração apertado de ansiedade. Será que eu
deveria concordar com tudo aquilo? Havia motivos suficientes para eu aceitar
a proposta, mas eu realmente precisava refletir sobre o assunto. Era um
trabalho longo, que me deixaria um ano longe de casa, dos meus amigos, das
minhas lojas...
Em compensação, seria muito rentável e proveitoso para mim e para a
Wings.
Chegando em meu apartamento, fui logo fazer café para ajudar a
clarear os pensamentos. Sentada em meu sofá, contemplando a solidão do
apartamento, vazio desde a época em que minha irmã se mudara dali para
fazer doutorado na Caltech, nos Estados Unidos, pensei nos prós e contras.
Não era raro eu me sentir totalmente sozinha, mesmo morando em
uma cidade grande. Aceitar esse trabalho de figurinista, não seria somente
bom para os negócios: seria excelente para que eu conhecesse pessoas novas

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também.
Mas era tão clichê! Essa história de “fulano ficou doente, você pode
substituí-lo”? Pelo amor de Deus, minha vida não é um romance erótico!
Fiquei pesando as vantagens e desvantagens de aceitar a proposta de
trabalhar com a banda que eu tanto admirava à distância, até que finalmente
consegui tomar uma decisão. Apesar da quantidade de cafeína que ingeri, o
melhor a fazer naquele momento era tentar dormir e torcer para que a decisão
tomada fosse a mais acertada.

***

Assim que cheguei no escritório, fui recebida por todos com olhares
ansiosos. Balancei a cabeça para os lados, respirei fundo e tomei coragem
para anunciar minha decisão:
— Ok, suas quengas. Vamos fazer isso. Na pior das hipóteses, vou ter
conhecido a Europa quase toda, né?
Todos bateram palmas e deram gritinhos animados, me fazendo rir da
empolgação geral. Sophia pediu para sua secretária comprar pizzas e
champanhe para que pudéssemos comemorar. Revirei os olhos, imaginando a
combinação esquisita caindo no estômago de cada um naquele escritório tão
maravilhoso.
Enquanto pensava no contrato novamente e ouvia todos
comemorando, meu peito se apertou de nervoso, mas eu não pude refrear
minha felicidade. Era realmente uma oportunidade incrível de crescimento.
Profissional e pessoal.
Sorri, vendo Lula colocar a banda para tocar no sistema de som do
segundo andar, e pensei em como seria conviver com todos da Sissy Walker.
Não pude refrear o pensamento seguinte: com um pouco de sorte, quem sabe
eu realmente não pudesse rever o Gabriel? Não ia me fazer mal algum.
Pelo contrário.

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Chegando na mansão

Cheguei no banheiro do aeroporto totalmente enjoada, pensando que


talvez eu realmente não tivesse nascido para viajar de avião. Já tinha tomando
alguns comprimidos de Dramin antes do voo, mas, mesmo sabendo que o
remédio não funcionava quando a pessoa já está enjoada, engoli mais um, por
via das dúvidas.
Calma, Lena. Seu estômago se revirando é apenas um detalhe. Tudo
está ok, regularizado e pronto para acontecer. Isso é só um desconforto
estomacal após um voo demoníaco.
Ajoelhei na frente do vaso sanitário e implorei ao meu estômago que
não me mostrasse meu café da manhã ingerido horas antes. Tentei me distrair
das ânsias que começaram a surgir respirando fundo várias vezes enquanto
pensava em coisas boas, como orquídeas, suco de manga, filhotes de gatos,
cheiro de grama recém-cortada e de café encorpado feito em prensa francesa.
Foram alguns minutos tensos, mas aos poucos, meu estômago rebelde se
acalmou, e eu pude deixar de abraçar o vaso.
Nem cogitei passar uma maquiagem. Sephora nenhuma ia tirar a cara
de defunto que me encarava no espelho. Deixei o banheiro beliscando as
bochechas, entretanto, torcendo para conseguir um pouquinho de cor.
Agradeci à senhora que ficou cuidando das minhas malas enquanto eu
estava flertando com a privada e fui em busca da pessoa que vinha me buscar,
torcendo para que fosse Gabriel, ainda que eu soubesse que ele era chefe de
segurança da Sissy Walker, não motorista.
Mal comecei a procurá-lo, meu celular vibrou com uma mensagem do
chefão da gravadora avisando que um homem chamado Ferdinand estava à
minha espera havia longas horas.
— Droga, dei chá de cadeira para o pobre funcionário...
Ainda trôpega, voltei para a área do desembarque, dei uma olhada ao
redor e imediatamente encontrei um homem segurando uma placa com meu
nome. Era o homem mais britânico que já vi pessoalmente: parecia o
mordomo de uma das gêmeas de “Operação Cupido”.
Fui até ele já pedindo mil desculpas pelo atraso. Não somente o voo
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não chegou no horário previsto, como meu enjoo acabou por piorar a
situação. Gentilmente, ele conteve a bateria de desculpas que eu soltei em
poucos segundos e pegou minhas malas, me levando diretamente para a
mansão, onde eu ficaria hospedada até o início da turnê da banda.
Ficar lá tinha sido uma decisão em conjunto, minha, de Betty e de
Tony por alguns motivos. Primeiro porque faltavam poucos dias para a
viagem para a Espanha, ponto de partida da turnê. Segundo porque o
apartamento que a gravadora ficou de alugar para mim não ficou pronto a
tempo, então cancelaram o contrato faltando dias para eu chegar em Londres.
Também tinha o fato de a mansão ser gigantesca, e todo mundo —
literalmente todo mundo — da banda estar hospedado lá, para aquecerem os
motores. E isso também incluía minha amiga linda, Tony, a mais nova
vocalista da SW na turnê. Fazia sentido que eu ficasse junto de todos. Seria
bom conhecer mais a banda.
A viagem felizmente foi rápida, e eu não contive um suspiro quando
vi a enorme residência. De dentro do carro já dava para ver que era muito
grande, linda e imponente.
— Nossa, Ferdinand! A Betty mora na mansão da Adele? — disse,
rompendo o silêncio que havia permanecido em boa parte da viagem.
Pela primeira vez desde que eu vira o motorista, quase uma hora
antes, pude ver um sorriso.
— Não, senhorita, a mansão da senhorita Adele fica em Sussex. Mas
são parecidas, é verdade.
Assim que estacionamos, o motorista abriu a porta do carro, todo
educadão, e eu saí meio trôpega de enjoo — e de remédio contra enjoo.
Ugh... O chão tá se mexendo, ou sou eu que estou bêbada sem ter
bebido?
Segurei no braço de Ferdinand, que prontamente me deu o apoio
necessário. Ele me apoiou no caminho até o interior da casa, o que se
mostrou necessário: um pequeno deslize seria o suficiente para que eu me
estatelasse naquele lindo gramado.
Se a casa já parecia exuberante por fora, foi só dar os primeiros
passos por aquela sala digna das melhores revistas de decoração que
imediatamente minha cabeça pareceu esquecer a tontura e se concentrou
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somente em como tudo ali era lindo, amplo, moderno, rotativo...


Opa, espera, rotativo?
Ok, não esqueci a tontura coisa nenhuma.
— Ferdinand, deixa eu te perguntar uma coisa: é normal o chão daqui
rodar?
Com uma expressão que parecia um tanto preocupada, ele me guiou,
sem que eu percebesse, para um grande sofá. Pela cara dele, eu devia estar da
cor de uma folha sulfite.
— Acho que estou meio chapada.
— A senhorita tomou alguma coisa? — disse num tom calmo e
ponderado.
— Tomei, um sonífero que chamam de remédio de enjoo. Mas acho
que foi demais... — respondi enquanto me ajeitava no sofá maravilhosamente
confortável.
Ferdinand ofereceu um copo de água, que eu recusei, e foi anunciar
minha chegada à dona da casa, me deixando sozinha naquela sala gigantesca.
Assim que ajeitei minha bolsa no colo e encostei o rosto no estofado
macio, relaxei os ombros, suspirando de alívio por meu estômago não ter se
revirado do avesso. Viajar de avião era um tormento para mim por causa
desse tipo de enjoo recorrente. Em dois terços das viagens que fiz, passei mal
como uma grávida no primeiro trimestre, e no restante eu estava chapada de
remédio contra enjoo ou extremamente nervosa, com medo de fazer a menina
d'O Exorcista e vomitar na frente de todos.
Ou em cima de todos...
Enquanto pensava se deveria fazer o Papa e beijar o chão da mansão
em agradecimento a Deus por estar em terra firme, fechei os olhos por um
segundinho, sem intenção de dormir, apenas...
— Lena? Tá tudo bem? — uma voz feminina me perguntou, me
fazendo acordar repentinamente.
Ai, droga!
Ótimo, Lena, excelente começo: babar no sofá da chefona e ser
acordada por ela!

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Abri os olhos, enxugando o filete de saliva que sensualmente escorria


da minha boca, e vi a líder da Sissy Walker parada na minha frente, seu rosto
mostrando uma preocupação evidente.
— Betty! Desculpa, eu cochilei! Não, está tudo ótimo, só estou um
pouco cansada por causa do voo... Eu não tomo um café decente há muuuitas
horas... — expliquei e me levantei do sofá rapidamente. — Nossa, você é
mais bonita pessoalmente, Betty. Não me lembrava mais disso.
Puxei a vocalista para um abraço e sorri ao ouvir sua risada
pessoalmente, depois de anos de conversas online. Mesmo que não fôssemos
amigas muito próximas, havia um laço de afeto entre nós duas.
Um laço ruivo, baixinho e mignon como a Twiggy.
Um laço de voz desproporcional ao tamanho.
Um lacinho chamado Antônia, conhecida como Tony.
— Digo o mesmo de você, Lena! Quero dizer, salvo essa sua cara
cansada... Voo tenso?
— Você não faz ideia. Eu precisei fazer umas cinco escalas diferentes
em aeroportos totalmente na contramão. Tava chovendo no Rio, fiquei horas
parada dentro do avião, um saco.
Betty balançou a cabeça assentindo e apontou para minhas meias
pretas estampada de nuvens e gotas de chuva. Sempre amei meias temáticas.
— Pelo menos combinou com suas meias-calças... — brincou e em
seguida se desculpou por não ter mandando o jatinho da banda me buscar.
Pelo contrato que Betty apresentara, dava para perceber que ela era
muito cuidadosa com seus funcionários. Oferecer um jatinho particular para
me buscar era um enorme exagero, aquilo não faria diferença para a banda,
mas, mesmo assim, foi muito educado de sua parte se desculpar por isso.
O pequeno cochilo tinha sido suficiente para que eu melhorasse um
pouco, então aproveitei para pedir à Betty que me mostrasse a mansão inteira
e onde eu ficaria naqueles dias. Nem descansar eu quis, estava ansiosa não só
para conhecer cada pedaço daquela casa, como também para rever todos da
banda, abraçar Tony, que eu não encontrava pessoalmente havia mais de um
ano, e... bom...
Gabriel.

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Estava ansiosa para reencontrá-lo também, ver como ele estava, sei lá.
Eu sou uma tarada-barra-saudosista.
Betty me mostrou os cômodos da mansão, a parte externa, a piscina,
os quartos principais e me contou sobre a ala dos funcionários, onde eu
dormiria. A tour durou mais de uma hora.
Era a mansão da Adele, na boa.
Enquanto me mostrava tudo, a vocalista foi me contando das
novidades da banda e de sua vida pessoal, e eu não interrompi, ainda que
soubesse de quase todas aquelas histórias. Estava tão feliz por estar ali, que
nem lembrei a moça que Tony me contava aquilo tudo toda hora.
Betty me levou até a ala dos funcionários, me perguntando se eu teria
problema em dormir ali. Eu tive vontade de rir daquilo, pois, de todos os
espaços da mansão, eu me senti mais em casa exatamente lá. Era muito clara,
convidativa, com janelas grandes, móveis modernos, uma cozinha americana
equipada e funcional e uma sala imensa, com sofás tão convidativos quanto
aquele em que eu cochilara havia minutos. Fora que as portas de vidro davam
para o jardim lindo da mansão.
Fomos até os quartos da ala, um de frente para o outro, e Betty me
apontou o quarto do lado direito da ala. Por um momento, pensei em
agradecer o tour e ir dormir até o dia seguinte, mas meu lado workaholic
nunca me deixaria cometer um deslize desses.
— Esse é o seu quarto. Ferdinand já levou sua bagagem para o closet,
então você pode ficar à vontade para arrumar do jeito que você quiser, ok? —
Betty me explicou.
Dei uma olhada rápida no interior, mas não prestei muita atenção,
nem fiz menção de organizar alguma coisa. O que eu queria mesmo era saber
quando começaria a trabalhar, e por isso aproveitei a oportunidade para
perguntar isso à Betty.
— Mal chegou e já quer serviço, sua viciada? Ok, vamos no escritório
para que eu te passe algumas das informações.
Conversamos sobre orçamentos de roupas, pedidos, as medidas de
cada um dos membros e tudo mais que eu precisava saber — ou reforçar o
que eu já sabia. Betty me passou a agenda de shows daquele mês e uma pasta
imensa com fotos, documentos e notas das roupas recebidas que eu precisaria
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ajustar, pois vieram com numerações maiores — algo que nunca aconteceria
na Wings, mas obviamente não comentei isso.
— Pronto, agora que você já sabe de tudo, vá arrumar seu quarto.
Ficaremos aqui até o dia da viagem, daqui a uma semana, ok?
Balancei a cabeça, animada. Era a primeira vez que eu moraria, de
certo modo, no exterior, portanto estava exultante, apesar do sono. Fuso
horário é um saco, e Dramin é uma droga.
Betty me acompanhou de volta até o quarto enquanto conversávamos
sobre algumas das cidades por onde a turnê passaria. Entramos juntas no
cômodo, e só naquele momento eu pude notar os detalhes do imenso quarto.
De frente para a entrada, um pouco para a esquerda, havia uma porta
que dava para um banheiro todo trabalhado na modernidade: era praticamente
todo preto, com granitos e aquecedores e milhões de botões. Era daqueles
banheiros de rico, com chuveiros que emitem luzes coloridas, sabe? Uma
coisa de louco.
À direita, um pequeno sofá branco, encostado na mesma parede da
cama, dividia espaço com uma bancada e duas cadeiras cor de carmim. No
canto oposto ao lado da porta do quarto, vi uma cama de casal quase
encostada nas janelas cobertas por blackouts escuros. Duas mesinhas de
cabeceira brancas ao redor dela serviam de apoio para duas luminárias
modernas e minimalistas. Notei uma grande televisão presa à parede em
frente à cama e, ao seu lado, uma última porta dava para, provavelmente, o
closet.
O quarto não tinha decoração alguma, nenhum quadro ou flor, vaso,
nada. Parecia um pouco impessoal demais, o que fazia sentido, afinal, era
praticamente um quarto de hóspedes. Ainda assim, parecia meio masculino
demais. Tudo muito... frio. Neutro. Imenso. O tipo de lugar que implora por
um mural de fotografias instantâneas e um pouco de bagunça de costura.
Adorei.
— Uau. Acho que é maior do que meu apartamento... É muito espaço
para uma pessoa só... — comentei. Betty riu de meu assombro e respondeu:
— E quem disse que é para uma pessoa só... Ops! — Betty começou a
falar, mas se interrompeu, como se tivesse falado demais, o rosto revelando
um deslize.

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Confusa, perguntei:
— Eu vou dividir o quarto com alguém? Numa mansão desse
tamanho, sua mão-de-vaca? É assim que a sua gravadora faz para economizar
e fazer a Sissy Walker prosperar? Explorando seus funcionários? — brinquei,
apesar do rosto sério.
— Não, claro que não, o quarto é seu! É modo de dizer, eu pretendo
te perturbar várias vezes aqui, precisamos matar as saudades, não é? — ela
disse, num tom meio desesperado de justificativa, mas riu ao ver que eu
estava só sacaneando a pobre coitada.
Notei que ela estava escondendo alguma coisa, mas preferi não dizer
nada.
— Ok, então! Cadê a Tony? — perguntei, colocando minha bolsa em
cima da cama e afundando no colchão.
— Tony está resolvendo umas penden... pen... Como se diz isso? —
perguntou, franzindo as sobrancelhas e colocando as mãos na cintura.
Achei graça e respondi:
— Pendengas? Achei que português fosse sua língua materna, flor.
— Achou errado! — ela riu e explicou em seguida. — Eu nasci no
Brasil, mas vim pra cá com um ano, dois. Português é minha segunda língua,
e Aline e Tony nunca treinam muito comigo... — disse e fez um beicinho,
como se aquilo a deixasse triste.
Era engraçado ver uma mulher adulta, alternativa e glamorosa como
ela fazendo beicinho.
— Enfim, vou treinar meu português com você! Suas malas já estão
no closet, ok? — repetiu, me deixando com a pulga atrás da orelha. Por que
raios ela queria tanto que eu arrumasse o closet? — Arrume-o do modo que
achar melhor.
— Sim, chefa — brinquei enquanto tentava segurar um bocejo. Pedi
desculpas com um sorriso e disse que ia tomar um café para começar a
organizar tudo e adiantar o trabalho.
Betty assentiu e me informou que eu teria o dia de folga, para que eu
pudesse me acomodar e organizar meus horários. Eu ainda desejava saber
onde estavam os outros membros da Sissy Walker, mas ela insistiu que eu

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descansasse.
— Deixa que amanhã você vê todo mundo, eles estão no estúdio
ensaiando, e você tá caindo de sono. Que horas são? — perguntou, olhando
no relógio e se espantando. — Cinco horas! Até você arrumar seu closet e se
ajeitar, já deu o horário de dormir!
Dei um meio sorriso irônico para ela, mas não falei nada.
De novo ela me mandando arrumar o closet!
— É bom te ver de novo, garota. Vamos passar um ano bem divertido
juntas! Você é praticamente minha cunhada, né? — ela disse, me puxando
para um abraço e sorrindo.
Retribuí seu abraço, me sentindo à vontade com todo aquele carinho.
— Pode apostar esse seu cabelo de sereia que sim, boneca — disse e a
soltei. — Ah, Betty! Só uma pergunta antes de você ir!
— Diga! — ela respondeu prontamente, dando meia-volta e me
olhando.
— O Gabriel, onde ele está?
Assim que perguntei, uma expressão de tristeza meio canastrona
tomou conta do rosto de Betty.
— Ah, eu não te contei? O Gabriel não vai viajar com a gente nessa
turnê, ele está trabalhando com outra banda agora! Quem vai substituir vai
ser a Erika, a outra segurança. Desculpa, esqueci de te avisar...
Fitei os olhos dela e busquei algo que me dissesse ser uma brincadeira
aquilo tudo. Não encontrando, dei um muxoxo de tristeza, guardando meus
pensamentos para mim mesma.
Droga. Eu sou uma besta mesmo.
— Você precisa de mais alguma coisa? — ela perguntou gentilmente.
— Sim, do Gabriel... Ops, desculpa. Não, de nada, obrigada —
consertei antes que falasse mais besteira.
Betty segurou um sorriso e saiu do quarto. Pude ouvir sua risada
contida do corredor, mas não a acompanhei. Estava desanimada demais para
sorrir, ou mesmo para pensar no motivo de ela achar graça de... mim? Sei lá.
Deitei na cama e olhei para o teto, me sentindo estranhamente triste.
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Passei tanto tempo pensando em como seria rever o segurança, que nem
cogitei a possibilidade de ele não trabalhar mais com a Sissy Walker. Por que
Tony não contou isso?
De repente, a turnê não parecia mais tão colorida e animada quanto
antes...
Resolvi não pensar nessas coisas, afinal meu contrato traria benefícios
astronômicos à Wings, além de uma incrível experiência de vida.
Não fui contratada para dormir com ninguém, fui contratada para
ajudar a banda! Não importa se o Gabriel tenha sido uma pessoa importante
na minha vida, que tenha me ajudado a virar uma página traumática e que
tenha sido uma das melhores noites da minha vida!
Ai, merda, ficou tudo meio cinza de repente...
Não, Lena. Larga de ser besta. Anda, vai arrumar tudo!
Levantei da cama de uma vez, decidida a arrumar logo o closet antes
que Betty me mandasse uma segunda — ou terceira, quarta? — vez ajeitar o
cômodo. Porém, fiquei totalmente tonta com o movimento rápido, e acabou
sendo melhor deixar para depois, quando eu não estivesse tão sonolenta e
cheia de remédio correndo nas veias.
Vinte minutos e um banho rico depois, saí do banheiro com o cabelo
enrolado numa toalha e vestindo um robe que encontrei lá mesmo. Sem
acender a luz do closet, puxei a mala principal e comecei a escolher o que
usaria para dormir.
Peguei uma calcinha com estampa de nuvens, uma cópia exata da
calcinha da sorte que eu costurava e estampava desde a adolescência, e me
lembrei de um detalhe: na noite em que conheci Gabriel, eu usava uma das
versões dessa calcinha, a que tinha um furinho na lateral e que ele rasgara.
Poxa...
Não, Lena, para de frescura. Não era para ser, então não foi!
Esquece Gabriel, é passado!
Como o clima estava confortável — e por confortável eu quero dizer
frio, mas sem lembrar as geleiras do Himalaia —, não precisei aumentar a
temperatura do quarto. Deixei o controle do aparelho em cima do pequeno
móvel ao lado da porta, aquele que creio se chamar aparador e que sua função
seja a mesma das mesinhas de centro, nenhuma.
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Eu estava exausta, mas não adormeci assim que deitei na cama. A


notícia de que não encontraria mais Gabriel me deixou desanimada, ainda que
eu nem soubesse se ele estaria disponível, ou mesmo interessante...
Não, interessante ele sempre estaria. Mesmo que não estivesse
disponível sexualmente, sua presença seria muito importante para mim nessa
turnê devido a tudo que acontecera no passado. A conversa, a confiança e
tudo mais que ocorrera foram pontos importantes para mim quando pensei na
proposta.
Abracei um travesseiro e forcei minha mente a pensar que estava ali a
trabalho e que aqueles doze meses seriam fenomenais, apesar de não poder
ver o segurança. Pensei nisso tudo até que a exaustão me consumiu, e eu
adormeci, mesmo não passando das cinco e pouco da tarde de um dia
repentinamente cinzento.
Acordei algumas horas depois com um barulho estranho perto de
mim.
Alguém entrou no quarto!

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Estranho

Abri os olhos e tentei me acostumar com a escuridão, mas não fui


muito bem-sucedida. O quarto estava um breu por causa das pesadas cortinas
blackout. Enquanto tentava ainda me situar, ouvi novamente os passos de
alguém andando pelo quarto tranquilamente. No mesmo instante, fiquei
apreensiva, mas respirei fundo e tentei pensar de forma racional.
Ora, quem poderia querer fazer algo de ruim comigo? Provavelmente
é um funcionário da casa que entrou no quarto errado, ou Diego, o
guitarrista, querendo fazer alguma brincadeira boba. Pelo que Tony sempre
me contou e eu me lembro da única vez em que o vi, ele é dado a piadinhas
sem graça.
Quando meus olhos se acostumaram um pouco com a escuridão,
acompanhei com o olhar o vulto deixar suas coisas em cima do aparador, tirar
algum tipo de casaco e os sapatos, entrar no banheiro, fechar a porta, acender
a luz e ficar por lá.
Ora, mas que pessoa mais atrevida! Entra no meu quarto, larga suas
coisas e ainda vai defumar o meu banheiro! Olha, se até o capeta faz pacto
para entrar no corpo das pessoas, o que leva essa pessoa a achar que não
precisa de permissão para entrar no meu quarto e responder ao chamado da
natureza?
Pensei em ir bater na porta — que pelo menos ele fechou, imagina se
fosse mandar um número 2 de porta aberta? — e pedir ao estranho que fosse
fazer suas necessidades em outro lugar, mas ouvi o barulho do chuveiro
sendo ligado.
Bom, ao menos isso, não era dor de barriga, era só um banho.
Levantei da cama, acendi a luz da luminária na mesinha de cabeceira,
peguei minha bolsa e fui em busca do meu celular. Acabei achando um
chiclete muitíssimo bem-vindo — eu devia estar com um hálito de múmia
vingativa — enquanto checava as horas no smartphone e fechava a bolsa.
Duas da manhã! Que audácia desse ser, entrar no meu quarto a essa
hora!
Mal-humorada por aquela invasão repentina, masquei o chiclete
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intensamente e prendi meu cabelo numa trança enquanto pensava no que


fazer, até que um barulho me assustou: a mochila do vulto havia caído do
móvel como uma fruta madura no chão.
Bem feito, tomara que tenha um celular aí dentro e que tenha
trincado a tela toda!
Mesmo desejando o mal para o invasor, fui até suas coisas e comecei
a recolhê-las com cuidado. Coloquei a mochila de volta no aparador e fiz
menção de voltar para a cama e aguardar uma explicação do homem abusado,
mas quando vi um coldre com uma arma despontar de dentro do que vi ser
um terno, não um casaco, como eu tinha imaginado, parei imediatamente.
Olha, até que é um bom terno, o tecido...
Espera, eu tô pensando em roupas? Tem uma arma no meu quarto!
Meu coração disparou de nervoso, e eu pensei em correr do quarto e
chamar a segurança. Logo afastei a ideia, já que, se tudo fosse um engano, eu
soaria como louca histérica. O estranho invasor poderia, inclusive, ser um dos
seguranças da mansão.
E foi só a ideia de ter um segurança tomando banho no meu banheiro
vir a mente, que um pensamento passou pela cabeça: e se fosse Gabriel?
Betty disse que ele não viria, mas e se aquilo tivesse sido uma brincadeira
dela? Ela realmente estava agindo de modo suspeito com aquela coisa de
arrumar o closet!
Achei melhor conferir. Peguei meu celular e disquei o número dele,
que Betty havia me passado na lista de contatos de todos da banda. Na hora,
nem me dei conta do que isso significaria, para ser sincera.
Fiquei em silêncio, esperando o celular tocar, mas não ouvi nenhum
som vindo de dentro da bolsa, nem mesmo uma vibração. Olhei para a tela do
meu aparelho e vi que alguém havia atendido a ligação.
Ou seja: não era Gabriel quem estava tomando banho no meu quarto.
Meu peito se apertou com o medo mais uma vez, mas não me deixei
abalar. Afinal, a chance de a pessoa ser mal-intencionada era minúscula,
tendo em vista que nenhum ladrão ou assassino profissional entraria no
quarto da vítima e largaria sua arma para tomar um banho! Fora que a
segurança era impecável na mansão, eu sempre soube disso.
— Estarei ferrada de algum modo? — perguntei para mim mesma, em
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voz baixa.
Desliguei o celular sem dizer nada para Gabriel e comecei a pensar no
que fazer. Sair do quarto, ligar para Betty ou esperar a pessoa se explicar?
Minha intuição dizia que não havia motivos para sentir medo do vulto.
Talvez fosse tudo um mal-entendido, e ele realmente tenha entrado no quarto
errado sem querer. Havia outro quarto em frente ao meu, afinal de contas.
A mochila tombou para frente mais uma vez, e eu a segurei num
reflexo. Mochila inconveniente igual ao dono, pensei enquanto a encostava
na parede para que não caísse mais. Dei uma olhada de relance no coldre e
contive a respiração. Droga, quero saber qual arma é.
Não, Lena.
Não pegue na arma alheia.
Não é sensato.
Você vai deixar suas digitais num revólver de alguém que você nem
conhece.
A voz da razão tentava me impedir de fazer aquela besteira, mas a
curiosidade de ver qual arma o possível segurança tinha foi maior do que meu
bom senso. Meu tio é entusiasta — ou melhor, totalmente viciado — de
armas, foi ele quem me ensinou a atirar quando eu era adolescente, e eu tinha
certeza que ele soltaria fogos de artifício ao saber que eu fiquei curiosa sobre
uma arma, mesmo não sabendo quem era o dono.
Tirei a arma do coldre, verifiquei se estava com o pente de balas e dei
uma olhada geral. Não pude conter uma risada: era uma G22, a preferida de
meu tio. Uma Glockinha. Chequei o peso da arma e sorri ao pensar em como
ele ficaria orgulhoso ao saber que a sobrinha soube reconhecer uma pistola
sem precisar recorrer ao Google.
Bom... ou isso, ou ele diria “não fez mais que sua obrigação, Maria, é
a minha arma preferida. Com ela, eliminei vários vagabundos que...”
É, provavelmente seria a segunda opção... Velho esquisito.
Estiquei o pescoço para olhar melhor a porta do banheiro, e como o
chuveiro permanecia ligado, virei de costas e apontei a arma para a janela,
para senti-la melhor em minhas mãos. Era uma arma boa de se pegar, se
comparada com aquela Taurus horrível que meu tio me obrigava a praticar.
Nossa, como eu odiava aquela arma.
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Não sou exatamente entusiasta de armas, mas é difícil você não se


animar quando se tem um tio muito rabugento que se desmancha em sorrisos
quando sua sobrinha predileta acerta seu quiz de nomes e marcas de pistolas.
Era o jogo favorito dele, me mostrar fotos e sons de tiros e esperar que eu
adivinhasse qual pertencia a qual...
Pensando bem, meu tio realmente é meio maluco...
Distraída, chequei novamente o gatilho, local onde existe o único
mecanismo de trava da arma, e fui até meu celular, tirei uma foto, pensando
em mandar para meu tio, quando uma voz irritada me tirou de meus
devaneios e me fez dar um salto no mesmo lugar:
— Que merda é essa?! — gritou o intruso, fazendo meu coração
disparar no peito.
Ai, droga!
Estou ferrada.
Adeus, turnê...
No alto da minha distração, nem ouvi o chuveiro sendo desligado e
nem a porta do banheiro sendo aberta. Com o susto, deixei meu celular cair
no chão de novo, larguei a arma em cima da cama e levei as mãos ao rosto,
de tanta vergonha. Só não levantei as mãos para o alto porque já não estava
mais armada.
E porque seria ridículo.
Droga, droga, droga.
Eu quebrei alguma lei?
Ai, cara, aposto que quebrei.
Legal, vou ser presa, ainda por cima.
Sua burra! Por que nunca consegue segurar seus impulsos? Quase
trinta anos na cara, Helena! Por que pegou o raio da arma de alguém que
você não conhece??
Fiquei reunindo coragem para girar nos calcanhares e começar a pedir
desculpas para o dono da arma, mas senti toda ela se esvair quando o intruso
ralhou comigo em uma voz muito grosseira:
— O que você tá fazendo aqui?! — perguntou o dono da voz,

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totalmente mal-humorado.
Vi de canto de olho ele se aproximar e pegar a arma em cima da
cama. Desviei o rosto quando ele se voltou para mim e me abaixei para pegar
meu celular. Tela trincada, de novo. A ironia das ironias: desejei que o
suposto celular do invasor trincasse a tela, mas acabei fazendo isso com o
meu... de novo. Bom, de qualquer modo, não era a primeira vez, não seria a
última, aquele aparelho havia caído no chão no aeroporto no Rio, mais cedo,
vivia despencando da máquina de costura, enfim. Era impressionante como
ainda ligava apesar disso tudo.
— Esse é o meu quarto, senhor invasor, acho que a pergunta certa
seria... — tentei rebater com firmeza, mas minha voz falhou. Estava me
sentindo uma idiota por ter sido flagrada segurando a arma alheia.
— Seu quarto? Seu quarto é o da frente! Você é a Maria, figurinista
nova, não é? — a voz irritada perguntou enquanto se afastava. Ouvi uns
barulhos que me soaram como se ele estivesse guardando a Glock em alguma
gaveta, ou coisa parecida.
— Sou, como você sabe? — perguntei, ainda sem olhá-lo, indo na
direção da janela e fingindo interesse em abri-la.
Lena, pelo amor de Deus, olha para o homem e resolve logo isso.
Para de ser criançona.
Ignorei meu bom senso pela segunda vez e permaneci de costas
enquanto tentava destravar a janela.
— A segurança aqui é impecável, você nunca teria entrado se não
fosse autorizada. Além do mais, não tem nada que eu não saiba aqui,
senhorita — ele retrucou, irritado.
Não pude deixar de rolar os olhos. Que prepotente!
— Ah, claro, todo poderoso, onisciente e onipotente! Sabe de tudo, só
não sabia que o quarto não era o seu! — respondi enquanto tentava abrir a
droga da janela.
— O quarto é meu. Você que entrou no lugar errado. Posso saber por
que você estava segurando a minha arma?
— Posso saber por que você entrou no meu quarto armado? —
retruquei enquanto destravava a janela.

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— O quarto não é... — ele começou a responder, mas eu o interrompi


quando finalmente consegui abrir a janela, fazendo com que o metal que
emoldurava o vidro fizesse um barulho alto e uma brisa gelada entrasse no
quarto. Terminei de abrir o blackout e olhei o belíssimo céu estrelado, me
enchendo de coragem para olhar nos olhos do meu invasor, pedir desculpas
pela arma, mas brigar pela posse do quarto.
— Ok, temos um impasse aqui, Bruce Nolan — disse, fazendo
referência ao personagem de Jim Carrey em Todo Poderoso. Girei o corpo
para falar com o invasor de quartos e continuei. — A dona da mansão me
colocou nesse quarto, então... Gabriel?
Espantada, reconheci o segurança da Sissy Walker, que me olhava
com o rosto fechado. Percebi que demorou alguns segundos para ele me
reconhecer e que sua expressão relaxou quando isso aconteceu.
— Quem...? Lena...? Lena! O que você...?
— Você não faz parte mais da segurança da banda! — eu o
interrompi, totalmente surpresa — A Betty disse que você tinha saído, que
você era segurança de outra banda! E o seu celular, você não atendeu quando
eu liguei!
Gabriel franziu as sobrancelhas, o rosto rígido enquanto tentava
entender o que estava acontecendo ali.
— Eu deixei meu celular com o Diego, o dele quebrou, e ele
precisava resolver algumas coisas. Aliás, como você tem meu número?
— A Betty me deu um dia desses, por via das dúvidas.
— E por que a Betty te daria meu número se eu supostamente não
trabalho mais para a banda?
Abri a boca para responder, mas vi que fazia sentido. Não tinha me
dado conta daquilo mais cedo, quando fiquei toda tristonha por saber que não
o veria.
Achei que não ia ser trouxa, fui trouxa.
Gabriel relaxou o rosto um pouco e arriscou um pequeno sorriso ao
me ver contrariada.
— Acho que a Betty te colocou aqui de propósito, Lena. Se bem me
lembro, o sonho dela era juntar nós dois... Ou me juntar com qualquer mulher

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no planeta. Senhorita Antônia provavelmente deve estar envolvida também.


Ela passou os últimos meses conosco apenas falando em você.
Botei as mãos na cintura, tentando lidar com a profusão de
sentimentos que acontecia no meu peito. De euforia à vergonha, de vergonha
à surpresa, de surpresa à felicidade, de felicidade à euforia de novo... Afastei
todos eles e exclamei:
— Que mulher louca! Ela colocou minhas coisas no closet, disse que
era meu o quarto...! — falei com os olhos semicerrados, sentindo a raiva
invadir meu peito.
Girei nos calcanhares e fui ao closet tentar entender o motivo de ela
ter repetido tanto que eu arrumasse minhas coisas. Gabriel ficou no mesmo
lugar, ainda com o minúsculo sorriso no rosto e os braços cruzados. Liguei a
luz e entrei no cômodo, ficando de boca aberta ao entender tudo.
— O closet está cheio de roupas!! Ternos, ternos, ternos... Só tem
ternos aqui? São suas roupas!! Ah, como eu sou burra! — disse ao ver as
roupas e sapatos de Gabriel arrumados nos cabides e sapateiras. — Por isso
ela enfatizou tanto que eu arrumasse minha bagagem, ela sabia que eu ia
entender tudo quando visse esse monte de roupa de segurança!
Saí do ambiente repleto de ternos escuros com o maxilar cerrado, me
sentindo uma tonta de marca maior, e irritadíssima, não pela brincadeira de
Betty, mas sim por não ter percebido tudo antes.
Gabriel ainda estava no canto oposto do quarto, próximo ao aparador.
O sorriso em seus lábios desapareceu, e ele me olhou com o rosto sério, mas
não notei raiva em sua voz quando ele comentou:
— Você sabe segurar uma arma.
Cruzei os braços, ficando um pouco na defensiva, como se aquilo
fosse uma acusação.
— Sei, por quê? — perguntei.
— Você sabe atirar? — ele rebateu, o rosto ainda impassível.
Ainda com as defesas ativadas, respondi, com o nariz um pouco em
pé:
— Qualquer um sabe atirar com uma Glock. Ela pesa menos de um
quilo, sua trava é no gatilho, o que a torna extremamente segura, e quase não

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dá coice. É óbvio que eu sei atirar com uma G22. Consigo desabotoar seus
ternos com essa sua Glockinha, se quer mesmo saber.
Gabriel piscou algumas vezes, e a surpresa em seu rosto surgiu
rapidamente, mas logo foi embora. Ele tentou, sem sucesso, segurar um
sorriso, e acabei rindo junto e caminhei em sua direção.
Parei na sua frente e olhei seu rosto pela primeira vez em quatro anos.
Era exatamente do jeito que eu me lembrava: o queixo forte, as sobrancelhas
arqueadas na pontinha, os olhos brilhantes, os lábios lindos, carnudinhos e
curvados em um meio sorriso e a pele levemente bronzeada de sol.
Gabriel não se moveu, mas retribuiu meu olhar e pareceu devorar meu
rosto com os olhos, como se quisesse memorizar cada parte dele, exatamente
do mesmo jeito que havia feito quando nos conhecemos.
— Não quer tirar uma foto? Pode facilitar a sua vida — brinquei,
dando mais um passo em sua direção com o coração martelando no peito.
Fiquei a centímetros de seu rosto, mas não me aproximei mais.
— Quero, Maria. Por sinal, por que você usou esse nome? —
perguntou, me brindando com seu sorriso relaxado mais lindo.
— Porque é o meu nome, Gabriel. Me chamo Helena Maria. Betty
deve ter usado meu segundo nome para que você não percebesse quem eu sou
nos formulários da segurança.
— É, foi o que ela fez. Ela abreviou o primeiro nome e entregou tudo
para a Erika, a segurança pessoal dela, conferir. Mal pude chegar perto da
última atualização da lista dos novos funcionários, Lena... — ele disse,
inclinando o rosto na minha direção.
— Hm, é um bom artifício... Betty sempre tentou ser cupido assim?
Checa na sua mesa de cabeceira, vê se não tem uma certidão de casamento
esperando pela sua assinatura... — disse enquanto inclinava o rosto em
resposta. Senti seu hálito em meu rosto e coloquei o chiclete no canto da
boca, já aguardando o tão esperado beijo.
— Provavelmente tem, junto da escritura de uma casa com cerca
branca... — ele respondeu, sorrindo e encostando os lábios no canto da minha
boca.
Não foi necessário dizer mais nada. Toda a dúvida de como seria
nosso reencontro se esvaiu quando nos atraímos como polos, ainda que não
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nos falássemos há tantos anos.


Fechei os olhos enquanto sentia sua boca quente encostar em minha
pele, que estava fria pela lufada de ar gelado que entrou pela janela, e agarrei
as laterais da camisa que Gab usava. Ele trilhou uma série de beijos lentos no
meu rosto, descendo para o queixo e parando no pescoço. Senti sua mão
puxando meu cabelo e ergui o rosto, facilitando o acesso dele ao meu colo.
Gabriel passou a mão na minha cintura e me puxou para perto,
encostando meu corpo no seu, e eu gemi quando ele me virou de costas para
a parede e me pressionou contra ela, sem deixar de beijar a base do meu
pescoço.
Coloquei a mão em seu peito e abaixei o queixo, fazendo com que ele
subisse o rosto e me beijasse nos lábios. Respirei fundo quando nossos lábios
se entreabriram e se encostaram e ouvi Gabriel fazer o mesmo.
Mal nossas línguas se roçaram, um barulho na porta nos interrompeu.
Deixei os ombros caírem de frustração quando Gabriel encostou a testa na
minha e suspirou.
— Gab? Trouxe seu celular! — gritou Diego do lado de fora. Gabriel
me soltou e eu vi seu maxilar enrijecendo de impaciência.
Aproveitei que ele se afastou e corri para o banheiro. Não queria que
ninguém me visse ali. Não no primeiro dia de trabalho, ainda que Betty
tivesse criado aquela situação e, provavelmente, contado para todos do plano.
Fiquei em silêncio esperando Gab falar com Diego e refleti sobre o
que poderia acontecer naquela noite. Eu estava morrendo de desejo pelo
segurança, mas também estava morrendo de sono. No dia seguinte, eu
começaria meu trabalho com a banda e precisava estar descansada para não
fazer besteira.
Decidi que era melhor deixar o reencontro para outro dia. Não podia
correr o risco de alguma coisa atrapalhar a primeira impressão que eu queria
passar para meus colegas de trabalho.
Ouvi Gabriel me chamando e voltei para o quarto, quase suspirando
de alívio — ou frustração? — ao ver que ele estava distante da porta do
banheiro, checando o celular.
— Você me ligou mesmo... — disse com um sorriso enquanto olhava
a tela do smartphone.
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— Liguei, queria saber se o maluco que entrou no meu quarto às duas


da manhã era ou não você... — respondi enquanto me sentava na cama.
Opa, péssima escolha, Lena. Levanta dessa cama, não dê ideias para
seu corpo flamejante.
Levantei imediatamente e cruzei os braços, menos pelo frio que
entrava pela janela e mais por não saber o que fazer com eles. Gabriel me
olhou, parecendo confuso, e me corrigiu:
— Não são duas da manhã, Lena, são onze horas da noite...
— Não, são duas da manhã, eu... — comecei a argumentar, mas
esqueci o resto da frase quando ele se virou de lado para guardar o celular e
eu tive um relance sua tatuagem no braço, mal escondida pela camiseta que
ele usava. Gabriel continuava tão gostoso quanto antes. As coxas
maravilhosas escondidas em uma calça de pijama xadrez, os braços fortes, as
tatuagens... Ah, as tatuagens...
Desgraça de homem irresistível!
— Gabriel, me ajuda a levar minhas malas para o quarto? — pedi
antes que mudasse de ideia, me ajoelhasse na sua frente e fizesse coisas que
deixariam minha mãe horrorizada.
O segurança fechou a gaveta da mesa de cabeceira e me olhou com a
dúvida estampada no olhar.
— Eu preciso dormir, tive um voo péssimo, me droguei... — tentei
explicar, mas ele me interrompeu:
— Se drogou? — ele perguntou, o rosto ficando sério de novo.
— Remédio para enjoo, Gabriel. Aquilo bate e dá um barato que só
vendo... — brinquei ao ver sua expressão preocupada. — Enfim, eu
realmente preciso dormir, senão não existo amanhã. E amanhã é meu
primeiro dia, né?
Gab balançou a cabeça concordando e me deu um sorrisinho
desanimado. Mais corta-clima que isso? Em seguida, foi até o closet e tirou
as duas malas maiores, deixando para mim a mala média e a de Magic
Manson, minha máquina de costura, que eu trouxe por ser mais compacta e
prática.
Fomos em silêncio até meu quarto, e eu esperei Gab guardar as malas

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no final do quarto enquanto desfazia a minha trança e olhava ao redor. Ele


terminou de arrumar as coisas, saiu do closet e me olhou sentada na cama e
procurando por algo.
— O que foi? — perguntou enquanto se aproximava de mim e
sentava ao meu lado na cama.
— Não sei, o quarto... é igual ao seu, mas... parece estranho... Como
se faltasse algo. Acho que falta cor nele. E fotos. E vida — respondi enquanto
olhava cada canto do espaço. Voltei meu olhar para Gab e sorri ao ver que ele
me olhava com uma expressão divertida no rosto. — Olha, ele tem dentes!
Senti saudades de constatar isso — disse, olhando fixamente para sua boca.
Gabriel diminuiu o sorriso, e eu pude notar o desejo em seus olhos.
— Bom ver que você continua a mesma... — ele comentou.
Sorri e balancei a cabeça negando.
— Imagina, mudei bastante. Agora sou uma mulher forte, mais
independente ainda, dona de uma marca de roupas maravilhosas e de uma
pontaria que te faria sentir vergonha por andar com aquela Glockinha de
quinta que você tem.
— Sei... Quero ver se essa pontaria é isso tudo mesmo — provocou,
me dando um sorriso irônico e se levantando da cama.
— Você vai ver. Há muitos locais bons para te provar isso na Europa,
segurança-todo-poderoso — respondi me levantando também e o
acompanhando até a porta do quarto. — Muito obrigada, senhor cavalheiro,
por trazer minhas malas até aqui. Tenha uma boa noite e guarde bem as suas
armas.
— Pode ter certeza que guardarei. Tente não invadir o quarto de mais
ninguém, senhorita — brincou, se virando para ir embora.
— Isso eu não garanto, moço.
Gabriel me olhou por cima do ombro e sorriu.
— Boa noite, segurança.
— Boa noite, costureira.
Sorri e fechei a porta do quarto, me controlando para não ir atrás dele,
para não o puxar de volta para dentro e arrancar aquela calça xadrez
maravilhosa.
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Não, Lena, controle-se. Vai tomar mais um banho e dormir. Devem


ser quase três da manhã e você precisa trabalhar daqui a algumas horas!
Ouvi a voz da razão pela primeira vez na noite e fui até o banheiro
tomar o banho mais gelado que o chuveiro conseguisse me oferecer sem me
adoecer, antes que eu entrasse em autocombustão.
Confesso que o frio até acalmou meus nervos, mas não havia
tempestade de neve no Alasca que conseguisse acalmar as batidas nervosas
do meu coração. Era só pensar em Gabriel, que nem um iceberg assassino de
Titanic sendo colocado dentro da minha calcinha de nuvens me esfriaria o
suficiente para tirar o sorriso bobo do meu rosto. Pensa comigo: eu viajaria
por toda a Europa e ainda teria a companhia do homem cuja lembrança
aqueceu meu corpo em vários momentos dos últimos anos.
Eu sou uma sortuda filha da mãe.

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Primeiro café

Acordei com o alarme do meu celular gritando e vibrando na mesa de


cabeceira. Totalmente tonta de sono, me levantei, xingando mentalmente o
raio do fuso horário. Mas, como reclamações não lubrificam minha máquina
de costura, fui me arrumar assim mesmo. Havia muita coisa a ser feita
naqueles dias antes de começar a turnê, não podia perder nem um segundinho
sequer.
Tomei um banho morno — era fim de inverno em Londres,
infelizmente não poderia tomar meus amados banhos trincando de gelados...
—, fiz a fitagem de sempre no cabelo, sequei e terminei de me arrumar,
escolhendo um vestido confortável e meias de lã 7/8, minhas preferidas
Olhei para o relógio do celular e fiquei satisfeita ao ver que estava
adiantada. Planejara iniciar meus afazeres antes das nove horas da manhã,
meu celular marcava oito em ponto. Perfeito! Ainda estava meio lesada de
sono, mas nada que um bom copo de café não fosse resolver.
Ajeitei as meias no lugar, apaguei a luz e saí do quarto, toda contente,
empacando em seguida ao ver que estava tudo escuro na mansão.
— Ué, que horas o sol amanhece aqui, na hora do almoço? Oito horas
e tá esse breu? — perguntei sozinha.
Fechei a porta do meu quarto, tentando entender o que estava
acontecendo, e fui até a cozinha principal da mansão ver se encontrava
alguém. Fiquei perdidinha ao entrar no cômodo e não encontrar nenhuma
pessoa, nem um membro da banda, um funcionário, um cozinheiro, a
governanta, qualquer um. Nada.
Gente, será que meu celular está maluco? Que horas devem ser,
então, se não são oito?
Conectei no wi-fi da mansão e procurei um daqueles sites que dizem a
hora certa no mundo todo. Revirei os olhos e falei uns cinco palavrões ao
perceber que provavelmente a queda no aeroporto (ou no quarto de Gabriel?)
tinha avariado o aparelho: eram cinco horas da manhã. É óbvio que eu estava
com sono, era um horário desumano de se acordar.
Bom, não tem tu, vai tu mesmo, né? Já tinha despertado, tomado
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banho e me arrumado. De nada ia adiantar deitar e tentar recuperar as três


horas de sono perdidas.
— Gabriel tinha razão, pelo visto... Que toupeira eu sou.
Voltei para a ala dos funcionários e fui até a cozinha modernosa,
dando a volta no balcão e procurando nos armários alguma embalagem de pó
de café. Encontrei uma prateleira com três pacotes de café diferentes. Não
conhecia nenhuma marca, até porque estavam todas em línguas que eu não
reconhecia, então escolhi a que tinha “torra clara” escrito na embalagem,
torcendo para que fosse boa.
Se tem uma coisa que eu entendo, além de tecidos e costuras, é café.
Odeio torra escura, prefiro não beber a ter que provar suco de carvão.
Depois de quase ferver a água, escaldei um filtro de papel antigo que
encontrei no fundo do armário, coloquei o pó e inalei o aroma que o café
exalou. Maravilhoso!
— Café de milionário, que beleza! — falei sozinha e, para completar,
ainda ri de minha própria piada enquanto servia o café em uma garrafa
térmica.
Não adocei meu café. Salvo alguns tipos, como o de minha irmã ou
alguns cappuccinos, sempre tomei bebidas com cafeína sem nada. O açúcar
costuma tirar o gosto divino de um bom blend, então eu sempre preferi o
gosto real da coisa.
Sentei em um banquinho, apoiei os cotovelos na bancada da ilha,
tomei um gole da bebida e suspirei de prazer. Que café divino!
— Tem café para dois nessa garrafa? — perguntou uma voz
masculina.
Abri os olhos e olhei ao redor, vendo Gabriel entrar na cozinha,
usando um de seus maravilhosos ternos e um de seus perfeitos sorrisos. Não
reclamei nem um pouco de ter companhia, ainda mais sendo ele.
Que homem, que homem.
— Sim, pode pegar, acabei de fazer — disse, abaixando a caneca por
um momento. — É um dos melhores cafés que eu já tomei na vida.
— É, dá para ver... — ele comentou, ainda sorrindo enquanto pegava
uma caneca no armário e se sentava no banco em frente ao meu, a ilha entre

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nós dois.
Fiquei olhando Gab colocar café em uma caneca igual à minha e
beber em silêncio.
— Sem açúcar? — perguntei.
Gabriel apenas balançou a cabeça afirmativamente, enquanto eu sorria
e tomava mais um gole.
— Seu cabelo cresceu... — ele constatou antes de levar a caneca aos
lábios.
Botei a mão em meu cabelo e afofei um pouco meus cachos.
— Cresceu, né? Tá imenso, não corto tem uns quatro, cinco anos...
Omiti a informação de que eu não cortava desde o evento na Lyubov,
aquele evento desagradável. Não queria trazer o passado à tona.
— Ficou bonito também. Gosto do cheiro dele — disse em um tom
neutro.
Entortei a cabeça para o lado enquanto tentava me lembrar de quando
ele poderia ter sentido o cheiro do meu cabelo, mas não consegui pensar em
nada muito concreto. Eu estava de trança quando nos beijamos e não me
aproximei muito dele quando desfiz o penteado, no meu quarto.
— O cheiro ficou no meu travesseiro — ele explicou ao ver minha
confusão. — Você deitou na cama com ele molhado?
— Ah, sim... Entendi. Deitei, perdão... — eu me desculpei com um
sorriso tímido.
Tentei afastar da cabeça a resposta que eu realmente queria dar, uma
nem um pouco ortodoxa que envolvia outras partes do meu corpo que
poderiam estar molhadas, e voltei minha atenção para minha bebida.
— Não, não precisa pedir desculpas. Foi um pouco difícil de dormir
sabendo que a dona do cheiro estava no quarto ao lado, mas não tem
problema.
Dei uma olhada na expressão séria, porém relaxada de Gabriel, e sorri
com o canto da boca. Coloquei o café na mesa, apoiei os cotovelos na
bancada e me inclinei em sua direção.
— Escuta, Gabriel... Eu preciso te fazer uma pergunta, posso?

