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Copyright © 2022 Zoe X


IN FLAMES
1ª Edição
 
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico
sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.
 
Capa: Maris Book Design
Revisão: Barbara Pinheiro
Diagramação: Aprl Kroes
Ilustração: Esttrellare
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência.  Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada
ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis –
sem prévia autorização da autora.
 
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido
pelo artigo 184 do código penal.

 
 
 
sumário
sinopse
aviso
nota da autora
playlist
antes de ler
epígrafe
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
capítulo 5
capítulo 6
capítulo 7
capítulo 8
capítulo 9
capítulo 10
capítulo 11
capítulo 12
capítulo 13
capítulo 14
capítulo 15
capítulo 16
capítulo 17
capítulo 18
capítulo 19
capítulo 20
capítulo 21
capítulo 22
capítulo 23
capítulo 24
capítulo 25
capítulo 26
capítulo 27
capítulo 28
agradecimentos
 
 

Quando a morte sopra um recado, é bom parar para ouvir.

Benjamin Falkenberg era um dos poucos que prestavam

atenção e, por isso, a morte o escolheu como favorito. Sempre que


ela vinha atrás de sua alma, ele a deixava com os braços cheios
demais para carregá-lo, adiando sua estadia neste mundo por mais
um dia, fazendo com que sua boa amiga bebesse o sangue dos

seus inimigos e não o seu.

Mas é depois de mais um desses encontros, adentrando no


caos da Perdición, que sua vida vai mudar para sempre. Benjamin
tem uma nova obsessão e, por ela, ele caminhará sobre o fogo.

Ele nunca havia ignorado o alerta, até agora.

Será que desta vez ele irá sobreviver?

 
 
 
não pule o avisos de gatilho
 

Este livro é um romance com ação +18. Nem chega perto de um


romance dark, apesar de ter seu peso. Ainda assim, tratamos aqui

uma personagem sexualizada, que teve a mente e a forma de agir


afetada pelo mundo em que vive, além de um mocinho que não é o
maior exemplo de ser humano. Este livro não tem a obrigação — ou

intenção — de educar o leitor. Ele é puro e simples entretenimento e

não vai funcionar para todo mundo. Esteja ciente.

 
 
 

Tenho uma porção de coisas que gostaria de compartilhar


com vocês. Mais da metade delas é o que eu costumo chamar de
“sangrar em tanque de tubarões”, e aí, logo repenso.

Porém convido vocês para revisitar alguns pontos


importantes dos últimos cinco anos, quando eu comecei a escrever

profissionalmente na Amazon por um acidente do destino. Aos 22,


eu entendi que coisas ruins aconteciam com um propósito, e a
colheita seria intensa diante das minhas escolhas nesses momentos

atribulados. Lá atrás, eu poderia ter parado. Lá atrás, eu poderia


seguir o manual, mas arrisquei tudo, e estamos aqui.

A Dark Hand é a coisa mais brilhante que eu já escrevi. Ela

funciona como um bloco para mim, não tem como você entender
tudo o que está ali sem juntar os pedaços de cada um dos livros,

acompanhando as crescentes, o ser humano individual e no meio do


fogo. Escrevi coisas no meio do caminho, achei que teria que

agradar o mercado, buscar um público novo e tudo mais… Entendi


com Bad Prince que, definitivamente, eu não tenho que ficar louca

por ter gente me odiando só porque não gosta do que ou como eu


escrevo. As pessoas não são boas no geral, mas Deus me abençoa

muito, o tempo todo, me dando gente que é, no meio desse caos de

mundo literário.

Em outubro do ano passado, eu finalizei o livro favorito da

minha carreira.

Em fevereiro, lancei o meu melhor livro até agora.

E aí, encarei isso daqui como um eterno “preciso ser melhor”


e travei.

Minha cabeça sempre teve um modo meio peculiar de

funcionar. Sempre conversei muito bem com o povo que mora


dentro dela, mesmo apanhando muito às vezes, mas desta vez eu

achei que estava quebrada, que alguma coisa no meu cérebro tinha

se desligado, porque ninguém tinha coragem de sair do escuro

depois de Bad Prince. Todo mundo tinha medo do Conrad. Inclusive,


eu. Afinal de contas, como superar o reizinho do caos?

Eu precisava de gente com coragem na minha cabeça, mas,

principalmente, precisava entender que o meu motivo de escrever

era muito maior do que só tentar ser grande. Eu tô aqui porque


acredito nas histórias que conto. Tô aqui porque eu amo fazer isso
do modo que faço.

Sei que não sou a mais romântica das autoras, e isso se

prova neste livro. Quem leu ele antes de ficar pronto, me pediu pelo

menos mais cinco anos de páginas de romance com açúcar, mas

esse não é o propósito do que eu tenho para contar. Aqui, agora,

Valen luta por si. Ben só ajuda no processo. Foi assim comigo,
espero que seja com vocês.

Queimem.

Com amor, Zoe X


 
 
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Esse livro custa menos de 10 reais na Amazon e está


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independente (sem editora ou investidores) e precisa receber por

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Para todos que, de alguma forma, tentaram me parar ou atravessar.

Que vocês queimem.

Eu venci.
 

Se para se salvar, você será julgado egoísta, seja a porra do

egoísta.

Zoe X
 
 
 
Eu não tenho medo da guerra
Que você veio travar contra meus pecados
Eu não estou bem
Mas posso tentar o meu melhor para fingir
Então você vai me esperar
Ou você vai me afogar?
just pretend, bad omens
 

Nada me fazia sentir vivo como estar tão perto da morte.

E apesar de não a temer, como um acordo de companheiros,

quando ela me rondava, o maldito alarme na minha cabeça soava


alto, rápido e forte. 

Aquilo me deixava alerta, sedento por escapar. Desesperado


para vencê-la.

Fazia-me querer sobreviver. Um lembrete de que eu deveria

encontrá-la outra hora, em outro lugar, mas ainda assim, sua visita
não era em vão.

Quando era mais novo, acreditava que a morte aceitava

minhas fugas porque sempre que ela vinha atrás de mim, eu lhe
dava o que carregar na sua volta para casa. Às vezes, era uma

alma. Às vezes, era uma multidão delas.

Comigo a morte nunca ficaria entediada.


Talvez fosse por ser quem eu era, por fazer exatamente o

que fazia, que era um dos seus favoritos. Um dos quais escapava
de seus dedos esqueléticos nas mais improváveis situações.

E tudo começava com um arrepio quente, como o sopro de


uma mãe preocupada, subindo pela minha coluna, pegando todo o

meu lado esquerdo.

Foi como começou naquela noite aparentemente calma. Foi


por causa disso que consegui escapar dos homens que chegaram

atirando depois da minha mercadoria ser entregue.

Mexer com contrabando tinha dessas. Às vezes, por nada,

você virava o alvo, mesmo que fosse do tipo bom vendedor como

eu.

O cliente da vez não era um desconhecido. Bravo era, de

longe, um homem de poucas palavras, mas dinheiro certo e que não

fazia perguntas. O tipo de cliente que eu gostava. Se aqueles que

atiravam contra mim eram homens dele, ou dos seus inimigos, eu


descobriria depois, o que me importava era, mais uma vez, deixar a

morte alimentada para que sua fome da minha alma fosse

apaziguada por mais um tempo. 


Enquanto ouvia os passos sobre as chapas de ferro no chão
vindo na minha direção, com as costas contra um dos containers no

fundo do galpão, respirei fundo e procurei uma saída.

A doca não estava longe. Um pulo na água e eu estava a

salvo.

Procurei por janelas e não encontrei, minha solução arriscada


foi subir.

Peguei impulso na pilha de caixas ao meu lado e deitei com o

rosto virado para baixo sobre a estrutura de ferro, me arrastando por

ela o mais silenciosamente possível. Avancei pouco quando um dos

desgraçados que me perseguia lá embaixo resolveu vasculhar os

tetos livres das caixas metálicas. A luz da lanterna dele acertou meu
rosto, ele gritou em espanhol, eu xinguei baixo na minha língua-mãe

enquanto me apoiava sobre as mãos e ficava em pé.

A única alternativa era correr.

A saraivada de balas choveu sobre mim, mas sentindo a

adrenalina correndo em minhas veias, pulei de um container para o


outro, saltando em um vão de mais de um metro antes de conseguir

sacar minha arma.


No escuro, sob flashes de lanternas que tremiam conforme

os homens que as apontavam para mim vinham correndo, avancei


até não ter mais para onde fugir. Quando pulei para o chão, a

primeira coisa que fiz foi avisar pelo rádio.

— Se afastem da doca, deu merda! — Tentei falar em um tom

de voz baixo e claro, mas ao afastar o rádio do rosto, ele se


desintegrou na minha mão graças a um tiro. O segundo tiro não

erraria o alvo, mas fui mais rápido, me ajoelhei e com a Glock em


punho, acertei os três homens mais próximos. 

Os três caíram, mas um outro que não vi, vindo no escuro,


caiu sobre as minhas costas.

O mata-leão que ele me deu quase foi meu fim. Atirei contra

a cabeça dele sem pensar direito, com a arma virada de um jeito


bizarro. Quando seu braço afrouxou o aperto, me levantei num pulo

e continuei meu caminho para a porta do galpão. 

Mais doze caras me encontraram no caminho.

Mais sete almas eu encaminhei para a morte antes que

minhas balas acabassem.

O resto foi no corpo a corpo e não foi bonito.


Meus ombros doeram quando dois caras tentaram torcer

meus braços ao mesmo tempo, mas consegui escapar usando o


peso do corpo para empurrar um contra um carro estacionado, ao

mesmo tempo em que chutava a canela do outro, sendo rápido em


bater a cabeça do primeiro contra a lataria do veículo para

desacordá-lo e, em seguida, esmurrar o outro homem antes de


também torcer o braço dele. Eu só parei quando ouvi o som dos
ossos se partindo junto com o grito carregado de dor. 

A ira despertada dentro de mim quando aquilo acontecia

sussurrava “fique, brinque um pouco mais”, mas aquele maldito


arrepio voltou com força. Se eu ficasse, sem munição e sozinho,

talvez meu acordo com a morte fosse quebrado.

Esse foi o único motivo que me fez seguir correndo para fora

dali.

Corri até sentir os pulmões queimando, indo na direção da


água, sabendo que mergulhando os tiros não me alcançariam e,

onde eu via que o navio do capitão estava, um tanto afastado da


costa, Léo acertaria cada um dos filhos da puta com seu fuzil de
precisão de estimação. 

 
Pulei na água pronto para o mergulho, mal sentindo o
impacto da água gelada quando afundei e usei tudo o que tinha de
mim para me afastar da costa o mais longe da superfície que podia

aguentar. Quando subi para pegar ar, batendo as pernas o mais


rápido que podia sob a água, sentindo meu ombro doer pelos

movimentos repetitivos, ouvi o som dos corpos caindo na água junto


dos gritos vindos do outro lado. Naquela distância, no escuro, não
me preocupava mais em ser baleado.

Quando atingi o barco, bati com o braço bom contra a lataria

e me foi arremessada uma escada de corda. Subi na embarcação


sentindo o efeito do corpo esfriar e quando me joguei para dentro do

barco, finalmente pisando sobre o assoalho de madeira, me


encostei na borda e tomei fôlego, sentindo que estávamos em
movimento.

Léo me encarava com o cabelo comprido preso enrolado no

alto da cabeça, o fuzil no ombro, os olhos verdes preocupados e


enfurecidos, analisando meu estado. Ele não teve tempo de dizer

nada. De dentro da pequena cabine, com um charuto na boca


escondida por uma barba escura e farta, o capitão, Magnus Monroe,
veio xingando.
— Mas que porra aconteceu? — Se aproximando de mim,
visivelmente irritado.

Seus olhos escuros me mediram e encararam o porto,


completamente desconfiado.

— Seria bom descobrir logo que porra foi essa. — Escondi o

incômodo que sentia no ombro e me endireitei como deu. 

— Tem certeza que não fez alguma merda, Ben? — ele


tentou.

— Fiz o meu trabalho. Entreguei o armamento como

combinado quando surgiu um bando de gente atirando na minha


direção. Se são homens do Bravo…

— Qual o sentido? Ele pagou adiantado, não foi?

— Foi. Acho que queriam a carga dele… E levaram. —

Encarei a costa que ficava para trás. — Pelo menos, os que

restaram, levaram.

Minha passagem por aquela aventura estava mais do que

paga à morte.
 
 
— Você está bem? — preocupado, Léo me perguntou com a

voz mais baixa, depois de quinze minutos parado na minha frente

feito uma estátua. Tinha fechado os olhos para não ver o pivete,
achando que ignorá-lo em silêncio o faria ir para outro canto, mas

não. Respirei fundo, abri os olhos e lá estava ele, preocupado como

sempre.

Processei a pergunta, analisando meu corpo. O sangue

começava a esfriar, a adrenalina do meu sistema já tinha sido

consumida e o que sobrava era a consequência daquela brincadeira


insana. Fazendo pouco caso, olhei para baixo, me colocando de pé

de um jeito meio miserável e dei um suspiro profundo.

— Já estive pior. — Meu meio-sorriso pareceu enfurecer Léo.

— Você podia ter morrido. Custava ter me deixado ir junto?

— A rispidez em sua voz não me abalou.

— Custava. E, como pode ver, me saí muito bem sozinho. —

Passei a mão do braço bom pelo tronco. — Viu? Estou inteiro.


O garoto de vinte e poucos anos me mediu de cima a baixo

com os braços cruzados e uma das sobrancelhas erguidas, e

enquanto o capitão andava de um lado para o outro xingando


alguém ao celular, Léo se aproximou e, sem eu esperar, me pegou

pelo ombro ruim e em um tranco o fez estalar.

Eu xinguei alto antes de receber os tapinhas provocativos


onde tanto doía.

— De nada. — Ele me segurou, dessa vez sorrindo por me


ver pagar o preço de tê-lo deixado no barco. 

— Bravo está pedindo desculpas pela sua quase morte. — A

risada debochada do capitão fez com que prestássemos atenção


nele. — Desculpas… Ele pode enfiar as desculpas no rabo. Você

podia ter morrido e, desta vez, nem ia ser por causa de alguma

estupidez pensada com a cabeça do pau.

Voltei a me largar no chão, arrancando a camiseta, vendo os

machucados no peito e um corte superficial no abdômen, quase

fodendo minha tatuagem favorita.

— O que ele vai fazer agora? Não tenho seguro de carga. —

Escárnio escorria de cada palavra minha.


— Era de se esperar que um assassino de aluguel que

contrabandeia armas no tempo livre tivesse alguma solução para


esse contratempo. — Léo se juntou à zombaria.

— Só volto para cá quando esse desgraçado tiver certeza de


que estamos seguros — o capitão anunciou. — O trabalho está

pago, não? Fizemos nossa parte. Se ele perdeu a entrega, é um

problema dele. 

— E o que faremos agora? — Léo perguntou o que eu queria

saber.

— Agora? — Dando um suspiro pesado, o capitão olhou para

o céu, abriu um meio-sorriso e voltou a nos encarar. — Agora nós

vamos tirar férias.

— Férias? — o garoto e eu perguntamos juntos.

— Precisamos esperar o próximo chamado, o aniversário


dessa mocinha — ele indicou Léo com a cabeça — é na semana

que vem, e eu tenho um contato ou outro nas Bahamas. O que

acham? Podemos dar um tempo por lá até as coisas se acalmarem

ou até aparecer algo novo…

— Eu tô dentro! — Léo nem precisou pensar para responder,

e então os olhos dele e do capitão estavam no meu rosto. 


— O que acha, Ben?

Entre nós, todas as decisões eram tomadas em trio, pelo

menos quando estávamos juntos.

Vez ou outra, Léo e eu trabalhávamos sozinhos, alguns

meses do ano todos nós íamos cada um para um canto, mas boa
parte do tempo, enquanto era bom, ficávamos juntos.

Naquele ramo era difícil encontrar boas amizades, e com

nossos históricos de merda, éramos a única família pela qual valia


lutar.

— Vamos. Mas se você me enfiar de novo em algum puteiro


de quinta, mato você. — Eles riram, mas aquilo era sério. Nos

últimos dois anos, eu já havia perdido a conta de quantos pulgueiros

o capitão já tinha nos metido.

— Não se preocupe… — o homem mais velho disse, indo na

direção do convés. — Desta vez, vou te levar a um lugar cheio de

artigos de luxo. Bocetas com gosto de mel e garotas que parecem


supermodelos… — Ele se afastou tanto que não ouvimos mais nada

do que dizia.

— Acha que podemos confiar desta vez? — Léo perguntou,


desconfiado, olhando na direção aonde o capitão tinha ido.
— Acho que, pela empolgação dele, desta vez, pelo menos,

as putas terão alguns dentes na boca. Não se iluda. — Levantando


meio cambaleando, peguei Léo pela nuca.

O garoto olhou nos meus olhos.

— Mandou bem com isso aí. — Minha voz era grossa, e

naquele momento, meu tom era duro, mas ele sabia que era um

agradecimento.

— Eu sei. Foi você quem me ensinou. — Correspondendo,

Léo deu um meio-sorriso. 

Afastei-me depois de bagunçar o cabelo dele.

— Corte logo essa merda. Parece uma mulher. — Era sério.

— É assim que me agradece por livrar seu rabo?

Eu não respondi. Enquanto sentia o corpo reclamar do efeito


da aventura surpresa, manquei em direção à escada e dei o dedo

do meio para o garoto.


 

 
A vontade de ser irresponsável e deitar na cama foi grande,
mas antes me arrastei para o banheiro, cuidei do ferimento na

barriga e tomei um banho quente. Quando saí do chuveiro, depois

de enfiar dois comprimidos de analgésico com um gole do meu bom


uísque, me deitei com a garganta queimando.

A luz amarela em cima da minha cabeça não era muito forte


e foi encarando-a que caí em um sono pesado, sem sonhos, que

acabou de repente.

O som do ronco do motor foi o que me fez abrir os olhos e


esperei um tempo para confirmar se era real ou apenas minha

imaginação.

Até tentei virar para o lado e voltar a dormir, mas como

sempre esperava pelo pior, não consegui relaxar. Procurei meu


maço de cigarros sobre a cômoda, e achando o último sobrevivente

ali, o joguei para fora e acendi, dando uma tragada profunda antes
de levantar de vez.

Vesti a calça jeans jogada no chão, e depois de colocar a

cabeça para fora da minha cabine e olhar em volta, não vendo nada
de anormal, decidi sair descalço e desarmado. Era impossível
alguém ter nos seguido até ali. E se tinham feito, seria um completo
desperdício, já que não havia nenhuma mercadoria ou dinheiro na
embarcação.

O ar gelado da noite no meio do oceano me recepcionou com


um abraço intenso, ainda assim não me dominou. Caminhei atento e

subi as escadas, notando que a ausência do som da guitarra de Léo


era um sinal claro de que o garoto estava dormindo no seu cubículo

também.

Não havia neblina, e quando me dobrei sobre o parapeito,


notei que a água era apenas um espelho escuro. Deslizávamos
sobre vidro negro para o que eu esperava que fossem dias de paz

no meio da loucura que era minha vida.

Eu não me julgava nenhum santo. Não era cego a esse


ponto. 

Mas era um fato que, faltando quase quatro anos para chegar
aos quarenta, talvez minha vida precisasse de algo novo. Uma
virada de chave.

Talvez eu não visse mais sentido em continuar como estava,


onde estava, sabendo que meu fim poderia ser com alguém
invadindo meu quarto e minha última visão ser o cano de alguma

arma entre meus olhos.


Não. A vida não podia terminar daquele jeito. Não a minha
vida.

Engoli em seco a ideia morta do passado de como, se eu

fosse um homem comum, decente, minha velhice seria e despertei.

Aquilo tudo, aquela vidinha planejada e bem-sucedida, não


me pertencia.

Eu era a escória.

Eu era parte do mal do mundo.

E com o tempo, aprendi a não sentir remorso algum por isso.

Era o que era. Culpa de Deus, do destino, da vida. Da puta

da minha mãe ou do bêbado do meu pai. De nenhum deles, ou de


todos.

E minha. Minha culpa.

Para mil e uma pessoas lá fora, eu deveria ter repensado

minhas escolhas, mas nenhuma delas passou frio a ponto de pensar


que perderia os dedos, ou fome em um nível tão doloroso que seu
corpo não aguenta nem mesmo o peso do ar nos pulmões.

Para essas pessoas, eu tinha escolhido me tornar o que era,


enquanto para mim, e só para mim, eu era a porra de um
sobrevivente.
Era por isso que atracaríamos nas Bahamas, viveríamos dias
regados à puta, álcool e sol, e quando alguém precisasse sumir com

alguém do mapa, ou de uma boa quantidade de armamento ilegal,


ou de um novo carregamento de drogas, vestiríamos as roupas e
faríamos nosso trabalho.

Se ele fosse o último, o diabo me receberia de braços abertos


porque, de alguma forma insana e intensa, eu tinha feito de tudo, e
não havia um pingo de arrependimento para contar história.

Joguei a bituca do cigarro no mar, respirei fundo, com o corpo


começando a doer e a pele amortecida pelo frio, e fui para a cabine
de controle.

A porta estava encostada e rangeu alto quando eu a


empurrei.

O capitão Monroe, que devia ter cochilado em sua velha


poltrona, acordou de súbito. O charuto em sua boca estava apagado

e sua mão estava pousada sobre a velha colt dragoon. 

— Sou eu, porra! — avisei a tempo de não levar um tiro.

— Vagabundo — ele xingou com a voz pesada de sono e

cuspiu o charuto. — Por muito pouco não ganhou um buraco no


peito.
— Desde quando você dorme em serviço? — Sabendo estar

seguro, entrei na sala de comando, escorregando para o banco ao


lado do capitão.

— O serviço acabou. — Tirando a arma do colo, ele se

espreguiçou com vontade antes de pegar dois copos no chão e me


oferecer um. — Teremos uma semana de férias para recarregar o
espírito depois dessa merda toda.

— Nem me fale… 

Não neguei uma gota sequer da bebida escura que ele me


serviu depois de bater com o copo no dele. Era mais forte do que o
uísque que eu guardava no quarto e meu estômago reclamou.

Ficamos em silêncio por um tempo, olhando o nada à nossa


frente e então, depois de um suspiro pesado escapar de mim,
Magnus me encarou com seus olhos escuros e disse em um tom

sóbrio:

— O garoto só tem você. — Demorei um pouco para


entender.

— Léo? Ele sabe se virar caso aconteça alguma merda. E


você não o deixaria sozinho.
— Não deixaria — aquela afirmação me dava paz —, mas
não sou você. Não fui eu quem o tirou da merda.

— Alguém, algum dia, faria o mesmo que fiz. — Me curvei

sobre os joelhos e peguei a garrafa sem rótulo, cheirando o gargalo


para tentar identificar que porra era aquela antes de me servir mais
uma dose. — E não é como se eu o tivesse colocado em uma vida

dos sonhos. Ele tem uma cama, um prato de comida e, agora, uma
quantidade decente de dinheiro, mas o preço que pagou por isso…
Eu o ensinei a sobreviver. Se eu morrer amanhã, Léo ficará bem.

— E é o que pretende?

— O quê? — Encarei o homem antes de dar um gole menor


na bebida, saboreando a ardência sobre a língua. — Morrer? Longe
de mim.

— Ouvi esse discurso algumas vezes nos últimos anos. —


Largando com força sobre a mesinha ao seu lado, ele contou nos
dedos. — Teve a vez em que dormiu com aquela mulher loira,

baixinha, qual era o nome da infeliz mesmo?

— Lídia — relembrei com um sorriso no rosto. 

— Isso. Ela era mulher daquele traficante com cara de rato e

que se chamava…
— Falcão. — Eu me lembrava muito bem da história. — Não
me arrependo de ter acabado com ele.

— Era um bom cliente. — O capitão deu de ombros.

— E batia na mulher até ela ficar inconsciente. —


Inevitavelmente, a raiva mordeu minhas palavras. — Teria feito pior
com ele do que só meter uma bala no meio da testa se tivesse tido a

chance.

— Com ele você não teve, mas quer continuar a lista?

Dei mais um suspiro e neguei com a cabeça.

— Por que está fazendo esse levantamento dos meus

pecados? — Tentei rir. — O tédio nessa merda é tanto que precisa


disso para animar sua noite?

— Não. Estou me lembrando das confusões que você já nos

colocou por pensar com o pau e me perguntando se teremos uma


dessa em breve… — Me encarando de canto, desconfiado, o
capitão enfiou a mão na caixa de charutos e tirou mais um de lá.

— Considerando que você só arrasta a gente para puteiro de


quinta categoria, eu não me preocuparia.

— Desta vez é diferente. O lugar é de primeira. — Ele fez ok


com a mão e eu ri.
— Eu duvido muito. — Minhas experiências anteriores não
me deixavam pensar diferente.

— Garoto, se eu estivesse te levando para um lugar como os


outros, não estaria preocupado, mas esse… 

— Esse o quê?

Ele deu uma longa puxada em seu charuto e soltou a fumaça

densa de uma vez só.

— Me diga. — Sem me responder, ele continuou: — O que


aconteceu com a tal Lídia depois daquilo?

— Nós ficamos juntos por mais duas semanas, depois ela se


encontrou com a irmã e eu voltei para o barco… Por quê?

— Você se apaixonou?

Relembrei-me da garota de seios redondos, cabelo curto e

dentes separados.

— Não — admiti. — Mas me diverti muito.

— E ela?

— Não queria que eu partisse.

— E por que você não ficou lá? 


— Porque… — Encarei à nossa frente, não enxergando nada

dali, só a cena no quartinho ensolarado no qual eu paguei dois


meses para Lídia antes de deixá-la. — Porque…

— Não tem uma resposta fácil, não é? — O capitão parecia

orgulhoso de foder com a minha mente.

Engoli em seco, neguei com a cabeça e cruzei os braços.

— Tirei Lídia daquele lugar porque ela tentou se matar. Achei


que era a infelicidade daquela vida, então me afeiçoei e tentei

ajudar. Quando ela percebeu que eu iria embora, tentou de novo.


Percebi que ela não queria aprender a viver por si… — Encarei o

capitão, sério como nunca e continuei: — É por isso que eu não


fiquei. Não quero que ninguém dependa de mim. Nem Lídia, nem
Léo, nem você. Se eu morrer amanhã é porque chegou a hora,

porque apareceu alguém melhor. E se eu viver mais um dia, não


será por vocês. Será por mim. Só por mim. Vocês são o mais
próximo da família que eu tenho, mas não podem entrar por essa

porta. Não podem ser uma fraqueza.

E engolindo coisas que só eu sabia, que só eu carregava, me


despedi do capitão e voltei para a minha cabine, pronto para deitar

na cama e pensar que aquela conversa esquisita tinha sido a merda


de um sonho louco da combinação que álcool e analgésicos poderia
render.
 
 
 
Sem paz de espírito
É tudo que eu já conheci
Minhas mãos estão atadas
Eu rezo para que eu esteja bem
Mas meus pensamentos não são meus
Então eu apenas minto
Porque eu odeio não estar no controle
let it go - chandler leighton feat. lo spirit
 

Aquela noite poderia entrar para uma das mais mal dormidas

de toda minha vida. Acordei e voltei a dormir tantas vezes em um


curto espaço de tempo que, quando finalmente desisti de tentar

pegar no sono, ouvi as batidas na porta junto do grito do capitão e


dei graças.

— Estamos chegando, vagabundos. — Seu modo carinhoso


era sempre anúncio de bons tempos. — Levantem e se preparem
para entrar no porto.

— Acordei. — Ouvi Léo dizer de sua cabine.

— Já vou — gritei de volta. 

Expulsando o resto de sono que se acumulava nos meus


ombros, esfreguei o rosto, e levantei de uma vez.

Vesti a primeira camisa que encontrei, escovei os dentes,


lavei o rosto e baguncei os cabelos com as mãos molhadas.

Sabendo que poderia encontrar algum policial honesto pelo


caminho, abri o compartimento secreto sob minha cama e guardei

as armas que não tinham documentação, uma boa porção de


dinheiro sem declaração e tudo mais que fosse foco de problema.

Aquelas revistas realmente eram raras, e quando eram feitas, quem

vinha era sempre algum policial bem preguiçoso.  Ainda assim, no


meu meio, o seguro morria de velho. Encarei a garrafa de uísque

sobre minha mesa de cabeceira e sabendo que colocar uma dose

daquela para dentro tão cedo seria um erro, lamentei em um suspiro


pesado e saí do meu quarto.

Léo já estava lá em cima olhando para Nassau, animado. Era

a primeira vez que ele colocaria seus pés ali, e acho que só por isso
foi que consegui ver o deslumbre raro do garoto de 22 anos
escondido sob a capa da vida que levava. Não era ruim, mas para

sobrevivermos como fazíamos, não dava para sustentar nenhum

tipo de inocência.

Vendo que me aproximava, o garoto encarou Nassau

intrigado, cruzou os braços e pendeu a cabeça para o lado antes de

me perguntar: 

— Acha que o capitão falou sério sobre o lugar aonde ele vai

nos levar desta vez? Dizer que é um pedaço do céu é meio absurdo,

não? —  Desconfiado, suas sobrancelhas se juntaram e eu ri.


— Garoto… se eu fosse você me preparava para o pior. —
Tirei a sombra do sorriso do rosto dele. — De qualquer modo, se

ficarmos aqui só uma semana, você terá tempo suficiente para

procurar um lugar decente depois, agora pare de sonhar e me ajude

com aquelas cordas.

Léo me auxiliou a preparar a embarcação para ancorar

enquanto o capitão gritava ordens daqui e dali.

Quando finalmente amarramos a última corda do Hand Of

God ao lado de embarcações enormes, tomamos um susto ao ver o

capitão sorrindo, indo em direção a um homem muito velho usando

um tapa-olho e bengala.

O velho parecia um moribundo, completamente fora do


conjunto de pessoas em volta, o que só piorou a nossa impressão

quando ouvimos Monroe dizer em alto e bom som:

— Capitão Cassian-olho-furado, meu amigo, quanto tempo!

— Você envelheceu, Magnus. — O mau humor refletido na

voz do idoso me fez abaixar a guarda e esperar.

— É o efeito da água salgada, sabe como é. Você não está

muito melhor que da última vez que eu o vi — o capitão falava sério,

mas logo em seguida os dois começaram a rir e a nuvem que se


formava sobre nossas cabeças se dissipou.  Magnus ergueu a mão

para nós, indicando que estava tudo bem e se afastou junto do


amigo.

 — Você sabe a história dele com este lugar? — Léo parecia


que ia explodir de curiosidade.

— Na verdade, não. Das histórias que ele conta, eu nunca sei

qual parte é verdade e qual parte é mentira. Além de que, são tantas
histórias ao longo dos anos que, se ele contou sobre isso aqui, eu

realmente não me lembro.

— Ontem, depois que você desceu, ele começou a se gabar

de ser um herói do povo, mas não sei se isso foi graças ao ego ou à
bebida.  Ou os dois. — O garoto deu de ombros. — O que vai fazer

agora? — Léo me encarou, suado pelo trabalho braçal, com a


respiração acelerada, parecendo um pouco perdido.

Olhei em volta, percebendo a movimentação no porto,


sabendo que ali estaríamos seguros, e meneei com a cabeça.

— Provavelmente, aonde o capitão vai nos levar só abre à

noite e, sinceramente, acho que estou ficando velho.  Ainda tem


aquelas pílulas para dormir?
— Tenho, estão na gaveta da minha mesa de cabeceira… —

Coçando a cabeça, o garoto olhou em volta e disse: — Eu não vou


conseguir voltar para cama, se você vai dormir, acho que vou andar

por aí.

— Leve o rádio. —  Era uma ordem. — Se precisar, estarei


na escuta.

O sorriso debochado que surgiu em seu rosto era


provocação.

— Tá achando que eu sou você? — zombando de mim, ele

se espreguiçou. — Fique tranquilo, não vou me meter em problemas


e volto antes do almoço.

E depois de prender o cabelo para o alto da cabeça, o garoto


saiu da embarcação. Já eu, depois de passar a mão em dois

comprimidos dele, deitei com o rádio sobre o peito e agradeci o


sono sem sonhos que tive.
 

 
Já passava das vinte quando nos reunimos em frente à
embarcação.  Eu, que terminava de queimar um cigarro que havia
roubado das coisas de Léo, usava minha última camisa limpa

decente, junto de jeans escuros, carregando os meus anéis de ouro


em todos os dedos da mão direita, combinando com as correntes no

meu pescoço. Uma delas era de elos grandes, grosseira e pesada,


enquanto a outra era menor, fina, ficando escondida sob o tecido da
roupa.

— Estão prontos? — o capitão perguntou, ajeitando as

abotoaduras na sua camisa.  Recém-saído do banho, aquela era


uma versão dele que eu só via em ocasiões especiais. O cabelo

cortado, a barba aparada, e o capitão Magnus Monroe estava


vestido para impressionar. — Garoto, você não tinha uma roupa
decente? — ele disse quando finalmente prestou atenção em nós.

O garoto que tinha o cabelo preso no alto da cabeça por um

elástico vestia jeans, coturnos, a camiseta de uma banda de rock e


uma jaqueta de couro. Léo também tinha colocado sua prataria.

Como eu, havia correntes em seu pescoço, brincos de pequenas


argolas em suas orelhas, e anéis pesados em seus dedos. 

— O que tem de errado com as minhas roupas? — Não


entendendo a bronca do capitão, ele analisou o que havia vestido
realmente achando estar tudo bem.

— Lembre-me de depois te dar uma aula de etiqueta sobre

poder — o mais velho de nós provocou.

— Posso estar bêbado nesta aula também? — Aquela era


uma provocação antiga já que, da primeira vez que o capitão criticou

a maneira do menino atirar, foi tentar ensiná-lo bêbado e quase deu


um tiro no próprio pé.

— Só se quiser passar a vida inteira como empregado. — Era

uma bronca real e eu não me intrometi.

Soprei a fumaça da última tragada, amassei com o pé a


bituca que joguei no chão ainda em brasa e cortei aquele papo dos

dois.

— Podemos ir?

Foi a vez do capitão tomar fôlego.

 — Nossa carona já deve ter chegado.

  Foi minha vez de trocar um olhar desconfiado com Léo.


Carona?

 Nenhum de nós questionou.


Seguimos o capitão pelo porto,  cumprimentando com a

cabeça quem passava por nós, analisando a popularidade de


Monroe naquele lugar.

— Há quanto tempo você não vem aqui? — perguntei quando


terminamos nossa subida para a rua.

— Três anos — ele soltou, lamentando. — Três longos anos.

  — Se é tão querido aqui, por que não ficou? — Léo se

intrometeu.

— Porque poderia correr o risco de fazer alguma merda e

perder meu privilégio. Prefiro aproveitar a boa vida quando aparecer

a gastar todos os créditos de uma vez. — Aquilo foi dito com um

sorriso no rosto, um que não tive tempo de ler decentemente porque


o táxi nos aguardava.

— Vamos para longe? — Léo perguntou quando o carro


começou a se mover.

— Não — o capitão respondeu do banco da frente. — Na

verdade, poderíamos ter aportado aonde vamos hoje, mas eu não


queria aparecer abusado. Aqui é melhor ser convidado do que se

convidar. E ainda estou pensando se, com nossas últimas

experiências, parar tão perto do pote de mel é uma boa ideia.


Rolei os olhos sabendo que aquele recado era para mim. 

O que ele achava? Que eu ia me apaixonar por uma puta?

Ridículo.

Eu não estava à procura de confusão, eram só sete dias

naquela merda de ilha.

Sete dias para descansar, foder e beber, sem me preocupar

em defender meu traseiro.


 

 
Seis minutos depois, estávamos em uma avenida

movimentada. Naquela noite quente de verão, vendo turistas por

todos os lados, mantive os olhos bem abertos, analisando tudo em

volta, tentando não parecer impressionado.

Talvez, daquela vez, eu precisasse dar o braço a torcer para

o capitão, e parecendo ler meus pensamentos, Monroe abriu a boca


todo orgulhoso.

— É ali, e, como vocês podem perceber, está longe de ser

um pulgueiro. — Apontando para a fachada sofisticada toda branca


com desenhos neon flutuando pelas paredes, ele sabia que tinha

acertado. 

O prédio de quatro andares ocupava um grande espaço na

avenida, e algo me dizia que a diversão de verdade estaria ali,


principalmente nos dois andares superiores com janelas de vidro

espelhado. Em uma troca de olhares silenciosa com Léo, notei que

ele pensava o mesmo que eu. 

Foi inevitável não ficar curioso sobre qual tinha sido o nível

da merda que o capitão havia enfrentado para conseguir cair nas

graças do dono daquele lugar, mas não tive tempo de perguntar


porque logo estacionamos e precisei descer. 

Da calçada, Léo deu uma última olhada no prédio, assobiou e

disse:

— O que me garante que o lado de dentro é tão bom quanto

o de fora?

— Garoto… você ainda tem muito que aprender. —

Ignorando Léo, o capitão se dirigiu para a entrada da boate

calmamente comigo e com o garoto loiro impressionado lado a lado.

 A fila para entrar na boate era grande, e o que me deixou

atento e apreensivo foi ver a quantidade de gente negada na porta.


Os seguranças que se assemelhavam a gigantes de pedra em

ternos e gravatas pareciam mais exigentes do que de qualquer outro

lugar no mundo com sua clientela. Léo foi o primeiro a avançar sob

os olhares desconfiados dos Leões de chácara, mas bastou o


capitão tomar a frente que as coisas mudaram. Houve

reconhecimento, e tudo ficou ainda mais intenso quando ele indicou

a mim e Léo dizendo um sutil “estão comigo”.

 Foi a mesma coisa que dizer abracadabra.

 Os caras saíram da frente. As portas se abriram.

  De repente, me senti como um dos quarenta ladrões

entrando na caverna recheada de ouro.

Eu não perdi tempo. Avancei pelos poucos degraus,

acompanhado da minha pequena família, pronto para mergulhar de

cabeça no meu mais merecido descanso.


 

 
Caminhamos por um corredor escuro que terminava em um

salão enorme. A decoração era dourada e vermelha, mas eu


desconfiava que ver tudo naqueles tons fosse culpa da iluminação

baixa e colorida. Pole dances estavam espalhados pelo local, mas


nada era tão grandioso quanto o palco principal, onde duas garotas

com metade da minha idade se esfregavam uma na outra em uma

dança sensual regada por chuvas de dinheiro vinda das mãos de

turistas desesperados por qualquer pedaço de pele feminina que


pudessem tocar.

Havia também uma enorme bancada onde o bar tomava toda


a lateral direita para quem preferisse ver o show mais distante,

porém, eu tinha certeza de que os homens sentados ali só não

estavam babando sobre o palco principal graças às meninas que os


acariciavam e riam de qualquer merda que era falada.

Não havia melhor Viagra para o ego do que uma puta

interesseira.

Eu podia julgá-las? Jamais.  Aquele era o tipo de venda que

eu mais apreciava.

Enquanto admirávamos o ambiente, completamente

surpresos, uma garota de lingerie como uma das modelos da

Victoria Secrets apareceu toda sorridente. Seu cabelo curto estava


muito bem-penteado para trás e sua maquiagem era impecável,
mas ela nem perdeu tempo olhando nem para mim ou para Léo, seu
alvo era o capitão.

— Senhor, temos uma mesa especial para você e seus


amigos, posso te acompanhar? — O tom de flerte era pesado e

Monroe adorou a atenção.

Pegando na mão da garota, ele respondeu algo que eu não

ouvi, mas pelo sorriso envolto em batom vermelho que ela lhe deu,

eu imaginava o que tinha sido, e enquanto seguíamos como

cachorrinhos na coleira daquela mulher, Léo se aproximou de mim.

— Ok, desta vez o velho acertou! — Vidrado como eu no

balanço que a bunda da garota que nos guiava fazia, ele disse como
uma criança magoada: — Por que ele não nos trouxe aqui antes? 

Eu só consegui rir.

— Por uma vez na vida, pare de ser implicante e aproveite o

momento — quase implorei antes de dar passagem para ele se


sentar no meio do sofá.
 

 
Nossa visão do palco principal era privilegiada e,
magicamente, garotas com sorrisos safos e olhares predatórios
vinham até a mesa servir copos de bebida que não haviam sido

pedidas. Aquela atitude da casa toda em volta do capitão me fez


acreditar na veracidade da consideração do dono daquele palácio, e
foi inevitável não agradecer aquela conexão quando uma morena

que cheirava a algodão doce passou os peitos na minha cara antes


de escorregar para o colo de Leonardo, já que eu não a segurei
sobre mim.

A verdade era que, com toda a certeza, foder as garotas do


local de graça não estava na lista de cortesia do capitão, e se eu
fosse gastar meu dinheiro, queria a melhor, o que era realmente

difícil de decidir uma vez que as mulheres naquele lugar eram cada
uma um pedaço de tentação divina.

Depois de três copos de uísque do mais forte e dois jarros de

cerveja, com a mente mais leve do que me lembrava de estar em


dias, decidi ir ao banheiro e olhar em volta para procurar minha
acompanhante daquela noite.

Levantei-me, e com meus parceiros ocupados demais para

reparar no meu sumiço, procurei pela indicação do banheiro e segui


com as mãos no bolso até lá, me contendo para não agarrar algum
corpo provocante pelo meio do caminho cheio de troca de olhares.

Eu realmente adorava um puteiro bem-organizado.

Depois de usar o banheiro, fui lavar as mãos e ao me virar


para pegar o papel para secá-las, notei algo diferente no meu

reflexo no espelho. Atrás de mim uma garota de pele bronzeada e


lingerie branca com detalhes dourados se enrolava em um boá de
plumas da mesma cor do conjunto que vestia, parou se apoiando na

parede. Seus olhos escuros envoltos em maquiagem trabalhosa


estavam fixos no meu rosto.

Eram as cicatrizes e marcas da minha aventura da noite


passada, eu sabia que chamaria atenção.

— Precisa de alguma coisa, senhorita? — perguntei, tirando


os olhos dela apenas para acertar o lixo.

— Gosto de homens que têm histórias para contar, é o seu

caso? — A voz macia e suave que escapou da boca dela me fez dar
um meio-sorriso e encará-la de frente.

— Que tipo de história você gosta? Tenho algumas… —

Minha fala foi ficando mais baixa conforme ela veio na minha
direção.

A garota tinha cheiro de baunilha, e quando tocou meu rosto

com a ponta dos dedos, perto dos machucados, foi gentil.

— Como um homem forte como você se machucou tanto? —


Eu sabia que aquilo era parte do teatro. Ela estava ali para me dar

prazer e não precisávamos daquela conversa fiada, mas eu era do


tipo que se divertia com a conquista. A sinceridade de uma boa foda
com alguém que fazia aquilo para viver era como um troféu difícil de

ignorar.

— Não sei se você ficaria tão perto se soubesse que me saí


melhor do que quem fez isso comigo — respondi num sussurro

quando ela roçou as unhas pela minha barba e, com a mão livre,
tocou meu pau meio duro por cima da calça.

— Depende… machucaram outra parte de você? — Aquela


era uma pergunta específica. 

— A senhorita…

— Jade — ela disse seu nome com o rosto mais próximo ao


meu, acariciando meu pau com mais vontade.

— Você cuidaria dessa parte se estivesse machucada? —

Minhas mãos apertaram sua cintura, trazendo o corpo dela para o


meu.

— Acredito na caridade, pirata. Cuidar do próximo com o meu


corpo e curá-lo é uma bênção irrecusável, não acha? 

Eu gostava daquela ousadia.

Quando desci o rosto para o dela, Jade me beijou tão

intensamente que, no segundo seguinte, girei nossos corpos e a


coloquei sobre a pia, correspondendo avidamente o que ela me
dava. Sexo era uma das minhas formas favoritas de descontar a

adrenalina, e depois do que eu havia passado na noite passada,


queria me sentir merecedor de estar vivo, principalmente se aquela
comemoração fosse me enterrando na boceta de uma mulher

gostosa como aquela. 

— Ben… ah, filho da puta. — A voz de Léo nos fez parar e eu


suspirei, levemente irritado. — Agora entendi por que você está

demorando para voltar. 

— É, empata foda, o que você precisa? — Minha voz


entregava minha irritação.

— Estou perturbando o capitão para me contar o que ele fez,


e ele disse que só conta com você na mesa… 

— Isso não pode ser depois? Estamos ocupados agora…


— Não. Quero saber o que é que ele fez, para fazer o mesmo
e ser tratado assim um dia. Traga sua amiga para a mesa, do jeito
que o povo se come abertamente neste lugar, se vocês fizerem isso

lá, ninguém vai julgar. 

E como se não fosse nada, ele nos deu as costas.

Jade riu, me dando um tapinha no ombro antes de descer e


dizer toda sedução e flerte:

— Acho que posso te acompanhar, já que o trabalho que


terei, cuidando de você, será enorme. — Sua mão livre pressionou
minha ereção e eu engoli em seco, seguindo-a quieto, concentrado

no rebolado de seu quadril conforme ela caminhava na minha frente.

Definitivamente, eu nunca apreciei tanto um momento de


folga como aquele.
 
 
 
 
Eu disse, deixe-me dizer-lhe, estou pronto para voar
Eu sobrevivi através de tempestades, tempestades de areia
Lutei contra a guerra, agora é hora de ir para casa
journey (ready to fly), natasha blume
 

— Ok, como foi que você conseguiu cair nas graças do todo-

poderoso daqui? — perguntei, me sentando meio largado, puxando


Jade pela cintura para vir ao meu colo antes de virar o resto da

bebida que havia sobrado no meu copo dissolvida no gelo.

— Está com inveja, alemão? — o capitão me provocou,

dando um tapa na bunda da garota em seu colo que parecia fingir


achar graça daquilo.

Eu não respondi e ele continuou:

— Bem, me deixem ver… — Fazendo cara de quem pensava


demais nos detalhes, Monroe começou: — Há alguns anos, precisei

trabalhar com Tobias e Arthur, pai e filho. Convivi com eles por um

bom tempo, mas percebi que existia uma competição bizarra entre
os dois. O pai planejava matar o filho em uma emboscada e… eu

acabei matando o pai dele antes que Arthur acabasse tomando um

tiro pelas costas do próprio genitor. Tinha muito dinheiro envolvido


na época, muita coisa acontecendo… Era uma grande bagunça,

mas não me arrependo do que fiz. 

— E o patrãozinho mandou cuidarmos muito bem do homem

leal dele. — A garota no colo do capitão beijou seu rosto e o


segurou pelos ombros, se roçando nele com vigor. Eu desconfiava

que, ou ela estava drogada, ou que cair nas graças do patrão

deveria vir com algum bônus.

— E seu patrão é um homem que sabe como retribuir… —

Animado, Monroe beijou o pescoço da mulher em seu colo.

— Ok, você salvou a vida dele e ganhou convites vips para o

parque de diversão? Achei que tinha sido algo maior.

— Garoto… — Impaciente, o capitão quase deu uma bronca


em Léo. — Tente salvar a pele de alguém que tem a cabeça a

prêmio por dez milhões de dólares. Não é a tarefa mais fácil do

mundo. Antes de chegar no pai dele, eu tive trabalho no meio do

caminho.

— Então você virou o super-herói do cara mesmo… Droga,

nunca vou conseguir algo assim — Léo lamentou, sendo acolhido

pela dançarina em seu colo bem no meio de seus peitos enormes.


— Você pode ser o meu super-herói também, capitão — a
dançarina de Monroe ronronou para ele.

— Serei o que você quiser, princesa. — Foi ali que parei de

prestar atenção nos dois ao meu lado e me voltei para a garota que

beijava meu pescoço.

Virei o rosto na direção do dela, mas só ganhei uma mordida


no lábio antes dela se ajeitar no meu colo, dançando com os quadris

sobre mim, roçando a boceta contra o volume do meu pau, me

provocando com vontade.

Não precisaria de muito para eu foder com ela bem ali, mas

logo que ela abriu minha calça, a iluminação do lugar mudou, assim

como a música, e instintivamente eu procurei pela responsável


daquela mudança.

A música começou grave, a voz de uma mulher ganhou força

e do palco principal eu vi surgir algo em meio à fumaça. Era uma

gaiola dourada enorme, maior do que eu, que guardava alguém. A

mulher no meu colo pegou no meu pau e começou a me masturbar,


mas eu mal consegui encará-la, minha atenção estava presa na

garota de collant preto, que saía da gaiola e encarava em volta com


algo no olhar que não era flerte, não era sedução, não era a busca

incessante de agradar.

Era ódio, raiva.

Agonia.

E foi isso que me fez encarar mesmo de longe os olhos

castanhos pintados de preto.

Ela respirou fundo, sem sorrir, e olhou para a luz em cima do


palco antes de esfregar as mãos e subir pelo pole dance principal. 

O mastro deveria ter pelo menos seis metros, e como se em


uma peça, ela encenou a subida com dificuldade. Fingiu cair no

meio do caminho, mas era óbvio pela maestria do corpo em


movimento que era tudo planejado. Girando em todas as formas

possíveis, tão flexível quanto alguém poderia ser, percebi a história


contada pela sua dança tão sensual e envolvente. Ela, de fato, era,
mesmo sem se forçar a ser ao contrário de toda e qualquer garota

ali.

A dançarina continuou sua escalada bravamente, na última


queda eu quase me ergui com medo de ser real, mas a prova de

que era parte do show foram as asas que surgiram enquanto ela
girava para baixo. Então ela desceu, e entrou na gaiola com a
expressão mais triste e vazia no rosto que eu já vi. Ainda assim,

mesmo de longe, seus olhos queimavam. E quando a gaiola se


fechou e sumiu, foi inevitável querer saber.

— Quem é aquela garota?

