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Nana Simons
Capítulo 1
“Apenas se renda porque você sente a sensação te tomar.”
(The Greatest Show, Panic! At The Disco[1])
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Beijá-la havia sido sublime, mas a forma como Charo fugira de mim
logo depois me deixou abalado. Eu a queria e era correspondido, mas, só para
variar, havia algo no meio do caminho. Algo que eu não podia controlar, algo
que parecia me rasgar a carne e eu só me dei conta depois do show de quinta.
Domingos estava sentado no primeiro camarote, bebendo enquanto
assistia ao espetáculo daquela noite, fazendo meu estômago se comprimir a
ponto de doer, afinal de contas, eu descumpria a única ordem de trabalho que
ele havia me dado. Estava cada vez mais próximo da mulher que ele tinha
como sua e não tinha a menor intenção de recuar, mesmo que ela tivesse me
ignorado por todo aquele dia.
O show, como sempre, acabou com o público aplaudindo
intensamente e, quando os espectadores foram liberados para o palco, perdi
Charo de vista enquanto ela caminhava com seu vestido vermelho na direção
dele.
A agonia que atingiu meu peito só não foi maior que a tristeza.
***
Três dias se passaram. Três dias em que a luz do quarto dela ficou
apagada. Três dias em que ela não apareceu nos ensaios.
Três dias em que pensei que iria enlouquecer.
A substituta de Charo tentava, mas não conseguia acompanhar o ritmo
dela na dança, nem ser tão formosa e delicada, mas, por todo aquele final de
semana, nós não tínhamos outra opção e, apesar de ouvir burburinhos sobre
Charo estar demorando para voltar, também recebi o recado claro do maestro
quando me distraí e perdi minha entrada solo no ato.
— O show tem que continuar! — Ele disse ríspido, me fazendo tomar
ciência de que, por mais discreto que eu tentasse ser, não tinha como
esconder o quão abatido eu estava sem nenhuma notícia dela.
O sono não vinha, o calor incomodava, alguns pernilongos me
irritavam, mas nada disso importou quando, na madrugada de domingo para
segunda, eu ouvi os sons de passos apressados no corredor e vozes femininas.
— Vamos logo com isso, segure-a com mais firmeza. — A voz era de
Carmen.
— Não se preocupe, eu consigo andar. — Era a voz dela: cansada,
falhada.
— Minha filha, faz tempo que não te vejo assim. Isso tem a ver
com…
— Não. — Charo a interrompeu antes de continuar. — Isso não tem a
ver com ninguém. Só me ajude a deitar, por favor.
Eu não esperei. Levantei num pulo, calçando os sapatos e espreitando
pela janela até ter certeza de ela estar sozinha para que eu, finalmente,
pudesse ver com meus próprios olhos o estado em que ela se encontrava.
E, para o meu completo desespero, quando abri a porta do quarto de
Charo, sem convite, sem ninguém para me impedir, meu coração se quebrou
em mil pedaços ao mesmo tempo em que o ódio e a raiva por Domingos
cresceu de uma maneira absurda, dominando minha mente tão abruptamente
que, por um segundo, minha visão escureceu e eu pude assistir, dentro da
minha mente, enquanto minhas mãos esmagavam seu pescoço, fazendo o
homem sufocar até morrer.
— O que faz aqui? — O tom cansado de Charo me trouxe para a
realidade.
Ela não fez questão de se cobrir, me olhando sobre o ombro, com os
olhos injetados, cheia de vergonha. Pela primeira vez, eu a vi sem as roupas,
mal coberta da cintura para baixo, por um lençol, que escondia o restante dos
roxos em seu corpo. Seus braços, pescoço, ombros, costas e quadril tinham
marcas feias, grandes, além de lugares machucados, onde a pele não havia
resistido à clara fricção onde o corpo dela ficara amarrado, e aquilo tudo,
junto do olhar dela, me fizeram acalmar o descontrole.
Ela precisava de mim ali.
Respirei fundo, passei a mão pelo rosto e me aproximei da cama,
querendo ver mais de perto o que haviam feito com a pobre mulher.
— O que aconteceu? — Perguntei.
— Vá embora, Adrian. — O tom era quase desesperado, mas, dessa
vez, eu não obedeci. Me sentei ao lado de Charo, encarando seu rosto, vendo
a primeira lágrima dela ceder e rolar pela bochecha. — Vá embora. — Ela
pediu de novo e eu fiz que não com a cabeça.
— Eu não vou deixar você sozinha.
— Você não tem outra opção. — Ela disse entre dentes, fugindo do
meu olhar, virando a cara para o travesseiro. — Não posso deixar que você se
machuque também. — Era baixinha sua confissão, mas eu ouvi.
— Isso não é uma escolha sua.
Com cuidado, me apoiei sobre o cotovelo e me aproximei de Charo,
puxando seu rosto para cima, fazendo com que ela me olhasse nos olhos.
— O que aconteceu? Me conte. — Pedi, quase implorando, vendo a
mulher à minha frente se transformar em uma menina enquanto comprimia os
lábios, visivelmente magoada, machucada e assustada.
— É assim, toda vez, desde que eu me lembro. Quando ele está bem,
me machuca menos, mas, quando está bravo, descontente… quando eu
cometo algum erro… — E ela desatinou a chorar quase me fazendo chorar
junto.
— Shhhh. Não precisa dizer mais nada. — Acolhi Charo da melhor
forma que dava, acariciando seus cabelos, que tinham cheiro de fuligem,
beijando sua testa, tentando acalmá-la enquanto pensava em como ajudar
aquela criatura divina, presa por Hades, no mais profundo inferno.
Quando, finalmente, ela se acalmou e adormeceu, fiquei olhando para
seu rosto, ainda perfeito, e pensei em quão maldito eu era para me apaixonar
por Perséfone, sabendo que o chão poderia se abrir sob os meus pés e me
engolir a qualquer segundo.
Só quando tive certeza de ela estar bem é que saí do seu lado.
Deitado na minha cama, olhando pela janela, vendo a claridade que
vinha do quarto de Charo, a sensação de angústia diminuiu. Não era muito
melhor, mas saber que ela estava perto, que eu poderia colocá-la nos braços e
impedir caso alguém tentasse machucá-la ali já me dava algum conforto e foi
graças a esse pensamento que consegui dormir.
Os dias seguintes não foram melhores.
Entre ensaios e shows, Charo aparecia sempre com blusas de mangas
compridas e gola alta, acompanhada de uma garrafa de vinho ou gin na mão,
extremamente monossilábica, fechada, melancólica. E, infelizmente,
colocando uma barreira, a qual eu não conseguia atravessar, até que, em um
dos ensaios da semana seguinte, ela apareceu sem sua garrafa, mas tão
bêbada que mal conseguia ficar em pé.
— Olhe o estado dessa menina! — Carmen se adiantou para ela, mas
Charo grunhiu como um bicho.
— Me deixe! — Ela disse, se agarrando nas cortinas, fazendo com
que todos parassem para ver a cena. — Eu vou dançar.
— Não vai. Alguém, pelo amor de Deus, leve ela para o quarto? —
Mas ninguém se moveu, parecendo com medo de mexer em Charo.
— Eu levo. — Me ouvi dizer depois de alguns minutos de silêncio.
— Você vai se meter em confusão, bonitão. — Raquel disse, mas,
dessa vez, sem ser venenosa.
— Eu já estou no meio dela. — Foi tudo o que consegui responder
depois de largar meu violino.
Caminhei até Charo, sabendo que todos nos olhavam, e a vi como
uma criança, os olhos espertos, me fitando.