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Gabriel imitou meu gesto com a caneca, mas não se inclinou na minha
direção, apenas balançou a cabeça assentindo. Retribuí o pequeno sorriso que
ele deu e soltei a pergunta de uma vez, tentando não rir da reação dele em
seguida:
— Há algum coração que possa ser partido com a minha presença?
Gabriel levantou as sobrancelhas, as franziu e me perguntou, com um
sorriso despontando em seus lábios:
— Como assim, um coração...?
— Eu quero saber, Segurança, se tem alguém que você esteja vendo
ou que esteja perdidamente apaixonada... ou apaixonado, sei lá, que vá me
caçar com um rifle por eu querer pegar você. Se sim, me avisa logo, porque
eu não tenho muita paciência para ficar esperando algo que não vai vir.
Terminei de falar e aguardei com um sorriso inocente no rosto. Era
bom colocar logo as cartas na mesa e definir o que podia ou não ser feito ali.
— Acho que me lembro desse seu lado que vai bem no ponto, Lena...
Tirei as mãos da caneca e as coloquei na bancada.
— Lembra? Que bom... Do que mais você lembra de quatro anos
atrás? Só para eu ficar sabendo, minha memória está um pouco nublada pelo
sono, sabe? — comentei enquanto cruzava os braços, sabendo que esse
movimento destacaria meus seios no decote em formato de coração. Uma
provocação pequena não faria mal a ninguém, faria?
Gabriel desceu os olhos imediatamente e concentrou o olhar no meu
decote. Sorri, satisfeita, e estalei os dedos na frente de seus olhos.
— Ei, Segurança, meus olhos estão aqui, ó — apontei para meu rosto
e tentei segurar a risada. Gabriel desviou o olhar dos meus peitos e voltou
para meu rosto com um pequeno sorriso.
— Lembro de muita coisa. De tudo, para falar a verdade — disse
enquanto se inclinava em minha direção. Pelo tamanho da bancada, não
adiantaria de nada se eu não me apoiasse nos cotovelos e o puxasse caso
quisesse beijá-lo, mas me controlei para não resolver esse impasse. Ele ainda
não havia respondido uma de minhas perguntas, a principal.
— Sei. Tenta lembrar agora de responder a minha questão, Gabriel.
— Eu não acabei de responder? —perguntou, olhando para meus
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lábios.
— A primeira, Gabriel. Eu preciso manter minhas mãos longe de
você? Ontem você não fez objeção, mas quem me garante que não tenha sido
um deslize? É difícil resistir a isso que existe entre nós dois... — disse sem
nenhum traço de insegurança. Era nítido que eu ainda exercia nele o mesmo
efeito que ele exercia em mim, então não era momento para falsa modéstia.
Gabriel desviou o olhar de meus lábios e voltou a me fitar nos olhos,
sem dizer nada por uns instantes.
— Depende — respondeu, simplesmente.
Acertei minha postura e peguei minha caneca de café, sem desviar do
seu olhar. Estava ficando impaciente, e não tinha nem vinte e quatro horas
que eu reencontrara aquele homem.
— Depende do quê? Do seu horóscopo, Segurança? — perguntei com
ironia.
Gabriel sorriu, me mostrando seus dentes lindos, e respondeu:
— Quase isso, Costureira.
Revirei os olhos, mas não pude deixar de sorrir. Gabriel estava me
provocando, mas eu não iria ceder tão fácil assim. Se o lance era fazer doce,
eu encheria o café dele de açúcar se continuasse com aquele joguinho de
palavras.
Terminei meu café sem desviar meu olhar do dele e me levantei em
seguida, indo lavar minha caneca. Guardei a louça e enxuguei as mãos no
meu vestido, ainda de costas para Gabriel. Quando me virei, ele estava
colocando mais café em sua caneca.
— Eu fiz esse café bem forte, Segurança, pega leve na cafeína —
alertei em tom de brincadeira
— São cinco e meia da manhã e eu não dormi direito, Lena. Preciso
de cafeína. Aliás, falando nisso, por que você está de pé tão cedo?
Levantei os ombros e sorri.
— Vontade de trabalhar, quem sabe? Ah, por sinal, você teria um
adaptador de tomada? Minha máquina de costura é meio louca, não encaixou
de modo algum na tomada daqui... — pedi.
— Tenho sim. Deixo no seu quarto daqui a pouco.
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Ele respondeu isso de modo tão sério, que eu quase zombei. Modo
profissional ativado! Bom saber que ele tem um tão intenso quanto o meu;
seu humor mudou em segundos!
Apertei os olhos, sorri e balancei a cabeça negando.
— Nem pensar, Segurança. Você vai me dizer onde tem um, e eu vou
lá pegar. Você está proibido de entrar no meu quarto enquanto eu estiver
presente.
Gabriel bebeu seu café e me perguntou em seguida:
— Qual é o seu medo? Que eu te ataque lá dentro? — perguntou, e eu
notei uma breve sombra em seu olhar, como se minha pergunta tivesse tocado
em um ponto delicado.
Ergui as sobrancelhas, surpresa com sua pergunta.
— Óbvio que não. Meu medo é que eu vá contra meus princípios e te
ataque, Segurança. Não gosto de encostar em pessoas que não estejam
totalmente certas do que querem comigo, então preciso que você pare de me
enrolar e me diga logo se há algo que me impeça de desabotoar seu terno com
sua arma — expliquei com um sorriso travesso no rosto.
Gabriel suavizou a expressão e comentou:
— Você é muito, muito direta, já te disseram isso alguma vez?
— Ao menos duas vezes por semana. Bom, pelo tanto que você está
me enrolando para responder, eu já entendi. Prometo que vou ser uma boa
menina e respeitar sua vontade, Segurança. Não esquece o adaptador de
tomada, ok? — disse, sentindo uma pontada de decepção ao ver que Gabriel
não tentou me corrigir.
Pelo visto, ele estava comprometido, e a noite passada havia sido um
erro.
É óbvio que ele está, Lena, sua anta. Um homem como ele iria ficar
sozinho, te esperando, quatro anos depois? Você não ficou sozinha!
Ingenuidade é uma coisa, burrice aguda é outra, Helena Maria.
Mas, se isso for verdade, por que Betty armou para que ficássemos
juntos no quarto? Não, hoje eu não estou lesada por causa das drogas, algo
de errado não está certo aqui. Betty sempre me disse que Gabriel é um
homem honrado, ele não iria trair alguém assim, tão facilmente.

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Dei um sorriso falsamente compreensivo para ele — quando no


fundo, queria mandar ele plantar batatas em uma ladeira por ousar me enrolar
quando eu queria ele na minha cama em cada um dos países que iríamos
visitar durante os próximos meses —, peguei sua caneca de suas mãos, bebi o
resto do líquido dos deuses e me virei para sair da cozinha.
Mal cheguei na porta da cozinha, ouvi a voz de Gabriel:
— Depende do horário, Helena.
Girei nos calcanhares e olhei para o segurança da Sissy Walker, ainda
sentado em sua banqueta na ilha do cômodo modernoso, e contive a vontade
de gritar “ahá, eu sabia!”
Calma, Lena.
Uma coisa de cada vez.
Tentei entender o comentário, o coração retumbando no peito.
Euforia? Tesão? Felicidade? Expectativa? Tudo junto? Sim.
— O que depende do horário, Segurança? Para de enrolar, eu não
tenho o dia todo, aqueles vestidos da Aline não vão se apertar sozinhos,
sabia?
Gabriel girou nos banquinhos da bancada, ficando de frente para mim
e sorriu.
— Depende do horário que você queira desabotoar meu terno com a
minha arma.
Gabriel costumava ser mais direto, não? Ou eu que estou viajando?
Será que eu não o conheço como acho que conheço? Bom, é óbvio que não,
só o vi uma vez, burra.
Voltei para a cozinha e caminhei em sua direção, repetindo o mantra
“não encoste nele, Lena, não encoste nele, Lena!” mil vezes até parar a
poucos centímetros de seu rosto. Como estava sentado no banco de metal, o
rosto de Gabriel estava poucos centímetros abaixo do meu, fazendo com que
eu inclinasse a minha cabeça para me aproximar dele.
— Segurança, não me enrola, vá direto ao ponto, que minha paciência
é tão pequena quanto a quantidade de açúcar que você colocou no seu café.
— Eu gosto dele puro — ele disse, erguendo o rosto na minha
direção.
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— Eu sei, eu também... — respondi enquanto colocava as mãos na


bancada atrás de Gabriel e aproximava meus lábios dos seus. — Gabriel, se
você não me impedir, eu vou beijar você.
Ele não falou nada, apenas ergueu o queixo devagar e mirou meus
lábios. Entendi aquilo como uma permissão e liguei meu foda-se para tudo.
Fechei os olhos quando minha boca encostou de leve na de Gab e
inalei profundamente quando ele entreabriu a boca e passou a língua no
centro dos meus lábios, quase como se estivesse pedindo licença. Separei os
lábios e senti a ponta de sua língua encostar na minha, trazendo o sabor do
café gourmet junto.
Dei um passo para frente, tirei as mãos da bancada e as deslizei pelas
coxas dele, me encaixando entre suas pernas enquanto sua língua entrava em
minha boca. Suas mãos agarraram minhas pernas, e ele acertou a postura,
facilitando o contato de sua pele com a minha.
Agarrei seu cabelo curto com uma mão e passei o outro braço pelo
seu pescoço. Gabriel deslizou as mãos de minha cintura para o meu traseiro e
parou uma mão em minha coxa, sentindo a faixa de pele que a ⅞ não
escondia e apertando o local.
Sem deixar de me beijar, ele se levantou do banco, me agarrou pela
cintura e me puxou para mais perto ainda. Sua língua buscava a minha com
urgência, e eu precisei de muita força de vontade para lembrar que estávamos
na cozinha da mansão de nossos chefes.
Não que isso tenha surtido algum efeito, já que não fiz menção de
interromper o beijo nem quando ele ergueu minha coxa, subiu o meu vestido
e me colocou sentada na bancada, parando para olhar minhas coxas
parcialmente cobertas pelas meias de lã.
Passei a mão em seu pescoço e o puxei, retomando o beijo e enfiando
a outra mão por dentro de seu terno, na tentativa de encostar em algum
pedaço de pele. Obviamente não consegui, mas não era exatamente algo
ruim, levando em consideração que Gabriel conseguia encostar em várias
partes da minha pele ao mesmo tempo. Era uma boa compensação sentir
aquelas mãos ásperas, cheias de calos, subindo pelas minhas pernas.
Quando Gabriel passou a mão pela lateral da minha calcinha, parou
de me beijar e mordeu o lóbulo da minha orelha, me fazendo gemer de
surpresa, a sensatez bateu em mim como uma dose de tequila.
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Gabriel, que era mais ajuizado do que eu, tirou imediatamente as


mãos de mim e se afastou, me deixando atônita, ofegante e sentada na
bancada. Tentei controlar a respiração e abaixei meu vestido, sem deixar de
olhar para o pedaço de homem na minha frente.
— Isso não é muito legal de se fazer, Gabriel... — reclamei, passando
as costas das mãos nos lábios e descendo da bancada.
Gabriel se afastou mais de mim com os punhos cerrados e a
respiração entrecortada.
— Depende do horário, Lena... E quase seis horas da manhã nunca é
um bom horário para isso... — ele se justificou, me deixando confusa.
Abri a boca para perguntar o que ele queria dizer com aquilo, quando
ouvi um barulho vindo da sala. Corri para longe de Gabriel e me encostei na
pia, fingindo estar secando uma louça qualquer.
Um funcionário da mansão entrou na cozinha e nos deu bom dia,
tranquilamente, aparentando não ter visto nada. Retribuímos o cumprimento,
e eu me virei para ir embora, o coração aos pulos pelo quase-flagra. Olhei por
cima do ombro e vi Gabriel me olhar por trás da caneca de café que levava
aos lábios. Havia um projeto de sorriso em seus lábios quando ele pegou os
óculos escuros de dentro de um bolso do terno e colocou no rosto.
Encarei o segurança por uns instantes e balancei a cabeça, entre
contrariada e satisfeita. O desgraçado sabia que os funcionários da mansão
começariam seu trabalho naquele horário, mas mesmo assim me deixou
beijá-lo como resposta para minha pergunta.
Ah, Gabriel... Mal você sabe que nesse jogo de War que você está
tentando jogar comigo, eu já conquistei o oriente inteiro e uma boa parte das
Américas. Conquistar a Europa é só uma questão de tempo.
Com um sorriso irônico dançando nos meus lábios, eu saí da cozinha
e fui começar meu dia de trabalho, pensando em como aqueles doze meses
provavelmente seriam divertidos e cheios de nuances de diferentes cores.

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Work³

Meu celular tocou, me avisando que estava na hora de beber água.


Como estava em uma fase ligeiramente mais viciada em trabalho do que o
usual, eu precisava de aplicativos que me lembrassem de me hidratar e,
dependendo do serviço, de comer. Eu sei, é ridículo, mas o que fazer quando
o bichinho workaholic te morde e não te larga mais?
Ok, eu sei que ele me mordeu há mais de dez anos, mas...
Ok, eu sei, eu nasci com ele agarrado em mim.
Levantei da cadeira e me espreguicei, girando os pulsos, enquanto
dava uma olhada no cômodo que eu estava utilizando de ateliê. Era um
quarto menor, mas com espelhos em todas as paredes, o que tornava o
ambiente menos claustrofóbico — caso isso fosse um problema para mim.
Estava uma bagunça, cheio de retalhos, aviamentos, tesouras distintas, fitas
métricas e papéis espalhados de croquis, desenhos técnicos e moldes.
Dei uma olhada no meu celular e subtraí as três horas de diferença
que o pobre e danificado aparelho insistia em acrescentar. Anotei na minha
agenda um lembrete para comprar um modelo novo na viagem e me levantei
para finalizar o trabalho do dia.
— Ok, Lena, hora de arrumar essa loucura!
Organizei um pouco o ambiente, separando as peças ajustadas em
montinhos de seus respectivos donos, e arrumei a papelada enquanto chutava
os retalhos para debaixo da mesa em que coloquei a Magic Manson.
Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Betty, perguntando
se os outros membros da banda já haviam voltado do almoço. Ela respondeu
rapidamente que todos estavam no estúdio, no porão, então eu desceria em
breve com as roupas, já que precisava provar os modelos.
Dobrei as trinta peças, fruto do trabalho de ajuste das últimas horas,
coloquei em duas pilhas imensas e fui até o estúdio, feliz da vida por poder
finalmente reencontrar os integrantes da banda. Assim que entrei, fui recebida
por todos com cumprimentos animados. Alguns, como Diego, o guitarrista
engraçadinho, e Aline, a baterista que mais parecia atriz de novela, de tão
linda, vieram me abraçar, e eu retribuí o gesto de carinho, ainda que estivesse
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com as pilhas de roupas nas mãos.


— Piranhaaa! — uma voz rouca ressoou pelo estúdio, e eu quase
larguei as roupas no chão.
Tony!
— Vadia, deixou todo mundo surdo! — exclamei enquanto me
abaixava para que ela me abraçasse. Era difícil retribuir com aquele monte de
roupas na mão, mas eu fiz o meu melhor. Estava azul de saudades da
pequena!
Gabriel estava encostado num canto, conversando com uma mulher
desconhecida, que eu logo imaginei ser a tal da Erika, a outra segurança. Ela
era muito bonita. Tinha o mesmo estilo da minha irmã: alta, esbelta, e dona
de lindos olhos de peixe morto — olhos que, assim como a pele negra, eu não
herdei. Se ela e Júlia tivessem uma filha, seria, sei lá, a Rihanna. Ou a Joan
Smalls. Um ser humano desnecessariamente belo.
Uma pequenina pontada de birra me cutucou ao ver a proximidade
dos dois, mas eu logo ignorei. Não fazia meu estilo sentir ciúmes de
ninguém, ainda mais um colega de profissão.
Sim, eu sei separar as coisas.
— Aline, suas peças estão todas ajustadas nas medidas que você
passou para o Pierre. Você pode experimentar quando der e me dizer se
ficaram boas? Diego, para você falta aquele colete e uma camiseta. Tony,
amoreco, suas roupas estão prontas, não tinha muito que acertar nelas... E
Jim... — peguei minha agenda no bolso do vestido e conferi as roupas do
tecladista da banda, um irlandês com cara de velho, apesar de ser novo. —
Não, você está com tudo pronto também. Experimentem, por favor!
Betty ergueu as sobrancelhas ao ouvir a sequência de informações que
eu havia passado.
— Você ajustou essas peças em uma tarde?
Jim e Tony pegaram sua parte das roupas, me fazendo suspirar de
alívio. Estava difícil equilibrar aquilo tudo nos braços. Só aí pude abraçar
minha amiga e a erguer no ar, como sempre fazia. Assim que a soltei,
ouvindo suas risadas, perguntei para a baixista da banda:
— Demorei? É que precisei lubrificar a máquina e não conseguia
encontrar onde deixei o óleo na mala...
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Aline me olhou com as sobrancelhas erguidas e riu da minha


expressão culpada.
— Não, Lena, a Betty tá impressionada de você ter feito isso tudo em
uma só tarde! Você ainda queria fazer mais rápido do que isso? — perguntou,
risonha enquanto pegava a sua pilha.
— Ah, entendi... Em geral, faria essas trinta peças em menos tempo,
eram ajustes simples. Acho que ainda não me acostumei com o ambiente, tem
muita coisa me distraindo aqui — respondi sem olhar para Gabriel, minha
maior distração naquela casa.
— Sei... Falando nisso, passou uma noite boa? Esqueci de te
perguntar mais cedo. — Betty perguntou com um sorriso irônico no rosto.
Entreguei a última pilha de roupas para Diego, que me agradeceu
batendo continência, sabe lá o motivo, e me voltei para Betty.
— Não, claro que não. Você me colocou no quarto do Gabriel de
propósito, como esperava que eu dormisse bem? — respondi com tom de voz
de mãe dando bronca.
Tony olhou de mim para Betty e riu da travessura dela.
— Uai, a gente não combinou isso, querida!
— Improvisei, uai — respondeu, imitando a gíria de Tony e rindo
quando Jim reclamou de não estar entendendo o que estávamos falando, já
que, do nada, o inglês virou português.
— Vamos combinar uma coisa? Gabriel, Tony, Lena e Aline são
brasileiros. O restante, não. Que tal tentar falar a língua materna da maioria,
hein?
Diego ergueu a mão e corrigiu:
— Minha língua materna é espanhol. Se formos considerar isso, o
inglês está longe de ser maioria. Na verdade, aqui, nesse estúdio, só você e
Erika são totalmente londrinos. O restante é tudo misturado.
— Eu sou irlandês — Jim retrucou com os olhos apertados de birra.
Diego somente ergueu uma mão e a sacudiu no ar, como se não estivesse nem
aí para aquele detalhe geográfico.
Rindo, voltei a olhar para Betty, que retomou o assunto, em inglês,
dessa vez:
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— Eu te fiz um favor, então, certo? Ao te colocar no quarto de


Gabriel — Betty provocou enquanto sentava ao lado de Tony e passava o
braço ao redor de seus ombros.
Olhei para Gabriel, que observava a conversa calado e com um
sorriso querendo despontar no rosto.
— Olha, não sei se devo chamar aquilo de favor, levando em
consideração como a noite se desenrolou... — respondi, passando a bola para
Gabriel. Betty, Tony e os outros olharam para o chefe de segurança,
aguardando que ele explicasse algo.
Gabriel não disse nada, apenas tirou o projeto de sorriso do rosto e
ficou sério. Dei aquela famosa revirada de olhos ao ver que ele estava
fugindo de dar explicações e respondi por ele:
— Bom, ao menos o café da manhã foi agradável na cozinha... —
disse com um sorriso falsamente inocente.
— É, eu soube... Gabriel não te contou que tem câmeras na ala dos
funcionários, contou? — Erika disse, me olhando com uma expressão
divertida no rosto.
Câmeras?
Havia câmeras filmando nosso showzinho?
Não acredito que logo no meu primeiro dia eu já fiz soft porn para
toda a equipe de segurança ver!
Espera! Gabriel é chefe da segurança! Ele sabia disso e não me
contou?
Já sentindo meu sangue ferver, me virei para Gabriel e exclamei:
— Por que não me avisou desse detalhe, seu ridículo? Quer que eu
prove se tenho pontaria agora e enfie uma bala no seu traseiro, ou prefere
quando ninguém estiver olhando?
Gabriel levantou as sobrancelhas e sorriu, apesar da surpresa pela
minha explosão. Erika começou a rir de mim, me deixando confusa.
— Não, Lena, não tem câmeras ativas nessa cozinha. A Erika jogou
um verde, e você caiu direitinho — Betty explicou enquanto todos riam de
mim e de minha reação.
Olhei para Erika com cara de ultrajada, mas apenas comentei:
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— Olha, mas que ardilosa...! Gostei de você, quer ser minha amiga?
Erika uniu as sobrancelhas, parecendo surpresa, e em seguida me deu
uma risada frouxa e divertida, balançando a cabeça para os lados.
Aguardei que todos terminassem de rir e retomei meu lado
profissional em meio segundo, em uma tentativa de mudar de assunto:
— Diego, se você tiver um tempinho, passa na sala dos espelhos para
eu medir em você o colete? É alfaiataria, não é meu ponto forte, então preciso
ter certeza de que vai ficar certinho. Se alguma roupa não ficar boa, me
avisem, por favor. Estarei no meu quarto organizando a papelada e
organizando os briefings das pesquisas.
— Não quer ficar com a gente, Lena? Vamos beber alguma coisa
daqui a pouco — Betty convidou.
Recusei educadamente, explicando da bagunça do quarto, e me
despedi de todos, não sem antes fazer cara feia para Gabriel, que deu um
sorriso culpado — que obviamente me desarmou.
Assim você não joga limpo, senhor segurança!

Terminei de arrumar tudo de noitinha. Exausta, tomei um banho, vesti


uma calça jeans e uma blusa preta com a logo da Trophy Husband estampada
e fui atrás de um café que me ajudasse a combater o sono incômodo.
Fui até a cozinha da ala dos funcionários e coloquei água para ferver,
repassando mentalmente os planos para os dias seguintes. Eram ótimos
planejamentos de pesquisa, e imaginei que a banda e a gravadora ficariam
muito satisfeitos com os resultados da minha contratação. Seria ótimo para a
Wings.
Sentei no banquinho onde tomei café com Gabriel algumas horas
antes e deitei a cabeça nos braços, em cima da bancada, somente querendo
relaxar um pouquinho, só um...
Obviamente, adormeci.
Acordei com o cheiro de café e olhei ao redor, quase como se
estivesse farejando minha salvação. Diego estava sentado à minha frente,
assoprando uma xícara. Quando viu que eu despertei, sorriu para mim e
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apontou para uma caneca cheinha que repousava ao meu lado, próximo ao
meu braço. Sorri e agradeci pela gentileza.
— Animada para conhecer a Espanha? Tony disse que é sua primeira
vez.
— Sim, muito! O início lá foi um pedido seu, certo?
Ele bebeu um gole do café, fez careta e puxou o açucareiro ao lado,
jogando um cubinho de veneno na bebida. Herege.
— Sim, uma homenagem à minha mãe. Ela faleceu há alguns anos, e
eu havia prometido que um dia iniciaria uma turnê em Barcelona. Ela tinha
muito orgulho de sua terra natal, assim como eu.
Assenti com a cabeça e dei um sorriso compreensivo. Era uma
promessa bonita e foi muito bacana da parte de Diego cumprir com sua
palavra.
Tomamos o café enquanto conversávamos sobre amenidades,
trabalho, música e moda. Diego era uma pessoa muito agradável quando não
estava tentando comer qualquer coisa que se movesse e usasse uma saia. Ao
menos era isso que Tony e Betty (e os tabloides) falavam sobre ele: que o
guitarrista era um verdadeiro garanhão do rock.
Aproveitando o encontro, combinei um horário do dia seguinte para
que ele pudesse experimentar o colete que faltava ajustar e, agradecendo o
café novamente, me encaminhei para meu quarto. O dia havia sido cansativo,
eu precisava urgentemente de uma cama.
Estava na porta da cozinha quando ouvi Diego me chamar.
— Ah, Lena, você ligou para o Gabriel ontem, não foi? Ele me
emprestou o celular mais cedo e eu esqueci de devolver. E esqueci de avisar
que você ligou, desculpa... — ele pediu e voltou a beber em sua xícara.
Agradeci a informação, mas não comentei que já sabia daquilo, já que
estava no quarto de Gabriel quando Diego entregou o celular a ele. Não
queria dar corda para ser sacaneada logo na minha primeira semana, mesmo
que todos já soubessem que algo já tinha rolado entre nós dois.
Fui para meu quarto na esperança de conseguir assistir uns episódios
de uma série qualquer, mas minha cabeça não saía nem do trabalho nem de
Gabriel. O dia seguinte seria de pesquisas e, pelo horário, Gabriel ainda
estava a serviço. Que saco, eu estava subindo pelas paredes!!
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Revirei na cama, frustrada ao pensar que eu estava já morta de


vontade de desabotoar o terno dele (e a calça, e a camisa e...) no meu segundo
dia na mansão, meu primeiro dia de trabalho.
Outra coisa me vinha à mente: sei que ele falou aquilo tudo sobre
horários e tudo mais, mas eu sempre fui direta nos meus planejamentos.
Precisa das palavras certeiras: posso, não posso, quero, não quero. Nada de
meias palavras ou frases soltas. Se, porventura, ele tivesse me beijado por
impulso (coisa que eu acho quase impossível, mas nunca se sabe...) e não
pudesse mais fazer aquilo, eu precisaria de uns quinhentos banhos frios ao
longo dos meses de turnê para apagar o que ele acendera.
Peguei meu celular e abri o WhatsApp, pensando se deveria ou não
mandar mensagem. Eu ia parecer desesperada, mas eu realmente estava
ligando para aquilo? Em menos de dois dias, Gabriel já tinha balançado as
minhas estruturas, exatamente como fizera há quase quatro anos, e eu não
sabia lidar com isso.
Com o smartphone em mãos, escrevi uma mensagem para ele:
“Segurança, que horas mesmo você tá livre?”
Olhei a mensagem umas cinco vezes e enviei.
Virei de barriga para cima na cama e fechei os olhos, tentando
controlar as batidas do meu coração. Foco, Lena. Você não está aqui de
férias. Está a trabalho. Vá se ocupar com alguma coisa e pare de agir que nem
uma tarada!
Falar era fácil...

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Pesquisas de tendência

Levantei da cama decidida a parar de pensar em sacanagens e


começar a organizar o trabalho do dia seguinte. Selecionei algumas revistas
de moda e espalhei pela cama, tentando decidir qual eu leria primeiro. Decidi
pela Vogue italiana, uma das sete Vogues que comprei no aeroporto do Rio
para passar o tempo.
Comecei a folhear a revista, procurando por inspiração para o que eu
encomendaria para os membros da banda — ou faria eu mesma — enquanto
ainda estivéssemos na mansão. Fazer pesquisa de tendência era umas
melhores partes de ser estilista. Encaixar o que estava se usando no que as
pessoas realmente queriam vestir era divertidíssimo!
Claro: nada daquilo ali era novidade para mim. Em geral, a WGSN, a
plataforma de previsão de tendências, mostrava o que seria in ou out no
mundo com pelo menos dois anos de antecedência. Por exemplo, em 2017 eu
já sabia o que seria moda em 2019 tranquilamente, e isso era habitual no
mundo da moda.
Ainda assim, era divertido olhar como as grandes revistas de moda
interpretaram as previsões da WSGN. Encontrei umas combinações de renda
preta com estampa floral que ficariam lindas em Aline, principalmente com a
saia da Vivienne Westwood que eu ajustara mais cedo.
Recortei da revista as peças, inspirações, tecidos e ilustrações que
mais se assemelhavam à imagem mental que eu criara do estilo da banda.
Acrescentei um pouco de Wings, pois não faria mal a ninguém, e comecei a
colar os recortes nas folhas.
Em algumas horas, havia separado material suficiente para bolar o
início de uma solicitação de peças para a banda, me dei por satisfeita e fui
tomar um banho. Naquele dia a temperatura havia caído bastante, então
sequei meu cabelo e o alisei, pois estava morta de frio para perder tempo com
difusor.
Eu sou do Rio, pelo amor de Deus, São Pedro Britânico, descongela
essa cidade!
Com o cabelo trançado e outra Vogue na mão, saí do meu quarto e fui
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para a sala na ala dos funcionários enquanto cantarolava uma canção


qualquer. Meu humor estava ótimo, apesar do clima frio, então decidi
aproveitar o tempo para desenhar um pouco.
Munida de meu caderno de desenho surradinho e de algumas
colagens, comecei a trabalhar, até que meu celular vibrou. Dei uma olhada e
vi duas mensagens, uma antiga de Betty, me passando algumas instruções
sobre o figurino da banda e me desejando boa noite, e outra de Gabriel.
Oba! Tomara que seja uma chamada de sacanagem!!
Calma, Lena. Respira fundo. Isso, tranquila
Oba!! Tomara MUITO que seja uma chamada de sacanagem!!
Sem largar meu caderno, abri a mensagem, sentindo a ansiedade
crescer. Uma única linha na mensagem tinha me feito franzir os lábios e rir:
“dez horas”. Rápido e direto. Adoro. Meio seco, mas adoro mesmo assim,
pois não deixa de ser uma possível chamada de sacanagem.
Eram nove e meia quando ele tinha mandado a mensagem, então
decidi não responder. Como ele obrigatoriamente passaria por mim para ir ao
seu quarto, achei melhor ficar na minha. Já havia agido como uma louca
ninfomaníaca demais nas últimas horas.
— Foco nos desenhos, Helena Maria! — eu me recriminei e voltei aos
croquis.
Minutos depois, ouvi passos pela ala dos funcionários e olhei por
cima do ombro, saindo imediatamente dos meus devaneios. Gabriel vinha em
minha direção com o rosto relaxado, porém compenetrado. Notei que ele
estava usando a mesma roupa de dormir do dia anterior e sorri, achando um
detalhe interessante em nossas escolhas de vestuário.
Sentando-se ao meu lado no sofá, mas mantendo uma certa distância,
ele me perguntou:
— Qual é a graça?
Coloquei a revista, a caneta e o celular no braço do sofá e apontei para
suas roupas.
— Estamos combinando. Camiseta branca e calça xadrez.
Ele olhou para suas roupas e para as minhas e sorriu.
— Você queria conversar?
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Dobrei os joelhos e abracei as pernas no sofá, balançando a cabeça


negativamente.
— No momento, é a última coisa que eu quero fazer com você, mas
acho que é necessário.
Gabriel se ajeitou no sofá, apoiando o joelho no estofado e se virando
em minha direção, o rosto tornando a se fechar.
— Estou ouvindo.
Entortei os lábios e tentei não soar muito mal-humorada, mas foi
inevitável.
— Nossa, que delícia. Meu segundo dia aqui e eu já tenho uma
conversa séria e chata com alguém. Eu não quero falar, Gabriel, só quero que
você me diga o que eu te perguntei. É bem nítido para mim que você também
quer ficar comigo, mas eu preciso saber se está tudo... legalizado.
Gabriel apoiou o cotovelo no encosto do sofá e o rosto na mão,
sorrindo para mim com os olhos brilhando.
— Sim, Lena, está tudo... legalizado. Contanto que a gente se controle
e não faça nada no horário de trabalho, não vejo...
— Você realmente acha que eu seria louca de encostar em você no
horário de trabalho? Meu amor, a coisa mais importante da minha vida é meu
trabalho, eu não posso arriscar o que eu conquistei por algo que pode ser feito
mais tarde! — retruquei, meio revoltada.
Ora, que tipo de estagiária de primeiro ano de faculdade ele pensa
que eu sou?
Gabriel ergueu as sobrancelhas e não disse nada. Parecia levemente
surpreso, mas também satisfeito.
— Quais são os seus horários? — perguntei calmamente, tentando
não soar como a viciada em trabalho que sou.
— Não tem um horário fixo, mas, em geral, termino de checar tudo às
dez. Eu sou chefe de segurança da banda, não de Betty, meu trabalho
costuma variar entre a mansão, a gravadora e, em alguns poucos momentos,
meu apartamento. Planejamentos, sabe? E os seus, oficialmente, quais são?
— O dia todo, sem horário para começar ou acabar. Eu tenho metas
diárias, que envolvem diversas etapas, desde as pesquisas até as confecções
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de peças ou encomendas, então meu trabalho só acaba quando eu termino


todas.
— Sei. Você terminou as suas metas hoje?
Balancei a cabeça concordando e sorri.
— Quer fazer alguma coisa agora? — ele disse, me brindando com
um sorriso sensual que deu tela azul na minha cabeça.
Deslizei pelo sofá para perto dele e perguntei num sussurro:
— Depende, Segurança... O que você tem em mente?
Gabriel parou de apoiar o rosto em uma das mãos e a levou até meu
pescoço, mas não me puxou, apenas encostou em minha pele. Seu sorriso
diminuiu quando eu entreabri meus lábios em expectativa.
— Não sei... Pensei em ver se o resto do seu corpo continua com o
mesmo gosto de anos atrás... — ele disse enquanto me olhava intensamente,
bem fundo nos meus olhos.
Minha pele se arrepiou ao ouvir suas palavras, e eu pensei seriamente
em não seguir meu plano de me vingar de sua atitude na cozinha, mas
consegui juntar um restinho de força de vontade e fazer o que eu tinha que
fazer.
Escorreguei pelo sofá e coloquei as mãos nos ombros de Gabriel
enquanto aproximava meu rosto do seu. Deslizei os dedos pelas laterais do
seu pescoço e respondi:
— Me parece uma excelente ideia, Gab... — encostei de leve meus
lábios nos seus, sem beijá-los necessariamente, e me afastei rapidamente,
deixando Gabriel surpreso — Mas, olha que coisa, me lembrei que eu preciso
terminar a pesquisa para as roupas da Aline. Logo, meu horário de trabalho
acaba de ser estendido para... hmm... Até meia-noite. E, olha que triste,
amanhã eu tenho que acordar muito cedo para receber as roupas que vão
chegar aqui e em seguida tenho que organizar tudo para despachar!
Infelizmente, você vai ter que conferir se meu gosto continua o mesmo só
amanhã, Segurança. Boa noite!
Levantei do sofá com um sorriso vitorioso de quem acaba de
conquistar um continente todinho em War, dei a volta por trás do móvel,
beijei o pescoço de Gab e segui na direção dos meus aposentos. Dei uma
olhada por cima do ombro e ri ao ver Gabriel olhando para o lugar onde eu
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estava com um sorriso derrotado no rosto. Fui embora torcendo para não ter
mostrado o abalo que senti ao saborear sua pele arrepiada sob meus lábios.
Entrei no cômodo e fechei a porta. Um sorriso idiota grudou no meu
rosto e notei que não conseguiria deixar de sorrir nem se a mansão explodisse
comigo dentro.
Fui até a cama, puxei o edredom e entrei por debaixo dele, sentindo o
frio do tecido em contato com minha pele quente. Eu precisei respirar fundo
algumas vezes para tentar acalmar meu corpo, que ansiava pelo toque de
Gabriel.
— Ai, Lena... Devia largar de ser boba...
Apesar do vento frio que entrava pela janela que eu abrira mais cedo,
minha pele não esfriava. Enxuguei meus lábios com as costas da mão
esquerda, me virei de lado na cama e fiz um esforço tremendo para não
deixar minhas mãos seguirem para o ponto onde Gabriel deveria estar.
Acabei cedendo e deixei elas fazerem o que queriam fazer.
Há coisas que a gente não deve controlar.

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Desconfiança

Alguns dias depois de minha chegada eu já estava mais à vontade


com todo mundo. Conheci por nome todos os funcionários da mansão, do
mordomo ao pessoal da limpeza, fui apresentada às esposas, namoradas,
filhas e tudo o mais, e já havia terminado toda a organização inicial da turnê.
Roupas catalogadas, entrevistas com os membros feitas, encomendas prontas
e ajustes finalizados.
Tudo pronto.
Vira e mexe, Betty e Tony apareciam no meu futuro ex-ateliê, me
trazendo um café da Starbucks — Deus me ajude... — e se sentando ao meu
lado para bater um papo enquanto eu acertava as peças que chegavam ou
criava novas. Passamos a conversar sobre um monte de coisas, e eu me senti
mais em casa por isso.
Não encontrei com Gabriel estando sozinha nos últimos dias, desde
quando eu o deixei, literalmente, na mão. De vez em quando encontrava o
segurança quando eu estava provando roupas nos membros da banda ou
quando ele acompanhava Betty e Tony na visita ao meu ateliê. Não entendia
por que a vocalista e a guitarrista da Sissy Walker precisavam de escolta
mesmo dentro da mansão, mas não quis me sentir muito gostosona achando
que ele estava ali por minha causa.
Confesso que até certo ponto estava fugindo dele. Não que desejasse
ficar longe, mas sim por querer ficar perto até demais, e isso não era
profissional nem sensato. Não podia apressar as coisas como fiz no primeiro
dia. Agi como uma desesperada, e isso poderia custar o meu emprego, se não
fossem as circunstâncias da minha contratação. E se algum funcionário nos
pegasse na cozinha e ficasse ofendido? Já não bastava eu ter colocado as
mãos em uma arma que não era minha, ainda iria brincar de atentado ao
pudor?
Além do mais, como diria Luciana, aquela pessoa tão sensata, quem
espera mais, saboreia melhor. Eu teria longos meses ao lado do chefe de
segurança, para que apressar tudo? Meus dedos mágicos sempre venciam a
luta e estavam conseguindo segurar a minha onda nos fins de noite solitários,
então pude sossegar um pouco meus hormônios de adolescente.
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Como tudo estava muito bem encaminhado no trabalho, acabei


ganhando os dias restantes de folga. Não havia muito o que fazer, na verdade,
e no dia seguinte, eu guardaria Magic Manson em sua caixa e terminaria de
arrumar a minha mala, ficando totalmente pronta para o início da turnê.
Munida de uma roupa quentinha, decidi ir relaxar na beira da piscina,
quando meu celular tocou com uma mensagem:

“Lena, faz 1 favor? Tô qse sem bateria no celular e preciso avisar


Gabriel q vamos passar na casa de Diego e ñ voltaremos hj, faz isso p/ mim?
Peça p/ ele tirar o resto do dia de folga e avise q Erika ficará conosco, ok?
Obrigada, bjos! Betty”

— Ué, por que não avisou direto para ele? Porque, aparentemente, ele
responde suas mensagens bem rápido, ao menos as minhas... — comentei,
falando sozinha.
Respondi a mensagem de Betty e brinquei que seu pedido era uma
ordem, mas notei que as duas setinhas que indicam que o celular recebeu a
mensagem não apareceram, como se o celular não estivesse conectado à
internet.
— Será que a bateria realmente acabou e eu estou sendo paranoica?
Encaminhei a mensagem para Gabriel, mas o celular dele também não
recebeu, assim como o de Betty, indicando que talvez estivesse desligado.
Ops! Estou realmente ficando paranoica.
Levantei do chão da área da piscina e voltei para a mansão. Procurei
por Gabriel em seu quarto, na ala dos funcionários, na cozinha e no salão
principal, mas não o encontrei. Pensei em subir as escadas e procurá-lo no
andar de cima, mas achei que seria abuso demais, então decidi ir para a
cozinha principal, de onde eu teria vista para a entrada da mansão, e fui fazer
um café enquanto aguardava.
Ah, café... Não há nada melhor para sossegar meu facho do que café.
Estou nervosa? Café.
Estou com sono, mas preciso ficar acordada? Café.
Estou estressada? Café.
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Estou maravilhosamente bem e quero comemorar? Café.


Estou convertendo oxigênio em gás carbônico? Café.
Escolhi a única embalagem que havia no armário da cozinha
principal, fervi a água e coei o líquido maravilhoso vindo dos céus
diretamente para a garrafa térmica. Inalei o aroma, satisfeita: era tão
agradável quanto a outra marca.
Olhei pela janela da cozinha os últimos raios de sol colorirem o
horizonte e sorri, me sentindo em paz. Fiquei alguns minutos saboreando o
café e olhando o céu, até ver Gabriel vindo da entrada do terreno, perto da
guarita de segurança. Era só um pontinho distante no horizonte, mas eu logo
o reconheci, e meu coração deu um pequeno salto ao vê-lo.
Que bobagem, Lena, nunca viu um homem bonito na vida? É só o
Gabriel!
Acompanhei com o olhar ele se aproximar da mansão até sair de
minha vista e escutei atentamente o barulho dele entrando e ativando o
alarme da casa.
— Gabriel! — gritei seu nome, antes que eu o perdesse de vista de
novo. — Vem cá, na cozinha!
Gabriel apareceu alguns instantes depois, o rosto rígido de quem
estava no modo trabalho.
— Lena? Aconteceu algo? — perguntou, se aproximando com a
postura ereta e os lábios cerrados.
— Não, mas vai acontecer, se você não parar de apertar tanto o rosto.
Vai encher de rugas antes da hora — brinquei antes de tomar um gole de
café. Sorri ao vê-lo relaxar o rosto. — A Betty mandou te avisar que não vai
voltar hoje. Ela e Tony vão para casa de Diego e só voltam amanhã, ok? A
Erika vai cuidar da segurança deles, assim como o segurança lá de Diego, que
não lembro o nome. Como o resto da banda está espalhada e você é chefe de
segurança da Sissy Walker, você está oficialmente...
— De folga, entendi — ele completou, ainda sério, mas havia um
brilho de humor em seu olhar. — Recebi sua mensagem quando liguei o
celular. Ele travou, precisei reiniciar, por isso não respondi imediatamente.
Isso explicou ele ter ativado o alarme da mansão ao entrar: ele já sabia
que ninguém voltaria para casa. Em seguida, Gab deu a volta na bancada para
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pegar uma caneca no armário, se sentou na minha frente e colocou café até a
borda da louça.
— Você toma muita cafeína, Segurança! — disse enquanto bebia o
restinho do meu.
Gab me deu um sorriso que dizia “olha quem fala” e fez um gesto
com a garrafa perguntando se eu queria mais. Estendi a minha caneca e
balancei a cabeça afirmativamente.
Tomamos nossas canecas cheias em silêncio até Gabriel me perguntar
com a voz séria:
— Terminou suas tarefas?
— Sim! Demorei um pouco mais porque perdi um tempinho
organizando a bagunça que a filha de Jim fez. Ela deixou meu pote de botões
escuros cair no chão e, de quebra, derrubou o pote de botões claros em cima.
Foi uma delícia separar um por um... — comentei, fingindo cansaço.
Gab sorriu, comentou que adorava a pequena, me fazendo achar
graça. Ora bolas, Gabriel era um armário de um metro e noventa e cara de
desinteresse eterno. Era curioso que ele gostasse de crianças, ia contra sua
imagem de malvadão.
— O convite ainda tá de pé, Segurança? – decidi perguntar
casualmente depois de algum tempo em silêncio.
Gab franziu as sobrancelhas, me questionando sobre qual convite eu
me referia.
— Ora, o único que você me fez. Aquele de casar, ir morar numa casa
com cerca branca... Ué, não foi um convite? Meu Deus, eu já até comecei a
costurar meu vestido de casamento!! — brinquei, fingindo afetação,
colocando a mão no peito de forma teatral.
Gabriel arregalou os olhos, mas riu em seguida.
— Conhecendo você, sua roupa vai se resumir a um monte de saia de
balé por cima de uma cinta-liga e uma calcinha com estampa esquisita.
Coloquei a caneca vazia em cima da bancada e quase me engasguei
com o restinho de café, de tanto que ri.
— Olha, você sabe que tule é um dos meus tecidos preferidos! Que
bonitinho, Segurança! Mas eu nunca me casaria com um vestido feito de tule.
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Até porque casar não faz parte dos meus... — interrompi a declaração, seria
muito broxante conversar sobre matrimônio quando eu só pensava em
bolagatos naquele momento. — Bom, eu vou para o meu quarto colocar uma
calcinha de estampa esquisita, já que a que eu estou usando derreteu só de
você me olhar desse jeito.
Gabriel me deu um sorriso de canto de boca e parou de encarar o meu
decote.
— Vai colocar uma cinta-liga também? — ele perguntou com a voz
rouca enquanto eu lavava a caneca na pia e me virava para ir embora.
Virei o rosto em sua direção, depois o corpo e fui andando de costas
até a porta da cozinha.
— Não sei, Segurança. Por que não vem conferir? — mandei um
beijinho com uma pose blasé e me virei antes que batesse as costas em algum
lugar e arruinasse o clima maravilhoso que estava rolando.
Saí do ambiente e fui rumo à ala dos funcionários, sabendo que o
segurança viria atrás de mim em poucos minutos.

***

Praticamente corri até meu quarto, troquei a calcinha comum por uma
das de nuvens e ajeitei as meias ⅞, mas não coloquei cinta-liga. Demora para
tirar, então vamos facilitar tudo, não é mesmo? Conectei meu celular no
sistema de som do quarto e deixei tocando a playlist que normalmente uso
para fazer minhas mágicas sozinha.
Escovei os dentes, soltei o cabelo da trança e passei um pouco de
água nele, para tirar o efeito da escova. Assim que ele voltou a ter um
movimento mais agradável, me dei por satisfeita e me deitei na cama com a
Vogue australiana na mão. Já tinha lido aquela revista umas três vezes, mas
não quis parecer desesperada quando Gabriel chegasse.
Vinte minutos depois, quando eu já tinha decorado o código de um
vestido da Givenchy, de tanto que olhava para ele, Gab bateu na porta. Meu
coração pulou no peito quando eu abri a porta e Gabriel, sem dizer nada, me
puxou para um beijo muito, muito faminto.

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Sorri contra seus lábios e tentei empurrar a porta, mas ele me agarrou
pela cintura, me virou contra a parede e fechou a porta com o pé. Gemi
quando ele ergueu minha coxa e a segurou com força.
— Segurança, sua mão é pesada, pega leve... — eu sussurrei enquanto
ele beijava meu pescoço. Ouvi sua risada e senti sua mão soltar minha pele.
— Eu disse para pegar leve, não para me largar, Gabriel...
Sem desencostar de seu corpo, eu o empurrei até a cama e o joguei lá,
como fiz na primeira vez que transamos. Subi em cima dele e sorri ao ver sua
boca entreaberta respirando com dificuldade.
— Quer uma bombinha de asma? Eu devo ter uma na mala, Seguran...
Ah! — Gabriel me pegou pela cintura e me deitou na cama, me fazendo dar
um gritinho de susto.
— Você fala demais, Costureira... — disse enquanto levantava meu
vestido e beijava minha barriga.
— É, já ouvi isso... Opa, nem pensar! — eu exclamei quando vi que
Gabriel fez menção de tirar minha calcinha e descer a cabeça para o meio de
minhas pernas. — Hoje é minha vez, moço. Sai daí — ordenei, o empurrando
com o pé e me levantando. — Deita.
Gabriel me deu um sorriso sensual e me obedeceu, tirando a camisa
antes de deitar. Tirei meu vestido, ficando só de sutiã, meias ⅞ e calcinha de
nuvens, e joguei a peça no chão. Ajoelhei na cama e comecei a desamarrar o
cordão de seu pijama enquanto cantarolava a música que tocava no quarto.
Obviamente, era Hypnotic, a mesma que tocara na noite em que nos
conhecemos.
Aquela noite foi tão sensacional, que a música de Zela Day virou
trilha sonora de todo e qualquer movimento sexual solitário meu ao longo dos
quatro anos seguintes...
Gab reconheceu a música e seus lábios se curvaram um pouco mais
no sorriso sedutor.
— Levanta o quadril — ordenei e puxei a calça, deixando-o só de
boxer preta. — Sabe, Gab...? — perguntei enquanto tirava a cueca dele com a
maior calma do mundo.
Sorri ao vê-lo fechar os olhos e respirar entre os dentes quando me
curvei sobre seu corpo e passei os lábios em seu pescoço.
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— Eu passei os últimos anos me lembrando de como era beijar você


aqui... — beijei seu ombro e sua tatuagem. — Aqui... — desci os lábios pela
sua barriga. — E me perguntando como seria beijar você em outros lugares...
— disse num fio de voz antes de segurar a parte que mais me interessava nas
mãos.
Gabriel prendeu a respiração quando o tomei em minha boca e
colocou a mão nos meus cabelos, segurando-os com força. Senti uma leve
pontada de dor e reclamei:
— Mão pesada, Segurança...
— Desculpa, eu...
— Shh, você fala demais, já te contaram? — interrompi e sorri antes
de voltar para a tarefa interrompida.
Se tem uma coisa que eu sempre gostei é sexo oral. Adoro fazer, amo
receber, mas não tenho costume de topar com desconhecidos, por mil
motivos diferentes.
Gabriel foi o único homem que eu aceitei receber mesmo não tendo
nenhum tipo de intimidade prévia. Porém, por falta de oportunidade, não
pude retribuir o prazer incrível que ele me deu naquela noite sensacional.
Não pude até aquele momento, quero dizer. Eu o chupei como se não
houvesse amanhã, passando a língua por toda a sua ereção, a tomando em
minha boca, alternando entre sucção forte e fraca. Parava de chupar
imediatamente a cada vez que sua respiração ficava mais forte. Na terceira ou
quarta vez em que fiz isso, ouvi sua risada rouca e sorri quando ele reclamou:
— Lena, você vai me matar desse jeito.
— Não seja dramático, Segurança, é só uma pequena privação de
orgasmo simpática. Se quiser, eu paro agora e a gente vai ver um filme, quer?
— brinquei enquanto fazia movimentos para cima e para baixo ainda o
segurando em minhas mãos.
— Claro, era exatamente o que eu tinha em mente... — ele respondeu
num sussurro quando eu voltei a chupá-lo.
Passei a língua por todo o seu comprimento enquanto olhava a
expressão de Gabriel. Seus olhos estavam fechados e suas mãos cerradas em
cima da cama. Vez ou outra, eu notava um pequeno espasmo muscular, em
especial em seu abdômen, e aumentava a velocidade de minha língua.
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— Lena... — ouvi sua voz me chamar, mas não dei bola — Lena... É
melhor você parar... Agora, Lena... — ele disse, sem muita certeza na voz,
como se não quisesse de verdade que eu parasse.
Por mim, eu continuava ali até ele terminar, mas não quis acelerar
tanto as coisas. Tirei sua ereção de minha boca, a soltei e me ajoelhei na
cama, analisando suas feições quase contorcidas pelo desejo.
Gabriel abriu os olhos, ergueu o corpo e me puxou pelo braço de
repente. Dei um gritinho e ri ao cair na cama de bruços. Ele se levantou por
um momento e pegou uma camisinha que eu deixara em cima da mesa de
cabeceira, voltando para perto de mim enquanto eu, sem me virar, empinava
a bunda para que ele tirasse a minha calcinha.
Gab facilitou o processo para mim, me despindo da lingerie
estampada, mas me deixando com as meias e com o sutiã. Fiz menção de me
levantar para me livrar das ⅞, mas ele me impediu com a mão, me fazendo
abaixar o tronco e ficar de quatro para ele e me dizendo que sabia bem o que
eu queria que ele fizesse.
Ah, como eu amo as pessoas que tem boa memória e se lembram do
que as outras mais gostam...
Apoiei meu peso nos cotovelos enquanto Gabriel passava a mão
áspera em minha pele e deslizava um dedo para dentro de mim. Mordi o lábio
para não gemer quando senti outro dedo entrar e sair, provocando os sons que
denunciavam minha excitação.
Do mesmo jeito que começou a tortura, Gabriel terminou, tirando os
dedos de mim e me penetrando rapidamente. Dessa vez não houve mordida
no lábio que segurasse o gemido de surpresa que eu dei. Gab entrou e saiu de
dentro de mim lentamente, me provocando, me apertando com as mãos, me
arranhando nas coxas, até eu pedir que ele acelerasse antes que eu
enlouquecesse.
— Ué, Costureira, tá com pressa? — ele perguntou com a voz
divertida enquanto me dava um tapa de mão cheia na bunda.
Desgraçado!
— A vingança não é uma ação bonita, Gabriel... — eu disse com a
voz entrecortada quando ele me penetrou rápido e me deu outro tapa. —
Segurança, pare de me provocar, você não sabe do que eu sou capaz... —

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ameacei, sorrindo.
Gabriel saiu de dentro de mim, abriu meu sutiã e me agarrou pela
cintura, me fazendo virar de barriga para cima. Seus olhos brilhavam e um
sorriso brincava em seu rosto quando ele tirou meu sutiã e se posicionou em
cima de mim, mas não me penetrou.
— Eu sei do que você é capaz, Costureira. Eu me lembro
perfeitamente... — ele disse enquanto roçava em mim, mas não entrava.
Sorri quando tentei mover meu quadril para facilitar sua entrada, mas
fui impedida por sua mão forte, que me prendeu no lugar.
— Ah, querido, você não sabe da missa um terço... — respondi e o
enlacei com as pernas, puxando-o para mais perto e fazendo-o entrar em
mim.
Soltei a respiração rapidamente quando senti ele me preencher e sorri
ao ouvir Gab fazendo o mesmo. Sua boca encostou na minha, e eu procurei
sua língua com avidez enquanto ele começava a se movimentar para dentro e
para fora, aumentando a velocidade a cada investida.
Passei meus braços ao redor de suas costas e relaxei as pernas,
apoiando meus pés na cama e afastando meus joelhos o máximo que
conseguia. Gabriel se apoiou nos cotovelos e me beijou com força enquanto
me penetrava.
Recebi sua língua de bom grado, até porque estava fazendo toda a
força do mundo para não gemer, o que era muito difícil para mim, e o beijo
era uma excelente forma de me calar.
Arranhei com minhas unhas a lateral de seu corpo quando ele agarrou
meu seio com sua mão grossa, e meus dedos do pé contraíram com tanta
força, que eu me perguntei se era tesão ou se era câimbra. Fiquei com a
primeira opção quando uma gota de suor escorreu de sua testa e pingou nos
meus lábios quando ele parou de me beijar para respirar, sem deixar de se
enterrar em mim, cada vez mais rápido.
Passei a língua nos lábios, sentindo o gosto salgado, e me estiquei
para morder seu lábio. Gabriel me empurrou de volta para a cama com a mão
no meu pescoço e lambeu minha pele dali até o queixo, me beijando em
seguida e misturando o gosto do meu suor com o seu.
— Gabriel... Eu vou... Espera... — tentei articular, mas era tarde
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demais. Senti meus músculos internos se contraírem e voltei a passar as


pernas ao redor de seus quadris. Não consegui segurar mais os gemidos
quando ele passou a mão pela minha coxa e a puxou, fazendo com que meu
joelho ficasse próximo ao meu rosto. Nesse ângulo, suas investidas foram
mais profundas, fazendo com que meu orgasmo fosse mais agudo do que
poderia ter sido em outra posição.
Gemi alto enquanto sentia a energia se espalhar pelo meu ventre e fui
silenciada com um beijo esmagado enquanto Gabriel estremecia dentro de
mim, soltando minha coxa e segurando minha nuca com força. Não reclamei
de sua mão pesada, até porque nem a senti direito.
Fomos ao céu e voltamos.
Ficamos imóveis enquanto nossas respirações se estabilizavam e
sentíamos o suor escorrer de nossa pele. Gabriel mordeu meu lábio de leve e
saiu de dentro de mim, rolando para o lado e ficando o peito voltado para
cima.
Ainda com a respiração ofegante, tentei falar alguma coisa, mas não
consegui. Sentia a parte interna de minhas coxas latejando como se eu tivesse
me tocado por horas! Levei a mão esquerda até lá e retirei rapidamente
quando senti quão sensível estava a região. Desci a mão e senti a quantidade
exagerada de umidade que tinha por ali.
Levei os dedos molhados até a altura dos olhos e analisei.
— Gabriel, a camisinha estourou? — perguntei olhando para ele, que
tirava o preservativo e dava um nó, puxando do começo ao fim e verificando
se alguma gota saía.
— Não, por quê? — ele me perguntou enquanto sentava e me olhava
um pouco preocupado e ofegante.
Mostrei meus dedos molhados, e ele sorriu, me acalmando:
— Isso é seu, Lena.
Olhei de novo para minha mão e sorri. É, era meu mesmo.
Virei de lado para olhar seu rosto e brinquei:
— É muito idiota se eu falar…?
— “Uau”? Não, nem um pouco — ele respondeu, rindo e me puxando
para um beijo de leve.
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Eu o empurrei com as mãos e voltei a deitar com o rosto para cima,


sorrindo que nem boba. Exatamente como eu me lembrava.
Perfeito.