— Não pense no que você não pode ter, pirata — a dançarina


no meu colo sussurrou em meu ouvido como se pudesse ler minha

mente. Jade pegou minha mão e a colocou sobre sua boceta


extremamente quente e molhada, e não fui idiota de recusar o

convite. Afastei a calcinha para o lado, sentindo o clitóris inchado e


escorregadio, seguindo até sua entrada completamente melada.  —

Eu estou aqui agora, não ela.

Ela forçou os quadris contra minha mão e eu afundei dois

dedos dentro dela enquanto Jade me beijava e me masturbava com


mais vontade.

Aquele combustível foi o bastante para me entreter, mas não

para calar a curiosidade da minha mente. Ainda assim, foquei no


que estava ao meu alcance e na sensação prazerosa da mão
experiente trabalhando no meu pau.

Depois de tanta provocação, eu não queria perder tempo.

— Tem algum lugar para onde podemos ir?


A garota sorriu contra minha boca, erguendo o quadril,
tirando meus dedos de dentro dela e, me soltando, ela levou minha
mão até seus lábios e me deu uma amostra do que sua boca

esperta era capaz. 

— Achei que não fosse perguntar.

Erguendo-se na minha frente, a garota me pegou pela mão e


me arrastou na direção dos elevadores. Não me importei em avisar
ao capitão ou Léo, até porque duvidava que eles prestariam atenção

em qualquer coisa que não fossem as mulheres em seus colos.

Segui a garota sabendo que parte da minha excitação não


lhe pertencia, mas ainda assim, nada era mais sincero e urgente do
que a minha fome naquele minuto.

Bonita e gostosa, Jade me provocou nos segundos dentro do

elevador e quando achou que eu só ficaria naquilo até o caminho do


quarto, tomou um susto.

Assim que as portas se abriram em uma espécie de recepção


vazia, eu a peguei por trás, erguendo seus pés do chão e a arrastei

até o sofá. 

— Não consegue esperar, pirata? — Rindo para mim, ela me


encarou sobre o ombro e pressionou a bunda contra meu pau. —
Em público é mais caro.

Não respondi. Envolvi seu queixo e a obriguei a deitar a

cabeça, liberando seu pescoço para que eu a mordesse e beijasse.


Ela suspirou, mas não tão profundamente quando eu enfiei minha

mão por dentro da calcinha minúscula e encontrei novamente seu


clitóris.

Eu não sabia, nem queria saber, com quantos clientes ela já

tinha ido para a cama, mas eu era o tipo de homem que só me


deitava com alguém se fosse vantajoso para ambos os lados. O

dinheiro não seria a recompensa dela, com toda a certeza.

Toquei seu corpo devagar, sentindo os pequenos espasmos


que começavam a fazer com que ela quisesse fugir. Segurei-a pela

garganta, mantendo-a presa ali de joelhos e pernas abertas no sofá,

sentindo sua bunda remexendo contra meu pau e só a soltei quando


o som que ela emitia evoluiu de uma respiração acelerada para

gemidos mais entregues.

Animada, Jade aproveitou o momento de liberdade e se virou


na minha direção. Suas mãos na minha camisa me puxaram com

mais força do que eu esperava, e eu me sentei de imediato. 


— Camisinha? — ela perguntou ao vir para o meu colo,

abrindo o que faltava do zíper da minha calça, liberando meu pau da


cueca com tanta habilidade que não pude reclamar.

Fiz que sim com a cabeça e tirei o pacote do bolso traseiro.

A garota foi para o chão, encaixou o pedaço de látex na boca

e, de um modo absurdamente prazeroso que eu nunca tinha

experimentado, desenrolou a camisinha pelo meu pau junto do calor


da língua.

Puxei o ar entre os dentes e quando ela o colocou até o


fundo da garganta e o forçou um pouco, mantendo os olhos nos

meus, peguei-a pelos cabelos e a puxei para cima.

Jade montou em mim como a profissional que era, porém a


forma como ela gemeu ao me encaixar em sua boceta molhada,

como fechou os olhos antes de me agarrar com força pelos ombros

e oferecer o seio afastando a lingerie que o cobria, me fez pensar


que, se ela estava fingindo, merecia um prêmio de melhor atriz.

Segurei em seus quadris com força enquanto me

movimentava junto dela, sentindo o calor da sua boceta me engolir,


adorando a visão dela dando tudo de si naquela cavalgada intensa.
Desci um belo tapa em sua bunda e brinquei com a língua em

seu mamilo antes de mordiscá-lo um pouco mais ferozmente. Ela

deu um gritinho e um meio-sorriso antes de abrir os olhos e me


encarar.

— Você vai me fazer gozar rápido demais, pirata. — Ouvi o

tom de flerte dela e a segurei, prendendo seu corpo no meu antes


de levantar. A boceta dela apertou meu pau tão forte que precisei

respirar fundo para não me perder naquela porra de sensação.

Eu me recompus, colocando a garota deitada com o quadril

apoiado no braço do sofá. Seu corpo caiu contra o assento e ela foi

rápida em me vender o visual de tudo o que prometia. O som dos

gemidos dela cresceram conforme eu metia com força. Seus dedos


da mão direita cuidaram de seu clitóris enquanto com a mão livre ela

apertava um dos seios, provocando a si mesma.

Descontrolado no momento, afastei seus dedos da área

sensível e imitei o ritmo dos seus movimentos com o polegar.

— Eu vou… — Ela se tremeu inteira e eu me contive, dando


um tapa na lateral de sua coxa.

— Ainda não — rosnei de volta.

E então eu ergui o rosto por um momento.


A porra de um segundo.

E lá estava ela, a garota da gaiola.

Envolta em uma espécie de xale, ela estava meio escondida


atrás de um vaso de planta, olhando fixamente para nós. Para mim.

Espiando como uma voyeur curiosa demais, ela não se

moveu nem quando descoberta e eu não tirei os olhos dela.

Meu corpo se arrepiou inteiro quando os olhos castanhos me

encararam.

Minha boca secou. Meu coração acelerou.

Eu precisava daquela mulher.

Falar com ela, foder com ela.

Qualquer coisa que me fizesse ter certeza de que ela era

real.

Não me importando com os gemidos baixos que escapavam


da minha boca enquanto, mesmo sem perceber, comecei a estocar

com mais força na garota que fodia, assisti à dançarina da gaiola

descer os olhos pelo meu corpo, para a visão do meu pau se


enterrando na boceta de Jade, e analisar as expressões da garota

que realmente não fingia.


Quis mostrar o quanto era bom, voltei a provocar o clitóris

escorregadio e brinquei com o limite da sanidade da garota deitada

no sofá gemendo tão alto que poderia ser ouvida por qualquer um

dentro daqueles quartos.

Quando me dei conta, a menina embaixo de mim gozava

intensamente, me dando um aperto tão gostoso com sua boceta que


não me deu muita escolha do que relaxar sob a pressão. Por um

segundo, o pensamento de estar fodendo com a voyeur surpresa

nublou minha mente e fechei os olhos, travando a mandíbula com

força, desejando que aquilo fosse real. Dei a última estocada firme,
entrando até o fundo em Jade, gozando junto dela naquele ímpeto

selvagem alucinado, pronto para terminar com ela e ir atrás do que

realmente queria, mas quando abri os olhos, ela não estava mais lá.

A garota da gaiola havia desaparecido tão de repente quanto

havia chegado.

Decepção foi pouco para o que senti, mas não transpareci.

Só um louco ficaria obcecado por uma prostituta.


 
 
Depois de me livrar da camisinha na lixeira da recepção

abandonada, me surpreendi ao ouvir Jade me chamar.

— Vamos subir? — Assim que ficou de pé e ajeitou a lingerie,

ela parecia pronta para mais.

Senti-me tentado a recusar e procurar por sua parceira de


trabalho, mas a verdade era que, naquele momento, eu precisava

tentar controlar aquele desejo insano, pois no minuto em que pensei

descer para caçá-la, o sopro do lado esquerdo do corpo quase me


fez vacilar.

Meu instinto nunca errava, a garota podia ser um problema.

Era melhor me divertir com o que era seguro.

Era melhor evitar qualquer possibilidade de arruinar a fama


do capitão.

— Me guie, menina — pedi, indo até Jade, decidido a

aproveitar a noite como devia.


 
 
 
Tudo que eu quis são coisas que eu já tive antes
Tudo que eu precisei, eu nunca precisei tanto quanto preciso agora
Todas as minhas perguntas são respostas para os meus pecados
Todos meus finais estão esperando para começar
circles, slipknot
 

Dizer que sabia o valor exato que deixei naquela boate seria

uma grande mentira. Apesar de Jade não ter me cobrado pela


primeira transa, fiz questão de pagar as outras três que tivemos ao

longo da noite e, sem dúvida alguma, tinha a consciência tranquila


de que o dinheiro havia sido muito bem gasto.

Quando enfim voltei para o navio, o dia já estava


amanhecendo. As portas dos quartos estavam todas fechadas e,
cansado, não me atentei em verificar se o capitão ou Léo estavam

dormindo, e exausto como estava, foi só o tempo de arrancar as


roupas e cair na cama, pronto para dormir o sono dos justos.

— Vamos, Ben. Você não pode dormir o dia todo! — Léo

sacudiu meu ombro e eu só me virei na cama, ignorando-o. —


Porra, não é você quem diz que não é pra dormir pelado? 

— Garoto, eu acabei de deitar, me deixe dormir — reclamei,

pouco ligando se a visão do meu pau o incomodava.


— Você acabou de deitar? Impossível. Estou de pé desde às

onze arrumando as coisas lá fora e você já estava aqui bem antes


disso… — Entreabri os olhos e o encarei, vendo-o cruzar os braços

e dar um sorriso malicioso. — A noite foi demais para a terceira

idade? Tá perdendo a noção do tempo, idoso?

— Espere… Que horas são? — perguntei, esfregando os

olhos, ignorando sua provocação. 

Estiquei a mão sobre o chão, pegando o celular no bolso da

calça e, assim que vi no visor a hora, dei um pulo.  — Porra, são

três da tarde!

— É, foi demais mesmo — ele continuou a provocar. —

Parece que você não aguenta mais uma novinha. Deve ser triste
quando a gente envelhece e não dá mais conta de transar direito.

Ter energia para aguentar o dia depois disso então, é só por um

milagre, não? 

O deboche de Leonardo me fez querer dar um belo tapa na


sua cabeça, ou um tiro, tamanho o sono que sentia.

— Você ainda precisa crescer muito para falar sobre como eu

fodo ou deixo de foder. Quem sabe você possa fazer isso quando

parar de gozar na primeira metida, seu precoce do caralho — falei,


me impulsionando para fora da cama, indiferente enquanto ia para o
banheiro da minha cabine. 

— Eu nunca gozei de primeira, idiota. Eu duro muito — ele se

ofendeu fácil demais e me fez rir. — Pergunte à garota da noite

passada. — O sorriso orgulhoso dele morreu assim que me virei da

porta do banheiro.

— Ah, pelo amor de Deus. Agora você chama sua mão

esquerda de garota? Dê um nome decente a ela, Leonardo. —

Quando me virei para cair no chuveiro, ouvindo-o me xingar antes

de sair, sabia exatamente o que fazer.


 

 
Nassau era quente demais, mas o banho frio ajudou a aliviar
parte do calor. Eu era adaptável, porém a memória do meu corpo

ainda preferia o tempo frio de onde eu havia nascido e crescido.

Venci essa pequena barreira graças à determinação que martelava

no meu cérebro desde aquele momento decisivo da noite passada,

e quando caí na rua, meus pés seguiram firmes na direção do que

eu tanto queria.
Léo e o capitão saíram antes de mim para comer no centro,

com mais um lembrete fervoroso sobre eu não arranjar confusão, e


eu tentei me agarrar àquele pedido especial conforme avançava

pela calçada da Perdición. 

Os seguranças me reconheceram da noite passada e a

passagem me foi liberada com um cumprimento de cabeça. Avancei


vitorioso até o final do corredor e senti o impacto da decepção me

bater no peito. Ainda faltavam três horas para a casa abrir


oficialmente, mas enquanto isso o bar estava funcionando a todo

vapor e, fingindo da melhor forma que não tinha interesse algum em


nada em particular, me aproximei do primeiro banco vago e esperei
ser atendido.

— O que vai beber? — o barman perguntou.

— Uma cerveja — pedi, já prolongando a conversa. — Sabe

— olhei em volta — , isso daqui fica um pouco mais legal quando


tem aquele bando de garotas bonitas passeando para cima e para
baixo… — Fingi casualidade e vi o homem sorrir enquanto

concordava com a cabeça.

— Não posso discordar, mas elas precisam descansar


também…
— É, ainda mais depois de tanto esforço, como aquela garota

da gaiola. Ela foi sensacional.

— Todas são — o homem não pegou minha isca —, mas só


aparecem aqui mais tarde mesmo. — Reforçando o recado para

mim, ele deixou a cerveja gelada no balcão e foi para o próximo


cliente, me deixando à vontade.

Li cada um dos funcionários da casa que passou por mim


enquanto enrolava para secar minha garrafa, e completamente

insatisfeito e frustrado, quando percebi que ninguém falaria ou


facilitaria algo naquele momento, entendi que precisaria voltar mais

tarde para colocar meus olhos naquela mulher mais uma vez.

Quando me levantei quase pude ouvir a voz de Léo na minha

cabeça.

“Procurando por confusão de novo, seu velho tarado?”

Sorri para o nada, saindo dali.

Não era eu quem procurava por problemas.

Eram os problemas que gostavam muito de mim.

Notei isso quando o pensamento de subir e espiar todos os

quartos disponíveis surgiu, mas me controlei a tempo de evitar


pegar o elevador. Era mesmo melhor esperar pelo momento certo já
que, com mais seis dias naquele paraíso, eu não queria queimar a
largada.
 

 
Liguei para o capitão e o encontrei junto de Léo, sentados em
mesas dispostas na calçada de um restaurante chique. Ambos

tinham terminado seus pratos principais e bebiam vinho em taças,


me fazendo rir.

— O que aconteceu aqui? — Segurando a piada, me sentei


em uma das cadeiras disponíveis.

— Às vezes, eu esqueço que esse garoto é um troglodita e


que preciso ensinar algumas coisas. Uma delas é como gastar o
dinheiro decentemente no período de descanso. — Léo revirou os

olhos ouvindo Monroe, parecendo cansado de discutir. — E você, o


que foi fazer na Perdición?

— Eu? — Tentei dar de ombros e desconversar. — Nada. —

Ergui a mão para chamar o garçom, precisava comer algo decente,


e depois de fazer o pedido, precisei lidar com os olhares curiosos
dos meus parceiros em cima de mim. — O que foi?

— Aposto que você foi atrás da prostituta que comeu ontem


— Léo arriscou.

— Não. Essa ele já teve. — Me analisando, o capitão deu um

meio-sorriso. — Mas, com certeza, ele foi atrás de alguma mulher.

— Vocês querem parar com isso? — pedi, apoiando o


cotovelo na mesa, cedendo um pouco com a cabeça sobre a mão

enquanto bagunçava meu cabelo.

— É alguma que não vimos? — Leonardo tentou.

— Acho difícil… — o capitão trocou com ele.

— É a garota da gaiola — me dei por vencido, sabendo que

eles não calariam a boca até eu admitir.

— Ah… — ambos soltaram, entendendo meu problema.

— Gostosa pra caralho — Léo soltou.

— E um problema. — O capitão pegou sua taça de vinho,

brincou com a bebida e deu um gole demorado, ganhando minha

atenção redobrada.

— Por quê? — soltei, sedento.


— Se Arthur a mantém dentro daquilo, se ela não anda pelo

salão como as outras… — Ele ergueu as sobrancelhas, não


terminando a frase verbalmente, mas me dando o alerta.

— Ela não é dele. Só um idiota colocaria a própria mulher


para ser vista daquela forma.

— Talvez ele goste do poder.

— Talvez ela seja só alguém que poucos têm acesso. — Era

uma opção. — Seja como for, descobrirei hoje, e se puder,

escolherei ela.

— E se não puder, vai recolher suas doces e puras intenções

para gastar com qualquer outra mulher disponível, certo?

Engoli em seco, vendo nos olhos do capitão que aquela era

uma ordem.

— Certo, Benjamin? — ele reforçou e, soprando, admiti que

sim com a cabeça.

— Certo. Não vou foder com sua fama aqui, você sabe. —
Abaixei o tom de voz e vi minha comida chegar.

Nós não tínhamos muita coisa que valesse, mas o nome, nos
bons negócios, era tudo.
 
 
Voltamos para a Perdición no horário de pico. O capitão não
perdeu tempo e em menos de meia hora ali dentro, ele tinha uma

garota de cada lado. Léo parecia determinado a me provar que

durava mais que a primeira sentada e, depois de escolher sua

parceira daquela noite, sumiu no caminho do elevador. Já eu, com


meu copo de bebida na mão, sentei no bar e esperei.

Garotas vieram até mim, umas eu dispensei, outras


perceberam que eu não estava a fim de gastar dinheiro

aleatoriamente e se afastaram por conta própria. Até Jade veio,

disposta a reviver a noite passada, mas com educação eu a recusei.

Meus olhos estavam focados em outro canto, mas na metade

da noite, sem nenhuma amostra dela, comecei a me frustrar e

inventar mil e uma rotas para escapar para o andar de cima e


procurá-la.

Perdido em um desses devaneios, notei um homem que

estava sentado na mesa do capitão se levantar e vir até mim. O


brutamontes esticou a mão e disse por cima do som:
— CJ — ele se apresentou. — Trabalho na casa.

— Benjamin. — Apertei sua mão e esperei.

— O capitão Monroe estava falando sobre você quando


comentei que Arthur precisava de ajuda com algo específico. —

Olhei para o capitão que se levantava com três garotas sorridentes

e vi sua piscadela na minha direção. Era algo seguro.

— No que eu posso ajudar? — Dei um último gole na minha

bebida e bati com o copo duas vezes no balcão, indicando que

queria mais.

— Volte aqui amanhã. O chefe estará disponível às quatro e

meia e me procure. Seja pontual, ele não gosta de atrasos.

O pensamento de passar mais tempo dentro daquelas

paredes me animou.

— Até amanhã então, CJ. — Ergui meu copo, encerrando o

assunto, um tanto taciturno e melancólico por não achar quem eu

queria e, depois de perguntar abertamente para uma garota que

tentou passar a mão em mim a respeito da garota da gaiola e


receber uma negativa, percebi que estava perdendo meu tempo e

fui embora.
Era melhor estar preparado para o trabalho no dia seguinte,

ainda mais porque, quando dei as costas para a boate naquela

noite, ouvi o sussurro da morte, baixo e quente ao pé do ouvido.

Cuidado, Benjamin Falkenberg. Sua ruína se encontra dentro

destas paredes.

Eu não duvidava.

Fumando o meu cigarro, caminhei calmamente de volta para

o barco, pronto para assumir a postura de caçador, mesmo


desconfiando que, daquela vez, eu poderia muito bem ser a caça.
 
 
Há uma casa na Cidade do Pecado
Eles chamam de o Sol Nascente
E tem sido a ruína de muitos garotos pobres
E Deus, eu sei que eu sou um deles
house of the rising sun, five finger death punch
 

Acordei cedo naquela manhã de terça. 

O cheiro de bacon me buscou no quarto, taquei a mão na

porta de Leonardo quando passei por ela, chamando-o para o café,


e continuei o caminho para a pequena cozinha.

O capitão estava animado. De toalha enrolada na cintura e


outra nos ombros, seu charuto já estava aceso na boca enquanto

ele mexia na velha frigideira.

— Estamos comemorando o quê? — perguntei, tentando


puxar algo que pudesse ter passado.

— O aniversário do moleque — ele me lembrou, sem olhar

para mim. — E um novo trabalho.

Engoli em seco.

Eu tinha esquecido o aniversário de Léo.

E eu não iria com eles na nova missão.


— Hm… — Meio sem jeito, me sentei em uma das cadeiras

livres, me servindo de café e logo Léo apareceu pelo mesmo buraco


que eu, ainda sonolento, coçando os olhos.

— Olha ele aí! — Feliz, o capitão largou a comida em um


prato grande no meio da mesa e bateu nas costas do garoto que

havia acabado de se sentar. — Aposto que aproveitou muito o

presente de ontem. — Magnus riu e eu perdi a piada.

— O que aconteceu ontem? — quis saber para não ficar de

fora.

— O capitão mandou duas meninas para o quarto em que eu

estava, como presente de aniversário… — O garoto ergueu o rosto

e quando me encarou, quase cuspi o café que havia acabado de


colocar na boca ao ver o estado de seu pescoço e peito.

Leonardo estava cheio de chupões e arranhões.

— E vocês foderam ou elas te espancaram? Não me diga

que isso tudo foi porque você foi precoce e as putas ficaram
bravas… — provoquei.

Léo fez cara de poucos amigos e encheu a boca de pão e

ovo.
— Não enche — ele reclamou e o capitão deu um tapa leve
em sua cabeça.

— Modos. Engole primeiro, xinga depois. — O homem deu

uma tragada profunda em seu charuto e soprou a fumaça,

começando a cuidar do seu próprio café. — Quais os planos de

hoje?

— Preciso lavar minhas roupas e… O que é que você falou

de mim ontem à noite? O tal CJ veio me procurar enquanto você

saía da mesa — puxei o assunto.

— É, eu vi. — O capitão deu o primeiro gole em seu café e

depois me encarou. — O que disse a ele?

— Na verdade, nada de mais. Ele disse que o chefe

precisava de alguém como eu e pediu para eu aparecer por lá.

Ficando em silêncio por um tempo, Monroe refletiu e me

disse com a xícara no meio do caminho para sua boca:

— Arthur precisa cuidar de assuntos que vão levar bem mais


que uma semana. Você é sim o cara certo para isso, então eu sugiro

aceitar, se comportar e fazer tudo do modo mais limpo possível. 

— E por que é que ele não te chamou?


— Porque eu não tenho mais nada o que ganhar aqui. Já fiz

meu pé de meia, seja esperto e faça o seu. Quem sabe, quando


você resolver se aposentar, possa fazer de Nassau sua casa de

repouso, como eu pretendo fazer um dia?

— Um dia bem próximo, considerando sua idade — Léo

provocou e ganhou uma xícara vazia na cabeça.

— Se está bom para esse tipo de graça, está bom para voltar
ao trabalho.

— Mas é meu aniversário — o garoto reclamou. — Não


podemos ficar mais uma noite?

— Sua noite de comemoração foi ontem, o resto fica para a

volta. Hoje nós partimos — o capitão anunciou.

— O que vão fazer? — perguntei, curioso.

— Uma retirada ali, uma entrega ali. Nada que não possamos
dar conta sem você. 

— Era só o que faltava, eu precisar ser cuidador de idoso


sozinho — Léo atormentou um pouco mais o capitão e se levantou

antes de ser atingido pela frigideira.

— Acha mesmo que dão conta sem mim? — perguntei, me


levantando também, vendo a sombra de um sorriso no rosto de
Monroe.

— Benjamin, a questão aqui é: você dá conta sem a gente? 

O arrepio do lado esquerdo do corpo me pegou, mas me

mantive firme para disfarçar.

— Você sabe que sim. — Sério, me livrei de qualquer

gracinha em minha fala.

— Ótimo, porque vai precisar. E tome cuidado, porque apesar


de ter salvado o rabo de Arthur, eu sei que ele é um filho da puta.

Abra o olho e não confie em ninguém.

— Nunca confio.

— É por isso que você é o cara certo. — Ele deu uma puxada

longa e soltou a fumaça do charuto. — Agora vá e pegue o que


precisa para este trabalho. Tenho que estar fora do porto antes das

13h.

— Sim, senhor, capitão. — Bati com o dedo indicador e

médio na têmpora antes de sair dali, sabendo que aquele era o


nosso jeito de dizer até logo.
 
 
Sabendo o que faria, saí do barco com minhas malas,

arranjei um quarto barato no primeiro hotel que encontrei, lavei


minhas roupas, almocei um sanduíche e me enfiei numa banheira

com gelo. O calor fez tudo derreter rápido, mas boa parte das
minhas dores musculares restantes deram adeus ao meu corpo
graças àquilo.

Meu rosto também não estava dos piores. Os machucados

estavam ganhando um tom amarelado e logo sumiriam de vez. Era


sempre assim.

E como esperado, antes das quatro e meia, eu estava em


frente ao Perdición, pronto para conhecer meu novo e famoso

empregador.

— Chegou cedo, isso é bom. — CJ me cumprimentou


quando passei pela porta. O homem enorme bateu nas minhas

costas amigavelmente enquanto me guiava pelo corredor. — Está a


fim do trabalho e isso é valorizado por aqui.
Mal sabia aquele brutamontes o meu real interesse dentro
daquelas paredes.

Eu não o respondi, mas o segui de perto, balançando a


cabeça nas horas certas.

Passamos pelo bar, pelo corredor dos banheiros e pelo

elevador no qual entrei algumas noites atrás, mas CJ continuou até


uma porta pintada de preto no final do corredor e me apresentou às

escadas.

Eu devia imaginar que o prédio tinha mais coisas a esconder

no subsolo.

Descemos três lances de escada e entramos por um labirinto

de corredores, em uma caminhada intensa de quase vinte minutos,

até que outra porta apareceu e, depois de subir por um elevador,


demos de cara com um hall luxuoso, com uma iluminação baixa e

ar-condicionado no máximo.

— O chefe não suporta calor — CJ justificou quando me viu


olhar para as saídas de ar no teto de pé-direito alto. — E com o

tempo você descobre que ficar no alojamento é melhor e mais frio

do que qualquer lugar da cidade.

— Vocês têm alojamento por aqui? — Era um interesse real.


— Temos. É uma das vantagens do emprego. Quando saí da

cadeia, achei que estava fodido, mas isso daqui é quase o paraíso.
Você vai precisar de um canto para ficar?

— O capitão partiu hoje de manhã, sendo assim, estou sem


casa por enquanto e ter um canto até me acertar com seu chefe

seria bom.

— Se você for fazer o serviço mesmo, podemos ver algo


temporário… — E suspirando ao parar em frente uma porta de

madeira maciça, continuou: — Você parece gente boa, se ficar, te

pago uma cerveja. — Agradeci com a cabeça e encarei a porta. —


Espere aqui, alguém vai sair e você será chamado.

— Certo. 

E, sem mais nem menos, CJ me deu as costas, indo para

sabe lá Deus onde.

Virei as costas, analisando o corredor por onde havia vindo,

as obras de arte na parede eram muitas e, matando tempo, me

aproximei de cada um dos quadros, olhando atentamente os

desenhos, os pequenos detalhes que só um bom contrabandista


poderia identificar. Martín, o homem que havia me dado a

independência, era especialista em falsificação. Não era a minha


praia, mas eu tinha sido um aluno atento e, dos oito quadros que

analisei, pelo menos seis eu sabia que eram originais.

Aquilo me dizia algumas coisas importantes sobre meu futuro


cliente.

Arthur era imaturo, já que as obras não combinavam entre si,


e gostava de ostentar poder, porque as assinaturas daqueles

quadros raros eram etiquetas para mostrar superioridade e um falso

entendimento de um mundo polido ao qual noventa e nove por cento


das pessoas que pisavam naquele lugar não entendiam sobre. 

De repente, a porta se abriu sozinha em um gemido

fantasmagórico e chamou minha atenção. Ninguém surgiu, mas o


som que antes era contido pela madeira vazou para o corredor.

Tentando ser o mais silencioso possível, me aproximei da


porta para ouvir melhor e ardi em curiosidade. Uma mulher chorava

e gritava do outro lado. 

Eu não gostava daquilo, mas precisei fincar meus pés e


pensamentos no chão, ou arruinaria tudo antes mesmo de ter a

chance de começar.

O som agoniante da mulher sofrendo me perturbou a cabeça.


Não é problema seu. Não é problema seu — repeti para mim

mesmo uma dezena de vezes antes do som cessar e fui


surpreendido ao ver surgir uma versão de pele mais escura e com

mais cabelo que CJ na porta.

— O chefe vai vê-lo.

E me dando passagem, o cara saiu da frente, me deixando

ver o maior e mais bizarro escritório que já tinha pisado na vida,


ainda assim, meus olhos só conseguiram prestar atenção no

homem de cabelos tão loiros quanto os meus, sentado em uma

espécie de trono, parecendo me analisar tanto quanto eu fazia com


ele.

— Benjamin Falkenberg, amigo do meu salvador,

contrabandista, mercenário, assassino profissional… Sua ficha está


correta? — A voz profunda, um pouco insana, de Arthur, encheu a

sala.

— Eu nunca escrevi isso tudo em um currículo, mas sim.

Esse é o tipo de coisa que faço… — Parei com as mãos atrás do

corpo. — É disso que você precisa?

O sorriso que cortou seu rosto era amigável demais. Quase

dissimulado.
Os dedos da minha mão esquerda formigaram.

— Perfeito. Ele tem senso de humor — rindo, o homem que

parecia mais novo do que eu, falou de mim como se eu não


estivesse ali. — Ai, ai… — Se levantando, ele veio na minha direção

enquanto discursava. — Acho que você vai se encaixar

perfeitamente no que preciso. 

— E qual seria o serviço? — perguntei antes que ele

chegasse mais perto.

— Estou com problemas com um político antigo da área. O

cara era amigo do meu pai, e imagino que o meu velho amigo,

capitão Magnus Monroe, tenha te contado sobre ele. — Confirmei


com a cabeça, vendo-o se servir da bebida de uma jarra bonita. —

Pois é, e desde que meu pai se foi, ele tem sido um problema. Ele

não aceita meu dinheiro, nem nenhum tipo de ameaça mais… —

medindo as palavras, ele respirou fundo olhando para o teto e


soltou: —… convincente. Eu sei que esse velho não é nenhum

pouco honesto e que está armando alguma para tomar meu império,

mas eu não posso permitir.

E me surpreendendo, ele ofereceu o copo de bebida do qual

havia bebido primeiro, como um voto de boa fé.


Aproximei-me do homem, aceitando a bebida, fazendo a

pergunta mais óbvia possível.

— Por que um dos seus homens não deu um jeito nele

ainda? Você é poderoso, Arthur.

Ele me analisou, pegou um copo novo e ergueu o dedo

indicador que segurava o copo para mim.

— Boa pergunta. Todos aqui conhecem meus homens. E

todos sabem que eu mataria aquele porco sem pensar duas vezes.

Esse é o problema. Tenho certeza que quando matá-lo, ele vai dar

um jeito de me dar problema, então preciso de alguém entrando no


meio do seu círculo, descobrindo o que de palpável ele tem contra

mim. Então a pessoa destruiria essas provas todas, o faria morrer

em público com algo que simulasse um infarto, já que velho e gordo,


ninguém desconfiaria, e limparia o terreno para mim. — O loiro deu

um belo gole em sua bebida e eu o imitei, espelhando seu

movimento enquanto analisava seu pedido.

— Seu plano é interessante, mas é muito mais do que um tiro

bem dado. — Fui rápido em apontar a dificuldade de tudo. 

— É capaz de fazer algo assim? Se for, me diga seu preço.

Nunca disse que era algo fácil ou rápido, mas pelas histórias que
ouvi a seu respeito, acredito que é o homem que eu preciso.

— Não sou barato — alertei-o.

— Dinheiro não é problema. — Sorrindo, fazendo jus ao perfil

que eu traçava na cabeça sobre quem aquele homem era, terminei

minha bebida primeiro que ele e me atrevi a servir mais.

— Me arranje uma moto. Preciso de alguns dias para traçar o

perfil do alvo e descobrir como entrar. O valor do serviço só será

dado depois que eu souber a real dificuldade das coisas.

Deixando-me alerta, Arthur gargalhou.

— Esperarei ansiosamente por isso. — Seus olhos brilharam


de uma maneira insana, mas não tive tempo de ler mais dele porque

seu relógio despertou. — Ah, é hora de diversão. Hostock — ele se

virou para trás, conversando com o homem que tinha me buscado


na porta —, quero aquela loira que chegou terça e a ruiva de peitos

grandes. Não posso me atrasar para o golfe — ele disse para mim,
batendo no meu ombro. — Mas você fique à vontade. 

— Preciso de um lugar discreto para ficar esses dias — avisei


antes do homem me dar as costas por completo.

— A casa é sua. Avisarei CJ para te arranjar um canto no


alojamento. Foi um prazer, Falkenberg.
Eu não respondi.

Não podia dizer o mesmo.

Quando o homem saiu com os seus, me deixando sozinho


para trás, terminei minha bebida e larguei o copo na bancada, mas

antes que eu pudesse sair, a curiosidade me tomou.

Assim que virei o corpo na direção da saída, um gemido


baixo chamou minha atenção e olhei em volta, achando de onde o

som vinha. 

No canto mais escuro da sala havia uma estrutura coberta


por um pano preto que cintilava.

Aquilo me intrigou. Dei meia-volta, indo na direção da

estrutura esquisita e, sem pensar duas vezes, puxei o pano que a


cobria.

— Não toque aí! — Ouvi uma voz feminina dizendo, mas era

tarde demais.

O pano caiu, a gaiola dourada brilhou, e no fundo dela eu a


encontrei.

Caída no chão, desacordada, com os cabelos escuros sobre

o rosto, a dançarina usava calcinha e sutiã e tinha sangue pelo


corpo.
— Não se atreva a encostar nela! — Uma mulher de uns
sessenta anos surgiu na minha frente, apontando o dedo na minha
cara.

Não contive meu impulso, empurrei a mulher para o lado e


forcei a abertura da gaiola.

Por sorte, estava destrancada.

A mulher idosa ainda tentou me puxar pelo ombro.

— Homem estúpido! — Ouvi seu inglês cheio de sotaque. —


Arthur vai matá-lo.

Ignorei-a mais uma vez e me abaixei ao lado do corpo inerte

da garota que consumia minha mente há dias. A primeira coisa que


fiz foi tocar seu queixo com cuidado e virar seu rosto. A visão dele
machucado me doeu. Movi os dedos para seu pescoço, procurando

por pulso e senti um alívio enorme ao senti-lo.

Ela estava machucada, porém viva.

Não esperei por algo pior acontecer, peguei a garota no colo

e me ergui, levando-a para fora daquela prisão.

— Me leve até o quarto dela — ordenei para a mulher.

— Você não deve tirá-la daí! — a mulher tentou. — Valentina


quase matou um cliente especial do senhor Arthur, está pagando
por isso.

— Me leve até o quarto dela, eu não vou pedir de novo —

rosnei. A ameaça na minha voz era séria e, se dando por vencida, a


mulher obedeceu.
 
 
 
Quando todos os homens do Rei
E todos os seus cavalos
Não conseguem encontrar uma maneira de
Uma maneira de salvar você
Quando todo o dia terminar
Lembre-se de mim então
Não é tarde demais para
Tarde demais para te salvar
Lembre de quando a escuridão não era tudo o que você tinha que
ver
Lembre de quando uma parte de você ainda esperava o que poderia
ser
Bem, eu tenho essa armadura e uma espada que preciso
movimentar
Acorde acorde acorde criança
all the king’s men, the rigs
 

A senhora de vestido escuro e cabelos presos no alto da

cabeça me encarou sob olhos espertos, desconfiados, e demorou


alguns segundos para compreender que fosse ela, fosse seu chefe,

fosse Deus encarnado na minha frente, eu ainda seguiria com meu


plano. 

Eu ainda a tiraria dali. 

E parecendo finalmente entender que aquela briga era perda


de tempo, a mulher bateu com os pés no chão como uma criança
birrenta, e de um jeito muito particular, ergueu as mãos, e me

surpreendeu no que disse:

— Hella, olhe por nós! — Virando as costas, sussurrando em

espanhol em um ritmo acelerado ao qual eu não entendia


absolutamente nada, ela saiu na minha frente, me dando a entender

que era para segui-la.

Ajeitei a menina desacordada nos braços, conferindo seu

rosto vez ou outra enquanto acompanhava os passos ligeiros da


mulher esquisita e, depois de conferir que ali era mesmo a porra de

um labirinto sem luz do sol ou ar fresco, já que a parte dos


funcionários não era nada luxuosa perto do hall onde Arthur

passava, a senhora parou em frente a uma das portas do corredor.

— Ainda bem que elas estão se arrumando uma hora dessa,

se nos vissem aqui… — enfiando a chave na porta, a mulher me

encarou com desgosto —… se te vissem aqui… 

Eu a ignorei mais uma vez e adentrei ao quartinho.

As paredes eram cinza como a porta.

O chão era cinza.

A roupa de cama surrada e simples era cinza.

Aquilo parecia uma prisão, e ao colocar a garota

desacordada na cama e suspirar profundamente, senti o ar pesar

nos meus pulmões.

A mulher mexia em algo em uma das prateleiras, e eu

aproveitei aquele breve segundo para encarar em volta. O único

ponto de cor do quarto vinha da arara cheia de figurinos e roupas

provocantes. 

— Saia! — Do nada, senti a mão da velha no meu peito, me

afastando da cama e ela se sentou ao lado da menina com um


frasco na mão. Eu estava pronto para segurá-la, mas a forma como
ela segurou a cabeça da dançarina desacordada e mudou o tom de

voz para falar com ela, me fez parar no lugar. — Valen, por favor,

acorde. — Não houve resposta imediata, então ela forçou o frasco

bem embaixo do nariz da menina. — Valentina, você consegue me

ouvir?

Valentina. O nome brilhou na minha mente.

Combinava com ela.

Queria testá-lo em voz alta, mas me segurei quando a

menina entreabriu os olhos e gemeu de dor, apagando no segundo

seguinte.

— Valentina! — a mulher gritou e eu, sem perceber, grudei na

cama, bem ao lado da cabeça da garota. — Merda! — Frustrada, a

senhora bateu as mãos nas coxas.

— Não tem um médico que possa vê-la? — perguntei,

analisando os machucados em seu rosto e no que estava exposto

do corpo.

— Tem… mas — parecendo recobrar a consciência, ela

olhou para mim e se ergueu —, não vou deixá-lo aqui com ela. — A

acusação velada em sua voz me testou.


Respirei fundo.

— Você não tem outra opção, já que fui eu quem a tirou

daquela merda de gaiola, não pretendo sair do lado dela até ter

certeza de que Valentina — testei o nome e gostei de como soou —


está bem.

A mulher riu, desesperada.

— Arthur não a surrou a ponto de matá-la, aposte comigo. O

que ele ganha com ela é sedutor demais para ignorar… — A tristeza
que ela carregava na voz me fez curioso, mas guardei aquilo para
mim. — Ela ficou assim por estar há tempo demais sem comer e

beber, obviamente que a surra que tomou não ajudou, mas… 

— Lucinda… — Ouvimos a voz de Valentina chamar, baixo,


fraco, quase um sopro.

— Estou aqui, minha querida. — Sentando na cama de novo,


a mulher tentou contato com a garota que havia apagado mais uma

vez.

— Você precisa ir atrás do médico — alertei. 

— E você precisa ir embora. — Me encarando de lado, ela


não parecia com ódio de mim, mas sim preocupada. — Homens,
funcionários da casa, são proibidos nesta área. Arthur não quer
putas grávidas ou homens perigosos com ciúme na hora de

trabalhar.

— Então, sorte a sua — disse, me afastando dela, indo para


junto da parede e me abaixando para sentar no chão. — Porque,

tecnicamente, eu nunca serei um funcionário da casa. E ainda não


trabalho para o seu chefe. — Teimoso, bati as mãos e dei um sorriso
cheio de cinismo. — Se me quer fora daqui, chame o médico logo.

Dando-se por vencida, Lucinda jogou as mãos para o céu e

se ergueu, apontando o dedo na minha direção, quase furiosa.

— Eu vou em um pé e volto no outro. Se você fizer mal à 


minha menina, acredite… — Não deixei que ela terminasse sua
ameaça.

— Se eu quisesse que acontecesse algo com ela, a teria

deixado onde encontrei. — Minha resposta chegou em tom sério,


sóbrio e calmo, o que a fez parar no lugar e raciocinar.

— É, mas ainda assim. — Se recompondo, Lucinda ajustou


as roupas e continuou: — Não mexa, não toque, não fale com

Valentina, entendido?

Não respondi, me encostei contra a parede, apoiando os


braços nos joelhos erguidos e juntando as mãos, voltei a visão para
a menina desacordada.

Silêncio, naquele caso, também era uma resposta.

Entendesse ela ou não.

Dois segundos depois, Lucinda passou pela porta e a fechou


em uma batida. Eu me mantive onde estava, analisando a última

hora e em como as coisas haviam virado naquele extremo.

Eu não era idiota, sabia que cafetões eram cruéis. Aquela

pose que alguns tinham de papai do ano nunca me comprou, afinal


de contas, que pai decente oferece a boceta da filha para homens

de índole duvidosa? Ainda assim, deixar sem comida e água?


Espancar?

O médico chegou com Lucinda, os dois praticamente


discutindo invadiram o quarto e eu ergui os olhos tentando entender

a briga.

— Você sabe que não devia a ter tirado de lá. Arthur não vai
gostar.

— Pra merda, você e ele! — Lucinda xingou. — Veja logo a


menina, olhe o estado dela. — Apontou para a cama. — Você sabe

que ela precisa — a entonação na palavra foi diferente — estar


saudável.
— Eu sei, eu sei. — O médico era baixo, velho, meio
medroso, mas deu um suspiro profundo e tratou de examinar a
dançarina desacordada. — Vou trazer soro, algumas vitaminas, um

remédio forte para que ela continue a dormir e não tenha dor.
Amanhã pode ser que ela acorde bem… — ele anunciou ao se

erguer.

— Ótimo. Vá logo buscar suas coisas. — Lucinda bateu


palma duas vezes, ligeira, colocando o homem para correr do

quarto. Quando fechou a porta, se lembrou de mim ali e me disse,


parecendo cansada: — Pode ir embora agora, vou cuidar dela.

— Ótimo, mas só saio daqui quando tiver certeza de que ela

está bem. — Não dei sinal de que me moveria.

— Bastardo! — a mulher me xingou em outra língua, mas

entendi muito bem. — Se é assim, fique, mas saiba que cada


segundo aqui você a coloca em risco e se coloca também.

— Sou adulto, Lucinda. Sei escolher minhas brigas — falei

sem pensar.

— Duvido muito que saiba sobre essa… — ela devolveu,

tratando de trazer um cobertor para a garota desacordada. 


Não discuti, e permaneci ali até o médico voltar, medicá-la e ir

embora com orientações claras à mulher mais velha.

Só então, depois de ele sair, foi que me ergui.

Encarei Valentina, seu corpo pequeno, seus olhos selvagens

fechados. Era errado vê-la daquela maneira, tão vulnerável, tão

frágil.

Algo no meu estômago retorceu.

Não. Empurrei a raiz do que queria se instalar em mim para


longe.

Eu só fiz o que achei certo — me justifiquei para mim mesmo.

Mas não deveria ter feito. O arrepio do lado esquerdo do

corpo estava lá, subindo pela minha nuca enquanto eu não

conseguia deixar de encarar o rosto dela.

Fuja.

Corra.

AGORA.

Era o último alerta. E talvez eu devesse ter obedecido, mas

saí daquele quarto sem me despedir, esperando vê-la de novo, de

olhos abertos, me esperando.


 

Aquela noite no alojamento, dormi na cama de baixo do

beliche.

Na verdade, dormir era algo distante, a cama rangia cada vez

que o homem em cima de mim se mexia, e ele parecia ter formigas


nos lençóis. Ainda assim, minha mente vagou sobre o que eu havia

visto, sobre o homem que eu havia conhecido, sobre o que o

capitão disse a respeito dele.

Eu não era ninguém para julgar o trabalho alheio. Nem tudo

do meu trabalho era prazeroso, e a parte que me era divertida me

faria andar pela eternidade de pés descalços sobre brasa. Não que
o resto do mundo não estivesse condenado também.

Virei para o lado e fechei os olhos.

Precisava dormir, mas antes de finalmente conseguir pegar

no sono, me perguntei se putas tinham alguma chance de entrar no

céu. Esperava que não, pois gostaria de passar a eternidade


olhando para Valentina.
 
 
Acordei cedo na manhã seguinte graças ao despertador do

alojamento.

Pude tomar um bom banho, colocar minhas coisas para

funcionar, tomar café da manhã e quando CJ veio na minha direção,

erguendo uma chave na mão, eu sabia que a moto que havia pedido
estava disponível para uso.

Agradeci ao leão de chácara, passei por todo o corredor junto

dele e caí na rua sabendo que não havia deixado nada pessoal no
alojamento. No sistema, eu seria um fantasma, meu dinheiro estava

seguro em uma conta fria e minhas armas não interessavam a

ninguém daquele lugar. Arranjei roupas apropriadas para a


espionagem, levantei todos os endereços importantes e segui

minhas pistas. 

Fiz isso por dois dias. Me forcei a ficar na rua, a me enfiar o


mais profundo possível no trabalho porque, toda maldita vez que

pensei em Valentina, a morte me alertou.

Distância. Fui meu pior carrasco, me obrigando a voltar para

o alojamento, quando, na verdade, a vontade era de voltar até

aquele quarto pequeno e descobrir se ela já estava bem.

No terceiro dia, eu já tinha quase tudo o que precisava.


Não precisei de muito para perceber que o tal John Davis era

ingênuo sobre sua segurança, e isso estava ligado diretamente à

confiança que ele tinha em todos à sua volta. O parlamentar era

querido, pelo menos no social. As pessoas o cumprimentavam


sorrindo e ele parecia gostar daquilo. Se ele era corrupto, sabia

esconder o jogo bem demais da população, e como não se sentia

ameaçado, com uma rede de proteção ridícula, eu cheguei perto


demais. Perto o bastante para ouvir sobre os gostos particulares de

Davis. 

Seus seguranças riam do patrão, mas elogiavam a última


festa que ele havia dado.

— Estarei de plantão na próxima, mas sabe como é, sempre


posso dar uma escapada e foder uma gostosa nos fundos. — O

garoto que parecia tomar anabolizante não era mais velho do que

Léo.

— Ele dá uma dessa por mês? — O outro parecia ser novo

no trabalho.

— Depende. Vai começar a alta temporada, muito rico por

aqui, e ele gosta de fazer amigos. Se prepare para ver todo o tipo de

gente pelada andando pela casa. — O mais jovem riu.


— E isso não dá problema? — o novato perguntou.

— O máximo que precisamos fazer é revisar as identidades,

recolher celulares e cuidar para que ninguém se afogue. De resto?

Tudo muito tranquilo. Davis gosta de transar em público e parece

que esse é um fetiche muito comum. Eu achava loucura, mas me


acostumei e hoje eu gosto também — o garoto falava de boca cheia,

mal imaginando o que me dava na mão. — Esse é o melhor

emprego que eu poderia arranjar em toda a vida, e ainda tem os


benefícios… — O resto do assunto não me interessava.

Eu já tinha minha porta de entrada, só precisava ajustar mais

algumas coisas.

Cheguei ao alojamento naquela noite, terminei de levantar as

informações que faltavam sobre o tal Davis, e apesar de não pegar

nada realmente suspeito, só o anúncio de jantares e festas com

gente endinheirada me fez notar o padrão. Nas fotos disponíveis


sempre havia um número par de pessoas.

Davis não gostava apenas de orgia, ele gostava de ver todo


mundo se divertir.
Quis rir. Será que aquele homem nunca tinha feito um
ménage na vida para saber que três também era divertido?

Ainda que o homem tivesse suas preferências, na rua ele era


um daqueles políticos conservadores, todo correto, que usava da

própria regra para medir a vida e escolhas dos outros. Vi matérias

sobre sua performance na política, como o homem se comportava


dentro do parlamento e percebi que a desordem que ele curtia

quando não havia ninguém para ver não ia de encontro ao que ele

dizia da porta para fora.

E como muita gente não sabia que o conservadorismo ficava

para fora dos portões de sua mansão, eu realmente não podia

vacilar sobre a morte dele. Não podia correr o risco de criar um


mártir.

Com todas aquelas lacunas, o modus operandi do trabalho,

as exigências do meu contratante e a dificuldade daquela morte, eu


já tinha um preço na cabeça. Não era Arthur que dizia que dinheiro

não era problema? Então ele pagaria cada centavo.


 
 
No quinto dia dentro daquelas paredes, me senti quase

familiarizado com o lugar, mas se o plano fosse dar certo, não


poderia me manter ali. Precisava apagar toda e qualquer ligação
entre mim e Arthur. Qualquer mínima desconfiança do meu alvo

sobre nós e tudo iria por água abaixo. Ainda assim, eu não podia
conter aquele formigamento maldito toda vez que cruzava algum
corredor que sabia ser próximo do quarto dela.

Ou quando sentia vontade de vê-la.

Ou quando…

Não. — Afastei o pensamento na marra.

Algumas portas nunca deveriam ser abertas.

Aquela era uma.

E eu estava pronto para deixá-la completamente trancada

quando ouvi uma conversa que não deveria. Era o médico e


Lucinda, na porta do quarto de Valentina.

— Ele vai descobrir que ela está bem e vai colocá-la para
trabalhar de novo — o homem vestido de branco avisou.

— Ela não pode, você sabe que não pode! Quanto mais essa
menina vai aguentar antes de ser quebrada? — Lucinda parecia
desolada. — Se Arthur a oferecesse aos homens do salão, se ela
fosse esperta para escolher antes de ser escolhida… — a velha
choramingou e eu parei, espreitando do corredor, antes que eles me

vissem.

— Você sabe qual é a graça desses homens, eles querem


forçá-la… — o médico tentou contornar.

— Nem todos, por Deus, eu acho que ela já teria sido morta
se fosse assim, mas de tempos em tempos, eles tentam fazer isso…
Essa coisa, esses homens que têm prazer com…

— Estupro. Diga o nome que tem, Lucinda — o médico


soltou, tristonho.

A mulher suspirou alto, dolorido.

— Não posso dizer que ela está bem. Eu sei que Arthur vai

querer se vingar por ela ter dado um jeito de escapar, de ter


machucado tanto um cliente importante. Eu tenho certeza de que se
ele a vir bem, vai colocá-la à disposição de alguém que queira

machucá-la. Não posso permitir.