— Você não pode me levar, violinista. Eu vou dançar, é meu lugar, a
única coisa que é minha. — Ela começou a rir e, então, do nada, o choro
tomou conta e Charo se jogou nos meus braços. — Eu vou desaparecer...
— Shhh… Está tudo bem. Não vai acontecer mais nada com você. —
Falei baixo, enquanto a ajeitava nos meus braços.
— Por favor, leve ela daqui e não fique lá. — A coreógrafa foi
incisiva ao me pedir isso, mas aquela era uma ordem que eu não poderia
cumprir. Não quando ela precisava de mim.
Depois de cuidar de Charo, deixá-la limpa depois do vômito que lhe
lavou as roupas, coloquei a mulher na cama e sumi com as garrafas que
encontrei em seu quarto antes de seguir para me arrumar para aquela noite.
Eu odiava o álcool ainda mais depois de ver Charo naquele estado, mas quem
era eu para julgar? Enquanto eu pude fugir para o outro lado do mundo, ela
só tinha uma garrafa para afogar todo o tormento que vivia, sendo perseguida
dia e noite, por seus pesadelos tão reais.
Talvez aquele medo do escuro não fosse tão inocente assim.
***
O espetáculo daquela noite era um amontoado de musicais. A última
cena era um belo tango do filme Chicago e, com as cadeiras no palco, as
bailarinas dançaram e cantaram pela primeira vez, desde que eu estava na
casa. Foi muito bom acompanhar; era divertido ver como cada um daqueles
esquisitos e sequelados era aceito no palco. Eles eram como eu.
Achando tudo aquilo divertido, mas ainda preocupado com Charo,
terminei meu papel naquela noite, dispensei duas mulheres de meia idade que
vieram perguntar que serviços eu oferecia além de tocar o violino e voltei
para o meu quarto, a fim de tomar um belo banho, já que minha roupa estava
ensopada de suor, mas, assim que abri a porta e olhei para dentro do quarto,
os pelos da minha nuca se eriçaram, avisando que havia algo de muito errado,
porque, ali, no escuro, estava sentado o único homem com quem eu não
queria cruzar o caminho nunca mais.
Sentado em minha cama, com o olhar arrogante de sempre, vestido
em um terno preto, com as mãos sobre a bengala, ele não sorriu quando me
viu.
— É essa a vida que leva? — Ele perguntou, a voz ainda forte,
mesmo para o corpo envelhecido. Quantos anos eu não o via? Dez? Onze? O
tempo havia sido cruel com sua aparência.
— O que faz aqui, pai? — Perguntei em um tom zangado.
— García avisou que você estava de volta e me convidou para assisti-
lo. Você é bom, não nego.
— Melhor que isso. — Eu o corrigi e vi o sorriso surgir em seu rosto.
— É, tem razão. É muito bom, mas era sua obrigação, afinal de
contas, passou os últimos anos fazendo isso, não? Como você está? — Ele
procurava alguma brecha, mas eu não queria desenvolver aquilo. Queria ele
fora.
— Como vai Rúbia? — Falar aquele nome em alto e bom som me
machucou, mas não como antes. Fazia muito tempo que eu não pensava nela.
Fazia muito tempo que eu havia trancado aquela parte da minha
mente.
— Foi embora um ano depois de você partir.
— O efeito da bebida durou muito para vocês dois, não?
— Adrian, foi um erro, mas ainda sou seu pai.
— Deus me abençoou ao ponto de não ter filhos, assim não preciso
ser tão ruim quanto você.
— Hum… — Ele me mediu de cima a baixo e balançou a cabeça
antes de se levantar. — Vejo que ainda guarda suas mágoas.
— Aprendi com você.
Meu pai pareceu provar de algo amargo, calou por alguns segundos,
enquanto me fitava, então suspirou:
— Vim convidá-lo a voltar para casa. Achei que tinha vindo por isso
e estava com vergonha.
— Eu não tenho nada do que me envergonhar, pai. Já você, deveria
ter pensado duas vezes em aparecer aqui, achando que eu precisava de algo
vindo de você.
— O que é meu, é seu, meu filho. O tempo está passando e eu não sou
o mesmo de antes. Cometi um erro, pago por ele até hoje, quando entro
naquela casa vazia.
— Não. — Ergui a mão, com o indicador erguido. — Não comece a
se fazer de vítima como sempre. Vá embora, sua família valeu menos do que
a merda de uma garrafa de bebida e seu filho valeu ainda menos do que o
controle sobre seu pau. Agora, — dei um passo para o lado, liberando a porta.
— se me dá licença.
Eu não entendia como meu pai podia ser tão descarado. Sua feição se
transformou numa careta ofendida e, sem falar nada, ele passou por mim,
finalmente, indo embora.
O ar pesado que o envolvia sumiu segundos depois de ele desaparecer
pelo corredor e foi só então que pude respirar, me dando conta do que havia
acabado de acontecer. Bati a porta atrás de mim e me joguei na cama,
cobrindo os olhos com as mãos, me lembrando de tudo aquilo que eu sempre
tentei afastar.
Em um segundo, eu gritava, no outro, chorava feito criança e, preso
naquela maré de sentimentos conflitantes, não percebi quando ela entrou no
quarto e se deitou ao meu lado, me puxando para seu peito e acariciando meu
cabelo com a ponta dos dedos, enquanto me acalmava com seu cheiro de
cereja.
— O que foi, violinista? — Ela perguntou depois de uma bela hora,
quando eu, finalmente, havia parado de chorar.
— Você não ouviu? — Perguntei de volta, abraçado à sua cintura,
naquela cama de solteiro tão pequena.
— Só os gritos, mas não gosto de me meter no que não devo.
— Meu pai me criou para ser o tipo de homem que eu detesto e eu
tentei por muito tempo, só por agradá-lo. A gota d’água foi quando cheguei
em casa um dia e encontrei minha noiva em sua cama. Os dois colocaram a
culpa na bebida, mas era demais para mim. Eu nunca havia amado ninguém
como amei Rúbia e a dor que carreguei só pareceu diminuir depois de anos.
— Contei baixo, sem olhar para ela. — Ela poderia ter feito com qualquer
um, doeria menos por saber que o tipo de homem com quem ela me traíra é
exatamente o oposto de tudo o que eu queria ser.
— Além de ser seu pai. — Charo completou.
— É. No dia seguinte, peguei minhas coisas e caí no mundo e assim
eu estou desde então.
Ela suspirou, fazendo minha cabeça subir e descer conforme seu peito
se enchia e esvaziava de ar.
— Eu não deveria ter voltado. — Confessei baixo e ela puxou meu
rosto para o seu.
— Você voltou por algum motivo. Nos últimos dias, eu tenho
acreditado em coisas que nunca me permiti sonhar, uma delas é que você
veio até aqui por minha causa. — Eu quis desviar o olhar, mas ela não
permitiu. — Eu ainda não agradeci por você cuidar de mim.
— Eu faria de todo o jeito, madame. — Ela quase sorriu quando me
ouviu chamá-la daquela forma.
— Mesmo assim, quero fazê-lo. — E, antes que eu me desse conta,
Charo tocou os lábios nos meus, devagar, com cuidado, até que eu abrisse a
boca para que sua língua encostasse na minha, devorando qualquer dúvida,
qualquer vontade de ir embora.
E o que começou calmo, apenas como uma fagulha, se transformou
num incêndio furioso.