***

Ficamos calados por alguns minutos mais, controlando a respiração e


sentindo aquele relaxamento delicioso, até eu quebrar o silêncio:
— Escuta... — comecei, encarando o teto. Gabriel fez um “hmm”
preguiçoso, e eu continuei — Você vai acompanhar a banda na turnê toda?
— Arram.
— Em todos os sei lá quantos países?
— Sim.
— Durante todos os meses? — perguntei, olhando de rabo de olho.
Gabriel me olhou e sorriu.
— Sim, Costureira, por quê?
Ouvi o Segurança me chamar pelo apelido e me lembrei de algo.
— Sabe uma coisa que eu adorei? Você me chama de costureira, não
de estilista!
Gab entortou levemente a cabeça para o lado e me perguntou,
parecendo confuso:
— Ué, mas não é isso que você é?
— Sim, mas as pessoas normalmente se referem a mim como estilista,
não como costureira.
— Você não é as duas coisas?
— Sim, sou, mas sou mais costureira do que estilista. É a minha
profissão, é o que eu amo fazer. Estilista é só uma consequência. É quase
como ser um músico e um compositor. Você pode ser os dois, mas sempre
vai ter um que você é mais, entende?
— Entendo... E qual é o seu ponto? — ele perguntou, rindo enquanto
enxugava o suor do rosto.
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— O ponto é que você me chama de costureira, ora! Só queria


agradecer. É uma profissão tão inferiorizada no mundo da moda, que a gente
até se surpreende com gentilezas.
Ele me olhou novamente e perguntou:
— É? Não fazia ideia.
— Sim. Me diz um costureiro famoso que não seja chamado de
estilista! Só um! Chanel. Yves Saint-Laurent. Alexander McQueen. Clodovil!
Todos eram costureiros também, mas ninguém fala sobre isso, só sobre suas
criações, desenhos, essas coisas. É a velha ideia de que você só é costureiro
enquanto não puder pagar alguém para fazer o serviço por você.
— Hm, entendo... Ok, Costureira. Vou te chamar assim sempre, então
— ele disse preguiçosamente, me fazendo sorrir.
— Durante os sete, oito meses de turnê? — eu perguntei, fingindo
surpresa.
— E mais os quatro meses restantes do seu contrato.
— Nossa senhora, Segurança, vamos variar esses apelidos. É pouco
nome para muito tempo — disse, rindo, e cutuquei a bochecha de Gabriel,
que sorriu de volta.
Gab ouviu um barulho, olhou para o lado e viu duas fotos instantâneas
caírem da mesinha onde a câmera estava apontada para nossa cama.
— Essa sua câmera tem timer?
Balancei a cabeça concordando e sorri. Gab ergueu o corpo por um
momento, se sentou na cama e inclinou a cabeça na direção das fotos, dando
uma olhada rápida nelas e voltando a se deitar ao meu lado.
— Perder uma foto assim seria muito complicado caso caísse em
mãos erradas, Costureira.
— Não vão cair em mãos erradas, eu levo todas as fotos comigo bem
seguras, não se preocupe. Podemos fotografar o que der na telha.
Gabriel virou o rosto na minha direção e me brindou com seu melhor
sorriso sensual.
— Não me dê ideias, Lena... Não vai sobrar filme para você
fotografar a Espanha, se eu colocar tudo que penso em prática.

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— Que os anjos digam amém para o que você está dizendo,


Segurança — brinquei e ri junto de Gab.
Ficamos em silêncio por um momento, uma dúvida tinha surgido em
minha cabeça. Fiquei pensando como eu poderia perguntar algo daquele tipo,
mas fiquei meio sem graça.
— Diz, Costureira — ele pediu quando eu fiquei em silêncio. — Tá
calada demais, tem algo errado.
Revirei os olhos e sorri. Tony tinha razão quando dizia que eu era
muito expressiva, mesmo Gab, que não me via há tanto tempo, já sacava as
coisas só de olhar no meu rosto...
— Você está solteiro — foi mais uma afirmação do que uma
pergunta, confesso.
Gabriel franziu as sobrancelhas e sorriu antes de responder.
— Bom, é meio óbvio, não?
— Certo. Hm... — tentei encontrar as palavras certas para a pergunta.
Tive medo que ele entendesse o que eu queria como um pedido ou que
ficasse ofendido.
— A gente vai ficar em hotéis, certo?
— Olha, eu espero que sim. Facilitaria meu trabalho se a banda não
dormisse embaixo de uma ponte — ele brincou.
Rindo, girei para o lado e encostei meu corpo no seu. Gab virou o
rosto na minha direção e sorriu. Ergui minha mão e passei os dedos em seus
lábios.
— Você é bonito, Segurança... Do jeito exato que eu me lembrava...
Aliás, você não mudou nada desde aquele dia! Poxa, são quatro anos... Me
conta o segredo, são cremes de gente velha, plásticas ou a quantidade de
groupies que te rodeia te deixa assim, sempre jovem? Você bebe o sangue
delas em rituais de purificação? Eu duvido que elas sejam virgens!
Gabriel soltou uma risada divertida, mirando o teto, e voltou a me
olhar.
— Se bem me lembro, você me disse que ficava sem filtro depois do
sexo, não era? Algumas coisas nunca mudam.
Fiz uma careta e subi em seu colo, tomando cuidado para não encostar
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em nada que estivesse... molhado.


— That just the way it is... — cantarolei a música de Bruce Hornsby
and the Range enquanto me curvava para beijar seu pescoço. — Some things
will never change...
Gabriel riu mais uma vez e me abraçou, beijando meu ombro
enquanto eu cantava. Beijei seu rosto e parei em sua boca, mordendo seu
lábio. Gabriel soltou a respiração que prendia e me virou na cama, me
beijando intensamente enquanto explorava meu corpo com as mãos e me
fazia esquecer totalmente da pergunta que eu queria fazer sobre os quartos de
hotel.
Teria tempo de sobra depois para perguntar isso.

***

Horas depois, quando nenhum dos dois tinha mais forças para fazer
nada que não fosse converter oxigênio em gás carbônico, Gabriel me
questionou, meio sonolento:
— O que você queria perguntar, Lena?
Olhei para ele e ergui o lábio superior numa careta de quem não
conseguiu ainda encontrar as palavras certas para dizer algo importante.
Gabriel riu de minha hesitação e se levantou da cama.
— Enquanto você decide o que quer dizer, eu vou tomar um banho —
disse e caminhou para o banheiro, me dando uma visão gloriosa da parte
detrás de seu corpo nu.
Eu o acompanhei com o olhar até ele entrar no banheiro. Gabriel
fechou a porta, e eu ouvi o barulho do chuveiro.
— Droga, Lena, tá parecendo uma adolescente boba... — eu me
recriminei em voz alta.
Balancei a cabeça e comecei a vestir minha roupa, me esquecendo de
que, na verdade, aquele era o meu quarto. Assim que me vesti, me dei conta
de que Gabriel é quem deveria ir embora, não eu!
Gab saiu do chuveiro com uma toalha nova na cintura, uma nas mãos

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e ergueu as sobrancelhas ao me ver de roupa.


— Ah, eu ia para o meu quarto — expliquei, meio balbuciante.
— Mas esse é o seu quarto, Lena — ele disse enquanto pegava suas
roupas do chão.
— É, eu só lembrei depois... — respondi.
— Sei... Achou o modo de me fazer a pergunta que queria? — ele
disse enquanto vestia sua cueca.
— Não. Eu tenho medo que você interprete errado — confessei
enquanto me sentava na cama e abraçava os joelhos.
— É um pedido de casamento? — brincou, secando o cabelo na
toalha.
— Ah, claro. Eu estava pensando em como ia propor isso a você e
temi que você confundisse com um pedido de adoção, seu velho bebedor de
sangue de groupies virgens! — respondi com ironia e taquei um travesseiro
nele.
Sorrindo, Gabriel desviou do travesseiro e começou a vestir a roupa.
— Ué, vai embora? — perguntei, confusa.
— Sim, vou dormir. Já passa da meia-noite. E acho que você não quer
que eu durma aqui, quer? — ele me perguntou ainda com um sorriso no
rosto.
— Não é que eu não queira, é que... Hm... Ok, eu não quero mesmo,
desculpa. Acho que eu desacostumei a dormir com alguém na mesma cama...
— me justifiquei, mas Gabriel me interrompeu:
— Não precisa explicar, Lena. É por isso que eu tenho um quarto e
você tem outro. Acho que a casa tem espaço suficiente para que os
funcionários da Sissy Walker não precisem dividir cômodos quando
estiverem aqui, não acha? — ele brincou e me deu um pequeno sorriso assim
que terminou de se vestir, indo para a porta logo em seguida.
Gritei seu nome antes que ele saísse e sorri quando ele se virou e
aguardou que eu falasse o que queria.
— Sim?
— Mostra que sabe sorrir.

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Gabriel tentou conter uma risada, mas não conseguiu, fazendo sem
querer o que eu pedi.
— Boa noite, Costureira.
— Boa noite, Segurança.
Fiquei olhando a porta bater e me levantei da cama com um sorriso
imenso no rosto. Estava me sentindo muito em paz. Saciada, feliz e aliviada.
Fui tomar um banho e notei que o sorriso bobo não saía dos meus
lábios, mas o que eu podia fazer?
Era o efeito Gabriel.

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A viagem

— Lena, quantos desses você já tomou? — Aline me perguntou ao me


ver colocando um remédio para enjoo na boca e engolir sem auxílio de água.
— Não sei, para ser sincera. Acho que uns quatro. Ou cinco? Ah,
espera, essa é a segunda cartela que eu tomo, olha que coisa! — menti
enquanto olhava a cartela vazia.
Aline arregalou os olhos comicamente, me fazendo rir.
— Mentira, boba, é o primeiro que eu tomo. Só tinha um nessa
cartela.
— Credo, garota, não me assusta assim! Depois você tem uma
overdose desse troço no avião e a gente faz o quê?
— Sei lá, tire fotos para ilustrar palestras motivacionais antidrogas em
escolas — brinquei, recebendo uma careta risonha em resposta.
— Não toma demais esse troço! A Betty me contou que você
exagerou quando veio para cá e ficou toda bêbada de sono.
— Entre “bêbada de sono” e “em overdose” tem um longo caminho a
ser percorrido, coração — respondi enquanto jogava a cartela vazia no lixo da
área VIP do aeroporto e me sentava em uma poltrona confortável.
— Você não gosta de voar? — ela perguntou depois de uns segundos
em silêncio em que eu fiquei respirando fundo, para ir acostumando meu
sistema digestivo.
— Não é que eu não goste, eu até gosto. Quem não gosta é meu
estômago. Eu fico enjoada na decolagem e quando tem turbulência, mas fico
muito enjoada mesmo! Mais do que em navios, barcos, lanchas, que
balançam pra burro, né? E você? — perguntei a Aline e começamos a
conversar sobre meios de transporte mais confortáveis.
Betty e Tony chegaram na área VIP dez minutos depois,
acompanhados de Erika e Gabriel, que me pegou olhando para ele e me deu
uma piscada disfarçada, voltando para a expressão rígida de sempre em
seguida.
Gab e eu passamos os últimos dias na mansão tomando café juntos e
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compartilhando a mesma cama até a meia-noite, mas, fora esses momentos,


não nos encontrávamos, já que somente eu estava de folga.
Sorri para ele e abri uma revista de moda comprada na revistaria do
aeroporto quando cheguei com Aline, Diego e o segurança particular do
guitarrista, que não nos acompanharia na turnê. Somente Gabriel, chefe de
segurança da banda, e Erika, segurança particular da vocalista, viajariam
conosco. O restante da banda contaria com seguranças contratados em cada
cidade, caso houvesse necessidade.
É claro que, se dependesse de Gab, haveria, mesmo com protestos dos
membros menos famosos da banda, mas vai discutir com um chefe de
segurança de elite!
Li minha revista por uns minutos, até que ouvi Jim chegar com sua
família e vi a filha dele, Andrea, vir correndo em minha direção vestida em
uma peça que eu havia costurado: um vestidinho preto com caveirinhas
fofinhas.
Ajoelhei no chão e aceitei seu abraço de criança pequena, apontando
em seguida para o brinquedo em suas mãos.
— Nossa, que boneca linda, pequena! Deixa eu dar uma olhada nela!
Jim, posso dar um chocolate para ela? Eu comprei, mas me arrependi assim
que paguei, não quero enjoar no avião...
— Sim! — a menina pulou animada ao mesmo tempo que o pai dizia
que não.
Jim sorriu para a pequena e me olhou com uma expressão divertida no
rosto.
— Você pode até dar, mas vai ter que correr atrás dela pelo aeroporto.
Chocolate dá mais energia, e isso ela já tem de sobra.
Ri dele, entreguei meu doce a ela e me sentei no chão para brincar
com Andy. Aquele encontro me fez tanto voltar a ser criança, que perdi a
noção do tempo até Betty vir me chamar para embarcar.
Dei um abraço na pequena, cumprimentei a esposa de Jim e respirei
fundo, tentando acalmar minha barriga, que já havia começado os protestos
pré-avião.
Entramos no avião imenso e fomos direto para a primeira classe. Era
o primeiro voo, portanto não usaríamos o jatinho da banda. Não entendi os
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motivos e, confesso, nem me preocupei muito. Meu foco era outro. Nem
prestei atenção inicialmente no luxo da aeronave. Não era minha primeira
viagem confortável de qualquer maneira.
Ah, qual é? Uma pessoa dona de uma marca com quase trinta lojas
em seu país nem sempre viaja de classe executiva, não é?
A primeira classe, como era de se esperar, tinha poltronas tipo leito
cheias de frescurites e espaço de sobra, o que não ajudou em nada para
acalmar meu estômago. Nervosa, apertei as mãos enquanto tentava me
distrair olhando as várias televisões espalhadas, uma para cada poltrona.
Sentei em meu lugar, o coração aos saltos. A medicação não estava
me dando sono, logo, não ia fazer efeito quando o maldito avião decolasse.
Gabriel passou ao meu lado, segurando uma bolsa de viagem enquanto
procurava seu lugar, mas parou assim que viu minha expressão.
— Lena? Tá tudo bem?
Nervosa, olhei para ele, mas tentei sorrir.
— Claro! Imagina se eu estaria nervosa, é só um voo de cento e onze
horas onde meu remédio para enjoo não faz efeito nem por um cacete!
Grande coisa! — tentei brincar, mas soei como uma pessoa desesperada, e
não como uma piadista irônica.
Gabriel riu de meu pequeno descontrole.
— Quer companhia?
Apesar da segurança que a ideia me passou, eu quis manter minha
dignidade intacta, então zombei, fazendo voz de criança:
— Claro, papai! Senta aqui, segura na minha mão e mexe meu
Toddynho com uma colherinha! Claro que não, Segurança, imagina se eu vou
querer te dar esse trabalho todo. É só nervoso pré-enjoo. Vai, pode ir procurar
seu lugar.
Gab me deu um meio sorriso e balançou a cabeça para os lados. Em
seguida, foi atrás de seu assento, que, por um acaso, ficava atrás do meu.
Aline surgiu, parecendo meio perdida, e sorriu ao encontrar seu lugar ao meu
lado.
Ter alguém mais simpático comigo naquele momento me fez sorrir
(convenhamos, Aline era brasileira, imagina se fosse Jim, que era irlandês e

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meio frio?), mas assim que o avião começou a taxiar, o alívio que eu
começava a sentir passou. Imediatamente me arrependi de não ter topado a
oferta de Gabriel, pois ao menos ele era próximo de mim o suficiente para eu
não sentir vergonha de agarrar sua mão e chorar que nem uma criancinha.
Meu estômago embrulhou quando vi que a decolagem ia começar a
qualquer minuto, meu coração recomeçou a sapatear dentro do meu peito e
minhas mãos começaram a suar...
Calma, Lena. Você não vai vomitar. Não vai. Vai ficar tudo bem.
Tudo vai dar certo. Respira fundo.
Minha boca encheu d’água quando eu tentei respirar. Percebi que
nada ia descer pela minha garganta, e aí sim comecei a entrar em pânico. Eu
ia vomitar a qualquer minuto se não me distraísse e pensasse em qualquer
outra coisa que não fosse meu estômago nervoso querendo dar showzinho no
avião.
Olhei para o lado e vi Aline tranquila mexendo em seu celular. Ela
bastaria?
Não, preciso de alguém que tenha o mínimo de intimidade comigo.
Peguei em seu braço e disse, meio desesperada, meio nervosa e
totalmente enjoada:
— Gatinha, troca de lugar com o Segurança, e eu juro que costuro
tudo que você quiser ao longo dessa turnê!!
— Oi? Com o Gabriel? — Aline perguntou, confusa, mas se levantou
correndo ao ver minha expressão de desespero, ainda que o aviso para os
cintos serem afivelados estivesse bem luminoso na nossa cara.
— Segurança, eu topo você mexer meu Toddynho! — quase gritei
sem me virar.
Agarrei os braços da poltrona como se minha vida dependesse daquilo
e comecei a me sentir mais nauseada ainda quando percebi que a comissária
de bordo acabara seu discurso louco de gestos decorados.
Anda, Segurança, vem para cá de uma vez!
Aline correu para o lugar de Gabriel, que se levantou e sentou do meu
lado rapidamente, apesar dos protestos da comissária de bordo e das risadas
de alguns passageiros. Mandei que ele se calasse quando virou o rosto para

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mim e abriu um sorriso levemente irônico ao notar minha mão estendida.


Rapidamente ele a envolveu com seus dedos grossos.
Fechei os olhos, quando a decolagem começou, tentando manter
minha mente fixa somente em não dar um vexame enquanto o avião
embicava.
Você vai acostumar.
É só um enjoo.
Você vai acostumar.
É só um enjoo.
Comecei a xingar em voz baixa todos os amigos que eu tinha por
terem me falado que todo mundo ficava enjoado nas primeiras viagens de
avião, que era normal, que passava, blá, blá, blá... Mentirosos!
Quando finalmente o avião estabilizou, meu estômago finalmente
sossegou, e eu pude respirar fundo.
— Pronto, Costureira? Tá melhor? — perguntou Gabriel, me dando
um sorriso reconfortante.
— Estarei melhor quando você esquecer dessa ceninha ridícula...
Mas, sim, estou melhor, obrigada — respondi enquanto tentava controlar a
respiração.
Ouvi sua risada e abri os olhos quando ele soltou minha mão. Notei
de relance que havia deixado marcas em sua pele por causa das minhas
unhas, mas fiquei constrangida demais para reconhecer que eu quase me
borrei na decolagem, então fingi que não tinha visto nada.
Gabriel se inclinou sobre mim, soltou meu cinto e voltou a sentar
direito em seguida.
— Eu poderia fazer isso, Christian Grey. Estou nervosa, não incapaz
de raciocinar — reclamei com um sorriso no rosto.
— Tem certeza que não? Vamos fazer um teste: me diz a coisa que
você mais odeia fazer no mundo — ele pediu enquanto ligava seu celular.
Percebi sua jogada de tentar me distrair e fiquei agradecida.
— Alinhavar roupas, tomar banho quente e desmarcar tatuagens —
respondi prontamente.

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Gabriel desviou o olhar do celular e direcionou seus olhos brilhantes


para mim. Havia um traço de dúvida em seu olhar, que eu logo imaginei ser
por ele não saber o que “alinhavar” significava. Expliquei brevemente o
significado, e ele balançou a cabeça assentindo.
— Ok, já vi que você está pensando direito. Agora me diz... Como
assim desmarcar tatuagens? — ele perguntou enquanto se ajeitava na
poltrona.
— Ah, é que eu sempre decido fazer uma tatuagem, mas quando
chego no estúdio, vejo que o desenho ou a frase são ridículos demais e
desmarco. Já fiz isso umas vinte vezes. Sou muito querida nos estúdios de
tatuagem da minha cidade. Não ri, Segurança! Tem um tatuador em Ipanema
que não aceita mais que eu marque nada com ele! E ele é tão bom... —
reclamei com um gemido.
Gabriel tentou parar de rir, mas não conseguiu muito bem e comentou
com a voz divertida:
— Quem sabe você não toma coragem na turnê? Vamos passar por
muitos estúdios em vários países diferentes. Você pode desmarcar com todos
eles, se quiser... E provavelmente você não voltará a vê-los novamente — ele
brincou.
Rindo, me espreguicei na poltrona. O sono provocado pelos remédios
contra enjoo começou a bater, e eu inclinei minha poltrona no mesmo ângulo
que Gabriel inclinara a sua.
— Boa ideia, Segurança. Serei odiada internacionalmente. Farão um
reality show onde eu serei a vilã principal... — comentei enquanto me
acomodava, virada para o lado de Gab.
— Legal, tipo um “Lena Ink”? Eu assistiria. Vou baixar no PirateBay
quando ficar pronto — ele brincou enquanto olhava seu celular.
— Baixa isso aqui, ó... — respondi apontando meu dedo do meio para
ele, que deu uma risada e ficou me olhando enquanto eu fechava os olhos e
deixava o remédio finalmente fazer efeito.
Antes de dormir, ouvi Aline pedindo que Gabriel me lembrasse das
roupas prometidas, e jurei que faria tudo o que ela quisesse. Aliás, não
somente ela, mas Gab também. Se eles me ajudassem a não morrer de
vomitar em aviões, eu costuraria um armário inteiro para a baterista.

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Para Gabriel, eu faria o possível para que, enquanto estivéssemos


curtindo a companhia um do outro durante os meses que viriam, ele estivesse
plenamente satisfeito. Aline merecia o presente, e ele também.
Segundos antes de adormecer, me dei conta de que minha bolsa não
estava mais no meu colo. Pensei em olhar se ela tinha caído no chão, o que
seria preocupante, já que minha câmera estava dentro dela, mas escutei o
barulho suave de uma foto sendo revelada e logo imaginei que Aline
estivesse com ela, então cochilei tranquilamente, sem me preocupar. Estava
em boas mãos, Aline não era boba alegre. Pior seria se caísse nas mãos de
Diego, imagina as fotos que ele não tiraria minhas com Gabriel de mãos
dadas, que ridículo?

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Barcelona

O restante da viagem se deu sem muitas novidades. As pouquíssimas


horas de voo foram recompensadas pelas conversas amistosas com os outros
membros da banda e, em especial, é claro, com Gab. Ainda que eu tenha
garantido que estava bem, ele decidiu ficar ao meu lado durante o voo, o que
me causou um misto de gratidão e birra. Fiquei feliz pela preocupação, mas
também me senti um pouco encurralada.
Quando olhei para ele lendo tranquilamente ao meu lado, em sua
poltrona, a sensação de aprisionamento talvez tenha sido desencadeada mais
pelo fato de que eu estava num monstro de muitas toneladas, feito de aço e
que voava, do que pela atitude de Gabriel.
Assim que chegamos no hotel luxuoso em Barcelona, quase na hora
do almoço, fui apresentada ao representante da gravadora, um senhor com
cara de tiozão da Sukita, que seria responsável por alguns detalhes da turnê e
que, segundo Tony, raramente aparecia. Ele me entregou um cartão e me
explicou que aquilo era a chave do meu quarto, e eu precisei me esforçar para
não responder um “dããã”.
Ouvi o chefão informando a todos que teríamos até às quatro horas da
tarde para nos acomodarmos e, em seguida, me avisando que Pierre
conseguira contratar um enfermeiro para a mãe e que seu irmão conseguira
férias no trabalho para cuidar da mãe doente. Logo, ele havia conseguido
pegar seu voo pouco tempo depois do nosso e chegaria em Barcelona em uma
hora. Desse modo, eu poderia marcar uma reunião para nos conhecermos e
conversarmos sobre os looks.
Em seguida, o tiozão do pavê, Rick, se virou para mim e
complementou:
— Isso significa que você terá mais tempo para focar no trabalho
principal: as pesquisas de tendência, os materiais para o documentário e a
confecção ou conserto de roupas que possam aparecer. Pierre e você vão
cuidar do figurino, mas foque naquilo que é mais importante: o trabalho de
consultoria.
Assenti, me despedi dele, que simplesmente foi embora do hotel —

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segundo Tony, ele tinha seu próprio jatinho, então ficava indo e vindo nas
turnês, sem necessidade de se hospedar em lugar nenhum.
Quando cheguei em meu quarto, meu queixo despencou: quanto luxo
para uma passagem tão pequena na cidade!! Tudo ali gritava dinheiro: da
cama gigantesca aos lençóis egípcios de sei lá quantos mil fios.
A mesma coisa para o banheiro, cheio de granitos e dourados e
perfuminhos e sei lá o que mais. Tudo o que eu falei no avião sobre já estar
acostumada com hotéis foi por água abaixo. Definitivamente, eu nunca me
acostumaria com aqueles luxos todos.
Porém, quando abri a cortina e dei uma olhada pela janela na vista
deslumbrante e no céu lindo da Espanha, achei que poderia aproveitar um
pouco aquela beleza toda sem ser tão chata.
Passei algum tempo organizando minhas coisas — Magic Manson
ficaria na mesinha de canto do quarto — enquanto pensava nos horários que
eu teria para conhecer cada cidade quando ouvi alguém bateu na minha porta.
Assim que abri, vi Pierre, o responsável pelo estilo da banda, parecendo
exausto.
Pierre era uma graça: olhinhos puxados, cara de menino Tumblr,
magrelo e de tamanho mediano. Parecia um adolescente, mas, até onde eu
sabia, era mais velho que eu.
— Olá... Lena, certo? Peço desculpas por essa confusão, mas eu nem
deveria estar aqui... Acabei conseguindo vir.
— Não, imagina! Quer entrar ou topa um café no restaurante do
hotel?
Pierre pareceu contente pela sugestão e me acompanhou até o local.
Tratava-se de um restaurante muito bonito, mas com aquele tipo de decoração
e arquitetura que prezam a beleza acima de tudo. As cadeiras eram um horror,
de tão desconfortáveis.
— Escuta, Lena... — ele começou, tirando a minha atenção do
cardápio. — Essas cadeiras são ruins de sentar, ou sou eu que sou muito
chato?
Dei uma risada e balancei a cabeça negando.
— Não, Pierre, são horríveis mesmo. Minha bunda está chorando em
espanhol aqui... Você comeu alguma coisa no avião? — perguntei, puxando
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assunto.
— Não, mas não aguento comer nada muito substancial no momento.
Podemos pedir alguma coisa leve, como pães? Integrais, sei lá? — ele
completou quando eu ergui uma sobrancelha ao ouvir sua sugestão de que
pão seria algo leve.
Pedimos uns sanduíches e duas saladas e começamos a conversar
sobre o estado de saúde de sua mãe, mas logo focamos no trabalho. Mostrei
os arquivos digitalizados com as colagens, as pesquisas de tendência e as
fotos com as peças de roupa que eu customizara, bem como os esboços das
pesquisas feitas no WGSN
Pierre me mostrou seus face charts, os desenhos de maquiagens e
penteados, e nós passamos as horas seguintes repassando os estilos para os
shows que aconteceriam na arena Não-consigo-guardar-o-nome.
Tudo acertado, tomamos um café — ou melhor, eu tomei, já que a
viciada era somente eu — e nos despedimos. Fiquei feliz ao perceber que
Pierre era gente boa, seria bom trabalhar com pessoas agradáveis, como era
na Wings. Aquele encontro também tinha sido bom para me mostrar que eu
não acumularia funções, logo poderia cumprir cada uma das etapas do meu
cronograma com calma e organização.
— Ah, Lena! Antes que eu me esqueça! — ele exclamou, me
chamando antes que eu rumasse ao meu quarto. — Vou te colocar no grupo
da banda, tá?
Dei um sorriso amarelo e assenti. Nunca fui fã de redes sociais ou
aplicativos assim, apenas os tolerava por causa da Wings. Mas, fazer o quê?
É a vida.
Voltei para o meu quarto, decidida a tirar um cochilo antes da reunião
com a banda. Teria sido um cochilo mais proveitoso, se não fosse meu celular
vibrando com mensagens descontroladas.
— Já começou a palhaçada de “bom dia” e “boa tarde” de grupo de
WhatsApp, aposto...
Sentei na cama, ainda meio sonolenta, mas senti o sono fugir assim
que li as mensagens recebidas. Das dez pessoas que estavam no grupo da
Sissy Walker, somente três não estavam rindo e zombando de alguma coisa
que eu demorei para entender o que era: Pierre, Rick, o chefão, e Gabriel.

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Subi todas as mensagens não lidas, mas continuei não entendendo o


motivo de tantos comentários. Aparentemente, eles estavam comentando
sobre alguma foto que foi enviada antes da minha entrada no grupo, levando
em conta a quantidade de comentários do tipo “vou mandar revelar essa
foto”, “love is in the air”, “aaah, que fofinho”, “viu como ele tem sangue
quente nas veias?”, “até que foi rápido, achei que ia demorar mais”. Um dos
comentários, o de Diego, dizia “eu vou amar esses doze meses, tenho certeza
disso!”.
Mandei uma mensagem perguntando qual era o motivo da graça, e
Diego me explicou que eles estavam shippando um casal que viram no avião.
Estranhei aquela informação, já que eu não me recordava de ter visto nenhum
casal explicitamente apaixonadinho em nosso voo. Perguntei, inocentemente,
qual casal estava fazendo com que eles agissem como adolescentes fãs de
banda, e ele enviou uma foto como resposta.
Dez segundos depois, meu celular baixou a imagem, e eu senti
vontade de jogá-lo pela janela: era nada mais, nada menos do que eu
dormindo na poltrona do avião, dividindo uma coberta com Gabriel e,
pasmem, de mãos dadas com ele.
Nossa senhora, que foto mais ridícula! Quando eu dei a mão para o
Segurança, que eu não lembro? E por que o idiota aceitou? Ok, demos as
mãos enquanto eu estava enjoada, mas depois soltamos!
O voo durou menos de três horas! Como deu tempo pra isso?
Pensei em dizer algo engraçado, para fingir que eu não estava
querendo enfiar a cabeça em um buraco, mas nada me veio, a não ser um
“fazer o que, se o Gabriel tem medo de avião? Ele pediu para eu segurar a
mão dele, eu topei. A gente ajuda o outro como pode” acompanhado de uma
carinha sorridente.
Mensagens de risadas pipocaram, mas não diminuíram a minha
vergonha. Eu me sentia uma adolescente pega no flagra fazendo algo
proibido com outro adolescente, o que, de fato, era ridículo.
Quase trinta anos na cara, Helena Maria!
Afastei os pensamentos da cabeça, e fui escolher a roupa para a
reunião com a banda, Ricky e Pierre. Aquele encontro seria o primeiro de
vinte e muitos, um para cada cidade, no qual discutiríamos o que a banda
usaria para cada show, condição climática e momento. Por exemplo, as
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roupas da Rússia não poderiam ser semelhantes às da Espanha, por vários


motivos diferentes. Por isso, tudo teria que ser acordado entre Pierre e eu e o
restante da banda, incluindo Ricky, caso o tiozão chefão estivesse presente.
Depois de me arrumar, enquanto organizava os desenhos, fotos, tablet
e pesquisas de tendência, decidi que pegaria leve no contato físico com
Gabriel em público. Não que as brincadeiras me incomodassem, nem era
isso. Eu apenas não queria ser vista como “a garota de alguém”, como
alguém reduzido a ser somente a companheira de outra pessoa, não importa
quão foda essa pessoa pudesse ser. Isso é muito, muito ruim e desagradável
para mim.
Sim, Gabriel era um cara muito legal. Mas nada no mundo ia me fazer
querer pertencer a alguém e, consequentemente, perder minha identidade.
Não sou um carro ou um cavalo para ter um dono, um proprietário. Que as
brincadeiras prosseguissem, isso não era um problema, mas que elas nunca
evoluíssem para um apagamento que eu me esforcei a vida inteira para não
sofrer.
Isso eu nunca aceitarei na vida.

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Pré-show

Alguns dias depois da reunião, e eu passei de uma pessoa tranquila e


feliz com o novo trabalho para uma pilha de nervos ambulante. Ainda que
tudo estivesse pronto, as roupas estivessem arrumadas nos camarins da arena,
os face charts e desenhos técnicos estivessem devidamente escaneados e
disponíveis para mim e para Pierre em nossos e-mails e nós tivéssemos
planos B (e C, D, E, F) para uma possível súbita mudança de temperatura, eu
não consegui refrear a ansiedade.
Isso porque nem era totalmente a minha função!
Conferi as horas no celular e suspirei. Faltavam quarenta minutos para
a van que nos levaria à arena chegar, e eu ainda estava deitada na cama, de
roupão, tentando controlar o nervosismo.
Chega, Lena! Levanta essa bunda branca, coloca uma roupa bem
bonita e formal, enche a cara de maquiagem poderosa e vai lá arrasar
corações! Você consegue!
Suspirei, tentando me convencer daquilo, e fui me arrumar. Vesti uma
roupa formal, terno e saltos, borrifei um pouco de perfume e fui ao banheiro
com meus estojos de maquiagem em mãos. Estar alinhada controlaria minha
ansiedade e garantiria que nenhum pensamento infantil passasse pela cabeça
nas horas seguintes.
Dez minutos depois, enquanto aguardava na recepção do hotel junto
de Pierre, encontrei com Betty, Tony, Gab e Erika. Eu, que já havia entrado
em meu modo profissional, não reagi à chegada de Gab, ainda que tenha visto
quão lindo ele estava em seu terno bem cortado e seus óculos de segurança de
rockstar. Ele, por outro lado, ergueu uma sobrancelha, fazendo uma cara de
surpresa positiva ao ver minhas roupas, me fazendo sorrir sem querer.
— Tá gatona, sua quenga! — Tony exclamou em português, e Betty e
eu rimos, mas Erika e Gabriel continuaram sérios. Seguranças...
Chegamos na arena em poucos minutos, já que o hotel era próximo do
local onde os shows aconteceriam. Respirei fundo ao sair da van —
finalmente o primeiro show havia chegado — e imediatamente Pierre e eu
nos separamos dos restantes e fomos organizar a seleção de looks para a
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noite.
— Lena, eles aprovaram a primeira escolha de roupas ou foi a
segunda? — Pierre me perguntou, obviamente tentando me distrair enquanto
abria sua maleta de maquiagem e espalhava seu conteúdo na penteadeira.
— Sim, aprovaram as outras também. Pode manter o plano A, a
temperatura não caiu — respondi, totalmente séria enquanto organizava as
peças certas nas araras com divisórias contendo os nomes de cada um
pendurados em cabides.
Sendo sincera: tudo estava organizado já. Eu é que estava nervosa.
Parecia uma iniciante, uma caloura da faculdade de Moda.
Jim, Tony, Aline e Diego entraram no camarim uma hora depois,
conversando animados entre si. Pierre sorriu para Aline, que se sentou na
cadeira reservada para ela e aguardou para ser maquiada. Tony, por outro
lado, se maquiava sozinha, como já era costumeiro.
Com o tablet em mãos, fui até Diego e praticamente ordenei:
— Diego, você é o primeiro, pode ir se vestir. Suas roupas estão ali,
me avisa se você precisar de ajuda com a camiseta, sei que ela tem furos
demais. Quando terminar, me chama, preciso ver se o colete ficou bom, já
que você não fez a segunda prova, como eu pedi — disse de modo rígido
demais.
Diego ergueu as sobrancelhas e olhou para Tony, que apenas deu uma
risada e levantou os ombros, como se dissesse “obedeça, fazer o quê?”.
Minha amiga me conhecia muito bem. Meio mal-humorado, ele foi se trocar
atrás do biombo destinado a tal tarefa.
Abri meu aplicativo no tablet e chequei os acessórios que o guitarrista
usaria, pegando-os na maleta e indo até o biombo. Dei a volta nele e observei
Diego se trocar, totalmente distraído enquanto cantarolava uma música
qualquer. Quando terminou, estendi as pulseiras e o colar para ele, que levou
um susto ao me ver ali.
— Ei, tem quanto tempo que você tá aí?
Com o braço estendido, não alterei minha expressão.
— Tempo suficiente para ver que você sabe colocar a roupa sem mim.
Toma, suas pulseiras.

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— Privacidade é...!
— Um privilégio quando se é famoso, meu querido. Toma, pega logo
suas pulseiras. Não me olha com essa cara, eu estarei mais amável depois do
show — respondi quando ele me dirigiu um olhar irritadiço. — Eu prometo.
Te pago uma sangria depois.
Ele estendeu a mão e pegou os acessórios, me dando um sorrisinho a
contragosto no final.
— Vou cobrar depois, General.
Fiz um imenso esforço para não rolar os olhos e dei um pequeno
sorriso para ele antes de dar meia-volta. Rockstars podem ser muito
sentimentais quando querem. Chamei o restante da banda um a um, ajudando
quem precisava de ajuda, como Aline, que teve dificuldades com a parte
traseira da cinta-liga, e conferindo os looks no tablet.
Enquanto a Sissy Walker conversava tranquilamente entre si
momentos antes do show, eu e Pierre paramos um ao lado do outro e
avaliamos nosso trabalho: estava tudo perfeito. Para ele, era habitual. Para
mim, era uma conquista e tanto. Era minha primeira vez nos bastidores da
música.
Pouco tempo depois, o show começou, e eu me sentei numa cadeira,
no corredor do camarim, completamente cansada e com os ombros doloridos
por causa da tensão. Não tinha energia para mais nada. Pierre se sentou ao
meu lado e colocou a mão no meu ombro.
— É assim mesmo, querida. Daqui a alguns shows você acostuma e
não vai ficar tão tensa.
Passei a mão no pescoço e nos músculos rígidos da região e dei um
sorriso cansado antes de perguntar:
— E o nervosismo pré-show, passa? — perguntei, vendo as pessoas
andando apressadas pelos corredores.
— Ah, não, nunca. Só a tensão mesmo. Na verdade, acho que você
acostuma com ela. Parabéns pela primeira “figurinada”, ficou tudo excelente.
Exausta, agradeci com um sorriso, recostei o corpo na cadeira e fiquei
assistindo ao show por uma televisão que transmitia a apresentação ao vivo.
Pierre deu dois tapinhas no meu joelho, sorrindo, e foi para perto do palco,
para curtir tudo mais de perto.
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Apesar da música alta, foi só fechar meus olhos por um minuto, que
acabei adormecendo. Acordei quando a multidão fez mais barulho do que o
normal e me levantei para ver o que estava acontecendo.
Vi Diego pendurado na grade de segurança, sendo literalmente
despido por jovens desesperados, que agarravam sua camisa e rasgavam o
tecido em várias tiras. Meu queixo caiu quando vi seu peito nu e corri para
pegar uma camiseta nova. Pierre entrou nos bastidores rindo e estendeu a
mão para pegar a peça de minha mão.
— Acostume-se, agora é assim mesmo. Não tem um dia em que
Diego não perca uma peça de roupa. Quem mandou ser uma delícia? —
gritou, rindo antes de voltar para o cantinho do palco.
Sorri e balancei a cabeça, suspirando. Ele poderia ter me avisado isso
antes, não? Teria deixado tudo mais à mão. Fui atrás de Pierre, que entregara
a roupa para um assistente e, assim que me viu chegando, me passou
protetores de ouvido.
De onde eu estava, pude ver Gabriel no espaço entre o palco e as
grades de contenção que impediam a multidão de atacar a banda e arrancar
cada pedaço deles. Ele estava dando ordens para outros seguranças, e seu
rosto estava contraído como nunca. Eu não pude deixar de rir ao imaginar
que o meu provavelmente estava do mesmo jeito havia pouco tempo.
Voltei minha atenção para o show e curti a vibe da banda, excelente,
como sempre. Não tinha um único membro da Sissy Walker que não fosse
extremamente carismático do seu próprio jeito, e todos tinham uma química
potente, visível mesmo para quem não os conhecesse pessoalmente. Creio
que fosse esse o principal motivo do sucesso deles, além do talento, claro.
Não era raro a Rolling Stones ou críticos famosos compararem a SW
a bandas incríveis, como Arctic Monkeys e Strokes. Cheguei a ver uma
comparação muito curiosa: segundo uma revista de música, a Sissy Walker
era uma mistura perfeita de Beatles e tudo que poderia haver de bom na
musicalidade brasileira, ainda que todos fossem criados com uma base
cultural europeia.
A vibe que misturava de forma brilhante uma pegada de bossa nova a
um rock agressivo, equilibrando de modo inédito gêneros diferentes, mas sem
perder sua pegada pop e indie, era muito querida. Mas era confuso para uma
pessoa amadora em música, como eu, entender todas essas referências, e isso
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só provava uma coisa:


A Sissy Walker era uma banda e tanto.
Eu não podia trabalhar para artistas melhores.

***

Horas depois, embarcamos na van e retornamos ao hotel. Creio que


nem Diego, que fora apalpado, despido e cobiçado, estivesse tão exausto
quanto eu, e isso era nítido.
— Eita, Lena, tá morta, hein? — disse, todo risonho ao me ver sair da
van e tropeçar no meio-fio da calçada.
— Ser carrasca com você cansa, coração — disse com um sorriso
cansado no rosto.
O guitarrista e não perdeu a deixa:
— Ah, então você merece estar assim, General. Não esqueci da minha
sangria, viu? — ele disse enquanto entrava no elevador, sendo seguido por
mim, Aline e Pierre.
— Nem eu, vou te compensar pela falta de modos, senhor, não se
preocupa — disse enquanto tentava, em vão, segurar um bocejo.
Pierre e Aline riram, totalmente inteiros.
— Ei, você não vai sair com a gente? — perguntou Aline, se referindo
à festa pós-show que a banda sempre curtia.
Enquanto saía do elevador, já no meu andar, neguei com a cabeça e
agradeci, alegando estar... bom... morta.
— E minha sangria? — Diego perguntou com um sorriso.
— Na próxima eu vou e encho sua cara, prometo — disse e acenei um
tchauzinho para todos, que retribuíram e deixaram as portas do elevador se
fecharem. Olhei para Pierre enquanto procurava meu cartão — Você não vai?
— Não, vou checar como estão as coisas com minha mãe.
— Ah, verdade! Deseja melhoras para ela por mim, ok? — respondi,
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abrindo a porta do meu quarto e dando um abraço de um braço só em meu


colega de trabalho.
— Pode deixar! Vai dormir agora, que amanhã tem mais, bonequita!
— respondeu, me brindando com um sorriso amistoso e sincero e seguindo
seu caminho no corredor.
Entrei no quarto, tirei os sapatos, conectei meu celular no carregador e
caí na cama, completamente exausta. Fiz o maior esforço do mundo para me
levantar, dez minutos depois, tirar minha roupa e soltar meu cabelo, mas foi o
máximo que consegui antes de desabar novamente na cama e dormir até as
sete horas da manhã do dia seguinte.
Sendo sincera, só acordei porque Pierre bateu na minha porta, lindo,
radiante, como se tivesse dormido por doze horas seguidas.
Se não fosse por isso, estaria dormindo até agora.

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Madrid

— Sophia! Não se usa plano zenital numa propaganda de roupa!! Não


é propaganda de chão, é de roupa!! Não me importa se só dura poucos
segundos, o comercial tem menos de quinze, qualquer segundo importa!
Sophia, não, eu não aceito. Tira essa cena. O resto você faz o que quiser, mas
eu não quero plano zenital... Eu caguei para o nome! Não importa se é zenital
ou plongê absoluto, Sophia, vai ficar ridículo! Sophia! Sophia!!
Irritada, olhei para o celular e vi que Sophia havia desligado. Dei um
gemido raivoso e taquei o celular com tudo dentro da bolsa. Pronto, eu tinha
virado o clichê de executiva estressada, quase quebrando o celular após uma
ligação de trabalho estressante.
— Lena? Tudo bem? — Gabriel se aproximou e perguntou com
cuidado. Levei um susto ao ver o Segurança do meu lado, no aeroporto, mas
respondi com a voz controlada:
— Tudo, desculpa... É que minha sócia quer fazer uma coisa que eu
não concordo, e eu sinto vontade de matar aquela vaca quando faz isso. Mas
tá tudo bem, obrigada.
Gabriel assentiu com a cabeça.
— Tá pronta para viagem?
Fiz careta e respondi:
— Nunca estarei, eu acho. Qual é o seu lugar?
Gab sorriu e estendeu a mão para pegar a minha mala, mas eu ignorei
e comecei a andar com ela na mão.
— Ao lado do seu, Lena. Aí você pode pegar na minha mão quando
estiver com medo — ele disse, mas não parecia que estava zombando, apenas
brincando.
Ainda assim, eu respondi com acidez na voz:
— Ah, que ótimo! Transar no avião a gente não pode, mas pagar de
casalzinho ternura tá ok? Ok, vamos casar, então, aí todo mundo para de nos
pentelhar durante a viagem. Quer filhos? Não sei se posso te dar um assim,
tão imediatamente, mas podemos ir fazendo...
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— Transar no avião? — ele perguntou, ignorando meu sarcasmo e me


interrompendo.
Olhei para ele com os lábios franzidos enquanto entrávamos na sala
de embarque.
Boca grande idiota que eu tenho!
— Você queria transar no avião, Lena? Era por isso que você me
perguntava toda hora onde era o banheiro? — ele perguntou, tentando não rir.
— Como você queria fazer qualquer coisa chapada de remédio do jeito que
estava? Eu não quero soar como protagonista de romance erótico, mas eu
preciso dizer que não curto necrofilia, Costureira.
— Desgraçado! — exclamei e fiz força para não o empurrar no meio
do aeroporto de Barcelona, controlando minhas risadas. — Ok, acabou a
magia. Nunca mais transaremos em lugar nenhum. Vai passar o resto da
viagem sozinho, para deixar de ser besta! Ou vai ter que procurar companhia
em cada uma das cidades. Imagina o trabalho?
Gabriel revirou os olhos, um sorriso no rosto, e colocou a mão nas
minhas costas para que eu entrasse de uma vez no finger. Eu quase dei um
salto ao sentir o contato, mas disfarcei dizendo que suas mãos estavam
geladas — o que era impossível de saber, levando em conta que eu estava de
casaco.
Não nos encontrávamos intimamente, digamos assim, desde a noite
anterior à viagem para Barcelona, ainda na mansão de Betty. Não tivemos
tempo: quando não estávamos trabalhando, eu estava dormindo. A primeira
semana de shows foi muito cansativa, a ponto de eu nem ter saído com
ninguém para conhecer a cidade, apesar dos convites de Betty e Pierre.
Minha cama era mais convidativa do que um dia de turismo, preciso
confessar, e eu precisava da cabeça descansada para estudar, recolher
material, fazer pesquisas e tudo o mais pelo qual fui contratada.
Entramos no avião, guardamos nossas bolsas de viagem e nos
sentamos. Eu estava respirando fundo, quase como um exercício de
relaxamento, e sentindo o estômago embrulhar. Assim que Gab sentou ao
meu lado, me estendeu a mão. Revirei os olhos, mas aceitei de bom grado seu
gesto de cuidado.
Assim que o avião começou a taxiar e eu apertei a mão dele com
força, Gabriel tentou me distrair.
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— Me conta, o que é um plano zenital? — ele perguntou


tranquilamente.
Respirando fundo, tentei esboçar alguma resposta coerente:
— É quando a câmera fica no alto, filmando todo mundo de cima. São
filmagens inúteis para a proposta do comercial, mas a Sophia queria essa
droga de plano. Queria até um contra-plongê absoluto, que é o contrário
disso, uma câmera no chão filmando o teto! — eu disse enquanto tentava não
pensar no avião taxiando.
— Entendi. E Sophia, quem é?
O avião começou a decolar e eu apertei tanto a mão dele, que a minha
doeu.
— É a diretora da Wings, minha CEO, se quiser chamar assim! Ela é
sócia da empresa, diretora de estilo, costureira, estilista, uma de minhas
melhores amigas e uma teimosa do cacete! Ah, e minha única ex-
namorada...! Credo, esse papagaio de metal não sobe nunca? — eu quase
gritei tudo aquilo sem respirar e com os olhos fechados.
Como se ouvisse minhas reclamações, o avião finalmente estabilizou,
e eu pude respirar normalmente.
— Ufa! Não tem um jeito mais fácil de se decolar não? Tipo subindo
num helicóptero e pulando do alto para dentro do avião já decolado?
— Nossa, excelente ideia, não sei como não pensaram nisso antes —
ele brincou enquanto soltava minha mão. Olhei para o dorso de sua mão e vi
que havia deixado algumas marcas do mesmo jeito que acontecera na
decolagem e na aterrissagem da primeira viagem.
Abri minha bolsa e procurei por um cortador de unhas. Sem dizer
nada, soltei meu cinto e fui até o banheiro diminuir minhas garras. Gabriel
estava fazendo um favor tentando me acalmar, eu não podia pagar a ajuda
furando suas mãos com esses cacos de vidro que tenho nos dedos e que
chamo de unhas.
Cortei todas, deixando-as bem curtinhas, as lixei com a parte estriada
do cortador e lavei as mãos, jogando as pontas de unhas no lixo do banheiro.
Quando voltei para o meu lugar, Gabriel me perguntou sem levantar o olhar:
— Era para eu ter te seguido?