— Mentirei mais uma vez, mas vocês precisam fazer algo…


Mande-a não reagir, você sabe que…
— Eu não direi nada! Nada, Hernando! Valentina jamais se
renderá e você sabe.

O homem suspirou, desanimado e então concluiu:

— Então, eu sinto em informar, mas eles continuarão até


quebrá-la.

Ouvi os passos do homem se afastando e, de relance, vi a

cara de Lucinda.

Ela queria chorar. Ou gritar.

Mas respirou fundo, esfregou o rosto e entrou no quarto.

Mulheres do submundo, em qualquer posição, não tinham

escolha.

Aquela mulher em particular sabia disso, mas parecia que a


pobre Valentina não.

Conforme caminhava, pensando naquela conversa


desgraçada, CJ me encontrou.

— Benjamin? O chefe voltou e pode vê-lo agora.

— Ótimo — respondi, olhando para aquele homem, sabendo

que a morte ficaria furiosa comigo.

Ela bem que tentou me avisar.


Bem que tentou me fazer deixar para lá.

Mas eu não consegui.

Ignorei meu corpo todo formigando, queimando, arrepiado, e


segui CJ pelos corredores.
 

 
— Aí está, o homem que eu tanto queria ver. — Arthur,
naquele dia, estava sentado em um sofá de três lugares, no canto

da sala. Seu terno bem-cortado e o cabelo loiro perfeitamente


arrumado me dizia que algo estava acontecendo. Me aproximei, me
sentando no lugar indicado, girando o corpo para encará-lo de frente

e o vi sorrir para mim. — Já tem tudo o que precisa para me dar um


preço?

Confirmei com a cabeça.

— Mas existem coisas indispensáveis neste trabalho. Preciso

de alguns dias para levantar uma identidade falsa, não posso ter
vínculos com você, então tenho que ficar em algum hotel luxuoso, e

preciso fingir ter uma namorada. — Meu cliente riu.


— Isso é fácil. Onde está a parte difícil?

Foi minha vez de rir.

— Considerando todo o trabalho que terei, o preço disso são


oito milhões — Arthur ergueu as sobrancelhas, surpreso —, mais a

garota que eu escolher entre as suas para me acompanhar nisso. 

— Oito milhões? — ele duvidou.

— Te dei dois milhões de desconto por ser amigo do capitão

e vou cobrir os custos operacionais. Não reclame, costumo cobrar o


preço de uma vida, e eu não falho.

Arthur assoviou, jogou uma mecha de cabelo para trás e


suspirou.

— Certo. E a garota? Soube que fodeu com uma em público,


é ela que quer?

— Não. — Ele pareceu surpreso. — Analisei o padrão das

mulheres que chamam atenção de Davis, e você tem uma que é


perfeita para isso. 

Instintivamente, eu prestei ainda mais atenção em seu rosto.

Queria ver se ele teria alguma reação específica quando eu

dissesse o nome dela.


— E quem seria essa beldade? — O escárnio em sua voz me
deixou desconfortável.

Eu nunca mais trabalharia para Arthur depois daquilo.

— É uma baixinha, morena, que dançou no dia em que


chegamos aqui. — Suas sobrancelhas se juntaram. — Saiu de uma
gaiola no palco…

— Ah, essa? — Ele riu, debochando. — Ela é difícil de lidar,


mas se é ela que você quer… — Ele suspirou, dando de ombros. 

— É ela — confirmei.

Arthur coçou o rosto, olhou em volta e voltou a me encarar.

— Será toda sua, porém, essa operação toda não pode dar
errado. Se essa puta colocar tudo a perder, vou responsabilizar
você. — Era uma ameaça feita sem cerimônia. Ainda assim, os

olhos gelados de Arthur não tinham nenhum efeito sobre mim.

Eu não tinha medo dele.

— Ela vai cooperar. — Estava tão certo disso que não hesitei.

— Se você diz. — Ele se afundou no sofá. — Como falo com

você?
— Não fala. Eu entro em contato se precisar, porém os dados
da minha conta estão aqui. O dinheiro precisa estar lá integralmente

em quarenta e oito horas. — Coloquei o papel em cima da mesinha


à nossa frente. — É o tempo propício para colocar tudo o que

preciso no ar.

— Certo — eu já estava me levantando —, mas uma


pergunta, como te entrego sua parceira?

— CJ a levará para a suíte presidencial de um dos seus

hotéis de luxo no qual eu reservei um quarto. Inclusive, isso está


incluso no meu preço, já que não vai te custar nada.

Arthur não discutiu, parecia, na verdade, muito divertido por

me ver colocar ordem na operação toda e em como ele deveria me


tratar.

Era bom que ele entendesse que trabalhar para ele e ser seu

funcionário eram coisas distintas.

— Mais alguma coisa, senhor? — ele tentou fazer piada.

— Por enquanto? Não. Até mais, Arthur.

— Até, Falkenberg. Mando sua garota em dois dias.

Aguardarei ansiosamente — quis responder antes de passar

pela porta, mas segurei a língua nos dentes. 


 

 
 
E todos dizem
Você não pode acordar, isso não é um sonho
Você é parte de uma máquina, você não é um ser humano
Com seu rosto todo maquiado, vivendo em uma tela
Com a autoestima baixa, então você funciona à gasolina
halsey, gasoline
 

O dinheiro entrou na minha conta em tempo recorde.

Não perdi tempo e, enquanto o resto dos meus documentos e

da minha parceira ficavam prontos, peguei o que precisava de


informação com CJ e comprei as roupas certas para mim e para
Valentina.

Existia todo um código de conduta no mundo dos ricos, e eu

precisava cuidar da fachada decentemente. Quando a carteira de


motorista ficou pronta, aluguei um carro de luxo e deixei reservado
um barco que, muito provavelmente, não usaria.

Ainda assim, fiz questão de montar meu background com

precisão. Perfis fake em redes sociais, fotomontagem de mim com

uma família inexistente e, em pouco tempo, eu não era mais um


homem que vivia no submundo, escondido nas dobras da realidade.

De repente, eu era Andrew Wilde. Herdeiro de uma empresa global

de tecnologia, bon-vivant, viajando com sua namorada da estação,


Olívia Johnson, muitos anos mais nova. 
Era o perfil que eu planejava manter. 

Sabendo que não podia perder tempo e que frequentar os

lugares certos me traria informações úteis para o futuro; fiz a barba,

cortei o cabelo em um corte da moda, e usando a roupa propícia


para adentrar onde precisava passando o recado certo, jantei

sozinho no melhor restaurante da ilha propositalmente. Camila e

Ornélio Hernandez estavam lá. 

Ela? Jovem, loira, deslumbrante. Ele? Rico, influente, na

meia-idade.

Ambos tinham contato com John Davis. E eu desconfiava que

também participavam das festinhas clandestinas do parlamentar.

A mulher usava um vestido dourado bem-recortado. Sua pele


branca continuava intacta, mesmo naquela terra de sol forte, e o

cabelo e a maquiagem eram impecáveis. Ela era o meu alvo para

reproduzir o padrão de mulher que Valentina precisaria interpretar.

Camila parecia um anjo. Puro, limpo, quase sagrada demais.

Ornélio, mais velho, não parecia ter muita paciência com ela.

Era nítido que o clima na mesa não era bom. Os olhos do homem

mais ficavam no celular ou no prato do que em sua mulher-troféu, e

foi nessa brecha que me aproveitei.


Não escondi meu interesse nela. Eu a encarei por todo o
segundo dentro daquele lugar e ela sabia que eu era um espectador

interessado. Apesar de ter consciência da minha presença, uma vez

que toda a linguagem corporal dela dava a entender isso, seus

olhos só vieram parar nos meus quando o marido saiu da mesa.

Com a taça erguida em frente ao rosto, sua mão desceu pelo

pescoço ao mesmo tempo em que seus olhos me vasculharam de


cima a baixo.

Eu não sorri. Na verdade, não esbocei nenhuma outra reação

que não fosse manter a cara fechada. Isso a intrigou, ainda mais

quando a olhei tão fixamente que ela se sentiu obrigada a desviar o

olhar.

Seu marido voltou para a mesa, mas ela continuou a olhar na

minha direção vez ou outra e, o velho, me surpreendendo, pareceu

notar que algo tomava a atenção da esposa.

Foi só aí que fingi não prestar atenção neles e chamei o

garçom para pedir por vinho.

Cinco segundos depois, Camila se levantou e veio na minha

direção.
Parou com as mãos na cadeira e, contendo um sorriso, me

cumprimentou.

— Olá. Sou Camila…

— Hernandez — completei seu sobrenome e ela ficou


surpresa. — Conheço você. — Contive o flerte no meu tom de voz
mais baixo.

— Conhece? — Ela ergueu as sobrancelhas, interessada.

— Há três anos, jogamos golfe juntos, eu, seu marido e os

amigos de Tim Hoffman, não se lembra?

Ela tentou forçar a memória. Tim havia morrido há dois anos,

ninguém levantaria suspeita alguma sobre minha mentira.

— Tim? — Ela pareceu desacreditada. — Você era amigo


dele? Ah, me desculpe, eu realmente não me lembro disso. Toda

vez que íamos para lá, acabava ficando bêbada com aquele
hidromel batizado dele… — Ela me deu um sorriso, procurando
abertura.

— Andrew Wilde. — Ergui a mão, me apresentando. Ela

sabia que por ser amigo de Tim, eu era rico o bastante para
frequentar um círculo seleto. — É um prazer revê-la.
— Andrew… — ela cantou meu nome enquanto aceitava

minha mão, exibindo os anéis caros em dedos com unhas bem-


feitas — Você vai ficar na ilha até quando? 

— Cheguei hoje cedo, minha namorada está para chegar

também. Vamos aproveitar a temporada sem pressa. E vocês? 

— Ornélio não tem pressa para ir embora, você sabe, a alta

temporada aqui é divertida e… refrescante. — O tom de voz dela foi


sugestivo. — Se quiser, podemos nos ver mais vezes, sair como

amigos. Adoraria conhecer sua parceira. — Os olhos dela


queimaram nos meus.

Ela queria competir, ver se era mais jovem, mais bonita,


melhor.

— Seria um prazer. Olívia vai adorar você. 

— Estão juntos há muito tempo? — O interesse na pergunta

me intrigou.

— Pouco menos de seis meses. Estávamos em crise, sabe

como é… 

— Ah, uma lua de mel nestas terras e vocês vão sair daqui
prontos para o matrimônio, acredite em mim. — Camila piscou,

sorrindo de forma devassa e eu, sabendo que precisava evitar seu


marido até então, olhei para o relógio pesado e caro no meu pulso e
fingi surpreso.

— Falando no diabo, preciso buscá-la…

— O que vocês farão amanhã? — ela foi rápida.

— Amanhã? Ainda não sei, por quê?

— Me dê seu número, podemos marcar algo.

— Façamos melhor — flertei pesado, ela ruborizou —, me dê

o seu. — Ofereci o aparelho de última geração na mão dela e


esperei que ela digitasse.

— Vou esperar sua mensagem, senhor Wilde. — Ela me


entregou o iPhone.

— Foi um prazer revê-la, senhora Hernandez.

E parecendo não querer ir, ela se virou e me encarou sobre o

ombro antes de voltar para sua mesa.

Paguei a conta, satisfeito por ter aberto a porta tão facilmente

e segui até o carro de luxo que havia alugado, sabendo que os


olhos do casal, principalmente de Camila, estavam em mim quando

parti.
 
 
A primeira coisa que fiz quando cheguei ao quarto de hotel foi

conferir a câmera escondida que mantinha ali. Ninguém havia


entrado no quarto, o que evitava que eu precisasse fazer uma nova

revista para encontrar câmeras ou escutas escondidas.

No final das contas, parecia que Arthur não ligava muito para

o meu modo de trabalhar, desde que ele fizesse logo efeito. Com

isso, sem saber se ele me mandaria logo Valentina para eu começar


a colocar o plano em ação, fiquei mais à vontade. Liguei a TV para

ter som ambiente, arranquei os sapatos, me livrei da camisa e fui

conferir meu material de trabalho em cima da mesa perto da

entrada. Depois de lustrar minhas facas e conferir o que tinha de


munição e armas, olhei em volta sem ter muito o que fazer e resolvi

me preparar para dormir.

Usei o banheiro, escovei os dentes e voltei para o quarto

escuro, iluminado apenas pela televisão no ambiente aberto. A visão

daquele lugar, mesmo tarde da noite, ainda era bonita e, pensando


nisso, me aproximei da janela para ver um pouco mais, antes de
fechar as cortinas para não acordar com o sol na cara. Foi nesse

momento que senti o arrepio do lado esquerdo, e somente por


causa disso fiquei alerta o bastante para erguer a mão, protegendo

o rosto, antes de ser jogado no chão.

Eu não entendi direito o que ou quem tinha me atacado. A

surpresa foi tanta que mal senti o impacto do meu corpo contra o

carpete, só notei a confusão de cabelos escuros que gritava e se

sacudia, tentando avançar ainda mais sobre mim com uma das
minhas facas na mão. Eu a segurava pelos braços pequenos, tendo-

a sobre mim, sentada sobre meu quadril em um vestido vermelho

longo cheio de pele à mostra.

Ela era leve.

Se eu não a tivesse reconhecido, tirar a faca de suas mãos e


enterrar em seu peito seria fácil, mas seus olhos cheios de raiva

ardiam contra o meu rosto.

— Valentina — chamei-a pelo nome e isso não a parou. —

Eu te escolhi para te ajudar, porra — xinguei quando ela, com a mão

que não segurava a faca, arranhou meu peito. — Pare com isso,

caralho! — Eu a sacudi pelos braços.

Só então ela pareceu me enxergar.


— Você… — A voz era mais forte do que eu havia imaginado.

Sua respiração acelerada, a boca entreaberta, a garganta marcada.

— Eu já vi você.

— Sim, você me viu. — Respiramos fundo ao mesmo tempo.

— Eu vou te soltar, não me machuque. — E, lentamente, soltei os

dedos de seus braços e coloquei as mãos no chão, ao lado da


minha cabeça. Ela ergueu o tronco, a faca ainda muito perto do meu

rosto para o meu gosto, mas com tudo, do que sabia dela, eu teria a

mesma reação.

— Eu tirei você daquela gaiola, se lembra disso? — Ela

negou com a cabeça.

— Já vi seu rosto, no meu quarto, mas achei que era

alucinação — ela respondeu, ainda furiosa. A faca veio contra meu

pescoço, ela forçou contra a pele e gritou com o rosto próximo ao


meu: — O que você fazia lá? — Era um rosnado bravo, intenso, ela

me mataria se eu não fizesse nada.

— Eu queria saber se você ia ficar bem. Lucinda sabe disso,


ela não te contou?

Valentina negou com a cabeça.


— Não confio em você… — Mas antes que ela pudesse fazer

qualquer movimento, eu a surpreendi.

Uma das minhas mãos foi para o pulso dela que estava

apoiado contra minha clavícula. Senti o ardor da lâmina


superficialmente contra minha garganta quando ela tentou

inutilmente me ferir antes de perder o controle.

Em dois segundos, eu a tinha embaixo de mim.

— Somos dois. Não te conheço, nem você a mim, mas se eu

arrisquei meu pescoço te tirando daquela merda de gaiola, você


precisa pelo menos me ouvir.   

Ela teve a reação mais inesperada do momento para mim.

Valentina cuspiu na minha cara.

— Eu não te devo merda nenhuma. Não pedi sua ajuda.

Segurando seus punhos acima de sua cabeça, prendi seu

corpo embaixo de mim, como ela tentou fazer comigo, e respirei

fundo, antes de fazer alguma besteira. 

Limpei o rosto com a mão livre e me voltei para ela.

Valentina tentou erguer o rosto para me morder, mas bati seu

corpo no chão para que ela parasse e gritei:


— Me escute, caralho! Não quero te machucar. — Ela não

parecia acreditar, mas sabia que seria pior, então aproveitei o

espaço que me deu e continuei: — Eu sei como você vive, e sei que

não quer mais essa porra, então tenho uma proposta.

Sem opção, ela ficou quieta, mas seus olhos escuros,

demoníacos, me engoliram.

— Arthur me contratou para fazer um serviço, preciso de uma

parceira.

— Não farei nada que aquele merda quer — ela rosnou,

ainda tentando livrar os pulsos do meu aperto.

— Te darei metade do dinheiro que ele me pagou. São quatro

milhões de dólares.

Valentina parou, voltou a olhar para o meu rosto por um


segundo e, de novo, me confundindo, começou a rir. A garota

gargalhou alto, de quase se dobrar, e desistindo de entender, peguei

a faca e larguei seus pulsos.

Ela se manteve no chão, rindo, e eu me levantei, encarando-

a sem entender.

— Qual a graça? — perguntei quando ela se sentou.


— Quatro milhões? — Ela deu uma última risada e abriu um

sorriso descrente. — Quatro milhões para uma escrava? — Se


erguendo, Valentina apoiou as mãos na cintura e me encarou como

se eu fosse burro. — Você está brincando, não é?

— Pareço estar? — Passei o dedo sobre meu pescoço,


vendo o filete de sangue e o esfregando para sumir. — Vou te dar o

dinheiro assim que me ajudar e, depois, você se vira.

— Vem aqui, por acaso você é idiota? — Cruzando os

braços, ela negou com a cabeça, parecendo inconformada. —

Arthur nunca vai me deixar ficar com esse dinheiro. Eu não sou… —

De repente, ela recolheu a informação. — Não vai dar certo, não


posso te ajudar, sinto muito. — Pronta para dar as costas sem me

ouvir direito, fui obrigado a contorná-la.

Bloqueei o caminho de Valentina com meu corpo, próximo

demais a ela.

Seus olhos bateram no meu peito e então, atrevida, ela me


encarou.

— Me escute. — Não era uma ordem e precisei reforçar. —


Por favor.

— Hm… — Parada, ela pareceu disposta a me ouvir.


— Preciso de alguém que saiba fingir, mas que não seja
completamente vendida. Você é essa pessoa. Se trabalharmos

juntos, dando certo ou não, o dinheiro será seu, posso te garantir

isso. Só preciso de um voto de confiança.

— Eu… — Ela suspirou, encarou os próprios pés e disse com

uma voz mais baixa e cansada: — Não sei.

Já era um progresso não tentar me bater, ou me matar.

Respirando fundo, ela ergueu os olhos de novo para o meu


rosto e perguntou:

— Vou precisar transar com você? É isso o que você quer?


Meu corpo? Minha boceta? — Cru, sem cerimônia, ela botou as

cartas na mesa.

— Não nego, talvez a gente precise fazer isso. E em público.


— Suspirei quando ela deu uma risada frouxa, desacreditada. —

Meu alvo gosta de festinhas privadas onde todo mundo fode todo
mundo, mas você não precisa transar comigo, nem com ninguém,
se não quiser. O que eu realmente preciso de você é que finja ser

uma riquinha mimada, que me ama muito e quer o meu dinheiro. —


Valentina me encarou como se eu fosse doido. — É o perfil dessa
gente toda — justifiquei.
— Você sabe que eu poderia ser sua filha, não? Não que
vocês se importem com isso… — Parecendo finalmente perceber
que eu não era uma ameaça, ela olhou em volta e começou a andar

pelo apartamento.

— Quantos anos você tem? — quis saber.

— Quantos anos precisa que eu tenha? — me encarando por


um breve segundo por sobre o ombro enquanto fuçava nas sacolas

em cima da mesa, ela inquiriu.

— Sua idade real.

— Dezenove anos. Faço vinte em dezembro.

Puta que pariu. 

Aquela informação foi um belo soco no meu estômago. Ela


era uma criança.

E, não que eu me orgulhasse, mas precisava admitir que

estava atraído demais por uma menina.

— Precisamos que você finja ter vinte e um para que eu não


seja preso.

— E você? Quantos anos tem? 

— Trinta e seis. 
— Hm… não achei que fosse tão velho. Ainda assim, mesmo
com tudo isso, o que me garante que vai cumprir sua promessa de
me dar tanto dinheiro assim?

Parei, encarando-a, sabendo que aquele era um desafio.

Seus olhos desconfiados mediam cada pequena mudança no


meu rosto.

— Eu não te escolhi porque você é uma boa atriz. Te escolhi


porque você quase matou o cara que tentou te estuprar, e Arthur te
colocaria de novo nessa situação só para te punir. — E continuando

a enxurrada bruta de sinceridade, falei: — Eu poderia pegar


qualquer outra garota maleável e obediente, mas indo contra tudo o
que me alerta que você é a porra de um problema, não queria…

— Saber que eu fui estuprada de novo e você não fez nada

para impedir? — ela disse aquilo tão naturalmente que me


embrulhou o estômago.

— De novo?

Ela riu, tombando a cabeça para trás.

— Existe uma linha de separação entre as meninas da casa.


Algumas estão lá porque querem. Algumas porque não têm opção.

Eu sou o segundo caso… — Ela não olhava para mim, mas sim
para a televisão, sem realmente enxergá-la. — Sou a mercadoria
mais valiosa de Arthur porque ainda acho que me pertenço e brigo

pelo direito de ter meu corpo tocado por quem eu quero e não por
quem acha que pode comprá-lo… então, o seu dinheiro não vale de
nada, querido. O que eu preciso é de alguém que me compre, ou

me ajude a fugir, porque ou é isso, ou é a morte. — E dando um


sorriso triste, ela me encarou. — E então, o que vai ser?

— Eu vou te ajudar. — Ainda sorrindo daquela forma meio

mórbida, ela negou com a cabeça.

— Não acredito na palavra de homem nenhum. Me prove e


reze para eu acreditar, ou então eu posso muito bem acabar com

seu plano só para foder com você e Arthur de uma vez. —


Suspirando, ela passou a mão em outra faca e encarou a cama. —
Se não tenho opção, vou dormir ali. E não se atreva a se aproximar.

Não tenho medo de briga.

Respirei fundo, pensando que tinha me metido em uma


merda maior do que imaginava e confirmei com a cabeça.

— O sofá é um bom lugar… 

Ela nem mesmo se virou para conferir o que eu dizia.


 
 
 
Eu como garotos como você no café da manhã
Um por um, pendurados no colar
E se eles sempre forem meus
Isso faz eu me sentir viva
Eu como garotos como você no café da manhã
E você sabe que já tentou o seu melhor
Eu nunca disse que estava certo
Mas eu vou continuar fazendo isso
breakfast, dove Cameron
 

Eu mal consegui dormir.

O sofá era melhor que meu velho colchão no barco do

capitão, mas o que a garota me disse na noite passada martelou na


minha cabeça até que caí no sono sem perceber. Ela não era uma
puta nervosa, ela era a merda de uma escrava sobrevivente, que

lutava todo segundo para reivindicar seu corpo, sua vontade, sua
vida.

Meu sono foi conturbado, agitado, e acordei antes dela.

Sabendo que não voltaria a dormir, me espreguicei e pulei


para fora do sofá.

Foi meio que instintivo olhar na direção da cama e nela a


menina estava adormecida na mesma posição na qual deitou,

segurando o cabo da faca, parecendo pronta para despertar e matar

alguém.
Sem fazer barulho e pronto para despertar de vez, me dirigi

ao banheiro, tomei banho, escovei os dentes e antes que pudesse


sair do quarto, ouvi baterem na porta.

Coloquei a cabeça para fora e vi que Valentina tinha


acordado assustada, erguendo a faca no ar, se encolhendo na cama

sem entender o que tinha acontecido.

— É só o café da manhã — avisei, mas ela não se moveu,


parecendo se localizar.

Suspirei, gritei um “já vai” para o serviço de quarto e peguei a


primeira toalha que vi para enrolar na cintura. Saí do banheiro vendo

que a garota ainda não entendia a realidade das coisas e assim que

cheguei à porta, pedi:

— Abaixe a faca ou você vai assustar a pessoa que vai

entrar. — Meu tom de voz foi gentil, mas firme, e ela me obedeceu

com algum custo, só enfiando a faca embaixo do travesseiro.

Era melhor do que nada.

Suspirei, abrindo a porta e deixando a camareira que veio

nos dias anteriores entrar com o carrinho cheio de comida. O olhar

que ela me deu ao passar por mim poderia ter me dado sede, mas

ao ver que estava acompanhado, sua postura mudou.


Agradeci a mulher, que voou do quarto depois de receber a
gorjeta e, com fome, fui ver o que tinha de café. Ovos, bacon, frutas,

pães, doces, sucos, café e todo o tipo de coisa que o serviço de luxo

poderia enfiar no carrinho.

— Não está com fome? — perguntei, mas Valentina não

respondeu.

Aquilo me irritou.

— Escute, porque não vai até o banheiro, escova os dentes,

penteia o cabelo e volta até aqui para comer algo e conversar? Se

eu fosse te fazer mal, já teria feito. Me dê um pouco de crédito… —

Minha frustração saiu impressa nas palavras, e a garota limpou a

garganta antes de responder:

— Não tenho escova de dentes.

— Comprei uma para você. É a vermelha, está na pia —

avisei, prestando atenção no que tirava do carrinho e colocava na

mesa.

Levou cinco minutos até ela voltar.

Penteada, com o cabelo preso no alto da cabeça, de rosto

lavado, ainda desconfiada.


Valentina parecia um bicho, parou em frente à cadeira do

outro lado da mesa e me encarou, parecendo desconfortável.

Não falei nada, só empurrei o sanduíche que havia montado

para ela e continuei a comer.

Ela hesitou, mas devia estar com fome.

Com certeza tinha fome.

Afastou a cadeira se dando por vencida, pegou o pão com


ambas as mãos e enfiou quase metade da fatia na boca de uma vez

só. Não pude conter minha vontade de rir totalmente e ela, sentada
como uma selvagem, com um dos pés sobre o assento da cadeira,
limpando a boca com as costas da mão, franziu o cenho,

incomodada e me perguntou:

— O que foi?

— Há quanto tempo você não come? — Não julguei.

— Dois dias.

— Então coma devagar, ou vai passar mal — aconselhei com

a melhor das intenções.

Ela suspirou, revirou os olhos, e como se me desafiasse,


terminou de enfiar a outra parte do pão na boca, empurrando o que
não cabia com o dedo indicador, mastigando de boca aberta.
Esperei aquele espetáculo passar, comendo sem me abalar,

e quando o silêncio a incomodou, a garota me perguntou:

— Tem certeza que sou eu que você quer para sua


missãozinha? — Era provocação pura.

— Tenho — reforcei, respirando fundo antes de dar um gole


no meu café. — Por isso tenho uma proposta. 

— Eu já expliquei minha situação.

— E eu pensei a noite toda nela. Se me ajudar, se eu puder

contar com você para fazer isso dar certo, compro sua liberdade, te
dou os quatro milhões e te ajudo a recomeçar. Nunca mais você
será escrava de ninguém, nem fará absolutamente nada do que não

quiser.

Ela riu, desacreditada.

— E como voto da minha boa-fé, vou te ensinar a se


defender.

— É mesmo? E você é o que, agora? — Ela deitou com a


cabeça para o lado, cínica, me encarando como se pudesse ver

através de mim. — Aliás, que tipo de serviço seu Arthur contratou?

Passei a língua entre os dentes antes de responder e,


apoiando os braços em cima da mesa, dei de ombros.
— Do que tenho cara?

Ela apertou os olhos e um sorriso que eu não sabia decifrar

surgiu.

— Não vamos começar assim. Fale logo.

Soprei o ar, insatisfeito.

— Sou muitas coisas, mas Arthur me contratou para matar

um parlamentar que está atrapalhando a vida dele.

— Hm. Então você é pistoleiro? — Comendo decentemente


dessa vez, ela começou a arrancar pequenos pedaços do pão e

colocar na boca, me olhando vez ou outra.

— Não necessariamente. Desta vez um tiro não é a melhor

opção. É por isso que preciso de você…

— Para se infiltrar nas festinhas fode-fode do político? Você


gosta disso? De trepar em público? — Ela ergueu o olhar para o

meu de uma vez.

Intensa, mortal, a pura deusa da sedução.

E, porra, o que foi aquilo?

Precisei piscar duas vezes e mover o quadril na cadeira para

me controlar.
— Como é? — me fiz de desentendido. Esse não era o
ponto, ou era?

— Eu já tinha visto você antes, não tinha? Era você com


aquela garota no sofá. O modo como você ficou quando viu que

tinha alguém te olhando… — E como se fosse nada, ela limpou as


mãos uma na outra e procurou o que ia comer em seguida na

mesa. 

O meu ponto ali não era ter uma pessoa olhando.

Era ter ela olhando.

— Vamos voltar ao ponto central da conversa? Eu posso te


ajudar, e vou, se você me ajudar também.

Ela, concentrada em montar o prato com panquecas e


chocolate, não me respondeu.

Esperei quieto até ela dar a primeira garfada na torre doce

que havia feito.

Fiquei um pouco agoniado ao vê-la fechando os olhos,

saboreando algo tão simples daquela forma.

— Eu fico. E te ajudo — ela disse, abrindo os olhos depois de

engolir —, mas além de tudo isso o que vai fazer, eu quero que me
ensine a matar com as mãos. — Largando os talheres, ela apoiou

os cotovelos sobre a mesa e balançou os dedos. 

— Esse tipo de coisa demora — alertei.

— Então seja lerdo para fazer o seu serviço, e use o tempo

livre que tivermos para me ensinar o máximo que puder. Eu aprendo

rápido.

— Certo… sendo assim, vamos falar do nosso trabalho em

conjunto.

Abaixando um pouco a guarda, Valentina praticamente

abraçou o prato de panqueca e cortando mais um pedaço,

perguntou antes de encher a boca de novo:

— O que eu preciso fazer?

Levantei-me, pegando os documentos, o papel resumindo a


vida da mimada furiosa que seria Olívia Johnson, e voltei para a

mesa, entregando para ela. Valentina pareceu muito concentrada no

que dei em sua mão, principalmente no passaporte.

— Isso é real?

— Não. Mas ninguém desconfiaria. 

— E se jogarem em algum sistema? — Ela achava que eu

era burro?
Cruzei os braços, tentando não me ofender e respondi de

imediato:

— Vão encontrar o que devem encontrar. Eu não faço


nenhum trabalho pela metade.

Ela se calou, largando o documento e vendo o resumo de sua


pequena personagem.

— Ok. Eu consigo fazer isso. E você? Quem vai ser você?

— Andrew Wilde. Depois te dou um resumo do meu perfil,

precisamos criar uma história sobre nosso relacionamento. As

pessoas vão perguntar, principalmente por nossa diferença óbvia de


idade.

Ela debochou num riso fraco, a boca suja de chocolate.

— Duvido muito, mas posso falar que você era amigo do meu

pai rico e eu era apaixonada por você desde muito nova… O que

acha? — ela perguntou antes de encher a boca de novo.

— Pode funcionar. E vou precisar tocar em você, é um

problema? Mãos dadas, mão na cintura, talvez precise te beijar.

Algo mudou em sua expressão. Fiquei intrigado em como

seus olhos nublaram encarando o prato quase vazio.


— Não tenho opção. — No final, ela deu de ombros e me

senti ofendido.

Eu era pior que os caras aos quais ela era levada?

Não consegui conter meu mau humor repentino e me

levantei, procurando por meu maço de cigarros. O dia já raiava do

lado de fora, e abrindo a varanda do quarto, saí para fumar.

Que merda eu tinha na cabeça de me envolver no meio

daquela história?

Eu não precisava dela.

Não precisava ajudá-la.

Mas não conseguia evitar a vontade de fazê-lo.

Não conseguia desarmar a merda do instinto protetor que


começava a ganhar espaço dentro da minha cabeça.

Precisei de um segundo cigarro para me acalmar. No final

dele, eu já estava quase pronto para voltar para dentro, mas foi ela
quem veio. Sem pedir permissão, ela pegou um dos cigarros no

meu maço, colocou na boca e fez uma barreira contra o vento com a

mão livre enquanto arrancava a tampa do isqueiro.

Valentina tragou como alguém que tinha muita experiência

com aquilo e parou ao meu lado, o corpo de frente para o meu, o


rosto virado para ver a cidade.

Fui mais uma vez chicoteado pela minha mente insana e

pervertida.

Não. Não caia nessa. Faça o que prometeu fazer e não se

envolva além do necessário — me dei a ordem enquanto a via dar


mais uma tragada profunda.

— E o que faremos hoje? — ela perguntou. — Vai me ensinar

o que preciso saber aqui?

— Não. — Respirei fundo, jogando a bituca apagada lá para

baixo. — Hoje você vai tomar um banho decente, cuidar do cabelo,


unhas e tudo o que precisar. Existe um código de beleza entre as

mulheres hoje em dia, ainda mais sobre essas.

— Eu vejo televisão, sabia? Não sou burra. Quer que eu fique


parecendo uma Kardashian? Posso fazer isso. — Ela achou graça,

cruzando um dos braços contra o abdômen, apoiando o outro que

sustentava o cigarro. 

— Que porra é uma Kardashian? — Ela riu, negando com a

cabeça.

— Talvez seja eu a te ensinar um pouco como é o mundo dos

ricos mimados de verdade. — Ela levou o cigarro até a boca mais


uma vez, precisei desviar o olhar, porque qualquer animação,

naquela porra de toalha, ficaria evidente. — E nós precisamos de


um apelido bem ridículo de casal. 

Eu não tinha pensado naquilo.

— Amor? — tentei e ela negou com a cabeça.

— Precisa ser mais íntimo, e mais sujo, talvez.

— Vou pensar em algo até o final do dia. Agora, se puder, vá

tomar o banho que pedi. Suas roupas já estão no armário, escolha o

que quiser.

Ela terminou seu cigarro logo de uma vez e perguntou:

— Qual o seu nome real? 

— Benjamin — respondi sem encará-la de frente.

— Espero que você cumpra sua promessa, Benjamin. — Meu

nome na sua boca me fez mover a cabeça para encará-la e eu me

senti tropeçando em um abismo.

Os olhos grandes, escuros, me fitavam atentos, parecendo

divertidos, ao mesmo tempo que intensos. A maquiagem borrada

em volta deles só me deixava mais curioso para saber o que se


passava dentro da mente dela, mas pelo meio-sorriso em seu rosto,

sabia que Valentina era sim uma mulher para ser temida.
— Eu vou — foi tudo o que pude responder antes dela entrar.
 

 
Eu me vesti logo que ela entrou no banho. Bermuda branca,

camisa lisa, corrente de ouro no pescoço, relógio no pulso. Estava


terminando de decidir o que colocaria nos pés, quando Valentina

saiu do chuveiro. O cabelo preto molhado, penteado, dividido ao

meio. O rosto finalmente estava limpo, cheio de pequenos

hematomas que começavam a desaparecer. Olheiras pesadas sob


os olhos também não ajudavam.

E incerta, me encarando com o recado claro de que era para


eu ficar longe, ela segurou a toalha com mais força em volta do

corpo. Os seios marcavam por cima do pano, pequenos, mas


volumosos. A cintura era fina, o quadril maior…. A porra de um
desenho violão perfeito.

Engoli em seco qualquer coisa que pudesse causar maior


desconforto entre nós e cocei a cabeça, olhando para minhas

opções.
— O que eu uso?

Ela parou, entreabriu a boca e depois estalou os lábios, se


recuperando.

— O mocassim.

— É horrível — reclamei.

— É o que caras ricos usam.

Passando por mim, ela foi até o armário, passou uma a uma
as roupas e parou em um vestido azul-claro de alças finas. Pegou a

roupa escolhida e voltou para o banheiro sem dizer nada.  

— Este ficou melhor — ela avisou quando apareceu com um


vestido amarelo na mão que tinha escolhido anteriormente e,

revisando seu corpo milimetricamente, engoli em seco concordando


com a cabeça.

Valentina terminou de colocar as joias que eu havia

comprado, óculos escuros na cabeça e me esperou perto da porta,


parecendo impaciente.

Não seria muito problema ela entrar no personagem da


garotinha rica e exigente.

Satisfeito por pelo menos parte daquela armação toda


funcionar bem sem querer, abri a porta para sairmos logo.
 

 
 
 
 
Essas chamas ardentes, essas ondas quebrando
Lave-me como um furacão
Estou cativado, você está hipnotizado
Sinta-se poderoso, mas sou eu de novo
middle of the night, loveless
 

Sair do elevador me deu um choque. Pensei na fachada de

casal com Valentina e senti o mesmo constrangimento por parte


dela quando peguei sua mão.

Sua primeira reação foi puxá-la e me encarar feio, mas então,


meio segundo depois, ela entrelaçou os dedos pequenos e frios nos

meus e seguimos para a saída principal.

O carro foi trazido em pouco tempo e agradeci, com medo


daquele teatro duro e esquisito não funcionar além daqueles
primeiros cinco minutos, mas Valentina forçou um belo sorriso para

mim quando a levei até o seu lado do carro e abri a porta do carona
para que ela entrasse.

Foi estranho. Precisaríamos melhorar e com urgência.

— Relaxe — foi o que disse quando entrei no carro. 

— Estou bem. — Afastando o cabelo e abrindo um pouco o

vidro do seu lado, ela me pediu: — Tem um cigarro?


Indiquei o maço no painel do carro e ela se apoderou dele e

do isqueiro, colocando dentro de sua pequena bolsa quase vazia.

— Vou precisar de dinheiro para comprar maquiagem — ela

alertou depois da primeira tragada.

— Vou te dar um cartão. — O sorriso surpreso que surgiu no

rosto dela me pegou desprevenido. — Não posso arriscar que você

seja pega sem dinheiro. O limite não é alto e eu preciso aprovar


compras grandes, então não pense em fazer besteira, certo?

— Não vou. — A resposta não me convenceu.

Dirigi direto para o primeiro shopping, sabendo que teria tudo

o que precisava em um único lugar, e tentando uma abordagem

menos íntima do que mãos dadas, tentei abraçar a morena pelo


ombro.

Foi ainda pior.

— Assim não. — Se afastando rápido, ela endireitou a coluna


e me ofereceu a mão.

Não tive outra opção senão acatar.

Sabendo que Valentina chamava atenção por onde passava,

fosse pelo modo que andava balançando os quadris, fosse por olhar

todo mundo com cara de bosta por cima dos óculos de sol que mal
tapavam suas olheiras, comecei a entender o que homens
amarrados a mulheres bonitas e jovens sentiam quando andavam

exibindo seus troféus por aí.

Era mais do que sexual. Era poder, desejo, admiração, e

mais um bando de coisas que inflavam o ego sem limites de

qualquer ganancioso.

Logo que viramos uma das ruas do shopping e o salão de

cabeleireiro surgiu, a garota diminuiu o passo ao meu lado e

respirou fundo.

— O que foi? — perguntei o mais relaxado possível.

— Você vai ficar aqui dentro comigo? — Eu não entendia se

seu tom era arisco por eu ficar ou não, então respondi a verdade:

— Tenho algumas coisas para fazer. Porém venho te buscar.

Ela engoliu alguma coisa sem colocar para fora e confirmou


com a cabeça, batendo os saltos contra o chão de pedra polida,

parecendo impaciente ao continuar para dentro do estabelecimento.

Fomos atendidas por uma mulher de meia-idade sorridente e

gentil, que tratou de encaixar Valentina em uma das cadeiras vagas

do lavatório e logo duas manicures grudaram nela.


Esperei um tempo na recepção, vendo seu olhar intenso na

minha direção e quando vi que não tinha nada o que eu pudesse


fazer, acenei de longe e dei meia-volta para resolver parte da minha

promessa a ela.

Prometeram entregá-la em três horas depois que fiz o

pagamento, mas metade desse tempo era mais que o suficiente


para que eu fizesse o que precisava na rua. 

Quando passei pelas portas do salão, distraidamente estiquei

os dedos da mão esquerda, os fechei e abri de novo.

Era ridiculamente estranho o modo como eles queimavam

depois de ter segurado a mão de Valentina. 


 

 
Eu me atrasei.

Não deveria, mas um bom papo e cerveja faziam isso


comigo, e quando dei por mim, o prazo de três horas estava quase

no limite.
Acelerei pelas ruas, ignorei alguns semáforos, e quando

finalmente consegui chegar até o salão onde havia deixado


Valentina, me senti um idiota.

— Olívia saiu há quase meia hora — a mulher da recepção

avisou quando me viu perdido.

— Ela disse para onde ia? 

— Na verdade, sim. Indiquei a loja de maquiagem, dois

corredores à direita. 

— Obrigado — respondi já de cara fechada, sabendo que


minha irritação ficou refletida na minha voz.

Saí dali acelerando o passo, seguindo a indicação da mulher,


e quando cheguei à loja indicada, senti um alívio desgraçado, ao

qual eu nem sonhava que podia, só de vê-la ali.

A menina estava com o cabelo escovado cheio de ondas


pesadas nas pontas. Unhas grandes, em um formato de garras,
brilhavam douradas conforme ela mexia nos batons à sua frente.

Não querendo interromper seu pequeno momento raro, fiquei

atrás de uma das prateleiras, assistindo à Valentina treinando ser


alguém livre.
— Esse pode ficar perfeito na sua pele. — A vendedora cheia
de sorrisos veio até ela, indicando o tom certo da maquiagem que
ela comprava, e depois de passar meia hora escolhendo tudo o que

precisava, ela caminhou até a estante cheia de perfumes e começou


a cheirá-los.

Valentina experimentou um a um.

Nos que ela não gostava, sua expressão mudava e ela


franzia o nariz.

Nos que gostava, fechava os olhos e os cheirava mais

algumas vezes.

No final das contas, um em formato de sapato ganhou, e ela


pareceu incerta quando deu o cartão para o caixa.

Notei que aquele medo todo era de não conseguir comprar.

O celular vibrou no meu bolso, avisando sobre a compra. Eu


não conferi o valor. Na verdade, achei estranho a pouca quantidade
de coisas que ela havia comprado.

— Obrigada, volte sempre! — animada, a vendedora se

despediu dela, que a olhou desconfiada e correspondeu com um


aceno de cabeça antes de sair da loja e olhar para os lados,

confusa.
Minha curiosidade aguçou.

O que Valentina faria?

De repente, ela pareceu saber.

Girou o corpo para a direita, para a direção da rua, e

começou a caminhar.

Ela ia fugir.

Eu tinha certeza.

Segui a garota cada vez mais de perto e antes que ela


pudesse terminar de seguir pelo fim do corredor, eu a interceptei.

Não toquei seu corpo porque não sabia qual seria sua
reação, mas andei ao seu lado, no mesmo ritmo que ela, e disse

baixo:

— Não pensei que você fosse burra de tentar fugir tão cedo
— falei com o maxilar tenso, quase cuspindo de raiva.

— Você é um idiota. — Ela não abaixou o tom, tão brava


quanto eu. — Eu só quero a porra de um sorvete. Ou você vai dizer

que só posso comer doce depois da refeição, daddy?

Parei de andar, recebendo o impacto do soco invisível que


havia tomado.
Ela não ia fugir.

Ela só queria a porra do doce do quiosque próximo da porta.

Engoli em seco, sabendo que merecia que ela me xingasse.

Inflei as bochechas, soprando o ar ao colocar as mãos na

cintura e, com o rabo entre as pernas, passei por ela, dizendo:

— Me encontre lá fora. 

Valentina deu de ombros, e me senti pior.

Se esse era o começo cheio de desconfiança da minha parte,

talvez a morte tivesse razão ao me avisar que tomar a

responsabilidade sobre a vida daquela menina fosse um erro. O pior


deles.
 

 
Dez minutos depois, Valentina apareceu.

De cara fechada, comendo seu sorvete cheio de confeitos,

parecendo uma criança faminta.

Evitei olhá-la e só avisei:


— Vamos para o carro, precisamos almoçar no lugar certo. 

Sem discutir, me olhando feio, ela seguiu passos atrás de

mim até onde eu havia estacionado o carro e não olhou na minha


cara nem quando abri a porta para que ela entrasse.

A culpa era minha.

Quando entrei do outro lado, respirei fundo e, antes de dar

partida, com uma das mãos apoiadas no volante, movi um pouco o

rosto para a direita, sem olhá-la diretamente e pedi:

— Me desculpe por achar que você ia fugir.

— Hm… — Ela ignorou, enfiando uma colher ainda maior de

sorvete na boca.

— E me desculpe por te chamar de burra, eu só achei que…

— Ô, idiota. — O diabo dentro dela tomou conta, mas vê-la

me xingando logo depois de engolir, me fez encará-la de uma vez.


— Você não entendeu ainda? Eu não vou fugir, porque não tenho

para onde fugir. Minha única esperança no momento é que você

cumpra a porra da sua parte no nosso trato. — Ela riu, debochando


de mim. — Ou você acha que eu não penso? Se eu fugir de você

nesta merda de ilha, sem dinheiro, sem um lugar para me esconder,

Arthur vai me encontrar e, sinceramente, o que você acha que vai


acontecer depois? — Ela negou com a cabeça e abocanhou mais

uma colherada, falando de boca cheia, nervosa: — Não me importo


com você, não me importo em fazer parte de um plano para matar

alguém que não conheço. Não me importo com o que vou precisar

fazer no processo disso, porque é a primeira vez que alguém se


oferece para me tirar dessa merda toda e parece ser capaz de

realmente fazer isso, então me avise logo se estou sendo idiota de

te dar um voto de confiança, ou me deixe voltar para a porra da

minha gaiola. Pior do que não ter liberdade, é chegar perto dela,
sentir seu cheiro, e então ser jogada de novo no escuro. 

Engoli o peso da bronca, do que ela me dizia, e concordei


com a cabeça.

— Me desculpe… eu não menti para você. — Tentei ser o

mais passível possível, mas Valentina nem mesmo me olhou, só se


encolheu contra a porta e deu de ombros.

— Tanto faz… — Ouvi-a dizer mais baixo e não tive coragem


de falar mais nada.

Ela tinha jogado tanto em cima de mim, que duvidava que a

comida fosse digerir bem com tantas informações voando ao meu


redor.
No final das contas, quando saí de onde estávamos, entendi

que por mais que tivesse teimado em acolhê-la, teria feito isso mil e

uma vezes, já que, diante de tudo o que vinha sendo revelado,

Valentina também era uma sobrevivente e estava desesperada para


quebrar seus grilhões.
 
 
 
Me mate, minta pra mim, me amaldiçoe
Faça mais uma vez
Me beba, me assuste, me odeie
Como nunca antes
Me ame, ore para mim, me quebre
Faça um esforço você mesma
Me lave, me segure
Me foda
drink me, michelle morrone
 

Ficamos em silêncio no curto trajeto, mas antes de

chegarmos, precisei dizer:

— Escute — ela ergueu as sobrancelhas, dando a entender


que ouvia —, vamos almoçar em um lugar onde, provavelmente, um
casal influente está. Camila e Ornélio fazem parte do círculo que

precisamos entrar, então preciso que você tente fazer amizade com
ela, ou com ele, caso nós os encontremos aqui.

— Hm… Você já os viu antes?

— Já, Camila é mais expansiva, você vai ver…

— Ok. — Ela suspirou, ajeitou o cabelo, jogando-o para o

lado e conferiu a maquiagem no espelho em seu quebra-sol. — E


você precisa do que da minha parte?

— Proximidade física, seja um pouco ciumenta, me chame


pelo apelido que quiser na frente deles se os virmos.
— Eu tenho um ponto — ela avisou, fechando o quebra-sol e

me encarando.

— E qual é?

— Faço isso tudo, sento no seu colo e o que precisar, só não


meta a língua na minha boca.

Quase ri daquele pedido.

— Como é?

— Com seus trinta e seis bem vividos, você já deve ter


ouvido isso alguma vez. Faço de tudo, só não beijo na boca — ela

reforçou, séria, e eu balancei a cabeça em negação, não

acreditando naquele pedido.

— Certo, sem beijo de língua — confirmei, percebendo que

ela tinha pressa de eu atender ao seu pedido.

— Ok. — Parecendo aliviada, ela se encostou mais relaxada


no banco e foi minha vez de pedir algo.

— E eu preciso que você coma pouco. E devagar. — Foi a

mesma coisa que bater nela. Valentina era muito expressiva, não

conseguiu disfarçar nada da indignação que lhe causei. — Essas

garotas ricas vivem de dieta e tudo mais. Preciso que você

convença. Juro que chegando ao hotel, você pode comer quantos


hambúrgueres aguentar, mas enquanto estivermos com essa gente,
precisa ser mais… — Civilizada, passou pela cabeça, mas sabia

que ela se ofenderia.

— Burra — ela soltou. — Porque só alguém burro, podendo

comer de tudo, não comeria.

Não discordava.

Eu já tinha passado fome, sabia como era.

E se tinha algo que não me importava em gastar dinheiro

depois de todo aquele tempo, era, com toda a certeza, com comida.

Suspirando, pesarosa, Valentina cruzou os braços parecendo


chateada e soltou:

— Eu consigo me controlar.

Estacionei, descemos do carro e ofereci a mão para ela

assim que me aproximei.

Seus olhos varreram a fachada do restaurante e ela se

encolheu mais para perto de mim, apertando minha mão, na hora

em que entramos.
Fomos colocados em uma mesa de destaque no salão, como

eu havia pedido, e ao oferecerem o cardápio, fiz a função do homem


controlador pagador de contas e escolhi o que comeríamos.

Valentina até que ia bem em fingir estar confortável, mas, vez


ou outra, ela erguia os olhos para medir o ambiente em volta e,

nesses poucos segundos, entendi que dentro dela as coisas podiam


estar uma confusão gigantesca.

Tentando relaxá-la, coloquei a mão sobre sua coxa e chamei

sua atenção.

— Tudo bem?

— Uhum. — Ela confirmou com a cabeça e, pensando,

depois de alguns segundos analisando o que faria, colocou a mão


sobre a minha. — Vou me acostumar.

Nessa hora, vi o cabelo de Camila claríssimo brilhar na


recepção.