Tomando a devida atenção para não a machucar, pois eu sabia que seu
corpo ainda estava dolorido, me ergui sobre ela, tirando a camisa antes de me
deitar sobre Charo e envolver sua nuca com minha mão, antes de beijá-la
novamente, mostrando que não a deixaria, que não recuaria.
Ela aceitou. Suas pernas envolveram minha cintura, suas mãos
percorreram meus braços e ombros e depois desceram na direção da minha
calça, tentando me livrar dela. Não demorou para que eu ficasse nu e ela,
assim que me viu como vim ao mundo, empurrou meu peito, se sentando
junto de mim, permitindo-me ver sua respiração, que estava tão
descompensada quanto a minha.
— Se você não… — Comecei a falar, mas Charo colocou o dedo
sobre minha boca, fazendo eu me calar. Ainda me olhando, ela tirou a mão de
mim e desceu para a fita do seu roupão de seda, abrindo o nó e se despindo,
deixando o tecido deslizar sobre seus ombros, braços, seios e, de repente,
Charo estava nua sobre minha cama, em toda a sua perfeição.
— Eu quero. — Foi o que bastou ela dizer para que eu voltasse para
cima dela, deitando seu corpo quente e macio sobre o colchão, envolvendo
sua cintura em um abraço firme, enquanto minha boca passeava entre sua
boca, pescoço e seios.
Tudo daquela mulher nunca seria o bastante para aplacar minha
necessidade dela.
Charo arfava, me arranhava, puxava, beijava, chupava e mordia.
Quando me encaixei nela, parei tudo o que fazia para olhar em seus
olhos e, quando ela me encarou de volta, não aguentando se manter firme
quando eu a invadi, quase não me aguentei.
Ela era tudo o que imaginei em uma versão melhorada: quente, macia,
pequena e, agora, era minha.
Perdi a noção do tempo, cuidei de Charo e a amei do melhor jeito que
pude, sabendo que o mundo do lado de fora podia estar desmoronando, mas,
dentro daquele quarto apertado, nós dois tínhamos nosso próprio universo e
ele seria eterno.
Quando não havia mais força nos nossos corpos, ela se deitou sobre o
meu peito e começou a desenhar as tatuagens dos meus braços, ficando ali
distraída naquilo por vários minutos, enquanto eu fazia carinho em sua
cintura e dava um ou outro beijo em sua testa.
— Estamos cometendo um erro. — A voz dela estava embargada. —
Não devemos repetir.
— Mulher… — Fiz com que ela me olhasse. — Não há nada no
mundo que me afaste de você. — Ela sorriu, mas fechou os olhos e uma
lágrima rolou. Coloquei as mãos em seu rosto e a puxei para mim. — É tarde
demais para negar que eu estou completamente apaixonado por você,
madame. — E, enquanto ela chorava, eu a beijava as bochechas antes de
tomar sua boca mais uma vez, completamente certo de que, não importava o
que eu precisasse fazer, Charo seria livre, comigo, para voar para onde
quisesse ir.
Capítulo 6
“O show deve continuar. O show deve continuar, sim.
Por dentro, meu coração está se partindo. Minha maquiagem pode
estar escorrendo. Mas meu sorriso permanece.”
(The Show Must Go On, Queen[8])
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Charo
Doía como nunca havia doído antes, mas eu fui forte como podia e
não olhei para Adrian antes de seguir até o meu destino naquela noite.
Eu sabia que havia ido longe demais dessa vez, sabia que seria punida
como nunca, mas não me arrependia, não quando, pela primeira vez, eu era
amada e o amava de volta.
Adrian era um erro, eu sabia, mas não conseguia fugir dele, não
quando parecia que tudo cooperava para que eu acabasse em seus braços,
quando parecia que, depois do fim, ele era o começo, o recomeço, a luz no
fim do túnel.
Mas ali, depois da última briga, vendo Domingos me olhar sem sorrir,
eu sabia que levaria muito mais tempo para que eu pudesse ver essa luz. A
escuridão havia chegado e ela me engoliria antes mesmo de eu perceber.
— Está perfeita como sempre, muñeca.
— Gracias, Senhor. — Respondi sem olhar em seus olhos, antes de
entrar no carro.
Meu estômago tremia tanto que chegava a doer. Minhas mãos
estavam geladas e havia um peso no final da minha coluna graças à tensão,
mas fingi que nada disso me machucava e segui para o lugar onde Domingos
puxava a cadeira para eu me sentar, na frente da grande mesa, cheia de
comida.
— Achei que seria bom alimentar você antes de começarmos. — Ele
disse quando me sentei.
O homem ao qual eu aprendi a obedecer empurrou minha cadeira com
gentileza e seguiu para o outro extremo da mesa, sentando-se sem tirar os
olhos de mim.
— Mal vi você nesses últimos tempos. Como vai, Charo?
— Está tudo indo bem. — Respondi quando o primeiro prato do
jantar foi servido.
Engoli minha salada mesmo sem fome, porque sabia que precisava
me fortalecer.
— É mesmo? Me contaram que você tem trabalhado em uma nova
peça… O que me conta sobre? — Domingos mandou servir o prato principal.
— É um novo musical sobre Evita, mas eu sei o que o Senhor deve
estar pensando. — Respondi depois da primeira garfada — Existem tantos
outros por aí sobre isso, não? Pensei em contar a história de uma forma
diferente.
— O que? Vai contar como a mãe do povo, a santa, era, na verdade,
uma prostituta manipuladora? — O tom ofensivo dele me fez parar com os
talheres sobre o prato.
— Não dessa forma. — Falei baixo.
— Você tem alguma experiência nisso, não? — Ele zombou. — Acho
que pode ser brilhante, ou um fracasso total.
Eu não o respondi e, por alguns minutos, comemos em silêncio, até
que, assim que os empregados recolheram nossos pratos e saíram, Domingos
se curvou, apoiando os cotovelos na mesa, e me encarou sério.
— Você ainda não disse o que eu queria saber, muñeca. Como anda
sendo foder com o violinista? — De repente, tudo à minha volta congelou.
— Eu? Não. Não, eu não estou. — Gaguejei, me embaralhando pela
maneira como ele jogou aquilo.
Domingos se levantou com um envelope na mão, vindo na minha
direção.
— Você, Charo, é minha propriedade e eu cuido do que é meu. — Ele
disse conforme se aproximava, abrindo o envelope e jogando em cima da
mesa fotos onde eu e Adrian nos beijávamos.
Balancei a cabeça, me sentindo completamente perdida, enquanto as
lágrimas surgiam por saber que a vida dele estava em risco.
— Eu que o beijei. A culpa foi minha, senhor. — Falei baixo
enquanto via as fotos, mas não consegui dizer mais nada, porque a mão de
Domingos veio pesada sobre o meu rosto.
Pela primeira vez ele me batia ali.
O choque me fez perder o ar, mas não o impediu de me bater de novo.
Dessa vez, ele colocou a mão no meu cabelo, enganchando os dedos nos fios
e batendo minha cabeça contra a mesa, sobre as fotos.
— O que é que você pensa que está fazendo, hein? Eu cuido de você,
daquele moleque fodido, e é assim que você me retribui? — Ele disse perto
do meu ouvido, em um tom tão raivoso que chegava a ser trêmulo. Dava para
sentir as pequenas gotas de saliva que voavam de sua boca para o meu rosto,
o calor de seu corpo enfurecido.
Eu não consegui falar nada, mas sabia que ele não procurava por uma
resposta, não quando ele já a tinha gravada nas fotografias...