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Acertei o corpo no assento e ri de sua pergunta boba.


— Não, Segurança, só fui cortar minhas unhas.
— Ué, por quê? — perguntou, tirando os olhos do celular por um
minuto.
— Porque estavam te arranhando, ó — peguei em sua mão e mostrei
as marcas.
Gabriel ergueu as sobrancelhas, olhou para as marcas em forma de
meia-lua e comentou:
— Não precisava, Costureira, eu nem tinha notado.
— É, mas eu notei. Tem uma que está sangrando, olha. Quer um
band-aid?
— Não, não precisa — ele respondeu, agradecendo com um sorriso.
— Tem certeza? A Sophia quem comprou para mim, então eu aposto
que deve ser da Hello Kitty ou do Homem de Ferro, ela adora essas coisas.
— Ah, agora sim eu quero um, vai ser ótimo dar ordens para os
seguranças do estádio com um band-aid de super-herói — ele brincou, me
fazendo rir.
— Também acho, vai mostrar quem é que manda naquela porcaria
toda. “Nossa, gente, lá vem o chefão de band-aid da Mulher Maravilha!
Pelotão, em formação!” — zombei.
Gabriel deu uma risada baixa e voltou a olhar o celular. Fiquei
distraída por um momento e acabei me dando conta de uma coisa: ele não
havia reagido com surpresa exagerada ou com algum tipo de preconceito ao
saber que eu não só já havia namorado uma mulher, como essa mulher era
minha sócia e colega de trabalho. Gabriel realmente era um cara legal, no
final.
Reparei em seu maxilar tão bem esculpido e senti vontade de beijá-lo.
Ele era, definitivamente, meu tipo, com aquela cara de desinteresse pública,
mas que mudava entre quatro paredes.
Olhei para o lado e vi que não havia ninguém por perto.
— Segurança... — chamei baixinho. Gab me olhou, e eu aproximei o
rosto do dele — Posso te beijar?

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Gabriel sorriu, mas não se aproximou.


— Aqui?
— Não, na cabine do piloto, sentados no colo dele. Claro que é aqui,
onde mais?
Gabriel olhou ao redor, procurando pela mesma coisa que eu tinha
procurado antes, e voltou o rosto na minha direção.
— Tem certeza? — ele perguntou, ficando meio sério de repente,
como se eu fosse uma criancinha que pediu para ir na montanha-russa no
parque de diversões. Revirei os olhos e endireitei meu corpo no assento.
— Esquece, Segurança. Vai dormir — respondi, irritada.
Ah, vai, vergonha de um beijo em público com essa idade?
Aliás, pensando bem, quantos anos Gabriel tem?
— Gabriel, quando tiver um tempinho, dá um pulo lá atrás? —
perguntou Ricky, surgindo do nada ao meu lado e me fazendo estremecer de
susto. Nem ouvi o tiozão chegar!
Gabriel se levantou imediatamente e o seguiu, me dando um olhar que
dizia “entendeu agora?” Droga, ele tinha razão. Eu estava sendo totalmente
não profissional.
Inclinei meu assento para trás, peguei meu travesseirinho e fechei os
olhos, irritada como um adolescente que levou bronca dos pais por ter feito
besteira. Não consegui ficar com raiva por muito tempo, já que cochilei
rapidamente. Estava sem cafeína havia um bom par de horas.
Acordei minutos depois, meio perdida.
Onde eu estou?
Ah, sim.
Avião, Madrid, Sissy Walker, Gabriel.
Tá, já me encontrei.
Esfreguei os olhos e olhei para o meu lado, no assento do avião.
Gabriel estava lendo um livro enquanto ouvia música em seus fones de
ouvido.
— Gabriel? O que Ricky queria?
Gab tirou os fones e me olhou antes de fechar o livro.
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— Confirmar uns dados do esquema de segurança do estádio na


Suíça. Posso te beijar? — ele perguntou de supetão.
Arregalei os olhos, confusa, mas balancei a cabeça concordando.
Gabriel colocou o livro de lado e se inclinou na minha direção rapidamente,
me fazendo sorrir quando encostou seus lábios nos meus, me beijando com
calma, sua língua entrando na minha boca com suavidade. Assim que
coloquei as mãos em seu peito, já pensando em aprofundar o beijo, Gab me
soltou rapidamente, como se alguém estivesse vindo. Ergui o corpo para
olhar o corredor e não vi ninguém, mas notei que suas mãos estavam cerradas
com força, como se ele estivesse se controlando.
— Eu daria tudo por um café... — ele comentou, suspirando.
Ainda meio confusa com a sucessão de acontecimentos, peguei minha
bolsa e ofereci uma trufa de café para ele.
— Comprei no aeroporto. É meio doce demais, mas dá para segurar a
vontade. E tem cafeína, não só cheiro de café, eu chequei.
— Viciada — ele provocou enquanto aceitava o doce e o enfiava na
boca.
— Olha quem fala. Ei, eu queria um pedaço!
— Ah, desculpa... Não sabia — ele se desculpou, falando de boca
cheia, mas seu rosto não mostrava um tracinho sequer de culpa.
Estalei os lábios, balancei a cabeça e peguei meu celular. Gabriel
voltou para seu livro e ficamos em silêncio até o final da viagem, evitando
contato físico, já que... Bom, alguém parecia não estar segurando a barra tão
bem quanto eu, e é aquela história, né? Se eu ficar animada, eu consigo
disfarçar, não há nada que crie... volume no meu corpo. Já Gabriel...

Uma vez fora do avião, já na saída do aeroporto de Madrid, Gabriel


me puxou pelo braço e comentou antes de me dar um beijo rápido:
— Obrigado por ter cortado as unhas, Costureira — e saiu de perto de
mim, indo fazer seu trabalho de segurança.
Fiquei olhando Gab se afastar e sorri, pensando em como ele
realmente era um cara legal por baixo daquela pose toda de Victor Fries.
Quem não o conhecesse, poderia achar que ele era uma pessoa bem gelada,

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antipática, indiferente. Mas não era, pelo contrário. Sua seriedade se devia
pela profissão, mas Gabriel, por baixo daquela pose, era um homem com um
coração de ouro.
Há outra parte de seu corpo que também é de ouro, mas deixa para
lá.
Assim que Gabriel saiu de perto de mim, Pierre apareceu ao meu lado
e me ofereceu o braço para que fôssemos juntos para o hotel. Afastei meus
pensamentos sobre os quilates das partes do corpo de Gabriel, aceitei o
convite toda contente e entramos na van, conversando sobre um monte de
bobagens e sobre quão linda era Madrid, vista pela janelinha do transporte.
Pierre e eu estávamos nos aproximando cada dia mais, afinal, de todos
na banda, ele era o único que trabalhava diretamente comigo. Era natural que
o figurinista principal e a consultora de estilo se dessem bem, já que
passavam tanto tempo juntos e havia sintonia entre eles, mas poderia não ser
o caso mesmo assim.
Horas depois de nossa chegada no hotel, quando tudo já estava
arrumado e eu estava decidindo o que fazer com uma camiseta caríssima de
Diego que fora rasgada na barra e na lateral por uma fã descontrolada, meu
celular vibrou em cima da mesa de cabeceira do hotel grã-fino.
Peguei o pobre e trincado aparelho e o desbloqueei, sorrindo ao ver
uma mensagem de Gabriel perguntando se poderia passar no meu quarto.
Que pergunta idiota. Respondi e voltei minha atenção para à camiseta
arrebentada.
Estava chegando à conclusão que não daria para reformar a pobre e
bem-feita peça quando Gab bateu de leve na porta. Recebi Gab com um
sorriso, notando sua cara de cansado.
— Oi, Segurança! Entra! — disse e saí da frente da porta. — O que
houve, que você já tá exausto? Não tirou o dia de folga?
— Não, precisei ir até o estádio... arena... — Gabriel se corrigiu, a voz
baixa. — E checar se o esquema estava funcionando corretamente... O de
sempre... — ele disse enquanto se dirigia para uma poltrona do quarto.
— Ei, tira o sapato, Segurança!
Gabriel levantou uma sobrancelha, mas me obedeceu, voltando para a
entrada e deixando os sapatos lá.
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— Obrigada. Tá frio lá fora?


— Não, tá o maior sol. Acho que tá fazendo uns vinte e dois graus...
— ele respondeu com a voz cheia de alívio enquanto se ajeitava de novo na
poltrona.
— Credo, que gelado! — exclamei, assustada com a possibilidade de
alguém achar que vinte e poucos graus é muito quente.
— Gelado? Quanto graus fazem no Rio, cem? — Gab perguntou da
poltrona, e eu gritei em resposta:
— Sim, celsius, querido! — brinquei e fui lavar a peça rasgada de
Diego.
Lavei a camiseta com um sabonete líquido e pendurei no boxe do
banheiro. Enquanto olhava o tecido, gritei:
— Gabriel, me dá uma ideia: o que acha de eu fazer uma bolsinha de
moedas com essa camisa? O tecido é ótimo, a estampa também, e alguma fã
histérica provavelmente vai me amar para sem...
Saí do banheiro e me interrompi imediatamente ao ver que Gabriel
cochilara na poltrona.
Cruzei os braços e ri ao ver a cena. Nem parecia o Segurança Fodão-
Hitman-Não-Mexa-Com-a-Minha-Banda de sempre. Parecia apenas... um
homem sonolento. Era adorável notar alguma vulnerabilidade. Eu já sabia
que ele tinha sangue quente correndo nas veias e um coração de ouro, mas foi
divertido aprender que, além disso tudo, Gab também tinha um corpo,
digamos... humano. Real. De carne e osso, não de aço.
Dei uma olhada em suas coxas deliciosamente cobertas pela calça
escura de seu uniforme e mordi o lábio enquanto minha mente já começava a
pensar besteiras.
Sim, ele tem um corpo humano. E que corpo, meu Deus do céu!
Gabriel abriu os olhos e deu uma risada. Colocou a mão na parte de
dentro do terno, tirou um par de óculos escuros e colocou no rosto, se
ajeitando na poltrona como se estivesse pronto para tirar outro cochilo. Sua
pele estava corada, provavelmente pelo sol que ele pegou nas ruas de Madrid.
— A idade chegou rápido para você, né, Segurança? Uma
caminhadinha de nada no estádio-barra-arena e você já tá morto assim?

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Acabou o sangue de groupies virgens, é isso? Eu disse que a chance delas,


deles, sei lá, serem virgens era pequena — disse, com um sorriso irônico no
rosto.
Gabriel endireitou o corpo, tirou os óculos e me devolveu o sorriso
antes de se levantar, vir na minha direção e me jogar na cama, subindo em
cima de mim sem nem hesitar.
— Para alguém que dormiu no colo de Jim no último dia de shows em
Barcelona, você está bem engraçadinha, não? A expressão de Jim foi
impagável quando você deitou nas pernas dele. Foi uma das raras vezes em
que o vi sem palavras, Costureira... — ele disse enquanto beijava meu
pescoço.
— Olha, o cansaço passou, vovô? Estou detectando um odor de
ciúmes em sua voz, ou isso é só o seu suor? — eu disse rindo e o empurrando
com as mãos. — Vem, vamos tirar essa roupa e tomar um banho. Ainda que
eu goste do seu cheiro, não tenho tesão em poluição, e você está fedendo a
fumaça!
Gabriel se levantou de cima de mim e negou com a cabeça enquanto
esfregava os olhos com a mão. Acabei sorrindo ao ver aquele gesto tão
vulnerável.
— Não posso, preciso voltar. Estou no meu horário de almoço — ele
disse enquanto estalava o pescoço.
— Às cinco horas da tarde? Uau, trabalho escravo é legalizado aqui?
Eu não vou precisar usar algemas ou correntes, vou? Odeio essas coisas! —
zombei enquanto me levantava da cama e puxava Gabriel pela gravata para
perto.
— Odeia? — ele perguntou com um sorriso no rosto, me agarrando
pela cintura e me levantando da cama.
— Odeio, e nem tente usar uma dessas em mim, não importa o
contexto. Odeio qualquer coisa que me prenda.
Gabriel franziu as sobrancelhas e relaxou tão rapidamente, que eu
nem tive tempo de entender o que o preocupara, portanto perguntei a primeira
coisa que me veio à cabeça:
— Ai, não, não me diz que você curte BDS... Como chama? BDSM?
Vou ter que assinar um contrato pra poder transar com você? Ai, que saco...
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Por favor, não me diz que vem todo o lance de dominador junto dessa gravata
cinza aqui... — pedi com a voz desanimada enquanto afrouxava o nó da
gravata.
Gabriel levantou meu vestido e passou a mão pela lateral minha
calcinha antes de responder:
— Não, não se preocupa, não gosto. Não tenho paciência para esses
lances de submissão... — disse enquanto puxava meu cabelo, me fazendo
erguer o queixo. — Tá de folga, Costureira?
Sorri ao ouvir o apelido.
— Como se você não soubesse, né? Estou, até amanhã de manhã, já
resolvi todas as pendengas de figurino com o Pierre. Na verdade, eu preciso
consertar um vestido da Betty, que descosturou, mas eu faço isso em meio
minuto. Mas, vem cá, você não fica de folga nunca não?
— Fico, daqui a umas duas horas — ele disse enquanto puxava meu
vestido para cima e o passava pela minha cabeça, me deixando de calcinha e
sutiã.
— Então para de me deixar nua e vai terminar seus afazeres,
Segurança! Tá perdendo tempo, quando poderia...! — não consegui terminar
minha falsa reclamação, pois Gab me virou de costas para ele, me encostou
na parede e começou a beijar minha nuca enquanto subia a mão esquerda até
meu seio e a direita até minha calcinha. Senti sua ereção encostar em mim e
minha força de vontade de pará-lo morreu imediatamente.
— A gente nunca perde tempo, Costureira... — ele sussurrou em meu
ouvido antes de deslizar seus dedos para dentro de minha calcinha. — Mas eu
posso voltar depois, se você quiser...
Fechei os olhos e um gemido escapou de minha boca quando os dedos
desceram e tentaram entrar em mim.
— Gab, eu ainda não estou totalmente... — comecei a explicar, mas
ele me virou e me deu um beijo tão intenso e longo, que me acendeu como
pisca-pisca de natal em concurso de casa decorada em Rio das Ostras.
Ok, já estou pronta.
Passei as mãos em seus ombros e comecei a tirar seu terno enquanto
sentia sua língua quente em minha boca. Gabriel me segurou pelas mãos, me
impedindo, e me deitou na cama.
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— Eu fico seminua e você de roupa? — perguntei com um sorriso.


Gab tirou o terno e a gravata solta, se deitou sobre mim e começou a
beijar minha boca com tanta vontade, que eu fiquei sem ar.
Em seguida, rolou para o lado e me puxou para que ficasse de frente
para ele. Passei meus braços ao redor de seu pescoço e colei meu corpo ao
seu, passando o joelho por seu quadril e voltando a beijá-lo. Sua mão apertou
minha cintura quando eu mordi seu lábio. Meus dedos encontraram seu
pescoço, sentindo sua pele muito, muito quente, e levei um susto, o que me
fez parar imediatamente de beijá-lo e levantar a cabeça para mirá-lo. Seus
olhos brilhavam de desejo, como se aquilo fosse só um detalhe insignificante,
mas não era.
Gabriel estava ardendo.
Assustada, coloquei a mão em sua testa e vi que ele estava com a pele
muito quente, de um jeito não natural. Seu pescoço, eu notei pela primeira
vez, estava avermelhado e suas bochechas tinham um tom rosado não muito
saudável.
— Gabriel! Você tá com febre! O que houve? — perguntei enquanto
me sentava na cama, deixando o segurança ao meu lado com cara de derrota.
— É só um estado febril, Lena, nada demais... — ele respondeu com a
voz desanimada e sentou-se ao meu lado na cama.
— Claro que não! Você tá pegando fogo! Como eu não senti antes?
Espera, vou procurar um antitérmico... Ah, eu não trouxe na viagem... Ok, eu
vou buscar na farmácia aqui perto... — levantei da cama e comecei a procurar
pelas minhas coisas, mas Gab me impediu segurando meu braço com
gentileza.
— Não precisa, Lena, de verdade. Eu só tomei sol demais de terno no
estádio e bebi pouca água. Hoje fez um sol fora do padrão na Espanha e eu
não me preparei, só isso. Eu moro em Londres, esqueceu? — ele disse e me
deu um sorriso cansado.
— Ah, “só tomou sol de terno e não bebeu água”? Meu amor, eu
venho da capital nacional da insolação, então não me venha com esse
papinho de “só tomei sol”. Espera, vou te dar um Gatorade, você vai tomar
agora e vai jurar que vai tomar mais, tirar esse terno abafado do cacete e
tomar um banho frio se essa febre continuar assim, ouviu? — ordenei

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enquanto pegava no frigobar a garrafa de isotônico que comprara mais cedo.


— Sim, senhora — ele disse meio rabugento, mas pegou o Gatorade
de minhas mãos e fez o que eu mandei. — Por que você tem um Gatorade no
quarto? — perguntou antes de beber metade da garrafa.
— Porque muitos homens com insolação batem no meu quarto, e eu
gosto de mantê-los saudáveis e hidratados antes de retirar até a última gota de
líquido de seus corpos de noite — brinquei de braços cruzados, tentando
manter no rosto uma expressão séria, mas falhando miseravelmente.
— Ah, então você também tem um ritual de sacrifício para se manter
jovem? — ele brincou enquanto pegava seu terno e sua gravata no chão.
Franzi as sobrancelhas por um momento e logo dei uma risada alta
quando compreendi sua piada.
— Que bom que você admite que faz esses rituais! — brinquei, mas
logo fiquei séria de novo. — Você tá bem para ir trabalhar? — perguntei,
preocupada, quando ele colocou os óculos e me puxou para um beijo rápido.
— Sempre estou — respondeu com a voz e o rosto sérios e me soltou,
indo na direção da porta, mas esquecendo a garrafa em cima da mesa.
— Segurança! — chamei e cruzei os braços de novo.
Gab parou e me olhou, o cenho franzido mostrando sua confusão
enquanto tentava entender o motivo da mudança de tom em minha voz.
— Ou você leva essa garrafa e bebe até a última gota, ou está proibido
de pisar nesse quarto — ameacei sem nenhum traço de humor no rosto. —
Falo sério, Gabriel, leva esse troço e bebe. E compra um novo. Já é um
absurdo você trabalhar de terno até no inferno, se ficar achando que tem pele
de aço e corpo imortal, eu vou ter o maior trabalho criando os looks da banda
para o seu funeral.
Gabriel estendeu a mão para pegar a garrafa de Gatorade que eu
oferecia e sorriu irônico, como quem queria dizer “arram, que eu vou fazer
isso tudo que você manda”, mas não disse nada antes de sair do quarto.
— Gabriel...! — eu exclamei, mas ele voltou até onde eu estava, me
beijou profundamente e me soltou em seguida, saindo para o corredor e
resmungando:
— Você fala muito, Costureira...

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Não pude deixar de rir quando ouvi seu comentário. Fechei a porta,
pensando em como há homens que, apesar de serem bem-sucedidos, fortes,
durões, ainda agem como crianças quando são contrariados. Gabriel,
aparentemente, não era uma exceção à regra.
Não demorou nem duas horas para que eu recebesse uma mensagem
do Segurança: “Sem febre”. Sorri e respondi imediatamente:
“Muito bem, senhor Segurança. Terminou o serviço?”
“Sim. Tá ocupada?”
“Não, esperando você”
“A caminho.”
Revirei os olhos ao ver a formalidade da resposta. Esses tipos muito
militares são tão engraçados quando se metem com tecnologias! Meu tio
também era assim, todo formal na hora de mandar mensagens.
Fechei minhas revistas e arrumei o quarto, guardando o que estava
fora do lugar. Estava verificando se tudo estava apresentável quando Gabriel
bateu à porta. Corri para atendê-lo e, mal deixei ele entrar, já fui colocando a
mão em seu pescoço e sua testa.
— Ufa, que bom. Não tem febre mesmo.
— Achou que eu mentiria, Lena? — ele perguntou com uma
sobrancelha erguida enquanto entrava no quarto e colocava seu copo de café
na mesinha de cabeceira.
— Não, não achei, mas você poderia não estar sentindo mais o calor-
barra-frio da febre. Bonita a calça, Gab — comentei enquanto apontava para
calça saruel horrorosa que ele estava usando. — Aliás, mentira, a calça é um
terror, mas você fica bem com qualquer coisa que coloca no corpo, né?
Mundo injusto esse... Se eu coloco uma dessas, fica parecendo que eu me
caguei toda, ou que estou de fraldas geriátricas...
Gabriel fechou os olhos e deu uma risada gostosa antes de me puxar
pelos ombros e me abraçar.
— Tomou o Gatorade? — perguntei enquanto abraçava sua cintura.
— Tomei, General — ele disse com um sorriso irônico brincando nos
lábios.
— Ah, não, você também? Já não basta Diego e Sophia...
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— Sophia também te chama assim? — perguntou, meio surpreso.


— Não, ela me chama de Ditadora mesmo. Mas eu não faço por mal,
eu só... me preocupo demais com as coisas, sei lá — disse e o empurrei na
cama. — Nossa, que botas bonitas! Mas não tirou na porta, né? Já disse que
tem que tirar na entrada, Segurança, eu gosto de sentar no chão, sabia? E
comer sentada no chão, ouvir música deitada no chão... Essas coisas.
Gabriel apoiou os cotovelos nas coxas e ficou me olhando enquanto
eu desamarrava seus sapatos e os jogava para trás. Ajoelhei na cama e
engatinhei até ele, beijando seu pescoço enquanto me sentava em seu colo.
— Sabe há quantos dias a gente não se encontra? — perguntei, me
levantando por um segundo para tirar meu vestido e o jogar no chão do
quarto, e voltei a sentar em seu colo.
— Muitos, eu sei... — ele disse enquanto olhava meu corpo, alisava
minha cintura e olhava meu rosto, os olhos brilhando.
— Desde a mansão.
— Eu sei, Costureira. Eu estava lá.
Sorri e me curvei sobre ele, beijando seus lábios com gosto de café e
deixando meu cabelo cair sobre seu peito.
— Você tá muito vestido, levanta — ordenei e ergui o corpo. Gab me
obedeceu, e eu tirei sua camisa branca, passando a mão por suas tatuagens e
sentindo seus músculos definidos. — Você é tão bonito, Segurança... Nem
parece ter cinquenta anos, tá bem conservado para alguém que está prestes a
entrar na terceira idade!
Rindo, Gabriel revirou os olhos, me agarrou pela cintura e me fez
deitar na cama.
— Você nem sabe minha idade, Costureira... — disse enquanto
beijava meu pescoço e puxava minha coxa, me fazendo abraçá-lo com as
pernas.
— Sei que é uma idade bem numerosa e escondida por muitos
sacrifícios de groupies virgens... E Viagra, creio eu... Ah! — soltei um
gritinho e ri quando Gabriel me deu um tapa na bunda e tentou me virar de
bruços, mas eu não deixei, forçando meu corpo contra o dele.
— Você um dia me disse que não tinha filtro pós-sexo, né? Pós, pré e

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durante também, Costureira. Anda, vira — ele mandou com um sorriso


irônico no rosto, e eu obedeci e me virei de bruços, empinando e quadril e me
apoiando nos cotovelos.
Gab se levantou e me deu outro tapa sonoro na bunda, arrepiando
minha nuca.
Delícia.
Senti a pele arder e reclamei:
— Que mão pesada, Segurança....
Ergui o braço e apaguei a luz do abajur, deixando o quarto iluminado
pela fraca luz do pôr do sol, que pintava as paredes do quarto de laranja.
Ouvi Gab rasgando um pacote de camisinha que eu deixara no
aparador perto do banheiro e ergui o corpo para tirar meu sutiã, ficando de
joelhos por uns segundos e voltando a ficar de quatro, aguardando que ele se
aproximasse.
— Posso me virar ou tenho que ficar assim para sempre? — perguntei
depois de uns instantes de silêncio no quarto — O que você tá fazendo,
Segurança?
— Apreciando a vista — ele disse, me fazendo rir.
— Ah, é? Então tá. Eu começo sozinha, não tem problema.
Ergui os quadris e tirei minha calcinha. Deitei atravessada no
comprimento da cama e deixei a cabeça tombar um pouco para fora do
colchão, fazendo com que meus cabelos caíssem soltos no chão do quarto.
Abri os olhos e vi Gabriel em pé, ainda de boxer, com o pacote de camisinha
rasgado na mão. Seus lábios estavam entreabertos e sua respiração estava
levemente ofegante quando eu dobrei os joelhos e os separei, deslizando a
mão direita até o ponto preferido de minha anatomia.
Circulei meus dedos pelo meu ponto mais sensível e espalhei minha
umidade por toda a área. Fechei os olhos enquanto sentia o prazer se
espalhando pelo meu ventre e inspirei profundamente quando desci mais a
mão e introduzi os dedos, sorrindo ao ouvir o barulho molhado familiar.
Fiquei um tempo me curtindo, até sentir que estava perto de terminar
e parei, levando os dedos à boca enquanto abria os olhos e via Gabriel
sentado na poltrona, os cotovelos apoiados nos joelhos enquanto me olhava,

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sério.
— Quer tirar uma foto, Gab? Vai durar mais — disse com um sorriso
preguiçoso enquanto chupava meus dedos e sentia meu gosto neles.
— Quero. Quero muito — respondeu e me deu um sorriso de canto de
boca.
Ainda sorrindo, apontei para a câmera em cima da mesa de cabeceira
e pedi para Gabriel:
— Pega a câmera, Gab. Vou te ensinar o que é um plano zenital.
Gabriel hesitou um momento, mas se levantou e fez o que eu havia
pedido, se certificando que a câmera estava no modo avião. Fiquei satisfeita
com sua preocupação. A última coisa que eu queria era que a câmera se
conectasse na internet e postasse no meu Instagram (ou pior: no da Wings) as
fotos que eu estava prestes a tirar. Seria a primeira foto explícita que
tiraríamos, então... Até aquele momento, todas eram sensuais, não
descaradas.
Sentei na cama com o corpo ereto, virando minhas pernas na direção
de Gabriel e encostando a ponta dos dedos no chão, os joelhos juntos.
Sem dizer nada, abri as pernas bem devagar e voltei a deitar o corpo
na cama, apoiando os pés na beirada da cama. Voltei a introduzir um dedo,
depois outro e estava prestes a colocar um terceiro, quando Gabriel se
levantou, tirou uma única foto de mim, sem mostrar meu rosto, pelo que pude
ver na revelação que Gab tinha em mãos. Com movimentos rápidos, ele
deixou a câmera na mesa de cabeceira, junto da fotinho, voltou para perto de
mim, me puxando pelo braço e me fazendo deitar sobre ele.
Ajeitei o corpo por cima de seu quadril e me sentei nele lentamente,
sentindo sua ereção entrar em mim centímetro a centímetro. Joguei minha
cabeça para trás quando ele me preencheu por completo e inclinei o corpo
para trás, colocando minhas mãos em suas coxas.
Com a respiração ofegante, voltei o corpo para frente e comecei a me
mexer para frente e para trás, sentindo meus músculos internos se contraírem
a cada movimento.
Abri os olhos depois de uns instantes e vi Gabriel me olhando,
iluminado por uma luz fraca que vinha de um poste do lado de fora do hotel,
quebrando a repentina escuridão em que o quarto se encontrava após o pôr do
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sol.
Inclinei o tronco sobre ele e o beijei, segurando seu rosto entre as
minhas mãos e passando minha língua em seus lábios entreabertos. Gab
dobrou os joelhos e colocou as mãos na minha bunda enquanto eu me
movimentava e tentava não gemer contra seus lábios.
Meus quadris tomaram vida própria e se movimentaram cada vez
mais rápido, me fazendo suar enquanto me aproximava cada vez mais do
final. Gabriel esticou as pernas e ergueu o corpo, me fazendo erguer o meu
junto e me beijando enquanto se apoiava com um braço no colchão.
Olhei para sua boca aberta e senti sua respiração em meu rosto e seu
braço em minha cintura. Sorri e passei meus braços ao redor de seu pescoço,
voltando a me movimentar em seu colo. Beijei sua boca e cavalguei até sentir
minhas coxas arderem, mas não liguei a mínima. Logo cheguei onde queria e
arranhei as costas de Gabriel com força.
Em seguida, o empurrei e me deitei por cima, ainda com ele dentro de
mim. Minha respiração estava descontrolada, mas a dele estava contida, só
um pouco ofegante.
— Quer uma bombinha de asma, Costureira? — ele disse enquanto
me virava de costas na cama e beijava meu pescoço.
Ah, desgraçado!
— Quero, pega uma e engole, idiota — respondi rindo enquanto o
acomodava entre minhas pernas e voltava a arranhar suas costas com mais
força do que antes.
Gab soltou um gemido rasgado de dor e disse:
— Mão pesada, Costureira... Você não tinha cortado as unhas?
— Sempre sobra algo para isso, Segurança — disse antes de beijá-lo,
já querendo mais de Gabriel.
Creio que passamos umas duas horas provocando um ao outro e
parando por tempo suficiente para respirar e repor líquidos, voltando em
seguida para a diversão.
Quando finalmente nos demos por satisfeitos, eu enterrei a cabeça no
travesseiro, exausta demais para falar qualquer coisa, e adormeci quase
imediatamente. Fui acordada por Gabriel, que deixou o celular cair no chão

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sem querer.
— Segurança...? — perguntei, tentando acostumar meus olhos à
escuridão.
Gabriel foi até a cama e me deu um beijo na boca. Vi que ele estava
vestido quando acendi o abajur e perguntei ao vê-lo ir até a porta:
— Vai embora?
— Vou... Por quê? — ele perguntou, incerto. Sorri ao ver a confusão
em seu rosto e apontei para o frigobar antes de me deitar e dormir de novo:
— Leva um Gatorade...

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Paris

— Ah, tá de sacanagem comigo! — eu gritei quando desci minha


calcinha para fazer xixi, logo ao acordar. — Com tantos momentos para você
aparecer, você me aparece em Paris, cara? Que dia é hoje, pelo amor de
Deus? Uma semana adiantada?
Revirei os olhos puta da vida e fui para o banheiro, possessa de ter
ficado menstruada na França. Eu tinha planos tão bons para botar em
prática... Balancei a cabeça e resolvi que não faria a louca pirada-tarada, para
variar. Estava em Paris, pelo amor de Deus! Há muitas coisas a serem feitas
nessa cidade além de sexo!
Tomei um banho, coloquei uma calça de malha estampada, uma blusa
preta de minha autoria, fiz uma escova no cabelo e saí do quarto pronta para
convidar Gabriel para um passeio pela cidade incrível que brilhava lá fora!
Transar não rolava, mas dar uma volta, por que não?
Bati na porta do quarto do segurança e sorri quando ele abriu vestindo
seu pijama xadrez e camisa branca de sempre.
— Segurança, tô com o dia de folga! — eu exclamei.
— Eu sei, Costureira — ele respondeu com um sorriso no rosto.
— Eu quero conhecer Paris, quer ir comigo? — perguntei, animada,
apesar de meu útero ter estragado as possibilidades sexuais do dia de folga.
Gabriel pareceu hesitar por um momento, e eu imediatamente me
arrependi de ter feito o convite. Será que me precipitei e forcei uma
intimidade que ainda não existia?
Ai, droga, o que eu faço agora? Odeio esses climões!
Por sorte, meu celular tocou, me tirando do leve embaraço causado
pela hesitação do segurança. Olhei a tela e vi que era Betty, então atendi com
minha saudação profissional de sempre.
— Lena.
— Ei, garota, tá ocupada? Quer dar uma volta comigo e Erika? Tony
não acordou ainda, mas nós duas bastamos, não bastamos?
Olhei para Gabriel e contive um suspiro de alívio. Salva pelo gongo!
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— Claro que sim! Que horas?


— Agora! Se arruma, já estamos no saguão do hotel te esperando!
— Ok! Já estou arrumada, vou descer já!
— Venha!
Desliguei o telefone e disse para Gabriel, que tinha no rosto uma
expressão confusa:
— Precisa mais não, Gabriel, vou sair com Betterika!
— Hein? Vai sair com quem?
— Betterika! Betty e Erika! Te vejo amanhã, tchau! — disse e soprei
um beijo antes de correr pelo corredor do andar até chegar no elevador.
Suspirei quando Gab saiu do meu campo de visão e me recriminei em
pensamento.
É, Lena, pega leve na animação. Vocês são colegas de trabalho, não
namorados, não dá para achar que ele sempre vai querer tua companhia,
assim como você nem sempre vai querer a dele. Burra.
Cheguei no saguão e fui recebida pela vocalista e sua segurança, que
sorriram ao me ver. Pegamos um táxi na porta do hotel e fomos desbravar as
belíssimas ruas de Paris, começando pelo Louvre. Clássico passeio de turista,
claro.
Tirei um monte de fotos e fui guardando todas as revelações em um
caderno que comprei exatamente para essa função: não me deixar perdê-las.
Selecionei uma delas e postei no Instagram, como prometido, já imaginando
a reação de Sophia ao me ver de calça saruel. Era provável que minha sócia
me deserdasse.
De lá, fomos para a Torre Eiffel, o que, por incrível que pareça, não
foi exatamente emocionante para mim. Convenhamos, depois de anos
morando no Rio de Janeiro, a gente passa a não achar tanta graça de certas
vistas. Paris era belíssima, claro, mas nada se compara à vista do Corcovado.
Que os franceses me perdoem, mas um fato é um fato.
Erika e Betty, no entanto, estavam apaixonadas por tudo. Quase não
conversamos durante o passeio, de tão fascinadas que elas estavam, o que foi
muito divertido de ver, ainda mais porque não era a primeira vez das duas,
que moravam na Europa desde sempre.
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Quando finalmente voltamos para terra firme, meu celular vibrou por
uma mensagem de So-so:
“Lena, aquela blogueira amiga minha tá aí e disse que tá rolando
tipo um yard sale de roupas perto da Torre Eiffel. Vou te mandar o endereço,
caso você passe pela torre algum dia desses, beleza? Compre algo para
mim!”
Não acreditei na minha sorte. Um brechó ao ar livre perto de onde eu
estava!
Agradeci à Sophia pela dica e esbocei meu pedido para Betty e Erika:
— Meninas, por favor, eu nunca pedi nada para vocês!
Betty parou de fotografar a torre — coisa que ela estava fazendo sem
parar há um bom tempo — e me perguntou o que era enquanto guardava o
celular na bolsa, mas o pegou logo em seguida para tirar mais uma última
foto.
— Desculpa, é lindo demais. Já vim aqui mil vezes, mas nunca
acostumo. Pode falar, Leninha.
— Tem uma rua aqui perto que tá rolando um brechó desses de rua,
possivelmente ilegal, possivelmente cheio de roupas maravilhosas que eu vou
passar a viagem inteira consertando e transformando em obras de arte, por
favor, vamos lá, por favor! — disparei a falar.
Betty riu do meu desespero e concordou. Erika, por outro lado,
precisou se conter para não revirar os olhos, e isso foi óbvio.
— Ah, Erika, por favor, se anima! Eu aguentei fotografar vocês na
torre cem vezes sem reclamar, vai!
— Não estou reclamando, Lena, só não sou totalmente fã dessas
coisas de roupas... — ela se explicou e me deu um sorriso desanimado.
— Mas é rápido, prometo! Olha, é numa rua pertinho daqui, numa rua
chamada Massenet... Ou algo assim. Vamos?
Erika ergueu os ombros e concordou, mas não senti muita animação
da parte dela. Isso tinha me deixado meio chateada, queria que todo mundo se
divertisse comigo, por isso fiquei pensando em um ponto em comum para
conversar com Erika, quando me lembrei de uma fofoca que Tony havia me
contado um dia.

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Gab e Erika já tiveram um casinho breve no passado!


Apressei o passo para ultrapassar a guarda-costas de Betty e parei na
frente dela, segurando suas mãos nas minhas antes.
— Se a gente for falando mal do Gabriel daqui até lá, você se anima?
A expressão de Erika foi impagável: primeiro ela não entendeu,
depois ficou surpresa e por fim, caiu na risada.
— Oba, se anima? Então tá! Eu sei poucos podres dele, mas posso
revelar todos, não me importo. Ah, antes que você me pergunte como eu sei
que isso poderia te animar, Antônia me contou que vocês já tentaram se
matar uma vez — respondi tranquilamente e indiquei o caminho para o yard
sale, checando no meu celular.
— Tentamos nos matar! Betty, foi assim que você resumiu meu
relacionamento com Gabriel para a Antônia? Sim, porque isso não é
informação de domínio público, então você provavelmente contou para a
ruiva, certo? — ela perguntou, entre ultrajada e divertida.
Betty deu de ombros resignada.
— Achei que fazia sentido, vocês viviam discutindo.
No final das contas, Erika acabou falando mais do que eu. Contou das
brigas que eles tinham quando começaram a trabalhar juntos, de como o vício
de Gab em café a incomodava, já que ela tinha quase nojo do líquido divino e
de como eles passavam mais tempo competindo do que saindo juntos.
Cá entre nós, eu estava tão feliz por ir para o brechó, que nem liguei
de ouvir as heresias dela sobre café. Por mim, ela podia passar o dia falando
sobre o que quisesse. Eu estava literalmente no paraíso, se Erika quisesse
falar sobre a cotação do dólar, eu ouviria feliz da vida.

***

Assim que chegamos no local indicado por Sophia, não pude conter
um suspiro de prazer. A casa onde estava acontecendo o brechó era linda,
com uma arquitetura clássica, mas nada me deixou mais animada do que as
prateleiras com um monte de roupas vintage, todas por um preço delicioso:
um euro cada.
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— Olha, Erika, isso ia ficar lindo em você! — eu disse e estendi uma


blusa cor de pérola com um corte elegante.
Erika olhou para a peça, entortou a cabeça para o lado, depois os
lábios e comentou:
— Mas é maior do que meu tamanho, Helena...
— Lena, já disse para me chamar de Lena — eu corrigi. — Esqueceu
que eu sou costureira? Vou levar. Se você não gostar depois que eu acertar,
eu posso sempre doar para um brechó beneficente.
Erika piscou algumas vezes, mas acabou sorrindo para mim.
— Ai, Erika, não olha para mim assim, eu não sei lidar com gente que
passou na fila da beleza mil vezes que nem você — eu brinquei, marota, e
mandei um beijinho para ela enquanto me enfiava atrás de outra arara.
Ouvi a risada de Betty e sorri enquanto pegava uns sete cabides de
uma vez.
— Betty, me ajuda aqui! Segura para mim! — entreguei os cabides e
comecei a analisar as peças — Erika, segura essas.
As duas se olharam e balançaram a cabeça para os lados quando eu
pegava as peças descartadas, devolvia para as araras e trazia mais cabides.
Pareciam estar achando graça de mim.
— Desculpa, meninas, eu já vou parar, prometo. Mas vocês viram a
plaquinha? Um euro cada peça!
— Não, querida, fica à vontade. A gente não se incomoda de servir de
Gabriel para você.
Parei de checar as costuras de um vestido amarelo lindo e olhei para
Betty.
— Servir de Gabriel? Como assim?
Erika soltou uma risadinha e explicou:
— Ah, essa coisa de servir de namorado de Lena. Você tem a maior
cara de quem faz isso com seus namorados, não faz? Isso de usar de
cabideiro.
Confusa, pisquei algumas vezes antes de responder.
— Olha, eu até fazia isso com a Sophia, que foi minha namorada por
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um tempo, mas era mais por ela também ser costureira do que por ser minha
namorada... Mas, vem cá — chamei e coloquei as mãos na cintura, o cenho
franzido. — De onde vocês tiraram que eu e Gabriel somos namorados?
Betty riu tanto da minha birra, que deixou cair uns três cabides. Erika
só revirou os olhos e sorriu.
— Ah, não são? Mais de um mês de turnê, uns três dias de folga por
cidade, e vocês nunca saem do quarto se não forem juntos ou acompanhados
de outras pessoas da banda, como o Pierre ou a Tony. Não vi Gabriel fugir do
hotel em nenhuma noite desde que a turnê começou, e é algo que ele sempre
fazia. Se enfiar num bar qualquer e sair com alguém aleatório só por uma
noite.
Estava arrumando em cima de uma mesinha as peças que eu escolhi,
quando empaquei ao ouvir aquilo. Erika e Gabriel eram amigos nesse nível?
Como ela sabia que ele só saía comigo? Aliás, ele só saía comigo?
Parei por um instante e refleti sobre nossos horários de trabalho. Ele
havia me passado todos os dele, e eu estava enfiada em seu quarto ou ele no
meu na maior parte dos momentos de folga. Salvo uma vez ou outra em que
eu saía com Antônia ou Pierre rapidamente para comer alguma besteira ou
comprar presentinhos de turista para meus amigos no Brasil, nós dois
estávamos sempre... juntos.
É, faz sentido ele não sair com mais ninguém, eu não dou tempo para
ele! Mas como Erika sabe disso com tanta certeza?
Betty pareceu ler minha mente e explicou:
— É que os dois não tiveram só um casinho, como a Erika gosta de
dizer. Eles namoraram sério, e agora são amigos, por isso ela sabe tanto sobre
ele. Igual a você e aquele rapaz bonito, como se chama?
— Roberto...? — eu perguntei, impressionada. Não fazia ideia de que
eles dois já tinham se envolvido assim. Achei que fosse tipo o que eu tinha
com o Segurança, algo casual.
— Roberto...? Ah, o seu ex que a Tony odeia? Não, não, o outro, de
dreads, o que tá casado e grávido agora, o que a Tony adora! O que parece
um dos Power Rangers vermelhos!
— Ah, o Joe! Eita, vocês se envolveram igual a mim e ao Joe? Uau!
Que belo envolvimento! — eu exclamei antes de voltar para as araras. Fui
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seguida pelas duas, que iam segurando as peças que eu selecionava.


— Sim, ficamos juntos por um tempo... Mas não deu certo porque
nós...
— Ah, lembrei de uma coisa! — eu interrompi e me aproximei de
Erika, a agarrando pelo lindo terninho que ela usava — O sexo oral era
maravilhoso com você também? Porque eu não sei lidar muito bem com
aquela língua dele, parece que tem vida própria e um cérebro, de tão
inteligente!
Eu praticamente gritei minha dúvida, fazendo com que algumas
pessoas me olhassem.
Por sorte, eu falei em português, então ninguém entendeu. Nem
mesmo Erika, então Betty precisou traduzir para ela. Levei a mão à boca e
tentei não sorrir enquanto sentia as bochechas pegando fogo. Betty caiu na
gargalhada, e Erika me olhou, um tanto quanto... chocada.
— Ahn... Não, você tem razão, é um dom que ele tem... Escuta,
você... — ela tentou falar, mas eu a interrompi de novo e peguei em seus
braços, toda animada.
— Eu sabia! Por um momento, achei que o lance era só comigo, tipo
sorte, mas não podia ser! Betty, você precisa experimentar um dia! É de
enlouquecer! — me voltei para Erika, pronta para perguntar alguma outra
coisa irrelevante sobre Gabriel, mas acabei me distraindo quando peguei em
seus braços definidos. — Nossa, Erika, você é muito gostosa, olha esses
braços...! Não quer brincar comigo e com Gabriel não?
Soltei Erika para poder rir de sua expressão atônita.
— Leninha, Aline sabe que você já teve namorada? Ela foge de
meninas bissexuais, pois tem medo de se descobrir uma. Eu sou fanchona,
então não ofereço risco, segundo a lógica esquisita dela... — Betty disse
enquanto olhava um vestido de gatinho pendurado num cabide.
— Ah, jura? Adorei, vou pentelhar ela com isso! — eu exclamei antes
de voltar a me enfiar em outra arara.
— Mas, vem cá, vocês dois realmente não saem com mais ninguém?
Gab eu já sei a resposta, mas e você? Naquela vez que saiu sozinha na
Espanha, não encontrou nenhum gato de sangue quente não? — Betty
perguntou para mim depois de um tempinho de silêncio.
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Dei de ombros enquanto checava uma caixa cheia de acessórios.


— Não, nem procurei. Eu não senti vontade de pegar ninguém ainda.
Fora a Erika, claro — brinquei e dei um sorriso para ela, que cruzou os
braços e me deu um meio sorriso em resposta.
— Mas e se ele ficar com alguém durante a turnê, Lena? — Betty me
perguntou enquanto me avaliava.
— Bom para ele, ué. Contanto que se proteja, ele pode fazer o que
quiser. É adulto, solteiro e vacinado, tá no direito dele.
Desviei a atenção de um par de sapatos de salto e olhei para Betty,
dando meu melhor sorriso para a vocalista da Sissy Walker.
— Lena, você não tem um nadinha de ciúmes? É ciúme zero, né?
Impressionante...
Sorri e juntei o indicador e o polegar, fazendo o número com os
dedos.
— Zeríssimo. Não ligo para isso. Se eu quiser transar com alguém, o
que é bem provável, dado a quantidade de pessoas que vamos encontrar, eu
vou transar. Espero que ele faça o mesmo. Não vejo um anel na minha mão
esquerda ou na dele — terminei de olhar tudo e me dei por satisfeita. —
Bom, acho que é isso, meninas! Vou ali chorar um desconto, já que estou
levando... Um, dois, três, quatro... Vinte e dois... Enfim, um monte de roupas!
Peguei a montanha de peças e acessórios das mãos de Betty e levei
para uma senhorinha simpática que estava sentada num banquinho em frente
a uma mesinha com caixa de sapatos cheia de moedas e notas em cima. Vi
um cartaz pendurado na mesinha e tentei traduzi-lo, mas não consegui, então
saquei meu celular e joguei as palavras o Google Tradutor, ficando
impressionada ao ver que era um brechó beneficente. Não poderia pedir
desconto, seria cruel!
Coloquei as roupas no chão e me sentei ao lado dela para guardar tudo
nas sacolas de lona que o brechó oferecia. A velhinha me olhou
impressionada quando me viu sentar no chão, mas não disse nada.
Também, se ela dissesse, não ia entender nada, não falo francês nem
se for para pedir socorro.
Em cinco minutos, tudo estava devidamente guardado. Fiz as contas
mentalmente de quanto tudo daria mais o valor das sacolas de lona e tirei
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uma nota de cinquenta euros, entregando para a senhorinha, que sorriu e fez
menção de pegar meu troco. Coloquei a mão em seu braço e balancei a
cabeça negando. Ela me deu um sorriso amistoso e agradeceu com um aceno
de cabeça.
Peguei as duas sacolas e fui até Betty e Erika, que me aguardavam
perto do meio-fio.
— E aí, Betterika, vamos? — disse sorrindo, e as duas balançaram a
cabeça concordando.
— Quer que eu leve uma, Lena? — Erika perguntou, e eu agradeci e
entreguei uma das sacolas para ela.
— O que vamos fazer agora? — Betty perguntou enquanto olhava seu
relógio de pulso — Querem tomar alguma coi...?
— Quero!! Café!! Nossa, quero muito! Deixa eu procurar uma
cafeteria... Ah! Espera! Estamos perto do Café des Deux Moulins! Vamos lá?
Minha irmã vai parir outra criança quando souber, ela adora aquele filme...
Como se chama? Amélie Poulain, né? Enfim, eu não ligo a mínima, só quero
ver se o café de lá é bom.
Erika me olhou de canto de olho e sorriu para Betty.
— Que foi? — eu perguntei, não entendendo bem aquela troca de
olhares.
— Esse seu vício em café... Você e Gabriel são tão... — Betty
começou a explicar, mas eu a interrompi risonha:
— Profissionais? Competentes? Sensuais?
As duas riram de mim, e eu entrei na brincadeira:
— Já sei, meninas, já sei. Eu e Gabriel somos perfeitos um para o
outro, devemos casar e ter sete filhos e ir morar numa casa com cerquinha
branca, ter dois cachorros e uma van. Podemos tomar o café agora?
Rumamos juntas para a cafeteria, mas não conseguimos entrar. Estava
muito cheio, devido ao sucesso do filme francês. Decidimos pegar um táxi e
ir para outro lugar não tão próximo, recomendado por Erika, um café muito
maravilhoso Les-Alguma-Coisa. Entramos, fizemos nossos pedidos e nos
sentamos nas cadeiras em uma mesinha na parte externa do local.
— Ah, Senhor... Que coisa mais... divina — eu gemi de prazer
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quando bebi um gole imenso de expresso. — Hm, Erika, agora que eu


lembrei! Você ia falar alguma coisa mais cedo, no brechó, mas eu te
interrompi, desculpa. O que era?
Erika tomou seu suco esquisito, que mais parecia um refresco de
musgo, e me olhou em dúvida.
— Não lembro, que horas?
— Ah, Erika, acho que você ia explicar para Lena por que você e o
Gabriel terminaram — Betty disse entre uma mordida de seu croissant e
outra.
— Ah, era isso? Ah, não precisa, imagina! — eu disse e fiz um gesto
com a mão, dispensando o assunto. Imagina se eu ia querer saber algo que
não era da minha conta.
Betty sorriu e olhou para Erika, que parecia um pouco abismada.
Coloquei minha xícara no pires e disse para ela:
— Ah, não me leva a mal, não é grosseria. É que eu realmente não me
importo. Se você está ok com a minha presença e vocês dois estão tranquilos
um com o outro, tá tudo tinindo de perfeito. Sério. Mas, se você quer me
contar, eu sou toda ouvidos. Me diz, você achou um homem mais gostoso
que o Segurança? Me passa o telefone dele, quando se cansar?
Erika piscou algumas vezes e começou a rir.
— Você é uma figura, Lena. Não, eu ia dizer que nós dois
terminamos porque é difícil misturar trabalho e romance. A gente acabava
não relaxando um com o outro, então a coisa esfriou e a gente parou de se
ver. Ocasionalmente, nós saíamos juntos, mas eu conheci um cara, comecei a
sair com ele, então Gabriel se afastou, e tudo ficou por isso mesmo.
Olhei para ela, impressionada. O mesmo acontecera, de certo modo,
comigo e Sophia quando ela voltou para a Wings. Nós até pensamos em ter
algo casual, mas vimos que não daria certo, e So-So começou a namorar a
assistente, Pâmela, logo em seguida. Comentei isso com Erika, que sorriu e
disse:
— Sortuda é a Betty, que agora trabalha com a namorada e dá tudo
certo.
Betty corou e nos corrigiu:

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— Ah, mas não somos namoradas... Temos uma amizade com...


benefícios.
Tanto eu quanto a guarda-costas de Betty erguemos uma sobrancelha.
A vocalista e a baixista da Sissy Walker nunca admitiam que eram loucas
uma pela outra, ficavam sempre nesse papo besta de “amizade colorida”. Vira
e mexe Betty me chamava de cunhada, as duas viviam agarradas nos cantos,
se beijavam nos shows, mas, mesmo assim, afirmavam serem somente
amigas.
— Arram, a gente finge que acredita — comentei antes de morder um
pedaço da minha colher de chocolate.
Erika deu uma risada e corrigiu:
— Lena, essa colher é para misturar o café, não para comer...
Parei de chupar o restante da colher e expliquei:
— Não, vai deixar o café doce demais! Não aguento café muito doce,
tira o sabor todinho. Mascara o blend, fica uma porcaria.
Observei a expressão de Erika ir de impressionada para pensativa e
terminar em contente, mas não entendi de imediato o motivo e achei melhor
não perguntar. Provavelmente alguma teoria sobre mim e sobre Gabriel, era
óbvio.
Virei o corpo na direção de Betty e perguntei sobre coisas triviais,
trazendo Erika para a conversa, tentando tirar o segurança do assunto. Poucos
minutos depois, nós três engatamos nas mais variadas conversas sobre os
homens da banda, ex-namorados (e namorada, no meu caso), as parcerias
possíveis da Wings com a Sissy Walker e outra infinidade de assuntos.
Aquela tarde foi, sem sombra de dúvidas, o melhor dia de folga sem
Gabriel que eu tive em quatro semanas de turnê, e me peguei jurando que
arrastaria Erika e Betty (e Tony dorminhoca) para pelo menos um passeio por
cidade enquanto a turnê durasse.
Eram companhias maravilhosas demais para eu desperdiçar lendo a
Vogue no meu quarto fora do horário de trabalho.