— Que bom, porque Camila e o marido estão vindo aí.

Os olhos escuros se arregalaram.

— O que eu faço? — Senti sua mão gelar sobre a minha.

— Vamos fazer o seguinte…


Nossas cadeiras já estavam próximas uma da outra, mas

acabei com qualquer espaço entre nós com um movimento só. O


cheiro dos cabelos dela me pegou de jeito e eu, sabendo que era

um filho da puta, rocei a ponta do nariz de seu ombro até a base do


pescoço.

Inesperadamente, fazendo a pressão no meu peito ser maior,


Valentina puxou o ar entredentes e sua pele se arrepiou. Aquilo não

era fingimento.

— Finja que eu estou te contando algo engraçado e dê


risada. — Ela me obedeceu, tombando a cabeça para o lado

contrário, rindo tão sonoramente que todo mundo em volta nos


encarou. — Mais alto — pedi, sabendo que Camila e seu esposo
passariam por nós.

Valentina foi perfeita.

— Ótimo — sussurrei contra seu pescoço —, agora, vire para

mim, me beije e vá ao banheiro. Leve a bolsa.

Terminando sua risada falsa, ela fez melhor do que eu

pensava que poderia.

Encarando-me com os olhos escuros completamente


focados, a morena encaixou a mão por baixo do meu queixo e
pressionou minhas bochechas. As pontas de suas unhas contra
minha pele me deixaram imóvel. Um mero espectador do sorriso
sob a maquiagem perfeita que Valentina carregava.

— Ah, daddy, você é impossível. — Seu tom era uma bronca

carinhosa, mas bem forçado, como se ela fosse uma garotinha


mimada mesmo. — Vou ao banheiro por um minuto, você fique aqui
e se comporte. — E como eu pedi, ela veio com o rosto contra o

meu.

Valentina deveria ser rápida, mas me segurou contra si


enquanto sua boca macia era pressionada contra a minha. O cheiro

do gloss era doce, minha mente nublou por alguns segundos e senti
a pressão do meu peito crescer, mas antes que eu processasse a
informação, ela se afastou, ainda fingindo que eu tinha contado a

piada do ano, e com sua cintura e bunda enorme marcadas pelo


vestido, eu a vi levantar e ir ao banheiro.

Sem me esconder atrás do personagem, apreciei a vista,

sabendo que todo homem no caminho era hipnotizado pela forma


como ela jogava os quadris quando andava.

Contendo o pensamento pervertido que tive, me encostei


preguiçosamente contra a cadeira e passei a mão nos cabelos,
sabendo que sustentava um sorriso bobo na cara.

— Ela é linda. — Ouvi a voz feminina que esperava bem

atrás de mim e fui surpreendido por Camila colocando a mão no


meu ombro, como se fôssemos velhos amigos. — Agora entendo

por que não mandou mensagem…

— Precisava aproveitá-la antes da fase de lua de mel passar.


— Pisquei para a loira e recebi um sorriso de flerte de volta.

— Considerando o quanto ela estava rindo, acho que vai

durar… — Olhei nos olhos claros de Camila, fitando-a diretamente,

e ela pareceu perder um pouco do rumo. — Sabe, estamos

sentados ali — ela indicou a direção —, com alguns amigos. Por


que não se juntam a nós?

Despretensiosamente, encarei a mesa, vendo que Davis não


estava lá.

— Quem são? — perguntei, parecendo um pouco contrário

àquela ideia.

— Aquele é o parlamentar Billy Yaris, com sua esposa

Claudia; Norton… — Ouvi os nomes dos outros seis casais,


analisando o que cada um poderia me trazer de vantagem e prestei
atenção em cada um dos rostos, principalmente em Ornélio, que me

olhava com um sorrisinho interesseiro na boca.

— Eu…

E do nada, me assustando um pouco, Valentina surgiu.

Em seu rosto havia um beicinho de garota magoada e ela

não cumprimentou Camila, nem me avisou o que faria. A garota


simplesmente se sentou no meu colo, subindo as mãos por meu

peito, até expulsar a mão de Camila do meu ombro.

Ela se curvou, me abraçando pelo pescoço e eu correspondi

a abraçando pela cintura.

— O que está pensando em fazer, daddy? Quem é a sua


amiga nova? — A voz ronronada, forçada, me deixou orgulhoso. Era

exatamente esse o perfil que eu precisava.

— Olívia, querida… — Suspirei, contendo meu pau pelo

contato da pressão que a bunda da garota fazia contra ele. — Essa

é Camila, seu esposo Ornélio está ali naquela mesa — indiquei e

ela o olhou, desconfiada —, e está nos convidando para ir até lá.


Você quer?

Ignorando Camila, Valentina juntou a testa na minha e, sem


pudor nenhum, respondeu baixo contra minha boca.
— Não sei se quero dividir você com essa gente toda — ela

choramingou. — Nós acabamos de chegar e você ainda nem me

levou para tomar sol no seu barco. Quero muito ver seu barco novo,
amor. — Beijando meu queixo, precisei contê-la de não fazer mais e

eu acabar arruinando o plano.

— Vocês vão velejar? — Camila não quis se sentir por baixo,


chamando nossa atenção.

Foi a primeira vez que elas se encararam, e a loira falou


diretamente com Olívia:

— Nós vamos também, depois daqui, na verdade, então, se

vocês não quiserem ser tão privados, acho que podemos ir todos
juntos…

— Eu não trouxe meu biquíni. — Valentina continuou naquele


ar de garotinha mimada, mas se levantou e colocou as mãos na

cintura, parecendo avaliar o convite.

— Podemos comprar um aqui ao lado — Camila deu a


solução e, então, nos surpreendendo, Valentina abriu um sorriso

enorme, parecendo muito animada e concordou.

— Adorei você! — Abraçando a outra como se fossem

amigas há muito tempo, elas saíram na frente, falando do quanto


amavam se bronzear. — Daddy — Valentina cantou sobre o ombro

o apelido que arranjou —, não esqueça minha bolsa, por favor. 

E em cinco minutos na mesa nova, não havia uma única

pessoa que não encarasse a garota sentada ao meu lado, falando


animadamente sobre como os verões que passou com a família da

mãe na Itália eram intensos.


 

 
Valentina estava vivendo muito bem o papel de Olívia. Bem
até demais.

Era raro que seu olhar real viesse sobre o meu, pedindo

ajuda com algo.

Na verdade, quem estava pronto para pedir arrego era eu,

principalmente ao vê-la no biquíni minúsculo que Camila arranjou.

A loira vestia peças mais comportadas, mas parecia disposta

mesmo a exibir o corpo da minha namorada falsa. Quando Valentina

surgiu no convés ajeitando a parte de cima do biquíni, segurei a


respiração. E meu maior problema foi perceber que não era o único.
Os homens ao meu redor pouco se importaram com suas

parceiras. O tecido meio plástico, dourado brilhante, parecia muito

pouco para cobrir tanto, e olha que ela não tinha os maiores peitos

dali.

Ainda assim, nada era pior para meu o autocontrole do que

aquela porra de calcinha.

Se é que alguém poderia chamar aquilo de calcinha.

Era um fio, com laços em ambos os lados do quadril, e o


pouco tecido que tapava a frente era tão ridículo que marcava a

divisão entre suas pernas.

Caralho… — rezei.

— Daddy — ela me chamou daquele jeito meio cantado —,

você pode me ajudar aqui?

E de propósito, Valentina virou de costas, exibindo a bunda

onde o fio dental não passava de uma linha.

Eu não fui o único a ter dificuldade, ouvi alguns suspiros e

percebi que quando me mexi, cada um ali em volta procurou outro

canto para olhar.

Ela esperou eu estar bem perto, e com o protetor na mão, me

puxou para onde deitaria no sol.


— Como estou indo? — ela sussurrou, olhando em volta,

desconfiada.

— Bem. — Engoli qualquer outra palavra que poderia dizer

quando ela se deitou de costas e tentou ler a expressão no meu

rosto.

Nunca agradeci tanto por usar óculos de sol como naquele

momento.

— As mulheres estão interessadas em você — ela disse tão

baixo que eu mal ouvi enquanto começava a passar protetor em

suas costas. — Estão me perguntando o tempo todo sobre como


nos conhecemos e outras coisas…

— Você também não está sendo ignorada pelos homens —


me limitei a dizer isso, me concentrando na missão de espalhar o

creme de cheiro forte.

— Ei, vocês dois, querem uma bebida? — Camila ofereceu e


Valentina, que sorria para mim, virou o rosto para ela e fez que sim.

— Ela quer você — a garota disse entredentes.

— Como você sabe? — perguntei discretamente.

— Ela não suporta o próprio marido, você não vê? Eles nem
se olham. E ela foi a que mais pediu detalhes de como você é na
cama.

Eu ri, sem disfarçar.

— Qual a graça? — Valentina virou de barriga para cima, me

encarando curiosa.

— E o que você disse?

Ela se sentou. Foi a primeira vez que seu sorriso pareceu

genuíno.

— Que se ela quisesse saber, teria que assistir um dia,

porque era tão bom que eu não poderia descrever. — Nós dois

rimos.

— Você é determinada. — Me aproximei de seu rosto,

sabendo que nos espiavam e ela se esticou para cima, ficando


próxima à minha boca.

— Você não sabe nada sobre mim. — A resposta queimou na


minha língua, mas ela foi rápida em disfarçar ao selar os lábios nos

meus e deitar, falando como antes: — E eu quero minha bebida.

Dispensando-me como se eu fosse seu cachorrinho,


Valentina espalhou os cabelos em volta de si e puxou papo com a

primeira mulher que passou perto dela, já eu, fui até Camila pegar
as cervejas que ela oferecia.
— Ela gostou de você. — Meu tom de voz era mais amigável
daquela vez e fez a loira abrir um sorriso enorme.

— E eu de vocês. Os rapazes te receberam bem?

— Não posso reclamar. Fui expulso dessa rodada porque

meu modo de jogar poker é sujo demais para eles. Disseram que eu
só volto depois de estar bêbado para não pegar tão pesado.

— Neste caso… — ela tirou a cerveja da minha mão e serviu

um copo de uísque quase cheio até a boca com duas pedras de


gelo —… saúde.

— Saúde. — Bebi o primeiro gole com os olhos em Camila,

como um predador, pronto para cair no meu papel como deveria ser.
 

 
Consegui fazer conexões com quase todos os homens.

Ornélio parecia não prestar muita atenção em ninguém, além das


bundas que passavam na sua frente, principalmente a de Valentina.

Eu o odiei por cada segundo disso.


Minha vontade era cobri-la, escondê-la, não permitir que ele
ou qualquer um dos outros homens tivesse visão do seu corpo. Mas
me contive. Precisava me conter, ou o plano iria por água abaixo.

Eu era o único sóbrio naquele lugar. Joguei metade do uísque


que Camila havia me servido no mar e quando terminei a bebida já
aguada, fiquei enrolando com uma garrafa de cerveja na mão.

Valentina passou do limite, mas até então, ela não fazia nada além
de dançar e rir junto com as outras garotas.

A mais velha delas devia ser Camila, chegando perto dos

trinta, talvez, e ela era a mais bêbada de todas.

Naquele momento, os homens pararam de jogar, só fumando


seus charutos e bebendo mais enquanto assistiam às suas

mulheres juntas. O clima já estava estranho, e só piorou quando


duas das meninas começaram a se beijar.

Valentina, bêbada, arregalou os olhos e me encarou.

Meu olhar para ela era muito claro. Um alerta, um “não se

meta”.

Era nossa primeira vez naquele lugar, com aquelas pessoas,


eu não queria ter arrebentar alguém por tocar nela.
Os parceiros das garotas que se pegaram levantaram, foram
junto das mulheres e a troca de casais aconteceu ali. Camila, vendo

como eu assistia, veio cambaleando para se sentar ao meu lado.

A loira me abraçou pelo pescoço e soprou contra minha


orelha.

— Vocês nunca fizeram isso?

— Ela é muito nova — gritei em resposta, mas nem tive


tempo de falar mais alguma coisa, porque quando olhei para frente,
a visão que tive foi dos quadris de Valentina. Ela tirou a mão de

Camila de mim, mais uma vez, e me obrigou a sentar direito para


que viesse sobre o meu colo.

Empurrando meu peito, Valentina me fez encostar no apoio e

encará-la.

Seus olhos queimavam nos meus quando ela abaixou o rosto


no meu pescoço, do lado contrário ao que Camila poderia nos ouvir.

— Um dos maridos tentou me pegar. Não quero. Vou beijar


você, mas não coloque a porra da língua na minha boca — ela
avisou em tom baixo, a voz meio mole, e então, encaixando o

quadril ainda mais para baixo no meu colo, botou as mãos sobre as
minhas e me fez pegar em sua bunda antes dela mover a mão para

o meu pescoço, me prendendo no lugar.

Olhando-a de baixo, comandando, mortalmente bonita,


infinitamente decidida, tentei controlar meu corpo, mas não

consegui. Quando seu rosto desceu sobre o meu, quando sua boca
envolveu a minha e seus dentes roçaram no meu lábio inferior, meu
pau ficou completamente duro.

Era impossível que ela não sentisse.

Senti-me envergonhado, sujo, idiota, e então, quando ela fez


o primeiro movimento de quadril contra mim, todo o receio sumiu.

É só a porra do trabalho. Ela sabe. Você sabe — minha

mente contornou.

E como era trabalho, precisava ser convincente.

Apertei sua bunda com força e a puxei contra meu colo. Seus
dedos se enveredaram pelo meu cabelo, suas unhas deixaram um

rastro ardido no meu couro cabeludo. Ela realmente manteve a


língua fora da minha boca, mas ainda assim, o gosto do álcool, de

cigarros e do pirulito que ela chupou mais cedo se misturaram


conforme aquele beijo mentiroso acontecia.
Mais excitado com aquilo do que eu deveria, subi uma das
mãos para sua nuca, pegando-a pela carne, afastando nossos
rostos por um segundo, só para que os dois estivessem de acordo

com o que acontecia. Mas ao fazer isso, antes de olhar para ela, o
gemido ao nosso lado chamou nossa atenção.

Nós dois olhamos e foi um tanto quanto estranho ver todo

mundo em volta transando.

Ela riu, eu ri. Se era culpa da bebida, eu não sabia dizer,


ainda assim, ela pediu:

— Me tira daqui.

— Beije o meu pescoço. — Era o único jeito.

E me abraçando, ela me obedeceu, fodendo com meu juízo


enquanto eu me erguia com ela no colo. Ouvimos chamados, mas

ignoramos.

— Tem um banheiro lá embaixo — ela avisou, e eu segui pelo


caminho indicado.

Quando finalmente chegamos ao banheirinho da

embarcação, eu a soltei e ela se sentou em cima da pia, suspirando.

Parei ao lado dela e cruzei os braços, olhando para o nada,


desconfortável, porque sabia que a marca do meu pau na calça era
impossível de ser ignorada.

— Ricos são estranhos — ela disse, depois de um tempo,


incomodada com o silêncio. Eu só ergui o rosto para ouvi-la. — Se

eu tivesse a vida deles, ia ser sossegada.

— Não ia — fui brutalmente sincero e ela ergueu os olhos,


curiosa. — Se você tivesse a vida deles, provavelmente faria igual.

É o efeito manada. Além de que, você não conheceria a parte


merda da vida e ia achar que tudo é uma festa. Olívia Johnson seria
real.

Ela desacreditou do que eu disse e ajeitou a coluna.

— O que faremos? Estou com fome, e meio bêbada — ela


assumiu.

— Esperaremos um pouco, vamos fingir que brigamos

porque você ficou com medo de alguém te ver e contar para o seu
pai, e vamos embora.

Ela me mediu de cima a baixo e disse sem cerimônia:

— Não acha que vão estranhar você subir de pau duro?

Engoli em seco.

— Daqui a pouco as coisas se acalmam. — Tentei fingir que


não era nada.
— Camila gostaria de acalmar as coisas… — ela provocou e
eu quis rir, encarando-a pelo canto dos olhos.

— Ok, chega disso. — Abri a porta do banheiro e suspirei,


olhando em volta, antes de me virar para ela e pedir: — Pronto,
pode começar a gritar comigo.

 
 
 
 
 
Eu temo a febre
Profundamente em meus ossos
Ela corre elétrica
Ela me machuca
Ela sabe da minha fraqueza
No fundo da minha alma
Ela me mantém refém
Eu nunca estou sozinho
fear the fever, digital daggers
 

Chegamos ao hotel em questão de minutos. Valentina não parecia

tão resistente à ideia de me dar a mão para atravessarmos o saguão e,


quando entramos no elevador, ela pediu, recolhendo a mão:

— Posso comer hambúrguer? — Seus olhos enormes e atentos


tinham um ar esperançoso.

— Quantos aguentar comer. — Confirmei com a cabeça.

— E posso ver o que quiser na TV? Eu vejo muita televisão, mas só


quando vou até o alojamento das meninas, então é sempre uma briga
pelo controle e não posso escolher quase nunca. — O tom de voz dela
era baixo, quase uma confissão.

Achei que aquilo era mais uma prova de que nossa relação, fosse

lá o que era, podia evoluir.

— Pode ver o que quiser, mas é bom dormir cedo, amanhã temos
um dia intenso — respondi entre um suspiro, saindo do elevador. Ela me

seguiu de perto.

— O que faremos? — A curiosidade brilhou em seus olhos. — É

algo com esse pessoal de hoje?


Sorri e neguei com a cabeça enquanto abria a porta e lhe dava

passagem.

— É uma das partes do nosso acordo.

Ela ergueu as sobrancelhas passando por mim.

— Ah, tudo bem…

Valentina entrou, jogou a bolsa e a sacola com a roupa que usava


mais cedo no chão, ao lado da cama, e se enfiou no banheiro. Ouvi o som

do chuveiro abrindo, olhei em volta e fui conferir a câmera.

Ninguém apareceu no quarto, o que me poupou trabalho.

Larguei o enfeite de novo em cima do armário, peguei meu maço

de cigarros em cima da mesa e fui para a varanda fumar. Foi o tempo de


dois cigarros até ela aparecer.

Vestida em uma camiseta minha, de cabelos molhados e o rosto


sem um pingo de maquiagem, ela veio atrás do meu cigarro também.

— Desde quando você fuma? — perguntei depois de observá-la


dar a primeira tragada.

— Desde que perdi a virgindade. — A resposta bruta, rápida, me

socou o estômago como todas as outras que ela dava.

— E quando foi isso?

— Com quatorze, logo que me trouxeram… — Ela deu mais uma

tragada profunda e jogou a fumaça na minha direção. — E o que achou


de hoje? — mudando de assunto, Valentina se recostou no parapeito, de

costas para a paisagem, me olhando interessada. — Será que eu os


convenci?

— Não tenho dúvida. — Era real.

Eu não precisava fingir estar hipnotizado ou interessado nela. Eu


realmente estava.

Não dava para fazer o bom samaritano, dizendo que não queria
mais daquela pequena amostra de mais cedo, mesmo que a idade, a
situação e todo o resto jogassem na minha cara que eu deveria me

envolver o mínimo possível.

Com a garota vestindo só uma camiseta minha, com o tecido


marcando o desenho dos seios e da calcinha sobre o osso do quadril, me
encarando daquele jeito como se pudesse ler a minha mente, cheirando a
perfume caro e bom… Dei uma tragada longa, quase acabando com meu

cigarro.

Tentando manter alguma distância segura, apaguei a bituca ainda


em brasa no parapeito e soprei a fumaça, me espreguiçando.

— Vou tomar um banho. Ligue para o serviço de quarto e peça o


que quiser.

— Certo. — Ela levou o cigarro mais uma vez aos lábios, me


encarando como se soubesse o motivo de eu fugir.
Aquela garota era o diabo de saia quando queria, eu tinha certeza.

Era por isso que ainda estava viva. Era por isso que parecia ser tão
valiosa.

Dei as costas, indo direto para o banho, deixando a água fria fazer
melhor o trabalho no meu corpo do que uma tentativa de masturbação em
que ela não seria o foco.

Não podia romper essa barreira ainda, e por mais difícil que fosse,
sentia que se não me mantivesse dentro daquele limite, seria fácil demais
acabar passando do ponto, e eu duvidava que aquela garota tivesse
algum interesse em mim, além de receber o passaporte para longe dali.

Saí do banho, depois de meia hora embaixo da água fria, jurando


que aquilo acalmaria os ânimos, mas foi só vê-la sentada que precisei
parar, colocar as mãos na cintura e olhar para cima.

Caralho — xinguei mentalmente.

Sentada com as pernas erguidas, exibindo a calcinha de renda


cara que usava, ela encarava a televisão completamente imersa no que

via, enquanto comia seu lanche. A visão daquilo me deixou perturbado.


Fui até a parte dela do armário, achei um short e voltei com ele na mão,
oferecendo-o para ela, que parou de mastigar e ergueu o rosto, não
entendendo o que eu pedia.
— Coloque — era uma ordem.

— Por quê? — Havia desafio nos seus olhos.

— Porque sim. — Não entraria naquela discussão, mas percebi


algo quando ela engoliu a comida, colocou o prato no braço do sofá e,
depois de limpar as mãos no estofado, pegou o short da minha mão e
falou como sua personagem:

— Ok, daddy…

Valentina vestiu o short e voltou a se sentar como antes, devorando


seu hambúrguer, sem parecer entender o problema daquele ato. Respirei
fundo, contendo cada nervo do meu corpo no lugar.

Quando ela percebeu que eu não me movi, avisou:

— Tem lanche para você ali em cima. — Apontando para a


geladeira sem tirar os olhos da TV, ela pareceu relaxar.

Tentei o mesmo, peguei meu lanche, mas comi em pé.

Não queria me aproximar tanto porque ainda tentava ler qual era o
jogo daquela vez. O que Valentina estava tentando?

Neguei com a cabeça algumas vezes, calando pensamentos que


não deveriam existir, e depois de abrir uma cerveja e acabar com ela em
menos de um minuto, peguei o travesseiro em uso e fui me deitar.

O sofá era grande o bastante para caber pelo menos oito pessoas

sentadas, então, colocando o travesseiro para perto de onde Valentina


estava, me ajeitei para deitar.

— Você vai mesmo dormir? — ela perguntou, parecendo meio


decepcionada.

— Preciso. E você também. Amanhã não vai ser fácil.

— Eu só vou terminar o filme. — Erguendo os olhos para mim, ela


perguntou, passiva demais para o meu gosto: — Posso?

— Você é adulta, Valentina. Faça o que quiser, a vida é sua.

Minha intenção não era ser grosseiro, mas sabia que parecia ser.

Ajeitei-me no sofá, dei um boa noite meio baixo depois de espiar


que ela assistia a desenho e fechei os olhos.

Foi a pior merda que eu fiz.

Deveria ter proposto que ela dormisse no sofá naquela noite.

Deveria ter virado para o outro lado, mas não. Não pensei e me
fodi.

Ali o cheiro dela era intenso, o calor do corpo também.

Era como se cada pequeno movimento dela reverberasse no ar e


me atingisse.

Como se a mínima risada, respiração ou resmungo viesse direto


para os meus ouvidos.
Eu não ia dar o braço a torcer, e como um idiota, fechei os olhos,
cruzei os braços, e esperei pelo sono. Ele não veio, mas uma hora depois,
quando achou que eu estava dormindo, Valentina colocou a mão na minha
cabeça e começou a fazer carinho com a ponta das unhas, tomando
cuidado de o toque ser suave.

Eu não me mexi. Não me atrevi.

Mas, do que me lembrava, foi assim que peguei no sono, tentando


escapar do efeito físico que a maldita garota causava, sem ter para onde
fugir.
 

 
Acordei cedo no dia seguinte, me levantando em um pulo e me
espreguiçando fazendo barulho. Valentina dormia, espalhada pela cama,
parecendo ter tido uma noite agitada.

— Ei, acorde — eu a chamei no meu caminho para o banheiro.

— Já vou — ela reclamou, sonolenta.

— Preciso de você em pé e pronta em quinze minutos — avisei,


falando mais alto.
Três minutos depois, ela entrou pela porta, descabelada, me
afastando da pia e pegando sua escova. Eu a encarei, intrigado, vendo a
naturalidade dela comigo no mesmo ambiente. Aquilo era um pouco
estranho, e só ficou pior quando, ignorando minha existência, ela abaixou

o short, a calcinha, e se sentou no vaso.

Valentina estava lá, quase dormindo sentada, mijando, enquanto


escovava os dentes, bem na minha frente.

Minha vontade foi de rir, mas terminei o que precisava fazer e saí
do banheiro.

Em quinze minutos, como eu havia pedido, Valentina estava em


calça de moletom, camiseta e tênis, me esperando ao lado da porta. Seu
cabelo estava preso no alto da cabeça, não havia nada de maquiagem no
rosto, e ela parecia pronta para o que vinha a seguir.

Passei por ela, me surpreendendo pela facilidade de ter sua mão

na minha antes de entrarmos no elevador, e me surpreendi. Daquela vez,


seus dedos nos meus eram quentes. Onde ela tocava, parecia fazer a
pele esquentar devagar.

Era o anúncio da morte, lento e silencioso.

Se ficasse muito mais tempo naquilo, com certeza, ia me queimar.


Balancei a cabeça em negação, tentando entender como havia
entrado naquela situação.

Eu não era a porra de um mocinho de romance, não era o salvador


de ninguém.

Encarei a menina ao meu lado, os lábios cheios comprimidos em


um bico, o olhar fixo no marcador dos andares, ansiosa, sedenta.

O que eu daria para Valentina era muito mais do que qualquer outro
homem havia pensado em ofertar.

Eu a ensinaria a lutar pela liberdade. Pela sobrevivência.

Quando as portas do elevador abriram e eu a acompanhei para


fora, entendi que, mesmo sabendo que vinha alguma merda pela frente,
não me arrependeria.

Ela queria isso. Precisava disso.

E eu, de uma forma ou de outra, estava destinado a dar a ela, pelo


menos, uma chance.
 

 
Katy nos esperava em uma área da cidade mais popular. Quando
entramos no bar, ela estava sentada junto de um cara com o dobro do
meu tamanho e cara de poucos amigos, mas que quando a viu se levantar
e me abraçar, pareceu relaxar.

— É ela? — A pergunta foi feita logo que me soltou, e percebi a


confusão nos olhos de Valentina.

— É, é ela… — Peguei um pouco mais de fôlego e, com cuidado,


apoiei a mão na base da coluna da garota que me acompanhava e a fiz
dar um passo para frente. — Valentina, essa é Katy, minha amiga de
anos, que, por sorte, estava por perto.

Juntando as sobrancelhas, Valentina olhou para a mão erguida de


Katy e a pegou com algum custo, segurando com firmeza no aperto
impessoal, recolhendo logo a mão e vindo mais para perto de mim.

— Vamos para cima do prédio, lá podemos fazer o que precisamos


sem ninguém interromper. — Katy indicou uma porta na lateral do bar.
Com seu cabelo loiro-escuro e curto, não estava vestida como turista.
Com seus jeans rasgados nos joelhos, botas pesadas e jaqueta jeans,
estava na cara que não estava ali para diversão. — Igor — ela se virou
para o companheiro —, não bata em ninguém e não beba até cair, certo?

O brutamontes respondeu com um movimento de cabeça positivo e


então ela passou na nossa frente.

Completamente arisca, com os braços cruzados, Valentina olhou no


meu rosto procurando alguma coisa que não encontrou e, parecendo a

contragosto, seguiu pelo caminho que a outra fazia.


Subimos a escada mal iluminada em silêncio e chegamos à laje
vazia do prédio.

— Não tem perigo de alguém aparecer? — a morena perguntou em


um sussurro.

— Não se preocupe, Valen. Katy é cuidadosa, trabalha no mesmo


ramo que eu…

— Já trabalhamos algumas vezes juntos, inclusive — a loira se


intrometeu na conversa. — E você, garotinha, o que sabe sobre se

defender? Do que meu amigo aí contou, não é muita coisa.

— Eu… — A voz de Valentina falhou enquanto ouvia aquilo, e com


a ofensa estampada no rosto, ela me encarou com o cenho franzido. — O
que contou para ela?

— O básico — foi Katy quem respondeu. — Ele me disse que você


é alguém com problemas e que precisa de ajuda para se defender. Eu sou
a pessoa que vai começar a te ensinar, já que, para que você aguente um
soco de Ben sem desmaiar, terá que aguentar os meus, primeiro.

Ouvir Katy fez Valentina encolher os ombros.

O que aquilo queria dizer?

— Hm… — A garota ao meu lado descruzou os braços e juntou as

mãos ao lado do corpo. — Mas você é pequena, e não parece tão forte,
eu…
Antes que ela pudesse continuar a frase, Katy veio para cima dela
com tudo e lhe socou o estômago.

Eu não a segurei. Valentina, no susto, gritou ao cair no chão.

A menina demorou um tempo para entender o que havia

acontecido, mas achando graça da situação, Katy ofereceu a mão a ela e


disse:

— Se eu sou tão fraca assim e você cai com um soco meu,


teremos mais trabalho do que eu pensava. Tenho quatro dias antes de ir
embora para fazer você ficar esperta, é pegar ou largar, o que vai ser?

A garota no chão pareceu calcular toda e qualquer chance de fuga,


mas sem opção, aceitou a mão da outra e se levantou.

— O que eu faço? — mais humilde, mas ainda de queixo erguido,


ela perguntou mais maleável.

— Primeiro de tudo, me mostre como me daria um soco — Katy


pediu, e enquanto ela fazia aquele favor ao qual eu não sabia se poderia
pagar um dia, me afastei, pegando um cigarro, assistindo à Valentina
descobrir que, se ela queria aprender a bater, primeiro ia apanhar muito.
 

 
No primeiro dia de treinamento, Valentina desmaiou no carro.

A garota dormiu tão pesado que precisei pegá-la no colo para levá-
la até nosso quarto.

No segundo dia, sem que ela pedisse, coloquei o analgésico ao


lado da cama e ela o tomou e deitou sem nem mesmo jantar.

No terceiro dia, ela dormiu enquanto comia e eu precisei pegá-la da


mesa e deitá-la na cama.

No quarto dia, depois de derrubar Katy três vezes, ela se levantou e


antes de comemorar, olhou para mim, buscando algum tipo de aprovação.

— Está pronta para mim? — perguntei, acendendo mais um


cigarro.

Vindo até mim com o peito subindo e descendo, os cabelos


despenteados e o rosto vermelho, ela sorriu, me provocando. Havia um
pouco de sangue em seus dentes, mas foi brutalmente atrativo vê-la
daquele jeito.

— Só tem um jeito de descobrir, Ben. — O modo como ela me


chamou pelo apelido fez meu peito queimar. Nos fitamos por um longo
minuto, uma troca de olhares cheia de mensagens subliminares, as quais
eu tinha medo de entender errado, e antes que tivesse alguma chance de
colocar algumas dúvidas por terra, ela riu, se aproximou e roubou o
cigarro da minha boca. — Preciso de água.
Não consegui tirar os olhos dela conforme se afastava, e quando
ela bateu a porta em suas costas, descendo para o bar, Katy chamou
minha atenção.

— Essa garota é durona. E um problema. — Lá vinha a bronca. —


Você realmente sabe onde está se metendo, Benjamin? — A preocupação
dela era quase palpável. — O capitão e o moleque sabem dessa sua nova
aventura?

— O capitão e o garoto estão fora, e eu não sou nenhuma criança


que precise de supervisão…

— Não se estiver fodendo com sua parceira que, pelo que eu


entendi, é puta. Você não está apaixonado por ela, está?

Ri daquele absurdo, tirando o maço de cigarros do bolso,


oferecendo um à Kate antes de pegar o meu.

— Fala sério, pareço tão burro assim?

— Não. Mas você tem tendência suicida, e se essa garota apanhou


o que apanhou esses quatro dias para ser capaz de me derrubar hoje, é
sinal de que ela quer brigar, e eu desconfio que não seja em uma luta,
mas sim em uma guerra. — Katy deu a primeira tragada e tentou me ler.
— Estou certa?

Soprei a fumaça dos meus pulmões, tentando parecer o mais


relaxado possível.
— Não estou fodendo com ela, nem me apaixonando. A situação
de Valentina é complicada e eu resolvi ajudar. Quando acabar o que
preciso fazer aqui, vou levá-la até um lugar seguro e depois disso, nunca
mais nos veremos.

— Tem certeza que… — Ela ia me perguntar de novo algo que eu


não seria sincero em responder, mas fui salvo por Valen surgindo com
uma garrafa d’água para Katy. Seu primeiro ato gentil com minha amiga.

— Obrigada — a loira agradeceu.

— Não — Valentina respondeu de uma maneira intensa que nos


fez encará-la com maior seriedade. — Sou eu que agradeço.

Katy sorriu, deu um gole na água que a garota trouxe e deixou a


garrafa de lado.

— Não faça isso ainda. Tenho mais três horas chutando sua bunda.
Espere só eu terminar meu cigarro.

As duas trocaram um sorriso discreto, cúmplice, e quando Valentina


a abraçou no fim daquele dia, antes que eu pudesse acompanhá-la até o
carro, Katy me puxou.

— Ela é uma puta. Mas tem razão, ela precisa de ajuda. Faça o
que der, e se precisar…

— Tenho seu número — confirmei antes de abraçá-la.

— Se cuida, Ben. — O tom de despedida era algo que eu odiava.


— Você também.

Quando dei as costas para eles, entrei no carro vendo Valentina


parecer orgulhosa de si.

— O que ela queria? — a garota perguntou assim que coloquei o


cinto.

— Me dar um alerta, um que eu já sabia.

Suas sobrancelhas se ergueram, seus olhos nublaram.

— Qual?

— Que você é puta, e é um problema — respondi dando um meio-


sorriso —, mas que vale a pena te ajudar. Katy gostou de você. — Ela
relaxou, entendendo que não era algo ruim.

— Depois de me chutar como se eu fosse um saco de merda, era o


mínimo. — Depois de um suspiro, já com o carro em movimento, Valen
virou o rosto para mim e perguntou: — Mas qual é o problema em ser
puta?

— Você é puta?

— Tecnicamente? Sou. — Não havia um pingo de vergonha em sua


afirmação. — Não é todo cliente que chega que é rude, ou que tenta, você
sabe… — Seus olhos abaixaram e então voltaram ao meu rosto. — Então,
me conte. Qual o problema em ser puta?
— Nenhum, inclusive, acho um trabalho honesto, desde que você
faça porque queira — justifiquei, olhando para frente e coçando a barba,
sentindo o olhar dela queimando no meu rosto. — O problema é que
vocês são as melhores atrizes, e se um homem cai de quatro por uma de
vocês, ele nunca se levanta.

Ela riu, negando com a cabeça.

— Acha que isso é triste? Pense em como é se apaixonar por


alguém só porque o cara foi educado com você e te tratou como uma
pessoa, não como uma boceta com pernas?

— Você já se apaixonou? — Não consegui segurar a pergunta, e


ela, parecendo à vontade, colocou os pés apoiados no banco e abraçou
as pernas, confirmando com a cabeça.

— Já. Algumas vezes. Nada muito significativo, ou que fosse


correspondido. Todos os caras pelos quais eu tive um mínimo interesse
me foderam muito bem, mas ninguém quis ir além, afinal de contas, Ben
— ela virou de novo para mim, daquele jeito solto e escrachado, e
perguntou —, quem assumiria uma puta?

Engoli em seco.

Minha resposta poderia assustá-la, e a mim também.

 
Chegamos ao hotel e seguimos o bom protocolo das mãos dadas,
mas o ímã que grudou nossas mãos naquela noite fez com que não me
aproximar ainda mais dela dentro do elevador fosse uma tortura. O ar
pesou contra o meu peito, e na primeira oportunidade, eu a soltei com a
desculpa de que precisava procurar o cartão magnético.

Valentina não pareceu sentir falta da minha mão na sua. Quando


passou por mim naquela noite, minha vontade de grudá-la na parede só
não foi maior que o peso de fazê-la se dobrar ao cara legal que a tratava
como pessoa.

Aquela menina não me devia nada. Nem um beijo, uma foda, ou


um mínimo ato de gratidão. Assim como quando resgatei Léo e ele
poderia ter ido embora, eu a escolhi por minha conta e risco. Eu a ajudaria
porque queria. E, se por acaso algo fosse acontecer, não seria por uma
dívida de gratidão fodida.

Esperei o barulho do chuveiro começar, me sentei em uma das


poltronas próximas à janela e, com um cigarro entre os dedos, coloquei
meu plano em prática.
 A mensagem que enviei para Camila era simples, mas sabia que
faria efeito imediato.

Foi a primeira mensagem que apitou no meu celular. Menos de um minuto


depois, apareceu outra.

Levei alguns bons minutos para responder, e quando terminei de


digitar, me surpreendi com Valentina se dobrando acima de mim, curiosa.

— O que está fazendo?

— Garantindo que nosso trabalho ande.


Estávamos dentro.

— Ela quer dar pra você, eu te disse — Valentina falou com


desdém quando leu a conversa.

— É um problema? — Olhei para cima, tentando desvendar o olhar


dela, mas sem resposta, suspirei e digitei.

Finalmente haveria algum progresso.


 
 
 
Eu sinto como se estivesse me afogando
Me afogando
Você está me puxando para baixo e
Me puxando para baixo
Você está me matando lentamente
i feel like i’m drowning, two feet
 

Acordei naquela manhã com a camareira batendo à porta.

Não me lembrava que hora tinha pegado no sono, mas me

lembrava de Valentina devorando um pote de sorvete enquanto


assistia a algum dos seus filmes que eu mal prestava atenção e,
depois dela achar que eu estava dormindo, senti seus dedos entre

meus cabelos, acariciando até eu realmente perder a consciência.

Depois de separar tudo o que gostaria do café, procurei um


prato em um dos armários e montei o lanche de Valentina e os
biscoitos que ela parecia gostar.

— Valen, acorde — chamei. — O café chegou.

— Uhum… — ela reclamou, revirando na cama, cobrindo a


cabeça com um dos travesseiros.

Ela não ia levantar.

Levei o prato e o copo até a mesa de cabeceira, me sentei na

cama e descobri sua cabeça.


— O que um assassino de aluguel ganha levando café da

manhã na cama de uma puta? — Sua voz saiu abafada contra o


colchão.

— Ganha que a puta vai ter energia para fazer o trabalho que
precisa. — Ela sorriu e eu apoiei a mão na cama, esperando que ela

finalmente levantasse, mas em vez disso, ela ficou de joelhos e

ergueu a bunda, com o tronco para baixo, se alongando enquanto


espreguiçava.

— E qual será a missão de hoje? — Esfregando os olhos, ela

se sentou um pouco distante, colocando o travesseiro no colo,


fazendo o movimento com a mão de que podia lhe dar o prato.

— O luau começa às sete da noite, então temos até lá para


você começar a descobrir como se defender de um homem do meu

tamanho, ou maior que eu — falei, vendo a ansiedade dela ao

receber o prato, enfiando um dos biscoitos quase inteiros na boca.

— Alguma dica? — perguntou de boca cheia.

— As básicas são as mais reais, com um homem você nunca

briga de mão vazia. Qualquer coisa pode virar uma arma, ainda

mais se você atingir a cabeça.


— Da última vez, eu quebrei uma garrafa de champanhe.
Cortei o desgraçado na coxa esquerda. Queria tê-lo matado. — O

modo como ela disse aquilo assustaria qualquer um de fora do

submundo, mas Valen soltou como se fosse só um desabafo

cotidiano e deu a primeira mordida em seu lanche.

— É por aí…

— Certo, mas… você vai ficar irritado se eu te perguntar de

novo o porquê está fazendo isso? — Ela apertou os olhos, de boca

cheia, era quase uma caricatura da versão desconfiada e arisca

dela.

Suspirei, dando de ombros.

— Eu acho que já deixei claro o que penso. Você merece

uma vida melhor do que essa.

— Tem certeza que é só por isso?

— Por que mais seria? — Não gostei do tom de desconfiança

dela.

— Katy me contou que um amigo seu disse algumas coisas,

e fiquei pensativa sobre… — Seu tom de voz foi mais baixo, um

pouco inseguro.
— Já sei até que merda vem aí. — Me dobrei para frente,

passando as mãos pelo cabelo, impaciente.

— Ele falou que você gosta de salvar casos perdidos. —

Parecendo um pouco chateada, ela deu de ombros e encarou o


prato. — Fiquei pensando se você acha que sou um desses…

— Não acho que você seja um caso perdido, ou não teria

gastado tempo com você. Você não é burra, Valentina. Pense um


pouco.

— Eu… — Era a primeira vez que via a guarda dela tão


baixa, e terminando de comer, ela se ergueu da cama e esfregou o

rosto, parecendo não saber o que falaria em seguida.

— Tem cinco minutos para escovar os dentes e usar o


banheiro. Depois vai vir aqui e me mostrar que não estou gastando

meu tempo por nada… — falei, sem olhar para ela. — E, Valentina
— chamei quando ela já estava na porta do banheiro —, não vou ter
dó de você — avisei e ela confirmou com a cabeça, entendendo que

não havia tempo para aquele tipo de merda entre nós.

Foi só ela sair do banheiro, que caí sobre ela. Eu a peguei


pelas costas e abracei seu corpo, imobilizando-a. Ela gritou, fez
força para baixo, mas era leve demais e eu a ergui. Seus pés

tocaram a parede e ela, depois de me dar uma cabeçada no queixo,


tentou me empurrar para o chão e se soltar. Liberando um dos

braços do meu aperto, Valentina conseguiu me afastar um pouco,


mas eu ainda segurava seu braço esquerdo.

Ela girou, eu a contive, prendendo seu corpo com o meu,


pressionando-a contra a parede, respirando com dificuldade como

ela. Seus olhos estavam atentos, surpresos e furiosos sobre os


meus. Sua boca entreaberta, o hálito fresco, o cheiro do corpo dela

pela manhã…

A tentação de acariciar seu rosto tão próximo ao meu foi


grande, e eu quase ergui a mão para fazê-lo, mas no último
segundo, em um golpe baixo, sem que eu esperasse, Valentina me

deu uma joelhada certeira, bem no meio das pernas, amassando


minhas bolas com tanta força que minha reação foi cair de joelhos.

— Acho que você realmente aprende rápido — constatei com

a voz afetada assim que recuperei o fôlego. — Mas isso é golpe


baixo.

— Você não disse que era praticamente um vale-tudo? — A


defesa dela me desarmou.
Nem fiz esforço para me erguer, deitando no chão de olhos
fechados, esperando a dor passar.

— Precisa de ajuda?

— Com essa vasectomia gratuita? Não se preocupe —


reclamei, ainda com as mãos entre as pernas, tentando de algum

jeito amortecer a dor.

— Acho que vou abrir uma clínica disso no futuro —

zombando, vitoriosa, ela foi para a cozinha. — Posso comer seus


biscoitos? Olha, esses têm nozes!

Eu não consegui não rir da piadinha ridícula dela.

Era bom que Valentina tivesse o mesmo efeito que tinha em


mim sobre outros homens, assim nenhum saco estaria a salvo, mas

ela ficaria um pouco mais protegida.


 

 
Insisti em chamar alguém para arrumá-la, mas Valentina
bateu o pé, dizendo que não precisava de ajuda para ir à praia.
— Quem você acha que me maquia e ajeita meu cabelo para
o trabalho? — Foi assim, praticamente me chamando de burro, que
ela me calou.

Aceitei quieto, colocando minha camisa de linho e calça

branca, e sentei no sofá, assistindo, enquanto ela se arrumava. Em


frente ao espelho ao lado da cama, Valentina terminava de colocar

os cílios postiços. Sua roupa era um vestido que parecia complicado


de colocar, e que faltava pano nos lugares mais absurdos. A peça

tinha gola alta e ombreiras pequenas, deixando os braços nus, os


seios eram cobertos, mas o abdômen completamente exposto. Uma

tira de tecido seguia por sua coluna e se abria para a saia que a

agarrava os quadris, cobrindo seu corpo atrás, mas com uma fenda

gigante na frente, dependendo do movimento que ela fazia, a


calcinha do biquíni que a vi separar ficava à mostra.

Aquilo não ia prestar.

Quando ela se virou, pronta, parecendo a versão gostosa da

Cleópatra, precisei me esforçar para não esboçar nenhuma reação

exagerada.

— O que acha? — não satisfeita, ela perguntou, puxando

para fora da saia, marcando sobre o quadril, o fio da lateral da


calcinha do biquíni.

— Se queremos que te queiram, estamos indo pelo caminho

certo.

Ela suspirou, confirmou com a cabeça e jogou o cabelo para

trás.

— Então podemos ir, com as condições antigas ainda


valendo. — Esperei-a reforçar sobre o beijo sem língua, mas ela não

disse. — Não deixe nenhum outro homem me tocar.

— Se alguém tentar, sem sua permissão, prometo te entregar

as mãos dele em uma bandeja de prata.

Dando um meio-sorriso, Valentina me deu as costas e eu me


levantei.

Era hora do show.

Como prometido, Camila nos esperava no que se podia


chamar de entrada do evento. Com tochas espalhadas por toda a

areia, sofás, música alta, e muita bebida sendo servida, imaginei

que aquele dia seria sossegado por ser a céu aberto.

— Olívia, você está deslumbrante! — A loira, que parecia

ansiosa e usava uma túnica elegante, foi esperta ao cumprimentar


primeiro Valentina.

— Obrigada. — Parecendo não ter nada melhor para dizer à

Camila, Valentina cumpriu bem o papel de namorada forçada a estar


em um lugar que não queria.

— Andrew, que bom que vieram.

— Não perderia uma festa com você por nada. — Pisquei,

flertando com ela abertamente, recebendo um beliscão de Valentina

em minha mão.

— Bom saber disso. — O sorriso de Camila tinha mil e uma

propostas indecentes em cada dente. — Vamos entrar? — Ela


indicou o portal, onde a barreira de seguranças começava.

Eu já havia notado, havia dois deles a cada cinco metros em

volta do evento.

Com Camila ao lado, nossa passagem foi liberada sem

problemas e ela falou por cima do ombro:

— Que apresentar vocês a John Davis, nosso amigo mais

querido neste lugar. Provavelmente, ele está com Ornélio falando


sobre investimentos e aqueles assuntos que vocês homens adoram

falar. — Procurando em volta, ela os achou. — Ali! — Feliz por


encontrar o alvo, ela desfilou à nossa frente, chamando atenção da

pequena rodinha de gente importante.

— Ornélio, Andrew e Olívia estão aqui — ela sussurrou para

o marido, que se levantou do sofá e esticou a mão para mim.

— Achei que não o veria tão cedo. — Seu tom de brincadeira

mereceu um sorriso fácil da minha parte.

— Depois de alguns problemas no paraíso, estamos de volta.

— Peguei sua mão com firmeza e ele logo se adiantou para

Valentina.

— Olívia, você é um colírio para os olhos, minha cara.

— Não fale assim ou vou acreditar. Andrew não gostou da


minha roupa — ela choramingou enquanto beijava as bochechas do

velho que pareceu adorar a atenção.

— Andrew não sabe muita coisa. Para que ter uma mulher

bonita ao lado, se não pode exibi-la? — Ele riu, olhando para Davis,

buscando algum apoio.

O parlamentar não tirava os olhos dela, como eu imaginei

que seria.

John Davis tinha cinquenta e oito anos, era gordo, com

cabelos grisalhos bem penteados para trás com uma camada


grossa de gel para mantê-los no lugar. Com o queixo duplo, olhos

grandes meio caídos e boca de lábios cheios, ele me lembrava um

sapo. Levou o charuto que fumava até a boca e comeu minha

parceira com os olhos de cima a baixo antes de soltar a fumaça


pesada e se erguer. Sua respiração cobrou o preço, o som era alto,

mas ele não deixou de ser galanteador quando pegou a mão de

Valentina e se curvou para beijá-la.

— Um homem que esconde só para si uma beleza desse

porte, é egoísta demais para se ter como amigo.

— É por isso que, mesmo não querendo, não a proibi de sair

desse jeito. Olívia é linda, ela sabe que é, e sabe que meu

autocontrole é feito de areia quando ela aparece desse modo. —


Sem pedir permissão, cheguei por trás dela e a abracei de modo

sugestivo, parando com a mão espalmada sobre seu ventre,

puxando-a contra mim enquanto encaixava o rosto em seu pescoço,

beijando-a bem na base.

Ela riu baixo, sabia que sorria e encarava os demais.

— Andrew não é tão egoísta quanto eu sou, mas estamos

procurando resolver esse problema.


Os olhos de Valentina foram para cima de Camila antes de

virar a cabeça para me encarar. Ela selou os lábios nos meus e


suspirou.

— Daddy, queria uma bebida… — ela ronronou como uma

gata.

— Posso te ajudar com isso. — Camila foi tão solícita que eu

não tive chance de segurar Valentina comigo, quando ela se foi dos
meus braços, o cheiro dela impregnado na minha barba e o calor do

corpo esvaindo do meu, quase protestei.

— Daddy? Onde a achou? — foi Davis quem perguntou


quando elas se afastaram.

— Fiz negócios com o pai dela há alguns anos, ela era muito
mais nova e nem me atrevi a chegar perto, mas uma tarde, ela

apareceu no meu escritório, dizendo que queria me levar para tomar

um café e — eu ri, colocando as mãos no bolso, dando de ombros,

como se a lembrança fosse boa demais para ignorar — tomamos


café da manhã juntos, por dois dias seguidos. Como, pela diferença

de idade e minha herança são coisas óbvias, achavam que ela era

interesseira ou que eu a tinha como sugar baby, mas a verdade é


que essa garota é um furacão. O apelido vem daí, ela ama usá-lo
em público.

— Imagino como deve ser usado quando vocês estão a sós.


— Descarado, Davis ainda tinha os olhos nela e pensei que

pudesse matá-lo bem ali.

Encarei-o como inimigo.

— Você não faz ideia. Ela é única — fui incisivo, o que o fez

olhar para mim ainda mais interessado.