Domingos chutou a cadeira onde eu estava sentada para longe, me
obrigando a segurar na mesa, com firmeza para não cair.
— Quantas vezes vou precisar lembrar a você de que é minha? — E,
soltando minha cabeça, ele passou a arrebentar os botões do meu vestido.
Um a um, ouvi o som deles indo ao chão, sabendo que era próxima a
hora de ele me machucar ainda mais.
Fechei os olhos, querendo sumir, enquanto as lágrimas quentes
rolavam pelo meu rosto, enquanto ele começava a puxar o vestido para
arrancá-lo de mim, e me agarrei à pequena esperança no fundo da minha
mente, vendo Adrian com seu rosto perfeito, cheiro limpo e fresco e
tatuagens bonitas: “Lute, Charo, Lute.” Ele me disse e eu abri os olhos,
pronta para tentar.
Domingos me virou de frente para si, quase nua, mas eu o empurrei,
pela primeira vez.
— Não! — Eu disse em alto e bom som.
— Como ousa? — A indignação em sua voz era brutal e, incentivado
pela minha recusa, ele voltou para cima de mim, me empurrando para cima
da mesa.
Eu bati em seu rosto; ele me bateu de volta.
Encaixou-se entre minhas pernas, mesmo eu tentando afastá-lo.
— Grite mais, sua cadela! — Ele cuspiu em mim e eu o arranhei onde
minhas mãos podiam tocá-lo.
Tentei afastá-lo, tentei machucá-lo, tentei fechar minhas pernas, mas
não consegui.
Domingos era forte, muito mais do que eu, e, quando conseguiu
imobilizar minhas mãos acima da cabeça, apertando meus pulsos com tanta
força que eu sabia que ficaria marcado, virou-me com brutalidade sobre a
mesa, colocando minha barriga para baixo, me segurando pelo pescoço, como
se eu realmente fosse um animal, e se encaixando atrás de mim. Ouvi quando
suas calças caíram no chão.
— Não! Não! — Eu gritei repetidas vezes, mas foi em vão.
— Vou lembrar você de como é quando você não me obedece. — E
ele cuspiu em algo antes de me invadir.
Doeu muito.
Eu não estava preparada, eu não queria, mas isso não o impediu de
estar dentro de mim, indo e voltando, gemendo de forma grotesca, como se
gostasse daquilo enquanto parecia me rasgar a carne por conta de toda a
minha tensão e secura.
Domingos me fodeu, machucou e levou de mim toda e qualquer força
para continuar a gritar, a lutar. Aos poucos, eu cedi. Aos poucos, me calei e
fiquei imóvel, de olhos abertos, vendo o reflexo de seu terno branco,
investindo contra o meu corpo, pelo reflexo da taça de prata polida, que havia
tombado sobre a mesa, respirando fundo a cada vez que o recebia, me
sentindo tão morta quanto poderia.
Quando ele terminou, me deu um beijo nas costas e largou meu
pescoço. Escorreguei para o chão como um objeto inanimado, sabendo que,
dali para frente, não haveria um segundo de paz.
— Pronto. Isso deve ter te lembrado sobre como as coisas são.
Mesmo assim, não se preocupe, eu vou me certificar de que você volte a ser
como era antes, minha boneca.
E, passando as mãos pelos meus cabelos, Domingos me arrastou pelo
chão, enquanto cantarolava uma das suas músicas clássicas, me lembrando
como eu era nada, só um sopro, que ele decidia para onde ir.
***
***
***
— Olá, de La Vega. — Domingos me cumprimentou quando saí de
trás da coxia, tapando os olhos, pois o holofote estava apontado para mim,
quase me cegando pela luz forte repentina na cara. — Soube que você não
está cumprindo nosso acordo. — O velho foi direto e reto.
— Qual a parte? — Tentei me esquivar.
— A única real proibição que envolve meus funcionários: deixar
minha concubina em paz… — O tom era de ameaça, mas, por algum motivo
louco, eu não tive medo.
Respirei fundo, abaixei a mão e tentei enxergar Domingos direito.
Ele estava em pé, com as mãos no bolso da calça, me olhando como
se eu fosse nada, ou menos do que isso, se é que era possível.
— Eu não sei do que você está falando. — Menti.
— Quero você fora daqui, agora. — Domingos disse sem cerimônia.
— Você não vai encontrar trabalho em outro lugar e será obrigado a ir
embora do país, é minha gentileza a você por ser filho de quem é. Seu pai e
eu temos bons negócios, você não me pertence e eu sei muito bem como
Charo pode mexer com a mente de um homem, ainda mais com aqueles
olhos, com aquele corpo… Eu já fui jovem, rapaz, e, quando você chegar na
minha idade, vai se surpreender com as coisas que pode fazer para salvar o
que te mantém com essa essência.
— Está dizendo que Charo é seu elixir da juventude? — Questionei,
erguendo uma das sobrancelhas, achando aquele discurso ridículo.
— Estou dizendo que é bom você se afastar dela, porque Charo me
pertence e eu sou uma criança muito egoísta com meus brinquedos, apesar de
que, se eu fosse você, deixaria de lado essa fantasia de amor proibido e
seguiria em frente. Charo não o ama, rapaz, e agora ela está consciente disso.
— E você sabe o que é amor? Você não conhece isso, Domingos. Só
de ver o estado em que Charo volta depois de ficar com você: torturada,
machucada! Você não sabe o que fala. — Dei um passo na direção de
Domingos, mas parei ao ouvir sua risada.
— Não sei? Então vá, pergunte a ela. Vou te dar essa oportunidade, se
é que ela consegue falar... — E eu não pensei duas vezes, virando-me logo,
desesperado para vê-la, porque, dentro de mim, alguma coisa gritava,
denunciando que algo estava errado.
Só dei por mim quando estava no alto da escada, com o coração
batendo tão forte que poderia pular fora do peito a qualquer segundo. Havia
muita gente ali na frente da janela dela e a expressão no rosto daquelas
pessoas era de horror.
— Coitada… — Ouvi uma dizer.
— Eu não sei como ela aguenta. — Ouvi outra. Os comentários não
pararam e, por causa deles, eu tive medo do que ia encontrar.
A cada passo que eu dava na direção dela, parecia que meu coração
era comprimido contra o peito, dando a sensação de que, quando eu a visse,
ele explodiria em pequenos pedaços, impossível de serem colocados no lugar.
E eu tinha razão.
Charo parecia sedada, nua em cima da cama, as costelas à mostra
como se tivesse perdido peso, o rosto machucado e abatido. Os cortes em
seus braços, barriga e pernas eram tratados por Carmen e uma outra
camareira. Os roxos incontáveis faziam de Charo uma aquarela mal pintada e
não havia nada que partisse mais o meu coração do que saber que,
provavelmente, ela havia passado por tudo aquilo por minha causa.
— O que ele faz aqui? — A coreógrafa idosa gritou quando me viu na
porta. — Para fora, rapaz, para fora! — Ela tentou me afastar, levantando e
vindo na minha direção.
— Eu… — Minha voz saiu como um sussurro e lágrimas já
molhavam meu rosto. — Eu preciso cuidar dela. — Limpei a garganta
enquanto dava um pequeno passo para trás, evitando a mulher que tentava me
tirar dali. — Preciso falar com ela.
— Outra hora. Ela está sedada, não vai acordar tão cedo, mas, se quer
fazer um favor para essa menina e para si, esqueça Charo, rapaz! Esqueça!
Agora vá, vá logo, me deixe fazer o meu trabalho. — E, me empurrando para
fora, ela bateu a porta bem na minha cara, assim como as janelas logo em
seguida, evitando que a plateia pudesse provar mais do meu desespero e
agonia.