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Presentinhos

Erika, Betty e eu retornamos ao hotel quase no fim do dia, cheias de


sacolas de compras de um monte de lugares além do brechó. A segurança,
apesar de dizer que não gostava de passeios de moda, acabou comprando um
monte de roupas. Betty também se empolgou e voltou cheia de peças novas.
Eu, entretanto, não comprei muita coisa além do que havia escolhido
no brechó de garagem. Precisei comprar os infames chaveirinhos de Torre
Eiffel, pois, segundo Anastácia, advogada da Wings, “se eu não levasse os
chaveiros, não poderia nunca dizer que fui uma turista completa”. Mas, fora
eles, comprei apenas uma linda prensa francesa e copos térmicos.
Assim que cheguei no quarto, arrumei tudo e fui tomar um banho.
Uma hora depois, alguém bateu na minha porta. Era Gabriel, que abriu um
sorriso ao me ver usando a roupa que sempre fazia par com a dele: camisa
branca e calça de pijama xadrez.
— Ocupada, Costureira?
— Não, mas menstruada. Pardon... — disse e dei um sorriso
desanimado.
Gab fez uma careta de tristeza, mas entrou no quatro assim mesmo.
— Tira o sapato na entrada — eu mandei e fui para a cama terminar
de arrumar as peças compradas no brechó.
— Fizeram compras? — ele disse, olhando o monte de roupas
dobradas e empilhadas na mesa de cabeceira do quarto.
— Sim! Tinha um brechó de rua cheio de coisas lindas, pertinho de
onde estávamos. Olha, essa blusa não é a cara da Erika?
— Não entendo nada de roupas, mas... Não tá meio grande não?
Revirei os olhos e dobrei a blusa de volta, indo guardar a pilha de
compras.
— Erika disse a mesma coisa, vocês esquecem que eu sou costureira,
é? Enfim, quer café? Comprei um copo térmico e pedi para um garçom do
restaurante encher até a boca. Acabei não tomando tudo...
— Sem açúcar? — ele perguntou, sorrindo.
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Fui pegar o copo com dupla vedação e todas as frescuras que me


custaram bem caro, mas que estavam valendo cada centavo.
— Óbvio. Toma — estendi o café para ele, que pegou e avaliou o
copo, sentando-se na minha cama, na beiradinha, quase de modo respeitoso.
— Bonito copo. É térmico mesmo?
— Sim! Não é incrível? A tampa é de rosquear, não pinga nenhuma
gota, olha — disse e virei o copo de cabeça para baixo em cima dele, rindo ao
ver sua expressão chocada. — Teste de confiança, hein, Segurança? Toma, é
só apertar aqui e ele abre.
Voltei a guardar as roupas enquanto olhava Gabriel beber o café e
voltar a analisar o copo.
— Gostou, Gab?
Ele me olhou e deu um pequeno sorriso antes de responder:
— Sim, bastante. Achei prático. Onde você comprou? Acho que vou
comprar um para mim...
Soltei o ar pelo nariz rapidamente, numa risada contida, peguei minha
bolsa do chão, tirando uma caixa de papelão colorido com o desenho do copo
estampado.
— Imaginei que você ia querer, comprei dois. Quer preto ou azul?
Gab ergueu as sobrancelhas e me olhou com uma certa surpresa no
rosto.
— Bom, não vai escolher, então eu fico com o preto. Já usei mesmo
— disse e joguei a caixa para ele, que pegou no ar e me olhou de novo.
— Ah... Obrigado.
— Nah, não precisa agradecer. Foi ideia da Erika, eu pensei que você
poderia gostar, mas não quis trazer porque não queria que você pensasse
que... Enfim, ela disse que você não ia pensar besteiras sobre meu presente.
Como ela é sua ex, confiei nela.
Gab engasgou de leve com o café que bebia, me fazendo rir dele.
— Ai, gente, homem é uma coisa muito engraçada, né? Não precisa
ficar chocado, Gabriel, ela só me contou sobre vocês, não marcou um
encontro a três... Bem certo que eu tentei, mas ela é hétero, né? — eu disse

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tranquilamente, tentando conter meu cabelo em uma trança.


Gabriel abriu a boca para responder, mas acabou desistindo no meio
do caminho.
Homens...
— Vou te falar um negócio, eu adoro meu cabelo do jeito que está,
grande e cacheado, mas tá me dando um trabalho do capeta na viagem, viu?
Ele tá meio rebelde por causa das mudanças de clima e tá perdendo a forma...
— eu comentei enquanto tentava dar volume aos meus cachos.
— Seu cabelo tá lindo, Lena, não vejo diferença nenhuma — Gabriel
disse antes de beber o resto do café, parecendo aliviado com a mudança de
assunto.
— Ah, você diz isso porque quer entrar no meu sutiã, Segurança. Mas
ele realmente tá me dando trabalho, estou pensando seriamente em fazer
algo... — comentei, pensativa, e fui ao banheiro escovar os dentes.
Quando voltei, Gabriel estava em pé, olhando a caixa do copo térmico
que comprei para ele, como se buscasse alguma informação.
— Que foi? Prefere a outra cor? — perguntei enquanto me
espreguiçava. O dia de turista tinha me deixado cansada.
— Não, tanto faz. Estava procurando alguma etiqueta de preço.
Estava alongando os braços quando ouvi ele dizer aquilo, mas parei o
que estava fazendo e logo levei as mãos à cintura.
— E posso saber o motivo, Segurança?
Gabriel me olhou, meio distraído, e respondeu:
— Não, por nada, só queria te dar o valor...
— Ué, por quê? Não falei que era presente?
— Mas, Lena, eu...
— Você o quê? Consegue imaginar quanto eu estou recebendo para
estar aqui? — perguntei com a voz mais calma que consegui.
— Oi? Sim, consigo... — respondeu com as sobrancelhas franzidas,
tentando entender onde eu queria chegar com aquilo.
— Já viu a quantas anda a Wings?
— Eu... — Gab tentou dizer, mas eu o interrompi:
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— Anda muito bem, senhor Gabriel. Muito bem mesmo. Eu tenho


dinheiro, Segurança, mais do que eu posso ou quero gastar. Não quero soar
grosseira, mas eu preciso que você entenda uma coisa: não há necessidade de
me reembolsar de nada, nunca. Entendeu?
Cruzei os braços e aguardei a resposta de Gabriel, que me olhava com
curiosidade e um pequeno sorriso no rosto.
— Sim, Costureira. Desculpa, eu não quis insinuar alguma coisa...
— Eu sei que não quis, mas é bom deixar tudo bem claro. Se você não
quer ganhar presentes, então diz logo, porque eu adoro presentear todo
mundo. Não quer? — perguntei e me aproximei dele, o puxando pela camisa.
— Quero, fique à vontade para me dar qualquer coisa, não vou
reclamar — respondeu enquanto me abraçava pela cintura e beijava o canto
da minha boca.
— Que bom, era o que eu pretendia, comprar um monte de apetrechos
de café! É raro ver alguém que goste de cafeína como você, então eu nunca
pude comprar presentes sobre o tema, sabe? — respondi, animada.
— Sei, eu entendo você. Sou o único viciado em café na banda, fico
sempre sozinho nas buscas pelo grão ideal...
Quando Gabriel disse isso, eu estava prestes a beijá-lo, mas
interrompi o ato para exclamar, mais contente ainda:
— Eu também, Gab! Poxa, que bom, vamos encher nossa cara de café
nesses onze meses que faltam! Ah, eu comprei uma prensa francesa linda,
quer ver?
Gabriel fechou os olhos e me deu seu sorriso derrotado de quando eu
interrompia qualquer coisa relacionada a sexo, mas não reclamou quando eu
me afastei e fui buscar minha nova cafeteira.
No final, acabei descendo para pedir água quente no restaurante do
hotel, fiz café no quarto, na prensa, e passamos várias horas conversando
sobre calças de gosto duvidoso, fotografias com poses esquisitas e nosso
segundo vício preferido.
O primeiro, nós nem comentamos. Afinal, meu útero resolveu
estragar meus planos em Paris, então era bom que a gente não se provocasse
tanto.

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De qualquer maneira, o próximo país era a Suíça, local de vários


shooting ranges formidáveis, onde eu mostraria ao Segurança que não era
somente ele que sabia pegar numa arma.
Meus instintos diziam que muitos sexos maravilhosos seriam feitos
naquele país depois disso.
Amém.

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Zurique

Os shows no estádio em Zurique foram maravilhosos. O público


estava exultante, a banda animada e tudo correu perfeitamente bem com os
figurinos. Pierre arrasou nos penteados e maquiagens, então não houve um
único membro da banda que não estivesse deslumbrante.
Ô, bicho talentoso!
Quando os shows terminaram, Ricky Tiozão da Sukita nos deu um dia
e meio de folga antes da viagem para a próxima cidade, Bruxelas, na Bélgica.
Feliz da vida, subi até meu quarto, tomei um banho rápido, organizei minhas
pesquisas de tendência e peguei meu notebook, já montada no desejo de
arrastar Gabriel para um shooting range e provar que também sabia manejar
uma Glockinha.
Fiz umas pesquisas rápidas sobre clubes de tiro e descobri que a
quantidade de locais ao redor de nosso hotel onde eu poderia alugar uma
arma e fuzilar um modelinho de papel era enorme. Era quase um para cada
vilarejo, cada um com suas regras e preços.
Que país curioso é a Suíça...
Escolhi um indoor que trabalhava apenas com pistolas e que tinha
regras mais suaves para estrangeiros. Agendei tudo por telefone, toda
empolgada. Iria mostrar a Gabriel que não eram só seguranças de coração
gelado que tinham boa pontaria. Costureiras de coração alinhavado também
tinham, e como tinham.
Minha segurança murchou quando me lembrei que não pegava em
uma arma para atirar havia uns bons anos, enquanto Gabriel pegava em uma
diariamente e fora treinado para isso. Esqueci desse detalhe.
Imediatamente saquei meu celular e iniciei uma chamada de vídeo.
— Olá, Maria, minha pequena! Como estão as coisas aí? Onde você
está? — meu tio exclamou, parecendo genuinamente contente ao falar
comigo.
Em geral, ele era tão sombrio e esquisito ao telefone, que não resisti e
soltei uma risada ao ver o velho rabugento feliz.

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— Oi, tio! Estão ótimas, e aí? Eu estou na Suíça!


Meu tio arregalou os olhos e abriu um sorriso imenso.
— Suíça? Eles têm clubes de tiro incríveis aí!
— Eu sei, tio, eu vou em um em breve.
— Essa é a minha Mariazinha! Sabe que a Suíça é o segundo melhor
país para se ter porte e...?
Sorri e quase rolei os olhos enquanto ele disparava a falar sobre
pistolas, calibres, fuzis... Mais armamentista impossível! Ô homem louco!
— Tio, não querendo te interromper, mas já interrompendo, é
exatamente sobre isso que eu queria falar. Você tá ocupado?
— Não, pode falar, pequena!
Sorri satisfeita e perguntei:
— Tem como você bater um papinho comigo, só para eu lembrar um
pouco de algumas coisas sobre Glockinhas e suas amiguinhas?

***

Horas depois, estávamos indo, Gab e eu, para o clube: eu, exultante,
ele, não tão animado assim.
— Gab, o moço no telefone me disse que eles só trabalham com
pistolas, mas caso você queira outro tipo de arma, você pode levar, contanto
que assine um formulário imenso e...
— Você gosta tanto de armas assim, Costureira? — ele me perguntou
com a voz séria.
— Não, gosto da ideia de sair com você e mostrar que eu sei mais do
que apenas segurar sua arma! — respondi, risonha. — Ó, acho que é ali,
vamos entrar?
Gab torceu os lábios, mas entrou atrás de mim no shooting range.
Meia hora mais tarde, depois de assinar uma papelada sem fim,
escolher as pistolas e pegar os protetores de ouvido, fomos levados até uma
espécie de sala reservada, com apenas algumas divisórias e bancadas. O
instrutor que nos acompanhava nos perguntou se aquele ambiente estava
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bom, e eu respondi por nós dois que estava ótimo. Olhei ao redor e vi que era
tudo no estilo industrial, com paredes de tijolos, canos aparentes e suportes
de luminárias feitos de metal. Muito bonito e aconchegante.
Fui até as divisórias, ajeitei os protetores de ouvido e peguei a pistola,
toda saltitante e contente.
— A senhorita precisa de auxílio em algo? — o instrutor perguntou
quando eu peguei a arma e a destravei.
Confusa, olhei para ele e perguntei:
— Eu? Por que precisaria?
— A senhorita parece hesitante ao pegar nessa arma, se me permite
dizer... — ele explicou, meio tímido. Dei um sorriso compreensivo e
expliquei:
— É que eu não pego em uma dessas há um tempo... Mas não se
preocupe, eu sei manusear essa coisinha aqui. Não leu o formulário e o termo
de responsabilidade que eu assinei? Eu não estaria aqui se não soubesse
segurar uma arma, querido.
O homem engoliu em seco e me pediu desculpas, se afastando em
seguida e me deixando sozinha com Gab.
— Pobre homem... Viu a cara de terror dele? — perguntou Gabriel
com um pequenino sorriso enquanto se posicionava em sua divisória ao meu
lado, checava o pente da pistola e, sem hesitar, descarregava a arma no alvo
ao fundo, até ficar sem balas.
Meu queixo caiu. Filho da mãe, ele não era bom, ele era perfeito!
Soube reter o tranco como ninguém e não errou um tiro. O pobre papel com o
alvo veio até nós arrastado por um gancho mecânico, e eu arregalei os olhos
ao ver que apenas um tiro não foi na cabeça ou no peito.
— Meu Deus, Gab!
Ele me olhou de canto de olho por um momento e deixou a pistola em
cima da bancada enquanto eu tirava os protetores.
— Você é muito, muito bom nisso! Nem colocou os protetores! Como
você pode ser tão...
— É minha obrigação, Lena — ele disse com seriedade e me olhou
enquanto eu abaixava a arma, chocada demais para falar algo coerente.
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— É, eu sei, mas nenhum erro?


— Não, eu errei um. Foi no ombro, aqui, não viu? — ele apontou para
o papel furado.
Uau, ele diz que errou um tiro porque não acertou na cabeça ou na
porcaria do tronco. Mas, ainda assim, todos os tiros foram no alvo!
Não queria necessariamente disputar o cargo de melhor atirador da
Sissy Walker, é óbvio, mas queria mostrar que era boa e também queria me
divertir. A julgar pela expressão de Gab, não havia nada de divertido naquela
tarde. Achei que ele ia se animar quando eu conseguisse mostrar algo, mas...
— Não vai atirar?
Balancei a cabeça e ergui a arma, pensando no que fazer. Atirava logo
e desistia do tempo restante ou tentava fazer a hora valer a pena? Estava
cogitando a possibilidade de desistir do tempo restante no shooting range,
quando Gabriel começou a me instruir:
— Costureira, ajeita a postura e segura a arma direito. Se você não
apoiar sua mão aqui, o coice...
Ah, desgraçado, ainda vai querer me dar aula? Não quer usar minha
dignidade como alvo móvel também?
Ignorei o que ele dizia e me lembrei das instruções do meu tio:
“Se vai atirar para impressionar, atire com raiva. Você só costuma
acertar quando está totalmente concentrada ou irritada, lembra? Visualize
aquele jovem repugnante que tentou te atacar quando você era menina,
espalhe seus miolos pelo range, como eu deveria ter feito naquela época com
ele!”, disse meu tio quase com um grito triunfante no fim.
Credo, meu tio era muito, mas muito sinistro. Mas a dica fora valiosa,
pois eu estava decepcionada com o insucesso de minha tarde, e transformar a
decepção em raiva foi rápido quando me lembrei dos homens babacas que já
ousaram encostar em mim sem meu consentimento.
Sem hesitar, apontei a arma e descarreguei tudo no alvo, pensando
claramente no rosto de Alexandro e no de Rodrigo. Não fui bem na primeira,
então fiz força para me lembrar da sensação nefasta dos lábios deles forçando
os meus e não hesitei antes de recarregar a arma e disparar de novo.
Gastei todas as balas de uma vez e me dei por satisfeita quando o

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instrutor veio até nós dois e mirou o alvo sendo trazido por um gancho
metálico. O rapaz me olhou, tentando fingir que não estava transtornado com
minha mira.
— Ahn... Os senhores gostariam de mais munição?
— Não, obrigada, estou feliz! Posso ficar com os papéis?
O homem assentiu com a cabeça e disse que ia prepará-los. Sorri à
guisa de agradecimento e olhei pela primeira vez para Gabriel, que estava
extremamente sério.
— Gab? — perguntei, preocupada ao vê-lo encarar o papel alvejado.
— Você mirou ali ou foi um acidente? — perguntou, apontando para
a parte baixa do alvo de papel.
— Não, mirei ali mesmo, por quê? Eu mirei na cabeça antes, mas
errei a primeira leva viu? Aí me concentrei no Alexandro e no Rodrigo e
pronto. Acertei tudo no lugar certo. Esse papel nunca vai procriar, se
depender de mim — comentei e dei de ombros.
— É, eu notei... Parabéns, Costureira, você tem uma boa mira. E sabe
canalizar bem sua raiva. Aliás, quem é Rodrigo? Alexandro eu me lembro, é
o cara que te agrediu no bar, mas Rodrigo...?
Ops. Esqueci que não contei para ele essa parte da minha história.
Abri a boca para responder, mas o instrutor voltou com os papéis
enrolados e me entregou, me informando que eu deveria assinar outra
papelada de liberação e devolução das pistolas.
Segui o instrutor, me sentindo meio apreensiva de ter que falar com
Gab sobre algo que eu não revisitava há mais de dez anos. Além disso,
Gabriel estava muito sério, o que me deixou incomodada. Será que eu me
precipitei ao chama-lo para o clube? Fiz a mesma besteira de Paris?
Não sei muito bem o protocolo para relacionamentos como o meu e
de Gab. Não somos necessariamente amigos, mas não somos namorados,
somos colegas de trabalho que dormem juntos, então... Não sei bem como
agir nesses casos de “coleguismo colorido”.
— Gab, vamos tomar um café? — perguntei de forma vacilante
depois que acertamos tudo e pegamos nossos casacos para sairmos do clube.
Sorri ao ver a expressão de Gabriel relaxar com a sugestão.

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— Vamos, viciada. Sabe onde tem um?


— Não, mas algum taxista deve saber. Vamos procurar um táxi.
Fiz menção de atravessar a rua, mas Gab me puxou pelo braço, me
trouxe para perto e me beijou, colocando as mãos nas laterais do meu
pescoço. Pisquei, surpresa, por um segundo, mas fechei os olhos, deixando os
alvos de papel caírem no chão enquanto retribuía o beijo, passava meus
braços ao redor de sua cintura e me agarrava nas laterais de seu sobretudo.
Prendi a respiração quando sua língua abriu passagem pelos meus
lábios e encontrou a minha. Gab me segurou pela nuca e me trouxe para mais
perto, me fazendo apoiar na ponta dos meus coturnos para alcançar sua boca
sem que ele precisasse se curvar sobre mim.
Não sei de onde veio essa vontade toda, mas ela é muito bem-vinda!
Tirei as mãos de sua cintura e subi pelo seu peito, enlaçando meus
braços ao redor de seu pescoço, enquanto Gab descia as mãos de meu
pescoço pelos meus ombros, minhas costas, parando em minha cintura. Em
seguida, me abraçou com força, quase me erguendo do chão.
Colei mais ao seu corpo enquanto aprofundávamos o beijo e forcei
seu rosto para perto, apertando meu abraço em seu pescoço. Gabriel puxou
meu cabelo, que estava preso em uma trança apertada, e me fez parar de
beijá-lo para poder se enterrar no meu pescoço. Fechei os olhos enquanto
sentia seus lábios na minha pele, mas abri assim que ouvi um resmungo de
um pedestre incomodado que passou ao nosso lado.
— Gab... A gente tá no meio da rua... Gabriel... — disse sem muita
firmeza na voz quando sua língua se juntou à exploração do meu pescoço.
Quando senti seus dentes no lóbulo da minha orelha e um pequeno
gemido escapou de minha garganta, o bom senso falou mais alto, e eu soltei
Gabriel e o empurrei de leve com as mãos.
— Prisão por atentado ao pudor é uma realidade na Europa, Gabriel...
— disse enquanto enxugava meus lábios com as costas das mãos.
Gab me olhou com o rosto sério, a respiração ofegante e os lábios
entreabertos.
— Café — ele disse simplesmente, e eu balancei a cabeça
concordando.

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Pegamos um táxi, e Gabriel perguntou ao motorista se ele conhecia


uma cafeteria próxima. O taxista, um senhor simpático, disse que conhecia
não somente um café, mas sim o melhor de todos, e prometeu que nos levaria
o mais rápido possível.
Gab agradeceu e em seguida se virou para mim e voltou a me beijar.
Fiz um esforço absurdo para não corresponder do jeito que queria e tirei suas
mãos de cima de mim, mantendo apenas nossas bocas juntas. Um show
erótico particular não estava nos meus planos na Suíça. Gabriel entendeu meu
gesto e parou de me beijar, não sem antes morder meu lábio.
— Não sei se já falei isso antes, Segurança, mas você ainda vai me
enlouquecer... — comentei em voz baixa antes de virar o rosto e olhar pela
janela. Ouvi sua risada baixa e sorri, já meio enlouquecida.

***

Quando saltamos do táxi, meia hora depois, e entramos na cafeteria,


sorri, satisfeita, mas não pude deixar de comentar:
— Me lembra muito a Manon...
— Manon? O que é Manon? — Gab me perguntou enquanto nos
sentávamos em poltronas no final do café, um ao lado do outro.
— Uma cafeteria muito antiga que fica no Centro do Rio de Janeiro.
Acho que existe desde 1940 ou algo assim. É menos chique do que essa, mas
também tem o contexto histórico daqui, entende? O taxista não comentou que
foi frequentada por pessoas famosas? A Manon também era. Carlos
Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, esses caras, todos iam lá, sabe?
Gabriel balançou a cabeça concordando e largou o cardápio para me
ouvir. Um sorriso divertido brincava em seus lábios quando eu prossegui:
— Quando eu era mais nova, o local que eu mais amava no Rio era a
praia de Copacabana. Mas agora eu me apaixonei pelo Centro do Rio, onde
fica o escritório da Wings. É cheio de prédios antigos, sobrados tombados
pelo patrimônio histórico e cafés e confeitarias maravilhosas — comentei
enquanto olhava o menu. — Os cafés que eu provei lá deixam qualquer um
desses que a gente tomou até agora no chinelo. A Manon mesmo, eles fazem
um café Iris, que só você provando para entender. Ah, o café com conhaque
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deles também é ótimo. Mas é meio forte para o Rio de Janeiro.


Olhei para Gab, que ainda sorria.
— Eu gosto de café forte, então para mim é sempre vantajoso
encontrar um lugar desses.
— Ah, não, mas se for para te levar num lugar maravilhoso, eu
preciso te levar na Confeitaria Colombo. As bebidas são de enlouquecer! E a
vantagem é que é pertinho do Cinema Odeon, que eu adoro. Ah, eu vou
querer esse tal de café melánge. Nem sei o que é, mas gostei do nome.
Gab fez nossos pedidos e voltou sua atenção para mim momentos
depois.
— Como é o nome do cinema que você disse que gosta?
— Cinema? Ah, sim, Odeon. Por quê?
— Porque é o nome dessa cafeteria, não notou quando entramos? —
apontou para um guardanapo com o nome do estabelecimento.
Olhei para o papel e ergui as sobrancelhas, encantada com a
coincidência.
— Olha, não tinha percebido! Adoro coincidências! Aliás... Onde eu
deixei os rolos de papel fuzilados...? — perguntei quando olhei ao redor e
senti falta deles. — Droga, eu deixei cair no chão quando você me beijou e
esqueci de pegar! Será que se eu voltar lá, eles ainda vão...?
— Deixa, Lena, eram só alvos de papel — Gabriel me interrompeu
com a voz cansada, como se minha empolgação com aquilo tudo o deixasse
entediado ou desconfortável.
Murmurei um “ok”, mas não insisti no assunto, já que momentos
depois recebemos nossos pedidos, que consistiam em apenas café. Dei uma
olhada em minha xícara, que mais parecia uma caneca, de tão grande, e
comentei:
— Ah, café melánge é um café com chantili por cima? Que sem
graça, eu duvido que seja diferente dos que eu já tomei... — reclamei antes de
beber um gole, mas assim que o senti em minha língua, mudei de ideia.
Era um dos cafés mais incríveis que eu já tinha tomado. Aveludado,
com corpo, acidez e suavidade na medida certa. Havia notas de alguma coisa
que eu não soube identificar, mas que era maravilhoso. Caramelo?
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Amêndoas? Que blend incrível é esse, meu Deus do céu? Não consegui
conter um suspiro e fechei os olhos enquanto saboreava o líquido
maravilhoso que descia pela minha garganta.
— Lena...? O que tem nesse café que está te causando esse prazer
todo? — Gabriel me perguntou com diversão na voz.
— Shh, não fala nada. Não estraga esse momento... Me arruma um
cigarro, que eu acho que cheguei no Nirvana... — eu respondi de olhos
fechados antes de beber mais um gole. — Meu Deus, o que é isso? É incrível
demais! Devia ser um elogio... “Você é tão melánge”, ou seja, “você é
gostoso demais para ser real...”
Gabriel começou a rir e, pelo som produzido, repousou sua xícara no
pires. Abri os olhos e sorri em êxtase.
— Deixa eu provar essa maravilha toda — ele pediu e estendeu a mão
para pegar meu café, mas eu dei um tapinha nela e afastei minha caneca.
— Compra o seu, Segurança folgado — bebi uma golada imensa e
sorri quando ele entortou os lábios para mim — Toma, é o máximo que eu
vou te dar do meu melánge.
Puxei Gab pelo casaco e o beijei, sentindo o gosto do seu nistretto,
um tipo de café que era doce até o grão! Afastei o rosto por um segundo.
— Ué...? Café doce?
Gab sorriu e deu de ombros antes de responder:
— Queria experimentar. Mas o seu é melhor, sem sombra de dúvidas,
ainda que seja doce também... — ele disse antes de voltar a me beijar.
Passei as mãos pelos seus cabelos e o beijei até sentir vontade de ir
embora, o que aconteceu pouquíssimos minutos depois. Interrompi o beijo
aos poucos e mordi seu lábio antes de soltá-lo e voltar para meu café.
— Costureira... Por que você faz isso? — reclamou com os olhos
brilhando de desejo.
— Porque é injusto que só eu me comporte como uma tarada ao seu
lado. Toma, prova antes que esfrie — ofereci minha xícara gigante para ele,
que aceitou e bebeu rapidamente.
— É gostoso, mas na sua boca é melhor.
Ergui as sobrancelhas e sorri.
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— Imagina como seria no meu corpo? Não é muito habitual, mas não
somos exatamente o que chamariam de comuns, somos?
Gabriel me deu um meio sorriso e inspirou antes de responder:
— Costureira, para de me provocar...
— Senão o quê? Vai me deitar aqui, no meio da cafeteria e fazer a
mesma coisa que fez comigo ontem? Acho que não, né? Como eu disse,
atentado ao pudor dá cadeia, e eu duvido que eles vão ter a consideração de
nos colocar na mesma cela pra que a gente possa continuar o que começou.
Gabriel fechou os olhos por um momento e sorriu, como se estivesse
avaliando as possibilidades do que poderíamos fazer quando chegássemos ao
hotel.
— Não pensei em fazer exatamente o que fiz ontem, mas há outras
coisas que podem ser feitas em local público, Costureira. Não sei se você
lembra, mas eu sou o chefe de segurança. Se tem algo que eu sei fazer é
encontrar pontos cegos em câmeras e locais de acesso.
Parei de beber meu melánge para olhar para ele. Ideias, muitas ideias
pareciam passar por sua cabeça.
— E isso significa, exatamente...? — perguntei, os olhos fixos nos
dele.
— Que não necessariamente precisamos correr para o quarto toda vez
que bater vontade. Há muitas escadas em hotéis — ele sugeriu e bebeu seu
café com toda a tranquilidade, com os olhos fazendo uma varredura pelo meu
corpo, como se avaliasse as possibilidades do que poderia ser feito apesar das
minhas roupas.
Minha mente ferveu de ideias de todos os tipos. Sim, fazia todo o
sentido do mundo. Bem ou mal, tendo uma parede e um mínimo de
privacidade, Gabriel e eu poderíamos fazer qualquer coisa em qualquer lugar.
Isso seria excelente, não posso negar.
— E se alguém da banda nos pegar no flagra, Gab? Diego, por
exemplo. Eu acho que é meio que missão dele conseguir material explícito
nosso... Tenho escondido nossas fotos com afinco por causa disso, por sinal.
Ele deu de ombros diante de meu comentário, com um olhar
despreocupado.

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— Não seria a primeira vez que alguém nos pega no flagra, creio que
não vai ser a última. E eu acho que estou velho demais para ligar a mínima
para as piadas do Diego sobre minha vida sexual, não acha?
— Hm... Sim, faz sentido... Eu não sou exatamente exibicionista, mas
se você me garante que dá para a gente brincar fora do quarto sem ir parar
depois no RedTube, então eu topo qualquer coisa... — disse e sorri para ele.
— Agora, mudando de assunto, porque eu estou com tesão, mas não posso
ficar...
Gabriel sorriu, como se achasse graça do efeito que exercia em mim.
Eu não precisaria checar o perímetro dele para saber se estava com vontade
de me arrastar para o banheiro mais próximo e praticar um pouco de sexo
artesanal em mim. Era óbvio em seu rosto.
— Enfim, me desculpa por ter te levado para o clube de tiro, assim, de
supetão... Achei que você ia se divertir, mas não foi bem o que aconteceu,
não é?
Gabriel respirou fundo e voltou a tomar seu nistretto antes de
responder. A tensão sexual se dissipou como fumaça.
— Saber atirar não é exatamente motivo de felicidade, Lena. Quero
dizer, é fundamental que eu saiba, e eu sei que sou o melhor no que faço, mas
isso não significa que seja agradável saber que sou ótimo em mirar e
atravessar crânios com precisão.
Estava levando a caneca aos lábios quando ele falou isso e acabei
parando o ato no meio do caminho. Não tinha pensado por esse lado... Acho
que de tanto ouvir que Gabriel era frio e direto em sua profissão, nunca me
dei conta de que aquilo poderia ser algo não tão... prazeroso quanto eu
poderia imaginar.
A minha profissão era motivo de prazer para mim, mas isso não
significava que todas as profissões também seriam para seus profissionais.
Em especial quando envolvesse... bom... balas, sangue e morte.
Acho que eu preciso tomar uma dose de bom senso, não de café...
— Desculpa, Gab... Eu não pensei nisso... Prometo que vou te
consultar no próximo programa de turista antes de sair marcando tudo, ok? —
disse e levei a caneca à boca, sujando a ponta do meu nariz e meu lábio
superior de chantili.

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— E quem disse que eu vou querer fazer outro programa de turista


com você? — Gabriel perguntou com o rosto sério.
Peguei o guardanapo para limpar direito o rosto, mas empaquei com a
resposta de Gab. Imediatamente senti um rubor se espalhar pelo meu rosto e
lambi o lábio, olhando para o lado oposto enquanto tentava esconder meu
embaraço.
Eu realmente achava que, apesar do fracasso no clube de tiro, nossas
saídas esporádicas eram divertidas e que ele apreciava a minha companhia.
Não sou de ficar chateada com esse tipo de rejeição, mas a de Gabriel me
ardeu como um tapa, mesmo que provavelmente tenha sido uma brincadeira.
— Lena? — ele me chamou com a voz divertida quando eu olhei para
o estofado vermelho do sofá — Lena, eu estou brincando. Lena, olha para
mim...
Peguei minha bolsa e procurei meu celular, fingindo que ele estava
tocando. Tirei minha carteira, minha câmera e o smartphone. Por sorte, havia
uma mensagem não lida de Sophia, então eu ergui a mão para Gabriel, o
impedindo de se aproximar mais, como pretendia. Li a mensagem e gravei
um áudio em resposta, alertando sobre um post ruim do estagiário nas redes
sociais.
Guardei o celular na bolsa, peguei a câmera para guardá-la e enxuguei
os lábios com as costas da mão esquerda, tentando tirar o resto do chantili
que teimava em ficar na boca. Gabriel me puxou pelo braço e me fez olhar
para ele.
— Ei, Costureira, era brincadeira, não precisa demitir o pobre do
estagiário... Por que pegou a câmera? Tem mais alguma coisa que você
queira fazer pra fingir que não está querendo me dar um chute? — perguntou,
tentando não rir.
— Preciso demitir o estagiário sim, ele é um idiota de qualquer
maneira. E é melhor eu descontar nele do que em você, não? — perguntei
olhando para minha caneca e virando o rosto para longe da câmera que Gab
apontava para mim. — Se tirar uma foto minha com essa cara de bunda, eu
juro que jogo fora as suas gravatas e substituo todas por novas com estampa
de patinhos de borracha.
Gabriel deu uma risada alta, mostrando quão divertido para ele aquilo
tudo era. Desgraçado, eu só queria me esconder embaixo da mesa. Eu devia
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estar da cor do cabelo de Tony.


— Falo sério, seu idiota. Jogo tudo no lixo e te obrigo a usar gravatas
ridículas até março do ano que vem. Solta minha câmera, seu segurança
idiota... — reclamei, tentando não sorrir. Era óbvio que ele estava brincando,
mas eu estava sem graça demais para ser sensata.
— Ok, uma foto só e eu prometo deixar você demitir todo mundo na
sua empresa, queimar todos os meus ternos e pegar minha Glock e pintar de
rosa berrante. Quer? — Ele pediu, a diversão nítida na voz.
Filho da mãe.
Soltei minha xícara de café e olhei para ele, esperando que ele me
fotografasse de uma vez. Gabriel, no entanto, me puxou para perto, passando
a língua no meu lábio superior e tirando o restinho de chantili que eu tentava
limpar e não conseguia, de tão sem jeito que estava.
— Você bebe coisas com chantili que nem uma criança, se suja toda...
— ele brincou contra meus lábios antes de me beijar.
Dei um sorriso a contragosto e tirei suas mãos de mim, interrompendo
o beijo.
— Você diz isso porque é um velho de sessenta anos amargo e
rabugento. Não vai tirar o raio da foto? — perguntei com um pequeno sorriso
intruso no rosto.
Gab sorriu e voltou a tomar seu café, e só então eu vi que ele já tinha
tirado uma foto. Peguei a revelação na mão e entortei os lábios. Que cafona,
uma selfie de beijo.
Quantos anos Gabriel tem, dezessete?
— Aproveitando que você já está meio irritada — ele disse quando eu
voltei minha atenção para meu café, ainda brigando contra o mínimo sorriso
no rosto pela travessura dele. — Não quer me contar quem é Rodrigo?
Meu pequenino sorriso se transformou numa grande careta ao ouvir
aquele nome. Não era como se eu ainda tivesse ódio profundo do cidadão,
mas também não era como se eu gostasse dele.
— Precisamos falar sobre isso? Já não estouramos a cota de
momentos desconfortáveis do dia? — perguntei antes de tomar o resto do
meu café e comer o pequeno chocolate que vinha junto. — Nossa, esqueci da

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fama do chocolate suíço... É realmente delicioso...


— Não, não precisamos falar sobre isso. Só fiquei curioso, já que
você praticamente castrou o alvo de papel e depois disse que se lembrou
desse cara. Toma, come o meu — ofereceu e empurrou seu chocolate para
mim.
Peguei a pequena embalagem e agradeci, hesitando antes de explicar
quem era aquele piolho.
— Rodrigo foi... um dos Alexandros que passaram por mim, um dos
homens que me agrediram em algum momento de minha vida — respondi
enquanto abria o chocolate e mordia um pedacinho.
— Sei... O que ele fez? — Gabriel perguntou, já sério. O humor de
segundos antes se esvaiu com uma incrível facilidade, e eu imaginei que ele
já desconfiava das ações de Rodrigo.
Girei a caneca na mesa e virei o corpo para Gabriel enquanto olhava
em seus olhos e buscava as palavras certas.
— Hm... Como eu posso dizer sem que você queira usá-lo de alvo do
mesmo jeito que eu fiz com aquele papel?
O rosto de Gabriel ficou rígido, suas sobrancelhas se uniram e seu
maxilar se travou de tal modo que eu temi pela sua saúde bucal. Nem parecia
o mesmo Gabriel que estava rindo do meu constrangimento por uma piada
minutos antes.
— Bom, vou resumir: ele me seguiu no banheiro da igreja que meus
pais frequentavam e aproveitou que estava acontecendo uma festa no local
para me agarrar.
— À força?
— Sim.
Uma pequena veia saltou no pescoço de Gabriel. Achei de bom tom
escolher melhor as palavras, antes que ele pegasse um voo para o Brasil e
fuzilasse o Rodrigo de verdade.
— E o que esse animal fez?
— Me agarrou.
— Só isso?

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— Não.
Gabriel fechou os olhos por uns instantes, e eu deixei que ele se
controlasse antes de explicar:
— Ele tentou... bem... Você deve imaginar o que ele pretendia. Mas
não conseguiu. Eu mordi o lábio dele, gritei o nome e sobrenome do meu pai,
para não ter dúvidas, e o enfrentei. Papai apareceu segundos depois e quase
matou o moleque na porrada.
— Uma pena seu pai não ter completado o serviço — Gabriel disse
com o rosto fechado, e eu achei melhor não dizer nada. — O que ele
conseguiu fazer além de te beijar? Pode me dizer?
— Posso, claro que posso. Ele... deixa eu lembrar os detalhes... Ele
me pressionou contra a parede, me deu um chupão imenso no pescoço,
prendeu meus pulsos... Não me lembro se ele me bateu, acho que não
conseguiu... Puxou meu cabelo, forçou uma quantidade nojenta de beijos...
Mas ele teve o que merecia. Meu pai se encarregou disso.
— O que seu pai fez com ele?
— Quase o matou na porrada, ué, acabei de dizer. Foram uns três
dentes e duas costelas quebrados. Em quatro ocasiões diferentes. Não sei
como os pais dele não registraram queixa contra o meu. Acho que estavam
tão chocados com o que o filho tinha feito, que acharam merecido. E era
mesmo. Imagina o que meu pai não teria feito com Alexandro... — disse
baixinho, tentando não deixar as lembranças me afetarem.
— Seus pais não sabem sobre a agressão na Lyubov?
— Não. Achei melhor não contar, eles estão velhos, seria uma
preocupação a mais. Só o caso do Rodrigo já fez a pressão do meu pai subir
horrores, imagina se soubesse que um cara levou sua filha para o hospital na
base da porrada?
— Entendo... Mas é estranho... Não me lembro de ter lido nada sobre
isso na sua ficha... — Gabriel disse mais para si mesmo do que para mim.
Pela segunda ou terceira vez no dia, interrompi o ato de levar meu
café à boca para olhar para Gabriel com assombro ou surpresa.
— Na minha...? Você olhou algum tipo de ficha minha? Tipo ficha
policial, coisas assim? Quando você olhou isso, seu psicopata stalker? —
perguntei, tentando conter uma risada.
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Gab fez uma careta ao perceber que falou demais e girou a xícara nas
mãos antes de responder:
— No dia em que nos conhecemos, quatro anos atrás. Precisava saber
quem era você e quem era a sua amiga, Luciana. Vocês entraram de penetra
no show, era minha função saber se vocês eram ou não terroristas ou fãs
psicopatas, não é?
Dei uma risada alta, sentindo meus músculos faciais relaxarem, e
puxei Gabriel pelo braço para perto de mim.
— Seu babaca! Eu não entrei de penetra! Por que nunca me contou?
Aliás, o que estava escrito lá?
— Sua profissão, seu registro de profissional autônoma, informações
sobre a Wings, o registro de sua queixa contra Alexandro, sua idade, essas
coisas — explicou e continuou girando a xícara nas mãos, como se estivesse
meio sem jeito.
Confusa, soltei seu braço e tentei entender algo que não me passou
desapercebido:
— Ué, então você já sabia da agressão quando eu te contei naquele
parque?
— Não, não. Eu não li detalhes da queixa, apenas vi que houve um
boletim de ocorrência contra alguém. Como foi você quem abriu, e não
abriram contra você, não me aprofundei. Depois que você me contou, eu pedi
para Erika uma ficha mais detalhada sobre o que aconteceu, pra ter certeza de
que o Alexandro não...
— Espera, espera. Então você já sabia que meu segundo nome é
Maria. Por que você ficou surpreso quando me viu em seu quarto? —
Interrompi, tentando entender tudo — Quero dizer, além do óbvio, uma
maluca entrando no seu quarto e pegando sua arma... Quero saber como não
associou a figurinista nova a mim, se já sabia de meu nome todo desde aquela
época.
Gabriel sorriu e me explicou:
— A Betty abreviou seu primeiro nome e não me deixou pegar na
ficha de novos funcionários, onde estava seu nome. Quem conferiu tudo
sobre você foi a Erika e o Ricky, lembra que eu te falei? Eu imaginei que
Betty e Antônia estavam tramando algo, mas nunca pensei que H. Maria seria
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a Lena costureira que entrou de penetra num show da Sissy Walker e me


seguiu até a escada do hotel. Além disso, você nunca usa o Maria para nada,
assinaturas, entrevistas, reportagens, nada. Não associei mesmo, foi uma
falha minha.
Fiquei uns segundos absorvendo as informações e balancei a cabeça
quando registrei tudo o que ele me dizia. Bem que eu notei que Gab havia
demorado um momento para me reconhecer quando nos reencontramos
meses antes. Ele realmente não esperava me ver de novo, assim como eu
também nunca achei que não só teria oportunidade de revê-lo, como também
de chup... éééé... de tomar café com ele na Suíça.
E de chupá-lo também.
— Hm, tem outra coisa também — ele disse depois de beber um
pouco de seu café. — Você sumiu depois daquele show. Nunca entrou em
contato com ninguém, a não ser por motivos profissionais, então não achei
que te veria de novo. Por isso fiquei tão surpreso quando te vi quatro anos
depois no meu quarto. Quem não ficaria?
Fazia sentido.
— Ok, entendi... Tá, o lance de ver minha ficha depois do show
continua sendo meio sinistro, mas, ok, eu compreendo seus motivos — disse
e voltei minha atenção para o meu café, me sentindo satisfeita ao saber que
Gabriel se importou comigo a esse ponto.
Gabriel me olhou por uns dois segundos e perguntou com cuidado:
— Mas, voltando para esse Rodrigo, como você...?
— “Como eu lidei com isso tudo”? Praticamente a mesma pergunta
que me fez naquele parque em Londres, quando te contei do Alexandro,
lembra? — dei uma risada e peguei sua xícara, bebendo o restinho de seu
conteúdo. — Olha, quando aconteceu, eu fiquei mal, mas depois deixei para
lá. Não foi algo que tenha me maltratado tanto, ainda que me irrite lembrar
disso hoje em dia. Acho que, na época, eu não me dei conta de que era uma
tentativa de estupro. Enfim, tratei aquilo apenas como um beijo forçado.
— Sei. E o moleque? O que aconteceu com ele? — Gab questionou,
observando minha reação atentamente.
— Não sei. Meus pais não fizeram queixa contra ele e se mudaram da
cidade um tempo depois. Por isso você não leu nada sobre isso na minha
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ficha, porque nunca houve registro formal da agressão. Nunca mais ouvi falar
dele, só sei que meu pai o quebrou inteiro... Bom, quer mais um café? —
perguntei quando terminei o meu.
— Não, mas quero ir para o hotel. Você quer conhecer mais algum
lugar? — ele me perguntou com o rosto sério de novo, e eu não resisti e
passei a mão em seu rosto. Sorri quando sua expressão não se modificou.
— O que eu vou falar pode soar esquisito, Gab, mas você fica bonito
assim, todo sério. Eu adoro quando você sorri, quando você dá essa risada
meio esquisita que te escapa de vez em quando, mas você sério é algo
fascinante de ver. Eu nunca presto muita atenção quando estou trabalhando,
mas agora posso olhar bem... — disse e me aproximei dele, passando a perna
por cima da sua.
Gab relaxou um pouco o rosto ao ouvir meu elogio, mas seu maxilar
continuava travado.
— Esse tipo de coisa mexe muito com você, não mexe? Esse lance de
homens agredindo mulheres. Tem algum motivo para isso? Além do óbvio,
quero dizer.
Ele desviou o olhar por um segundo e franziu os lábios, como se a
lembrança também o incomodasse. Tirei as mãos de seu rosto e comecei a
ajeitar minha bolsa.
— Ok, Gab, já vi que tem. E aí, vamos para o hotel? Ah, espera, deixa
eu pedir outro melangê, ou sei lá como se pronuncia. Será que eles têm copos
de papel? Devem ter, né? Quer um? — perguntei enquanto me levantava para
ir pagar a conta — Não, pode ficar, eu pago, paga o próximo café. Se é que
vai ter, né? Não sei se vou querer sair com você depois de tudo que aconteceu
hoje e das coisas que descobri sobre você, Christian Grey.
Gabriel deu um sorriso de canto de boca ao ouvir minha brincadeira e
assentiu, concordando com minha oferta. Fiz o pedido, peguei os cafés e fiz
um movimento com a cabeça, convidando Gab para ir embora. Ele se
levantou de onde estava sentado e pegou os cafés das minhas mãos sem dizer
nada.
Revirei os olhos, mas não reclamei. Gabriel tinha a aura de segurança
protetor mesmo fora do expediente de trabalho, então não tinha motivo para
implicar com aquilo. Não era uma questão de cavalheirismo inútil ou de
achar que eu precisava de algum tipo de cuidado por ser mulher; ele fazia isso
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com todo mundo. Além do mais, não queria implicar com ele, pois percebi
que ele estava enfrentando algum tipo de conflito interno por causa do
assunto anterior.
Saímos do Odeon e fomos para uma via principal esperar por um táxi.
Assim que avistei um e acenei para ele, Gabriel disse de repente:
— Meu tio, irmão de meu pai, atacou minha mãe um dia. Quando ela
denunciou, ele fez tudo parecer que foi consensual e ainda, de vingança,
aplicou um golpe na minha família, já que era o administrador de tudo. Ele
traiu a confiança de todos e levou todo o patrimônio e economia de meus
pais. Eu tenho zero tolerância para homens com esse tipo de caráter. Sinto
vontade de matar um por um.
Minha mão, que estava chamando o táxi, ficou estendida no ar por
alguns segundos enquanto eu processava aquela informação. Era forte, era
pesado e era uma justificativa e tanto para Gabriel ser um segurança tão
comprometido e tão sério.
— Sinto muito, Gab... Não precisava ter tocado no assunto se não
quisesse — eu murmurei, me virando para olhar em seus belos olhos, que
estavam frios e sem brilho.
— Eu sei. Vamos? — convidou e deu um passo para abrir a porta do
carro para mim.
Dei as instruções para o taxista e ficamos em silêncio, ponderando por
alguns minutos o que ele havia contado. Que parente horrível e repugnante,
desprezível! Eu conseguia sentir o ódio de Gabriel emanando e compartilhei
totalmente do sentimento.
Depois de um tempo quieta, voltei a olhar para Gabriel e comentei
em português propositadamente:
— Obrigada, Gab.
— Pelo quê?
— Por ter olhado minha ficha. Por ter se importado mesmo achando
que nunca mais ia me ver. Se fosse outro homem, deixava para lá, mas você...
Você quis ter certeza que Alexandro não ia me atrapalhar mais. Você se
importou.
Estava séria quando falei aquilo, mas acabei sorrindo ao ver a
expressão rígida de Gabriel. Sabia que ele estava procurando palavras para
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me responder, então decidi mudar de assunto antes que aquilo ficasse muito
meloso.
— Sabe, tenho uma amiga chamada Ana, irmã do meu primeiro
namorado. Ela é barista, dona de um café lindo na Urca, no Rio, e me ensinou
um monte de coisas sobre café: grãos, torra, utensílios como a prensa
francesa que te mostrei em Paris, blends... Enfim, um monte de coisas, sabe?
— Sei... Não muito, mas sei — Gabriel respondeu com um traço de
diversão na voz. Mais aliviada ao ver que ele voltara a relaxar depois do
assunto tenso, eu continuei:
— Então, se você quiser, eu te ensino algumas coisas, ou a gente
procura outras mais. Preciso muito de uma companhia de café. Não posso
voltar para o Rio sem ter tomado ao menos vinte cafés de nacionalidades
diferentes, e isso não é tão divertido sozinha. Me avisa se quiser ser minha
companhia de café, senão vou ter que ensinar Diego a gostar de cafeína —
comentei tranquilamente enquanto olhava pela janela.
Fiquei aguardando Gab responder, mas como não ouvi sua voz, virei
o rosto em sua direção. Ele estava olhando pela janela e tinha no rosto um
sorriso um pouco maior do que o meio sorriso que eu estava acostumada.
— Gab? — chamei, esperando ele me responder.
— O que são blends, Costureira?
Sorri ao ouvir sua pergunta e tive total e absoluta certeza de que ele
sabia o que era um blend, mas me perguntou para que eu o explicasse. Era
um acordo silencioso de que nós, sim, sairíamos mais vezes, se dependesse
dele. Se dependesse de mim, também, então tudo estava ótimo.
Na metade do segundo mês do meu contrato, na quarta cidade da
turnê, às vésperas de rumar para a Bélgica, Gab e eu ainda não tínhamos
saído com outras pessoas. Eu, particularmente, não sentira vontade ainda de
procurar outra companhia. Gab, pelo visto, também não. Por que não
aproveitar essa falta de interesse em outras pessoas? Afinal, ainda era o
segundo mês de turnê. Quem sabe o que ia acontecer lá pelos últimos?
Voltei a olhar pela janela, sentindo meu sorriso crescer no rosto, e
comecei a explicar:
— Blends são tipo combinações de grãos e torras que dão certos tipos
de sabores...
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Bruxelas

— Ei, Lena, quer dar uma volta comigo? Eu vi que tem um bar
relativamente próximo daqui, uma gracinha! — disse Pierre ao entrar no meu
quarto no dia em que chegamos na cidade.
— Um bar... Hm... — franzi os lábios, meio incerta de sair do hotel
logo no primeiro dia na Bélgica. Eu tinha planos envolvendo as mãos de
Gabriel entrando em partes minhas que eu não poderia revelar para Pierre
assim, tão na lata. — Se eu te falar que estou com preguiça, você fica com
raiva?
Pierre colocou as mãos na cintura e me olhou de cara feia.
— Ah, não! Você sempre arruma uma desculpa para não sair comigo!
Sai toda hora com o Gabriel...
— Toda hora...? Eu só saí com ele algumas...
— E deu o maior rolê por Paris com a Betty e a Erika! E nem me
chamou! Segundo mês de turnê, e eu só esperando você parar de me enrolar!
Eu fiquei muito bolado por você ter ido sozinha ver aquela escultura bizarra
em Zurique, a pedra que fica rolando por causa da água. Tá me devendo uma,
anda, coloca aquele vestidinho de tecido escocês que você tanto gosta e
vamos!
— Escultura...? Ah, sim, a pedra... Desculpa, eu não sabia que você
queria ir... Mas, olha, eu nem falo francês... Se fala inglês na Bélgica? Eu
não pesquisei antes...
— Eu sou fluente em francês, mon cher. Meu nome não é Pierre à toa,
minha mãe é francesa. Pode me chamar de Sofie Fatale. Anda, se veste.
Incerta, olhei para ele enquanto refletia sobre o convite, mas acabei
cedendo quando Pierre fez cara de cachorro pidão.
— Ok, eu vou, me convenceu. Tá frio lá fora? Passei o dia no quarto,
nem faço ideia da temperatura.
— “Passou o dia”, disse a mulher que chegou na cidade há menos de
quatro horas... — brincou enquanto sentava na minha cama, rindo do meu
drama. — Não, eu fui na rua comer qualquer coisa, não gostei do cardápio do
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hotel. Está fazendo uns quinze graus, acho.