— E você, Wilde, não? O que faz da vida?

Puxado de volta ao trabalho, respirei fundo e olhei em volta.

— Tem um copo de uísque para molhar a garganta, antes de

começarmos a falar disso?


 

 
Como esperado, John Davis caiu nas minhas graças, mas

não foi o dinheiro, o nome ou o que eu disse que fazia que viraram
sua cabeça para me tratar como um conhecido de longa data.
Aquilo era culpa de Valentina, que dançava bem perto de nós,
remexendo os quadris como uma odalisca, sexy, jovem, risonha. Ela
era o maior objeto de cobiça de quem colocava os olhos nela.
Ninguém podia ignorá-la.

Notei que Camila tentava acompanhá-la, e quando não

conseguia, trocava sua taça vazia.

Aquilo, no final da noite, não seria bom, mas estava ficando


tarde, o céu completamente escuro, e quando as pessoas

começaram a ir embora, Davis em pessoa me pediu para ficar um


pouco mais.

O Dj parou de tocar perto de uma da manhã. As mulheres

que dançavam ao redor de Valentina reclamaram, ela as


acompanhou e eu ri genuinamente da sua insatisfação real. Ela
queria dançar. Queria ser livre. Era uma ofensa pessoal não poder

mais fazer o que tanto gostava.

Com a expressão fechada, com os lábios meio juntos em um


biquinho, ela veio para mim, se sentando entre minhas pernas no

sofá de banco largo, apoiando as costas em meu peito, jogando a


cabeça contra meu ombro.

Todos a olharam. Todos, sem exceção.


— O que foi, baby girl? — perguntei mais baixo, sabendo que
minha voz contra sua pele era a causadora do arrepio que vi surgir.

— Estava divertido. Não queria parar — reclamando, vestida

de seu personagem, ela se aconchegou contra mim e eu, ainda


segurando um copo de uísque que haviam reposto e eu enrolava
para beber, a abracei. — O que vocês estão fazendo aqui? É aquele

papo chato de negócios?

Os homens riram, as mulheres menos. Era óbvio que elas


concordavam.

Na rodinha seleta do fim da festa, sobraram três solteiros, e


nove casais contando conosco.

— É sempre aquele papo chato, baby… — fingi consolá-la.

— Pois não deveria ser — uma das garotas mais jovens da

roda, que tinha exatamente a mesma vibe que a personagem de


Valentina, falou, pegando a garrafa de uísque nova, abrindo o lacre
e, indo de pessoa em pessoa, ela acabou com a garrafa obrigando

todos ali a beber. Nem eu escapei daquela armadilha.

Ela foi a última e assim que secou todo o líquido, bambeou


um pouco, arrancando risos de todos e colocou a garrafa de volta à

bandeja vazia, fazendo com que ela girasse.


A garrafa apontou para Ornélio, e pegando outra garrafa que
haviam deixado por perto, que vi de relance ser de tequila, ela foi

até ele e ofereceu a bebida.

Para minha surpresa e de Valentina, o velho Ornélio a pegou


no colo, arrancando gritinhos da menina, jogou tequila entre seus

peitos e lambeu e sugou sua pele.

— Quem é o próximo? — alguém perguntou e Camila se


adiantou.

Seus olhos queimaram sobre mim e Valentina percebeu,

tomando ainda mais conta de mim, trazendo a bunda mais para trás,
me fodendo um pouco enquanto suas mãos passeavam por minhas

coxas e suas unhas arranhavam sobre o tecido.

— Olívia… — Aquela foi minha primeira bronca.

A garrafa quase parou em nós, em mim, mas foi para duas


pessoas para o lado.

Era um dos solteiros.

O cara levantou feliz.

O homem ajoelhou à sua frente, apoiou o pé de Camila em


sua coxa erguida e liberou sua perna. Ele a regou com a bebida e
lambeu cada gota que escorreu, subindo por sua canela, joelhos,

parte interna da coxa e virilha.

Em momento nenhum a mulher deixou de olhar para mim.

Ela arfou, levando a mão ao pescoço, e gemeu baixinho


enquanto ganhava a última chupada. O cara a pegou pela cintura

conforme se levantava e se sentou com ela em seu colo,


cochichando algo que a fez rir.

Prestei atenção em cada movimento deles, e Valentina enfiou

com mais força as unhas contra minha perna. Se não fosse pela
calça, eu estaria fodido.

Suspirando, impaciente, claramente brava, ela se ergueu.

Todos pararam de rir. Todos de olho nela.

E se abaixando em frente à garrafa, ela a girou, sem me


olhar, parecendo ansiosa.

O que estava acontecendo? Não entendi seu jogo, era para

fingir ter ciúme, quando o que queríamos era entrar com tapete
vermelho estendido em uma suruba?

Curvei-me para frente, tentando entender o que ela queria,

com as sobrancelhas juntas, intrigado, ainda mais quando a garrafa


parou, apontando para mim.
Ela pareceu ter raiva.

— De novo — cuspindo as palavras, ela estava pronta para


girá-la novamente, mas me adiantei e interrompi o movimento.

— Regras são regras. — Meu tom mais duro não era

brincadeira. Não era fingimento.

Ela se ergueu, as mãos em punho junto ao corpo, os olhos


queimando em fúria.

Ergui a mão sem tirar os olhos dos dela, naquela disputa


muda com uma plateia muito interessada, e alguém me deu a
garrafa.

Enchi a boca do líquido forte, mas não engoli. Cheguei perto

de Valentina, cobrindo a distância entre nós devagar, em um passo


de cada vez, e quando não tinha mais para onde ela correr, com o

peito dela batendo contra o meu, movi minha mão certeira para sua
nuca, segurando-a pelos cabelos.

Seus olhos se abriram ainda mais, mas continuavam lá,


tempestuosos, prontos para me engolir no meio da tempestade que

ela era. O problema de tudo aquilo era que eu não tinha medo.
Podia ser atingido por um raio, queimado, partido em dois, e ainda

assim, nada me faria desistir, nada me afastaria dela.


A nossa diferença de altura me obrigou a curvar um pouco o
corpo. Toquei a testa na dela, o nariz, os lábios. Ela não cedeu. Nem

eu.

Rocei a barba por seu rosto, puxando seu cabelo, obrigando


sua cabeça a pender para trás, e a cheirei como um animal. Queixo,
mandíbula, pescoço.

Joguei a garrafa no chão. Com a mão livre, enfiei os dedos


por baixo da parte do vestido que lhe tapava os peitos e o forcei
para cima, pinçando o tecido, puxando a gola para baixo também,

afastando a roupa de sua pele.

Toquei a boca contra seu pescoço, mantendo a bebida


dentro, a mordisquei e então, liberei o líquido.

A tequila escorreu, a respiração dela acelerou.

Suas mãos vieram sedentas para minha cintura e eu a


recriminei, puxando seu cabelo com um pouco mais de força.

— Não me toque — foi baixo, mas pelo silêncio à nossa volta,

todos ouviram.

Foi a vez dela engolir em seco.

Soltei Valentina e me abaixei na sua frente.


Ela olhou para baixo, eu não cortei o contato visual.
Aproveitei daquela porra de saia baixa, mal cobrindo o que deveria,

e comecei o rastro por sua pele. O gosto da bebida, do suor, dela,


encheram minha boca. Seu cheiro, sua textura, sua carne. Valentina

era mesmo a porra da minha morte e nem tinha feito nada de mais
comigo além de me deixar de pau duro.

Lambi lentamente o caminho molhado em seu ventre,


mordisquei-a bem abaixo do umbigo e ganhei um tremor. Minhas

mãos em seus quadris a mantiveram no lugar, com firmeza, quando


senti que ela poderia dar um passo para trás.

Não.

Não era a merda do Andrew Wilde ali. Era eu, sem máscara
nenhuma.

Continuei a subir por seu abdômen, e sem me preocupar com

a plateia, ergui um pouco a parte do vestido que cobria seus peitos,


não os expondo, mas expondo pele o bastante para lamber no meio
deles.

Senti seu coração batendo forte, não resisti e dei uma bela

chupada na parte exposta do seu seio direito. Me afastei um pouco,


vi os mamilos duros marcados contra o tecido.
Quase considerei colocá-los na boca, prová-los, provocá-la

do pior jeito, mas resisti.

Ataquei seu pescoço sem dó. Lábios, língua e dentes. Ela


cedeu com a cabeça sem eu precisar pedir.

Valentina tinha perdido o jogo. Foi ela quem fechou os olhos


primeiro.

Quando afastei o rosto do seu pescoço, ela pareceu acordar.

A boca entreaberta puxou o ar com mais força, os olhos se

abriram assustados, urgentes, e grudaram sobre os meus.

A fúria tinha ido embora. Era tesão que queimava ali.

Aquela armadilha era para mim.

E caí consciente.

Movi a mão de novo para a nuca de Valentina, sem dar


chance alguma dela recuar, e quando a beijei, enfiando a língua em
sua boca, dominando-a pelos primeiros segundos, não pensei em

nada, só na maneira como ela me abraçou pelo pescoço e pulou no


meu colo, enroscando as pernas no meu quadril, se apoiando bem
em cima da minha ereção dolorida.

Ganhei uma mordida selvagem e dolorida no lábio inferior.


Era uma bronca.

Quase recuei.

Mas então ela veio, sua língua invadiu minha boca, dominou
a minha, e ela não parou.

Mudou a cabeça de posição, me sugou, me beijou, me


engoliu.

Acariciou meus ombros, minha nuca, puxou meus cabelos e

então alguém gritou e eu voltei para a realidade, assim como ela,


que afastou o rosto do meu. Evitei encará-la.

— Depois dessa, acho que precisamos ir…

— Ninguém aqui estava reclamando — foi Davis quem disse,

e me surpreendendo, foi Valentina quem respondeu:

— Quem sabe em um lugar mais privado, e mais seguro? —


Na frente de todos, ela pegou meu rosto entre as mãos e falou com

a boca próxima à minha: — Agora, o meu homem aqui vai me levar


para o quarto. Se alguém estiver hospedado no Marina, é bom
dormir de fones de ouvido hoje.

Os homens gritaram como neandertais. As mulheres riram.

Eu dei as costas, mantendo Valentina no colo até sairmos da


vista daquela gente.
Quando eu a soltei, não disse nada.

Como poderia?

Se aquele era o personagem dela, estava de parabéns.

Merecia a porra de um Oscar.

Eu não daria uma puta boa. Não sabia ser tão bom
mentiroso.
 

 
O silêncio entre nós foi constrangedor. Não consegui nem
mesmo esperar por ela me dar a mão naquela noite. Fingi estar

concentrado em algo no celular e ela não se preocupou em me


tocar.

Entrar no elevador foi um suplício, me manter são no quarto

depois de ambos terem tomado banho, era pior ainda. Valentina,


daquela vez, se deitou no sofá, com o short que mais parecia a
porra de uma calcinha maior, e com a blusa larga meio erguida no

corpo. Deitada de bruços, com as pernas erguidas e cruzadas,


subindo e descendo, ela fumava enquanto assistia à TV.
Eu poderia fazer um quadro daquele momento, mas

precisava manter distância, ainda mais não sabendo se ela me


odiava ou não, depois de quebrar sua regra do beijo daquela forma.

Parecendo notar que eu começava a organizar as coisas


antes de deitar, ela apagou o cigarro e me chamou:

— Benjamin?

— Hm — respondi com um grunhido, movendo a cabeça,


olhando-a de canto enquanto mexia na carteira.

— Este sofá é confortável, mas não é como dormir na cama.

— Ela acendeu mais um cigarro, deu a primeira tragada, afastou


uma mecha do cabelo do rosto e soprou enquanto me encarava

dócil demais. — E eu já entendi que você não vai me fazer mal.


Então, se quiser deitar na cama hoje, fique à vontade.

Achei que aquilo era para ela ver televisão em paz.

Confirmei com a cabeça, apaguei a parcela de luzes que me

cabia e deitei.

Conseguir dormir era outra história. Mesmo com os lençóis


sobre mim, parecia faltar algo. E esse algo veio para a cama com

passos ágeis e leves, se enfiando sobre os lençóis com uma


suavidade invejável, quase encostando em mim propositalmente

quando se deitou de costas.

Aquela menina queria era me foder.

Respirei fundo.

— Ben? — ela chamou baixinho.

— Hm — resmunguei.

— Boa noite.

Ela não sabia o que me desejava.

Dormir nunca pareceu tão necessário, e nunca foi tão difícil.

 
 
 
 
 
 
Estou debaixo de sua pele
O demônio interior
Você nunca vai saber o que lhe atingiu.
the devil within, digital daggers
 

Quando abri os olhos naquela manhã e vi a garota de

cabelos escuros de costas para mim, demorei para me localizar.


Minha mente foi lerda ao refazer o caminho da noite anterior, mas

quando o fez, comprovou que eu estava fodido.

O corpo curvilíneo, o sopro suave do sono, o seu calor, a

presença, o cheiro…

Valentina não tinha nada que me afastasse, muito pelo


contrário. E como se soubesse o que eu avaliava, covardemente,
ela se mexeu, deitando virada para cima, jogando o braço sobre a

testa, fugindo da claridade. Sua boca era perfeitamente desenhada,


os cílios longos, o nariz empinado, com a ponta fina…  Ela não se

parecia em nada com a menina seminua e quebrada que carreguei


nos braços, semanas atrás. Pensando nisso, a noite anterior veio de

uma vez varrendo qualquer pensamento que não fosse sua boca na

minha, minha boca em seu corpo, a visão do desejo do momento, o


medo da sua ira, a insegurança por ter quebrado uma de suas

regras… Caralho.

Meu pau começava a ficar duro de novo. Parecia uma parte

independente do meu corpo, pensando por si só e tomando suas


decisões que só me colocavam em maus lençóis. Querendo dar um

jeito nas coisas de forma decente, me levantei, escapando da

armadilha que o cheiro dela na cama armava e caí no banheiro, indo


para o chuveiro na temperatura mais gelada possível.

Recusava-me a ceder à masturbação com ela na minha

mente e fiquei embaixo d’água até as coisas se acalmarem, mas


parecendo de propósito, quando abri a porta do banheiro, pronto

para sair, Valentina estava só de calcinha, se esticando para pegar


algo no alto do armário.

Tentei não a olhar, tentei não invadir seu espaço, mas a visão

da bunda dela ficou carimbada no meu cérebro.

Meu pau adorou o presente, mas odiou a recusa junto de


mais um banho frio.

Meu castigo seria passar o dia com as bolas doendo, mas era

um bom lembrete de que eu precisava distanciar as coisas antes


que tudo ficasse complicado demais para entender o que era
realidade e o que era fantasia.

Saí do banheiro fazendo um pouco de cena, mas, para minha

sorte, Valentina já estava pronta.

Calça jeans que deixava sua bunda perfeita, um top branco

de tecido macio, o que mostrava exatamente onde seus mamilos


estavam, e uma jaqueta do mesmo tecido da calça.

Pensei na visão que tive antes dela se vestir e me dei por

vencido. Não haveria momento de paz na Terra até eu deixar aquela

garota seguir sua vida.

— Fiz seu café — ela avisou, tirando os olhos do prato que


havia montado para si e eu encarei a mesa, vendo que realmente

estava lá sua versão de sanduíche, com a xícara de café ao lado,

me esperando.

Sentei sem dizer nada e dei a primeira mordida no pão com

queijo.

— O que você achou de ontem? — A pergunta quase me fez

engasgar. — Acha que deu certo? Que o tal Davis-cara-de-sapo

gostou de nós?

Ela tinha feito o mesmo comparativo que eu.


Esforcei-me para terminar de engolir sem tossir, limpei a

garganta e fiz que sim com a cabeça.

— Não sei se aquilo foi suficiente, mas… — Fui interrompido

com batidas na porta. — Você pediu algo? — perguntei,


desconfiado.

Ela negou com a cabeça.

Coloquei o dedo indicador em frente à boca, mandando-a

ficar quieta, peguei a arma que havia guardado na gaveta do


aparador perto da entrada e, destravando-a, escondi a mão para
trás e entreabri a porta.

Um mensageiro esperava do lado de fora e sorriu ao me ver

de forma muito amigável.

Relaxei um pouco.

— Olá, senhor. O senhor Davis pediu para ser entregue em


mãos.

O homem me ofereceu um convite e eu o aceitei, sem pensar


muito.

— Obrigado.

Intrigado com o que me era entregue, nem pensei em gorjeta.


Fechei a porta logo em seguida, encarando o papel cheio de letras
douradas como se ele valesse ouro.

— O que foi? — Valentina estava perto e quase bateu o

corpo contra o meu quando me virei para ela.

— Você perguntou se ontem foi convincente. Aqui está sua


resposta. — Dei-lhe o papel.

— Jantar beneficente — ela leu em voz alta. — Será amanhã,


que bom. — O desabafo na voz dela me fez pensar em algumas

centenas de coisas, mas logo ela se espreguiçou e reclamou: —


Meu corpo ainda está doendo dos últimos treinos. Queria poder

dormir a tarde toda.

O alívio que ganhei quando entendi o motivo me fez relaxar e

soltar a respiração que eu prendi sem perceber.

Achei que o problema era comigo.

Tolo e idiota.

— Sinto muito, mas você não vai poder dormir. — Minha voz

foi mais suave quando peguei o convite de suas mãos.

— Não? — ela choramingou.

— Vou te ensinar algo novo. — Indiquei a arma na minha


mão, movendo-a no ar.
— Atirar? Eu não preciso disso. Nunca vão me deixar ter
acesso a uma arma — ríspida, Valentina pareceu chateada.

— Mas pode acontecer, e se acontecer, é bom que você


saiba pelo menos como destravá-la e o modo certo de puxar o

gatilho. Será por uma hora, no máximo duas. Depois disso, você
ficará livre para fazer o que quiser. — Minha proposta fez seus olhos
brilharem.

O pensamento de ser o cara que a tratava como gente fez

meu estômago embrulhar.

Não queria o carinho de Valentina por fazer o mínimo.

Voltei para tomar o café, não querendo levantar nenhuma


suspeita de como ela começava a me afetar e fiquei quieto até a
hora de sair, tendo fumado um maço inteiro naquele meio tempo,

tentando pensar nos próximos passos com Davis e em que hora


seria apropriado entrar em contato com Arthur para fazer a proposta

sobre a liberdade de Valentina.

Se resolvesse isso logo, se conseguisse fazer tudo aquilo nos

próximos quinze dias, minha vida se tornaria muito mais fácil.

O almoço de Valentina foi um pote de sorvete e a diversão


dela foi passar o doce gelado nos lábios e lambê-los.
Grandessíssima puta filha da puta.

Evitei encará-la fazendo aquilo e dirigi o mais concentrado

possível, pegando no volante com mais força do que precisava.

Tentei manter distância física, fechei a cara, evitei conversar.

Precisava tomar as rédeas da minha mente de volta, mesmo


que ela só quisesse me lembrar o quanto a língua de Valentina

sobre a minha era doce e seu corpo parecia quente e macio demais
para ser verdade.

Ela me seguiu de perto, parecendo notar algo de errado, mas

se manteve nas paredes do meu limite temporário, subindo os


degraus da velha construção paralisada bem atrás de mim.

Quando achei que havíamos subido o suficiente, coloquei a


mala no chão e comecei a tirar as armas de dentro.

— Preciso mesmo aprender com esse? — Ela indicou o rifle

no chão.

Ergui o rosto para encará-la.

— Só se quiser.

— Não quero. — Ela pareceu incomodada e eu engoli em

seco. — Quero que me ensine a desarmar alguém e atirar. Ninguém


vai aparecer com um rifle perto de mim, e não pretendo matar mais

ninguém no futuro.

Ela tinha um ponto.

— Ok… — Respirei fundo. — Essa é uma pistola

semiautomática, uma arma popular no mercado e a mais provável

de você encontrar.

Eu a ensinei a carregar, destravar e na hora de atirar, foi um

problema.

— Você precisa estar pronta para essa hora, precisa segurá-

la direito, e veja que o gatilho não é tão mole. — Não pude fugir, me

aproximei por trás, ergui seus braços e ajeitei a forma como ela

segurava a Glock. — Tenha firmeza nas pernas e nos braços, e sem


um alvo, quando se sentir pronta, atire para o nada.

Mantive as mãos em seus braços, o rosto ao lado do seu, o


peito em suas costas.

Senti quando Valentina encheu os pulmões lentamente e

soltou o ar pela boca, antes de se ajeitar definitivamente e puxar o


gatilho.

Seu corpo bateu contra o meu e eu a segurei, mas isso não a


impediu de continuar. Valentina deu três tiros antes de tentar soltar a
arma, xingando baixo e rindo logo em seguida.

— Isso não é brinquedo — ela concluiu.

— Não.

— Mas um dia terei uma — ela avisou, se afastando um


pouco. — Posso tentar acertar um alvo?

Dei de ombros, confirmando com a cabeça.

Pegando uma pedra no chão, ela raspou o concreto da

parede não acabada e depois de marcá-lo, voltou para mim, para os

meus braços como antes, parecendo esperar a proteção.

Não neguei. Não conseguia.

Foi a minha vez de respirar fundo e aspirar seu perfume,


enquanto ela se ajeitava.

Aquele tormento durou uma hora e meia, mas parecia uma


eternidade.

— Precisamos parar — avisei, cansado de me controlar toda

vez que ela jogava a bunda contra mim.

— O que foi? — Seu olhar sobre o ombro para mim não foi

nada inocente.

Não era possível que ela não tivesse percebido ainda.


— Estou com dor de cabeça — falei me afastando, já indo

guardar tudo o que havia levado.

— Ah, tem mais daquele remédio que me deu outro dia?

— No hotel.

— Certo… — Parecendo meio desconcertada, ela se

encolheu e disse: — É, acho que se você quiser me ensinar a atirar


com o rifle, eu vou gostar.

— Não tenho dúvidas — respondi entredentes, sabendo que


no chão as coisas seriam mais perigosas ainda.

— Amanhã você me ensina a desarmar alguém?

— Amanhã o dia será cheio, mas depois… — engoli meu

mau humor e a encarei, terminando de recolher o material —…

depois, com certeza.

Ela abriu um sorriso enorme, genuíno.

— Você é um bom professor.

Bom professor. Péssimo parceiro de negócios.

Mal sabia Valentina o que ela começava a despertar em mim.


 
 
 
Lute por você mesmo
Você deve lutar por si mesmo
Ninguém está seguro aqui
Em quem você pode confiar?
Diga-me em quem você pode confiar?
Engasgando com o medo
Você vai cruzar para o lado negro?
darkside, oshins
 

Pensei que dormir de costas para ela faria as coisas menos

piores, mas acordei duro como pedra, com a mão dela contra meu
peito. Valentina me abraçava, grudada em mim, com uma das

pernas sobre a minha.

Tentei me acalmar, pensei em um modo de acordá-la sem dar

na cara, ou de sair da cama sem que ela visse meu estado. Todas
as possibilidades pareciam impossíveis.

Ela ronronou como uma gata, parecendo acordar.

Suas unhas roçaram contra minha pele e a mão ameaçou ir


para baixo.

Fui rápido em segurá-la no lugar e só então ela deve ter


aberto os olhos.

O modo como se afastou de mim foi brutal. O calor do corpo


dela se esvaindo me pegou desprevenido, mas o que realmente me
deixou puto comigo mesmo foi minha chateação repentina por ela

sair de perto daquele modo.

— Ben, eu… — ela tentou se defender, mas nem me virei

para vê-la.

— Não se preocupe — respondi como se não me importasse

e me conformei que aqueles seriam dias de tomar banho

mergulhando na banheira cheia de gelo.

Encerrei o assunto constrangedor indo para o banheiro e

seguimos assim até o meio do dia. Depois do almoço, enquanto eu


fumava, ela largou a televisão e veio roubar o último cigarro do meu

maço. Pegou meu isqueiro, o acendeu e se sentou ao meu lado.

— Fiz algo que você não gostou, não é?

Ri, sem graça, e neguei com a cabeça.

O problema era exatamente o contrário.

— Não. Você tem sido perfeita no papel. Estou preocupado

com hoje à noite. — Dei uma tragada profunda enquanto me

curvava e apoiava os cotovelos nos joelhos. — Vou tentar invadir o

sistema de câmeras da casa remotamente, e em alguma hora deste

jantar, nós vamos procurar o motivo real de Arthur querer matar

Davis.
— Isso é parte do plano?

— É. Arthur tem medo de que vazem coisas sobre ele

quando Davis morrer. Precisamos saber o que e quem tem esse

material na mão, antes das coisas irem para o brejo.

— Você vai precisar de mim para algo mais específico? —

Ela parecia curiosa.

— Só a sua presença já vai abrir mais portas do que qualquer

coisa que pudéssemos fazer. John Davis está sedento por ver você

de novo. Acredito que depois de hoje, o convite que precisamos

chegue mais cedo do que o previsto.

— Hm… odeio só ser útil por causa disso. — Ela indicou o


corpo.

Pendi a cabeça um pouco para o lado, fumando em silêncio

por um longo minuto, observando o quanto ela não enxergava o que

eu via.

— Não é só isso. Você tem o espírito forte, não consegue


esconder nem vestindo a personalidade de Olívia. Isso fascina

Davis.

— Fascina você? — A pergunta direta veio como um soco na

cara. Me senti idiota enquanto soltava a fumaça pelo nariz, fechava


os olhos e confirmava com a cabeça.

A morte me deu mais um aviso, bem naquele segundo.

Meu lado esquerdo se arrepiou por completo.

Fuja — ela avisou, mas era tarde demais.

Terminei meu cigarro em silêncio, saboreando o temor que


meu maior medo me causava e me ergui.

— Contratei as mulheres do salão para cuidarem de você

aqui e aluguei um vestido. Devem chegar agora à tarde. —


Concordando com a cabeça, ela soprou a fumaça para baixo, os
olhos nos meus pareciam sedentos de algo que eu não sabia o que

era, e não queria perguntar. — Te pego às cinco, esteja pronta.

E pegando minha roupa para mais tarde, desci para o spa do


hotel.

Precisava relaxar, me limpar um pouco da presença dela, e


estar pronto.

A ideia de levar aquela garota para o meio de predadores

loucos por um pedaço da sua carne me causava repulsa.

Não porque ela não queria.

Não porque eles eram porcos.


Mas sim porque eu não queria dividi-la com ninguém.
 

 
Perto do horário combinado, eu já estava pronto, na porta,

esperando a equipe que acompanhava Valentina. Conferi o relógio


de pulso, um pouco entediado, e de repente fui pego de surpresa

pela porta se abrindo. Duas mulheres risonhas se despediam dela e


quando me viram, passaram sorrindo.

Eu mal tive tempo de cumprimentá-las, já que, olhando para


dentro, eu a vi.

Em um vestido preto que descia com o decote quase até o


umbigo e tinha fendas que exibiam a virilha, Valentina me
nocauteou.

Vendo-me parado, boquiaberto do outro lado da porta, ela

ergueu as sobrancelhas e perguntou como se não fosse nada:

— Gostou? — Girando o corpo para que eu a visse por


completo, tentei prestar atenção nos lábios vermelhos, no cabelo
bem-penteado em uma trança trabalhosa, no colar, que mais
parecia uma coleira dourada em seu pescoço, mas tudo o que
consegui notar foi a ausência da calcinha.

Ela realmente ia só com aquilo de roupa para o meio da


selva.

Ela faria isso, mas antes ficaria presa comigo na porra do

carro.

Senti-me um selvagem, meu cérebro falhou, a morte riu na

minha cara.

Se eu não conseguia raciocinar, ou reagir, só de vê-la, o que


mais aconteceria se estivéssemos em perigo e eu precisasse

protegê-la?

— É… — Engoli em seco. — Vai servir. — Ajeitei o cabelo,

tentando parecer despreocupado e apertei o botão do elevador. —


Se você está pronta, precisamos ir.

— Só preciso pegar minha bolsa. — E vindo até mim, não


consegui encarar seus olhos.

Na verdade, era impossível não olhar para outra coisa que

não fossem suas pernas envoltas nas tiras finas da sandália de salto
que ela usava.

 
O celular, mais uma vez, me salvou de tocá-la, mas banquei
o cavalheiro preocupado e fiz questão de colocá-la no carro.

Sua mão na minha fez minha pele arder quando ela precisou
de apoio.

Senti-me um mentiroso de primeira categoria.

Quando a fechei, movimentei a mão no ar. Aquele ardor

precisava parar, era uma noite importante, eu não podia me distrair.

No caminho, em silêncio, abri o vidro com a desculpa de que

era para poder fumar, mas a verdade é que o cheiro do perfume

novo dela me causava reações físicas as quais eu, aos trinta e seis,
começava a me sentir com vinte anos a menos.

Era isso. Eu me sentia a merda de um adolescente cheio de


hormônios, e a causa era ela.

Próximos à casa de Davis, parei o carro em uma rua menos

movimentada e acertei o que faltava pelo celular. O sistema de


segurança daquele homem era realmente de quem não tinha medo

de morrer. Suas câmeras possuíam um código vagabundo, e a do

escritório onde eu desconfiava que estava o ouro, foi


temporariamente congelada.
Se alguém tentasse recuperá-la, eu seria avisado. Era o

tempo de armar uma boa cena com Valentina, caso precisasse.

Pensando nela, reparei que estava um pouco nervosa,

terminando o cigarro que pegou na hora em que parei o carro.

— O que foi? — perguntei.

— É seguro? — Sua preocupação não transparecia em sua


voz.

— Até agora? É. — Tentei ser realista.

— E o que faremos? — Ela soprou a fumaça da última

tragada pelo vão da janela e se livrou da bituca também.

— Seja a Olívia dedicada, feliz, espoleta, e deixe o resto

comigo. Davis amou ver você, então flerte com ele e o esnobe um

pouco, acho que isso vai ajudar.

— Certo… — Respirando fundo, estava na sua cara o nojo

estampado.

— E fique atenta, no meio do jantar, antes de servirem a

sobremesa, nós vamos subir ao escritório. Preciso de você vigiando,

enquanto eu faço o que preciso.

— Como você sabe aonde ir? — A pergunta me fez dar um

meio-sorriso debochado.
— Tenho a planta da casa bem aqui. — Apontei para minha

cabeça.

— E se ele guardar o que precisamos em outro lugar como,


sei lá, o quarto, ou um cofre? — Ela estava me testando?

Soprei a respiração em um riso frouxo.

— Acho que é você quem vai acabar se surpreendendo

comigo, baby girl. — Pesei a voz e notei algo brilhar em seus olhos,

mas não parei para prestar atenção. — Tudo pronto?

— Uhum… — Ela confirmou com a cabeça e enquanto eu

puxava a marcha automática para colocar o carro para andar, sua


mão veio sobre a minha. Seus dedos estavam gelados de novo,

mas me fodendo, contra minha mão eles pareciam brasa. — Você

vai me beijar de novo?

Meu rosto virou para o dela rápido demais. Não consegui

disfarçar o choque da pergunta feita tão naturalmente.

Ela recolheu a mão e eu senti o peso de não a ter sobre a

minha.

— Eu… me desculpe. — Engoli em seco e virei o rosto para a

janela, seguindo para fora da vaga logo em seguida, evitando

encará-la. — Você delimitou um limite e eu o ultrapassei, eu…


— Não se desculpe — rápida, quase sem emoção na voz —,

eu só ia dizer que se você precisar, pode fazer aquilo de novo. Se


quiser, pode colocar a língua na minha boca.

Mal sabia ela que não era só sua boca que eu queria beijar.

Confirmei com a cabeça, concentrando meus pensamentos

nas coisas mais absurdas possíveis para não perder o controle.

Se eu fosse um pouco mais esperto, teria dado meia-volta

com o carro, mas não fui, e focado no automático, só percebi que

cumprimentava Davis quando suas mãos envolveram a minha e seu


sorriso monstruoso surgiu logo que seus olhos pousaram em

Valentina.
 

 
Não havia ninguém que se comparasse a ela.

Nem que chamasse tanta atenção.

Propositalmente, eu a mantive nos meus braços a maior


parte do tempo, e quando sentados, minha mão pousou sobre sua
coxa exposta e não saiu de lá até que ela fosse roubada pelo

grupinho de mulheres que parecia adorá-la.

Camila estava entre elas, e assim que Valentina foi levada de


mim, a loira se curvou e disse no meu ouvido:

— É uma pena que vocês tenham ido embora tão cedo


naquele dia…

Não tive tempo de responder, discreta e sedutora, seus lábios

tocaram meu pescoço e sem eu responder, ela seguiu com as


outras.

Os olhos de Valentina queimaram em mim, sombrios demais


para alguém que só fingia.

É coisa da sua cabeça. Pare de beber, imbecil — briguei

comigo mesmo mentalmente e me obriguei a fazer parte do assunto


masculino da mesa.

Entre doações, fumaça de charuto e bebidas, todos


começaram a se distrair entre si e, vendo os olhares de Valentina na

minha direção, junto à sua cara fechada, suspirei, fingindo estar

irritado, coloquei um envelope gordo que guardava no terno com

uma quantidade exorbitante de dinheiro dentro e, acabando com a


bebida do meu copo, me ergui.
— Senhores, adoro essa disputa de quem pode mijar mais

longe, mas minha mulher parece querer me matar, e se eu não


descobrir o motivo nos próximos cinco minutos… bem, Deus sabe o

que pode acontecer.

— Se a perder, não se ofenda se eu a procurá-la — um dos


solteiros disse e eu fechei a cara.

O homem percebeu que eu não estava para brincadeiras.

— Se isso acontecer — puxei seu nome na memória e o

cuspi —, Simon, não se ofenda se eu arrancar suas bolas. Olívia é

minha.

E me afastando da pequena roda, sabendo que o peso das

minhas palavras não trazia nenhuma simpatia de volta, fui até


Valentina que fingia não me ver.

Sua rodinha parecia mais animada, ainda assim, continuei

com a postura de homem irritado, e com a voz mais grossa e baixa,


encarando-a como se pudesse matá-la, pedi:

— Olívia, podemos conversar?

Olhando-me sobre o ombro, uma deusa no auge de sua

perfeição, ela me mediu de cima a baixo com cara de nojo. Seus

olhos, pintados de preto, ficaram ainda mais intensos.


Eles me queimaram, me jogaram no chão.

Quase, por muito pouco, não me desarmaram quando

mediram os meus.

— Não temos nada para conversar agora. — Fingindo que eu

não era nada, ela jogou a trança enquanto virava com o sorriso mais
falso do mundo para a outra garota ao seu lado e disse em um tom

de voz enjoado: — Preciso ir ao banheiro, sabe onde fica?

Fingi impaciência, e assim que o caminho foi indicado, ela


saiu e eu a segui, sabendo que olhos demais nos seguiam

atentamente para fora daquela sala de jantar absurdamente grande.

Ela realmente ia na direção do banheiro, mas pegando sua

mão, eu a arrastei para o corredor lateral e subi as escadas. As

paredes de um amarelo-claro terrível ardiam os olhos. As obras de


arte espalhadas pelas paredes misturadas a mil e uma fotos de

momentos familiares eram uma completa bagunça, mas, por sorte,


tirando o celular do bolso com a mão livre, vigiando as câmeras às
quais eu tinha acesso, não havia ninguém no caminho.

Ou Davis era burro, ou sua equipe preguiçosa demais.

Fosse um ou outro, eu agradecia a facilidade do trabalho.


Abri quatro das dezesseis câmeras da casa. A do salão, onde
tinha vista do parlamentar sentado; a do corredor de baixo; a do
qual passávamos e do escritório.

Até então, só tinha gente nas duas primeiras telas, na terceira

só eu arrastando Valentina pela mão, e quando entramos pela porta


que prometia ser o escritório, a imagem continuou sem alteração

alguma, mesmo que estivéssemos dentro.

Assim que encostei a porta, a soltei.

Olhei em volta, tentando não notar o incômodo dela de estar


ali, e pedi:

— Fique de olho na porta, se alguém estiver vindo, vá para a


mesa e se prepare. Vou fingir que nossa briga acabou em… — Não
precisei acabar a frase.

— Já entendi. — Mal-educada, ela revirou os olhos e foi para

a porta, ficar olhando pela fresta.

Arranquei o paletó, joguei-o sobre a mesa e senti falta do


computador que deveria ficar ali.

Coloquei as luvas só por precaução, já que não queria que


uma armação daquela fosse para o lixo só porque minhas digitais
estavam onde não deveriam.
Revistei as gavetas, duas estavam trancadas e não foi difícil

abri-las com a micha[1].

Tirei os papéis da primeira gaveta e os coloquei sobre a

mesa, lado a lado, fotografando todos de uma vez.

— O que está fazendo? — Valentina perguntou baixo.

— Acha que tenho tempo de ler tudo agora? De olho na

porta. — Minha resposta grossa não foi bem-recebida.

— Idiota — ela me xingou baixo, nervosa, mas voltou a fazer


o que eu mandava.

Conferi a tela do celular, vendo que não havia muito risco, até

então, e continuei com a pasta seguinte. Quando acabei, algo me


chamou atenção. Um dos seguranças do salão chegou para
cochichar com Davis e ele arregalou os olhos, encarando a câmera

enquanto era alertado.

Logo em seguida a tela da câmera do escritório começou a


piscar.

— Caralho — xinguei.

— O que foi? — Ela se assustou, me vendo ajeitando tudo o


mais rápido possível, devolvendo à gaveta.
— Vigie.

O celular começou a fazer barulho.

Eu tinha quarenta e três segundos.

O arrepio do lado esquerdo veio brutal. Suei frio, senti meu


coração disparar, mas não parei.

Peguei os documentos da segunda gaveta, tirei foto de tudo o

que pude, e a ouvi em um tom desesperado:

— Estou ouvindo barulhos no corredor. — Ela soprou mais


baixo: — Ben…

— Só mais um pouco. — Quase implorei ao tempo quando fiz

a última foto. — Pronto! — falei mais alto, já voltando os papéis para


a pasta e trancando as gavetas.

Tínhamos três segundos até a segurança nos ver ali.

— Venha aqui — pedi, me erguendo, indo para a frente da


mesa, tirando as luvas e colocando-as no bolso do terno, enquanto
Valentina vinha para mim.

Seus passos rápidos pararam quando me virei para ela,

peguei-a pela cintura e coloquei a garota sentada na mesa. Ela


mesma puxou a parte do vestido que cobria o meio de suas coxas

para o lado, antes de envolver minha cintura com as pernas.


A morte riu ao pé do meu ouvido.

Não tive tempo para lhe dar atenção.

Meu coração disparava tanto quanto o da garota comigo, e


sem pedir permissão, envolvi sua trança com a mão esquerda,
forçando sua cabeça a pender e ela a me encarar.

Seus olhos nos meus pareciam surpresos, desesperados,


mas não pude lê-la mais, já que minha atenção foi para outro ponto.

— Quero ouvir você gemendo alto, baby girl — mandei,

conforme afastava a parte do tecido que cobria seu seio.

E me surpreendendo, em vez de esperar eu descer o rosto,


ela me puxou pela nuca, encaixando-me em si. Mal tive tempo de

conferir o formato arredondado, ou os mamilos cor de caramelo com


os bicos saltados, grudei minha boca sobre sua pele, provando a
textura, o gosto, a maciez. Eu a suguei, faminto, desesperado por

todos aqueles dias de tortura, e me fodendo de vez, ela gemeu


como mandei, pressionando meu rosto contra si, jogando os quadris
contra o meu.

Ouvi-la daquele jeito acabou comigo. Meu pau endureceu


instantaneamente, tão duro quanto rocha. E, para o meu terror, não
havia um pingo de teatro naquela reação.
Brinquei com a língua, mantendo a parte sensível entre os
lábios e senti suas mãos vindo à procura do cós da minha calça. Me
desesperei.

A morte gargalhou do outro lado da porta.

Pensei em pará-la, pensei em dizer que não precisava, mas


ela agiu tão certa daquilo, tão direta, que a mínima vontade de fazê-
la parar se esvaiu quando com os dedos habilidosos, abriram cinto,

botão e zíper. Ela desceu um pouco minha calça e meu pau,


vergonhosamente duro e molhado, saltou da cueca.

Seus dedos tentaram se fechar em volta, mas sua mão era

pequena e eu era grosso, o que a fez forçar um pouco, na tentativa


de envolvê-lo completamente. Ela falhou na missão, ainda assim,
não desistiu. Conferindo meu comprimento com o tato, ela juntou a

outra mão livre ao trabalho e seus dedos vieram sobre minhas


bolas. Eu quase urrei quando ela as massageou. Mordisquei o
mamilo de Valentina com força e ela puxou o ar entre os dentes, não

parando de tentar me enxergar através do toque.

Seu primeiro movimento de vaivém, me masturbando, foi


longo. Seus dedos resvalaram na cabeça do meu pau. Meu coração

bateu na garganta, o que piorou com o que ela fez em seguida.


A desgraçada riu, baixo, sexy, completamente tentadora.

— Você está pronto assim, daddy? — Me masturbando


devagar, parecendo achar graça por me deixar daquele jeito,

Valentina ganhou uma sugada bruta, forte, que a fez parar de sorrir
e gemer mais alto do que a vez anterior. — Isso… — ela pediu com
as unhas quase me ferindo no couro cabeludo, tamanha a

brutalidade com que me puxava os cabelos.

Movi-me para o meio dos seus seios e dei a primeira sugada.

Um ranger da porta denunciou que estávamos sendo

assistidos, mas eu estava pouco me fodendo.

— Vou te marcar para cada desgraçado que colocar os olhos


em você saber que eu sou seu dono, baby girl — rosnei contra sua

pele, sentindo Valentina estremecer sob minha voz. Algo a mais


acontecia ali, eu poderia apostar minha vida nisso, ainda mais
quando suas mãos ganharam um ritmo mais intenso nas minhas

bolas e no meu pau, conforme eu trilhava o caminho de beijos,


mordidas e chupões em seu colo e base do pescoço.

O cheiro dela me deixava louco e depois de roçar a barba por

sua pele, cheirando, marcando, descobrindo-a, me ergui, apoiando


as mãos em suas coxas, bem perto do final das aberturas do vestido
para sua boceta. Aproveitando que a mesa diminuía nossa diferença
de altura, sentindo o peso do tesão conforme ela brincava comigo

daquela forma, aspirei seu ar, seu cheiro, seu sexo de uma vez só
feito um animal, e fitei os olhos castanhos.

Alertas, inteligentes, intensos para um caralho.

— Me diga para parar… — falei baixo, dando uma última


chance a ela, sabendo que ela lia meus lábios, mas Valentina olhou
sobre o meu ombro e negou com a cabeça.

— Primeiro, você não manda em mim. Ninguém manda. —


Era sério o que ela dizia e achei que aquele era o recado para eu
me afastar quando a senti tirando as mãos de mim. Parei no lugar,

confuso, sabendo que seria um problema me recompor, mas o que


nublou minha mente veio em seguida. Suas mãos subiram aos seus
ombros e ela se livrou das alças do vestido, liberando seus seios

completamente antes de apoiar as mãos para trás, me dando visão


completa do seu tronco nu, de seus seios com formato redondo,
perfeitos. — Segundo — Valentina soltou as pernas da minha

cintura, afastando ainda mais as coxas, se movendo apenas para


puxar parte do vestido para trás. — Me toque.

Era uma ordem.


Aquela menina tinha alguma noção do que fazia?

Eu a apertei com força, meus polegares roçando sua virilha,


querendo que ela pensasse muito bem antes de me liberar para
fazer aquilo, mas seus olhos nos meus eram cruéis. Não porque me

afastavam. Não porque davam algum indício de que aquilo


precisava terminar logo.

Eles pareciam ansiosos, brilhantes, sedentos pela visão de

ter meus dedos dentro de sua boceta.

Como eu poderia resistir?

Pendi o rosto contra o seu, apoiando minha testa na dela.

Senti seu hálito contra mim quando ela riu de nervoso.

— Ben… — ela sussurrou contra minha boca para qualquer

outro ouvir, mas tê-la me chamando daquele jeito acabou comigo.


Valentina me levou ao inferno em questão de segundos.

Sabia que a morte assistia àquilo, curiosa, já que meu corpo

queimou do lado esquerdo.

Aquele era o último alerta que ela me dava.

Eu deveria ouvi-la.

Eu deveria largar aquela menina-mulher.


Eu precisava correr.

Mas, em vez disso, eu mergulhei.

— Sua cachorra, filha da puta — a xinguei e senti o tremor


dos seus lábios quando ela sorriu.

Foi a última coisa que consegui entender antes de pegá-la


pela garganta e beijar sua boca.

Não um beijo falso. Não um beijo de Andrew e Olívia.

Era eu e a garota que perturbava minha cabeça noite e dia

nas últimas duas semanas e meia.

Minha língua se enroscou à sua. Senti o gosto do moscatel,


do cigarro e o dela.

Doce. Surpreendente. Viciante pra caralho.

Mordi seu lábio e fui sedento ao que tanto desejava. Seus


lábios quentes, macios e molhados envolveram meus dedos quando

eu os deslizei sobre sua entrada para desvendá-la. Valentina arfou


contra minha boca conforme meus dedos brincaram, indo e
voltando, esfregando seu clitóris excitado de forma lenta, sôfrega e

dura.

Inclinei seu corpo, ela não resistiu, e aproveitando a liberação


do caminho, mordisquei seu lábio, abri os olhos e a encarei.
Valentina me encarou de volta, sem uma máscara, sem
fingimento algum.

Ela gostava daquilo.

Seu peito subindo e descendo junto de sua respiração


desregulada, a pele em volta dos mamilos arrepiada, o batom
borrado.

E naquela merda de pouca distância, descendo o anelar e o


médio até a entrada de sua boceta que pulsava contra meu toque,
eu a provoquei. Acariciei suas bordas, desci um pouco, ameaçando

ir para outro lugar, e voltei. Ela tentou mover o quadril, e não deixei.

E contra minha boca, ela quase implorou:

— Faça — era quase um pedido, vindo da boca da rainha.

Seu reino era seu corpo.

E eu, me tornando um simples súdito, não discuti, não


prolonguei a tortura.

Meus dedos a invadiram, ela os apertou e gemeu alto

quando, sem tirá-los de dentro, comecei a movimentá-los.


Começando devagar, pressionando o lugar certo, fiz o movimento
de chamá-la e ela quase gritou. Suas mãos vieram para os meus

ombros, tentando se segurar.


Larguei sua garganta e a deitei na mesa, indo para cima dela,

apoiando seu pescoço naquele espaço estreito, não querendo


perder nenhum detalhe.

O som da sua boceta encharcada contra meus dedos me


fazia querer mais.

Uma de suas mãos desceram pelo meu peito, indo para


baixo, agarrando meu pau de novo. No primeiro movimento de sobe
e desce, descobri que eu pingava de tesão tanto quanto ela.

Precisei fechar os olhos, respirando fundo enquanto mordia o


lábio e abaixava a cabeça contra seu peito.

Meus dedos mudaram de ritmo como castigo. Ela tentou

conter os gemidos, mas desistiu e descontou com a mão sobre o


meu pau na punheta mais deliciosa que alguém já tinha batido para
mim.

Movi o rosto para o lado, arranhando sua pele, já

avermelhada e marcada, com minha barba.

Ela tentou rir, mas meu polegar girou em cima de seu clitóris
enquanto minha língua relaxada lambia seu peito, abraçando todo o

mamilo direito em um beijo lento, duro, tão intenso que a fez erguer
o peito e deitar a cabeça para trás, me oferecendo mais de si.
Meu polegar dançou em sua boceta, meus dedos

aumentaram mais um pouco o ritmo.

A mão de Valentina em meu pau ficou imóvel e eu agradeci o


ato, uma vez que precisava de concentração. Ainda assim, me

sentia pulsar, quente como se pudesse derreter, e isso só piorou


quando ela, descontrolada, me agarrou de qualquer jeito a camisa,
me arranhando sobre o tecido, quase gritando à medida que a

pressão nos meus dedos os comprimia com ainda mais força.

Minha digital sobre o ponto inchado dela escorregava fácil, e


a reação de Valentina me obrigou a mordiscar seu mamilo e erguer

o rosto para encará-la conforme a mamava, sedento.

Era como uma visão divina.

Queria eu poder nos assistir.

Seu gemido alto, sua boca entreaberta, os olhos, que

pareceram não acreditar na realidade daquilo, não se sustentaram


sobre os meus e ela pendeu a cabeça para trás.

Seus braços amoleceram, me soltando. Seu sorriso, de lábios

cheios de batom borrado, era a coisa mais bonita que eu já tinha


colocado os olhos.
Mas, como era o demônio em forma de gente, lentamente,
parecendo fazer de propósito, quando tirei os dedos de dentro dela,
Valentina pegou minha mão com seu gozo empapando meus dedos

e os trouxe até seus mamilos. Guiando minha mão, ela os rodeou e


erguendo-a até o seu rosto dessa vez, com os olhos nos meus

como ímãs, ela pediu:

— Me prove.

E então, atrevida, sensual e pronta para acabar comigo, ela

enfiou meus dedos na boca.

Fechei os olhos, sentindo o calor da sua língua conforme a


garota a usava para limpar qualquer resquício de si da minha mão e

obedeci, subordinado seu que era, provando seu gosto na pele,


sabendo que queria mesmo era enfiar a cara entre suas pernas e
beber de sua boceta.

Aquela amostra do seu sabor agridoce e seu cheiro intenso


só me fez ter mais vontade.

Saí de cima dela, pronto para fazê-lo, esquecendo que

éramos assistidos, que aquilo deveria ser algo pontual e falso, mas
a garota se sentou, fechando as pernas e descendo para a mesa.
— Volte, eu não terminei. — Tentei obrigá-la a voltar para a
posição que estava, mas ela segurou minha mão em seu ombro e
negou com a cabeça.

— Agora é minha vez.