Olhei em volta para todos aqueles rostos, me sentindo pequeno e sujo,
e limpei o rosto, fungando alto, enquanto saía para o meu quarto, esperando
pela chance de vê-la, de ouvir sua voz, de saber que tudo ficaria bem.
E, na minha determinação de acreditar que tudo ficaria bem, comecei
a tramar meu plano de fuga, com ela e Manuelito. Cairíamos no mundo assim
que ela se recuperasse e nunca mais olharíamos para trás.
***
Charo dormiu por dois dias inteiros e não saber quando veria seus
olhos amarelos abertos de novo me consumiu o juízo. Mas foi quando saí do
palco no domingo, direto para o meu quarto, que me assustei quando abri a
porta, encontrando com ela, sentada na minha cama.
O cabelo era um ninho preso no alto da cabeça; os ombros caídos,
protegidos por um dos seus robes de seda; o rosto cansado, com uma
expressão dura, olhando para o nada mesmo quando já tinha tempo que eu
havia aparecido.
— Olá… — Falei rompendo o silêncio, que pareceu durar uma
eternidade.
— Eu não amo você. — Ela respondeu e, então, virou para me ver. —
Eu sinto muito por ter feito você acreditar, é o que mulheres como eu são
pagas para fazer. Você só teve o azar de cruzar o meu caminho. Como vou
passar alguns dias com minha família, achei que precisava te dizer antes de ir.
— Charo, não… — Eu queria ir até ela, mas minhas pernas pareciam
pesar uma tonelada cada.
— Não. — Ela ergueu a mão, me calando.
Sua frieza, distância e indiferença dilaceraram minha carne por
dentro.
— Por favor. Eu já planejei tudo! Vamos fugir: eu, você e Manuelito.
Vamos para o outro lado do mundo, onde ninguém poderá te fazer mal. — E,
me pondo de joelhos, ela se levantou. Com dificuldade, Charo se ergueu e me
olhou nos olhos, furiosa como nunca, e disse palavras que eu preferia nunca
ter ouvido.
— O que você pensa que está fazendo? O que você acha que pode me
oferecer? Eu tenho tudo o que preciso bem aqui. E eu não sou como você,
Adrian, que foge de tudo o que precisa enfrentar na sua vida! Meu destino é
este, meu lugar é aqui e não vou com você a lugar nenhum, nem hoje, nem
nunca! Eu sinto muito que as coisas chegaram nesse ponto, mas é isto: eu não
te amo, eu nunca amei, então, se quiser pegar suas coisas e ir embora, vá,
porque, de novo, o seu destino é ser abandonado por alguém que prefere a
estabilidade do que seus sonhos malucos de liberdade!
E aquele foi o grande final.
Ela passou por mim como se fosse vento enquanto eu saboreava o
gosto amargo das suas palavras, enquanto cada uma delas era absorvida pelo
meu corpo e nutria o monstro inseguro da minha mente.
Engoli todo o desgosto de Charo em um só gole e caí no chão, como
se a morte daquele veneno fosse imediata, como se meu corpo tivesse perdido
o rumo, o sentido, a vontade de continuar.
Pela segunda vez, o destino havia me derrubado e, daquela vez, eu
não sabia se conseguiria levantar.
***
Não saí do meu quarto para nada nos três dias seguidos.
Havia, dentro de mim, uma vontade de dormir e nunca mais acordar
que nunca havia sentido. Era tão doloroso, tão horrível, que, por todo aquele
tempo, sem saber como era possível, eu chorei.
Não havia um segundo sem choro, sem ouvir as palavras dela
bombardeando minha mente, sem sentir aquela dor maldita, da qual eu
precisava me livrar.
Não era possível que, depois de tudo, eu fosse só um passatempo para
ela, não mesmo, mas eu já havia passado pela situação de alguém dizer que
me amava enquanto me olhava nos olhos e, ao virar as costas, ser
apunhalado.
E foi pensando naquilo, que, talvez, longe dali, as coisas fossem
diferentes, que levantei, tomei um banho decente e tentei comer algo antes de
partir para o Tigre, antes de olhá-la nos olhos, antes de terminar de quebrar o
que restava do homem que eu era.
O passeio de barco foi agoniante: meu estômago parecia cada vez
mais enjoado, mas eu sabia ser culpa da ansiedade, tanto que, quando desci
do barco, na pequena vila, vomitei tudo o que tinha no estômago e segui,
determinado a ouvir algo de Charo, algo que pudesse me salvar, algo que
pudesse me trazer um sopro de vida.
Subi as escadas de madeira da casa o mais silenciosamente possível e,
quando abri a porta, sem convite, encontrando-a destrancada, escancarei a
mesma e pude ver a surpresa no rosto de Charo ao me ver lá.
Ela estava tão mal quanto eu.
— O que você faz aqui? — A voz não era dela, e sim, de um homem
careca e forte, que eu nunca havia visto. Ele estava de pé, ao lado do sofá,
enquanto Charo se encontrava sentada na pequena mesa de jantar.
— Não é da sua conta. — Respondi para ele, sabendo que, se fosse
preciso, eu usaria de força física para ficar e falar com ela.
— Adrian, vá embora. — Ela disse baixo. — Por favor, vá embora.
— Não, não até você dizer que realmente quer que eu suma.
— Ela quer e já te disse isso, precisa de ajuda para que sua cabeça
entenda? Vou adorar dar um chacoalhão nela. — O brutamontes deu um
passo na minha direção, mas eu não recuei.
— Não o machuque. — Charo pediu para o homem. — Adrian, vá
embora, por favor. Não há nada que você possa fazer, eu disse o que disse e é
isso. Acabou.
— Não acredito.
— POIS ACREDITE! — Ela gritou, batendo na mesa.
— Charo, por favor. — Avancei na direção dela, pronto para tocá-la,
para fazê-la me olhar, mas foi como ser impedido por uma parede.
O homem que estava com ela se meteu, me dando o primeiro soco
inesperado, fazendo minha cabeça ricochetear. Cambaleei para trás e parei
por um segundo, colocando a mão no nariz, vendo o sangue que descia junto
da dor lancinante e a vontade de chorar, que vinha junto.
Sem pensar muito, me joguei contra meu adversário, que me olhava
com um sorriso desafiador, dando a ele o que parecia tanto querer quando me
rendi à violência.
Charo gritava enquanto nós dois trocávamos socos. Meu coração
disparado espalhava a adrenalina pelo meu corpo ainda mais rápido e era
como fogo nas minhas veias. Acertei alguns socos, tomei outros e ia bem, até
que, num impulso, o homem bateu na minha cabeça com uma panela de
ferro, pesada, que estava sobre o fogão.
Minha cabeça doeu de imediato e, por um segundo, minha visão
falhou, mas aquilo foi o suficiente. O homem me pegou, me arrastando para
fora da casa, pelo colarinho, me levando em direção ao rio. Dava para ouvir
Charo gritando para ele parar, mas não adiantou.
— Não se aproxime dela, violinista. — E, com o recado dado, ele me
jogou no rio.
A água gelada me acordou pelo choque. Eu tentei me manter
flutuando, mas a vontade de deixar o rio me levar foi maior, ainda mais por
saber que não havia nada ali para mim.
Nada.
Eu havia sido iludido mais uma vez e a culpa era toda minha, ou dela.
Só dela.