— Quinze? Está um gelo! O inverno já chegou? Mas não era pra ser
primavera na Europa? Como eu não congelei ainda?
Pierre cruzou as pernas na minha cama, ainda achando graça de tudo.
— Coloca o vestido que eu falei e um casaco por cima. O clima tá
agradável, vai por mim, sua friorenta exagerada! Você é muito mal-
acostumada com o clima tropical do seu país!
Fiz uma careta de sofredora, mas obedeci. Em quinze minutos, saí do
banheiro maquiada, com o cabelo preso numa trança embutida e uma
maquiagem leve.
— Tá linda! Só tá faltando um batom, para dar uma cor. Espera, eu
passo para você.
Pierre terminou de me maquiar, eu calcei meus saltos pretos
preferidos e saímos juntos do hotel. O bar realmente era próximo,
caminhamos apenas por uns dez minutos, no máximo.
Era um bar comum, sem nada que chamasse a atenção à primeira
vista. Porém quando Pierre me puxou para sentar num dos banquinhos
redondos de metal em frente ao balcão, vi onde estava o charme do local: um
barman muito gato que fazia malabarismos com copos e garrafas.
Olhei para maquiador com os olhos semicerrados e disse:
— “Um bar bonitinho”, né? Era só esse seu interesse? Sei... —
zombei antes de tirar meu casaco para sentar. — Não sei como eu não... opa!!
Meu sapato escorregou no piso frio, me fazendo cair para o lado. Só
não me esborrachei no chão porque um homem me segurou, me disse alguma
coisa em francês e sorriu.
— O que ele disse, Pierre? — perguntei, ainda me apoiando no meu
salvador.
— Ele disse para você tomar cuidado, que o piso daqui é meio
traiçoeiro.
— Ah, sim! Agradece para mim, por favor?
Pierre fez o que eu pedi, e eu soltei o homem, agradecendo com um
sorriso. O barman parou de girar as garrafas e veio para perto, perguntando
alguma coisa e parecendo preocupado. Pierre começou a conversar com ele, e
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eu revirei os olhos. Adoro segurar vela, só que não.


Imediatamente, saquei meu celular e mandei uma mensagem para
Gabriel:
“Delícia vir para um bar, escorregar e quase cair de bunda na frente
de toda a Bélgica e ainda por cima segurar vela para Pierre.”
Segundos depois, Gabriel respondeu:
“Desculpe.”
Gabriel, ao contrário do restante dos funcionários da banda, precisou
ir até o local do show para resolver alguns imprevistos. Por que isso o fazia
pedir desculpas, só Deus sabe.
“Não precisa se desculpar, a culpa não é sua, Segurança. Só estou
entediada.”
“Eu já terminei o que precisava fazer aqui. Em menos de uma hora
volto para o hotel.”
“Sei. E...?”
“Há vários modos de eu acabar com esse seu tédio, Costureira.”
“Olha a prepotência do cidadão!”
“Só digo o que eu sei e o que vejo.”
“Sei. E o que você vê, Segurança?”
“Que você prefere fazer outras coisas em vez de estar aí.”
“Ah, é? Me diga uma, Bruce Nolan Todo Poderoso.”
Gabriel respondeu com uma frase bem simples, porém muito direta e
provocativa, que envolvia o uso de suas mãos em partes minhas que eu, mais
uma vez, não poderia repetir em voz alta. Precisei fazer um esforço enorme
para não dar um perdido em Pierre e correr de volta para o hotel para contar
os minutos até Gab chegar.
Estava sorrindo e pensando em uma resposta, quando pipocaram
imagens de nosso último encontro. Gabriel surgiu sabe-se lá de onde quando
eu estava voltando do restaurante do hotel, de noite, me puxou para um
corredor — onde ele me garantiu ter um ponto cego nas câmeras de
segurança —, me imprensou contra a parede e usou suas mãos para me levar
ao céu e me puxar de volta à Terra.
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Aquele encontro furtivo foi tão rápido e intenso, que ele precisou
tapar minha boca com uma mão enquanto a outra fazia sua magia, ou não
haveria possibilidade de silêncio.
Cara, como eu queria estar no hotel agora...
Pierre me cutucou, me tirando dos meus devaneios de sacanagem.
Levantei o olhar do celular e prestei atenção nele, vendo suas sobrancelhas
franzidas mostrando seu desagrado.
— Já tá falando com o Gabriel, não está? Credo, o que vocês não se
grudam na hora do trabalho, se grudam depois! Sério, vocês são muito
tarados!
— Desculpa, Pierre! É que você tava ali, quase chupando o barman, aí
fiquei sem ter o que fazer... — disse com uma falsa expressão de culpa.
— Quase chupando! Você não presta, Lena! — exclamou, apertando
os olhos de tanto rir. — Desculpa, vou te dar mais atenção, depois eu volto
a... chupar o bonitão ali. Eu pedi uns drinques para gente, tudo bem?
— Claro! Me dá qualquer coisa, tô topando tudo hoje.
O barman bonitão nos estendeu dois drinques verdes e falou alguma
coisa em francês, dando uma piscadinha para Pierre. Revirei os olhos pela
centésima vez e pensei que a noite ia ser longa se Pierre fosse passar o tempo
todo trocando olhares com o gostosão e me deixando sozinha.
— Cara, vai dar logo para ele antes que essa cera derretida da vela
que eu estou segurando queime minhas ferramentas de trabalho. Sem minhas
mãos, eu não sou ninguém, tenha compaixão, amigo.
Pierre soltou uma gargalhada e me deu um empurrão de leve, me
chamando de exagerada.
Exagerada nada, eu realmente não era ninguém sem minhas mãos!
Enquanto via o figurinista falar sobre os homens que víamos no bar, pensei
em como eu era viciada em trabalho. Um simples comentário já me fez
pensar no que eu faria se não pudesse costurar por algum motivo. Um arrepio
passou pela minha nuca, como se estivesse pressentindo que algo muito
estranho estava prestes acontecer.
Pierre estalou os dedos na frente do meu rosto, chamando minha
atenção, e me tirou dos meus devaneios pessimistas. Afastei o pressentimento
estranho da cabeça e sorri para ele, que me apontou para um homem e me
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perguntou o que eu achava dele.


Começamos rapidamente a brincar de tentar adivinhar características
de cada um dos homens que nossa visão alcançasse no bar.
— Aquele ali, ó. Tem cara de quê? — perguntou, empolgado, fazendo
seus fios sedosos se moverem de um lado para o outro enquanto apontava
para um ruivo forte e alto, todo sardento.
— Tem cara de que diz “eu te amo” depois que goza — Pierre
gargalhou quando ouviu minha resposta e pediu mais dois drinques — Sua
vez, gatinho. Aquele moreno magrelão.
— Tem cara de que tem dois quilômetros de instrumento!
— É, tem mesmo. Olha o tamanho das mãos dele! Será que sabe usar
essa potência toda?
— Nope — ele disse, categoricamente, e nós caímos na risada antes
de beber nossos drinques. Fiz uma careta ao sentir a bebida queimar minha
garganta, mas pedi outro drinque assim mesmo. Era gostoso. Pierre me
imitou e apontou em seguida para um bonitão que tinha o mesmo estilo de
Gabriel.
— E aquele ali? Sério, sisudão...
— Tem cara de quem geme fininho.
Ele me olhou, surpreso, e perguntou:
— Gabriel geme assim?
— Ué, e só porque eles se parecem tem que transar igual? Eu, hein?
Olha, aquele, me diz — indiquei um loiro aguado com músculos muito
definidos.
— Opa, esse é interessante.
— Não saberia te chupar nem se a vida dele dependesse disso.
— E como você sabe, Lena?
Dei de ombros e sorri antes de beber o resto do meu drinque. Pierre
deu uma risada contida, soltando o ar pelo nariz, e continuamos nosso jogo,
até que ele me perguntou:
— E o barman, o que você acha?
Mordi o lábio, sorri e me virei de frente para o seu objeto de desejo,
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olhando por uns instantes. Notei seu rosto tranquilo enquanto fazia
malabarismos com as garrafas e brinquei:
— Ele tem habilidades manuais, já é um ponto positivo. Homens que
sabem usar as mãos merecem um lugar no céu.
Pierre fez um bico de aprovação, e eu comecei a rir, o que fez com
que minha bexiga reclamasse da quantidade de líquido ingerido.
— Ai, droga, preciso fazer xixi! — exclamei e me levantei. —
Aproveita e corteja o cidadão, meu amor. Eu prometo demorar lá dentro.
Fui ao banheiro, fiz o que tinha que fazer, dei uns minutinhos para
que Pierre pudesse falar com barman e voltei, desviando de um grupo de
homens que estava bebendo além da conta. Quase revirei os olhos ao ver
aquilo: muitos homens juntos e muito álcool nunca é 100% positivo.
Pierre estava com uma garrafa de cerveja na mão, e eu ergui as
sobrancelhas ao ver aquilo. Que mistura de bebidas estranha! Ainda assim,
aceitei a garrafa que ele me deu. Estava levando a cerveja aos lábios quando
um dos caras bêbados do bar se aproximou de mim, cambaleando, e me
agarrou por trás, me puxando para longe de Pierre.
Soltei um gritinho e tombei para trás, tentando me equilibrar, o que
fez minha garrafa de cerveja cair de minha mão e se espatifar no chão. O som
de vidro se quebrando fez o bar todo ficar em silêncio.
Ai, não, de novo, mais um babaca me agarrando? Os homens são
babacas em qualquer parte do mundo?
Pierre parecia assustado com a fúria em meu olhar, e seu assombro
aumentou quando eu tirei as mãos do bêbado de minha cintura.
— Sai daqui, cuzão! — gritei enquanto o empurrava para longe.
Fiquei olhando ele se levantar com a ajuda dos amigos, que pareceram pedir
desculpas e o levaram embora. Aparentemente, ele não estava tentando me
agarrar sexualmente, mas sim evitar uma queda.
— Inútil — eu murmurei enquanto me virava de costas.
— Lena, cuidado! — Pierre gritou, mas foi tarde demais.
No auge da minha raiva, me esqueci da garrafa, deslizei na pocinha de
cerveja, que deixou o chão mais escorregadio do que já era, e caí com tudo
em cima dos cacos depois de bater a boca no metal do banco em que Pierre

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estava sentado.
Ai.
Senti gosto de sangue e torci para que não tivesse quebrado nenhum
dente. Levantei com o auxílio da mão direita, pois a esquerda estava ardendo
sem parar.
Maldito pressentimento, nunca falha, mas eu também nunca dou
ouvidos a ele...
— Hm, que droga. Nunca tinha batido a boca antes, não sabia que
doía tanto.... — comentei com os olhos apertados de dor. — O que foi? —
perguntei para Pierre enquanto estendia meu braço direito para que ele me
ajudasse a levantar.
— Lena, seu dedo... — respondeu, o rosto contraído e pálido de
pavor.
— É, cortou, né? Estou sentindo arder e... — comentei antes de olhar
para minha mão, que começou a formigar em vez de arder e, de repente, ficou
dormente.
O barman bonitão correu para me ajudar, mas parou e soltou algo que
me pareceu um palavrão em francês quando viu minha mão. Segui seu olhar
e vi o motivo do choque dele: meu dedo indicador estava formigando, então
não percebi de imediato que ele estava dobrado num ângulo tão bizarro, mas
tão bizarro, que me fez rir. Parecia o dedo quebrado de Alice, em Resident
Evil Apocalipse.
— Olha, Pierre, eu tive uma professora que era tão velha, mas tão
velha, que tinha o dedo assim, torto. Só que o dela era enrugado... —
comentei com um sorriso no rosto, sentando no mesmo banco que beijei
acidentalmente antes. Por incrível que pudesse parecer, eu não estava
sentindo mais nada no braço, a não ser uma dormência, que ia do cotovelo até
o pobre dedo escangalhado, e a ardência dos cortes. Acho que estava meio
bêbada demais...
— Lena! Isso é hora para piadas? Ei, onde é o hospital mais perto
daqui? — Pierre perguntou em francês para o barman (creio eu, foi o que
pude entender), que ficou mais em pânico ainda.
Balancei a cabeça, rindo da reação desesperada dos dois, e comecei a
tirar os cacos de vidro que se fincaram ao longo do meu braço. Não sei de
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onde veio tamanho bom humor de minha parte, mas provavelmente era
puramente etílico.
— Calma, gatinho, não está doendo, tá tudo dormente, eu juro. Nem
parece fratura, parece só que só saiu do lugar, ó. Vem, vamos pegar um táxi.
Ah, paga a conta! — disse, mas o barman pareceu entender o que eu estava
pedindo, balançou a cabeça e disse que seria por conta da casa, me
entregando um saco de gelo para pôr no dedo. O pavor era tão gritante em
seu rosto, que eu quase o abracei para reconfortá-lo.
Peguei o guardanapo limpo que ele me ofereceu e o saco de gelo e
agradeci com um sorriso. Pierre pegou nossas coisas e saiu correndo atrás de
um táxi na rua. Fui atrás dele tranquilamente, segurando o guardanapo nos
cortes e agradecendo a Deus pelo autocontrole que eu estava tendo naquele
momento.
Talvez, se eu estivesse sentindo dor, ou se o machucado fosse causado
pelo bêbado idiota que me havia me agarrado, as coisas não seriam assim
tão... pacíficas. Mas como tudo não passou de um grande acidente, eu estava
tranquila.
E um pouco bêbada também, já mencionei?
Uma vez no táxi, fui tranquilizando Pierre, que estava uma pilha de
nervos, até chegarmos no hospital. Já munida com meus documentos do
seguro de saúde que meu contrato garantia (eu não saía do hotel sem eles),
dei entrada na recepção e logo fui levada para uma sala branca e com cheiro
de coisa muito limpa.
Um médico meio idoso veio me receber e começou a falar num
francês cheio de sotaques. Eu já não sou boa naquela língua, meio bêbada e
com o corpo cheia de adrenalina, não conseguia entender nada do que ele
falava. Para minha sorte, ele conseguiu entender quando pedi para falarmos
em inglês e, a partir disso, passou a dar detalhes da minha situação em uma
língua mais compreensível, porém com um sotaque fortíssimo.
— Posso chamar meu amigo para cá? Ele fala francês, talvez seja
melhor, não?
— Sinto muito, senhorita, mas não sabemos se houve uma fratura em
sua mão, então precisamos cuidar o mais rápido possível, para já preparar a
cirurgia.

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Arregalei os olhos e perguntei se haveria necessidade de operar. Ele


disse que não sabia ainda, mas que após os exames poderia me dizer, porém
era bem provável que sim, levando em conta o estado do dedo. Estava bem
torto e esquisito.
Já não tão de bom humor, fui levada para fazer os exames e para
limpar os cortes causados pelos cacos de vidro. Eu precisava não pensar
muito em como seria meu trabalho sem aquela mão, afinal, a última coisa que
eu queria era ficar ansiosa demais num hospital. Então comecei a tentar
lembrar das letras de músicas que eu estava ouvindo naquela viagem. Sempre
ajudava a mudar o foco dos meus pensamentos.
Uns quinze minutos depois, voltei para a sala do médico, ansiosa pelo
resultado das chapas. Por sorte, ele me deu um sorriso tranquilizador, dizendo
que não haveria necessidade de cirurgia, apenas precisaria colocar o osso no
lugar, é claro, e imobilizar a pequena fissura sofrida.
Com um sorriso simpático, que, acredito eu, tinha função de me
acalmar, chamou um enfermeiro robusto para ajudá-lo a limpar as feridas em
meu braço. O rapaz me desejou boa noite em francês e veio avaliar os
machucados, começando pela boca.
Por sorte, não tinha quebrado nenhum dente nem parecia haver
qualquer corte muito significativo, então não precisei de muito cuidado ali.
Recebi a recomendação de colocar compressa de gelo na boca quando
chegasse no hotel.
Em seguida, após uma higienização prévia e aplicação de anestesia, o
enfermeiro começou a retirar o restante caquinhos de vidro do meu braço. Em
poucos minutos, meus machucados estavam limpos e com curativos, com
exceção de um deles, próximo ao pulso, de onde o enfermeiro tirou um
pedaço imenso da garrafa. Esse precisaria de uns pontinhos.
O médico voltou sua atenção para meu braço e avisou que prepararia
o material para a sutura.
— Eba... Que gostoso... Era tudo que eu queria... — murmurei em
português. — Se doer, vou chutar seu saco, doutor, já aviso.
Como não estava entendendo nada, o médico sorriu novamente,
achando que eu estava somente praguejando em minha língua materna, e não
o ameaçando.

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Momentos depois, enquanto olhava o movimento da agulha curva


indo e voltando, ouvi uma voz conhecida e sorri ao identificá-la como sendo
de Gabriel. O bicho é rápido na hora de se informar do que acontece com a
banda e os staffs! Mal cheguei no hospital, ele já surgiu!
Segundos depois, ele entrou na sala com o rosto tão travado, que eu
não pude deixar de rir.
— Oi, Gab! — cumprimentei com um sorriso pela metade, já que
minha boca estava inchada. — O que você tá fazendo aqui? Pierre te contou
do meu dedo torto? Não parece o da Alice, de Resident Evil? Já viu esse
filme? Quando ela coloca no lugar sozinha e claramente dá para ver que a
mão é de borracha?
Gabriel não sorriu ao olhar meu dedo ou o inchaço na minha boca,
pelo contrário, só contraiu mais o rosto. Bom, era de se esperar, o dedo
realmente estava bizarro, todo torto.
— Como isso aconteceu?
O médico velhinho, que estava terminando meu curativo, levantou o
rosto e olhou para Gab, parecendo preocupado. Em seguida, chamou o
enfermeiro e voltou o rosto na minha direção, preocupado:
— Senhorita, há um policial de plantão no hospital, para que você
possa dar seu depoimento.
Confusa, olhei para Gabriel e depois para o senhor e perguntei:
— Depoimento? Mas não há necessidade, foi um acidente.
Ele me olhou com aquela expressão que diz “claro, um acidente...” e
pediu para que Gabriel se retirasse do ambiente. Gab contraiu o rosto mais
ainda, sabe-se lá como, e abriu a boca para responder, mas eu o interrompi
quando compreendi o que estava acontecendo.
— Ah, Gab, acho que ele pensa que foi você quem fez isso! — disse,
achando graça, e me virei para o velhinho quando ele terminou o curativo. —
Não, doutor, não foi ele, eu deixei uma garrafa de cerveja cair no chão,
escorreguei e caí em cima dela. O inchaço na boca é porque eu bati a cara no
banco de metal na queda. Foi um acidente num bar, não foi agressão de
ninguém.
O velhinho me olhou desconfiado, mas não falou nada.

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— Eu juro! Você realmente acha que eu não sentaria a porrada em


alguém que me fizesse isso? Você tá costurando meu braço, e eu nem
reclamei! Sou durona, doutor! — brinquei e tentei rir, mas meu lábio inchado
não deixou. Dei um gemido de dor e cobri a boca com a mão livre.
O doutor me deu um sorriso educado e um pouco aliviado e voltou a
se concentrar nos ferimentos.
— Gab, já que você não foi detido por violência doméstica, se
incomoda de sentar? Tá me deixando agoniada ver você aí. Aliás, você pode
ficar aqui? Não tem um lance de higiene, regras, sei lá?
— Eu já resolvi isso, Lena — ele disse e se calou. Achei melhor não
perguntar como e direcionei minha pergunta para o médico:
— Ele pode ficar aqui? Ele trabalha comigo e é uma pessoa tranquila,
não vai fazer escândalo com um pouco de sangue, eu prometo.
O médico olhou para o enfermeiro, que acabara de voltar para a sala,
e perguntou com um olhar alguma coisa. O homem balançou a cabeça
concordando e o médico fez o mesmo para mim, apontando uma cadeira para
que Gabriel sentasse.
— Isso provavelmente vai doer, senhorita Helena — o médico alertou
com o rosto sério quando terminou de dar os pontos e me preparou para botar
meu dedo no lugar. Fiz um gesto com a mão boa, dispensando o comentário
educadamente, e sorri para ele.
— Manda ver, doutor. Já passei por dores pio... AAII!! — gritei
quando ele fez um movimento rápido e certeiro no meu dedo.
Meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu fechei a boca e tentei
relaxar o rosto enquanto sentia uma dor excruciante na mão, diferente de
qualquer outra dor que já senti antes. Comecei a pensar em uma música
aleatória para me concentrar em outra coisa. Escolhi uma da Melanie
Martinez e desatei a cantarolar:

“I love everything you do


When you call me fucking dumb for the stupid shit I do
I wanna ride my bike with you
Fully undressed, no training wheels left for you
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I'll pull them off for you”

O médico me olhou com uma expressão levemente compadecida e


pediu que eu fosse bater outra chapa. Obedeci calada, só abrindo a boca para
cantar a música enquanto meu dedo reclamava de dor, e voltei um tempo
depois, com Gab em meu encalço. O médico olhou o resultado do raio x no
prontuário eletrônico e anunciou:
— Tudo certo, senhorita. Somente uma fissura pequena, nada que
uma imobilização não resolva.
Saí do torpor imediatamente e implorei para ele não engessar, pois
atrapalharia meu trabalho. Ele contestou, mas eu reclamei tanto, que ele
aceitou colocar uma tala dessas com velcro, com uns furos estranhos para não
pegar nos pontos. Antes, me fez jurar que eu não a tiraria de modo algum e
que tomaria cuidado extra com a mão, o que eu prontamente concordei.
Quando ele encostou no meu dedo, senti dor de novo e voltei a cantar
o refrão da música que me acalmava.
Não foca na dor, Lena, foca naquela manchinha ali, na parede. E na
letra da música, continua cantando, tá dando certo.
— Pronto, senhorita, o pior já passou. A senhorita vai precisar passar
aqui para tirar os pontos...
— “I love everything you do when you call me fucking dumb for the
stupid shit I do...” — continuei cantando a música, ignorando o que o médico
dizia. A cada toque gentil dele, eu fazia uma careta de dor.
Confuso, o senhor olhou para Gabriel, que pediu para que ele
explicasse o que eu precisaria fazer, já que eu parecia ter voltado ao transe e
não ouvia uma palavra do que o pobre velhinho dizia. Mentira, eu estava
escutando, só estava morrendo de dor.
Gabriel se levantou e colocou a mão no meu ombro, perguntando se
poderíamos ir embora. Olhei para ele com os olhos nebulosos e cantei uma
última vez o refrão:
— “I love everything you do, when you call me fucking dumb for the
stupid shit I do...”
O médico parou e prestou atenção na letra da música pela primeira

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vez (“eu amo tudo o que você faz, quando você me chama de idiota pelas
merdas que eu faço”) e me olhou, novamente preocupado, interpretando
errado a canção:
— Tem certeza que a senhorita não quer que eu chame o policial?
Sua pergunta me tirou do torpor mais uma vez, e eu balancei a cabeça
negando antes de responder:
— Ele é meu colega, doutor, não meu companheiro. É segurança da
banda para qual eu trabalho. Por isso está aqui, eu sou staff da banda, é
função dele garantir o bem-estar de todo mundo — e tentei sorrir, agora que a
dor estava dando uma trégua na mão, mas parei imediatamente quando meu
lábio inchado protestou.
O médico balançou a cabeça, parecendo aliviado, e nos dispensou.
Gabriel colocou a mão nas minhas costas e me levou até a saída do hospital,
onde Pierre me esperava segurando minha bolsa em uma mão.
— E aí, Lena? — perguntou, aparentando estar aflito de preocupação.
Ergui o braço para Pierre, mostrando a tala.
— Uns pontinhos, uma fissura e essa boca da Angelina Jolie depois
de um preenchimento labial que deu errado. Nada demais. Já já minha boca
volta ao normal, não se preocupe. Meu dedo vai demorar um pouquinho, foi
uma fissura de nada, e os pontos eu terei que tirar só na Holanda ou na
Noruega, mas, no geral, tudo certo.
Pierre suspirou de alívio e chamou um táxi para nós três.
Chegamos no hotel por volta de uma da manhã, parecendo exaustos.
Bem, eu e Pierre mais que Gabriel, lógico.
Assim que as portas do elevador se fecharam, me virei para Pierre e
me desculpei:
— Gatinho, obrigada pela força. Desculpa ter estragado a nossa
noite... — pedi, e ele balançou a cabeça rapidamente para os lados.
— A culpa não foi sua, Lena! O que importa é que nada de muito
ruim aconteceu... Mas... você tem certeza que não precisava de gesso?
Abri a boca para tranquilizá-lo, mas Gabriel, que até então estava em
silêncio desde que saímos do táxi, não deixou que eu respondesse e me
interrompeu:
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— É óbvio que precisava, Helena fissurou o dedo. Ela poderia ter sido
sensata e aceitado o gesso — ele disse, obviamente irritado.
Olhei para ele por cima do ombro, mas não falei nada. Meu olhar foi
suficiente para que ficasse em silêncio, apesar do rosto contrariado. A porta
do elevador se abriu quando chegou no andar de Pierre, e ele me deu um
abraço de despedida. Para Gab, bateu continência com um sorriso contido e
saiu caminhando pelo corredor até seu quarto.
Quando a porta do elevador se fechou de novo, me voltei para
Gabriel, um tanto contrariada:
— Vai ficar falando disso até que horas? Não bastou falar durante
vinte minutos no táxi? Pierre só não ouviu porque estava de fones, tentando
relaxar depois da noite tensa! É, Gab, eu não engessei, eu deveria ter
engessado, mas não rolou! Que chato, você! — reclamei.
Gabriel me olhou com o rosto franzido e hesitou antes de comentar:
— Por que você não deixou que ele engessasse?
Revirei os olhos.
— Porque a tala é suficiente, e eu posso me livrar dela daqui a duas
semanas. Além do mais, a tala prende só o dedo fraturado e o do lado, não o
braço inteiro, então eu posso costurar quando houver necessidade.
Gabriel soltou ar pelo nariz rápido demais para quem estava somente
respirando.
— Não seria um gesso assim, Helena, por causa dos pontos. Seria de
outro tipo, não iria te imobilizar inteira. Você arriscou ter alguma calcificação
indevida no dedo só para poder costurar nos próximos vinte dias?
O elevador abriu a porta, e eu saí na frente, revirando tanto os olhos,
que até senti dor de cabeça. Abri minha bolsa e tentei pescar o cartão com a
mão imobilizada, mas não consegui e a entreguei para Gabriel pegar.
— Não vai responder? — ele disse quando me entregou o cartão e eu
passei na porta, desbloqueando-a.
— Sim, eu arrisquei, Segurança, sabe por quê? Porque o trabalho é
prioridade na minha vida. Se fosse mais sério, tudo bem, mas foi só uma
fissura. Eu não posso ficar de molho viajando de graça e deixar os meninos
da banda irem para o palco com roupas erradas porque a madame aqui

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resolveu se acidentar na Bélgica! Fora que eu preciso fazer minhas pesquisas


de tendência, é por isso que estou aqui.
Falei tudo num fôlego só e entrei no meu quarto, tirando os sapatos e
jogando para o lado, totalmente irritada.
— Se o seu dedo calcificar errado, seu trabalho vai ser comprometido
— Gabriel retrucou ao entrar no quarto e fechar a porta atrás de si.
Comecei a me despir para não ralhar mais com ele, resmungando
“não me lembro de ter visto seu diploma de medicina”, mas ele insistiu no
assunto mais uma vez:
— Helena, olha para mim. Vamos voltar ao hospital agora para... —
ele começou a falar naquele tom de segurança dando ordens, mas eu o
interrompi gritando:
— “Vamos”? Como assim “vamos”? Quem quebrou a droga do dedo
foi você? Não, então não há “nós” aqui, Gabriel! Eu já levei os pontos que
precisava, e a porra do médico concordou em colocar uma tala! Não vou
voltar lá! Quem você pensa que é para me dar esse tipo de ordem? Vai para o
seu quarto e para de encher o meu saco! — exclamei e me virei de costas para
ele, que tinha no rosto uma expressão muito feia.
Com a respiração ofegante, fui ao banheiro, bati a porta e terminei de
tirar minhas roupas, me enfiando no chuveiro com cuidado para não molhar o
braço ruim.
Que coisa irritante! Uma coisa é se preocupar, outra bem diferente é
querer dar ordens. Quem ele pensa que é, meu chefe? Nem meu pai me dá
ordens há pelo menos dez anos, que dirá Gabriel, que é só meu...
Conferi a temperatura da água que saía do chuveiro enquanto tentava
completar a frase. O que Gabriel era meu? Meu amigo? Meu amante? Meu
colega de trabalho?
Nossa, como eu odeio essas nomenclaturas!
Tomei um banho péssimo, mantendo o braço meio para cima para não
molhar e sentindo dor nele todo, já que o efeito da anestesia havia passado, e
os cortes, consequentemente, começaram a doer.
Além disso, outro mal-estar foi surgindo aos poucos: culpa. Não havia
necessidade de ter gritado daquele jeito com Gabriel. Não sei se foi o ranço
do hospital, depois que o efeito da bebida passou, se foi a chateação de
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precisar ficar imobilizada e ter que fazer um trabalho nas coxas, ou se foi
algum tipo de sensação de aprisionamento.
Há muitos anos eu não sentia aquilo, principalmente depois da
conversa que eu e Gabriel tivemos quando nos conhecemos, quatro anos
antes. Porém, naquela noite, num país estranho, depois de me livrar de um
bêbado, cair de cara no chão, me cortar toda, deslocar um dedo e ir parar num
hospital no meio da noite, alguma coisa me deu medo.
Terminei o banho, tentando entender o que eu temia. Será que eu
ativei algum gatilho por causa do hospital? Será que me lembrei de
Alexandro, o homem que me agrediu há tantos anos? Não, não era isso.
Saí do banheiro e vi o quarto vazio, me sentindo pior ainda. Claro que
Gabriel não ia ficar sentado me esperando depois que eu o expulsei do
quarto! Coloquei meu pijama e voltei para o banheiro para tentar secar o
cabelo. E também era óbvio que eu não conseguiria, já que eu sempre segurei
o secador com a mão esquerda. Meu cabelo é cacheado, não dá para só
apontar o secador para minha cabeça e aguardar o vento quente me deixar
com a cara do Urso do Cabelo Duro.
Pensei em pedir ajuda para Pierre, mas desisti assim que vi as horas.
Estava muito tarde, era melhor deixar para lá e ir dormir. Mas eu também não
poderia ficar de cabelo molhado, ia acabar gripando...
Chamar Gabriel está fora de cogitação, não vou saber lidar com um
homem que quer tanto me proteger a ponto de ignorar as minhas vontades
e...
Espera, é isso? Eu estou achando que Gabriel está passando por
cima do que eu quero? Mas isso é meio idiota, não é? Gabriel não seria
capaz de fazer algo assim, seria? Ele não é dominador, é só... protetor. E
não é só comigo, ele faz isso com todo mundo da banda...
Além do mais, não foi exatamente o que eu fiz em Madrid, quando ele
estava com febre por causa da possível insolação? Não ordenei que ele se
cuidasse e bebesse o Gatorade? Por que eu posso, e ele não? Ai, Lena,
Lena...
Peguei meu celular, abri o WhatsApp e liguei para Gab. Ele não
atendeu, mas mandou uma mensagem meio minuto depois:
“O que houve?”

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Hm, que seco.


“Eu preciso de ajuda”
“O que houve?”
Seco e frio. Ok, eu talvez mereça.
“Eu preciso de ajuda, Gabriel. Vem aqui, por favor? Digitar com
uma mão só é horrível”
Larguei o celular e enrolei a toalha no meu cabelo enquanto esperava
ele chegar. Minutos depois, Gabriel bateu na porta, e eu fui abrir, um pouco
apreensiva.
— O que houve? — ele me perguntou pela terceira vez, o rosto sério
escondendo o que me pareceu irritação.
— Eu preciso de ajuda para secar meu cabelo, não sei fazer com uma
mão só... Você pode secar para mim?
Gabriel franziu as sobrancelhas, mas entrou no quarto assim mesmo,
deixando seus sapatos do lado da porta.
Sem dizer nada, fomos ao banheiro, me sentei na tampa do vaso
sanitário, e ele começou a secar meu cabelo do jeito exato que um homem
que nunca usou um secador em cabelos cacheados faz: de modo a me deixar
igual à Maria Bethânia.
Ainda assim, deixei que ele destruísse meus cachos em silêncio.
Contanto que ficasse seco, eu dava um jeito depois. Alguns minutos depois,
Gabriel terminou com meu cabelo, desligou o secador e me perguntou:
— Precisa de ajuda com algo mais?
Dióxido de carbono solidificado, como diria minha irmã. Ou, para
leigos, gelo-seco. Era Gabriel naquele momento.
— Preciso.
— Diga.
Prendi a juba num coque malfeito, o melhor que consegui com a ajuda
da mão inútil. Gabriel me seguiu enquanto eu saía do banheiro, o rosto
profundamente rígido.
Ok, eu mereço essa frieza toda.
Abri a gaveta da mesinha de cabeceira com a mão boa e tirei uma
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trufa de café que eu havia comprado mais cedo para comer à noite, quando
estivesse sozinha. Estendi para Gabriel e pedi:
— Preciso que alguém coma para mim. O cheiro do hospital me
deixou enjoada. Quer?
Gab franziu as sobrancelhas, mas relaxou um pouco o rosto em
seguida.
— O cheiro também não me agrada, Lena. Pode ficar com ela, você
come amanhã — ele respondeu sem sair do lugar.
Dei um suspiro. Eu era orgulhosa demais para pedir desculpas por ter
gritado, aquela era minha melhor oferta de paz: oferecer a trufa maravilhosa
que eu não queria dividir com ninguém, nem mesmo com ele. Bem ou mal,
eu não era a única culpada daquela situação.
— Então tá, não preciso de mais nada — disse e me virei para fechar
a gaveta, mas esqueci que a tala era maior do que meu dedo e bati com tudo
na madeira, soltando um gritinho e caindo de joelhos ao sentir a dor ridícula
que se espalhou pelo dedo fraturado.
Nossa, que noite maravilhosa! Vamos detalhar os pontos altos dela?
Primeiro: ser agarrada num bar, coisa que eu tenho repulsa e medo
desde que Alexandro me deu uma porrada na nuca porque eu recusei ficar
com ele, fazendo com que eu desmaiasse e fosse parar no hospital;
Segundo: escorregar, meter a boca numa haste de metal, cair com
tudo no chão e transformar meu dedo numa parábola, bem curvinha e
anatomicamente bizarra;
Terceiro: descobrir que minha aterrisagem no piso do bar foi
amortecida por cacos de vidro que fizeram o favor de rasgar partes da minha
pele como se ela fosse de papel;
Quarto: ter que ir ao hospital, ser costurada que nem um vestido —
ah, a ironia das ironias — e sentir mais dor do que nunca senti na vida ao ter
meu dedo colocado no lugar;
Quinto: acabar descontando tudo no pobre do segurança da Sissy
Walker, unicamente porque ele queria o meu bem ao dizer que eu precisava
ter feito o que o médico sugeriu — o que era óbvio, não era?
Sexto: ver que Gabriel havia ficado puto comigo — e com razão — e

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que eu não conseguia ver outro jeito de pedir desculpas a não ser o ridículo
que bolei: toma, come essa trufa. Quantos anos eu tenho, oito?
Sétimo: bater a mão na cômoda. Sim, porque não bastava ter me
ferrado toda, eu ainda precisava usar a mão errada para fechar a gaveta, me
esquecendo que estava machucada, elevando a dor que sentia a níveis
estratosféricos ao bater exatamente o dedo ruim na madeira. Muito
inteligente, não? Muito! Nem bêbada eu estava mais, então nada justifica
tamanha burrice.
Fiquei enumerando a quantidade de closes errados que eu e o universo
demos naquela noite enquanto rangia os dentes por causa da dor que se
espalhava pela mão inteira. Até os cortes doeram mais, provavelmente em
solidariedade ao dedo, pobre dedo.
Assim que viu o que aconteceu, Gabriel correu até mim, se ajoelhou
do meu lado e pegou na minha mão, procurando por algum machucado
visível. Agarrei seu braço com a mão boa e escondi a ruim contra meu colo
enquanto falava palavrões bem sonoros entredentes.
A dor demorou uns minutos para passar e, quando dei por mim,
estava com o corpo totalmente inclinado para frente, ajoelhada no chão do
quarto de hotel, a cabeça apoiada no braço livre de Gabriel, que permanecia
em silêncio com uma mão no meu ombro e a outra segurando gentilmente a
tala, provavelmente procurando algum machucado aparente, algum ponto
aberto, coisas do tipo.
Quando finalmente meu dedo parou de doer, levantei a cabeça e
enxuguei a testa suada com a mão direita. Gabriel afastou do meu rosto uma
mecha que se soltou do coque e me olhou, nitidamente preocupado.
— Quer que eu compre um remédio de dor ou que pegue gelo?
Notei que ele não perguntou se eu queria ir para o hospital, o que
esmagou o restinho de birra que ainda me impedia de agir como uma adulta.
— Não, quero só que essa noite bunda acabe! Desculpa, Gab, eu fui
uma ogra com você sem necessidade. Mas também quero que você pare de
querer mandar em mim — disse, ainda ofegante pela dor.
Gabriel ergueu as sobrancelhas, surpreso, mas logo se conteve,
ficando sério e em seguida me dando um pequeno sorriso de paz.
— Desculpa, não foi minha intenção mandar em você. Tem certeza
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que não quer um remédio?


Balancei a cabeça, me sentindo mais aliviada por termos resolvido
aquilo, e estendi o braço para que ele me ajudasse a me levantar. Ele me
colocou de pé e me olhou preocupado quando eu mantive a mão agarrada ao
corpo. Balancei a cabeça para os lados, respondendo a sua dúvida silenciosa
de que talvez algo tivesse dado errado ali
— Notou que sempre que a gente tá junto eu termino com a mão
machucada de algum modo? É a segunda vez já. Ao menos não foi culpa sua
dessa vez, mas não muda o fato que eu estou com dor na mão... — brinquei e
dei uma risada cansada enquanto me deitava na cama.
Gabriel piscou algumas vezes, tentou não rir, mas não conseguiu.
— Vamos inverter essa situação, então, Costureira.
— Boa ideia. Vou arrumar um jeito de te machucar quando eu
melhorar. Ou vou partir seu coração, acho que é mais desafiador e eu não
preciso usar as mãos pra isso — comentei e me ajeitei embaixo das minhas
cobertas quentinhas e macias.
O sorriso de Gab diminuiu no rosto, e eu levantei a cabeça e uma
sobrancelha, dirigindo um olhar muito irônico para ele enquanto zombava:
— Ah, o que foi? Vai dizer que não tem coração, agora? O bad boy
clássico, sem coração, sem sentimentos, sério, tatuado, que não quer se
envolver com ninguém, que sabe atirar, que tem um passado sombrio e que
fica lindo com o rosto fechado. Você também dirige uma moto? Tem algum
piercing em algum lugar que eu não tenha notado? Difícil, já conheço cada
parte do seu corpo com a palma da minha mão — ergui a mão com o dedo
quebrado. — Ok, talvez não essa mão, mas a outra, que não é tão inútil...
Enfim, menos, Gabriel. Vem cá e me mostra que sabe sorrir — terminei o
monólogo sorrindo e estendi a mão direita para ele.
Gab me deu um sorriso a contragosto e pegou na minha mão. Eu o
puxei para que ele se deitasse, mas ele ofereceu resistência e me perguntou:
— O que você quer, que eu deite com você?
— Sim. Não pode?
Ele hesitou antes de responder:
— Eu preciso acordar cedo amanhã...

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— Ah... Verdade, tem razão, eu também preciso. Então tá, a gente se


vê amanhã... Quer conhecer a Bélgica comigo? Eu estarei de folga depois das
cinco... Ou não, né? Não sei se vou conseguir costurar os pedidos dos
meninos com essa mão... Vou ver se Pierre pode me ajudar... Vamos ver.
Gabriel balançou a cabeça assentindo e sorriu, ainda que seus olhos
não acompanhassem os lábios e permanecessem sérios.
— Boa noite, Costureira.
— Boa noite, Segurança. Obrigada por ter secado meu cabelo... —
respondi com um pequeno sorriso antes de voltar a me enfiar debaixo das
cobertas.
Gabriel me fitou por cima do ombro e me deu um olhar que eu não
soube decifrar. Pensei em perguntar o que era por mensagem quando ele
fechou a porta, mas a exaustão me venceu, e eu fechei os olhos antes mesmo
de desligar as luzes, apesar da dor.
A noite foi um fracasso, mas ao menos uma parte dela foi boa: Gab
não estava mais com raiva de mim.
Ponto para Lena.

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Amsterdã

Deixamos o hotel antes do anoitecer. Por causa de uma tempestade


inesperada, o voo foi adiado para o período noturno, o que não era muito
transtorno, já que são poucas horas da Bélgica até a Holanda, próximo
destino da turnê.
Entrei no jatinho com o coração dançando um samba de raiz no meu
peito. Só que dessa vez não foi só por causa do medo de enjoar, mas também
porque eu não conversava com Gabriel desde o dia do acidente com a minha
mão, então não teria o conforto de sua mão calejada e de suas perguntas
inúteis para me distrair enquanto estômago fazia força para se esvaziar do
pior modo possível.
Apesar de ter saído do meu quarto agindo como se tudo estivesse
bem, Gabriel sumiu nos dias seguintes e não foi fazer turismo comigo, como
combinamos, o que me fez pensar que ele talvez estivesse me evitando.
Ainda que estivesse um pouco chateada com isso, não demonstrei
nenhum tipo de descontentamento nas poucas vezes em que esbarrei no
segurança da Sissy Walker nos almoços ou reuniões. Não sou de correr atrás
dos outros, mesmo que eu estivesse errada. Além do mais, nós pedimos
desculpas um para o outro naquela noite. O que mais era preciso ser feito?
Mandar flores?
Nem é preciso mencionar que eu estava subindo pelas paredes.
Muitos dias sem o Segurança, e não é como se eu estivesse no pique para
procurar companhia em Amsterdã. Meu dedo ainda doía, eu ainda estava toda
roxa e a lembrança passada de Gabriel agindo por impulso e me levando para
um corredor do hotel para fazer sexo artesanal (ou seja, feito com as mãos)
não me saía da cabeça, afastando toda e qualquer vontade de encontrar outra
pessoa.
Agarrada à minha bolsa, me sentei no primeiro assento perto da
entrada do jatinho, chequei meus curativos e a tala e fechei os olhos com
força enquanto tentava me distrair das coisas que me aceleravam o coração.
Tentei me lembrar da letra de uma música que ouvi no iPod de Pierre no dia
anterior.

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Comecei a cantarolar o refrão, quando alguém se sentou ao meu lado.


Abri os olhos e vi Gabriel, vestido em seu uniforme e usando óculos escuros,
com seu celular na mão e um pequeno sorriso no rosto. Olhei para ele,
surpresa, mas não falei nada. Achei que ele se sentaria em outro lugar, não ao
meu lado.
— O que foi, Costureira? Incomodo? — ele perguntou, agora com o
rosto sério ao notar minha expressão.
— Não, nem um pouco, Segurança, pelo contrário. Me dá a mão —
ordenei e estendi minha mão boa para ele, que sorriu e a envolveu em seus
dedos grandes.
Respirei fundo, sentindo o alívio se espalhar pelo meu peito de ver
que ele não estava com raivinha, e que eu teria sua mão trambolhuda para
segurar minha barra.
— Eu devia ter comido aquela trufa... — ele comentou com um
pequeno suspiro quando desligou o celular.
Olhei para a frente e sorri antes de falar:
— Se tivesse ficado no quarto, teria comido mais do que a trufa, mas
nããããão... — brinquei e ouvi sua risada baixa e rouca.
— Aquela não foi uma noite muito boa, Costureira. Além do mais, a
turnê só está começando, temos tempo de sobra para trocar trufas — ele disse
enquanto ajeitava sua mão na minha.
Comecei a rir, mas parei imediatamente quando o avião começou a
taxiar.
— Então, Lena, que música era essa que você estava cantando quando
eu cheguei? — ele perguntou tranquilamente.
— Sweet About Me! Ouvi no iPod da Pierre e adorei! É da Gabriella
Cilmi! Sabe que ela se parece com a Sophia? — quase gritei quando a
decolagem começou e meu estômago se revirou — Apesar de que a Sophia
tem cabelo curtinho desde sempre, e essa moça tem o cabelo longo...! Ufa...
— respirei fundo quando o avião estabilizou e soltei a mão de Gabriel, que
me deu um sorriso e foi ligar seu celular, como sempre fazia.
Peguei minha garrafa de água na bolsa e olhei de rabo de olho para
Gab, que estava tranquilo conferindo o e-mail. Quando terminou, voltou a
atenção para mim, olhando meu cabelo escovado.
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— Você tem alisado sempre o cabelo... É só por causa da mão?


Passei os dedos nos fios e expliquei:
— Não só isso... Meu cabelo não está muito acostumado com esse
clima europeu bugado, então tá sendo mais fácil manter liso. Inclusive, estou
pensando em mudar o corte. Eu tô parecendo a Lara Croft, ostentando essa
trança desnecessariamente grande.
— Ué, mas vai cortar ou alisar?
— Acho que os dois. Meu cabelo é tipo trepadeira, cresce muito
rápido. Daqui a pouco tá grande e enrolado de novo.
— O cheiro dele vai mudar?
Confusa, olhei para Gab e disse que não, claro que não ia mudar.
— Então, tá ótimo — ele disse e voltou sua atenção para o celular.
Dei um sorriso de canto de boca ao compreender seu comentário e me
bateu uma súbita vontade de beijá-lo. Larguei minha garrafa na bolsa e me
pendurei em cima dele, olhando para o corredor do jatinho.
— Lena? Tudo bem? — perguntou, confuso quando eu não me
levantei e continuei apoiada em seu colo.
— Não, tudo ótimo, Segurança. Só estou verificando se o Ricky não
está em pé vindo sorrateiramente falar com você. Não, está dormindo. Tony
está... espera, indo para o banheiro com a Betty...? Eca, estão mesmo? Não
queria ter visto isso. Hm... A Aline tá cochilando e o Diego tá com a cara
enfiada no celular. Pierre, Erika... Não, tá todo mundo quieto.
— E qual é o seu ponto? — ele perguntou com um leve traço de
humor na voz.
Levantei de seu colo, reclamando do braço da cadeira metida a besta
que estava furando minha cintura, e voltei para minha posição normal.
— Nenhum, só não quero que ninguém nos veja, ué — disse e me
virei de lado, pegando seu rosto entre as mãos e puxando para perto. Gabriel
ergueu as sobrancelhas rapidamente, mas deixou que eu o conduzisse, não
sem antes comentar:
— Horário de trabalho, Costureira... — disse, mas encostou seus
lábios no meu rosto, ao lado da minha boca.

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— Não tem horário de trabalho num avião, Gab... — sussurrei quando


ele se inclinou mais e beijou meu maxilar.
— Tem sim, meu trabalho nunca acaba. Por que você acha que eu não
saí com você essa semana?
Finquei as unhas em seu pescoço e ergui o queixo para que ele tivesse
acesso livre no meu colo.
— Porque você estava boladinho por eu ter gritado com você, talvez?
Ouvi sua risada e desci o queixo para mirá-lo nos olhos. Gab tinha um
brilho divertido neles quando me respondeu, sem tirar as mãos de mim:
— Quantos anos você acha que eu tenho, dezoito?
Sorri para ele e respondi:
— Não, imagina. Creio que você tenha uns cinquenta, sessenta,
talvez... Sangue de roadies virgens é melhor para disfarçar velhice do que
maquiagem da Sephora, Segurança.
Gabriel riu e se afastou por um segundo, dando uma olhada no
corredor e voltando em seguida.
— Continuo em meu horário de trabalho, Lena... — ele disse, mas
continuou se aproximando de mim assim mesmo.
— Ah, não, Segurança, não vem com essa. A não ser que tenha um
terrorista dentro do banheiro ou que o piloto seja um fã louco disfarçado, não
tem muito o que você possa fazer aqui em cima. Então, não, não é horário de
trabalho, Gabriel... — respondi e mordi seu lábio antes de juntar minha boca
na dele.
Gabriel me pegou pela cintura e correspondeu meu beijo sem
hesitação, me fazendo sentir em sua língua o gosto do café tomado havia
pouco tempo. Delicioso. Enlacei seu pescoço e me aproximei dele o máximo
que a distância entre nossas poltronas permitia.
Beijamo-nos por um bom tempo, até que Gab me soltou de repente e
endireitou o corpo na poltrona, como se tivesse escutado alguém chegando.
Endireitei o corpo imediatamente, com a respiração ofegante, e abracei os
joelhos, tentando parecer casual quando Ricky apareceu ao seu lado.
Imediatamente me senti com dezesseis anos, beijando meu primeiro
namorado escondido na escola.

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— Escutem, vocês dois, estou para perguntar isso a vocês tem um


tempo, mas sempre me esqueço. Posso colocar os dois no mesmo quarto?
Vocês vivem dormindo um no quarto do outro de qualquer forma. Seria um
gasto a menos para a gravadora — disse com tranquilidade.
Desviei o olhar da janelinha e o encarei, assustada.
Como assim, mesmo quarto? Dividir um quarto? Com Gabriel? Por
quê? Eu nem... Mesmo quarto? Mas...
— Ahn... Por quê? — perguntei atônita, na ausência de algo melhor
para dizer.
Gabriel estava avaliando Ricky quando eu perguntei, mas desviou o
olhar para mim quando ouviu a minha hesitação. Uma expressão estranha,
um misto de curiosidade com desconfiança, surgiu em seu rosto, mas ele não
disse nada.
Ricky franziu as sobrancelhas, achando estranho a minha pergunta, e
olhou para Gabriel.
— Não, Ricky, não precisa, obrigado. Pode manter um quarto para
cada um — Gab pegou o celular e checou as horas enquanto respondia com
voz séria.
O chefão deu de ombros e voltou para o seu lugar, parecendo
insatisfeito.
Mão-de-vaca.
Soltei a respiração e comentei, mais para mim mesma do que outra
coisa:
— Vou pegar um pratinho e uma faquinha com a comissária de bordo
e vou comer uma deliciosa fatia dessa torta de climão que está pairando na
minha frente...
Gab não parecia estar preocupado com isso, ao contrário de mim.
Percebi pela sua risada.
Soltei meus joelhos para poder pegar meu celular na bolsa, liguei o
bendito e fiquei em silêncio lendo um livro nele, até que Gab rompeu o breve
silêncio.
— Por que você não gosta de ninguém dormindo com você? — não
havia um tom acusatório em sua voz, apenas curiosidade. Ainda assim, eu me
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mantive um tanto na defensiva:


— Por que você tá perguntando isso?
Ele levantou levemente os ombros e sorriu.
— Só por perguntar. Normalmente você volta pro seu quarto depois
de passar no meu, ou fica me encarando quando eu passo no seu, como se
estivesse esperando que eu fosse embora, então... Depois de dois meses disso,
não tem como não ficar curioso.
Pisquei duas vezes e procurei em seu rosto sinais de que ele estivesse
com raiva ou reclamando, mas não havia nada. Hesitei por um momento
antes de responder:
— Não é nada traumático, nem nada. Até era antigamente, mas agora
são outras razões. Depois que eu envelheci...
— Envelheceu? — ele me interrompeu, achando graça.
— Sim, tenho quase trinta, não sou mais uma menina de quinze, ué.
Depois disso, eu viciei em café, como você bem sabe. Então eu vou ao
banheiro toda hora, pareço uma grávida de bexiga pequena. Isso incomodaria
a pessoa que dormiria ao meu lado. Fora que eu tenho sono leve e não
consigo dormir com quem se mexe muito... — respondi, um pouco incerta.
Era tudo verdade, mas não eram motivos muito válidos quando eu falava em
voz alta. — Por que, Gab? Você quer dividir um quarto?
— Não, não, só queria saber mesmo. Eu gosto de ter um quarto meu,
não vejo motivos para não termos cada um o seu — ele disse com um sorriso
tranquilo no rosto e voltou sua atenção para o celular.
Ufa. Fim do momento constrangedor.
Pelo amor, o que o tiozão da Sukita estava pensando? Não tem nem
três meses de turnê completos ainda! Ok, eu e Gabriel estamos mais
próximos, mas isso não significa que a gente queira... bem... juntar as
escovas de dentes!!
Não, não, por favor! E se eu quiser ir ao banheiro fazer o número
dois, ele vai fazer o quê? Dar uma volta pelo hotel enquanto isso? E se for de
noite? Não, não, privacidade é um luxo para pessoas famosas, eu não sou tão
famosa ainda, posso me agarrar a esse luxo com unhas e dentes enquanto
ainda dá.