E com um sorriso devasso no rosto, ela ficou de joelhos como


a porra de uma selvagem, e sem tirar os olhos dos meus, segurou
meu pau com ambas as mãos na altura do seu rosto e colocou a
língua para fora, provocando a cabeça inchada e melada com
lambidas curtas enquanto me masturbava.

Precisei tomar fôlego.

Suspirei pesado e endireitei a postura, ou me derreteria junto

àquela pequena filha da puta.

— Pelo seu gosto — ela o lambeu, seus olhos queimando


nos meus, parecendo estar se divertindo —, acho que você quer

gozar assim desde… — Ela não completou, não podia.

Mas sim, era verdade. Eu queria fodê-la desde o momento


em que coloquei os olhos nela naquela porra de boate.

Eu pensei nela em cada merda de segundo desde que a vi.

E meu pau sofreu daquela vontade incontrolável e insaciável


até aquele segundo, quando, segurando-o pela base, ela veio com a
língua quente e úmida, relaxada, lambendo minhas bolas, então
todo o comprimento. Seus olhos baixaram, seus cílios e pálpebras
pintadas pareceram uma obra de arte, mas quando sua língua
chegou à ponta, ela me encarou.

Seus olhos escuros, violentos, um abismo sem fim.

E eu caí.

Beijando a cabeça com os lábios fechados, sem tirar os olhos


dos meus, colocou de novo a língua para fora e a girou por toda a
parte rosada, lambendo todo o meu tesão, me causando uma

pressão maldita nas bolas cheias, ela provou meu gosto estalando
os lábios e sorriu em aprovação.

Não consegui me mover. Parecia envenenado, paralisado,


tudo por causa daqueles malditos olhos castanhos. Tudo porque,

lentamente, ela aproximou minha glande de novo dos lábios e o


enfiou na boca pouco a pouco, brincando com a pressão da
mamada, forçando a língua em partes que eu não sabia que ela
podia.

— Caralho… — xinguei baixo e fechei os olhos, pendendo a


cabeça para trás depois da visão do meu pau grosso engolido até a
metade por aquela boca.
Não satisfeita, ela começou a massagear minhas bolas,
forçando-me até o limite de sua garganta.

Foi a minha vez de tentar reprimir um gemido.

Valentina provava ali ser uma profissional, e tirando


lentamente meu pau da boca, deixando-o brilhante com sua saliva,
ela o masturbou e pediu:

— Não se segure, daddy. Quero você na minha boca. — O


tom baixo e sensual conseguiu arrancar de mim tudo e mais um
pouco.

Era língua, boca, calor, saliva.

Era ela em um vaivém lento, então suas sugadas ficaram


intensas, e suas mãos massageavam minhas bolas que pareciam

cada vez mais pesadas.

E eu gemi, não esperando por uma ordem, um pedido.

Forcei o corpo dela para trás, segurando-a pelos cabelos, e


tendo Valentina com a cabeça imóvel e os olhos nos meus, aqueles
malditos olhos, eu fodi sua boca, forçando os quadris para frente,
tentando ir além do limite, ouvindo o som de sua respiração difícil,
vendo a saliva escorrer por seu rosto.
Cedi um pouco, retraindo os quadris depois de me sentir
perdendo o controle, mas ela percebeu e não permitiu. Suas mãos
vieram para minha bunda, seus olhos desceram, liberando os meus
e ela começou seu movimento de vaivém com a cabeça.

Não dava para correr. Gemi pesado, baixo, rouco, e mal


consegui me conter antes de avisá-la:

— Eu…

E era tarde demais.

Seus olhos subiram de repente, me prendendo, sacudindo,


enlouquecendo, e eu gozei forte, de forma avassaladora, urrando
conforme me curvava para frente, apoiando as mãos na mesa,

olhando para ela embaixo de mim recebendo cada um dos jatos de


porra que contive no meu desejo proibido pela puta que dormia ao
meu lado, pela garota que eu não queria violar.

Enchi sua boca a um ponto que suas bochechas inflaram, vi


meu gozo escorrer pelo seu queixo junto de saliva, mas me
surpreendi ao vê-la engolir quase tudo de uma vez.

Minha respiração queimava nos pulmões.

Meu coração batia na garganta.

Eu não conseguia desviar os olhos dos dela.


Não conseguia pensar no que faria depois.

Por mim, eu a colocaria de pé, beijaria sua boca, e


recomeçaria do zero.

Mas a porta se abriu, nós dois fomos obrigados a olhar


naquela direção, e lá estava John Davis, parecendo, mais do que
nunca, louco por Valentina.

Rápido, me afastei dela, sendo rápido em organizar a


pequena bagunça que nós éramos. Joguei meu paletó em seus
braços, coloquei-a de pé e limpei seu queixo com a manga da
camisa, me sujando de saliva, porra e batom.

Respirei fundo, lambi os lábios e, vendo que ela estava um


pouco mais apresentável, me virei para encarar o nosso espectador.

— Davis, nós… — Antes que eu pudesse começar com meu

discurso, ele ergueu a mão, me calando.

— Olívia, querida, há um banheiro ali naquela porta. — O


homem apontou. — Sinta-se à vontade.

Ela e eu trocamos um olhar emblemático.

— Vá — confirmei o que fazer a seguir e ela seguiu.


Um silêncio constrangedor tomou a sala assim que ela se
retirou.

— Olívia é uma mulher e tanto, difícil de resistir, não?

Coloquei as mãos nos bolsos e dei um sorriso malandro,


deitando um pouco a cabeça de lado conforme dava de ombros.

— Ela me deixa louco, mas fode como ninguém.

O sorriso aproveitador de Davis surgiu.

Ele parecia monstruoso.

— Você e ela já participaram de alguma festa privada?

Juntei as sobrancelhas, me fazendo de desentendido.

— Como?

— Uma reunião sem preconceitos, onde todos podem fazer o


que quiserem, com quem desejarem, se for consentido, obviamente.

— Olívia nunca participou disso — fui rápido em protegê-la.

— Mas e você?

— Qual homem nunca participou de uma orgia ou frequentou


um puteiro? — Os olhos dele brilharam com minha confirmação. —
Mas não sei se quero dividir Olívia com vocês. Se isso for
obrigatório, estamos fora. — Aquilo era um ponto sem retorno.
— Acho que você pode mudar de ideia. Gostaria de convidá-
los para a próxima festa, se estiverem de acordo com as regras. —
O ouro havia sido colocado na mesa.

— Quais as regras? — Endureci minha expressão, como se


houvesse alguma dificuldade naquilo.

— Preciso do exame de sangue de ambos, se estiverem


limpos, venham para uma festa na piscina. Celulares são proibidos,
caso vocês tragam, ficarão com os seguranças na entrada e
poderão pegá-los de volta quando saírem.

A ideia de pedir exames de sangue dela me deixou agoniado.

Valentina tinha fodido com metade do mundo, será que era


limpa?

— E sobre treparem com ela? — perguntei direto.

— Ela só fará isso com quem quiser, não é um lugar para


problemas. Muitos de nós apreciariam ver mais disso o que vi agora
e, quem sabe, vocês vendo os outros, não se aventurem? — Seu
sorriso felino me fez querer socá-lo. — Estamos vivendo o
momento, não?

Bem nessa hora, Valentina apareceu recomposta.


— Andrew, podemos ir? — com o tom mais inocente do

mundo, ela perguntou, vindo até mim e me abraçando.

Logo que ela surgiu, perdi a atenção de Davis.

— Acabei de convidar seu parceiro para uma tarde de


diversão adulta. Espero que vocês pensem em minha proposta com
carinho, Olívia. Estou ansioso para vê-la em ação novamente. — E
nos dando as costas, Davis saiu.

A cada passo dele no corredor, o alerta da morte badalou nos


meus ouvidos.

Ela sapateava, parecendo achar graça por eu perder o rumo


daquela forma.

Eu avisei, eu avisei, eu avisei — ela cantarolava na minha


cabeça.

Daquela vez, eu não tinha nada a dizer.


 
 
 
Eu não quero saber todos os seus segredos porque eu vou contar
Já é difícil estar sozinho comigo mesmo
Eu não sei quanto tempo vou aguentar
Eu sei que você tentou o seu melhor, eu sei que você quis dizer bem
Mas você me empurrou para a borda e eu escorreguei e depois caí
Eu não sei quanto tempo vou aguentar
like a villian, bad omens
 

Não conseguia encará-la sem pensar na visão do meu pau

em sua boca.

Não conseguia falar com ela por pensar nela engolindo minha
porra.

Aquilo ia me destruir.

Por sorte, Valentina notou que eu precisava de espaço e não


invadiu minha bolha. Quando chegamos ao quarto do hotel,

enquanto eu ia para a varanda, fumar e tentar limpar a cabeça, ela


se virou na direção do banheiro.

Naquela noite, eu não conseguiria fingir normalidade, e em

fuga, apaguei todas as luzes e deitei antes dela voltar.

O plano era pegar no sono, mas o cheiro da pele dela

pareceu tomar todo o quarto quando Valentina saiu do banheiro.


Abri os olhos, alerta, xingando mentalmente antes de me conter e

voltar a fechá-los.
Suave, usando uma das camisolas que eu me arrependia

amargamente de ter comprado, com as costas nuas ela se deitou e,


depois de um suspiro pesado, virou-se para mim.

Seus olhos, mesmo no escuro, brilhavam feito duas pérolas


negras.

— Quer conversar sobre o que houve?

— Não. Nós sabíamos que teria que acontecer — fui rude,

mas ela não deu a mínima.

Seu rosto continuava uma máscara passiva, me dando um


sorriso discreto com os lábios fechados, parecendo sonhadora

demais.

— Você ouviu a conversa com Davis?

Ela confirmou com a cabeça.

— Está preocupado com meus exames? — Confirmei com a


cabeça sua suspeita — Não se preocupe, é uma das coisas do meu

currículo não ter nenhuma IST. Arthur ganha muito me oferecendo a

clientes especiais. Cada hora comigo vale vinte e sete mil. Ninguém

pagaria isso para correr riscos, então a exigência da casa são

exames feitos na última semana antes de encontrarem comigo. —

Suspirei, aliviado.
— Ótimo chefe. — Minha acidez a fez abrir o sorriso.

— Também tenho um chip anticoncepcional no braço para

evitar gravidez também, porque…  — A voz dela foi sumindo e seu

olhar se perdendo. Valentina engoliu em seco, guardando para si a

informação. — Enfim, isso não é um problema também.

— Eu acho que também não tenho nada, mas ainda assim,


vamos ter que fazer os exames, de qualquer forma.

Paramos por um longo minuto, nos encarando, e foi ela quem

rompeu a bolha que se formava.

Lentamente, sua mão veio pelo lençol e subiu pelo meu

braço. Não me movi.

Fitei seus dedos subindo por minha pele, as unhas afiadas

marcando o caminho, então ela os juntou sobre meu pulso, e os

abriu logo em seguida, pousando sua mão sobre a minha.

A diferença de tamanho era ridícula. Seus dedos pequenos,

finos, de unhas compridas sumiram quando os cobri com os meus


antes de pensar no que fazia.

Era tarde demais. Entrelaçamos os dedos e ambos

sussurramos na mesma hora:

— Então nós vamos mesmo fazer isso…


Meus olhos voltaram aos dela, prestando atenção no que ela

dizia com a voz dócil.

— Acha que será fácil matá-lo?

— Primeiro, preciso entender o ambiente dessas festas, se


matá-lo em uma delas e for tudo tão fechado como parece, talvez
seja ainda mais proveitoso. Mas não temos noção de quantas

pessoas estarão presentes e o que exatamente acontece nesse


ambiente.

— O que acontece, nós sabemos. Agora, o que você vai


fazer com os documentos que viu hoje? Tinha algo que prestava?

Eu me esqueci completamente deles na minha ânsia de fugir

dela, e naquele momento estávamos deitados, frente a frente, de


mãos dadas.

— Vou trabalhar amanhã, o dia de hoje já me deu muito o


que pensar.

Seus olhos sorriram para mim.

Merda — xinguei mentalmente, sabendo que aquilo me

afetava muito mais do que qualquer outra vez.

Fechei os olhos, pronto para adormecer, e quando estava


quase em outro mundo, senti sua mão livre tocar meu cabelo, minha
testa, meus olhos e a curva do meu nariz.

Aquilo não era sexual.

Aquilo era mais, e eu nunca me permitia mais, mas ainda

assim, meus dedos coçaram para retribuir.

Contive-me com muito esforço, sentindo a vontade corroer

minhas veias, e adormeci.

Eu precisava dar um jeito naquilo, e não podia demorar.


 

 
Minha decisão só se fortaleceu na manhã seguinte.

No começo, sem entender o que acontecia, apertei a


superfície macia onde minha mão estava pousada e arregalei os

olhos quando entendi a situação.

O que eu apertava era o seu seio.

O que ela roçava contra o meu pau duro, era sua bunda.

Afastei-me no susto.

— Caralho. — Minha voz mais grossa não a assustou.


Ela nem se abalou.

Espreguiçou-se, ronronando como uma gata, e com a

camisola meio solta, exibindo o seio que eu segurava, ela me


encarou como se nada de mais estivesse acontecendo.

— Eu vou voltar a dormir no sofá — anunciei.

— Não. — Seus olhos se estreitaram, direto nos meus, me


recriminando por dizer aquilo. — Eu gosto de dividir a cama com

você.

— Não quero que você me pague pela promessa de te tirar


da vida de merda que você leva. — Minha seriedade foi quebrada

pelo sorriso que começou a crescer em seu rosto.

Valentina, apoiada no cotovelo, deitou a cabeça para trás

enquanto gargalhava.

— Você acha mesmo que é algum tipo de troca? — ela


questionou cheia de veneno.

— Acho que você está demonstrando gratidão da única forma


que sabe, e eu não quero que você faça nada obrigada. Não quero

que se submeta a qualquer coisa comigo só porque… — Ela me


interrompeu, gargalhando de novo, mais alto daquela vez.
— Você não entende mesmo, não é? — Ela mal tinha
acordado e era a dona de tudo.

Seu tom de voz, seu poder do momento, a forma como


tomava a situação, tudo me atraía.

— O quê? — Me senti perdido.

— Que você é um homem mais decente que a maioria.

— Não sou — rebati.

— É, sim. — Profunda em sua afirmação, ela não abriria

discussão, mas continuei:

— Você é uma criança — justifiquei sua ilusão.

— Não sou. Há muito tempo, eu não sou. — Seus olhos

gritaram autoridade naquela verdade.

— Tenho idade para ser seu pai. — Tentei fugir mais uma
vez.

— Já fodi com caras com idade para serem avôs. Eu não


ligo. — Fria, a resposta dela veio como um chicote.

— Mas eu me importo, porra! — gritei de volta, perdendo a

paciência.

Seus olhos felinos me mediram e ficamos em silêncio.


Minha garganta queimava de nervoso.

Não cedi e não me movi.

Vendo que o impasse ficaria daquela forma, ela se sentou e


só então notei que já estava sentado.

— Certo. Chegamos ao ponto em que eu descubro que o que

você faz e o que você é são mais distantes do que você mesmo
enxerga, mas não negue que me queria ontem, antes e hoje

também — incisiva, aparentemente furiosa, ela ficou sobre os

joelhos.

Evitei encará-la, passei as mãos pelo rosto e pelo cabelo,

sabendo que o saía da minha boca me condenava para sempre.

— Eu não nego. — O peso daquilo apertou meu ombros. —

Mas não quero misturar as coisas.

— Não estou te pedindo um romance — rebateu rápido.

Olhei-a de canto.

— Não poderia dá-lo a você nem se quisesse.

Valentina se curvou para mim, ameaçando vir na minha


direção.

— Então foda comigo.


Levantei num pulo, sem constrangimento algum por estar

duro daquela forma.

— Quando precisar — soprei. — Você passou metade da


vida precisando trepar…

— Com homens que eu não queria. — Ela voltou sobre os


joelhos, cuspindo as palavras. — Agora encontrei um que quero,

mas que é covarde demais para assumir que quer me foder de

volta. Qual é o problema, Benjamin? Tem medo de se apaixonar


pela boceta de uma puta? Faça-me o favor. — E pulando para fora

da cama, passando por mim, ela arrancou a camisola, revelando o

corpo nu, sem se preocupar em fechar a porta do banheiro.

Dei as costas a ela, encarei o teto e, apoiando as mãos na

cintura, respirei fundo.

A morte me alertou — pensei. —  Agora eu que lide com essa

merda.
 

 
Sabendo que precisava recuar, me troquei e cuidei apenas do

meu café.

Quando Valentina veio vestindo calcinha e sutiã, me

concentrei ainda mais nas fotos que apareciam na tela do notebook.


Ainda assim, vez ou outra, escapei o olhar para o espelho em volta

de um porta-retratos para espiá-la enquanto se vestia.

Continuei a mexer no notebook, analisando os documentos.

— Quando vamos continuar o treinamento? — Ela parou ao

meu lado, com a mão em cima da poltrona.

— Hoje. Depois dos exames — fui ríspido.

— Ótimo — ela devolveu, sentando no braço da poltrona,


tocando a coxa no meu braço. — E o que descobriu de ontem?

— Comprovantes, documentos de alianças do governo,


muitas fotos de crianças desaparecidas e ficha de ex-detentos… —

A foto de CJ apareceu logo na ficha seguinte. A sensação de algo

errado me cutucou. — Você sabe de algo dos caras que trabalham

para Arthur?

Negando com a cabeça, ela conferiu as unhas.

— É um conjunto de ex-presidiários ou gente que quase foi

parar na cadeia. Sinceramente, eles só não forçam as garotas


porque sabem que Arthur os mataria.

Parei um tempo, pensando o que tudo aquilo significava.

Fechei o notebook, concentrado, e falei para ela:

— Termine seu café e vamos logo. — Meu celular brilhou e a


mensagem de Magnus apareceu na tela. — O dia hoje vai ser cheio.
 
 
Não resta nada que me impeça de desistir?
Que previna as paredes de desmoronarem
Quando tudo o que fazem é tentar destruir
Será que há perdão no final?
Preciso de alívio
(Uma falha se aproxima)
Apenas respire fundo
(Está demorando mais do que devia)
Eu tinha você comigo, mas você está se esvaindo
Evoque o pior em mim
E agora tudo está acabado
Acho que estou desistindo
Você liberta meus demônios
the worst in me, bad omens.
 

Valentina era esperta e safa, treiná-la dava trabalho, mas isso

era sinal de que estávamos no caminho certo. Depois de tanto


contato físico, minha cabeça estava cansada de tentar controlar o

instinto de devorá-la toda vez que a imobilizava ou que ela vinha


para cima.

Talvez eu devesse mesmo contratar alguém para fazer aquilo


no meu lugar, ainda assim, me surpreendi quando ela pediu para
atirar de novo.

Como não tinha levado o material todo, precisamos usar

minha arma e as balas de verdade, mas, no final das contas, tirando


a forma como ela se apoiava em mim e me encarava vez ou outra,

mantivemos a compostura.

Estava pronto para parabenizá-la pela evolução quando meu

telefone tocou.

Pela mensagem de mais cedo, eu sabia quem era, e me

afastei dela para poder atender em paz.


— Está sobrevivendo? — A voz de Léo do outro lado da linha

me fez sorrir.

— Se não estivesse, você saberia.

— E como vão as coisas? — Olhei sobre o ombro, vendo


Valentina medir o lugar cheio de escombros da construção

abandonada, procurando onde poderia se sentar.

— Estou focado na missão para a qual fui contratado, e

vocês? Se perderam?

— O capitão enfiou a gente em uma furada. Viemos buscar


um carregamento, mas tudo está atrasado… ainda assim, se não

chegar tudo até amanhã, vamos abandonar.

— É o certo. Quando voltam?

— Semana que vem. Estou morto de cansaço e pronto para ir

com vocês de novo a Perdición. Aposto que você já comeu todas as

mulheres daquele lugar.

Ri, sem graça.

— Na verdade, nunca mais coloquei os pés lá.

O silêncio do outro lado quase me fez conferir a tela para ver

se a ligação tinha caído, mas Leonardo perguntou do outro lado da


linha:
— Você está doente? — Seu tom preocupado me relaxou.

— Estou trabalhando — justifiquei.

— E ficou doente — ele zombou de mim. — Porque trabalhar

nunca te impediu de meter o pau em ninguém.

Procurei Valentina de novo com os olhos e a encontrei


sentada, abraçada aos joelhos, encarando o pôr do sol. Parecia

quase comum.

Dei um suspiro profundo e voltei a encarar o outro lado.

— As coisas estão diferentes desta vez.

Em um nível que ele nem sonhava.

— Certo. Não morra e não se meta em confusão. Estamos

voltando logo, até semana que vem.

— Até. — Aquela despedida me bastava.

Guardei o celular no bolso, tomei fôlego e fui para perto de


Valentina.

— Você tem uma família? — A pergunta dela me quebrou no

meio do caminho. Parei quase em frente a ela e processei o que

queria saber.

— Mais ou menos — relaxei.


— Como se tem mais ou menos uma família? — Ela apertava

os olhos contra a luz e me mediu, achando minha resposta ridícula.

— Magnus e Leonardo são os mais próximos disso.

— Quem são eles? — Ofereci minha mão para erguê-la e ela


aceitou.

— Você provavelmente vai conhecê-los. — Tentei encerrar o


assunto, dando as costas enquanto ela limpava a sujeira da calça

de moletom lilás.

Não deu dois segundos, ela estava ao meu lado.

— E sua família original? A de sangue?

Estranhei a curiosidade, mas respondi logo:

— Não tenho isso.

— Morreram? — ela tentou adivinhar.

— Sim. — E mostrando que eu não era o que ela pensava


que eu fosse, concluí, abrindo a porta do carro para que ela

entrasse: — Eu os matei.

Ela parou antes de entrar, me encarou procurando a mentira


nos meus olhos e quando não encontrou, em vez de calar e seguir,
perguntou:
— Por quê?

Suspirei.

— Longa história. Vamos? — Indiquei o carro com a cabeça

e, sem gostar do meu corte, ela entrou.

Bati a porta e fui para o meu lado, entrando no carro e

colocando o som alto, evitando conversa que não queria ter.

Precisava ter cuidado com Valentina, ou ela comeria minha


cabeça.

Precisava mantê-la do lado de fora da porta.

Precisava…

Minha linha de raciocínio foi cortada quando ela,


despretensiosamente, colocou a mão sobre minha perna e a

descansou lá.

Eu deveria afastá-la. Deveria impor o limite direito. Mas tudo

o que fiz foi calar, sendo torturado pouco a pouco pelo calor que
irradiava de onde ela mantinha o toque.

O plano de jantar no apartamento e ficar mais tempo apenas


ela e eu, não parecia bom, não quando meu cérebro piscava e
gritava “distância” a cada dois segundos. Foi por isso que escolhi
um dos restaurantes que ainda não tínhamos ido. O lugar próximo à
praia tinha formato de pirâmide e brilhava em luzes douradas.

— Será que tem hambúrguer aqui? — chateada, foi a

primeira coisa que Valentina perguntou quando peguei sua mão e


me fez rir, negando com a cabeça. — Droga.

Estávamos entrando pela porta, prontos para esperar alguém


vir nos guiar até a mesa, mas antes disso, fomos reconhecidos.

— Olívia! — uma voz feminina e incrivelmente animada

chamou e nós dois viramos para olhar.

Três casais, amigos de Davis, estavam lá.

— Merda. Agora que eu não vou poder mesmo comer um

hambúrguer — ela reclamou entredentes.

Mantive a postura séria, mesmo que quisesse sorrir ao vê-la


daquela forma.

— Venham se sentar aqui. — A garota de cabelos vermelhos


tingidos do outro dia se ergueu, animada.

— Precisamos? — ela perguntou baixinho, olhando para mim

primeiro.
Pensei rápido. Quanto mais contato, menos chance de
sermos alvos de qualquer suspeita.

Confirmei com a cabeça e ela respirou fundo, pintando o


sorriso no rosto, vestindo a personagem. Apoiei a mão na base de

sua coluna e a guiei para perto daquela gente que achava que
éramos os melhores amigos do mundo.

Trouxeram mais uma mesa, nós nos sentamos um de frente

para o outro e a mesa inteira voltou a atenção para nós. Puxei papo
com o homem ao meu lado, o herdeiro de um banco, e desenrolei

assuntos frívolos, até encontrar algo em comum. Ele adorava futebol

e se empolgou para conduzir o assunto, principalmente, quando

esbarramos em apostas esportivas.

Preferi me enfiar nesse assunto a entender o que rolava do

outro lado da mesa.

As garotas falavam sobre astrologia, arquétipos e toda a

besteira de misticismo possível.

Prestei atenção quando perguntaram se Valentina usava

alguma coisa daquela e ela riu, negando, mas pedindo para saber

mais, parecendo genuinamente interessada.


Nós jantamos, cada um em sua bolha de conversa, e quando

pediram as sobremesas, as garotas começaram a se movimentar. A


jovem mística fez Valentina se erguer para sentar onde estava e,

sem perguntar se podia, ela veio se sentar no meu colo.

Com o traseiro bem-posicionado sobre o meu pau e o corpo

curvado para frente, com os cotovelos sobre a mesa, Valentina

fingiu estar prestando atenção em tudo o que a menina dizia.

— Andrew não acredita em nada disso, não é, daddy? — ela

chamou minha atenção, dizendo isso entre risos enquanto se

movimentava contra mim.

Para obrigá-la a parar, segurei em sua cintura com força e fiz

a maior merda que poderia naquele momento, parando para

analisar o corpo de Valentina sobre o meu, à medida que ela se


forçava contra mim.

Meu pau respondeu o comando dela de imediato.

— Cachorra — rosnei baixo conforme virava o rosto e ela me

olhou sobre o ombro, fingindo que nada acontecia.

— Não? — a garota com penteado excêntrico do outro lado

da mesa perguntou com uma das sobrancelhas erguidas, enquanto


embaralhava um bolo de cartas na mão, me encarando como se

fosse um absurdo discordar dela.

— Não o quê? Perdi o assunto — me defendi.

— Você tem uma religião, Andrew?

Neguei com a cabeça.

— E no que acredita que acontece quando morremos?

— Não acredito em Deus, mas acredito na morte. Quando ela

nos leva, tudo acaba. Não tem aquela coisa toda de

arrependimento, julgamento e tudo mais. Tem o aqui e agora. — Dei


de ombros.

— E você, Olívia? Pensa diferente?

Naquele momento, a personagem estava de fora.

— Não. Penso exatamente como ele.

— Hm… — A menina não gostou de ouvir aquela resposta e

ofereceu o baralho a ela, pedindo: — Posso tirar para você? É

rápido. — A garota no meu colo confirmou com a cabeça. — Então


assopre três vezes.

Valentina obedeceu e riu de nervoso quando a outra


espalhou as cartas na mesa.
— Escolha três.

As cartas pretas tinham desenhos de caveira.

Uma queimação suave começou do meu lado esquerdo


enquanto eu espiava as cartas que a garota arrastava para fora da

fila de cartas.

A primeira era a carta do carro.

A segunda, a dos amantes.

A terceira, a da morte.

Ouvi seu riso.

Senti o gosto metálico de sangue na boca.

Meu lado esquerdo do corpo pegou fogo.

— Vamos embora — falei, fechando a cara.

Valentina pulou do meu colo, ninguém entendendo meu mau


humor repentino.

— Ei — um dos homens chamou. — Soubemos que foram

convidados para a festa privada na casa de John Davis. Vocês vão?

Respirei fundo, puxando Valentina para mim.

— Ainda estamos pensando sobre… — ela respondeu.


— Espero que decidam ir logo, seria demais ter os dois lá. —

A garota de cabelos vermelhos nos mediu, ambos, com cobiça.

Saímos do restaurante pagando a conta na recepção.

Não me importei se falariam de mim pelas costas.

Naquele momento, eu só precisava fumar e pensar em qual

recado a morte me dava.

Quando os olhos escuros de Valentina tentaram me ler


quando a coloquei dentro do carro naquela noite, temi entender o

recado de forma clara demais.

Ela era minha morte.

Ou eu seria a dela.

O problema todo era que eu não recuaria.

Era tarde demais para voltar atrás.


 
 
 
Você conhece o trato
Não faça promessas, promessas
Me faz voar alto
Bem onde você me quer
Veja, me veja queimar
Bem onde você me quer
Diminua a luz, minha canção de ninar
Me toque agora, pare de fingir
Foda-se, me veja queimar
watch me burn, michelle morrone
 

Nunca odiei tanto esperar quanto naqueles três dias.

O exame tinha um prazo para ficar pronto, e eu, depois

daquela maldita carta da morte, resolvi me recolher com ela no


apartamento. No começo, não foi difícil. Ela dormiu, viu todos os
filmes que queria, comeu tudo o que tinha vontade, mas quando se

entediou, me provocar começou a ser sua diversão.

Foram dois dias infernais, tanto que, na última noite, na hora


em que ela foi para a cama, me esperando deitar para começar a
tortura, cortei suas perversas intenções pegando o travesseiro e

indo para o sofá.

Valentina se sentou na cama, surpresa, e sem esconder sua

frustração, bateu as mãos no colchão e bufou.

— Você não vai dormir aqui? — Seu lado infantil se

sobressaiu.
— Não. O sofá está de bom tamanho para mim. — Tentei não

dar muita ênfase.

Deitei-me de barriga para cima, coloquei as mãos sobre o

peito e fechei os olhos.

Estava pronto para dormir, quando ela veio devagar.

O peso do corpo dela sobre o meu me assustou, mas


Valentina se aproveitou do fato de eu erguer os braços, e

escorregou para o vão entre meu corpo e o sofá, me abraçando,

deitando com a cabeça sobre o meu peito, jogando a perna por cima
da minha.

— Valentina? — chamei-a.

— O que é? — Ergueu a cabeça e me encarou como se não

houvesse nada estranho acontecendo.

— O que é que você está fazendo?

— Dormindo com você. — A resposta tão natural veio junto

de um suspiro,  enquanto ela se aconchegava no meu peito de

novo.

— Há alguma forma de você desistir disso? — Já estava

cansado daquilo.
— Não — direta, eu sabia que ela sorria quando foi minha
vez de suspirar, me dando por vencido.

— Então durma. Se eu pegar você com as mãos onde não

deve, juro que vou te amarrar.

— Isso deveria ser uma proposta para me afastar? — Suas

unhas vieram avançando por cima do cós da minha bermuda, bem


em cima da minha tatuagem mais baixa.

— Valentina, porra. — Meu nível de estresse ou ia me

infartar, ou me fazer perder a cabeça e dar logo o que ela queria.

— Eu estou brincando — ela reclamou, parando o que fazia,

mas não tirando a mão de onde estava.

De repente, seus dedos sentiram o relevo do machucado que

eu ganhei na briga com os ladrões de carga.

— O que é isso? — Intrigada, ela não parou de tocar o

machucado quase que completamente fechado.

— Uma futura cicatriz.

— E como a ganhou?

— Em uma entrega malfeita — tentei cortá-la.

— E isso costuma acontecer?


— Não. Boa noite, Valen. — Eu só queria encerrar o assunto

logo.

— Boa noite, Ben — ela sussurrou de volta.

E ali no sofá, ela e eu abraçados, nós finalmente dormimos.

Na manhã seguinte, acordei sentindo seu carinho nas minhas

costelas. Valentina estava deitada em cima de mim, quieta, me


esperando acordar.

Ela notou assim que o fiz pela mudança na minha respiração,


e perguntou:

— Você não vai deixar ninguém mais tocar em mim, vai?

Não era medo em sua pergunta, mas expectativa.

Valentina queria ser protegida.

— Nunca. — Me espreguicei e ela apoiou o queixo no meu


peito, medindo minha expressão.

— Jura? — ela me provou.

— Eu juro. — Fui tão sério quanto ela na minha resposta e,

logo em seguida, ela se ergueu.


— Dormimos na cama hoje. O sofá não foi feito para isso —

Valen disse isso se espreguiçando, sua bunda ficando de fora,


conforme se esticava. Quis rir.

Grande filha da puta ela era.

— Chegaram os exames — avisei quando deixaram o


envelope na porta.

— E está tudo certo? — Ela só ergueu a cabeça, parecendo


curiosa.

De repente, aquela mesma curiosidade despertou em mim.

Eu raramente fodia sem camisinha. Não queria filhos, ou


qualquer outro tipo de consequência do sexo que não fosse prazer.

Mas depois de tanto tempo, fodendo tanto por aí, bateu o medo de
ter contraído algo.

Abri o envelope de forma um pouco estúpida e comecei a

procurar pela palavra positivo, nos meus exames e nos dela.


Quando larguei a pilha sobre o balcão, relaxei os ombros, notando o
quão ansioso eu estava para aquelas respostas.
— Estamos limpos — anunciei como se não tivesse outra
opção.

— Eu te avisei sobre mim. — Ela lambeu o dedo e se esticou


para pegar calda para suas panquecas.

— É, mas ainda assim, sempre é bom ter provas. — Bati o

dedo sobre os papéis e ela sorriu, debochando.

— Sendo assim, estamos liberados para hoje?

— Vou mandar algumas mensagens, mas sim.

— O que eu visto? — Ela virou o rosto na minha direção de

novo, a boca cheia de açúcar em volta, aquele jeito primitivo de


comer quando não precisava se manter nas regras.

— Qualquer coisa. Vão querer te comer de qualquer jeito. —


Dei de ombros, saindo de perto, fingindo não me importar, fugindo

de qualquer provocação antes dela engolir a comida que tinha


acabado de enfiar na boca.
 

 
Depois de sair do banho de toalha, Valentina não se
preocupou em esconder nudez alguma. Ficou nua, revirou o
armário, e depois de colocar a parte de baixo de um biquíni

vermelho que a parte de trás sumia no meio da sua bunda, veio até
mim para eu amarrar a parte de cima.

Eu o fiz segurando o cigarro entre os lábios, e quando

terminei, ela soltou os cabelos e se virou para mim. Sua mão veio
para minha boca, ela tomou o cigarro e depois de dar uma tragada,

me devolveu.

— O que acha?

Não pude mais resistir, olhando cada parte do corpo dela


milimetricamente.

— Você parece quente — respondi, fugindo do seu olhar.

Ela sorriu, perversa.

— Está dizendo que sou gostosa? — Lá estava ela, pronta


para me infernizar.

Confirmei com a cabeça, tragando, não querendo dizer em


voz alta.

Valentina me pegou pelo queixo e balançou meu rosto.


— Mal sabe você o que te aguarda hoje. — O sorriso

maquiavélico continuava lá. — Vamos ver se você vai continuar


fugindo de mim depois disso.

Afastei sua mão e dei as costas.

Ela saiu rindo.

Ela sabia.

Eu sabia.

Ela tinha razão.

Como eu ia fugir da boceta dela depois de prová-la?

Fui para o banheiro, me arrumei e, colocando uma sunga na

mesma cor do biquíni que ela usava, vesti a roupa mais leve que

encontrei, porque o calor se tornava quase insuportável.

Coloquei minhas correntes, os anéis e o relógio antes de sair,

e assim que Valentina voltou da sacada, precisei parar no lugar,

antes de ir até ela no automático.

O vestido, se é que podia ser chamado assim, que ela usava

não passava de um pedaço de pano transparente.

Uma corda mantinha o tecido no lugar, prendendo-o no

pescoço, e era só isso que o sustentava, além dos elásticos nas


mangas. Por baixo da estampa de onça translúcida, o corpo de

Valentina parecia mais atrativo do que nunca. Dava para ver

claramente as marcas, umas mais fortes que outras, que eu havia


feito anteriormente na trilha que subia do meio dos seus seios até o

pescoço. Suas costas nuas também eram um problema, ainda mais

quando se olhava para o traseiro empinado, mal coberto pelo tecido

que deixava toda a popa da bunda de fora.

Os cabelos estavam presos com um prendedor diferente,

enrolados para o alto.

A pouca maquiagem que tinha na cara era só na parte dos

olhos. Cílios enormes e delineados da moda que eu não entendia

muito sobre.

Nas orelhas ela tinha brincos de argola, grandes e dourados.

— Está pronto?

— Estou. E você?

— Só te esperando… — ela soltou, me medindo de cima a

baixo, parecendo fazer a mesma análise que eu acabava de fazer

com ela. — Vão querer foder com você.

O tom dela não demonstrava emoção nenhuma e eu não

segurei o sorriso que quis surgir, indo até minha maleta, procurando
o que precisava.

— E isso é ruim? — provoquei sem pensar muito.

Ela não respondeu, fingindo que suas unhas eram mais


importantes do que eu.

— Venha aqui — pedi, erguendo o colar com pingente de

coração no ar. — Preciso que você faça exatamente o que eu


mandar. — Ela se aproximou e virou de costas, me deixando pousar

a peça nela.

— O que faremos exatamente desta vez?

— Até agora, conferindo nas câmeras, o computador de

Davis está largado no escritório. A festa já começou, e no ato falho


da preguiça, ele o largou lá. Este colar que você está usando, o

pingente se desmonta e vira uma entrada USB. Vou conectá-la ao

computador e, com isso, instalar um programa espião.

— Ou seja, precisamos de uma distração para subir de

novo… — ela concluiu quando consegui prender o fecho do colar

atrás de seu pescoço.

— Exatamente.

— Posso fazer isso. — Ela se virou para mim, o olhar intenso,

parecendo ansiosa pelo desafio.


— É só me acompanhar. Como não posso levar o celular, seu

colar é o item mais importante do dia para manter por perto.

Tentei pegá-la pelo queixo, mas Valentina moveu a cabeça e


mordiscou meu polegar.

— Estamos atrasados. — Sua resposta baixa e soprada fez


meu pulso acelerar.

— Damas na frente — falei depois de limpar a garganta,

usando o mesmo tom.

— Não sou uma dama. — Erguendo as sobrancelhas, me

provocando, ela deu um meio-sorriso e foi andando, me encarando


até não ter opção, a não ser olhar para a frente.

Do alto dos seus saltos, Valentina não tinha dúvidas sobre

seu poder.

Nem eu.
 

 
A mansão de Davis fechava um quarteirão.
A casa de fachada branca tinha um jardim imenso, e quando

Valentina e eu estacionamos na área sinalizada, a primeira coisa


que aconteceu foi sermos parados por um segurança.

— Nome e sobrenome, por favor — ele pediu, erguendo a

prancheta.

— Andrew Wilde e Olívia Johnson — avisei, notando que ele

perdeu pelo menos meio segundo olhando para Valentina.

O homem encontrou nossos nomes na lista, puxou o rádio e

falou rápido demais em espanhol para que eu entendesse algo.

— Podem seguir. O senhor Davis estava esperando por

vocês.

De mãos dadas com Valentina, carregando o envelope dos

exames na mão livre, seguimos juntos vendo, de fato, Davis

aparecer em seus trajes de banho no final da pequena trilha de

pedras.

— Bem-vindos — ele me cumprimentou e fez questão de

abraçar Valentina.

Ela não pareceu se importar.

— Aqui está o que pediu. — Ofereci o envelope e ele o


pegou, ansioso.
John Davis conferiu cada uma das páginas com muito
interesse, e quando não encontrou nenhuma irregularidade, sorriu

feito um predador, erguendo o rosto para nós.

— Celulares?

— Deixamos no hotel — Valentina foi quem respondeu,


parecendo entediada.

— Ótimo. Garanto que não vão se arrepender. Há muito o

que fazer lá dentro. Só vou precisar que passem pela revista antes,
é de praxe, mesmo que possamos ver que não há nada perigoso

com você, querida Olívia. — Ele não conseguia disfarçar o quanto

ela o encantava.

Tive medo de parecer tão idiota quanto ele.

— É aí que você se engana — zombei, puxando-a para mim


pela cintura, pensando que o pedido que ela me fez naquela manhã

não poderia ter um rumo diferente, já que a ideia das mãos grandes
daquele porco em cima dela me enojavam.

— Ainda assim, passem pela revista, deixem suas roupas na


chapelaria, e fiquem à vontade. Espero vocês lá dentro.

E lá foi ele para um lado e nós para o outro.


Os seguranças fizeram a revista mais ridícula que já vi na
vida. Levaram nossas roupas, nos deixando descalços e só com as
roupas de banho. Valentina manteve suas joias, eu também mantive

as minhas, e nós demos as mãos de novo, cúmplices, para adentrar


a sala de estar.

Os sofás estavam lotados de gente rindo, se beijando, se

masturbando.

Garotas gritando e dançando só com a parte de baixo do


biquíni, correndo para a piscina e pulando na água. Homens
observadores, escolhendo as presas do dia, olhavam todo o

cardápio disponível.

Um garçom passou por nós, em sua bandeja eu vi carreiras


de cocaína, baseados e doses de alguma bebida forte.

A festinha de Davis era realmente o lugar certo para matá-lo.

Procurei-o entre as pessoas ali e o vi com duas loiras no colo.


Apesar disso, seus olhos estavam na mulher ao meu lado e eu o

encarei sem muita simpatia, com o recado claro de que querer não
era poder.

Só quebrei o contato visual com ele porque Valen me puxou


pela mão, na direção da piscina, dos casais que tínhamos
encontrado dias antes no restaurante.

As garotas, sem exceção, já estavam completamente nuas


na água, dançando, beijando uma à outra, rindo, carregando suas

bebidas coloridas como se o mundo fora daquela casa não


existisse.

— Alguém batiza esses dois, por favor! — a garota ruiva, que

forcei a mente para lembrar o nome, pediu, erguendo seu copo na


nossa direção como se fosse um brinde.

— Agora! — Seu par, Robert Lamarca, um quarentão em

forma, dono de uma das maiores agências de publicidade do


mercado, veio para nos servir.

Tentei ter uma noção da proporção de pessoas ali, na minha


conta, pelo menos oitenta pessoas se espalhavam entre a área da

piscina e a sala.

Pouca gente, de uma bolha que não se intrometeria, nem


divulgaria nada da morte repentina de Davis no meio de um evento

daquele.

— Eu ainda não — recusei o copo de Robert, com um sorriso


amigável cheio de avisos sobre manter um limite.
— Mas eu sim. — Valentina roubou o copo da mão do
homem e virou a tequila, sem limão, sem sal, só o álcool.

Gritaram e bateram palma para ela e, no segundo seguinte, a


filha da mãe se jogou na piscina com as amigas falsas, tomando
cuidado para não se molhar das costelas para cima.

Agradeci o cuidado com o colar e ela entendeu meu alerta


quando trocou olhares comigo.

Arranjaram-me uma cerveja, me sentei na beira da piscina e


tentei acompanhar o jogo.

Todos os homens ali em volta se drogaram de alguma forma


nas horas seguintes, e conforme a tarde caía e as meninas
entravam no mesmo ritmo, coisas começaram a acontecer.

Uma garota de fora da roda veio chupar Robert, a garota de


Robert se afastou e foi beijar um homem que eu não tinha visto
antes, enquanto outro a masturbava e sugava os seios.

Valentina já tinha dado selinho em todas as meninas em volta


de si e, depois de entender o que estava acontecendo, me encarou
e ergueu as sobrancelhas, como um aviso.

O garçom passou, ela se adiantou para ele e virou duas

doses do que ele servia, e mandando-o esperar, saiu da água com


todos os olhos em cima dela, pegou o último copo cheio da bandeja

e veio até mim, parou nas minhas costas e se curvou enquanto me


obrigava a olhar para cima com a mão na minha mandíbula.

— Abra a boca — era uma ordem e eu obedeci.

Valentina despejou o líquido que desceu ardendo pela minha

garganta, e em seguida, me beijou sem restrição alguma, da


maneira mais erótica que podia, descendo as unhas pelo meu peito,

mordendo meu lábio, sugando minha língua, nos oferecendo para


quem quisesse parar e assistir.

Ainda que fosse teatral, meu corpo, cansado de resistir a ela,


reagiu.

O volume da minha sunga chamou atenção e eu me assustei


quando senti uma mão sobre meu pau. Larguei a boca de Valentina
para ver quem era e ela fez o mesmo.

A garota morena no meio das minhas pernas nos olhou,


pedindo permissão, mas Valen se esticou e retirou sua mão,
erguendo o indicador e fazendo não.

— Este é meu. — A ameaça em seu tom de voz constrangeu


a garota que riu sem graça e se afastou com os olhos de Valentina
em cima dela, parecendo capaz de queimá-la ali mesmo.
Assim que não se sentiu mais ameaçada, Valentina ergueu o
corpo, soltou sozinha o biquíni, comigo tendo a vista daquilo bem
debaixo dela e, me encarando, jogou a peça de roupa na minha

cara.

— Não está cedo? — perguntei baixo.

— Só estamos aquecendo… — O sorriso devasso que ela


me deu antes de sair andando me obrigou a levantar e ir atrás,

sabendo que todos nos olhavam curiosos, esperando ver o que


faríamos.

Entramos na sala por outra porta, o cheiro de maconha no ar


era pesado, o som de gemidos e sexo conseguia ser mais alto do
que o da música, e ignorando as viradas de cabeça que vieram na

nossa direção, interessadas, Valentina procurou um lugar vago no


meio de toda aquela foda comunitária e o encontrou no meio da
sala.

Pegando-me pela mão, ela me puxou estrategicamente até lá


e, seguindo a batida da música que eu nem conseguia distinguir
mais naquela bagunça toda, Valen pegou minhas mãos, virou de
costas para mim, e me fez abraçá-la enquanto começava o seu
pequeno show.

Lembrei-me da primeira vez em que a vi, e admirando a

forma como suas mãos guiavam as minhas sobre seu abdômen


conforme seus quadris se moviam como o de uma odalisca, eu
esqueci onde estávamos, o porquê fazíamos aquilo e foquei apenas

no que tinha tanta vontade.

Ela dançou para mim, contra mim, descendo uma das minhas
mãos para cima da sua boceta sobre o biquíni e levando a outra

para cima, sobre seu seio esquerdo. O corpo dela estava frio pela
água, ainda molhado, mas quando não segui mais suas ordens,
circulando o mamilo com a ponta dos dedos, ouvi seu riso de

aprovação antes de seguir sozinha com as mãos para cima, me


tocando a nuca, me puxando para si.

Aspirei seu cheiro do ombro ao pescoço, mordisquei o lóbulo

de sua orelha, e ainda estimulando seu seio, acariciei-a entre as


pernas com mais intensidade.

Valentina gemeu baixinho, forçando mais a bunda contra meu

pau já endurecido por completo.


— Você vai me foder aqui com toda essa gente olhando? —
ela provocou, voltando com a mão para cima da minha entre suas

pernas e, forçando meus dedos contra si com mais pressão, virou o


rosto para o meu e sussurrou: — Vai fazer de mim sua putinha?

Apertei o bico do seu seio, pinçando-o entre o polegar e o

indicador, esfregando-o entre eles como punição, ela abriu a boca


para gemer e eu a tomei bem ali, beijando Valentina tão sedento por
cada parte dela que mal notei que havia algo de errado quando ela

me afastou.

Cedi com os braços, achando que ela viraria para mim, mas
ela deu um passo para frente, e quando olhei na mesma direção

que ela, entendi o que acontecia.

Claramente alterada e completamente nua, Camila vinha na


nossa direção.

Na minha direção.

Pronta para pegar o que pudesse.

O único problema era que, nem ela, e ninguém mais ali,


imaginava o que vinha a seguir.

Valentina se enfiou na frente dela.


Camila deu um passo para o lado, ignorando-a, já que Valen

era mais baixa.

A garota não gostou.

Ergueu a mão em um rompante e impediu a outra de avançar

para mim, dando um tapa na cara dela tão forte, tão ardido e sonoro
que chamou a atenção de todos.

O mundo inteiro pareceu parar para ver aquela cena.

Só depois daquele tapa, Camila pareceu enxergá-la.

A loira colocou a mão sobre o rosto que já ficava vermelho e


encarou Valentina sem reação.

Pensei que precisaria intervir, que separá-las seria um


problema, mas me surpreendendo mais uma vez, Valentina puxou a

mulher mais alta pela nuca e a beijou na boca.

Não foi um simples tocar de lábios. Valentina dominou a boca


da outra em segundos, fazendo Camila se curvar para ela conforme

a puxava pelos cabelos para baixo.

Sem opção, a mulher que nos sondou desde o começo, ficou


de joelhos e Valentina me chamou com o dedo, sem nem mesmo

olhar para mim.

Eu não tinha escolha além de seguir.


Aproximei-me, vendo a intensidade da troca de olhares delas,
hipnotizado pelo poder daquela menina-mulher, e vi quando ela
pegou o rosto de Camila, encaixando os dedos sob seu maxilar.

— Você o quer desde a primeira vez que o viu, não é? — A


outra, parecendo ter medo da afirmação, não disse nada, mas fez
que sim com a cabeça. Valentina abriu o sorriso mais terrível que eu

já tinha visto. — Então hoje é seu dia de sorte. — E descendo o


rosto para perto do ouvido de Camila, eu a ouvi dizer: — Quero que
você o chupe até o fim, que engasgue com o pau dele, que sinta o

gosto pela primeira e última vez, e fique pensando nele enquanto


fode com aquele seu marido velho, fique pensando que é comigo
que ele fode assim, toda porra de vez.

Meu tesão bateu no teto, e apesar de querer calar sua boca,


não pude fazê-lo, já que ela voltou a beijar Camila e estendeu a mão
na minha direção.

Aquela era uma proposta que eu não podia recusar.

Valentina me puxou para perto assim que a toquei e quando


se ergueu, saiu da frente para que eu visse Camila.

Os olhos da loira brilhavam de tesão, conforme ela apreciava

cada pedaço do meu corpo.


Atrás de mim, Valentina abaixou minha sunga e a desceu até
meus pés. Me retirei dela a tempo da garota que comandava a cena

voltar até a outra e empurrá-la na minha direção, estreitando nossa


distância. Foi Valentina quem pegou meu pau primeiro, e depois de
me dar seu olhar mais safado, envolveu toda a cabeça com os

lábios junto do movimento lento de vaivém, e me sugando até o


último, afastou a cabeça, cuspiu no meu pau e o ofereceu à outra.