Me arrastei para o primeiro deck que achei e, com muito esforço,
pulei para fora d’água, esperando até algum barco passar. Voltar para a merda
do Bellagio era a única opção que eu tinha, até que juntasse minhas coisas e
fosse embora de vez, para nunca mais voltar.
***
O ódio que sentia de mim era enorme, mas começava a perder o posto
de primeiro lugar para a quantidade de sentimentos ruins que surgiam sobre
Charo.
— Eu avisei que dormir com uma prostituta era um tiro no pé, não?
— Guillermo sentou ao meu lado, suspirando.
— Descobriu isso sozinho?
— Não. Descobri me deitando com Raquel, sendo apaixonado por ela,
por alguns anos, até perceber que o que elas amam é o dinheiro, é a ilusão
daqueles minutos cheios de luxúria.
— Veio até aqui para me dar mais uma lição de moral? Porque, se for,
eu já estou cheio dessa merda. — Falei, segurando o gelo contra a cabeça,
onde ainda doía por conta da panelada.
— Não… Infelizmente, eu venho aqui para te despedir, meu amigo.
Domingos pediu sua saída, mas pediu para dar um recado.
— Hum… eu já imaginava— Resmunguei e rolei os olhos, querendo
que o velho explodisse.
— A primeira coisa é que você saia imediatamente daqui; sua entrada
no Bellagio está proibida. A segunda coisa é que vão fazer a peça que você e
Charo montaram e ela será a primeira da temporada, assim que o feriado
passar.
— Feriado?
— É, é natal. Esqueceu?
E eu tinha esquecido completamente, mesmo.
Suspirei, cansado de lutar contra a minha vontade de desistir, e dei a
mão para Guillermo.
— Foi bom enquanto durou, amigo.
— Preferia que não tivesse começado. — Respondi, pronto para
começar a guardar as minhas coisas e cair na rua, junto da minha nova
companheira, garrafa de gin, buscando, no álcool, a resposta para a dor
daquela traição.
Porque, no fundo, era isso que era. Charo havia traído meu amor,
minha confiança e toda a minha essência, me deixando no fundo do poço,
junto de todos os restos podres das possibilidades de felicidade que teríamos
juntos.
***
O álcool era bom. Ele me dava a sensação de poder falar sobre tudo,
de chorar por tudo e não ter que me desculpar depois. O bar virou minha
casa, o barman, meu melhor amigo, e, por causa da minha insistência em
alimentar meu ódio por Charo, na tentativa de livrar meu coração da presença
dela, tentei acompanhar seus passos junto dos bailarinos que saíam do
Bellagio.
Ia onde eles iam, comia onde eles comiam, tudo para saber dela,
qualquer mísera informação que fosse e essa obsessão doentia durou por uma
semana. Até sua noite de estreia do espetáculo, em que eu havia colocado
minha paixão e agora era roubado.
Ela era uma ladra.
Roubou minha vida toda em apenas um beijo e agora eu era nada.
Um nada enorme, vivendo atrás de migalhas dela.
Eu não havia fugido, não havia partido, não havia sido fraco como ela
disse. Na verdade, estava ali, mais preso do que nunca, sem nada da liberdade
da qual ela me acusou, tudo por ter a merda do coração acorrentado aos seus
dedos de bruxa cigana, de olhos amaldiçoados.
Não, ela merecia ouvir e eu não sabia se era pela coragem que o
álcool causava ou pela minha vontade de vê-la mais uma vez que eu arrisquei
tudo o que tinha quando entrei escondido pelas portas de trás do Bellagio,
pronto para assisti-la dançar sobre o que restava da minha paixão, pisoteando
o que sobrava de mim, mesmo que aquilo custasse minha vida, porque, na
verdade, eu já estava morto.
Capítulo 9
“Já falei demais? Não há nada que eu possa pensar em dizer para você,
mas tudo o que você tem que fazer é olhar para mim para
saber que cada palavra é verdadeira.”
(Dont’t Cry For Me Argentina, Madonna[10])
Charo
Respirar era difícil. Tudo doía, mas a maior dor de todas era a da
saudade.
Ver Adrian como vi e não poder falar nada, não poder fazer nada, não
poder tê-lo perto para dizer que era tudo mentira parecia doer como a perda
de um membro. Na verdade, eu acreditava que perder um membro poderia
doer menos, porque, no momento, tudo o que eu queria era acabar com tudo.
Morrer significava liberdade e era a única que eu teria por toda a
minha vida. Domingos já havia deixado claro e eu já havia pensado na
possibilidade, mas e quem cuidaria de Manuelito? E o que Domingos não
faria com ele por raiva de perder sua boneca?
Pensar no apelido que ele me deu me dava arrepios e enjoos.
Lembrar de como havia me machucado para depois me usar, como
parecia ter prazer em me quebrar e ver que tinha todo aquele poder sobre
minha vida, fazendo de mim seu fantoche, era repugnante.
Minha vontade era de deitar e simplesmente morrer, mas nada era tão
simples.
— Vamos querida, passe mais um pouco de maquiagem nesses roxos
e não chore, vai borrar sua maquiagem. — Mama Carmen disse com seu
toque carinhoso.
Ela sabia o que eu passava, sabia o quão machucada por dentro eu
estava, sabia que eu era uma casca oca, completamente vazia, seca, cheia de
rachaduras que nunca se curariam.
— Está bem. — Tentei sorrir de volta para ela, mas não consegui e
ela, no auge de sua generosidade, apertou minha mão de leve antes de sair.
Eu já havia pego ela chorando por minha causa e sabia que não devia
ser fácil.
Caminhei para a beira do palco, esperando minha deixa, ouvindo o
novo violinista não tão bom, pensando em como Adrian estaria naquele
momento.
Eu esperava que minhas palavras o tivessem machucado o bastante
para que ele fosse o mais longe possível. Esperava que encontrasse alguém
que o merecesse e pudesse ficar com ele. Esperava que ele me perdoasse
pelas mentiras todas e que houvesse a dúvida lá no fundo de seu coração
sobre a hora em que eu disse que não o amava.
Aquela era, sem dúvida alguma, a maior mentira já dita antes.
Mas, mesmo que no meio da noite eu acordasse assustada por algum
pesadelo escuro e pensasse sobre minha decisão, logo me convencia de ter
sido a melhor. Ele era tudo o que eu nunca poderia ter, mas amaria e sentiria
falta para todo o sempre.
— Charo, é a sua vez. — A bailarina ao meu lado me alertou quando
eu quase perdi a hora da entrada, por estar distraída.
Me movi até o centro do palco, no vestido branco esvoaçante, pronta
para dar o meu máximo ali. Pronta para tentar honrar a última memória que
teria de Adrian, quando, nos ensaios, eu vira sua paixão e experimentara dela,
quando ele me contaminara dos pés à cabeça com seu jeito boêmio, honesto e
carinhoso.
No palco, a arte era, acima de tudo, o grito da sua alma.
Bem, se eu pudesse imitá-lo ali, aquele seria o grito da minha.
A música começou lenta e meu solo foi libertador. Me mover não
doía graças aos remédios que eu havia colocado para dentro, junto da bebida,
mas ainda era estranho quando alguém encostava em mim. Quando meu
parceiro de dança tocou em meu ombro, um arrepio percorreu minha espinha
e a vontade de vomitar cresceu no esôfago, mas respirei fundo e, não
deixando o público perceber que algo estava errado, virei-me para ele,
seguindo o restante da coreografia.
O público aplaudiu quando terminei o ato. Meu parceiro saiu de cena
e as luzes do palco se acenderam em vez do holofote, que ficava seguindo
meus movimentos. E foi ali, arriscando dar uma pequena olhada na plateia,
que eu o vi.