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Gabriel realmente não se importou com minha recusa: assim que


fizemos menção de sair do aeroporto, me puxou e me beijou quando ninguém
estava olhando, mostrando que estava tudo bem por ele. Um senhor beijo, por
sinal. Lindo, fez meu coração disparar e tudo, mas não me fez mudar de ideia
sobre querer um quarto só para os dois.
Horas depois, já no meu quarto de hotel, quando bateu na minha
porta, me deu o sorriso de sempre e perguntou se eu estava ocupada, acabei
repensando se valia a pena eu abrir mão da companhia de Gabriel por mais
umas horas por dia só por causa de um luxo bobo.
Quando o deixei entrar, o beijei antes mesmo de fechar a porta e o
levei para cama sabendo que só teríamos meia hora juntos até ele voltar para
seu quarto, minha certeza se esvaiu pela metade. Trinta minutos era muito
pouco tempo!
As roupas logo encontraram o chão do quarto do hotel. Gabriel,
tomando cuidado para não esbarrar na minha mão imobilizada, deitou por
cima de mim e me beijou daquele jeito que só ele sabia me beijar.
Uma hora depois, quando eu adormeci sem querer ao lado dele após
quarenta minutos de sexo fabuloso, acordei momentos mais tarde e o vi
dormindo tranquilamente em minha cama, quase imóvel e sem se incomodar
comigo levantando para ir ao banheiro, minha certeza de que cada um deveria
ficar em seu próprio quarto se esvaiu por completo. Afinal, seu sono era
pesado, logo, eu não o atrapalharia, e ele dormia como se estivesse em coma,
logo, não me atrapalharia. Por que não o deixar dormir comigo?
Não estava pronta para dividir um quarto ainda, mas poderia deixar
ele entrar um pouco mais em minha vida.
Só mais um pouco.
Que mal teria?

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Oslo

— Ei, Costureira!
Parei de conferir uma planilha de peças e me virei para ver quem me
chamava pelo apelido que Gab me dera. Não era exatamente comum alguém
me chamar assim, então estranhei. Diego, em todo seu esplendor carismático,
vinha em minha direção, me cegando com seu sorriso brilhante.
— Oi, Diego... Prefiro quando você me chama de General ... — disse
com um sorriso tímido enquanto desligava meu iPad, o guardava na bolsa e
me preparava para ir embora da casa de shows em Oslo.
— Jura? Mas o Gabriel te chama de Costureira...
Abri a boca para responder, mas fui interrompida antes da soltar a
primeira palavra.
— É, mas é o Gab, querido! Tem uma diferença enorme entre ele
chamar de Costureira e você chamar de Costureira... — Aline apareceu ao
lado de Diego e comentou, toda risonha.
Devo ter corado bastante, pois os dois se entreolharam e começaram a
rir. Revirei os olhos e ajeitei as alças de minhas bolsas nos ombros, pegando
minhas pesquisas de tendência em cima da mesa e voltando para perto de
Diego.
— O que você queria falar, Diego?
— Ah, sim! Nós vamos pedir pizza e beber umas no quarto de Jim,
quer vir?
— Pizza? Claro que quero! Que horas?
Comer algo que não exigisse o uso de garfo e faca era sensacional
para quem tinha uma mão imobilizada. Já tinha sido constrangedor demais
pedir a Gabriel que cortasse meu bife em um jantar com a banda toda.
— Ah, assim que chegarmos no hotel! Tony encontrou uma pizzaria
que funciona até as quatro da manhã, então ela já fez os pedidos. Faltam... —
ele disse e olhou as horas no celular — dez para as três, então vai dar certinho
tempo de chegar no hotel e comer tudo quentinho.
— Perfeito! — exclamei, animada.
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Adorava os momentos em que todos se reuniam por motivos alheios


ao trabalho. No início, eu recusava educadamente, mas Tony passou a me
puxar quase pelo cabelo e mandou que eu parasse de me isolar da banda. Sua
atitude foi maravilhosa, porque eu passei a me divertir como nunca com
todos, mesmo com os que eu não tinha tanta proximidade, como Jim e Aline.
O efeito do café tomado no início do show começou a passar, e eu
coloquei a mão na boca para esconder um bocejo assim que Diego e Aline
rumaram para a saída. Esfreguei os olhos, borrando meu delineador todo sem
perceber, e tirei meus saltos, sentindo o chão frio relaxar meus pés cansados.
— Não sei por que você vem trabalhar de salto, Costureira. Toma —
Gab apareceu do meu lado e me entregou um copo de café. Gemi de prazer
ao sentir o cheiro maravilhoso da bebida e larguei as bolsas e os sapatos no
chão para pegar o copo com as duas mãos.
Bebi o café quase todo de uma vez, ainda que soubesse que esse tipo
de impulso não era muito bom. Na verdade, eu não me importava muito,
estava delicioso, sem açúcar e muito forte. Provavelmente era café de torra
escura, pelo amargor que senti. Não que fosse um amargo ruim, apesar de ser
torra escura, era... Bom, levanta-defunto, exatamente o que eu precisava.
— Obrigada, Segurança. Acabou de cumprir suas tarefas?
— Sim. Erika já está com Betty e Tony na van, vim buscar você —
ele disse com a expressão neutra de quem estava com o Modo Segurança
ativado no nível hard.
— Ah, sim! Ok, vamos! — disse e peguei meus sapatos e minha bolsa
no chão.
— Não vai calçar os sapatos? — Gab pegou a bolsa da minha mão, e
como de costume desde meu acidente, não retruquei, já que carregar qualquer
coisa com a mão imobilizada estava sendo chatinho, para meu desgosto.
Sim, tive um ou outro problema com a fissura. Precisei dar um
pulinho no médico novamente quando a dor piorou, mas, de novo, não aceitei
o gesso. Os pontos eu já até havia retirado num hospital ali mesmo, na
Noruega, mas recebi do médico a recomendação de ficar mais uns dias com
aquela tala escrota. Tudo porque Gabriel, que acabou indo ao hospital
comigo, contou sobre a recomendação do médico na Bélgica: engessar.
Dedo-duro!

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— Meus pés estão doendo, melhor ir descalça — expliquei antes de


beber o resto do café enquanto nos encaminhávamos para a saída.
— Lá fora o chão é de pedra irregular, não vai machucar seus pés? —
ele perguntou e olhou para baixo, como se avaliasse o fio da meia-calça.
— Não, no máximo vai desfiar minha meia-calça, mas tudo bem. Essa
era de Sophia, ela tem umas cinco iguais — expliquei, peguei minha bolsa de
sua mão e sorri para ele antes de entrar na van.
Fui para o final da van, torcendo por um cantinho onde pudesse tirar
um pequeno cochilo até que eu pudesse chegar no hotel e beber um balde de
café ou tomar um banho relativamente frio para me despertar, e me sentei do
lado da janela.
Tony saiu de seu lugar e se sentou ao meu lado, me puxando pelos
ombros e fazendo com que eu deitasse em seu colo. Senti o sono bater, mas
lutei contra ele.
— Pronto, cochila. Nenhum café no mundo vai te despertar se você
não dormir agora, e eu quero você acordadíssima para gente encher a cara no
hotel — ela disse, rindo e passando a mão no meu cabelo alisado.
— Quer apostar que nenhum café me desperta? Na dose certa, eu fico
três dias sem dormir... Provavelmente vocês vão me encontrar correndo nua
em alguma floresta — brinquei enquanto me aconchegava em suas pernas e
aceitava seu carinho.
Ouvi sua risada e fechei os olhos, sentindo a pequena dose de café
que eu tomara tentando me manter acordada, mas meu sono era mais forte do
que nós duas, eu e a cafeína, juntas. Em poucos segundos, cochilei no colo de
minha amiga.
Acordei uns vinte e poucos minutos depois com Betty rindo
escandalosamente de alguma coisa. Ergui o corpo do colo de Antônia e
esfreguei os olhos, sonolenta como uma criança depois de uma partida de
futebol.
— Lena, para de fazer isso, tá borrando a maquiagem toda! Tá
estragando o visual de cabelo novo, poxa! — Pierre reclamou ao olhar para
trás e me ver que nem um panda. — Vem cá, deixa eu tirar.
Pisquei várias vezes, um pouco temerosa ao vê-lo sacar um pacote de
lenços demaquilantes da bolsa e vir em minha direção. Antônia se afastou
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para que Pierre pudesse limpar meu rosto, e eu me voltei para Aline, que nos
olhava distraída.
— Aline, me ajuda, ele vai furar meu olho com esse carro em
movimento...! — brinquei quando Pierre começou a esfregar o produto nos
meus olhos.
— Engraçadinha... — Pierre reclamou, apesar do sorriso no rosto, e
eu fechei os olhos para deixá-lo fazer seu serviço enquanto ouvia risadas e
zombarias.
Minutos depois, ele parou com a tarefa de tentar mover meus olhos de
lugar na base da esfregação e me observou, avaliando o resultado.
— Ok, tá melhor. Não tirei tudo, mas consegui limpar o estrago que
você fez.
— Pô, não tirou tudo? Você quase arrancou minha íris! — exclamei, e
o figurinista fez uma careta e me empurrou no banco. — Brigada, meu amor.
Vem cá, deixa eu te dar um beijo.
Pierre ergueu uma sobrancelha, como quem dizia “olá, você está
oferecendo um beijo para mim?” e apontou para Aline.
— Dá nela, Aline é bissexual, mas não sabe ainda.
— Opa, não seja por isso! Vem cá, Aline! — gritei e estendi os braços
para ela, que gritou e saiu correndo dentro do carro, indo sentar em outro
banco. A risada foi geral.
— Ei, eu dou o beijo, serve? — Tony perguntou, e eu não consegui
deixar de rir com a expressão de Betty: foi de risonha para birrenta em um
segundo.
E ainda tinha a coragem de dizer que não estavam juntas, pode um
negócio desses?
Mas não tem problema: até o final da turnê, eu prometi para mim
mesma, ia arrancar uma confissão das duas. Palavra de costureira!

***

Optei por um banho antes de ir para o quarto onde a banda estava

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reunida. Ainda tomando cuidado com o dedo bugado, peguei uma saia
simples preta, uma blusa soltinha com gola peter-pan e sequei meu cabelo.
Não vou mentir: prefiro ele cacheado, mas daquele novo jeito era mais
prático de cuidar.
Mandei uma mensagem para Betty, que me informou em qual quarto
seria a comilança, e fui na direção da porta, pronta para encher a pança de
pizza. Antes de sair, lembrei dos meus harness esquecidos na mala. Faziam
parte dos pilotos da coleção nova de roupas de baixo, feita em parceria com
uma estilista de lingerie com pegada fetichista, cheias de cinta-ligas, body
cages e afins. Eram peças que faziam qualquer mulher se sentir muito sensual
e poderosa. Eu amava cada uma delas, mas não tinha usado nenhuma até
aquele dia.
Escolhi um suspender estilo cage, que nada mais era que uma espécie
de cinto com tiras que desciam até a coxa e a circundavam, imitando uma
cinta-liga falsa, e o vesti por baixo da saia. Olhei no espelho, me certificando
que a saia cobria as tiras, e saí da suíte satisfeita com o resultado geral, indo
rumo ao quarto de Jim.
Assim que cheguei, vi que Diego, Betty e Tony estavam sentados nos
dois sofás luxuosos, enquanto Gabriel e Erika estavam conversando em pé
encostados na parede oposta aos sofás, próximos à porta do quarto. Pela
expressão, estavam falando de trabalho, como sempre. Aline e Pierre estavam
sentados no chão, Aline encostada nas pernas de Betty e Pierre de pernas
cruzadas, corpo inclinado para trás, e apoiado com as mãos no chão.
No chão, entre os sofás, havia, literalmente, umas quinze caixas de
pizza abertas, lindas, cheirosas, brilhantes. Vi algumas tradicionais, tipo
pepperoni, mas também vi várias com coberturas estranhas, que, ainda assim,
pareciam muito apetitosas. Minha boca salivou tanto, que eu me esqueci dos
bons modos e fiquei encarando aquelas belezinhas como uma tartaruga ninja
adolescente.
Ao lado delas, claro, um monte de bebida. Era uma banda de rock, o
que eu esperava, leite com achocolatado?
— Ei, Lena! Bem-vinda! Senta aí, pega uma fatia! — Aline gritou
quando me viu, e eu desviei minha atenção das pizzas.
Pierre deu dois tapinhas no chão ao seu lado, e eu me sentei com ele,
dando um beijo em seu rosto de pele de pêssego e um “oi” geral para todos.
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— Olha, eu recomendo essa aqui. Nem sei o que tem nela, mas é bem
gostoso —disse, apontando para uma caixa em que só restaram três fatias de
pizza.
Começamos a comer (ou recomeçamos, no caso, pois todos já tinham
comido ao menos duas fatias antes que eu chegasse no quarto), e Betty gritou
para que Gabriel e Erika sentassem conosco. Os dois puxaram cadeiras de
uma mesa imensa no canto da sala e sentaram à minha esquerda, Erika perto
de mim e Gabriel próximo ao braço do sofá em que Diego estava.
— Ei, vocês estão calçados! As pizzas estão no chão, seus
porquinhos! — eu exclamei ao ver os dois pares de sapatos dos seguranças.
Gabriel revirou levemente os olhos e se levantou junto de Erika para deixar
os sapatos na entrada.
Aline ficou olhando os dois me obedecendo tão rapidamente e se
voltou para mim, surpresa:
— Uau, Lena, você coloca ordem mesmo, hein?
— General sendo General, Liney... Nunca viu como ela é cruel com a
gente antes dos shows? “Veste isso”, “não usa aquilo, não é seu!”, “Ai,
Diego, não dificulta meu trabalho!” — Diego disse, me dando um sorriso
irônico.
Senti minhas bochechas ficando quentes e mordi um pedaço da pizza,
mastigando rapidamente e engolindo antes de responder:
— Vou ouvir isso até o final da turnê, não vou, seu chato? É meu
modo profissional ativado, já disse. Eu não sou um amor fora do horário de
trabalho? Até comprei uma pulseira linda para você quando fui turistar
sozinha!
Aline ergueu o pulso, mostrando a pulseira preta de couro comprada
na Suécia.
— Linda mesmo, Lena, eu amei, obrigada. O quê? Ele deixou dando
sopa, eu roubei! — ela disse com um sorriso inocente, e eu caí na gargalhada
ao ver a cara contrariada do guitarrista.
— Ei, quem vocês chamaram de General? — perguntou Erika ao
entrar descalça na sala, afastar a cadeira e sentar no chão ao meu lado. —
Pega uma daquelas para mim, Lena? A do lado. Essa. Obrigada.
— O Diego me chama de General porque eu sou muito séria com ele
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na hora do trabalho, gata. Um dramalhão mexicano que só vendo.


— Eu sou da Espanha, você lembra, né? — o guitarrista corrigiu,
achando graça de meu comentário.
Dei de ombros, como quem diz “tanto faz, mesma coisa”.
Erika mordeu a ponta da pizza e me olhou, impressionada.
— Ah, então é você quem andam chamando de General? Eu já tinha
escutado o apelido, mas não sabia quem era, achei que era um dos seguranças
contratados! — disse e levantou o rosto para Gabriel, sentado na cadeira. —
Cara, como assim? Isso não pode ser um acaso!
Betty olhou para Gabriel e para mim e começou a rir.
— Um acaso...? — eu perguntei, confusa.
— Sim! Você sabe que o apelido de Gab é Comandante, não sabe?
Meu Deus, façam um favor à humanidade, não tenham filhos! General e
Comandante? Vai nascer um exército de soldados prontos para a guerra e
movidos à cafeína — ela disse isso totalmente séria, como se fosse um
pedido real, o que fez com que todos da banda caíssem na risada, menos eu e
Gabriel.
— Vocês são ridículos — disse antes de comer o restante da minha
pizza, fazendo um esforço imenso para não sorrir. Pierre apertou minha
bochecha e deu coro aos comentários:
— Ah, vai! Ela tem razão! Vocês dois, quando vão trabalhar, ficam
com o rosto tão sério, que dá medo de falar com vocês! E o mais engraçado é
que vocês não se encostam!
— É, nem parece que depois vão se atracar nos elevadores, de tão
separados e impassíveis que ficam nos shows! — Tony entrou na conversa.
Arregalei os olhos e olhei para Gabriel, que parecia surpreso também.
— Como assim se atracar nos elevadores? — perguntei.
— Ah, Lena. Não se faz de boba. Pensa que a gente não sabe que
vocês dão altos amassos quando pegam os elevadores sozinhos? Vai negar?
— Tony provocou com um sorrisinho irônico no rosto.
Apertei os olhos para ela antes de responder.
— Óbvio que não vou, todo mundo sabe que eu e Gab... Bom, enfim,

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quero saber como vocês viram eu me agarrando nele em um elevador.


Conseguem ver através de paredes ou metais, por um acaso? São uma banda
alienígena, e eu nem sabia?
Diego pegou seu celular, mexeu nele por dois segundos e me jogou o
aparelho. Atônita, vi uma foto minha com Gabriel no elevador do hotel na
Holanda, no último dia de shows. Nela, eu estava tão agarrada no Segurança,
que prendia sua cabeça com meus antebraços num abraço apertadíssimo.
Gabriel, por sua vez, tinha uma mão na minha cintura e a outra por baixo da
minha saia, me trazendo, se é que era possível, mais para perto de seu corpo.
A foto estava um pouco borrada, pois provavelmente foi tirada às
pressas. As portas do elevador estavam fechando, o que mostrava que nós
dois fomos um pouco... apressados em nosso contato. Ampliei a imagem e vi
a parte de baixo da minha língua no momento em que nossas bocas se
encontraram. Eca.
— Tem outras fotos, passa para o lado, se quiser ver.
— Tá, tá, tanto faz. Legal, temos paparazzi dentro da banda. Quem
diria — eu disse, um pouquinho envergonhada, e joguei o celular de volta
para o seu dono. — É uma tara, Diego, isso de ficar fotografando a gente? Ou
o lance é só voyeur mesmo? Posso poupar seu trabalho e te passar algumas
que eu fiz semana passada com Gabriel. São sensacionais. Creio que tem um
vídeo ou outro que eu também possa mostrar, quer?
— Opa, eu quero! — Aline exclamou enquanto se debruçava sobre
algumas caixas para pegar uma garrafa de cerveja, oferecida por Pierre.
Todos gargalharam, e eu balancei a cabeça e revirei os olhos.
Olhei de canto de olho para Diego e vi um sorriso que me dizia que se
eu não tomasse cuidado, ele pegaria meu celular na primeira oportunidade e
vazaria alguns vídeos meus com Gabriel no grupo do WhatsApp da Sissy
Walker.
Fiz uma nota mental de tomar cuidado com minhas coisas. Cuidado
extra.

***

Depois de algumas cervejas, minha bexiga reclamou, então perguntei


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a Jim se poderia usar o banheiro. Ele me mostrou onde ficava e pediu que, se
minha mão permitisse, eu trouxesse algumas cervejas que estavam no
frigobar no quarto quando voltasse. Caso não conseguisse, Diego completou,
eu deveria — ênfase no verbo — chamar alguém para ajudar. E ainda
completou:
— É uma ordem, ouviu, Costureira?
Que bonitinho ele me dando ordens. Preciso lembrar de cuspir no
gargalo da garrafa dele.
Voltei minutos depois segurando metade das garrafas de cerveja nos
braços e comecei a entregar para cada um deles. Entreguei as restantes, uma
para Pierre, uma para Betty e fiquei com duas na mão, indo na direção de
Gabriel, ao lado do sofá.
— Poxa, Lena, não precisava trazer tudo de uma vez. Seu dedo não
está doendo? — Jim perguntou, se dando conta de que talvez o pedido não
tenha sido lá muito repleto de empatia.
— Ah, não, não se preocupa, eu nem sinto mais — falei para
tranquilizar o pobre astro do rock. — E esse troço é útil para equilibrar coisas
em cima, tem uma parte dura, ó. Ah, Diego, eu passei no banheiro de novo e
deixei a sua garrafa cair no vaso sanitário, tem problema?
Diego deu uma leve engasgada com sua cerveja e me olhou com um
brilho de desafio no olhar.
— Costureira, você quer brigar, é isso? — ele perguntou com uma
sobrancelha erguida.
— Querer, eu não quero. Mas, se você quiser, pode vir. E pare de me
chamar de “Costureira”.
Tony riu de modo zombeteiro, enquanto Diego respondia:
— Ah, não pode, é? Só o Gabriel pode te chamar assim?
— Sim, só ele, somente ele e ninguém mais além dele, Diego.
Prepare-se para nove meses de tormenta ao meu lado. Começando pelas suas
roupas, que vou apertar até você não conseguir respirar. Sabe as roupas do
Prince? Então.
O olhar desafiador de Diego vacilou por um instante, e ele disse:
— Você não teria coragem.
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— Não, não teria mesmo. Mas existem outras coisas fora do ambiente
de trabalho que eu posso fazer contra você. E nenhuma delas envolve o uso
do apelido “Costureira”, seu bosta.
O resto da banda, que estava ouvindo nossa brincadeira atentamente,
fez um som do tipo que adolescentes fazem quando alguém dá um fora em
outra pessoa, um “uuuu” prolongado. Diego se levantou, veio na minha
direção e disse em tom de ameaça canastrona:
— Você não sabe com quem se meteu, Helena Maria.
Ergui o queixo e retribuí a expressão de vilão de novela dele.
— Você sabe muito menos, Diego... Hm... Não faço ideia do seu
nome real... Diego é nome de batismo, é? — perguntei, perdendo toda a pose
de durona que estava mantendo e erguendo meu lábio superior numa careta
de desculpas.
Diego desembestou a dar risada da minha cara, o que fez com que a
brincadeira provocativa se encerrasse ali. Não tinha mais como manter
nenhuma pose com aquela quebra de expectativa.
Logo voltamos para nossos lugares, e eu encostei em Gabriel, meio
distraída. Para minha surpresa, ele estendeu a mão e alisou a parte traseira de
minhas coxas. Fiquei imóvel na hora e olhei para ele. Nós não nos
encostávamos na frente do resto da banda, por motivos profissionais e... bem,
óbvios. Seríamos sacaneados até os noventa anos. Já éramos, na verdade, não
precisávamos dar mais corda ainda.
— Gab... — eu comecei a pedir, mas não consegui completar. Ia dizer
o quê? “Tira a mão, que eles não podem saber que a gente se come quase
toda noite”. Não é como se fosse segredo para qualquer um ali.
Deixando para lá, abri minha cerveja enquanto prestava atenção em
Aline contando uma história engraçada sobre um encontro desastroso. Apoiei
meu braço no ombro esquerdo de Gabriel e ouvi atentamente, observando as
reações da banda à história contada pela baterista.
Em seguida, todos começaram a contar alguma história divertida
sobre algum tipo de momento romântico dando errado. Betty contou sobre
uma ex que desmaiou durante um encontro, por causa de uma queda de
pressão, Jim contou sobre um encontro com a esposa em que ele derrubou
suco nela sem querer, Aline brincou dizendo que nunca teve um encontro

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desastroso, pois era sagaz demais para não sacar um possível fracasso
amoroso, e por aí foi.
Quando Erika terminou de contar sobre um encontro em que ela
deixou o pobre homem falando sozinho e foi embora para casa, pois estava
entediada, eu olhei ao redor, procurando pelo próximo contador de histórias.
Estava tão entretida ouvindo as narrativas enquanto pegava no lóbulo da
orelha de Gabriel, distraída, que nem me dei conta de que só faltavam os
nossos relatos.
A banda inteira nos olhou, esperando que um dos dois falasse alguma
coisa. Parei de mexer na orelha de Gab e acertei a postura enquanto falava:
— Ah, eu tenho que contar também? Deixa eu ver... Não tive muitos
encontros desastrosos, não que eu lembre. Acho que a primeira vez em que
fiquei com uma menina, eu tava tão nervosa, que meus ombros tremiam e ela
teve que me segurar e me acalmar. Me ofereceu uma água e tudo. Foi sexy.
Aline gargalhou e em seguida me perguntou sobre um encontro
desastroso com homens. Olhei para Gabriel e dei um sorrisinho. Ele me
olhou de volta e eu sorri mais ainda ao ver o aviso em seu olhar. Nem preciso
dizer que foi o suficiente para que eu tomasse fôlego e começasse a falar:
— Olha, eu tive um encontro uma vez que não foi necessariamente
desastroso, mas que teve um final... complicado. Foi há alguns anos, quando
acompanhei uma amiga em um show. Eu não era penetra, mas fui tratada
como, já que essa amiga esqueceu de colocar meu nome na lista de staff no
estádio...
A banda inteira me ouvia com atenção, salvo Tony, que era a amiga
em questão, portanto sorria, já conhecendo o desfecho de tudo. Tirei a mão
do ombro de Gab e me sentei no braço do sofá, a poucos centímetros de onde
eu estava, para que pudesse olhar direito para todos os presentes no quarto de
hotel.
— Lá, nesse show, conheci um homem fascinante. Todo sério,
concentrado, forte, gostoso até dizer chega. Sabe aqueles homens que não
sorriem nem se um filhotinho de gato pedir carinho, mas que derretem seu
coração com o olhar? Aquela mistura perfeita de frio e calor?
— Sei, conheço vários assim — Erika disse com um sorriso irônico
voltado para mim.

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— É, eu sei que conhece... — respondi com o mesmo sorriso. —


Enfim, o cara era sensacional. Acho que nunca vi um homem tão... sei lá,
viril. Não sei se é essa a palavra certa, mas ele era uma delícia, uma
cremosidade humana.
— Nossa, onde esse homem tá, gente? Me apresenta! — Pierre
exclamou, fazendo Diego tacar uma almofada nele.
Olhei para Gabriel, que estava me ouvindo atentamente, o rosto um
pouco sério demais para meu gosto, e voltei a comentar, ignorando seu olhar
de aviso.
— Enfim, eu, como a mulher paciente e submissa que sou, me joguei
nele que nem uma desesperada. Felizmente, ele aceitou minhas investidas,
muito obrigada — Aline gritou um “yes!” bem alto e todos riram dela.
— E aí? O que deu de errado? Seus documentos eram pequenos? —
Betty perguntou.
— Ele não subiu? — Pierre tentou adivinhar.
— Ele pediu para usar suas calcinhas? — Diego soltou, e eu olhei
para ele com as sobrancelhas franzidas e fiz cara de assombro.
— Meu Deus, de onde você tira essas ideias? É experiência própria?
Quer que eu costure umas calcinhas para você?
Tony caiu na risada ao ver a cara que Diego fez, e eu quase me
engasguei com minha cerveja quando ele respondeu:
— Eu posso comprar minhas calcinhas sozinho, muito obrigado!
— Continua, Lena, agora tô curioso. — Jim pediu, empurrando Diego
com a mão, para que ele se calasse.
— Não, ele não fez nada de errado sexualmente. Nada mesmo. Ele
tinha uma mão meio pesada, mas nada que me atrapalhasse. Fora que mão
pesada é bom para quando você faz cosplay de guitarra e o homem de
guitarrista.
— Vem cá, você conta essas coisas na frente do Gabriel assim, de
boa, sorrindo? — Betty perguntou, as faces coradas de tanto rir.
— Ué, qual é o problema? Vou contar como, chorando? — eu disse e
vi de canto de olho Gabriel tentando conter um sorriso. — Enfim, tudo estava
indo perfeitamente bem, até que a gente foi dormir. No dia seguinte, fui
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acordar o príncipe encantado com toda delicadeza, afinal, a gente tinha que ir
embora, né? Eis que o bonitão se assusta com o toque de borboletas que eu
dei em seu rosto, agarra meu pulso e o torce para fora. Crec.
Precisei me segurar no lugar para não cair de tanto rir ao ver as
expressões de todos. Betty e Aline pararam de sorrir na hora. Diego arregalou
os olhos com espanto e olhou ao redor, como se estivesse esperando que eu
fosse gritar “mentira, gente!!”. Jim e Erika se entreolharam, confusos, Pierre
fechou a cara. A única pessoa que sorria era Gabriel, já que Tony estava
gargalhando loucamente, para assombro dos seus colegas de banda.
— Espera. Ele torceu seu pulso? Quebrou? E o que você fez? —
Betty perguntou, chocada.
— Uma saída de torção simples. Não quebrou, só estalou um
pouquinho. O pobre do homem quase teve um treco ao ver o que fez, achei
que ele ia chorar.
— Nossa, sua exagerada... — Gabriel murmurou.
— Eu, hein, você tava lá para saber? — retruquei com um sorriso
inocente. Gabriel me deu um sorriso de canto de boca e me deu aquele olhar
que dizia “você me paga, Costureira”.
— Mas e aí, o que você fez com ele? Chutou o saco dele? — Betty
perguntou, parecendo menos impressionada, mas ainda um pouco irritada.
— Não, tadinho, foi sem querer, de verdade. Ele acordou no susto —
disse e me levantei do braço do sofá, voltando a encostar em Gabriel. — Se
tivesse sido por querer, ele não estaria mais vivo para contar essa história.
Estaria, Gab?
— Provavelmente não — o Segurança respondeu, entrando na
brincadeira.
— Conta para eles sobre a minha mira, Gab — pedi enquanto passava
a mão em seu cabelo curto e pegava em seu lóbulo de novo.
Gabriel me olhou e me deu um sorriso irônico.
— Boa o suficiente para fazer esse idiota se arrepender de ter nascido.
Pierre interrompeu nosso joguinho e perguntou:
— Mas, afinal, o que aconteceu com ele? Vocês voltaram a se ver
depois disso? Ele está vivo ainda, ou você fez aqueles troços de defesa
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pessoal nele e partiu o pescoço dele em quatro partes?


— Não, não, ele está vivíssimo! Eu o vejo quase todos os dias, para
ser sincera.
Se a vida fosse um desenho animado, vários pontos de interrogação
teriam surgido no rosto de cada um deles.
— Ué, você pega outra pessoa além de Gab? Realmente estão em um
relacionamento aberto? Achei que já rolava exclusividade, vocês parecem tão
namorados, que já tem até roupas iguais! — Betty exclamou.
Entortei a cabeça para o lado e perguntei o que ela queria dizer com
aquilo e, para minha surpresa, ela se levantou, foi até o quarto e voltou com
uma foto revelada. Nela, eu estava usando uma jaqueta de couro falso que
comprei em um dia que fez um frio inesperado (ao menos para mim) na
Noruega. Na legenda da foto, uma frase: “Roupinha de casal!!”
Pensei um pouco e me lembrei que, sim, Gabriel tinha uma jaqueta
semelhante àquela. Mas aquilo era um argumento muito besta para justificar
um namoro entre nós dois.
— É por isso que somos namorados? Porque temos uma peça de
roupa parecida? Ah, claro, porque foi o Gabriel quem criou jaquetas de couro
falso, né? Qualquer um que usar essa peça está automaticamente atrelado ao
Segurança. Gabriel namora umas sete milhões de pessoas no planeta,
incluindo a Tony, que tem dezoito jaquetas de couro, e o Jim, que tem vinte e
três. Vem cá, você lidera a banda com esse cérebro de passarinho, Betty?
A vocalista nem ligou para a provocação e já foi logo retrucando:
— Eu poderia citar também o fato de que você usa todas as camisetas
dele, que tem uma camisola feita de uma peça antiga dele, que as roupas que
vocês usam para dormir são iguais, ou seja, camisa de universidade ou
camisa rasgada e uma calça xadrez, que vocês bebem café na mesma caneca
sempre, que vocês sempre estão juntos nos voos, que vocês vivem se
pegando nos cantos dos hotéis, que vocês...
— Ai, Betty, cala. Cala, cala, cala, pelo amor de Deus, antes que eu
enfie minha tala na sua boca! — eu exclamei e tentei dar o dedo do meio para
ela, mas... bom... a tala fez com que parecesse que eu estava fazendo um “paz
e amor”.
Betty riu até não aguentar mais de minha birra e de meu “v de
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vitória”, o que fez com que Gabriel soltasse uma de suas risadas engraçadas
que todos ouviam tão pouco na banda. Lógico, isso atraiu a atenção de
absolutamente todos na banda, que olharam imediatamente para ele.
— Que foi? — Gab perguntou quando viu aquele monte de roqueiro o
mirando abismados.
Apenas eu não liguei para aquela risada. Eu ouvia toda hora.
— Hm, vem cá, Gab! Não mudem de assunto! Lena tá aí, dizendo que
vocês não namoram, que ela sai com outros homens... Você também sai com
outras mulheres, é? — Betty perguntou, eu fiquei aguardando a resposta que,
é claro, já sabia qual era.
Gabriel limpou a garganta e me olhou, um brilho divertido em seus
olhos denunciando que ele ia voltar com o jogo de palavras sobre o caso do
pulso torcido.
— Sim, claro. Eu costumo me encontrar com uma mulher que conheci
há alguns anos. Linda, atrevida, sexy, sarcástica, irritadiça, viciada em
trabalho. Você ia gostar de a conhecer, Lena, ela sabe segurar uma arma
como ninguém.
Dei uma risada e provoquei:
— Ah, quem é, a Erika? Se encaixa perfeitamente na descrição dessa
mulher.
— Oi? — Erika disse com a boca cheia de pizza, parecendo confusa
com o rumo da conversa, e a gargalhada foi coletiva no quarto.
— E você teve um encontro desastroso na sua vida, Gab? Com essa
mulher aí, teve? — Tony perguntou depois que todos pararam de rir.
Gabriel bebeu o resto de sua cerveja, colocou a garrafa no chão, me
olhou rapidamente e voltou sua atenção para a pergunta de Tony.
— De certo modo, sim. Quando nos conhecemos. Passamos a noite
juntos, dormimos, e quando ela foi me acordar no dia seguinte, por instinto,
eu me assustei, peguei o pulso dela e o torci. Eu não estava acostumado a
dormir com ninguém, então... Crec.
— Nossa, Gabriel, que incrível coincidência! — eu exclamei
falsamente e vi Aline dar um gritinho e começar a rir. Os outros a
acompanharam, e eu precisei me conter para não beijar Gabriel, que me

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olhava com um sorriso imenso no rosto — Como eu disse, sempre que me


encontro com você, acabo com uma mão machucada, Segurança... Crec.
Gabriel diminuiu o sorriso um pouco, me olhando como se dissesse
“você é má, Costureira”.
— Ai, gente, que susto, eu crente que vocês ainda estavam em um
relacionamento abertão... — Aline disse com a mão no peito, como se
estivesse genuinamente aliviada, o que encerrou meu contato visual com
Gab.
— Por que, gatinha? Quer entrar nele? A gente aceita mais uma!
Vem, me dá um beijo! — estendi os braços para frente e dei a volta na
cadeira para abraçar a baterista, que gritou e se afastou de mim correndo e se
escondendo entre Betty e Tony.
Voltei para perto de Gabriel, ouvindo a confusão de risadas e
comentários que se seguiram ao meu convite, e olhei para ele. Seu sorriso
diminuiu um pouco ao ver que eu mirava fixamente seus lábios.
Como de costume, parei de ouvir tudo ao meu entorno quando vi a
intenção de Gabriel. Depois de quase três meses de convivência, eu já sabia
reconhecer o desejo nos olhos do Segurança. Aliás, eu já sabia reconhecer um
monte de olhares dele. O de promessas ocultas, o de aviso, o de preocupação,
o de raiva contida... Poderia catalogar a maioria, se quisesse. Mas aquele,
sem dúvidas, era meu preferido.
— Costureira, para de me olhar desse jeito... — ele alertou e esticou o
corpo na cadeira, ficando mais próximo do meu rosto.
Droga. Já vi que vamos dar motivos para as teorias Gabriel & Lena
se reforçarem. Mas quem resiste a essa boca, meu Deus?
— Ou...?
— Ou eu vou esquecer o decoro e vou te beijar na frente de todo
mundo...
— Isso vai render dias de comentários... — eu disse e me inclinei para
perto dele.
— Fora as fotos, Costureira... — Gab completou enquanto passava o
braço pelas minhas pernas.
— Nossa, as fotos, é verdade... WhatsApp só vai dar isso essa

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semana... E Instagram também, não duvido nada... — eu sussurrei antes de


encostar meus lábios nos seus. Dei uma mordida de leve no inferior e sorri —
Ou, talvez, eles tenham mais o que fazer e nem lembrem de nossa existência
aqui...
— Quem sabe? Caso não, deixar eles verem qualquer coisa seria uma
boa vingança, levando em conta tudo que eu já precisei assistir... É uma
banda de rock, lembra? — Gabriel disse e se virou de lado na cadeira, para
ficar de frente para mim. Suas mãos subiram pelas minhas pernas, e eu dei
um sorriso quando seus dedos encostaram no final do suspender e a confusão
se estampou em seu olhar.
Botei as mãos em seus ombros e me inclinei em sua direção, beijando
sua boca com toda calma do mundo. Senti sua língua pedindo passagem e
deixei que ela encontrasse a minha, sem pressa alguma.
Gab me puxou de encontro ao seu corpo e eu coloquei meus braços ao
redor de seu pescoço sem parar de beijá-lo. Não sei quanto tempo ficamos ali,
mas quando sua mão apertou minha coxa com mais força do que o normal e
quando percebi que eu estava quase sentando em seu colo, achei melhor
pararmos antes que as lamparinas se acendessem na frente da banda toda.
Fui parando o beijo aos poucos, finalizando com uma última mordida
em seu lábio inferior e tirei os braços dele antes de perguntar:
— Quer outra cerveja? Ou uma almofada para esconder qualquer
eventualidade? — perguntei, ainda encaixada entre suas pernas. Gab sorriu
enquanto olhava minha boca e respondeu:
— Você tem sorte que tem gente aqui, Costureira...
— Olha, eu chamaria isso de azar, não de sorte, Segurança. Me solta,
vai, deixa eu pegar a cerveja.
Dei um último beijo rápido em seus lábios e me afastei, ajeitando
minha saia antes de sair. Olhei para meus colegas de trabalho e quase suspirei
de alívio ao ver que não fomos centro das atenções: as conversas
continuavam na mesma empolgação que antes.
Ou, ao menos era o que eu achava.
— Ei, Lena, aproveita que você parou de enfiar a língua na garganta
do Gabriel e me traz outra cerveja? — gritou Diego, tranquilamente.
— Ah, para mim também, Lena! Pega gelo também, acho que vocês
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dois estão precisando um pouquinho. Coloca dentro de um travesseiro e senta


em cima, dizem que ajuda bastante a dar uma esfriada nas ideias — Betty
tentava soar blasé como Diego, mas estava porcamente contendo a diversão
na voz.
— Gente, acho que não tem cerveja para todo mundo ali... Nem
caberia, é um frigobar, não uma geladeira duplex, ainda que seja maiorzinho!
— eu respondi, ignorando propositalmente os comentários sobre nosso...
deslize.
— Ah, então compra mais para gente no bar! — Jim pediu, animado.
— Não, nem pensar! A última vez que Lena foi a um bar, ela sentou a
boca num banco de metal e se ferrou toda! Deixa que eu vou — Pierre
ofereceu e se levantou de seu lugar.
— Eu vou com você! — Aline exclamou e saiu junto do figurinista.
Levantei os ombros rapidamente e respondi:
— Bom, por mim... Vou pegar o que sobrou lá, ok?
— Lena! — Diego gritou quando eu estava entrando no quarto.
— Sim?
— Caso uma garrafa caia no chão, lembre-se: não pode pular em cima
dela, tá? Controle seus ímpetos suicidas e dê a volta nos cacos. A volta nos
cacos, entendeu? — ele disse com o rosto totalmente sério, falando como se
eu tivesse doze anos de idade. Tony começou a rir e deu um tapa no braço
dele.
— Ah, muito obrigada, Diego, pelo conselho. Vou me conter. Seu
bosta.
Apesar de não ser desastrada, pelo contrário, eu costumava ter um
pouco de azar nas ações cotidianas quando algo estava fora de minha rotina.
No caso, o problema era aquele dedo imobilizado, então, quando me levantei
com as garrafas restantes nos braços, uma delas escorregou de minha mão e
caiu no chão, fazendo o maior barulho. Ao menos, tive um pouco de sorte: o
vidro não quebrou.
Gabriel entrou no quarto quase que imediatamente, o rosto sério, e eu
dei um sobressalto ao vê-lo ali, do nada.
— Ai, Segurança, que susto! Credo, você é muito silencioso, parece
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um gato! Pega para mim, esse troço idiota na minha mão tá me atrapalhando
toda.
Gab relaxou ao ver que nada de sério havia acontecido e pegou não só
a garrafa no chão, como todas as outras e se virou para sair do quarto.
Comecei a andar para acompanhá-lo, mas ele me interrompeu.
— Lena, espera aqui, eu preciso falar com você.
Estranhei seu rosto sério, mas assenti com a cabeça. Um minuto
depois, Gab entrou de volta no quarto com o rosto fechado, e eu perguntei:
— Eita, Segurança, que cara séria é essa? O que houve...?
Gabriel fechou a porta atrás de si, atravessou o quarto e me beijou tão
de repente, que eu demorei para corresponder. Sua boca desceu pelo meu
pescoço, e soltei uma risada abafada quando ele começou a levantar minha
saia.
— Ei, Segurança... Aqui é o quarto do Jim. Não é exatamente um
bom lugar para a gente fazer essas coisas. Não com todo mundo na sala...
— Não quero fazer “coisas” aqui, Lena, só quero ver o que é isso na
sua coxa... — ele respondeu e se afastou de mim, erguendo minha saia e
olhando para meu harness — Deus, Lena, o que é isso?
— Um harness tipo suspender. Nunca viu um? Olha, ele vai até a
cintura — eu disse e tirei suas mãos da minha saia, levantando o tecido até o
ponto onde a blusa começava — Bonito, né?
Se fosse possível, eu diria que Gabriel estava em estado de choque,
mas ele retomou o controle tão rapidamente, que eu precisei rir.
— Eu não sei para que isso serve, mas... Isso em você fica... — ele
começou a dizer, com o rosto franzido, como se estivesse sofrendo por
alguma coisa. Dei uma risada alta e ajeitei minha roupa. — Você tem outros
desses?
— Tenho, uns cinco.
— Com você? Aqui?
— Sim, na minha mala.
— Cinco diferentes?
— Sim, por quê? Quer experimentar um? — brinquei e me aproximei,

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puxando-o pela gravata.


Gab me deu um sorriso e colocou as mãos na minha cintura.
— Por que eu nunca te vi usando um desses?
— Sei lá, acho que não combinavam com as roupas que eu escolhi até
agora.
— Como se eu estivesse preocupado com isso. Por que nunca te vi
usando um desses? — ele repetiu a pergunta, e eu tombei a cabeça para trás
de tanto rir.
— Olha, Segurança, você gostou? Você realmente tem uma veia
fetichista! — disse e botei as mãos em sua nuca enquanto mordia meu lábio.
— Ah, isso é fetichista?
— Dependendo do ponto de vista, sim. É inspirado em certos trajes
usados por praticantes de BDSM — disse e me inclinei para morder o lóbulo
de sua orelha. — Pega mal se a gente for para o meu quarto agora?
— Pega — ele respondeu enquanto subia de novo minha saia e
passava a mão no suspender. — Deus, Costureira, o que você está fazendo
comigo? Sabe, a Erika é excelente em seu trabalho, assim como os outros
seguranças, mas eu sou o chefe de segurança da banda. Se eu implodir, a
banda terá problemas, e a culpa vai ser toda sua.
— Devo pedir desculpas? — perguntei enquanto chupava seu
pescoço, deixando uma pequena marca em sua pele.
— De modo algum... Eu só preciso... Enfim, vamos voltar para sala,
eles já estão compartilhando fotos do nosso showzinho nos grupos. —
Gabriel me soltou e se afastou de mim, indo na direção da porta. O
acompanhei e saímos juntos do quarto.
Ninguém fez nenhum comentário sobre nossa demora para voltar para
a sala, o que foi um alívio. Gab sentou na cadeira de antes, eu me sentei no
braço do sofá e voltamos a interagir com todo mundo.
Aline e Pierre voltaram momentos depois com umas trinta latinhas de
cerveja, uma garrafa de vodca e duas de... espera!
— Uísque, meninas? Qual é o objetivo, embebedar todo mundo para
ninguém conseguir pegar o voo sóbrio amanhã? Não tem uma entrevista
esperando vocês na Suécia? — perguntei, um pouco assustada com a
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quantidade de álcool naquele quarto.


Diego revirou os olhos e respondeu:
— É exatamente esse o objetivo, Lena, fazer com que você pare de
pensar em trabalho um pouco, sua viciada.
Cruzei os braços e zombei do baixista:
— Olha, Diego preocupado com meu bem-estar? Que incrível.
Alcoolismo não é uma boa solução para curar qualquer coisa que seja,
coração.
Diego fez uma careta e aceitou a latinha que Aline ofereceu para ele.
Para mim, Pierre ofereceu a garrafa de vodca inteira.
— Toma, Lena, bebe um gole. Vamos ver como você fica quando tá
alta.
— Ei, nem pensar! Ressaca é uma realidade na minha vida. Me dá
uma cerveja, é melhor. Ou ao menos um copo, pra que eu não beba demais.
— Que copo, garota, mete a boca na garrafa logo. Finge que o gargalo
é o Gabriel — Aline disse tranquilamente, como se estivesse sugerindo um
passeio turístico agradável.
Todo mundo riu de minha expressão mortificada, e eu achei melhor
obedecer antes que as atenções se voltassem mais em mim. Abri a garrafa e
tomei um gole da bebida, sentindo gosto de baunilha e de riqueza no fundo da
língua.
Passei a bebida para Gabriel, que não bebeu, apenas segurou a garrafa
e me olhou com interesse.
— Que foi, Segurança? — perguntei quando ele não desviou o olhar.
— Uísque — ele respondeu e apontou para a garrafa que passava de
um para o outro com um copo circulando junto.
— O que que tem?
— Em vinte minutos, a gente pode ir embora, ninguém vai perceber.
— Uau, sério? Uísque faz esse efeito neles?
— Faz, bate bem rápido.
— Hmm... Bom saber... — disse, observando todos rindo e bebendo
enquanto conversavam sobre todo tipo de assunto.
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Dito e feito: pouco menos de vinte minutos depois, mais da metade da


banda estava alta e a outra parte ria dos bêbados. Ninguém prestava atenção
em nós dois. Gabriel se levantou com calma, puxou Erika pelo braço até o
canto da sala e sussurrou algo em seu ouvido. Observei a segurança balançar
a cabeça e sorrir.
Em seguida, Gabriel veio na minha direção e falou em voz baixa:
— Sai você primeiro e me encontra no meu quarto. Já te acompanho
— disse e me entregou o cartão de sua suíte.
Sorri, balancei a cabeça, assentindo, e fui andando de costas até a
entrada da antessala, me certificando que ninguém ia me ver. Betty chegou a
me olhar, mas eu levei o indicador aos lábios e pedi silêncio. Ela sorriu para
mim e puxou o rosto de Tony, que tentou acompanhar seu olhar, e a beijou.
Mulher maravilhosa!
Saí correndo pelos corredores até o quarto de Gabriel e entrei, já
procurando as camisinhas nas gavetas. Gab bateu na porta do quarto cinco
minutos depois de mim, e eu abri, rindo ao ver a garrafa de vodca em suas
mãos.
— Seu ladrão! — exclamei e me ajoelhei na cama enquanto ele tirava
os sapatos e me entregava a garrafa. — Nem temos copos aqui, temos?
— Precisa? — ele perguntou e me deu um sorriso luminoso.
— Não, coloca tudo no meu umbigo, é mais fácil — brinquei, mas
Gab arregalou os olhos e sorriu como se tivesse adorado a ideia. — Ah,
droga, amanhã a ressaca vai ser impossível. Que horas é o voo pra
Estocolmo?
Gabriel começou a tirar a roupa, ficando só de boxer, e respondeu
enquanto pegava seu celular no bolso da calça jogada no chão do quarto.
— De tarde, a gente sobrevive, Costureira. Tira a roupa. Não toda, só
a saia e a blusa — ele mandou enquanto desbloqueava o celular. — Com
quem tá sua câmera?
Dei um sorriso de canto de boca assim que entendi suas intenções:
fotos. Ele realmente estava viciando naquilo.
— Não sei, acho que ficou com a Betty — disse enquanto me
levantava da cama e tirava a roupa, ficando só de lingerie e harness.

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— Não tem problema, eu revelo depois. Vira — mandou, mas não


esperou que eu obedecesse, ele mesmo me pegou pelo braço, me virou, me
levou até a parede, beijando meu pescoço, apertando meus seios cobertos
pelo tecido do sutiã, e se afastou por um momento para tirar as fotos. Segurei
a garrafa de vodca contra meu corpo e deixei ele me fotografar da forma que
desejasse.
Ouvi o barulho de seu celular sendo jogado de qualquer modo no
aparador do quarto e fiz menção de me virar, mas Gab logo voltou para perto
e me impediu.
— Você escondeu isso de mim por um milhão de dias, Costureira.
Deixa eu olhar um pouco, pelo menos.
Ri de seu comentário e deixei que ele fizesse o que queria, o que
basicamente se resumia a olhar e passar as mãos pelo meu corpo.
Aquela tortura lenta e inebriante começou a me tirar do rumo, e
quando menos esperava, a garrafa de vodca escorregou da minha mão e caiu
no chão, fazendo um barulho seco ao se chocar contra o piso do quarto. Olhei
por cima do ombro para Gabriel, e ele só fez que não com a cabeça,
indicando que não havia quebrado — e que mesmo se tivesse quebrado, era a
última das preocupações dele.
Fui virada de frente com pressa e logo minhas costas se chocaram
contra a parede. Gabriel segurou meu braço com a mão da tala para cima,
como ele sempre vinha fazendo, para não ter chance de eu machucar o dedo
de novo, e me beijou com força, enfiando a língua na minha boca sem
hesitação alguma. Senti gosto de bebida alcoólica e de Gabriel.
Eu realmente não precisava me importar com a garrafa no chão.
Quem precisa de vodca quando se tem ele?