— Faça como a vagabunda que eu sei que você é.

E Camila abriu a boca, não esperando que Valentina a

pegasse pelos cabelos e ditasse o ritmo do vaivém, nem a


profundidade.

A mudança da temperatura em volta do meu pau junto à

maciez da boca de Camila me fez fechar os olhos e soltar o ar em


um gemido rouco.

Voltei a encarar a cena, sentindo ainda mais atração e

vontade daquela mulher insana, que acompanhava atentamente,


sedenta, o oral que a outra me dava.

Parecendo satisfeita por ver Camila engasgar sempre que me

levava até o fundo da garganta sem reclamar, ela se ergueu e veio


para mim.
Não esperei muito, puxei Valentina pela nuca, uma mão em

seu rosto, segurando com brutalidade antes de beijar sua boca. Eu


a despi ali, provei seu gosto real, sua face assustadora, sua
libertinagem, sua sujeira.

Engoli cada traço daquilo e saboreei como a porra de um

demônio faminto.

Se havia alguma chance, alguma mísera chance, de eu me


apaixonar alguma vez na vida, isso aconteceria com aquela filha da

puta.

Aquela criatura ali não era seu personagem. Aquilo era ela,
real e incontrolável.

Beijei Valentina tão profundamente, tão sem amarras, que


quando a soltei, percebi que ela havia perdido o fôlego, não
esperando minha correspondência naquela intensidade.

Mantive seu rosto perto do meu e sorri de volta para ela.

— Você gosta como ela te chupa? Quer que ela vá mais


rápido, mais fundo? — Movendo a cabeça da outra para fazer o que
ela sugeria, Valentina travou Camila com meu pau em sua garganta

ao fundo, voltou a me beijar e quando gemi contra sua boca, ela riu
e disse baixinho: — Aproveite, daddy. Essa é a última vez que você

vai chegar perto de se satisfazer com a boca de outra mulher.

E fugindo do meu aperto, Valentina se ajoelhou ao lado de


Camila e tomou meu pau dela.

Seus olhos se mantiveram nos meus quando sua língua


brincou com o freio da cabeça antes de envolvê-la.

A desgraçada era profissional.

Em uma única chupada, ela me levou inteiro para dentro de

sua boca, e provocou roçando os dentes na base. Eu poderia ter


gozado daquele jeito, mas arfei, e me segurei como podia.

Ela me libertou, puxou Camila e as duas se beijaram com

meu pau no meio. Eu as peguei pela cabeça, e com uma de cada


lado, movimentei o quadril para frente e para trás, fodendo o espaço
entre as bocas, sentindo a pressão delas tentando se tocar e me

lamber ao mesmo tempo.

Notei a diferença das chupadas das duas conforme elas


tomavam para si seus turnos.

Valentina, esperta, enquanto a outra mamava meu pau,


lambia minhas bolas, e quando roubava a cena, era uma obra de
arte. Tudo era parte do momento: cabelos, olhos, lábios, língua,
mãos… E a habilidade de saber quando e o que fazer era
insuperável.

Camila não era ruim, muito pelo contrário, mas Valentina

tinha propriedade demais no que fazia, foi por isso que a ergui pelos
cabelos e puxei sua boca de novo para a minha, sentindo seu
queixo cheio de saliva.

— Quero chupar você. Agora — exigi.

Ela riu, divertida, soprando contra o meu rosto.

— Que coincidência. Eu tô louca pra sentar na sua cara —


sussurrando com a respiração irregular, ela afastou o rosto do meu
e olhou em volta, achando um canto vago.

Puxando-me, ignorando que Camila se desequilibrava, ela

me guiou até o lugar vago no sofá e me deitou, beijando minha


boca. Depois, trouxe a loira, colocando-a de joelhos entre minhas
pernas e se abaixou ao seu lado.

Valentina incentivou Camila a abocanhar meu pau mais uma


vez e acariciou seu rosto, admirando como a outra se esforçava no
boquete.

— Você é nossa cachorrinha, uma putinha louca para ser


bem comida, não é mesmo? — Os olhos de Camila foram de mim
para Valen. — É bom você se esforçar bastante para dar prazer ao
meu homem.

Aquelas palavras queimaram no meu peito.

Meu homem.

Possessividade nunca foi minha praia, mas com Valentina


falando daquela forma, não aguentei. Ergui o tronco, me sentando, e
a peguei de surpresa. Valen deu um gritinho entre a risada,

surpresa, quando a ergui sobre mim, voltando a me deitar.

Rápida, entendendo logo o que eu queria, ela veio sentar na


minha cara.

Seus joelhos tocaram meus ombros, mordisquei sua coxa


conforme encaixava as mãos em seus quadris, e quando ela afastou
o biquíni para o lado, a puxei para baixo, mergulhando a língua
entre suas dobras, saboreando lábios, clitóris e sua entrada

encharcada.

Seu gosto encheu minha boca, seu cheiro me deixou insano,


disposto a retribuir cada segundo do que ela aprontou comigo nos

últimos dias, e depois de seguir todo o contorno de sua pequena


boceta, conhecendo-a como deveria, voltei ao seu clitóris e o
provoquei até ouvi-la gemer.
Mudei o movimento da língua, subindo uma das mãos por
seu corpo, até alcançar seu seio.

Provoquei o mamilo dolorosamente duro, ganhando um

palavrão alto dela e com a mão livre, abracei sua bunda.

A pele de Valentina não tinha mais nenhum ponto frio, porém


cada poro dela se arrepiou quando suguei seu clitóris e enfiei a

ponta dos dedos em sua entrada.

Ela se forçou para baixo, moveu os quadris rebolando,


querendo mais, mas não dei. Eu só queria sua umidade viscosa e,

descontando tudo o que aquela filha da mãe me fez passar, movi os


dedos para seu cu, acariciando a entrada enquanto beliscava o bico
de seu seio e lambia freneticamente seu clitóris.

Suas unhas arranharam meu peito e costelas. Ela se curvou,

fazendo força contra meus dedos até que um deles ganhou espaço
contra a pressão daquela parte de seu corpo. Senti Valentina tremer,
mas em momento nenhum ela vacilou.

— Vem, senta nele. — Não conseguia ver, mas sabia que era
Valen segurando a base do meu pau e que a outra se erguia para
foder comigo.
Forcei o dedo mais para dentro dela e brinquei com a língua
em sua boceta, mas foi minha vez de precisar respirar e me segurar

quando Camila me encaixou em si e desceu de uma vez sobre mim.

Aquilo era insano.

Eu, dos vislumbres que tinha conforme Valentina esfregava a


boceta na minha cara, sabia que as duas se tocavam e se beijavam
em cima de mim, ao mesmo tempo em que eu alargava o rabo de
uma e castigava sua boceta com minha língua, a outra rebolava

insana no meu pau, parecendo desesperada para gozar, com medo


de não ter tempo de fazê-lo.

O modo como Camila se remexia, me apertando e fodendo,

era impressionante, mas eram os gemidos de Valentina que me


deixavam sedento.

Ela trouxe a mão até a minha e me guiou para enfiar mais um


dedo em seu cuzinho apertado. Obedeci fácil e, quando venci a

resistência, prendendo seu clitóris entre os lábios e passando a


língua em movimentos de vaivém curtos, Valentina gemeu quase
que gritando, o que me fez tremer dos pés à cabeça junto da
compressão da boceta de Camila que parecia gozar no meu pau.
— Levanta. — Ouvi a voz de Valentina fraca ordenar para a
outra. — Levanta agora — ela mandou, meio empurrando Camila, e
quando senti o alívio da pressão, ouvi muito bem a provocação em
sua voz abalada pelos gemidos e pela respiração entrecortada. — A

porra dele, cada gota, é minha.

E me fodendo de vez, ela caiu de boca no meu pau, em um


meia nove fodido de bom.

Abracei seu corpo com o braço livre e a acariciei, mantendo-a


no lugar, fodendo seu cu depois de cuspir sobre meus dedos que
começavam a deslizar com mais facilidade para dentro dele,

bebendo sua boceta como se ela tivesse gosto de cerveja.

Eu me perdi quando Valentina, massageando minhas bolas


de um jeito que ninguém nunca tinha feito, me engoliu três vezes

seguidas numa garganta profunda tão intensa que não me aguentei.

Não tive tempo de avisar, e ela não se importou, porque seu


corpo todo tremeu enquanto sentia sua boceta vibrar conforme
gozava junto comigo.

Valentina me deixou gozar no fundo de sua garganta e me


lambeu inteiro antes de me tirar da boca. Eu não fiquei por menos.
Sequei sua boceta, bebendo dela até a última gota, e quando tirei os
dedos de dentro dela, fiquei arrependido de não a ter pegado antes
e fodido seu cu bem ali.

Nossas respirações estavam desreguladas igualmente.

Nossos corpos suados, tremendo, mesmo assim, eu não


queria parar, e ela também não.

Valentina ergueu os quadris rindo e eu vi suas pernas


tremendo.

Senti-me orgulhoso. Aquilo não era o tipo de coisa que se


podia fingir.

Mas o jogo virou rápido demais quando notei que alguém se


aproximava por trás da minha cabeça e, de repente, a pessoa, de

pau duro, veio pronto para foder com Valentina.

Ela gritou e jogou o corpo para frente, assustada.

Eu a joguei para o lado e me ergui, socando o homem no


meio do rosto sem pensar duas vezes, com a adrenalina gritando
nas minhas veias.

— Ei, que porra é essa? — Davis surgiu, saindo da sua


poltrona privê onde uma loira o chupava enquanto ele assistia à
nossa cena.
Seguranças vindos do nada me seguraram, porque eu não
pensei em parar naquela porrada única, até porque, ao meu lado, de

pé, meio encolhida, Valentina começava a chorar e tremer,


parecendo realmente assustada. Quando Davis, preocupado, tentou
tocá-la, ela deu um berro e correu pelo corredor do caminho que
conhecia.

— Vá atrás dela — ele disse para mim e os seguranças me


soltaram. — E você — ele virou para o homem que tinha o nariz
sangrando —, não sabe que não deve fazer isso? São as garotas
que chegam… — Não perdi tempo ouvindo a briga.

Subi os degraus atrás de Valentina o mais rápido que podia,


realmente preocupado pelo que vi dela, segundos atrás.
 
 
 
 
Sinto falta do jeito que você diz meu nome
A maneira como você se dobra, a maneira como você quebra
Sua maquiagem escorrendo pelo seu rosto
O jeito que você fode, o seu gosto
Quando as cortinas chamarem a hora, nós dois iremos para casa
vivos?
Quando as cortinas chamarem a hora, nós dois ficaremos
satisfeitos?
Não foi difícil perceber que o amor é a morte da paz de espírito
the death of a piece mind, bad omens
 

Conforme subia as escadas, mexi o mais discretamente no

relógio de pulso, sabendo que travaria a câmera como antes e, não


encontrando Valentina no corredor, entrei logo pela porta.

Seu rosto marcado pelas lágrimas se ergueu, assustada.

Aquela expressão me preocupou e, de uma forma


assustadoramente natural, cobri a distância até ela, que estava bem

em frente à mesa, pegando-a pelo rosto, medindo sua expressão.

— Você está bem?

De repente, ela abaixou o rosto e, me assustando, começou

a rir.

— Ah, Ben, sério que você caiu nesse teatro todo?

Soltei seu rosto como se tivesse tomado um choque, puto por

quase cair na dela.

Arranquei o coração do seu colar em uma puxada, pegando o

que precisava, dando as costas a ela e me sentando na cadeira em


frente ao computador.

Com as mãos sobre a mesa, ela parou de rir, me medindo, e

ainda mantendo o sorriso no rosto, me provocou:

— Não me diga que ficou preocupado…

— Agora não, Valen. Tenho três minutos, se dermos sorte. —

Sem precisar desbloquear a tela ligada, conectei a joia na entrada


USB e esperei a mágica acontecer.

— Podemos fazer como no outro dia, mas agora — ela se

abaixou, vindo por baixo da mesa —, para sermos convincentes,


precisamos finalizar o ato. — Suas mãos pararam na minha coxa.

— Valentina — chamei-a pelo nome, querendo que ela


entendesse que não era hora.

— Imagine só se alguém vai imaginar que você está

aprontando algo, se abrir a porta e me ver aqui embaixo — ela

pegou meu pau que já estava meio duro por sua proximidade —, te
chupando assim?

Expondo toda a cabeça do meu pau, com os olhos no meu

rosto, ela brincou com os lábios e a pontinha da língua, provocando,

tentando chamar minha atenção.


Grudei os olhos na tela do computador, vendo a tela azul
surgir e todo o código do programa que eu havia levado fazendo seu

trabalho.

Suas mãos começaram a trabalhar junto à boca. Valentina

me sugou, mamando devagar, com pressão controlada, conforme

sua mão fazia mais força quando descia do que quando subia.

— Caralho — xinguei, cansado de lutar contra. Era

impossível contra aquela boca, aqueles olhos, aquela porra de

determinação em me enlouquecer. Desci um pouco mais o quadril,

já completamente duro e afastei mais as coxas, passando as mãos

pelo rosto, sabendo que me arrependeria amargamente depois.

— Acho que seria melhor eles nos pegarem de outro jeito…


— E cuspindo na cabeça do meu pau, melando-o todo de saliva, ela

empurrou a cadeira que eu sentava para trás, e se ergueu no

espaço estreito entre mim e a mesa. Sua calcinha foi para o chão e

então eu a contemplei como se fosse a obra de arte mais valiosa do

mundo.

Cada curva, cada rachadura, cada detalhe entalhado em

perfeição sobre carne e osso.


Suspirei, perdido, quando ela trouxe a mão à corrente de

ouro no meu pescoço e a pegou como se fosse uma coleira.


Valentina me encaixou entre suas pernas, e antes de se sentar no

meu colo, puxou a corrente, me obrigando olhar para cima, para ela,
e então seu rosto desceu sobre o meu.

Achei que ela me beijaria, mas conforme se sentava, ela


roçou o nariz por minha testa, nariz e bochecha esquerda. Ela

aspirou profundamente, sorriu e, largando a corrente para segurar


em meu ombro, aproximou a boca da minha e sussurrou:

— Adoro sentir o cheiro da minha boceta na sua cara. —


Senti o calor dos seus lábios externos me envolver e deitei a testa

contra a dela, respirando fundo, tentando me controlar ao máximo,


porque tinha perdido a conta sobre quantos minutos ainda tínhamos

com a câmera fora do ar.

Ela aproveitou da proximidade e riu contra minha boca.

— Não quer experimentar o gosto do seu pau na minha

língua?

Valen tentou mordiscar meu lábio, mas não resisti.

Prendi sua cintura em um abraço forte, grudei nossos rostos


e encaixei a boca na sua.
Estava no inferno.

Eu ia morrer.

Mas antes provaria do paraíso que se escondia na boceta do

diabo que ela era.

Ela arfou contra minha boca quando começou a se mover

para frente e para trás, friccionando sua boceta contra meu pau,
querendo me fazer enlouquecer.

— Você não queria fugir, Ben? — ela provocou, com as mãos

no meu rosto, tentando impedir minha boca de chegar à dela.

Desci por seu pescoço em silêncio, mordendo e chupando

com força, querendo mesmo marcá-la, já que não queria falar nada,
não queria pensar, mas ela não parou. Nem sua boca, nem aquela

foda sem penetração do caralho.

Valentina queria me tirar do sério.

Movi uma das mãos para sua nuca, entrelacei os dedos o

mais profundamente nos seus cabelos e puxei com força. Ela arfou,
afastando um pouco o rosto, surpresa pela minha reação.

— Você é bruto — ela concluiu, engolindo o ar antes de abrir

um sorriso devasso. — Eu gosto disso.


— Então tá esperando o que pra me fazer gozar em você? —
Mordisquei seu lábio, puxando-a para mim e ela riu, erguendo-se
um pouco.

— Seu desejo, daddy — provocando, sua mão posicionou

meu pau e roçou a ponta em sua entrada —, é uma ordem.

Valentina sustentou meu olhar enquanto descia devagar.

Prendemos a respiração juntos.

Seus olhos me engoliram. Violentos, viscerais. E tudo ficou

em câmera lenta.

A sensação do calor me abraçando por inteiro, de deslizar


sem nenhum impedimento para dentro dela tão molhada, de pele
contra pele, pouco a pouco, até o fundo, até entrar tudo.

Ela pendeu a cabeça contra a minha, nossas testas se

tocaram de leve, nossos gemidos se misturaram, e então, qualquer


chance de lentidão se foi.

Grudei a boca na dela e viramos uma bagunça. Línguas,


lábios e saliva.

Minha respiração acelerou, os gemidos altos que escapavam

de sua boca conforme Valentina sentava sobre mim como a puta


valiosa que era, valia cada centavo que um dia eu poderia ter na
vida. Afastei o rosto do dela e segurei em sua cintura, apoiando
parte do seu peso ao subir e descer, não conseguindo olhar para
outra coisa que não fosse meu pau brilhando do tesão dela a cada

vez que ela erguia os quadris e descia de novo, mais rápido, mais
intenso.

Ergui os olhos, pensando que a morte estava certa em me

levar logo, já que ver o corpo de Valentina sobre o meu, subindo e


descendo daquela forma, com os peitos pequenos e firmes

excitados e o rosto transformado em uma máscara de puro tesão,


era sorte demais.

Sua boca entreaberta, seus gemidos descontrolados. Seus

olhos, por um milagre, fechados, e então um pequeno grito


conforme ela parava, sentando bruscamente, me enfiando em si até

o talo, tremendo em cima de mim.

Ela gozava pela primeira vez comigo dentro.

Meu pau recebeu o impacto violentamente.

Valentina abriu os olhos, completamente ofegante, direta, e

sorriu, anunciando baixinho, com a respiração entrecortada:

— Eu. Quero. Mais. — Avançando para mim, para beijar

minha boca, eu a segurei com mais força do que o necessário pela


cintura, tentando mantê-la parada enquanto toda a onda do primeiro

orgasmo dela me torturava.

Valentina tentou se mover naquela dança maldita dos

quadris.

Tentei contê-la. Ganhei uma mordida na língua.

— Filha da puta — xinguei.

— Não. — Negou com a cabeça. — A própria puta. — Ela riu,

selando a boca na minha, deitando a cabeça para trás conforme


apoiava as mãos nos meus joelhos e começava a rebolar.

Se tê-la sentando em mim já era difícil, tê-la daquela forma

lenta e perversa sobre mim era ainda pior.

Sem poder beijá-la, apreciei o que me era oferecido e, com a

boca em um dos seus seios, sugando-a da forma mais selvagem


que poderia, faminto, desesperado, levei uma das mãos ao outro

seio, beliscando o mamilo, provocando o bico entre os dedos,

massageando com força sua carne.

Suas unhas cravaram nos meus ombros.

Valentina voltou a gemer alto, ritmado, jogando os quadris ora


como se desenhasse um círculo com eles, ora para frente e para

trás, e sem dizer nada, pegou minha mão livre, levou os dedos até
sua boca, e os lambuzando de saliva, não deu meio recado quando

os guiou até sua bunda.

Ela queria que eu os enfiasse no seu cu, e era tarde demais


para negar qualquer coisa.

O primeiro dedo entrou sem muita dificuldade, mas quando


forcei o segundo, estimulando-a daquela forma, Valentina me

comprimiu de um jeito tão absurdo dentro de si que precisei me

afastar de seu peito e jogar a cabeça contra a cadeira, rosnando


entredentes, tentando controlar aquela porra de peso nas bolas, pré-

anunciando o gozo.

Vendo-me naquele estado, ela sorriu, parecendo feliz por me


foder tanto.

— Se gozar agora, vai perder a diversão do final. — Faceira,


venenosa, perigosa pra caralho.

Retomando o controle, abracei Valentina pela cintura,

travando seu corpo no lugar sem qualquer chance de escapatória e,


sem dó, medindo cada segundo da sua expressão, dos seus olhos

curiosos nos meus, forcei o terceiro dedo devagar.

Ela suspirou, fechou os olhos e tentou relaxar. Parei um

pouco quando consegui enfiar pelo menos parte dele, achando que
ela precisava de algum tempo, mas me surpreendendo, Valentina

forçou a bunda para trás e pouco a pouco seu rabo apertado se


acostumava com a invasão. Beijando o corpo dela onde minha boca

alcançava, sentindo o calor de sua pele, a forma como sua

respiração estava, ri contra seu seio esquerdo e o mordisquei antes


de encará-la de novo e começar os movimentos de vaivém o mais

lentamente possível.

— Você quer que eu foda seu cu, Valentina?

Sua boceta latejava e eu a sentia por completo se apertando

em volta de mim, tão molhada e quente que conforme se movia,


tentando acelerar o ritmo das coisas, cada mínimo centímetro meu

que saía e voltava para dentro dela era dedurado pelo som que

fazia.

— Não é só fodê-lo, Ben… — Ela recuperou a fala com

dificuldade, me obrigando a soltá-la quando apoiou os pés no chão

e se ergueu, rompendo nosso contato físico, fui obrigado a assistir.

Apoiando o pé direito sobre o cantinho da cadeira e uma mão

na mesa atrás de si, Valentina direcionou meu pau, completamente

melado de nós dois, para seu rabo. Esfregou a cabeça inchada


contra a entrada, e se ergueu um pouquinho, me largando.
Achei que ela desistiria pelo meu tamanho, mas não. Tudo o

que ela fez foi encharcar os dedos com saliva e, depois de se

lubrificar, voltou a me segurar como se eu fosse seu brinquedo, me

esfregando em si até ter certeza de que era o certo.

Eu não conseguia desviar o olhar da boceta de Valentina

completamente inchada e molhada, muito menos da visão do seu cu


sendo aberto pelo meu pau.

Assim que passei pelo primeiro anel com a cabeça, nós dois

gememos juntos.

— Porra! — xinguei quando fui massacrado pelo aperto,

pegando-a pela bunda e abrindo-a ainda mais, na tentativa de nos


ajudar a terminar com aquilo.

Valentina ergueu o rosto, encarando a mim completamente

perdido, sem saber se fitava seus olhos ou se acompanhava todo o


processo enlouquecedoramente lindo dela tentando sentar em mim

daquele jeito. Seus dedos que seguravam meu pau no lugar

subiram, conferindo se a cabeça realmente tinha entrado.


Comprovando que sim, assisti sua mão ir até a boceta perfeita, seus

dedos abriram os lábios, expuseram o clitóris ainda mais, e se

tocando, ela começou a rebolar devagar, me fazendo entrar naquela


dança maldita conforme milímetro a milímetro eu era prensado,

apertado, massacrado e torturado, violentamente por ela.

Assisti, sem conseguir fazer nada além de me controlar com

as mãos em sua bunda, a cada mudança de expressão de

Valentina, cada arrepio em seu corpo, cada mudança de ritmo de


seus dedos que ora brincavam em seu clitóris e ora eram metidos

na boceta encharcada.

Seus gemidos eram altos. O cheiro do seu sexo poderia ser

sentido a quilômetros.

E nem toda a foda que eu vivi antes de chegar até ali me


preparou para vê-la sorrir ao sentir que não aguentava mais.

— Não é só foder o meu cu, Ben — repetiu de forma


completa enquanto, lentamente, em vez de descer como ela vinha

fazendo até pouco mais da metade para baixo, ela subiu o corpo um

pouquinho, arrancando de mim o gemido mais pesado que eu já

tinha dado. — É fazer você enchê-lo de porra.

Eu matei uma quantidade absurda de gente.

Eu passei fome e sede.

Eu havia roubado.
Eu tinha cometido pecados sujos e imperdoáveis, mas
nenhum deles me fez sentir o sabor do inferno mais do que o que fiz

naquele momento.

Levantei-me, sustentando seu peso pela bunda, ela gritou

com mudança brusca de movimento, surpresa. Valentina me

agarrou pela corrente que pendeu quando eu a deitei contra a mesa


e me encaixei entre suas pernas.

Segurando-me pelo cordão no pescoço, ela não me deixou

levantar.

O choque da troca de posição a fez me apertar tanto que

quase me moeu.

Resisti bravamente, sabendo que na próxima não teria tanta

sorte.

Que, na próxima, minha descida ao inferno seria de tobogã.

Subi uma das mãos por sua coxa, marcando o caminho pelo

rastro do calor da minha pele e atingi sua boceta sem rodeios. Seu
clitóris pulsava contra meu polegar, e imitando seu ritmo de antes,
eu a toquei antes de senti-la pronta.

Quando Valentina voltou a gemer, me forcei contra ela.


Suas mãos seguraram suas nádegas abertas, os palavrões
que ela xingou saíram de sua boca balbuciados, ininteligíveis, mas o
grito que ela deu quando minhas bolas tocaram sua bunda foi

ouvido por todo o mundo.

Selvagem, intenso, gostoso.

Ela soltou minha corrente, eu ergui um pouco o tronco e,


levando uma mão ao seu seio, apertando-o, provocando-o, brinquei

com movimentos curtos e lentos de vaivém, me aproveitando da


sensação cruel de ser pressionado daquela forma.

Aquela, sem dúvidas, era a tortura mais necessária pela qual

eu passaria.

Eu estava sedento por ela, para atender ao seu pedido, mas


queria aquela desgraçada gozando comigo. E parecendo ler meu

pensamento, ela trouxe a mão sobre a minha, me retirando de seu


clitóris, e implorando alto, sem se importar se alguém realmente nos
espiava, ela praticamente gritou:

— Me fode forte, agora.

Escorregar os dedos para dentro da sua boceta e tocá-la


como fiz, pela primeira vez, deixou Valentina louca. Seu corpo
tremeu quando meu pau se afundou mais uma vez no seu cu.
Seus olhos no meu rosto eram de puro desespero. E prazer.
E medo. E súplica.

Ela queria. Ela precisava. E eu não a poupei.

Relaxei toda a tensão que havia se acumulado em meu corpo


naquela busca alucinante pelo controle do orgasmo. Meti nela tão
rápido, tão fundo, ouvindo o barulho de nossos corpos um contra o

outro, que vi seus olhos cederem, meio abertos, meio fechados,


enquanto sua boceta apertava meus dedos, seu cu massacrava
meu pau e desmoronei em cima dela, agarrando seu corpo,

mordendo seu lábio enquanto gozava dentro do cu apertado de


Valentina.

Cada jato que se esvaiu do meu corpo me trouxe um tremor.

Eu gemi feito um animal.

Só parei de meter quando perdi as forças e, fraco, precisei


me sentar.

Meu coração parecia bater em cada centímetro do meu

corpo.

A sensação de ter pequenas descargas elétricas nas bolas,


no pau e nas coxas me fez morder o lábio inferior, contendo um

sorriso. A visão de Valentina ali, deitada na mesa, acabada, com o


cu alargado por mim e toda molhada, me deixou plenamente
satisfeito.

Se pudesse, teria tirado uma foto como recordação da foda


mais insana da minha vida.

Pensei nisso até vê-la erguer um pouco o tronco e erguer as

pernas, tirando os pés da mesa.

— Gostou do que teve? — Serpente venenosa em sua língua


me picou.

Admiti, fechando os olhos e confirmando com a cabeça, sem

coragem de dizer em voz alta.

— Abra os olhos, Ben. Olhe o que fez comigo. — A voz


sensual, quase cantada, me pegou.

E quando obedeci, Valentina estava meio sentada, com a

bunda para fora da mesa, forçando meu gozo a escorrer para fora
dela.

Eu não conseguia parar de olhar, de imaginar quando faria

aquilo de novo.

Não pude deixar de me imaginar gozando em sua boceta e


colocando-a para andar com minha porra escorrendo entre suas
pernas. Era meu cheiro, era minha marca, era a merda do caminho

sem retorno para admitir que queria Valentina como minha.

— Você é uma puta safada — xinguei, sem recriminá-la de


verdade.

— E você é um idiota gostoso, com o pau enorme. — Ela

sorriu de volta, passando os dedos pela pele onde minha porra


passou até chegar ao chão, e espalhando em si, disse como se me

oferecesse doce: — E se não formos logo embora, vai precisar me


amarrar, porque vou sentar em você de novo.

— Você não aguenta — desdenhei dela, e seus olhos


captaram o desafio.

— Quer apostar?

Havia mais naquela proposta, e eu não devia, não podia cair.

Meus olhos foram para o seu lado. O computador estava


desligado, o programa tinha se instalado por si só. Bufando,

sabendo que aceitaria de novo e de novo tê-la sobre mim se fosse


inconsequente, me ergui e, fingindo ajeitar o computador na mesa,

retirei o coração da entrada USB o mais discretamente possível.

— Tem certeza que não quer mais? — Ela girou sobre o


tampo de madeira, me encarando frustrada.
— Levante daí — mandei. — E faça cara de choro quando
descermos — mandei.

—  A única cara que vou fazer é de alguém que acabou de

ser fodida por um gostoso. — Rindo, ela se levantou e passou por


mim, sorrindo sem mostrar os dentes, me provocando para valer.

Não resisti. Minha visão foi até sua bunda, tentando enxergar
qualquer resquício meu entre suas pernas.

Idiota — só faltei me socar mentalmente —, não caia.

Mas era tarde demais.


 

 
Descemos o mais discretamente possível, mas Davis nos
esperava.

— O que aconteceu? Olívia está bem?

Ela ainda fingia estar abalada, porém mais calma.

Virei para ela e pedi:

— Baby girl, você pode me esperar na saída? — Meu tom


protetor não era uma farsa, mas ela não precisava saber.
— Claro. — Selando a boca na minha, ela foi atrás das
roupas que deixamos na hora da chegada.

Todos os pescoços quebraram para vê-la passar.

John Davis suspirou.

— Vejo que ela está bem, eu não queria de forma alguma


que… — Ergui a mão, interrompendo-o.

— Olívia está bem, já seu escritório… me desculpe, ele

parece ser nosso lugar favorito da casa. Aliás, te devo um tapete


novo. — Piscando para ele, dei a entender que estava de saída.

— Nos vemos de novo? — ele tentou continuar o assunto,

mas encarei-o sobre o ombro e fiz que não sabia. — Quem sabe em
algo mais privado?

— Quem sabe quando não tentarem tocar na minha mulher

sem a permissão dela ou a minha? — provoquei, deixando claro que


não dividiria Valentina. Mas mantendo o personagem, suspirei e
parei, virando o corpo para ele antes de sair pela porta. — Me ligue,

John. Nós gostamos de você.

Minha mentira o inflou.

Dei as costas matando a sombra do sorriso que surgiu no


meu rosto e peguei a peça de roupa que a funcionária me ofertou.
Minha sunga estava perdida, mas não era um problema como
para Valentina.

Seu vestido não cobria nada, e sem nenhuma peça do


biquíni, aquilo era uma covardia.

Nem coloquei a camisa, já oferecendo a ela.

— Vista — mandei.

Ela não discutiu. Pegou minha peça de roupa, e sem


vergonha alguma de mim, levou ao nariz e aspirou meu cheiro antes
de colocá-la.

Aquele ato me desmontou.

Segui até o carro, evitando tocá-la em qualquer lugar íntimo,


mas parecia impossível escolher um, já que todo aquele corpo

parecia pronto para me colocar de joelhos.

Entramos no carro em silêncio. Valen se sentou de lado,


colocou as pernas sobre o banco e as abraçou. Seus olhos

queimaram no meu rosto, e no peso daquela bolha maldita entre


nós, sem a porra de um cigarro para me ajudar a fugir, perguntei:

— O que foi?
— Nada…

Silêncio de novo.

— Davis quer foder você — falei o fato como se fosse


surpresa e ela deu de ombros.

— Todos querem. — Aquele era o jeito dela brincar. Soube

pelo cantinho do seu lábio erguido.

— Cachorra convencida. — sorri junto.

— Cuzão covarde — ela rebateu no mesmo tom de

brincadeira.

— Eu… — Não tinha uma resposta e ela foi rápida:

— Adorou ver sua porra escorrendo do meu cu. — A


brincadeira tinha acabado.

— Você é o diabo — soprei, confessando.

— E você não é nenhum anjo, Benjamin. Não precisa ter


medo de mim.

Mal sabia ela que precisava.

Precisava muito.

 
 
 
 
Agora me deito pra dormir
Rezo a Deus pra guardar minha alma
Se eu morrer antes de acordar
Rezo a Deus pra levar minha alma
Eu, eu mantenho um arquivo dos destroços da minha vida
Preciso entender a arma na minha mente
Eles falam merda, mas eu amo toda vez
E eu percebo
Eu já provei sangue, e é doce
Já puxaram o tapete debaixo dos meus pés
Já confiei em mentiras e confiei em homens
Fui quebrada, mas juntei meus pedaços de novo
nightmare, halsey
 

Aquilo já estava se arrastando demais.

Inclusive, pensava que o trabalho estava saindo barato,

comparado ao esforço que eu vinha fazendo para me manter dentro


das regras do que o cliente queria, além daquela briga interna por
causa do que Valentina provocava.

A porta que eu sempre mantive fechada havia sido quebrada

a machadadas e não suportaria muito mais tempo. Eu precisava


correr.

Isso só ficou mais claro quando, enquanto eu vasculhava


cada pedaço do computador de Davis pelo meu, Valentina vinha do

seu pós-banho em seu traje favorito: minha camiseta.

Os cabelos recém-escovados estavam presos no alto da

cabeça e duas mechas pendiam lado a lado do seu rosto, e como se

fosse algo natural, ela veio parar nas minhas costas, fodendo minha
cabeça com seu cheiro, com a proximidade da sua boca quando
seus braços envolveram meus ombros e ela apoiou o rosto contra o

meu, curiosa como sempre.

— O que achou?

— Um arquivo cheio de fotos de crianças desaparecidas. São


mais de mil… todas entre três e dezesseis anos. — Apesar de saber

que não era o maior exemplo da sociedade, não me metia em nada

que prejudicasse diretamente nem crianças ou mulheres.

Abri o arquivo, exibindo as fotos, passando uma a uma, me

demorando alguns segundos nos rostos que apareciam.

De repente, a menina presa em mim ficou gelada, tensa e se

ergueu como se tivesse tomado um choque.

— Valen, está tudo… — Ela me interrompeu, passando como

um foguete, pegando dois dos três maços de cigarros em cima da

mesa.

— Não. Preciso de espaço. — Fria, grosseira e arisca como


quando colocou os pés naquele quarto, ela se fechou para fora da

varanda.

O que tinha acontecido?

Mantenha a porra da porta fechada — meu alerta interno

soou e eu tentei me manter quieto, mas conforme a noite ia


avançando e as informações chegando naquele dossiê gigantesco
que Davis mantinha, hora ou outra meus olhos escapavam na

direção de Valentina e a preocupação venceu a obrigação.

Pedi o jantar, seu lanche favorito, e fui entregar.

Valentina tinha se sentado. Um maço de cigarros já tinha ido

embora, e quando consegui um vislumbre do seu rosto, quase


quebrei.

Não era o choro falso que vi mais cedo. Era um rastro de

água marcado, doloroso, intenso.

Seus cílios estavam úmidos ainda, seu nariz vermelho, a

camiseta que vestia, molhada.

Com o prato na mão esquerda, bati no vidro com a direita,

mas ela nem se moveu.

Parecia não ter ouvido, ou estar em transe.

Abri o vidro, aspirando o ar da noite junto ao cheiro do cigarro


e, sem pisar na varanda, me abaixei, esticando o braço, oferecendo

o hambúrguer.

— Você precisa comer. — Minha voz saiu baixa, terna.

Sentada com as pernas cruzadas, ela apoiava um dos

cotovelos no joelho direito e, com o indicador e o médio sustentando


um cigarro, esfregando o anelar, o dedo mínimo e o polegar na

têmpora. Suas pernas balançavam, trazendo para fora toda sua


ansiedade.

Valentina fungou, limpou o nariz no pulso e virou para mim


sem vergonha alguma de se mostrar tão quebrada.

Encarar seus olhos naquele segundo me assustou.

Não havia fúria. Não havia medo.

Havia solidão.

— Não estou com fome. — A voz quebrada e fraca me


atingiu.

Engoli em seco, respirei fundo e coloquei o prato no chão ao

seu lado.

— Coma quando conseguir — foi o que saiu sem quebrar a


porra da minha porta.

Ela desviou o rosto, encarando o nada à sua frente e tragou,


fazendo um positivo com a cabeça leve demais para que eu levasse

a sério. E ficou lá, mesmo depois de eu deitar para dormir, mesmo


quando acordei no meio da madrugada procurando seu corpo na

cama.

Era uma merda querer pegá-la.


Era uma merda não saber como fazer.

E, no final das contas, entendi mesmo que era um covarde.

Não por não admitir que a queria.

Não por fugir de foder com ela quando estávamos só nós


dois.

Eu era um covarde por não admitir que ela não tinha

precisado quebrar porra de porta nenhuma. Era eu quem tinha


girado a chave e escancarado tudo na cara de Valentina.

E começava a me achar um idiota por não perceber isso


antes.

Eu avisei — a morte soprou.

Eu sabia que ela tinha avisado.

E tinha ignorado conscientemente.

Se a consequência fosse nosso encontro final, talvez eu


devesse aproveitar o tempo que me sobrava.

Achei que no meio da madrugada ela viria, mas acordei de

braços vazios.
O peso de não ter o corpo de Valentina grudado ao meu tinha
me socado a cara dois segundos depois de eu abrir os olhos e,
inevitavelmente, saí da cama procurando por ela.

O choque no meu peito doeu mais do que achei ser possível

quando a vi na varanda, ainda da mesma forma da noite passada,


parecendo perdida, parecendo completamente quebrada.

E, por um segundo, eu vacilei.

Fui eu quem atravessou a porta.

Meus pés seguiram em sua direção, e eu estava pronto para


colocá-la para dentro, mas algo brilhou no chão à sua frente e eu

paralisei.

Valentina tinha pegado meu celular, e ele estava

desbloqueado segundos antes dela notar minha presença nas suas


costas.

Fúria e raiva dançaram pelas minhas veias.

Abri a porta de vidro em uma batida forte e seca, mas a


menina nem mesmo se abalou.

— Que porra você fez? Para quem você ligou? — cuspi as

palavras, pronto para ofendê-la ainda mais quando me curvei e


desbloqueei a tela.
A página de busca estava aberta.

Um nome, milhares de resultados.

— Nathalia Franco — li em voz alta e, olhando para ela que

parecia anestesiada demais para se importar com a minha reação,


perguntei: — Quem é Nathalia Franco?

— Ela está morta — ela me corrigiu, apagando o final do

cigarro no chão e jogando a bituca pelo vão do parapeito, tomando


fôlego, se ergueu. — Ela era eu.

Engoli em seco, mas ela continuou:

— Minha foto do início da adolescência está naquele arquivo

de desaparecidos. E eu não quero falar sobre isso. — Passando por

mim como se eu fosse porra nenhuma, entrou no quarto, indo direto


para a cama.

Em cinco minutos, ela já estava desmaiada, mas minha

cabeça fervia.
 

 
Ela dormiu por três horas como se estivesse morta. Até

coloquei a mão em frente ao seu rosto para ter certeza de que ainda
respirava, e nesse tempo, levantei todo o histórico possível sobre

ela. Não tinha nada tão gritante, ela não era filha de ninguém

importante e, depois de duas ou três coisas com sua foto de


desaparecida, todas as outras eram homônimos, já que aquele

nome era comum.

Encarei o rosto adormecido na cama.

Nathalia Franco. Não combinava com Valentina.

Precisando arejar a mente, recebendo a mensagem de Léo,

avisando que tinham chegado, separei um par de roupas

confortáveis e, quando a acordei, ajudei Valentina a se sentar e,

silenciosamente, sem forçar nada, ajoelhei na sua frente, subi a


calcinha por suas pernas e a ergui para terminar de vesti-la.

Reagindo um pouco, ela se apoiou nos meus ombros e


ergueu um pé de cada vez para que eu pudesse colocá-la dentro da

calça.

Como uma criança, Valentina ergueu os braços e eu tirei a


camiseta que ela vestia como camisola, já trazendo outra peça de

roupa no lugar, me esforçando na missão de ignorar seu corpo.


— Aonde vamos? — ela perguntou me vendo terminar de

ajeitar a meia em seu pé e começar a calçar os tênis.

— Ver alguns amigos. — Me ergui, suspirando, medindo a


pequena bagunça organizada que ela havia se tornado. — Escove

os dentes, prenda o cabelo. Você precisa de ar.

Dando de ombros, ela foi para o banheiro, sonolenta, e

quando voltou, não se preocupou em ficar tão perto.

Aquela distância começou a me incomodar, mas não dava


para forçar nada, não naquele minuto.
 

 
Daquela vez, o capitão tinha parado o barco em um píer

menor e mais discreto.

Parecia que o desgraçado tinha cheirado que as coisas

começavam a dar merda.

Estacionei o carro com Valentina apática no banco ao lado.

Ao me ver soltar o cinto de segurança, ela olhou em volta parecendo

finalmente ganhar vida.


— O que viemos fazer aqui e o que você precisa que eu seja

hoje? — Esfregou o rosto sem maquiagem, como se aquilo pudesse


fazer a nuvem sobre sua cabeça se dissipar.

Suspirando pesado, me recostei no banco e a encarei


abertamente.

— Seja a versão que você quiser. Hoje nós não vamos

trabalhar.

Uma das suas sobrancelhas se ergueu, me encarando sem

entender.

— Não?

— Não. — Engoli em seco e desviei o olhar do dela. — Vou


te apresentar minha família.

Espiei-a de canto, sentindo a merda da ansiedade me comer


quando ela abriu um sorriso incerto.

— O tal Magno e… — Porra, ela lembrou. — Como é o nome

do outro mesmo que esqueci?

— Leonardo — soprei. — E se prepare para ouvir besteira

vindo dele.

— De qual tipo?
Arregalei um pouco os olhos e meneei com a cabeça.

— Todo tipo. Ele é o mais jovem entre nós e às vezes é difícil

controlar sua boca.

— Posso xingá-lo se precisar?

— Pode bater nele, se quiser. Posso ajudá-la, inclusive. —

Sorri incentivado por vê-la parecer reagir.

— Vou cobrar, se precisar. — Entendi que aquilo era mais do


que precisava.

Saí do carro, e com Valentina já sabendo que eu gostava de


abrir a porta para ela descer, me esperou. Respeitando seu espaço

físico, descemos lado a lado e caminhamos juntos em silêncio.

Ainda assim, pelo canto dos olhos, admirava os cabelos dela

esvoaçando e seus olhos espertos e curiosos tentando descobrir em


qual embarcação entraríamos, já que nenhuma ali era luxuosa.

O Hand Of God estava no final do píer e quando dei a


passagem para ela, não entendi o sorriso divertido que deu ao

atravessar a ponte improvisada e, de uma forma absurdamente

adolescente, adorei a expectativa nos olhos dela quando o sorriso

sumiu e ela se conteve.

— Você mora nisso? — A pergunta veio divertida.


— Boa parte do ano. — Confirmei com a cabeça, batendo

com a mão na madeira da borda do parapeito.

— Então vocês são tipo marinheiros? — ela tentou.

— Não — dei uma risada nasalada —, estamos bem longe


disso.

— Piratas?

Considerei.

— Mais próximos disso… está pronta?

— Você não queria me comer, e agora está me apresentando

para sua família? — Mordi o lábio, imitando-a, processando a


ligação e não conseguindo responder algo decente, bati com força

algumas vezes contra a lataria e gritei:

— Capitão!

A resposta veio gritada também, e foi Léo que respondeu:

— Estamos aqui embaixo, venha logo.

Dei alguns passos, na direção da escada e avisei:

— Trouxe visita. — Valentina quase grudou nas minhas

costas. — E ela tem a fome de um pedreiro ao meio-dia.

Eu não ganhei um xingamento. Ganhei um soco. Nas costas.


— Estou mentindo? — Olhei para ela, indignado com sua
reação.

— Desça logo antes que eu desista disso.

E tendo ela agindo quase normalmente, obedeci.

Descemos as escadas, mas lá embaixo algo mudou.

Valentina pareceu ficar arisca de novo, desconfiada, e tomou

alguma distância de mim.

Respirei fundo, tentando entender e cheguei até a porta da

cozinha, me encostando no batente e cruzando os braços, observei

a cena de Léo ajeitando mais lugares na mesa enquanto o capitão


tirava do forno um pedaço grande de carne assada.

— Ben, seu desgraçado — Leonardo me xingou, se erguendo


ao me ver. — Não podia ter nos avisado da visita antes?

— Não era uma certeza — respondi, conforme ele vinha me


cumprimentar.

Descruzei os braços, esperando-o erguer a mão para tocá-la,

mas o garoto parou no lugar e arregalou os olhos, surpreso, quando


Valentina chegou atrás de mim.

— Quem é ela? — Encantado, curioso, quase deslumbrado,

ele não conseguiu deixar de encará-la. — Espera. Eu já te vi antes?


A pergunta dele não foi para mim, mas ainda assim, eu
respondi:

— Sim, você já a viu antes. Ela era a garota da gaiola, na


Perdición, lembra?

Leonardo olhou de mim para ela rápido demais, e juntando


dois mais dois, exclamou, animado:

— Ela é a sua parceira?!

Quis rir e me voltei para Monroe.

— Que merda de solvente você deu para esse moleque


cheirar, enquanto vocês ficaram fora para o cérebro dele diminuir
assim?

Monroe riu, terminando de fatiar a carne.

Seus olhos mediram Valentina e Leonardo.

— Ele vai aprender alguma hora. — O capitão deu de


ombros. — Você fez falta.

Largando as facas na pia, o capitão limpou as mãos e veio na


minha direção, me cumprimentando como Leonardo não conseguiu
fazer.
— Capitão, Leonardo, esta é Valentina. — Virei o corpo para
apresentar a garota que se mantinha de braços cruzados também,
meio encolhida.

— Olá. — Ela tentou um meio-sorriso e ergueu a mão,


acenando.

— Benjamin te deu trabalho também, filha? — Monroe

perguntou, virando-se para a mesa e sentando, chamando a garota


com a mão para se aproximar.

Incerta, Valentina caminhou passo a passo, entrando pela

cozinha, se sentando no lugar vago.

— Apesar de teimoso, ele não é tão difícil de lidar. — Sua fala


era baixa, mas tinha um tom quase terno perto do que eu conhecia
dela.

— Preciso discordar. — O capitão serviu um pedaço de carne


em seu prato e brigou comigo e com Leonardo. — Sentem logo ou a
comida vai esfriar. — Mais pedaços de carne foram distribuídos e

nós seguimos sua ordem. — Benjamin é um ímã de confusão.

— Valentina é pior, acredite — me defendi, terminando de


montar o prato dela, colocando o tanto de comida que eu sabia ser o

suficiente para ela começar.


Leonardo não me esperou e passou a devorar o almoço
quase como um selvagem, e assim que eu servi o prato de

Valentina, depois dela ver como um dos nossos comia, se sentiu


mais à vontade para comer livremente.

Monroe notou. Encarou aquilo querendo rir e trocou olhares

comigo.

— Como vai o trabalho de vocês? — Leonardo perguntou


diretamente para ela.

— Bem — respondeu de boca cheia.

— Vocês já eliminaram o alvo? — o capitão perguntou para


mim, parecendo preocupado.

— Não. — Suas sobrancelhas se ergueram, surpreso. —

Desta vez não é tão simples. Seu velho amigo me pediu um trabalho
diferenciado. Estamos espiando e… — encarei Valentina, seu rosto
mudou na hora —… parece que nossa vítima está levantando um

acervo sobre tráfico humano.

O capitão bebeu um gole de sua cerveja, e batendo a garrafa


na mesa, me encarou sério.

— O pai de Arthur traficava pessoas. Esse foi um dos

principais motivos pelo qual eu o matei.


Valentina parou, processando a informação.

— E agora parece que o filho mexe com a mesma coisa —


sentenciei.

— Ele não era assim antes — o capitão tentou argumentar.

— É. — Valentina me surpreendeu, abrindo a boca. — Mas

agora ele é louco.

O silêncio na mesa foi absoluto.

A conversa só voltou quando Leonardo, depois de devorar


dois pratos, foi pegar algo doce e xingou o capitão pelas últimas

semanas.

— O garoto não tem etiqueta — Monroe reclamou.

— E você acha que é um lorde do crime? Faça-me o favor.

Valentina tentou segurar o riso.

Foi bom vê-la um pouco mais solta, mas eu ainda queria


mais…

Quando o almoço acabou, ela e Leonardo recolheram os

pratos e o capitão saiu para fumar.

Eu também queria ir, mas não consegui deixá-la.


— Valen — chamei. — Leonardo vai limpar tudo, você…
venha comigo.

Ofereci minha mão e ela parou, respirou fundo, e a aceitou.

— Aonde vamos?

— Ao meu quarto.
 

 
A ponta dos seus dedos fez falta sobre minha mão quando

ela me soltou e entrou pela porta da cabine onde eu vivi pelos


últimos quinze anos. Valentina olhou para o único quadro na parede,
uma foto minha, de Monroe e de Léo, que o garoto havia me dado

de aniversário, dois anos depois de chegar, e depois de encará-la


por pelo menos dois minutos em silêncio, girou pelo quarto.

Observei com cautela, me sentando na cama, tirando um

cigarro do maço que mantive no bolso da camisa, dando uma


primeira tragada pesada, tentando relaxar o peso do meu peito e
costas por me sentir cego sobre tudo o que devia passar sobre sua

cabeça.
Valen revistou cada centímetro, cada sombra
desinteressante, como se tudo valesse sua atenção, e quando

terminou, sentou ao meu lado suspirando e pegou o cigarro aceso


da minha mão, tragando-o lentamente. Seus olhos se estreitaram
antes dela sorrir e erguer a cabeça, soltando a fumaça pelo nariz.

— Eu não esperava isso de você, mesmo que pudesse

imaginar ao longe. — Ela entregou o ouro.

— O quê?