Adrian me olhava como se fosse me matar.
Sua barba estava maior do que eu me lembrava, seu olhar era furioso
e me deu medo, tanto que recuei alguns passos, o que foi, com certeza, um
erro.
O mundo todo parou quando ele se levantou e pulou do camarote para
o palco.
— O que está fazendo aqui? — Perguntei, desesperada. Ele podia
morrer!
— Vim atrás da verdade, Charo. — E a música que eu deveria dançar
com ele começou a tocar.
Suas mãos vieram firmes sobre a minha cintura e eu fechei os olhos
enquanto ele se aproximava. Sentir seu cheiro, seu calor e sua tristeza ali
parecia fazer o tempo parar.
Coloquei as mãos sobre seus ombros, aspirando tudo o que podia
dele, querendo gravar na memória, porque sabia que, depois daquilo, a
chance de vê-lo novamente algum dia, mesmo na velhice, acabava de ser
destruída.
— Por favor, vá embora. — Pedi, mas ele não me ouviu, apenas guiou
meu corpo para o primeiro movimento e eu abri os olhos, encarando seu
olhar, que, de longe, parecia furioso, mas, de tão perto, era desesperador de
tão triste.
— Você disse suas verdades sobre mim, agora, permita-me dizer o
mesmo sobre você, madame. — Havia raiva em sua voz e em cada um dos
seus movimentos, como a música pedia, em uma das brigas de Evita e seu
marido. — Você é uma mentirosa, Charo. — Ele esbravejou e me empurrou,
me fazendo quase perder o equilíbrio antes de ele me puxar de volta, contra o
seu corpo e me virar de costas. — Você me enfeitiçou e iludiu. Enganou e
roubou.
— Eu não roubei nada, não menti, mas, por favor, Adrian, vá embora.
— Implorei, me soltando dos seus braços, girando pelo palco.
Ele se adiantou, parando bem à minha frente, me puxando pela cintura
e elevando meu corpo no ar.
— Eu poderia te dar tudo, Charo; eu moveria o mundo inteiro por
você.
E, ao ouvir aquelas palavras dele, eu não aguentei.
Com as mãos sobre seus ombros, com o rosto tão próximo, eu apenas
o beijei.
Sem pensar no que fazia, sem medir as consequências. Eu beijei
Adrian como se fosse a primeira vez, envolvendo seu corpo em um abraço
firme, querendo que minha língua junto da dele pudesse traduzir todos os
pensamentos e sentimentos que ele havia trazido para a minha vida.
Querendo que, pelo meu aperto em seu corpo, ele pudesse sentir o quão
apaixonada por ele eu era e que faria de tudo, inclusive, mentir sobre meu
amor, só para salvá-lo.
A música parou, o beijo acalmou, nossos olhos se abriram enquanto o
público aplaudia em explosão.
E ele sorriu. Pela primeira vez em todo aquele tormento, ele sorriu,
me fazendo sorrir e chorar junto.
— Eu amo… — E, então, o resto da minha frase ficou presa, anulada
pelo som alto do disparo, anulada pela pontada de dor que senti na base da
coluna.
Estava acabado, eu ia morrer.
Capítulo 10
“Eu sonhei que o amor nunca acabaria.
Eu sonhei que Deus seria misericordioso.”
(I Dreamed a Dream, Les Miserables[11])
O beijo dela havia sido tudo de que eu precisava, era como receber
água da fonte da vida. Poderia ser curado de qualquer doença depois daquilo
ou erguer qualquer peso apenas com as mãos. Poderia viver para sempre ou
correr o quanto quisesse sem me cansar.
Poderia.
Até olhar em seus olhos. Até ouvir aquele barulho estupidamente alto
interrompendo suas palavras.
Até ver Charo arregalar os olhos e puxar o ar com a boca aberta pelo
choque, fazendo um barulho horrível de quem tentava sorver a vida de volta
ao corpo. Ela cambaleou nos meus braços e eu a segurei, entendendo o que
acontecia quando senti seu vestido molhado; quando olhei para baixo e vi
sangue.
O mundo parou de girar.
As pessoas corriam assustadas. Tudo parecia um daqueles sonhos em
que tudo está indo bem e, do nada, tudo muda e se torna um pesadelo.
— Charo, Charo… — Falei desesperado, segurando seu corpo
trêmulo, que parecia perder as forças.
— Adrian, meu amor. — Ela disse baixinho, enquanto escorregamos
para o chão. — Eu vou morrer.
— Não, não vai! — Tentei brigar com ela. — Fique viva! FIQUE
VIVA! — Gritei como se fosse adiantar de algo.
— Adrian, escute. — Ela pediu baixinho. — Eu o amei. Eu o amei e
menti, me perdoe, me perdoe. Você me salvou do escuro... — Charo chorava
e eu chorava tanto quanto, junto dela.
— Por favor, não me deixe. — Falei, colocando uma das mãos em seu
rosto, vendo-a procurar meu olhar em completa agonia.
— Adrian, — Sua voz era um sussurro. — nunca houve liberdade
para mim, mas eu o amei por você ser tão livre. — A mão dela subiu ao meu
rosto, com dificuldade. — Seja livre, Adrian, e viva por mim.
— Eu te amo, por favor, não morra! — Implorei, mas era tarde
demais.
A mão que estava em meu rosto caiu em um baque silencioso e Charo
se manteve de olhos abertos enquanto o sangue escorria pelo canto de sua
boca e tingia o vestido que ela usava, assim como os meus braços e as minhas
roupas.
E, ao ver que ela havia partido, eu gritei, a plenos pulmões,
desesperado.
Era um grito cheio de raiva, de fúria, de indignação, de tristeza e
aflição.
Era ali que eu colocava toda a minha amargura, toda a minha
angústia, toda a minha falta de esperança.
Agarrei-me ao corpo dela e chorei, chorei alto até o ponto de achar
que não conseguiria mais fazer outra coisa da vida.
— Erga-se, homem. — A voz de Domingos surgiu do nada, mas eu o
ignorei. — Eu disse para se erguer. Ela não era sua para que você fizesse o
que fez. E eu, como a criança egoísta que sou, quebrei meu brinquedo
favorito antes de ter que dividi-la com você.
Ouvir aquelas palavras me fizeram erguer a cabeça, cheio de ódio,
cheio de uma raiva nunca sentida antes.
— Você nunca a teve. — Rosnei, ainda segurando o corpo dela nos
braços.
— Pode até ser verdade, mas, só para garantir, aquele sobrinho dela…
Ele me pertencerá. Fique com o corpo, faça o que quiser, não me serve mais.
— E, falando aquilo, ele se virou, saindo junto de seus homens, enquanto eu
ficava para trás, com ela, perdido em uma escuridão sem fim, acabado por
não poder dizer que, se ela achava que eu a tinha salvo do escuro, ela não
tinha ideia de como havia aberto os meus olhos.
Tudo antes dela era só um borrão e agora, que eu podia ver de
verdade, não teria ela ao meu lado para seguir.
Eu fiquei ali, no chão, segurando o corpo que esfriava, em completa
agonia, até que a coreógrafa idosa se aproximou.
— Violinista, nós precisamos levá-la…
E, como se todas as luzes do universo tivessem se apagado, tiraram-na
dos meus braços e eu não tive força para lutar. Ela se foi, e não havia mais
nada a que me segurar. Não havia mais nada para me manter inteiro.
Não havia luz no fim do túnel.