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Estocolmo

Três meses após o início da turnê, quando tudo estava indo


perfeitamente bem, de acordo com os conformes, vi uma cena que eu não
estava pronta para testemunhar: Gabriel cumprindo seu papel de segurança e
garantindo o bem-estar da banda na base da porrada.
No quarto dia de shows na Suécia, numa relativamente pequena casa
de shows em Estocolmo, um engraçadinho resolveu subir no palco, sabe-se lá
como, e foi prontamente retirado por um outro segurança. Porém seus amigos
revoltadinhos decidiram vingar a expulsão do invasor e subiram que nem
macacos esfomeados rumo aos integrantes da Sissy Walker.
Dos bastidores, vi Gabriel voar que nem um trem-bala para o local da
confusão, sendo acompanhado por Erika e mais outros dois seguranças. Gab
foi direto em cima do maior de todos, um sueco imenso, que devia pesar uns
cem quilos e medir uns dois metros, e o imobilizou com uma facilidade
impressionante. Os outros seguranças contratados agiram imediatamente e
removeram os outros três arruaceiros com o auxílio de Erika, mas o grandão
resolveu reagir e conseguiu se desvencilhar de Gab, o empurrando para trás
como se não houvesse amanhã.
Não sei o que me deu, mas, em um impulso nervoso, dei um passo
para a frente, saindo dos bastidores, quando vi Gabriel desviar o olhar por um
milésimo de segundo e voltar o rosto na minha direção. Foi o suficiente para
o grandalhão se aproveitar do momento de distração e enfiar o cotovelo na
boca do Segurança, que nem se mexeu com o impacto e rapidamente o
imobilizou de novo, o levando ao chão.
Pierre, que me viu entrando no palco e correu atrás de mim, me puxou
pelo braço e me levou de volta para o backstage.
— Opa, aonde você pensa que vai? Eu sei que a cena é agoniante,
mas não tem nada que você possa fazer que não vá atrapalhar, Helena. Olha,
ele já resolveu tudo —disse com calma e apontou para onde ocorrera a
confusão.
Relaxei as mãos, que estavam fortemente cerradas, e balancei a
cabeça assentindo. Ele tinha razão, seria imprudente e irresponsável de minha

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parte, para não dizer totalmente não profissional, me meter em uma área que
não era minha porque me preocupei com o homem que eu dormia.
Meu peito doeu ao pensar na cotovelada que Gabriel recebera por
minha causa. Seu rosto não se moveu um milímetro apesar do impacto. Ele
tinha uma resistência à dor impressionante. Ou isso, ou aprendera bem a
domar suas emoções e reações. Talvez um pouco dos dois.
Quase uma hora depois, quando o show acabou, fomos instruídos, eu
e Pierre, por Ricky, que, por sorte, estava na casa de shows no dia, a
voltarmos sozinhos para o hotel em um táxi, pois a polícia local solicitou a
presença dos responsáveis pela banda e de, é claro, Gabriel e Erika, os
principais envolvidos na confusão.
Quinze minutos depois de ter chegado no hotel, saí do banheiro do
quarto um pouco irritada, não só por ter tomado banho quente, que eu odeio,
mas principalmente pelo que acontecera com Gabriel. Sabia que era a
profissão dele e que esse tipo de evento era normal, mas acho que, no auge do
meu egoísmo, preferia não ter que assistir a esse tipo de coisa. Ou queria
poder impedir, eu... Enfim....
Mesmo com o dedo imobilizado, consegui secar meu cabelo
corretamente, já que o trabalho de Pierre era de qualidade: além de
figurinista, ele também cuidava de maquiagem e cabelo, e conseguiu fazer
um tratamento em meus fios para que eu não aparentasse mais ser uma versão
menos talentosa da Clara Nunes.
Coloquei o roupão e fui me deitar, tentando entender o misto de
sentimentos que brigavam entre si no meu peito. Raiva, afeto, culpa, solidão,
impotência e mais alguns que eu não sabia identificar. Queria socar uma
parede, chutar uma cadeira e atirar com a Glock de Gabriel no joelho daquele
homem babaca que ousou machucar o Segurança.
Mal pensei nisso, me repreendi.
Eu quero atirar num homem só porque ele agrediu Gabriel? Isso é
insano, Helena! Você se transformou no pirado do seu tio?
Virei de lado na cama para pegar meu celular, largado ao lado do
travesseiro, e conferi se havia chamadas perdidas. Chequei as mensagens e
bufei, impaciente, ao ver que não tinha nenhuma notícia de Gab. Estava
preocupada com ele, ainda que soubesse que o ocorrido naquela noite não era
nada demais, nenhum tipo de atentado ou coisa parecida.
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Diversas bandas enfrentavam coisas horríveis por causa de fãs


transloucados. Havia uma banda de rock que, em menos de um ano, sofrera
uns cinco atentados, eu me lembro de ter lido isso. Jack Rock[2], o nome, tão
famosa quanto a Sissy Walker. Uma sucessão de desgraceiras que devem ter
enlouquecido o chefe de segurança deles!
O que eu havia presenciado não era nada perto disso tudo.
Porém eu não trabalhava para essa banda. Trabalhava para a Sissy
Walker, e imaginar que algum deles poderia se ferir na minha frente fazia
meu estômago revirar.
Quando esse alguém era Gabriel, quem se revirava dentro de mim era
meu coração, que se apertava até não aguentar mais.
Droga, Lena. Larga de ser tão ridícula. Ele é chefe de segurança da
banda! Achou o quê? Que isso significava passar o dia conferindo esquemas
de segurança na mansão e só? É óbvio que um dia isso ia acontecer, sua
burra! E, convenhamos, foi só um soco!
Repeti mentalmente inúmeras vezes “foi só um soco, foi só um soco,
foi só um soco”, mas não adiantava. Meu coração estava tão apertado, que eu
senti dor só de imaginar o que poderia ter acontecido. E ele se apertava mais
a cada minuto que Gabriel demorava para chegar em meu quarto.
É, Lena, temos um problema aqui.
Meus pensamentos foram interrompidos por Secret Smile, do
Semisonic, novo toque de alarme, me lembrando que eu havia combinado de
ligar para uma amiga no Brasil naquela hora. Como meu humor não estava
dos melhores, só desliguei o alarme e mandei uma mensagem para ela me
desculpando pelo furo.
Tentei dormir, mas não consegui nem cochilar. Minha cabeça estava a
mil por hora. Acendi meu celular e coloquei a música do toque para tocar no
modo repeat enquanto tentava me acalmar. De alguma forma, Secret Smile
me ajudava a colocar as coisas em seus lugares e refletir sobre o que estava
acontecendo.
Algum tempo depois, quando o player do celular já havia tocado a
música umas vinte vezes, ouvi uma batida suave na porta. Levantei de um
salto e corri para abrir, sem nem me preocupar se meu roupão estava
entreaberto.
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Soltei o ar rapidamente, aliviada ao ver Gabriel na porta. Seu rosto


estava muito fechado, rígido como nunca, mas suas sobrancelhas relaxaram
quando viu minha expressão preocupada.
— Costureira, tá dando para ver tudo... — disse, apontando para meu
decote.
Ignorei seu alerta e o puxei para dentro do quarto, o abraçando em
seguida. Por um breve momento, achei que ia chorar de alívio, mas o
momento se foi rapidamente e eu me recompus antes que desse bobeira.
— Como está sua boca? — perguntei quando finalmente o larguei.
Gab continuou com suas mãos em minha cintura.
— Bem — ele respondeu de maneira concisa.
— Bem? Não está doendo? Jura? — perguntei, incrédula, enquanto
soltava o nó de sua gravata.
— Só incomodando um pouco, nada alarmante — disse enquanto me
soltava para que eu pudesse tirar seu terno.
— Sangrou? Precisou de pontos?
Ele deu de ombros e continuou me olhando com o rosto franzido
numa expressão estranha de dúvida e conflito.
— Vai dormir aqui hoje? — perguntei quando comecei a desabotoar
sua camisa e a tirar seu cinto.
Ele não me respondeu, apenas continuou com a mesma expressão.
— Quer tirar uma foto, Segurança? Vai durar mais — brinquei e dei
um pequeno sorriso enquanto terminava de tirar sua camisa, deixando seu
peito nu.
Dei uma olhada sem malícia por seu corpo, procurando por algum
machucado, e voltei minha atenção para sua calça.
— Ué, onde está seu coldre e a Glock? Agora que dei pela falta
deles... — comentei enquanto abria o zíper de sua calça. — Ei, você não tirou
os sapatos antes de entrar! Anda, deixa essa lancha lá na antessala e volta
para que eu possa continuar meu serviço, por favor — disse e o vesti
novamente.
Gabriel fez o que eu pedi e voltou já sem as meias, parando na minha
frente com as sobrancelhas franzidas de novo. Ignorei seu olhar e voltei a
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desabotoar sua calça, puxando-a para baixo e pedindo que ele desse um passo
para frente. Gab obedeceu, mas em seguida colocou as mãos na minha nuca e
me guiou até a parede que dividia o quarto do banheiro, me prendendo com
seu corpo.
Soltei o ar rapidamente, surpresa com esse ato. A última coisa que
imaginei é que ele fosse querer alguma coisa sexual naquela noite, mas logo
percebi que ele, na verdade, não estava querendo iniciar nada. Olhei seus
lábios se entreabrirem umas três ou quatro vezes antes de ele conseguir botar
em palavras o que gostaria.
— Lena... Por que você...? — ele começou a perguntar, mas não
terminou, apenas continuou me olhando com o rosto fechado.
Coloquei as mãos em seu peito nu, passei o dedo pelas tatuagens, uma
mistura incrível de tribais, carpas e sombreamentos perfeitos, pela cicatriz
escondida pela tinta e aguardei que ele completasse sua pergunta, mas como
nenhum som saiu de sua boca, brinquei:
— Por que eu o quê? Por que eu continuo bela e jovem e você tá esse
velho caquético? Porque eu não fico franzindo as sobrancelhas que nem você,
olha.
Ergui as mãos até o seu rosto, passando os dedos em sua testa até
sentir que ele relaxava. Gabriel olhou para minhas mãos quando eu as desci e
as repousei de novo em seu peito. Meu coração acelerou ao ver que sua
respiração estava um pouco mais ofegante do que o normal.
— Por que você... se importa? — perguntou, entre cansado e confuso.
Engoli em seco e voltei a passar a mão pelas suas tatuagens, mais uma
vez me perdendo nelas. Eu não poderia ficar avaliando sua pele para sempre,
precisava responder sua pergunta.
— Me importo com o quê? — rebati, mesmo já sabendo a resposta.
Fiquei embaraçada de falar naquele assunto, era como se precisasse, sei lá...
explicar uma coisa que nem eu mesma sabia.
Gabriel não respondeu, apenas me abraçou e afundou o rosto no meu
cabelo, respirando fundo. Deixei ele ali por uns segundos, mas comecei a
ficar sem jeito.
— Gab... Não quero interromper seu momento capilar, mas você está
suado e cheirando a outro homem. Por mais que a ideia de você se interessar
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em caras seja atraente, eu não me interesso por outro homem, então... — Ops.
Isso soou como uma declaração? — Enfim, que tal um banho?
Delicadamente me soltei dele e caminhei até a cama, deitando nela e
quase enfiando a cara no celular para disfarçar meu constrangimento. Ouvi
Gabriel indo para o banheiro e afundei a cara no travesseiro, morta de
vergonha.
Aproveitei o banho de Gab para ir ao closet pegar uma das mudas de
roupas que o Segurança passou a deixar comigo desde a Holanda, quando
começou a dormir em meu quarto vez ou outra. Deixei as roupas na mesa de
cabeceira do lado dele e desliguei a luz do abajur, deixando o quarto
iluminado somente pelo meu celular, que ainda tocava a mesma música de
antes.
Já mais relaxada ao ver que Gabriel estava bem, acabei cochilando
enquanto ele tomava banho. Quando acordei, liguei o abajur e olhei ao redor,
procurando por Gab. Vi que a roupa dele não estava mais na mesinha e que o
banheiro estava silencioso, assim como o quarto todo.
Ah, não, de novo Gabriel foi embora desse jeito? Da última vez, foi
até compreensível, já que eu praticamente o expulsei naquele dia em que
brigamos, mas e agora? Qual é a justificativa para isso? Gabriel não pode
fugir a cada coisa que aconteça entre nós dois!
Pensei em ligar, mas me lembrei da antessala do quarto. Não dava
para ver aquele ambiente da cama, então eu decidi ir checar antes de tomar
uma atitude precipitada. Respirei fundo e me levantei da cama, torcendo para
que Gabriel estivesse ali, seja lá por qual motivo. Eu precisava pedir
desculpas pelo que fiz no show, precisava ver que ele não estava com raiva e,
principalmente, precisava ter certeza de que ele estava bem.
Em todos os sentidos possíveis.
Com o coração martelando no peito, fui até a antessala. Gabriel estava
sentado na cadeira que ficava quase ao lado da porta, o que me fez suspirar
de alívio ao ver que ele não fora embora.
— Gab? Por que você tá aí? A cama é grande suficiente para nós dois,
não notou?
Ele pareceu distraído antes de me notar.
— Oi? Ah, sim, desculpa. Não, por nada. Só vim pensar um pouco.
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— Ah, ok... Quando terminar seu momento reflexivo, vem deitar. A


cama é mais macia que essa cadeira — disse e sorri para ele, que me olhou
com uma expressão distante e balançou a cabeça concordando.
Não refleti muito sobre o motivo de sua distância, até porque não tive
tempo: minutos depois, ele se deitou ao meu lado e comentou:
— Eu gosto daquela música...
— Qual...? — perguntei, me virando para ficar de frente para ele.
— A que seu celular estava tocando sem parar.
— Ah, sim. Secret Smile.
— Isso — disse e ficou em silêncio. Aguardei que ele continuasse,
mas ele não falou mais nada.
— Ela me lembra você, Gab — comentei com um sorriso enquanto
colocava as mãos por baixo do travesseiro.
— De mim? Por quê? — ele perguntou com as sobrancelhas
franzidas.
— Não ouviu a letra? “Nobody knows it but you've got a secret smile
and you use it only for me”... Você tem um sorriso secreto que não costuma
mostrar pra ninguém, então...
Gab ficou me olhando com o rosto sério enquanto eu cantava o refrão
sorrindo, até que minha vontade de sorrir morreu, e eu fiquei sem jeito. Ele
não sorriu, não comentou nada, ficou só me olhando com o rosto vazio de
expressão.
— Ok, eu sei que eu não sou exatamente uma boa cantora, mas esse
seu olhar de reprovação é tenso, hein? — comentei na defensiva.
— O que você quer dizer com isso? — ele perguntou do nada,
mantendo a mesma expressão nula no rosto. Parecia um manequim.
— Que você tem um sorriso secreto e que só usa para mim, ué...
Quero dizer, eu acho, sei lá. Não que eu esteja dizendo que você só usa ele
para mim, deve ter outras mulheres que fazem você sorrir desse jeito... Ah,
você entendeu, Segurança. Não faz pergunta constrangedora. Boa noite —
ralhei e me virei para apagar a luz do meu abajur, deixando o quarto na
penumbra.
Virei de lado, de frente para Gab, e fiquei ouvindo sua respiração
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controlada enquanto meus olhos se acostumavam à escuridão.


Fechei os olhos em seguida e mordi o lábio, sentindo um pouco de
vergonha, já que, em menos de meia hora, eu havia feito duas declarações
embaraçosas: que eu não queria ficar com mais ninguém e que eu imaginava
que ele também não.
Senti o colchão se mover e ouvi Gabriel se mexendo. Abri os olhos e
fui surpreendida por seus lábios macios encostando nos meus. Eu o beijei
com calma, pois tive medo que seu lábio estivesse machucado, mas Gab me
puxou para perto e me beijou com vontade, segurando minha cintura por
cima do tecido atoalhado do roupão.
Apoiei minhas mãos ao lado de sua cabeça e interrompi o beijo para
tentar focalizar seu rosto por um momento. Gabriel aproveitou que eu afastei
meu corpo do dele alguns centímetros e soltou o meu roupão, expondo meus
seios na pequena faixa de claridade que entrava por uma fresta da cortina.
— Você ia dormir de roupão? — ele perguntou enquanto se sentava
comigo em seu colo, descia o rosto e beijava meu ombro.
— Não, eu ia trocar depois... eu acho... — respondi num sussurro
quando ele beijou meu seio e mordeu meu mamilo — Gab, eu não sei se
ainda tem camisinha...
Gabriel continuou beijando e mordendo meus seios, como se eu não
tivesse dito nada.
— Segurança... Espera... Ah...! — gemi quando Gabriel me deitou na
cama e afastou o roupão do resto do meu corpo, beijando minha barriga e
descendo os lábios para minhas coxas.
Fiz menção de me levantar para ver se realmente tinha acabado o
preservativo, mas Gabriel me impediu e me deitou de volta na cama,
voltando a beijar minhas coxas enquanto seus dedos subiam até o meio de
minhas pernas.
Prendi a respiração na garganta quando ele colocou as mãos em meus
joelhos e os separou. Poucos segundos depois, eu já estava com o corpo
retesado enquanto Gabriel me lambia e me chupava com uma calma
torturante, como se quisesse apenas me saborear.
Sufoquei um gemido quando ele me acariciou lentamente com os
dedos ásperos, sentindo minha umidade neles, entrando em mim de uma vez
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e parando de me chupar por um momento antes de retomar a tortura


deliciosa.
Gab ficou por uns instantes me provocando, até que se levantou do
nada e deitou ao meu lado. Abri a boca para reclamar, quando ele me puxou
para perto e desceu a mão para o meio das minhas coxas, enfiando dois dedos
de uma vez. Estremeci ao sentir sua pele grossa de novo e me agarrei em seus
antebraços, a respiração ofegante me impedindo de falar qualquer coisa.
Pensando bem, o que eu poderia falar naquele momento? Nada
relevante, definitivamente.
Gabriel ergueu o corpo para passar o braço por trás do meu pescoço e
eu facilitei o processo erguendo a cabeça e me aproximando dele. Com o
rosto quase colado no seu, levei as mãos até sua nuca e tentei beijá-lo, mas
ele fez um movimento circular dentro de mim que arrepiou a pele da minha
coxa inteira e eu soltei um gemido de surpresa contra seus lábios.
— Lena... — ele começou a falar e parou o movimento, mas
continuou assim que eu finquei minhas unhas com tanta força em seu
pescoço, que tive certeza que ficariam marcas no dia seguinte.
Gab beijou minha boca entreaberta e mordeu meu lábio enquanto eu
sentia seus dedos fazendo sua magia dentro e fora de mim, inúmeras vezes.
Ergui meu quadril contra sua mão e o abracei, colando nossas bocas quando
senti a energia se espalhando pelo meu ventre. Ele aumentou a velocidade
quando estremeci, e eu logo atingi aquele pedacinho de paraíso que o
Segurança adorava me levar. Soltei a respiração aos poucos enquanto me
sentia contrair ao redor de seus dedos.
Gab começou a tirar os dedos, mas eu o impedi apertando minhas
coxas. A sensação boa ainda não havia passado e eu mantive ele ali enquanto
durou, relaxando as pernas quando comecei a ficar sensível.
Soltei seu pescoço e afastei um pouco o corpo para respirar.
Afastando o cabelo do rosto, acendi a luz do abajur e me virei para olhar
Gabriel.
Sem tirar os olhos de mim, Gab levou a mão à boca e chupou a ponta
dos dedos que estiveram dentro de mim havia minutos. Em seguida, peguei
sua mão e trouxe até meus lábios, lambendo os nós dos dedos e sentindo meu
gosto neles.

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O silêncio reinava no quarto.


Quando senti que sua mão não tinha mais nada de mim, a soltei na
cama. Coloquei a minha por cima, mas sem entrelaçar meus dedos nos seus.
Meu coração ainda estava acelerado por diversos motivos, então fiquei em
silêncio.
Gab estava calado demais, sério demais, misterioso demais. Não sou
idiota, sei muito bem que a cabeça dele estava cheia de coisas se
engalfinhando ao mesmo tempo, então aguardei que falasse algo. Como não
disse nada, comentei quando não consegui mais sustentar o silêncio:
— Eu fiquei assustada, Segurança...
— Você me distraiu, Lena — ele rebateu, falando pela primeira vez
depois de muitos minutos de silêncio. Seu cenho estava franzido, como se ele
estivesse insatisfeito.
— Eu sei. Me desculpa, eu não pretendia, eu só... Isso não vai se
repetir, eu vou ficar longe do palco a partir de amanhã.
— Não precisa, só... — ele tentou dizer, parecendo um pouco
surpreso com minhas palavras, mas eu o interrompi:
— Precisa sim. Você se machucou porque eu não soube controlar
meus impulsos e quase corri para o palco para chutar o saco daquele inútil. É
melhor que eu não veja onde você está, para que tal coisa não aconteça de
novo. Atrapalha não só o seu trabalho, mas o meu também. Além de arriscar
seu bem-estar e o de todos na banda. Horário de trabalho, Segurança, é nosso
único acordo, não é?
Gabriel me olhou em silêncio enquanto eu falava e não disse nada
quando eu terminei. Seu rosto parecia feito de pedra, de tão imóvel que
estava.
— Gab? Tá tudo bem? Você tá com uma cara... Tá com raiva?
Ele piscou algumas vezes e relaxou o rosto, finalmente. Quase
suspirei de alívio.
— Não... Só estou pensando nisso.
— No quê?
— Nisso — ele respondeu e não disse mais nada.
Tirei minha mão de cima da sua e a escondi embaixo do travesseiro
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enquanto sustentava seu olhar, apesar do cansaço que me acometia. Eu estava


com o corpo relaxado, então o sono começou a me derrubar.
— Isso é muito novo — ele comentou depois que eu me ajeitei na
cama e fechei os olhos para dormir, imaginando que nossa conversa havia
acabado.
— O que é muito novo? — perguntei de olhos fechados, me
esforçando para me manter acordada.
— Isso. Eu. Você — ele respondeu, mas eu não compreendi onde ele
queria chegar.
— O que tem eu e você? — questionei com a voz meio embargada de
sono.
— Nada... Boa noite, Costureira... — ele disse com a voz neutra.
— Boa noite, Gabriel... — respondi antes de cair no sono, pensando
em perguntar o que ele queria dizer no dia seguinte, caso me lembrasse.
Quando acordei, na manhã seguinte, o meu lado da cama estava
vazio. Gabriel foi para o seu quarto sem deixar um bilhete ou coisa parecida.
A única coisa que deixou foi um vazio muito, muito estranho.
Sentei na cama e cobri meus seios com o braço. Eu me senti exposta,
sozinha e estranha, e percebi que, sim, as coisas mudaram, não somente para
mim, mas para ele também.
Mas meu contrato não vai mudar. Em março do ano que vem eu volto
para o Rio de Janeiro, mas Gabriel continua na mansão.
Temos prazo de validade redigido em contrato.
Espero que ele tenha isso em mente.
Porque eu estou tentando me lembrar desse pequeno detalhe
diariamente.

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Não perca o segundo volume da trilogia!

Primeiro capítulo de Sorriso Secreto — Trilogia Amor nas


Alturas: Livro II

Como prometido, vou contar como foi minha primeira noite com
Gabriel. Não somente porque sou uma mulher de palavra, mas porque sempre
há espaço em minhas memórias para relembrar aquele momento. Foi...
chocante.
Antes de Gab acidentalmente torcer meu pulso e me levar para o
parque de nome desconhecido em Londres, nós transamos, como você já
imagina. E muito. No dia seguinte, sentar no banco do parque foi, digamos...
um desafio.
Perdoe essa costureira que está se esforçando para não ser tão vulgar,
mas Gab desperta em mim um lado cachorrona que eu não tenho lá muito
interesse em conter. Mas farei o meu melhor para não soar como uma tarada-
pirada, prometo. Vamos lá.
Depois de ter visto Gab pela primeira vez nos bastidores do show que
a antiga banda de Tony estava abrindo, obviamente o da Sissy Walker, eu
rodei o local todo em busca do segurança, mas não o encontrei. Obviamente
não fiquei perguntando a ninguém sobre ele: o foco era o sucesso do show!
Quando o festival acabou, rumamos todos juntos, eu e a Trophy
Husband, para o hotel reservado. Comemoramos, eles beberam que nem
esponjas, e eu fiquei só em uma tacinha de champanhe, afinal, tinha planos
que envolviam um certo segurança de olhar penetrante e não queria me
esquecer de nada.
Quando o relógio bateu meia-noite, eu anunciei que iria para meu
quarto, peguei minha bolsa e dei um beijo no rosto de cada um dos meus
roqueiros queridos. Praticamente corri pelos corredores do hotel até meu
quarto, tomei um banho bem demorado, vesti a primeira peça de roupa que
encontrei — um vestido soltinho, leve, com mangas ¾ —, acertei minhas
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meias ⅞ — experimenta medir um metro e oitenta e procurar meia-calça que


caiba em você — e calcei sapatilhas pretas confortáveis. Uma vez pronta,
comecei a pensar em como poderia me aproximar de Gabriel.
Todos nós iríamos embora no dia seguinte, portanto eu só teria aquela
chance de provar se minha teoria sobre ele ter algum defeito era real ou não.
Eu apostava que não era. Ele parecia perfeito.
Com meu celular na mão, mandei uma mensagem para o grupo de
WhatsApp da Trophy, perguntando, como quem não queria nada, se a Sissy
Walker ia encontrar com eles depois.
Fui até a cozinha do hotel, que estava fechada para pedidos, mas
como havia uma máquina de café disponível lá, comprei um expresso duplo
enquanto olhava o celular, aguardando a resposta. Como não recebi nada
enquanto bebia o primeiro café, comprei outro e voltei para meu andar,
pensando em bater na porta do quarto de Tony, onde a banda estava reunida.
Foi aí que a sortuda filha da mãe que eu sou trombou em alguém
assim que saiu do elevador de cabeça baixa, olhando o celular, na esperança
de obter uma resposta. Por sorte, meu segundo café já estava pela metade,
então não houve acidentes. Aquela realmente era a noite dos trombamentos.
— Opa, desculpa! — Pedi, me recriminando por não prestar atenção
por onde andava, mas logo beijando meu ombro mentalmente quando vi em
quem eu tinha batido. Por um milésimo de segundo, pude ver a mesma
surpresa no rosto do segurança, que imediatamente voltou a ficar sério.
— Gabriel — disse, oferecendo um sorriso mínimo de canto de boca
enquanto pensava na minha sorte.
— Helena — ele respondeu, me devolvendo o sorriso. Cremoso, esse
homem, meu Deus! — Se é Antônia quem você está procurando, ela saiu do
quarto junto de Betty.
De perto, ele era ainda mais atraente e sua postura profissional era
mais latente, deixando-o com cara de quem escolhia criteriosamente suas
companhias e descartava quem não o interessasse. Ainda que eu não curtisse
homens com aquela postura um tanto quanto sisuda, Gabriel era magnetismo
puro. Não dava para resistir.
— Eu não estava procurando por ela. Mas nada do que acontece com
a sua banda te escapa, não é? Sabe até o que os membros fazem fora do

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horário de serviço? — perguntei, apesar de já saber da resposta. Queria apenas


que ele continuasse falando enquanto eu bolava algum esquema para facilitar
meu acesso àquele pescoço maravilhoso.
Ele balançou a cabeça concordando, e eu aumentei meu sorriso,
olhando para sua mão e vendo o cartão de acesso de seu quarto. Num arroubo
de coragem, estendi a mão lentamente e peguei o cartão, vendo o número
estampado em letras compridas e escuras. Gabriel não tirou os olhos do meu
rosto enquanto eu fazia isso.
— Esse é o seu quarto? 207?
Ele assentiu enquanto seus olhos buscaram os meus com intensidade,
como se ele estivesse tentando decifrar meu ponto com aquelas perguntas.
— Te escapou que o meu quarto é o 206? — apontei para a porta da
minha suíte, e ele acompanhou meu olhar, mas logo voltou a me encarar com
o meio sorriso de volta no rosto.
— Talvez isso possa ter me escapado, mas apenas porque estou de
folga — ele respondeu com a voz rouca.
Voz profunda. Daquele tipo de quem está se segurando. Meu tipo de
voz preferida.
Parece que Tony não estava totalmente certa sobre o segurança ser
muito fechado. Ou, quem sabe, as barreiras sejam sentimentais? Por mim,
tudo bem. Não estou procurando um marido.
— Folgas são excelentes. Sabe quem também está de folga? Eu.
Afinal, todo mundo sabe se vestir fora do festival, né? — comentei, e o
sorriso dele aumentou, mostrando dentes perfeitos e alinhados quando pegou
o cartão de minha mão, guardando no bolso da jaqueta de couro. — Olha, ele
tem dentes! — brinquei e sorri também.
Meu coração pulou uma batida quando ele deu um passo para frente,
se aproximando de mim o suficiente para eu sentir seu perfume delicioso.
— Além da noite de folga, sabe o que eu também tenho? — ele
perguntou enquanto se inclinava sobre mim, mantendo sua boca a
centímetros da minha e, sem que eu percebesse, pegando meu copo de café,
olhando por um momento e bebendo todo o líquido que esfriava. — Tenho
que comprar café. Mas acho que vou pelas escadas… Um pouco de exercício
faria bem, não acha?
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Fiz um esforço tremendo para não cobrir a distância que restou entre
nós dois e beijar aquela boca maravilhosa tão próxima da minha e agora com
sabor do meu café. Creio que esse pequeno diálogo tenha sido o mais erótico
que eu tive nos últimos anos.
— Por favor, não deixe que eu te atrase em suas atividades físicas.
Gabriel me olhou por mais alguns segundos — que me pareceram
longos minutos —, sorriu de leve e seguiu seu caminho pelo corredor do
hotel, olhando por cima do ombro e me metralhando com mais promessas
ocultas.
Contei exatos dez segundos e caminhei lentamente até as escadas de
emergência do hotel. Olhei ao redor antes de sair pela porta, apenas para me
certificar de que estávamos sozinhos no corredor, e pisei na escada, fechando
a porta corta-fogo atrás de mim. Fiquei em silêncio por um segundo, tentando
ouvir se Gabriel já havia descido, quando um movimento exatamente ao meu
lado me assustou. Olhei e vi o segurança parado, sorrindo, sem a jaqueta, que
estava pendurada no corrimão da escada do andar de cima.
Meus olhos imediatamente se focaram em seus braços tatuados, antes
ocultados pelo couro, e eu tive que morder o canto interno da boca para não
suspirar. Seus braços eram cobertos de tatuagens, que subiam até se perderem
por baixo do tecido da camiseta rasgada que caía perfeitamente em seu corpo,
compondo o visual meio punk.
— Olá de novo — disse com um sorriso sensual brincando no rosto,
as mãos nos bolsos das calças jeans, o corpo encostado na parede e um dos
coturnos com a sola virada para trás, servindo de apoio. — Veio fazer
atividade física também? Faz bem ao coração não usar elevador, sabia?
Meus lábios se entortaram num sorriso vitorioso.
— Já ouvi falar, Gabriel. Mas há outras atividades que também são
muito boas para o coração além de ignorar o elevador, não acha? — olhei ao
redor momentaneamente, buscando por câmeras e encontrando uma que
apontava exatamente para nós dois. O segurança respondeu minha dúvida
silenciosa:
— As desse andar estão desligadas, o andar superior está interditado
para obras e a porta não abre por fora no andar inferior.
Uau.

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Ele realmente manja dos paranauês de segurança.


Voltei a olhar para ele e sorri quando ele se aproximou o suficiente
para que eu precisasse erguer o queixo para olhá-lo, mas não fez mais
nenhum movimento. Nós nos olhamos por alguns instantes, até eu perceber
que ele não ia avançar mais.
— Entendo... Mas quer saber o que também está totalmente
desativada aqui, Gabriel? — ele balançou a cabeça concordando, e eu avancei
em sua direção, puxando-o pela gola da camisa antes de sussurrar em seu
ouvido. — Minha paciência...
Cobri sua boca com a minha, e meus batimentos cardíacos foram a
mil quando ele me enlaçou pela cintura, me beijando com intensidade e me
encostando na lateral da parede da escada.
O que aconteceu em seguida foi um mar de sensações únicas. A
língua de Gabriel se encontrou com a minha, fazendo com que todo o meu
corpo se arrepiasse. Passei a mão pelo seu pescoço e finquei minhas unhas
em sua nuca quando minha coxa foi erguida e eu senti a mão áspera de
Gabriel deslizar por cima da meia-calça, parando na faixa de pele que a sete-
oitavos não cobria.
Senti uma leve hesitação de sua parte quando sua mão encostou na
liga que prendia a meia-calça e acabei sorrindo contra seus lábios. Por que
uma simples peça de lingerie causa tanta comoção em algumas pessoas?
As mãos de Gabriel me ergueram do chão, e eu passei as pernas ao
redor de seus quadris, deixando que ele subisse as escadas para o andar
interditado. Sua boca desceu direto para o meu pescoço enquanto suas mãos
exploravam o meu corpo ainda vestido. Estendi as mãos para tentar tirar sua
camiseta, o que obviamente não seria muito sensato. As escadas eram um
lugar seguro, mas não trancado à chave.
Desisti de desnudar o segurança e me concentrei somente naquele
amasso deliciosamente doido, especialmente quando o segurança parou no
andar isolado e, ainda comigo no colo, sentou na escada, sabe-se lá como.
Comecei a mexer meus quadris em busca de um atrito maior com
determinada área de sua anatomia e dei um gritinho de surpresa quando senti
a mão forte de Gabriel apertar minha bunda com força, me empurrando para
mais perto dele. Mordi seu lábio inferior antes de deslizar minha língua para
dentro da sua boca e torci para que ele não fizesse aquilo de novo, ou nem
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teríamos tempo de buscar uma…


Opa… Bem lembrado...
Interrompi o beijo, tentando controlar minha respiração, e abri a boca
para perguntar se não poderíamos logo ir para o quarto, mas o único som que
saiu de dentro de mim foi o de respiração contida, já que a mão que antes
apertava minha bunda desceu, afastou minha calcinha para o lado e deslizou
um dedo para dentro de mim.
Inspirei rapidamente e inclinei meu corpo para frente, erguendo meus
quadris o máximo que consegui para facilitar a entrada de um segundo dedo.
Não que houvesse necessidade de facilitação, para falar a verdade: meu
estado de excitação provavelmente permitiria que ele colocasse mais um dedo
tranquilamente, ou talvez uns trinta, quem sabe?
Minha respiração ficou ruidosa enquanto eu buscava um maior
contato, movendo meu quadril contra sua mão. Por causa do ângulo de seu
braço, Gabriel não tinha um acesso tão livre a mim quanto gostaríamos, então
ele retirou seus dedos e perguntou:
— Quarto?
— Quarto — eu respondi, ofegante, e me levantei de um salto de seu
colo. — Meu ou o seu?
Ele ponderou por um momento e respondeu:
— O meu. Tudo bem?
Assenti com a cabeça e perguntei, o corpo em chamas como há muito
não ficava. Se houvesse uma mísera possibilidade de fazer algo ali mesmo,
eu faria e dane-se o quarto.
— Você tem camisinha com você?
Gabriel fez menção de me puxar de volta para seu colo, mas desistiu
assim que ouviu minha pergunta, hesitou por um momento, como se não
tivesse certeza, e logo uma expressão de derrota apareceu em seu rosto. Eu
sorri e o tranquilizei:
— Eu tenho, relaxa. Vou buscar no meu quarto. Cinco minutos.
— Quatro — ele disse, já com a respiração controlada, mas com o
desejo obviamente estampado no rosto. — Três, já perdeu um.
Sorrindo, me preparei para correr, mas ele me pegou pelo braço,
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enfiou a mão no meu cabelo e me puxou com força, chocando sua boca na
minha e me beijando com paixão. Quase despi minha roupa ali mesmo.
Assim que me soltou, eu corri sem nem olhar para trás ou dizer nada, antes
que perdesse a linha totalmente. Pude ouvir ele comentar em voz baixa “dois”
e corri mais rápido ainda.
Pelo visto, a tal da muralha que o cercava realmente era emocional. A
sexual estava com os portões bem escancarados, felizmente.

***

Cheguei ao seu quarto uns seis minutos depois, já que consegui a


proeza de perder o meu cartão enquanto procurava as camisinhas em minha
pequena mala de viagem. Normalmente, sempre as levo comigo em uma
bolsinha separada dentro de um compartimento da mala, mas exatamente
naquela viagem, eu joguei a bolsinha no meio das roupas e perdi a chave do
quarto no meio da bagunça.
Notei que havia algo mantendo a porta do quarto de Gabriel e vi que
era uma gravata enrolada. Quase ri ao ver a cor: vermelha Hitman. Não
consegui imaginar Gabriel usando gravatas vermelhas. Ele combinava mais
com as escuras. Talvez tenha sido por isso que ele tenha usado aquela na
porta: se marcasse o tecido, provavelmente não faria diferença.
Seu quarto era exatamente igual ao meu. Mesma cama imensa no
meio do quarto, mesmo banheiro à direita, mesinha de telefone à esquerda.
Tudo igual. A diferença é que no meu não havia um coturno masculino na
entrada.
Ouvi um barulho no banheiro e ouvi a porta sendo aberta. Gabriel saiu
de dentro do cômodo, seminu, de toalha nos quadris, com a pele brilhando
pelo banho recém-tomado e com um olhar que derreteria o coração do Kimi
Räikkönen.
Gabriel parou de secar o cabelo com outra toalha e me olhou, com um
sorriso.
— Demorou. Foram oito minutos — brincou, e eu respondi, me
aproximando:
— Seis. E você me atrasou, então não demorei nada. Olha, ele tem
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dentes. — Repeti ao ver seu sorriso.


O segurança sorriu, jogou a toalha — a de cima, não a de baixo — em
cima da pia e começou a caminhar na minha direção, passando a mão nos
cabelos curtos e ainda úmidos.
— Achei que tinha desistido... — comentou em voz baixa,
aproximando seu rosto do meu e parando de avançar.
— Por causa de seis minutos? Que dramático... — eu provoquei
dando um passo para trás e sorrindo.
Sem tirar seus olhos dos meus, Gabriel sorriu e deu mais um passo
para frente, me fazendo andar de costas até chegar na beirada da cama.
Senti a língua do segurança entrar minha boca e o agarrei pelos
ombros, forçando-o a se virar de costas para a cama. Eu o empurrei com as
duas mãos espalmadas e sorri quando ele caiu na cama, o rosto sério
revelando o imenso desejo compartilhado comigo.
Sorrindo, tirei meu vestido, me ajoelhei entre suas pernas e me
aproximei lentamente do segurança, que ergueu um pouco o corpo se apoiou
nos cotovelos enquanto me olhava fixamente.
Precisei fazer um esforço imenso para não encarar a ereção
deslumbrante que despontava embaixo da toalha branca, já que não sou
totalmente fã de ficar elevando ego alheio. Mas, nossa senhora, a prova de
que ele me queria tanto quanto eu o queria era bem... animadora!
Passei os joelhos ao redor de sua cintura e inclinei o corpo para frente
enquanto posicionava meus quadris em seu colo. Senti sua ereção encostar
em mim, e meus olhos se fecharam imediatamente quando senti o prazer que
o atrito dela com minha pele sensível causou.
Meus cabelos soltos caíram em seu rosto enquanto eu empurrava seu
tronco de volta para a cama. Gabriel me olhava com o olhar mais intenso que
eu já tinha recebido de alguém até aquele momento, e eu não pude segurar
um sorriso quando ele me segurou pela cintura e inverteu nossa posição, se
inclinando sobre mim.
Repeti sua posição anterior e me apoiei nos cotovelos para poder
passar a língua em seus lábios. Ele entreabriu a boca enquanto eu lambia seu
queixo. Senti metade de todo o sangue que meu corpo em brasas possuía ser
drenado para meu ventre quando ele fechou os olhos e apertou meu braço em
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resposta.
Ótimo, ele está começando a perder o controle. Vamos ver até quanto
ele aguenta sem ir adiante.
Ergui mais meu corpo, fazendo com que ele se afastasse um pouco, e
tirei meu sutiã, jogando-o no mesmo limbo em que todas as outras roupas
estavam nesse quarto. Gabriel abaixou o olhar para dar a checada tradicional
nos meus seios, e eu senti a leve vergonha de sempre. Não sou muito fã de
checagens corporais no pré-sexo, mas não me cobri, como faria antigamente,
apenas o puxei para perto e chupei seu lábio inferior.
Gabriel me empurrou na cama, e eu sorri. Seu controle estava por um
pequeno fio, eu notei quando ele começou a puxar minha calcinha. Levantei
o quadril para facilitar o processo e meu sorriso desapareceu quando ele
jogou a calcinha perto da porta e desceu a cabeça, indicando que não era bem
minha boca que ele pretendia beijar no momento...
Em geral, eu não fazia nem recebia sexo oral de desconhecidos. Sou
extremamente precavida e muito grilada com higiene pessoal, mas, naquela
vez, abri uma pequena exceção, somente porque os dois haviam tomado
banho e...
Nossa Senhora das Imprecações, que língua é essa? Gabriel podia
ser tudo aquele que Tony havia dito: frio, distante, sozinho e sei lá o que
mais, mas ele sabia MUITO bem o que estava fazendo. Como diria a Júlia,
esse merece um PhD em Estudos da Oralidade tranquilamente!
Aliás, em Linguística Aplicada também.
Ah, dê logo todos os títulos de doutoramento do mundo para esse
homem, que se foda todo o Conselho Nacional de Pesquisa Científica!
Agarrando-me a todos os clichês sexuais que eu conhecia, ouvi o
barulho de unhas arranhando o colchão e percebi que eram as minhas,
segurando os lençóis com força enquanto Gabriel fazia sua magia.
Comecei a sentir o suor brotar por todos os meus poros e tentei
controlar minha respiração. Aquilo era muito, mas muito gostoso! Ergui meu
tronco e não consegui segurar um gemido de surpresa quando Gabriel
deslizou um dedo para dentro de mim e retirou rapidamente, sem tirar a
língua de onde estava nem por um segundo.
Meu corpo se contorceu enquanto buscava um contato maior de suas
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mãos e sua língua e deixei escapar um gemido alto quando ele enfiou dois
dedos em mim e os manteve lá dentro. Senti o calor de sempre espalhar pelo
meu corpo enquanto ele continuava me chupando e movimentando seus
dedos de maneira ritmada.
Não demorou muito para que eu sentisse meus dedos do pé se
contraírem com força, avisando que meu orgasmo estava a caminho.
Momentos depois, não consegui mais controlar minha respiração, e os
gemidos começaram a escapar de minha garganta.
Gabriel aumentou a velocidade dos dedos e da língua de acordo com
as reações do meu corpo. Gozei divinamente, erguendo meu corpo para frente
enquanto minha cabeça tombava para trás. Senti as contrações familiares e
deixei todo o ar sair dos meus pulmões enquanto voltava a deitar na cama.
Ele parou de me lamber, mas manteve os dedos dentro de mim, me
fazendo empurrá-lo com o pé em reação ao contato com a pele sensível.
— Deixa ela respirar, moço... — disse, entre risadas sem fôlego,
mantendo os olhos fechados enquanto ainda sentia os espasmos pós-orgasmo.
Ouvi sua risada rouca e enxuguei minha testa úmida de suor com a
mão enquanto ria. Abri os olhos e vi Gabriel se levantar e pegar minha
bolsinha, largada próxima ao travesseiro.
Ainda com o meio sorriso no rosto, ele me entregou a bolsa, e eu, sem
me levantar da cama, estendi a mão preguiçosamente e tirei o pacote fechado
de camisinha, entregando para ele em seguida. Joguei a bolsa para trás e me
levantei, me ajoelhando na cama enquanto ele rasgava o pacote e tirava uma
camisinha, colocando-a entre os dentes e jogando os outros preservativos
embalados no chão.
Sua toalha logo foi fazer companhia às roupas no piso frio do quarto,
deixando Gabriel completamente nu. Fiz força para manter meu rosto
impassível, mas foi bem difícil, já que aquele homem tinha um físico muito
impressionante, com músculos definidos no ponto certo, braços fortes e coxas
que te dão vontade de lamber até o próximo feriado nacional. Não importava
qual feriado, se um brasileiro ou um londrino, eu só queria lamber aquele
corpo até ficar com a língua seca.
De novo, tentei não encarar sua ereção, mas não consegui. Ela me
olhava tão fixamente que eu não resisti e dei uma checada, ficando
oficialmente satisfeita com o que vi.
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Também me satisfez bastante o fato de Gabriel não ser desses homens


que ficam todos metidos ao ver uma mulher admirando seu pau. Tenho horror
desses que ficam sorrindo enquanto colocam a camisinha, como se
estivessem mostrando um troféu de campeonato mundial de boliche para a
mulher que vão comer.
Gabriel terminou de colocar o preservativo e se aproximou de mim
com o rosto rígido, se ajoelhando na cama e se inclinando para me beijar.
Sempre fui alta, mas ele era ainda mais alto que eu, e sua ereção encostou no
começo de minha coxa por isso.
Eu o agarrei pelo pescoço, como fizera em todos os momentos
daquela noite gloriosa, e o beijei, sentindo suas mãos abraçarem minha
cintura e me deitarem na cama. Gabriel apoiou o peso de seu corpo no meu
enquanto eu deslizava as mãos pelos seus braços definidos, parando nas
tatuagens maravilhosas e admirando a qualidade delas por um segundo antes
de seus lábios capturarem os meus.
Beijando intensamente minha boca, Gabriel se posicionou entre as
minhas pernas e rapidamente me penetrou, soltando um gemido rouco muito
semelhante ao que saiu de minha boca. Ainda sensível por causa do orgasmo,
movi meu corpo contra o colchão buscando alívio, mas o segurança me
segurou pelos quadris me impedindo de sair.
— Calma... Ela já vai respirar direito, confia em mim...
Sorri ao ouvir sua brincadeira sensual e mordi o lábio quando vi seu
sorriso hipnótico e cheio de luxúria. Balancei a cabeça concordando e movi
meu corpo contra o seu, sentindo menos a sensibilidade e mais tesão. Gabriel
começou a se movimentar, entrando fundo em mim e saindo quase que por
completo, bem devagar.
Mordendo os lábios de ansiedade e sentindo meus músculos pedindo
por mais, pensei em abrir a boca para pedir que ele acelerasse, mas Gabriel
entrou em mim rapidamente, respirou fundo ao sentir meus músculos internos
o apertarem e perguntou:
— Ainda tá muito sensível? Tá te machucando?
Sorri e passei minhas pernas ao redor de seu quadril, balançando a
cabeça em negativa.
— Nem um pouco. Pelo contrário.

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Ele sorriu e voltou a me beijar, apoiando o cotovelo na cama e se


posicionando sobre mim em um ângulo mais confortável para ambos. Senti
ele me preencher e respirei fundo, me agarrando de novo em seus braços
quando ele aumentou a velocidade até o ponto em que minha respiração ficou
totalmente descontrolada.
Sem parar de entrar em mim, ele se abaixou e mordeu meu mamilo,
fazendo com que minha pele se arrepiasse em resposta. Gabriel tornava todas
as transas passadas exatamente o que eram: casuais. Aquilo não era algo
eventual, esporádico, simplório: era algo muito intenso e marcante. Era foda
de qualidade, com direito a química nas alturas e tudo o mais que uma boa
transa poderia me oferecer.
A vontade de mudar de posição bateu, e eu pensei em empurrá-lo,
mas vi que não ia conseguir mover um dedo dele se não usasse minha cabeça,
já que ele era maior e mais forte que eu. Porém, eu aprendi muito bem a usar
a força alheia ao meu favor nas aulas de defesa pessoal, então me recordei de
um dos movimentos ensinados pela minha instrutora: prendi meu pé ao redor
de sua panturrilha, agarrei o braço de Gabriel que não estava apoiado no
cotovelo e fiz seu corpo pender para o lado, girando e me posicionando em
cima dele.
Ele abriu os olhos, surpreso e ofegante, mas não falou nada, só me
olhou fixamente. Acertei os quadris e finquei minhas unhas em seu peito
quando senti ele deslizar de volta para dentro de mim.
Comecei a mexer meu corpo buscando mais contato e senti suas mãos
deslizarem pela minha barriga e minha cintura. Movi meus quadris e tombei a
cabeça para trás, sentindo o calor espalhar do meu ventre pelo meu corpo
enquanto sua ereção entrava e saia de dentro de mim.
Fiquei por cima por mais algum tempo, sentindo o suor escorrer pelas
minhas costas, até ficar sem fôlego e deitar por cima de Gabriel, sem deixá-lo
sair de dentro de mim.
Passei minha língua por toda a extensão de sua tatuagem no peito,
sentindo sua pele salgada de suor. Saí de cima dele e fiquei de joelhos na
cama, puxando-o pelo braço para que se levantasse.
Não precisei explicar muita coisa. Gabriel se posicionou atrás de
mim, empurrou meu tronco para frente, me fazendo empinar a bunda, e me
penetrou bem fundo, arrancando um gemido alto da minha garganta. Apoiei
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as mãos na cabeceira da cama enquanto ele colocava a mão na minha boca,


me calando.
Mordi seu dedo e sorri ao ouvir sua risada rouca e sentir seus lábios
no meu pescoço. Gabriel retomou os movimentos de entra-e-sai, e eu precisei
me segurar com força na cabeceira enquanto tentava não gemer muito alto.
Senti ele entrar e sair com força mais uma, duas, três, dez, inúmeras
vezes, e empinei o corpo, sentindo a nuca arrepiar e os dedos contraírem no
tradicional aviso de orgasmo um tempo depois.
Gabriel sentiu a mudança na minha postura e me pegou pelo cabelo,
puxando o suficiente para tombar minha cabeça para trás. Senti um tapa
acompanhado de um apertão forte na minha bunda e não consegui mais
segurar o orgasmo.
Ele soltou meu cabelo e tapou de novo minha boca, sem deixar de se
movimentar freneticamente para dentro de mim. Gemi contra seus dedos,
estendi o braço para trás e finquei minhas unhas com força em sua coxa
quando senti os espasmos do orgasmo se espalharem em meus músculos
internos.
Assim que a energia do orgasmo foi totalmente liberada, meu corpo
relaxou profundamente, mas eu não caí na cama como gostaria. Esperei
Gabriel gozar, o que aconteceu logo em seguida: seu corpo estremeceu e um
gemido rouco saiu de seus lábios enquanto entrava em mim uma última vez.
Ficamos parados na mesma posição por alguns segundos, tentando
regularizar nossas respirações, até Gabriel beijar meu ombro e sair de trás de
mim, indo tirar o preservativo. Deixei meu corpo cair na cama e me virei de
barriga para cima, afastando meu cabelo colado no rosto úmido de suor.
Gabriel deitou ao meu lado, também de barriga para cima, e ficamos
ouvindo a respiração um do outro, até ele virar o rosto para mim, buscando
meus olhos.
Virei a cabeça para o seu lado e sorri para ele, ainda ofegante.
— É muito imbecil se eu falar “uau”?
Rindo, ele esfregou as duas mãos no rosto, limpando o suor que
escorria de sua testa.
— Nem um pouco. E se for, eu prometo não contar pra ninguém.

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Voltei a olhar para o teto com um sorriso no rosto e respondi:


— Uau.
— Uau. — Ele repetiu dando uma risada baixa, que eu logo
acompanhei antes de começarmos tudo de novo.
E de novo.
E de novo.

***

Dessa noite, eu não tenho nada a dizer a não ser concordar com o que
foi dito.
Uau.
Felizmente, noites como aquela se repetiram mais vezes, quatro anos
depois, quando passei a trabalhar com a Sissy Walker.
O único problema foi quando as noites intensas de sexo viraram
noites intensas de outras coisas.
Outras coisas que nem eu nem ele poderíamos nomear.
Ainda não.

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Sobre a autora

C. Caraciolo, também conhecida como Clara Taveira, é uma leitora


compulsiva de tudo quanto é tipo de literatura (menos terror, é medrosa
demais para isso), revisora profissional, blogueira do Capitu Já Leu e
embaixadora do Wattpad. Fundou, com Aretha V. Guedes e Carol Moura, o
Botando Banca, um projeto de literatura bacanérrimo (joga no Facebook,
confia em mim!).
Quando não está trabalhando ou lendo, está mergulhando na escrita de
histórias que desde sempre povoaram sua mente. Sua primeira série de livros,
a Wings, foi destaque no Wattpad antes de virar best-seller na Amazon e
depois se transformar na trilogia Amor nas Alturas, contando com mais de
um milhão de leituras.
Você pode encontrar C. Caraciolo no Facebook, no Wattpad, na
Amazon e nos sebos do Rio de Janeiro. Ela adora sebos.

Outras obras da autora:

Para Sempre Noiva – Disponível na Amazon


Não Me Dê Flores – Em breve, na Amazon
Meu (não tão) Doce Chefe – Em breve na Amazon
Meu Armário de Cerejeira – Disponível no Wattpad

[1]
“Encontre-me na floresta, no fogo
Encontre-me no meio de seu desejo
Eu tenho amor em alta conta
‘Amor nas alturas’

Encontre-me no sagrado, na dor


Encontre-me na seca, na chuva
Eu tenho amor em alta conta

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Eu vejo o amor em todas as faces”


[2]
Inicialmente, a banda contratante de Gabriel e Lena, na versão Wattpad de Amor nas
Alturas, era exatamente a Jack Rock, da série best-seller de minha amiga Aretha V.
Guedes. Mas, por razões contratuais envolvendo concursos literários, nós tivemos que
quebrar o crossover. Você pode conferir os livros da JR na Amazon: Elle – Música, Amor e
Amizade, Elle – Sombras do Passado, Elle – Amor e Redenção, Chris e o box de contos!

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