Não havia esperança.
Tudo o que eu via era um abismo sem fim, escuro e frio.
Como a morte de alguém podia afetar tanto uma vida?
Como eu poderia sobreviver a uma despedida tão sofrida, tão feia, tão
cruel?
Doía tudo em mim, dentro e fora, e, no meu peito, havia um buraco
negro que nunca se fecharia.
Por dias, eu só fiquei na cama, pior do que em qualquer outra vez:
catatônico, depressivo, sem vontade de nada além de morrer junto dela. Era
vergonhoso de admitir, mas não tive nem mesmo coragem de ir até o velório.
Como eu poderia? Eu era a causa da morte dela.
Eu era o motivo pelo qual Domingos apertara o gatilho.
Eu era a razão por Manuelito estar em perigo.
Suspirei, buscando maior fôlego ao pensar no menino para o qual eu
não poderia cumprir nenhuma promessa. E foi naquele minuto, como
transmissão de pensamento, que o telefone tocou.
— É o Adrian? — A voz infantil e assustada perguntou do outro lado.
— Sou, sou eu. — Respondi com a voz fraca.
Era idiota perguntar como ele estava.
— Adrian, por que você não veio? — Ele me acusou, mas não parou
por aí. — O chefe da tia Charo quer me levar embora, mas o pessoal daqui
não quer deixar. Ele disse que volta amanhã para me levar, mas eu não quero
ir! Eu não tenho mais ninguém. — Desesperado, ele começou a chorar
copiosamente e meu coração, o qual eu achei que tinha deixado de existir,
bateu dolorosamente. Pensei em como o garoto era como a tia, nas vezes em
que compartilhamos momentos nossos e em como era injusto eu me fechar na
minha dor quando ele precisava tanto de mim.
Eu tinha como ajudar e, além disso, tinha como me livrar de qualquer
demônio que já havia se agarrado às minhas costas.
Sentei-me na cama e respirei fundo.
— Manuelito, fique tranquilo, nós vamos dar um jeito nisso. Por sua
tia, está bem?
— Por minha tia. — Ele repetiu e, assim que desligou o telefone, eu
soube o que fazer.
Eu precisava parar de fugir.
Levantei, tomei banho, ajeitei a barba e coloquei minha melhor roupa.
Joguei fora as garrafas de aguardente que eu havia tomado, jurando
nunca mais colocar aquilo na boca, paguei a pensão e parti para casa,
finalmente, depois de anos.
O portão preto era gigantesco, tanto em largura quanto altura, mas eu
já o conhecia. O interfone era novidade e, quando eu o toquei, a voz feminina
que atendeu era desconhecida.
— Residência dos de La Vega, Quem gostaria?
— Olá, meu nome é Adrian de La Vega. Meu pai está em casa? — O
gritinho que a mulher soltou do outro lado me fez rir baixo, pela primeira
vez, em dias.
— Entre, por favor! — E logo o portão foi aberto.
Estar de volta onde todo o meu tormento começara não era tão cruel
quanto eu achava que seria. Mal me lembrava de Rúbia agora e precisei que
Charo me machucasse para enxergar a verdade: eu estava correndo por todo o
tempo.
Ali, na mansão de piso lustroso, cheia de quadros pelas paredes e sem
uma família decente, meu pai desceu as escadas, fazendo barulho pelos
passos pesados, junto da bengala.
— A idade não ajuda. Se eu soubesse, teria colocado elevadores aqui.
— Ainda é tempo para uma reforma. — Comentei.
— Não, isso não é mais problema meu. — Ele disse quando desceu o
último degrau. — Espere mais uns anos, eu morro, tudo vira seu, você poderá
queimar. — Ele se ergueu da melhor forma que pôde e me mediu de cima a
baixo. — Olá, filho.
— Olá, pai. — E ali, eu o abracei e chorei.
— Como eu esperei por isso… — Ele disse.
— E como eu fui idiota. Se tivesse voltado aqui antes, se tivesse
disposto a esquecer e recomeçar… — O pensamento sobre poder ajudar
Charo vibrou na minha mente e eu chorei ainda mais. E meu pai, sem saber o
tanto de coisa que estava escondido no meu choro, me abraçou e chorou
junto.
— Você veio para me perdoar? Ah, Adrian, eu me arrependo, todo
dia.
— Eu já o perdoei, pai. — Consegui falar mesmo com a garganta
dolorida.
E era verdade.
Ninguém podia ser condenado por causa de um erro por toda a vida.
Ninguém era cem por cento anjo ou demônio e não havia nada mais
belo do que o poder do perdão, ainda mais depois de perceber o quão refém
daquele ódio todo eu fui, mesmo quando achei ser livre. Ou logo quando eu
decidia me tornar pai e entendia que tudo o que ele queria de mim, tudo o que
tinha feito por mim, era o melhor que poderia dar.
— Eu esperei por isso há tanto tempo, Adrian… — Ele confessou
quando afastou meu rosto para poder me olhar nos olhos, e ali eu vi o homem
que eu sempre julgara frio e mal, despido da capa de poder que sempre usava.
Humano, tanto quanto eu, e me reconheci.
— Eu não sabia, mas eu também… E agora que voltei, preciso da sua
ajuda. — O olhar de meu pai foi terno e ele me indicou com a mão, para as
poltronas.
— Então vamos conversar. Temos muito o que colocar em dia, não?
— É… — Sorri entre os tremores do choro. — Temos.
E, me sentando ao lado dele, depois de algum tempo em silêncio, me
acostumando com sua aparência e presença, comecei a contar um breve
resumo sobre os meus anos, sobre Charo e meus planos para Manuelito.
— É isso mesmo que você quer? — Ele perguntou quando eu
terminei. — É muita responsabilidade.
— Eu darei conta. Está na hora de deixar as raízes crescerem, mas não
é aqui.
— Mas o que eu digo é sobre esse filho. Quer mesmo adotar essa
criança?
— Como nunca quis tanto algo na vida. — Afirmei com toda a
convicção que havia em mim.
— Então… Vou mandar buscá-lo enquanto dou meus telefonemas e
você fica aqui comigo... Será uma honra conhecer meu neto antes de você
partir para a Espanha. — Meu pai disse, dando alguns tapinhas sobre a minha
mão, confirmando que eu estava seguindo pelo caminho certo.
***
***
Com amor,
Zoe X
[1]
Panic! at the Disco: é uma banda de rock norte-ameicana formada em 2004.
[2]
Seven Up ou 7 Up: é um refrigerante da PepsiCo. Usa, em 1929.
[3]
Patrick Wayne Swayze, foi um ator, dançarino, cantor e compositor norte-
americano.
[4]
Shawn Mendes é um cantor e compositor canadense.
[5]
Camila Cabello é uma cantora e compositora cubana.
[6]
Zendaya, é uma atriz, cantora, compositora, dançarina, dubladora e modelo
norte-americana.
Zac Efron é um ator, cantor, dublador e produtor executivo norte-americano.
[7]
Sam Smith, Britânico, cantor e compositor.
[8]
Queen foi uma banda britânica de rock, fundada em. Formado por Brian May,
Freddie Mercury, John Deacon e Roger Taylor.
[9]
Valerie Broussard, cantora americana.
[10]
Madonna Louise Veronica Ciccone é uma cantora, compositora, produtora
musical, atriz, escritora, dançarina e empresária americana.
[11]
Les Miserable, é um musical francês composto por Claude-Michel Schönberg
em 1980, com libreto de Alain Boublil e letras de Herbert Kretzmer.