— Essa coisa familiar. Ter alguém por quem se importar, por

quem lutar, por quem voltar… — Seu olhar se perdeu. — Eu não


tenho mais.

— Quer me contar o que aconteceu de ontem para hoje? —

Não sabia ser menos direto que aquilo.

Curvei-me, apoiando um dos cotovelos no joelho e a fitei,


virando a cabeça na sua direção.

Valentina se virou para mim, uma das pernas sobre a cama, o

joelho da que estava fora encostando na minha coxa. A garota


suspirou tão profundamente que seu peito tremeu.

— Eu tinha treze anos. Vivia em um bairro pobre, cheio de

imigrantes em Miami. — Ela começou a desenhar com a ponta das


unhas nas minhas costas — Meu pai trabalhava com carpintaria,
mamãe fazia limpeza. Era uma vida de muito trabalho, mas

estávamos bem. — Ela deu mais uma tragada no cigarro e me


ofereceu de volta.

— Minha única obrigação era estudar, até que um dia, uma

quinta-feira de outono, ela ficou gripada, meu pai não voltou cedo do
trabalho, e eu saí tarde da noite para comprar remédio… Aquele dia
foi tão estranho e tudo aconteceu tão rápido que eu não sei mais

todos os detalhes, mas me lembro bem de ter olhado para o


camburão cinza do outro lado da rua da farmácia e me arrepiado

dos pés à cabeça por pensar que ele me seguia. — Ela cedeu com
os ombros e disse mais baixo: — Queria estar errada, mas não
estava.

Foi minha vez de dar mais uma tragada no cigarro.

Não conseguia desviar os olhos do rosto de Valentina, de ver


como seu semblante refletia a indignação que aquelas memórias
traziam, mas me mantive ali em silêncio, esperando, bebendo fosse

lá o que ela me servisse.

— Eu era pequena, leve, frágil… indefesa. Quando um único


homem veio me pegar, dei o meu máximo para gritar, me debater,
fugir. — O sorriso triste que rasgou seu rosto por um minuto me

quebrou ao imaginar a cena. — Mas eu era um nada. Minha luta fez


os homens dentro da van rirem e me chamarem de esquentadinha.
Eu fiquei vendada, com fome, sem noção alguma do tempo.

Lembro-me de ouvir mais meninas chorando em volta, mais vítimas


como eu, mas ninguém fez nada. — Ela fez uma pausa, coçando o

centro da testa, trazendo à tona mais uma lembrança. — Naquele


dia, eu rezei todo o tempo. Pedi muito para que Deus enviasse um
anjo, nem que fosse o da morte, porque eu já tinha visto na

televisão sobre coisas que poderiam acontecer comigo. — Aquilo


me arrepiou todo o lado esquerdo do corpo.

Era ela, a morte, espiando da porta enquanto Valentina

confiava em mim para abrir sobre sua história.

— A partir daquele dia, a morte foi o único deus para o qual


eu rezei. — Sua voz mais baixa e sóbria me hipnotizou. — Nós
fomos descarregadas como porcos, ameaçadas com armas, chutes

e socos. Fomos obrigadas a obedecer, a nos banhar, a ficarmos


nuas em uma sala escura. Eu mal tinha começado a menstruar —

ela pontuou com dor e eu quis abraçá-la, mas me contive. — Dez


meninas mais velhas, que foram escravizadas antes de nós, vieram
para explicar o que aconteceria, o que deveríamos fazer, como
fazer. E depois deles separarem as virgens das não virgens, as
regras foram colocadas na mesa. — Rindo em deboche, com os
olhos cheios d’água, Valentina soltou, amarga: — Não grite, não

resista, não chore. Obedeçam aos homens, não os olhem nos olhos
a menos que eles peçam…

Cedendo com a cabeça por um minuto, ela deu um riso

frouxo, fungou e limpou o rosto antes de se erguer um pouco.

— Naquela mesma noite, eu fui fotografada. Dois dias depois,


minha virgindade tinha sido vendida. — Ela recolheu as mãos no

colo, eu já tinha acabado com o cigarro e começado outro, agoniado


com o que me contava, sabendo que não era nem um décimo do
que tinha vivido na prática. — O homem que a comprou tinha mais

idade que meu pai. Fui levada até ele vestindo nada além de uma
camisola transparente. Ainda consigo me lembrar do cheiro das
luvas de couro arrancando o tecido por cima da minha cabeça, da

textura na minha pele quando secou minhas lágrimas e conferiu


minha boceta… — Ela engoliu em seco e eu também.

— Não precisa me contar se não quiser. — Ergui o tronco,

vendo seu olhar nublado, perdido na lembrança. Valentina ignorou


meu pedido.
— Disseram para não lutar. Disseram para ser passiva. Ele
me queria como uma boneca viva… Mas não aceitei. Ele cuspiu em

mim depois de tocar todo meu corpo, quando meteu o pau em mim,
quando senti aquela dor lacerante, eu gritei. Sabe o que ele fez? Me
bateu. Eu não queria apanhar mais, eu não queria que doesse mais,

mas logo entendi que aquela seria minha vida, meu futuro, e quando
dei por mim, estava cravando os dentes no ombro do homem em
cima de mim com tanta força que senti gosto de sangue na boca. —

Ela sorriu, maquiavélica — Foi a vez dele gritar. — Seus olhos se


ergueram para os meus como se esperasse me assustar. — Ele me
desacordou batendo uma garrafa na minha cabeça e quando

acordei, pela primeira vez, estava presa em uma jaula.

Valentina suspirou, limpou o rosto e endireitou a coluna para


continuar.

— No primeiro ano, eu fui obrigada a me deitar com duzentos


e vinte e sete homens. — A conta me assustou. — Eu briguei com
quase todos, e o assustador era que eles pareciam gostar disso,

dessa resistência. Foi em um dia desses, voltando para minha jaula,


que Lucinda me acolheu pela primeira vez. Ela cuidou do
machucado que causaram no meu rosto, disse que eu não podia

ficar com marcas e que precisava ser esperta. Foi ela quem me
ensinou que sexo podia ser prazeroso e, depois de um ano odiando

aquilo, tendo um momento em que havia prazer, eu fiquei viciada.


Ainda brigava, mas menos do que antes, não com todos. Ganhei a
chance de ficar fora da jaula, mas isso não ajudou quando percebi

que praticamente todas as meninas que viviam ali na mesma


condição que eu, tinham se quebrado. — Havia tristeza em sua voz.
— Elas não passavam de sombras do que eram e, uma a uma, elas

foram vendidas, menos eu. Ganhei minha gaiola dourada assim, a


garota mais lucrativa, a mais arredia. A única que decidiu não ceder.
Tudo o que Arthur tentou nos últimos três anos foi piorar esse meu

lado, e me colocou dentro do quarto com homens que adoravam


violência e se excitavam ainda mais com a minha resistência.

— E por que você continuou lutando contra, já que ele… —

Minha pergunta não era para ser ofensiva, era só para entender sua
motivação, mas seus olhos queimaram em mim e ela se enfureceu
conforme me interrompia.

— Porque a partir do momento em que eu ceder, deixo de ser


uma puta e viro só a escrava. — Aquilo amargou minha boca. — Eu
já fui Nathalia, Valentina e Olívia. Fui mil e uma coisas diferentes,

também não fui nenhuma delas. Meu corpo é minha prisão, mas
minha mente, mesmo sem nome, sem casa, sem nada, é minha. E
ela, ninguém nesta terra vai ter. Eu, ou o que sobrou de mim, ainda

me pertenço. Se for para morrer, quero morrer como alguém que


resistiu até o último segundo, não como alguém que não é ninguém.

Eu nunca a quis tanto quanto naquele momento.

Sua força, sua mente, seu conjunto todo. Ela era ela. Era
dela.

Se eu já queria ajudá-la antes, agora colocaria o mundo

abaixo por sua liberdade.

Se eu já a respeitava, agora não a via mais como alguém que


só precisava da minha proteção, mas sim alguém que lutava comigo
lado a lado.

Ignorando a resistência do espaço físico que havia tentado


manter depois de tudo, eu a abracei. Valentina resistiu um pouco.

— Eu não queria que você se quebrasse, só queria entender

o que te fez continuar lutando. Você é corajosa e forte, e eu


prometo, Valen. Prometo que vou tirar você dessa merda.

Ouvindo-me, ela suspirou, e talvez como um voto de fé,

cedeu ao meu abraço.

Aquilo foi mais íntimo do que qualquer trepada.


Aquilo foi o mais perto que deixei alguém entrar na minha
vida.
 
 
Diga adeus
Enquanto nós dançamos com o demônio esta noite
Não ouse olhá-lo nos olhos
Enquanto nós dançamos com o demônio esta noite
dance with the devil, breaking benjamin
 

As últimas horas daquele dia foram insanas para mim.

Nós não transamos, nem chegamos perto disso, mas houve

mais intimidade e carinho do que qualquer outra vez, com qualquer


outra mulher. A prova disso era como, naturalmente, eu a envolvi
em meus braços. Em como ela entrelaçou a mão na minha toda

hora que teve oportunidade, inclusive, por todo o caminho de volta


da pequena marina até o hotel.

Até mesmo na hora de dormir, algo pareceu mudar. Não


houve resistência de nenhum dos lados quando eu a puxei para

mim e acariciei seu cabelo até que ela adormecesse.

Vendo-a tão serena ali, a vontade de matar cada um dos

homens que tentou quebrá-la me consumiu. Imaginei-me acabando


com a vida de Arthur com minhas próprias mãos.

Como não havia remorso pela vida que ele proporcionava a


ela?
Como é que o desgraçado ficava bem por mantê-la naquela

condição?

O dinheiro era mesmo o deus que regia o universo.

Desenhei o contorno das sobrancelhas de Valentina, seu


nariz e boca.

Completamente absorto no pensamento das situações


extremas que ela precisou passar, sendo maior e mais forte do que

realmente era, do que qualquer garotinha precisaria.

Dali, eu comecei a entender as coisas que antes eram só


suposições, como sua fixação por desenhos, o modo como comia, o

jeito bizarro e natural como lidava com sexo. Devia ser uma merda

usar o próprio corpo como moeda de troca, como única fonte de


diversão própria, como alívio para toda hora ruim, naqueles termos

de sobrevivência.

Dei um suspiro tão pesado que ela se mexeu, se

aconchegando mais contra meu corpo, me abraçando com as mãos


em minhas costelas.

Talvez os recados que a morte tinha me dado chegavam

distorcidos graças aos meus receios.


Talvez eu a tivesse escolhido porque era seu enviado. Que,
mesmo que fosse morrer no processo, minha última missão fosse

libertar outra fiel seguidora da morte.

Dormi mal naquela noite.

Perturbado pelo futuro. Revoltado com o passado.

Não o meu.

O dela.

E no dia seguinte, quando acordei, entendi que precisava agir

logo.

Saí, deixando o café da manhã dela pronto junto a um bilhete


pedindo para ela não sair e que voltaria tarde. Desci logo para pegar

o carro e, sem pensar duas vezes, voltei ao Hand Of God.

Magnus me esperava, parecendo cheirar a confusão que eu

trazia em minhas costas.

— Venha. — Ele passou para o lado, me dando passagem.


— Traga logo a merda do problema para dentro.

Como quase um mês atrás, me sentei no banco ao lado de

sua poltrona. Esperei ele acender seu charuto, e no momento raro,

aceitei um quando ele ofereceu a caixa.


— Você está mesmo fodido — ele concluiu quando me viu

dar a primeira puxada.

— Por que está dizendo isso?

Sorrindo para uma piada que só ele conhecia, Monroe serviu


bebida para nós dois e esperou eu dar o primeiro gole para dizer.

— Porque, se entendi bem, você está apaixonado por uma


escrava. — Quase engasguei. — E — ele continuou — determinado

a dar liberdade para uma garota que tem as asas quebradas.

— Você ficou louco? — vociferei, tossindo.

— Você ficou. Mas eu entendo a loucura… Valentina é, na

falta de palavra melhor, interessante — ele considerou e deu seu


primeiro gole no copo.

— Não, você não entendeu. Montando o quebra-cabeça, eu

sou a porra do martelo que vai quebrar a represa. Se matar Davis,


Arthur tem passe livre para fazer o que quiser…

— E o que te faz pensar que, depois de terminar o serviço,


ele vá vender Valentina? Ele a mantém agora porque ela é lucro

puro, mas até envelhecer e não render como rende hoje, se ele se
tornou tão filho da puta quanto o pai, ele vai secá-la antes de abrir
mão do seu produto valioso. E fará isso com a próxima, e a próxima,

e a próxima… — Ele suspirou. — Porra.

— Roubá-la era uma opção, mas sabendo que isso vai


continuar… — Estrangulei minha fala e neguei com a cabeça. —

Não é certo.

Paramos em silêncio por um tempo, fumando, bebendo,

presos nas questões que cada um carregava dentro de si.

— Você está apaixonado por ela — Magnus afirmou quando


ergueu os olhos para mim.

— Ela tem dezenove anos, foi escravizada nos últimos seis…

— E isso não te impediu de se apaixonar por ela. É a primeira


vez, desde que eu coloquei os olhos em você, que isso vai além de

ser a porra do salvador da pátria. Quando essa merda acabar, você


vai precisar sentar, Benjamin, e repensar toda a porra da sua vida.

— O que quer dizer? — Endireitei a postura, não entendendo


que porra era aquela.

— Você não serve mais para isso. Arthur é seu cliente, o que

ele faz é problema dele, você não deveria se envolver, ou se


importar.
Aquilo me bateu como um soco na cara sem proteção
alguma.

— Você deixaria essa merda seguir? — A indignação travou


meu maxilar, senti meu pulso acelerar, encarando o capitão sem

saber o que pensar dele.

— Provavelmente, eu não aceitaria o serviço. Assim, iria


embora e não me meteria. Estou com quase cinquenta anos, mais
dinheiro do que sonhei em ter na vida acumulado, e não preciso

mais entrar em qualquer merda que não concorde ou não goste.

— Mas eu aceitei. E não vou abandoná-la, nem deixar que


exista uma próxima Valentina na mão de Arthur. Vai me condenar?

— Não. — Ele colocou o charuto de lado, acabou com a


bebida e se ergueu, me encarando conforme me levantava junto. —

Vou continuar ao seu lado, porque te acolhi sabendo que era assim.
Apesar da merda toda que você trouxe, que te formou, você sempre

foi nobre. E, sinceramente, não salvei a vida de Arthur porque o


adorava. Salvei porque, na época, achei que era o certo. Hoje,
talvez o certo seja meter uma bala na cara dele.

— Então se precisarmos fazer isso…


— Conte comigo. Não tenho sua nobreza, mas possuo uma
mira tão boa quanto.
 

 
Passei o dia fazendo minha lição de casa, erguendo
informações, material de trabalho, e descobri mais sobre Nathalia

Franco.

Ela realmente tinha sido levada aos treze anos, um mês

antes de fazer aniversário. O pai dela morreu depressivo depois de

perder sua única menina. A mãe ainda vivia. Seu endereço tinha
mudado, e ela gastou os últimos recursos buscando pela filha,

tentando visibilidade para o caso, mas não teve apoio de nada, nem

ninguém, precisando desistir.

Eu não tinha filhos, nem pretendia tê-los, mas não sabia dizer

como parecia desesperador a ideia de perder alguém daquela

forma.

Foi por isso que na hora em que a Perdición abriu as portas

naquela noite, com o capitão e Leonardo ao meu lado, adentramos


a porta do inferno.

— Preciso falar com Arthur — avisei na porta, para um

homem que conhecia meu rosto.

— Entre na casa e espere até alguém informar se o chefe

receberá vocês.

Seguindo a ordem, um pouco apreensivo, chegamos até o


salão e nos colocaram sentados com as regalias de sempre. Léo se

divertiu, o capitão estava mais contido, mas não negou a dança em

seu colo. Eu não deixei ninguém se aproximar. Era ridículo notar o


quanto tudo ali tinha perdido a graça só por descobrir o que se

escondia por trás.

Era como um amigo falso que, quando descoberto, todos os


defeitos ignorados gritavam em evidência.

Demorou meia hora para a garota de peitos grandes com


mamilos tapados com fitas vir retirar nossos copos e avisar que

podíamos descer.

— Eu conheço o caminho — avisei os dois que se ergueram,


me seguindo.

Passando pelo mesmo caminho que CJ me levou pela


primeira vez, caminhamos a passos largos até chegar à enorme
porta. Notei a estranheza no rosto de Monroe e pensei que tudo

devia estar diferente desde a última vez que ele pisou ali.

— Há quanto tempo você fez o que fez? — perguntei baixo,


curioso.

— Seis anos — ele respondeu em uma troca de olhares


séria, me deixando entender o recado.

Matar o pai de Arthur realmente tinha pausado o negócio de

tráfico humano, mas depois da restruturação completa, parecia que


o filho estava seguindo os passos da ruína do homem que tentou

contra sua vida.

A porta se abriu logo que nos aproximamos, um homem com

cara de mal-encarado nos convidou para dentro e, ouvindo a música

de batida sensual em um volume superior à conversa, adentramos o


escritório de Arthur.

No chão, duas meninas nuas davam seu pequeno

espetáculo, transando e gemendo em um show especial para o rei.

No alto do seu trono, Arthur assistia às duas parecendo

entediado, com um dos cotovelos no encosto da cadeira. Com a

mão no ar, seu polegar passava pela ponta dos outros dedos para
cima e para baixo em um ritmo acelerado, mas assim que ele nos

viu, seus olhos cresceram e os cantos de sua boca se curvaram.

Arthur levantou e apontou para o homem perto do som. A

música baixou significativamente.

— Vocês duas, fora. — Ele indicou a porta para as meninas,

que não se demoraram em pegar o que tinham de roupa e fugir por

onde entramos.

— Oh, captain, my captain! — ele cantou, feliz, abrindo os

braços para abraçar Monroe. — O que traz o meu herói, meu


assassino de aluguel lerdo e o cachorro deles até meu escritório

uma hora dessa? Espero que seja uma boa notícia. — Sem deixar

nenhum de nós falar, ele abraçou o capitão e procurou mais alguma

coisa no ambiente. — Onde está aquela putinha da Valentina? —


Soltando Monroe, ele me encarou, desconfiado. Os olhos verdes

eram dissimulados. — Eu avisei que ela era responsabilidade sua.

— A ameaça presente em sua voz não me assustou. Na verdade,


precisei me segurar para não o atacar bem ali.

— Não há problema algum com ela — fui mais grosseiro do

que deveria e ele soltou um riso debochado.


— Então o que é? Quer mais dinheiro? Achei que sendo

amigo deste homem, você seria mais competente, Benjamin. —

Arthur bateu no peito do capitão e se afastou para sentar no sofá. —

Por que Davis ainda não morreu?

— Porque você quer algo específico e bem-feito, mas vim

avisar algumas coisas e pedir outras.

Ele riu, descendo com o quadril no sofá, meio se afundando

nele.

— Quando e quanto?

— Matarei Davis amanhã — ele bateu palmas —, mas não


quero dinheiro.

— E quer o quê? — debochando, ele se sentou direito.

— Valentina. — Seu rosto tão expressivo virou uma máscara

ilegível. — Quero comprá-la.

— Ela não está à venda.

— Então Davis não vai morrer, e virá atrás de você com tudo

o que tem. — Eu já ia dar as costas, mas ele foi rápido.

— O que ele tem?


— Mais do que imagina — respondi sobre o ombro, no tom

mais ameaçador que tinha.

— Podemos negociá-la? Valentina ainda é muito querida por

aqui, talvez em uns cinco anos, ela esteja muito velha e não tão…

selvagem. — Sorrindo, ele se levantou de novo.

Suspirei pesado, trocando olhares com o capitão e voltei a

caminhar para a porta.

— Espere, espere! Quero Davis morto. Preciso desse filho da

puta fora do meu caminho. Quer Valentina? Ótimo. Darei ela a você.

— Em dois dias?

— Em dois dias, traga-a, com as coisas de Davis.


Comemoraremos juntos — Arthur pediu.

Assim que saímos da sala, Monroe juntou em mim e soprou:

— Ele está mentindo.

— Eu sei. E eu vou fodê-lo por isso.


 
 
 
Guarde suas confissões
Porque, querido, eu não sou nenhuma santa
Nós estamos brincando com fogo
Mas eu gosto desse jogo
E eu conheço seus demônios
Conheço eles por nome
Quando você olha na minha direção
Oh, eu não estou com medo
Com seu beijo na minha pele
E essa bagunça em que estamos
Em chamas
in flames, digital daggers
 

Abri a porta do quarto e a empurrei, desconfiado.

As luzes estavam todas apagadas. A única iluminação vinha

do banheiro e não era da luz do teto.

— Olá? — chamei, antes de entrar.

— No banheiro — ela avisou, a voz calma, nada alerta.

Não achei que houvesse alguma trama nisso, ainda assim, fui

cuidadoso em fechar a porta e conferir se minha arma na gaveta do


aparador ainda estava carregada.

Com ela nas costas, só para garantir, caminhei até a porta do

banheiro e me senti um idiota.

A luz vinha de velas espalhadas pelo banheiro.

Valentina estava na banheira, havia espuma e pétalas


vermelhas espalhadas por todo o canto, ela largou a taça de

champanhe no chão ao me ver.

— Está tudo bem? — perguntei só para conferir.


— Está. — Seus olhos brilharam mais forte que as chamas

das velas sobre mim.

— Ótimo, vou deixar você à vontade… — Já ia dando passos

para trás, procurando outro canto para olhar que não fosse seu
rosto.

— Não. — Parei no lugar, sem conseguir fugir. — Quer dizer,

venha aqui.

Movendo-se, ela apoiou as mãos na borda da banheira e o

queixo sobre elas.

— Fiquei o dia todo sozinha, estou um pouco entediada…

Respirei fundo, dei um passo para trás só para conseguir


largar minha arma na mesa de cabeceira e, arrancando os tênis,

voltei para dentro do banheiro.

— O que fez hoje? — perguntei, me aproximando, indo no

chão ao lado da banheira, na mesma altura que seu rosto.

— Assisti à televisão, fumei, comi e dormi… — O resumo em

tom entediado não foi pior que a pergunta vinda depois. — E você?

— Eu? — Respirei fundo, apoiei as mãos espalmadas contra

o chão e afastei o tronco, encarando o teto antes de contar o que

tínhamos na mão. Ela não precisava saber sobre as desgraças que


atingiram sua família, então foquei no que era relevante para nós
dois. — Resolvi algumas coisas com o capitão e Leonardo, e

quando a tarde caiu, nós fomos ver Arthur.

Ela se ergueu. A água fez barulho.

— E como foi? O que você disse? O que ele disse? — Seu

rosto mudou de imediato. A preocupação nublou sua face, seus


olhos escureceram ainda mais.

— Ele quer Davis morto e reclamou da demora. Eu falei

sobre o trabalho difícil e que o preço tinha aumentado. Aquele idiota

tentou me oferecer dinheiro, mas… — neguei com a cabeça, me

aproximado um pouco mais da banheira —… eu pedi por você.

— E ele? — Ela veio mais para perto, cheia de expectativa.

— Disse que em dois dias era para voltarmos, com Davis

morto, os documentos, e você.

Ela encarou o nada por algum tempo e se abraçou.

— Dois dias? É pouco para… — Ela suspirou e escondeu

parte do rosto no braço antes de olhar para mim e colocar para fora

o mesmo pensamento que eu tinha: — Ele não vai me dar para

você.
— Eu também acho que ele está mentindo, mas não tenho

pretensão alguma em deixá-lo me enganar, muito menos ficar com


você.

— O que faremos?

— Amanhã vamos encontrar Davis, e se o jogo virar como


espero que aconteça, os dias de terror vão acabar. Não se

preocupe, Valen. Você vai voltar para casa, para sua família, e eu
vou para o próximo trabalho.

— Ou vamos morrer.

Sua sentença nos bateu. Era real.

Seus olhos se prenderam aos meus e ficamos quietos,


sentindo o peso do destino.

Se em dois dias as coisas não dessem certo, então só

tínhamos dois dias juntos.

Minutos se passaram, eu ameacei levantar e ela ficou de

joelhos para me alcançar.

Sua mão segurou com força na manga da minha camiseta.

— Temos dois dias — ela, muito mais corajosa do que eu,


colocou nosso pensamento para fora.
Engoli em seco, vendo seu corpo um pouco acima do meu,

molhado, nu, com pétalas grudadas na pele que refletia à luz das
velas. Levei um longo segundo para apreciá-la por inteiro e sofrer o

castigo por aquele ato.

— Você vai sobreviver. — Minha voz estava baixa, mais


grossa do que eu esperava, mas intensa, tanto quanto o olhar que
ela me dava.

— A questão não é essa. — Ela me soltou, apoiou os

cotovelos na beira da banheira e pendeu a cabeça, olhando para o


chão, parecendo ter vergonha do que dizia. — Eu nunca fiz amor,

Benjamin. Nunca fui tratada da forma como você faz, e é assim que
quero terminar isso. Você pode, por favor, fingir que me ama hoje?

Seus ombros se encolheram, seu corpo cedeu para baixo, se


sentando sobre os joelhos.

E, sabendo que o futuro não prometia nada, decidi parar de

fugir.

Levantei-me e, na sua frente, puxei seu rosto para cima com

delicadeza, afastando uma das mechas de cabelo para o lado,


acariciando sua bochecha.
Seus olhos mediram os meus, esperançosos, aflitos, quase
desesperados.

O abismo. O meu abismo.

— Você pode fazer o mesmo por mim, só hoje?

— Posso. — A resposta foi fraca, baixinha.

— Então, baby girl — soltei seu rosto e arranquei a camiseta

—, venha pegar o que é seu.

Ela se ergueu de dentro da banheira, me puxou pelo pescoço


conforme eu a abracei, juntando seu corpo contra o meu. Minhas

mãos deslizaram espalmadas pelas laterais do seu corpo, chegando


à sua bunda, apalpando antes de erguê-la para o meu colo.

Nossas bocas se juntaram, ela gemeu quando ditei o ritmo


daquilo.

Era para ser intenso, doloroso. Era nossa despedida.

— Você pode me foder aqui — disse baixo contra minha


boca.

— Não — rebati contra seu lábio inferior depois de sugá-lo e

girei na direção da porta. — Fui torturado demais naquela porra de


cama. É injusto não ter você nela.
Ela sorriu, pegando meus cabelos, acariciando minha nuca, e
quando despontei no quarto, já colocando a garota na cama, Valen
ficou de joelhos sobre o colchão, escorregando as mãos pelo meu

peito, se afastando, olhou para baixo e foi tentar abrir minha calça.

— Não, baby girl. — Segurei suas mãos e vi seus olhos nos


meus, inseguros. — Você passou a vida servindo… — Soltei suas

mãos que penderam ao lado do corpo curvilíneo, e me dobrando um


pouco sobre ela, abracei sua cintura com um braço só, roçando

minha barba por sua clavícula, me aproveitando do fato de ela deitar


um pouco a cabeça para trás, roçando a boca por todo o caminho

até sua garganta. — Está na hora de ser servida.

Mordisquei sua pele e a lambi até o queixo, tomando a boca


de Valentina em seguida, conforme a inclinava para trás, deitando-a

na cama, cobrindo seu corpo com o meu.

Sentei-me sobre suas coxas, travando Valentina na cama e,

afastando meu tronco do dela sem separar nossos rostos, toquei

seus braços, acariciando cada pedaço dela, tomando cuidado para

ser atencioso em deixar minha digital em todo canto. Subi para o


antebraço e segurei seus ombros.
Escorreguei os dedos, afundando-os em sua carne, e

descendo pela lateral de seu corpo, passando por suas axilas,


consegui um sorriso soprado durante o beijo, e aproveitei o espaço

entre seu corpo e a cama para pegá-la decentemente. Continuando

minha revista minuciosa, meus polegares roçaram pela lateral dos


seus seios, e baixinho, ela arfou contra minha boca.

Desci mais um pouco, acariciando suas costelas, relevo a

relevo, marca a marca, e então, quando cheguei ao final delas,


juntei as mãos espalmadas sobre seu ventre e as subi.

Valentina mordiscou meu lábio, ansiosa, e eu devolvi com


maior lentidão e pressão quando meus dedos finalmente

alcançaram a parte de baixo de seus seios.

Espalmei mais as mãos, forçando um pouco os dedos em


sua curvatura máxima e suspirando pesado contra sua boca,

avancei para cima dos montes. Os bicos pequenos e duros de tesão

roçaram meus dedos médios e palma da mão conforme subi. O


caminho inverso foi mais lento e duro. Meu pau pesou na calça,

duro, sedento por ela, mas me contive. Não estava nem na metade

do que queria dar à Valentina naquela despedida.


— Por favor… — ela soprou entre minha boca, arfando em

seguida, e não resisti. Parei de torturá-la daquela forma e agarrei

seus seios com firmeza, massageando-os, apertando-os, liberando


sua boca, descendo pela garganta, beijando seu colo, lambendo o

pescoço, ganhando carinho dela nas laterais do meu quadril

enquanto os gemidos baixos começavam.

Prestando atenção ao corpo de Valentina, não perdendo

nada de vista, sua pele arrepiada em volta dos mamilos me fez

provocar ainda mais aquela parte de seu corpo. Brinquei com os


polegares ao redor das aréolas, esfreguei os pontos enrijecidos,

ouvi um pequeno palavrão conforme suas unhas se afundavam na

minha carne.

Aquilo não me fez mais rápido, nem menos ansioso.

Desci um pouco mais meu corpo no dela, mantendo suas


pernas presas entre as minhas, e fiz o caminho entre seus seios

com a língua. Valentina ergueu o tronco, me oferecendo tudo de si.

Movi uma das mãos para baixo dela, sustentando parte do


seu peso, mantendo-a naquela posição, e sem tirar os olhos de seu

rosto, eu a tomei.
Primeiro com a ponta da língua, depois com os lábios, então

com toda a boca.

Não tive pressa ou dó de provocá-la mais, em sugá-la com

pressão repetidas vezes em pontos específicos. Em mordiscá-la


dolorosamente por alguns segundos e arrancar arrepios e tremores

de um corpo acostumado a usar o sexo como fuga, de alguém que

nunca foi amada.

Beijei, mordi, lambi e suguei ambos os seios de Valentina.

Paciente e cuidadosamente, eu a adorei.

Acompanhei sua respiração pesar, acelerar, ganhar corpo e

virar gemidos.

Valentina dançava embaixo de mim, roçando suas coxas uma

na outra, tentando me fazer ir logo para baixo, e vê-la naquele

estado só me fez rir contra sua pele, assistindo-a comprimir o


abdômen e sua pele arrepiar.

— Calma, baby girl, preciso fazer isso. — Dei dois beijos

consecutivos na trilha que faria para baixo. — Preciso te deixar


molhada — outro beijo — e inchada — mais um beijo — e pronta,

muito pronta pra quando eu for chupar sua boceta.

Mordisquei bem abaixo do umbigo de Valentina.


Ela tremeu por inteiro e eu sorri, satisfeito.

— Preciso do seu gosto enchendo minha boca, porque vou

sentir falta dele…

Ela poderia rebater, mas não havia mentira a ser contada, por

isso me adiantei e escorreguei mais para baixo, brincando com a


língua no caminho do osso do seu quadril direito, até encontrar a

descida da virilha e, finalmente, afastar suas pernas uma da outra.

Afastei-me um pouco, observando o conjunto da obra que era


Valentina e fui pego em seu olhar. Era vivo, faiscava, me engolia, e

parecia que nunca se cansaria disso.

Ela apoiou os pés sobre o colchão, e gostando de ser

apreciada daquela forma, desceu as mãos por seu corpo, até

chegar à sua boceta, e se exibindo, mostrando o quão pronta

estava, o quanto precisava da minha atenção, Valentina me fodeu.

— Era assim que você me queria, daddy?

Abaixei-me, abraçando suas coxas, segurando em seu

quadril, com o rosto encaixado entre suas pernas. Fiz tudo isso

mantendo o olhar no seu, e então finalmente encarei sua boceta.

Seus dedos passeando pelos lábios externos molhados, os internos


inchados, brilhando, o clitóris visivelmente inchado, pronto para ser

estimulado, pronto para mim.

Eu a cheirei da maneira mais animalesca possível. A

excitação de Valentina era o perfume mais afrodisíaco que eu já

havia sentido. Meu pau latejou, louco para provar da fonte, mas me
contive, roçando a boca e a barba pela parte interna de sua coxa ao

mesmo tempo que tirava sua mão do meu lugar de cobiça.

O prazer dela era meu. Não queria dividir o crédito naquela

noite.

E encaixando uma mão sobre seu monte, esticando um


pouco a pele para cima, expondo-a mais do que nunca, eu a

devorei.

Comecei a provocação pela parte externa, avisando que

chegaria em breve.

Mordiscos, lambidas e chupadas distribuídas em um caminho


certeiro, próximo ao clitóris dela, fizeram Valen dançar, tentando

encaixar minha boca logo onde seu prazer explodiria, mas eu a

neguei.

Forcei seus quadris contra a cama e voltei ao início, mas do

outro lado.
Ela quase gritou de frustração. Eu não me importei.

Ela não era a única sofrendo.

Sua boceta minava tesão, seu cheiro me deixava sedento, e

quando ela travou os gemidos, prendendo a respiração, se


segurando para não dançar com os quadris com medo de ser

punida novamente, eu beijei onde ela tanto queria.

Lentamente, com cuidado, usando toda minha língua, beijei

seu clitóris e ganhei o gemido mais longo, alto e provocante vindo

dela.

Eu a lambi preguiçosamente, saboreei conforme o gosto dela

vinha em ondas para minha língua, enquanto a ouvia ter dificuldade

para respirar, para gemer, para se controlar.

Suas coxas tremiam, ela ainda se mexia. Primeiro mais


contida, depois que percebeu que não estava proibida de se mover,

me incentivou a acelerar um pouco, esfregando a boceta contra


minha boca.

Acompanhei seu ritmo, brinquei com seu juízo sugando-a,

assistindo à Valen jogar a cabeça para trás e passar a mão pelo


próprio corpo de uma maneira tão intensa que marcava a pele.
— Se você continuar… — seu aviso ofegante e baixo foi
cortado quando, percebendo que o tempo acabava, brinquei com
dois dedos em sua entrada, e sentindo como ela pulsava, quente e

escorregadia, a invadi.

Valentina não resistiu. Suas mãos vieram para o meu cabelo.


Ela me puxou contra si, e eu não parei de chupá-la, não parei o

vaivém dos meus dedos dentro dela, até seu corpo entrar em
combustão.

Ela gritou, alto e sonoro, anunciando seu gozo.

A sequência de gemidos quando ela ergueu o tronco, me

puxando desesperadamente para si, me fez vacilar e obedecer.


Valentina me obrigou a beijá-la, e eu a tomei, tirando os dedos de
dentro dela, entrelaçando as mãos em seu cabelo, deitando o corpo

contra o seu.

Sua respiração difícil obrigava o beijo a ser repartido, o corpo


ainda sofrendo do orgasmo pedia descanso, mas ela não dava

indícios de querer parar. Me girou na cama, vindo para cima de mim,


e desceu as mãos para minha calça, parecendo desesperada.

Ela abriu os botões, o zíper e desceu tudo de uma vez para

as minhas coxas, me deixando nu onde importava.


Meu pau bateu contra seu ventre. Podia sentir o cheiro do
meu sexo no ar.

Ela ia descer para me chupar, mas eu a segurei firme pela

cintura, mantendo Valen em cima de mim. Seus olhos divertidos não


entenderam o que eu fazia. Ela afastou o rosto do meu, sorrindo,
ainda muito ofegante, com o coração batendo tão forte que eu

sentia como se fosse o meu.

— Não precisa me chupar por obrigação — fui claro, não


queria ser servido.

Quando processou o que eu tinha dito, Valentina riu


abertamente, jogando a cabeça para trás.

Eu não entendi.

Ao voltar a me encarar, seus olhos sorriam também, e se

curvando sobre mim, segurando minha mandíbula, ela desceu o


rosto contra o meu, mas desviou da minha boca e me lambeu, até
chegar perto do meu ouvido.

— Sabe qual é o problema, daddy? Eu me tornei uma


viciada. — Ela mordiscou minha orelha e eu estremeci por completo,
me sentindo sua vítima. — Adoro o gosto do seu pau, e preciso dele

na minha boca agora.


Ouvi-la daquela maneira me fez soltar sua cintura.

Seu corpo escorregou pelo meu, mas Valentina, por sorte,

não queria me provocar tanto.

Ela sabia que não precisava.

Quando suas mãos me pegaram e fizeram o primeiro


movimento de sobe e desce, meu tesão era tanto que precisei

fechar os olhos. Puxei o ar entre os dentes enquanto ela me


masturbava e brincava com a língua nas minhas bolas, e me
obriguei a olhar para baixo e encará-la.

Nada nunca seria como ela.

Ninguém se compararia.

Eu estava completamente quebrado e fodido depois daquela


garota.

Seus olhos escuros me engoliam, prendiam e dominavam.

Minha mente era seu palco, meu corpo seu brinquedo.

E ela me lambeu inteiro, sorvendo cada amostra do meu


desejo, antes de finalmente me colocar na boca.

Foi minha vez de arrepiar, de perder o controle da respiração,


das batidas do meu coração.
Ela me sugou, me molhou e secou. Me provocou com a

pressão dos lábios, da língua, dos dentes.

Eu gemi, pesado, sem culpa.

E então, ela me engoliu, e eu quase vacilei.

Tirei Valentina de onde estava e ela riu do meu descontrole.

Não precisei convidá-la, não precisei dizer do que precisava.

Em cima de mim, ela nos alinhou. Apoiou as mãos no meu


peito, desceu com o rosto contra o meu e, me surpreendendo,
delicada, carinhosa, ela pousou um beijo casto no centro da minha

testa, em cada pálpebra minha, e na ponta do meu nariz.

Eu acariciei o meio de suas costas com uma das mãos,


enquanto com a outra, agarrei sua cintura. Quando Valentina

afastou o rosto do meu, pensei que ela fosse dizer algo.

Eu pensei em dizer algo.

Vamos fugir.

Vamos tentar.

Se você quiser, eu quero.

Ela não disse.

Eu calei.
Minha mão foi de sua cintura para seu o rosto.

Acariciei sua bochecha, esfreguei o polegar contra seu lábio


inferior e ganhei uma mordida leve.

Mil e um pensamentos sopraram na minha mente.

O dobro disso relampejou em seus olhos sobre os meus.

Então ela selou nossa tempestade de conversas mudas.

Sua mão desceu entre nós, e agarrando meu pau com


firmeza, ela o encaixou em sua entrada e, descendo com o quadril,

tão molhada e pronta, e quente, e infernalmente apertada, ela me


deixou entrar.

Sua boca se abriu contra a minha.

A primeira metida sempre dava uma amostra do que estava


por vir.

Valen não se movimentou nem para frente ou para trás.

Sua graça foi morder meu lábio inferior e brincar com a

boceta, me apertando dentro de si em um aperta e solta fodido de


forte.

— Dois podem jogar esse jogo — rosnei contra ela e desci

ambas as mãos para sua bunda, sustentando Valentina exatamente


onde estava, e apoiando meus pés um pouco melhor no colchão,
com uma jogada só de quadril, me enfiei nela até não haver

centímetro algum meu fora.

Ela deu um grito mudo, então soltou o ar dos pulmões como


se tivesse corrido por quilômetros. Foi a minha vez de rir.

Saí dela e voltei a entrar. Em um ritmo lento, mas intenso,

duro e forte.

Ela fechou os olhos e apoiou a testa no meu queixo por um


minuto antes de voltar com as mãos contra o meu peito e se

impulsionar para cima.

Vi seu corpo se erguer, os cabelos sendo jogados para trás,


as mãos indo para sua bunda, sobre as minhas, e seguindo, se

abrindo mais para mim, tentando me levar ainda mais fundo do que
era humanamente possível.

Segurei em sua cintura e acelerei o ritmo do entra e sai.

Valentina começou a gemer mais alto, seus quadris

acompanharam meu ritmo, de repente, como dona do mundo como


era, ela abriu os olhos, saboreando o momento, orquestrando sua
música.
Seu quadril travou o meu contra a cama, e soltando sua
bunda comigo, como se fôssemos um só, curvou o corpo o

suficiente para tocar o meu peito e começou a rebolar devagar,


ganhando ritmo, até que a cavalgada para frente e para trás fez a

cama ranger quase tão alto quanto ela gemia.

Travei a mandíbula, me segurei ao máximo, mas parecia


quase impossível, já que Valen me encarava com os olhos estreitos,
sedentos por me ver perder tudo por ela.

Não cedi. Apertei sua cintura com toda minha força, tentei
pará-la no lugar, mas Valentina não cedeu. Ergui o tronco, em uma
luta quase física com a garota que tentava me manter deitado, e

finalmente consegui me sentar com ela encaixada em mim.

Não havia mais nenhum controle sobre a minha respiração


ou a dela. Valentina tomou meu rosto entre suas mãos e me beijou

devagar, sua língua carinhosa demais contra a minha, diferente do


ritmo traiçoeiro do seu quadril em meu colo.

— Eu quero que você prometa… — a voz baixa, soprada

contra minha boca, me pegou de surpresa —… prometa que não vai


me esquecer.

Aquilo era possível?


Desci a boca da sua, atingindo o seio de Valentina, sugando-

o com força, aproveitando sua distração para mudar aquela porra de


posição.

Joguei o corpo dela para trás, ficando por cima, tendo a visão

do cabelo escuro espalhado contra o lençol, dos olhos


desconfiados, dos seios perfeitos, do corpo tentador…

Em que vida eu poderia esquecer?

E, furioso por não nunca poder me livrar dela e da falta que

faria, sabendo que o destino era um grande filho da puta, saí de


dentro dela devagar, levando uma mão ao seu pescoço, apertando o

tanto que media ser confortável para ela respirar, e descontando


toda minha raiva nos quadris, meti de uma vez só.

— Eu — falei entredentes, saindo dela lentamente —


prometo. — Investi de novo, batendo o corpo no dela com força.

Ela gritou em ambas as vezes.

— Eu — repeti a saída — prometo. — Não tive um pingo de


dó dela.

A raiva só piorou.

Não queria deixá-la ir.

Não queria precisar procurá-la em outros corpos.


Não queria fingir que aquela aventura toda não tinha
significado nada.

Aumentei o ritmo daquelas estocadas, ficando cada vez mais

insano vendo Valentina perder o controle quando eu juntava nossos


corpos naquele frenesi e a enforcava.

Se eu não parasse, ela ia gozar.

Percebi isso pelo tremor que vi chegar ao seu ventre e,

enterrado nela na última investida, completamente ofegante, me


curvei sobre seu rosto.

Olhando nos seus olhos, disse a verdade escancarada:

— Nunca vou me esquecer de você, garota. Não importa qual


seja seu nome, seu endereço, com quem você siga — admitir aquilo
me derrubou. Uma lágrima desceu por sua bochecha, grossa,

pesada, aflita, e caiu na minha mão. Engoli em seco.

Eu não podia dizer aquelas palavras.

Negava-me a dizer aquelas três malditas palavras.

— Eu te amo — foi ela quem disse.

E foi ali que eu quebrei.


Era injusto que a melhor foda da minha vida também fosse a
mais triste.

Valentina me abraçou, forçando meu corpo ficar junto do seu

naquele meu ataque de raiva, e com a boca contra a dela, meus


dedos em sua boceta brincando com seu clitóris, e a maior revolta e

dor que eu já havia experimentado na vida, eu fodi e fiz amor com


ela.

Engoli seus gemidos em nosso beijo, aceitei cada tremor do


seu corpo, aguentei a dor das suas unhas se enterrando nos meus

braços e me entreguei de vez, junto dela, quando as paredes de sua


boceta pulsaram extremamente forte, massacrando meu pau.

Gozei conforme ela me apertava.

Segurei-me com o último fio de força que tinha para que ela
não me expulsasse.

Queria ficar ali para sempre. Queria morar em Valentina.

Em sua boceta.

Em sua cabeça.

Em seu coração.
 
 
 
 
Quando eu finjo que posso esquecer sobre o criminoso que sou
Roubando segundo após segundo
Só porque eu sei que posso
lying from you, linkin park
 

Não houve conversa.

Nós não tínhamos mais o que conversar.

O destino estava na mesa e, de qualquer jeito, era o fim da


linha.

As cartas de tarô daquele dia brilharam na minha cabeça.

O carro. Os amantes. A morte.

Respirei fundo, antes de colocar Valentina dentro do carro e

parar onde sabia que John Davis se exercitava, caminhando na


praia.

— Preciso que você finja me chupar — falei, conferindo no


espelho retrovisor o caminho pelo qual Davis e sua equipe

passariam.

— Não preciso fingir. Eu não menti ontem à noite.

Engoli em seco. Não mentiu sobre o que, garota? — pensei


em perguntar, mas me calei quando ela veio animada demais abrir
minha calça, ficando de joelhos no banco do passageiro.

Parecendo, como sempre, muito empenhada na missão,

Valentina me deixou duro em questão de segundos.

— Nunca decepciona. — Ela riu, orgulhosa, me masturbando.

Evitei seus olhos, mas não consegui conter a reação física

que a primeira chupada dela me causou. Puxei o ar entre os dentes,


travando a mandíbula, rezando para aquele desgraçado passar logo

por nós.

Ela não pensava como eu.

Valentina me masturbou ao mesmo tempo em que desceu e

subiu com a cabeça, me molhando todo com sua saliva antes de


meter meu pau inteiro na boca.

— Caralho — xinguei, apertando a lateral do banco, evitando

tocar nela.

Meu palavrão só a incentivou. Erro meu.

Estava quase pegando Valentina pela nuca e fodendo sua

boca quando, salvo pelo gongo, Davis se aproximou.

— Vocês dois não têm jeito mesmo, não é? — Surgindo na

minha janela, ele apreciou com os olhos brilhando enquanto a


garota dava o seu melhor para me fazer gozar em tempo recorde.
Nem eu nem ela respondemos.

Quase rosnei quando ela me enfiou todo em sua garganta e,

sem avisar, fui um belo de um filho da puta ao gozar.

Valentina sabia fazer seu trabalho com excelência. Ergueu

pouco a pouco a cabeça, encarando Davis pela janela, terminando

de engolir minha porra.

Eu sabia que, se ele pudesse, a pegaria ali mesmo.

— John — ofegante, me preocupei em limpar o canto da

boca dela e me virei para ele —, amigo. O que faz aqui?

— Me exercitando. Ordens médicas — justificou. — E vocês?


— Seus olhos não conseguiam deixar Valentina por mais de meio

segundo.

— Estamos indo almoçar, não quer ir junto? — foi ela quem

convidou, e depois dela rejeitar todas as suas investidas, tê-la tão

receptiva do nada o fez transcender.

— Preciso tomar um banho e…

— Não se preocupe com isso, entre logo, vamos lá — ela o

incentivou e eu destravei as portas. — Seus seguranças podem nos

seguir do seu carro, apesar que eu e Andrew não somos ameaça

alguma, eu juro.
O modo angelical como ela sorriu, flertando com o velho,

batendo os cílios para ele, quase me convenceu.

— Eu… — Ele suspirou.

— Nós vamos embora este fim de semana e queríamos te


dar um presente por ter cuidado tão bem da gente.

Ela o convenceu no momento em que apertou os seios com


os braços, de joelhos, ainda no bando do passageiro.

— Neste caso. — O homem virou para os seguranças,

gritando uma ordem para voltarem para casa, e entrou pela porta
traseira.

Travei as portas, fechei os vidros fumês, e o ouvi conversar


com Valentina.

— Para onde vamos?

E seguindo o plano que traçamos naquela manhã, ela tirou a


Glock debaixo de seu banco e a segurou na direção da cabeça de

Davis.

— Nós vamos descobrir por que Arthur Perez quer você


morto — respondi, andando dentro do limite de velocidade.

Houve um minuto longo de tensão. Tentei encará-lo pelo


espelho retrovisor e vi seu choque pelo nome dito, então raiva e
incredulidade.

— Perez? É para aquele porco que vocês trabalham? — nos

acusou como se aquela traição fosse absurda.

— Você fez algo que o irritou. Segundo ele, você é corrupto e


quer atrapalhar os negócios dele, então conte para nós, Davis, por
que é que você tem um arquivo de desaparecidos tão grande no seu

computador, e o que realmente quer?

— Corrupto, eu? O caralho! — Vi que ele suava e ficava


vermelho. — Esse desgraçado voltou a traficar gente. O pai dele

fazia isso e agora ele quer voltar com tudo. Eu não quero que
Nassau se torne um lugar onde o tráfico humano seja o atrativo.
Não sou um homem de gostos comuns, vocês sabem, mas sou um

ser humano decente.

— Prove — Valentina ordenou, a arma perfeitamente segura


em sua mão.

— Tenho um informante no lugar. Um segurança. Ele disse


que há gente trazida de todo o canto em situação precária. Vou

resgatá-los assim que conseguir um mandado, um que está difícil de


conseguir porque esse desgraçado compra todo mundo. Era isso

que queriam saber? Pois é o que tenho.


Encostei o carro em uma avenida movimentada, respirei
fundo, tirei meu cinto e me ajoelhei no banco, virando para trás.

Queria ver a cara de Davis.

— Ele me contratou para matá-lo, mas os planos mudaram.


— O homem, por algum motivo absurdo, não parecia surpreso com

aquela possibilidade. — Se você quiser salvar essas crianças, se


quiser acabar com Arthur, temos que agir e trabalhar juntos.

— Não trabalho com gente da sua laia — esbravejando,


cuspindo as palavras, ele pensou em abrir a porta.

— É? Então vou matar você aqui mesmo, desovar o corpo no

mar, e você vai sair no jornal como um drogado, safado, levando no


seu rabo toda a acusação do tráfico de gente que acontece neste
lugar. Acredite em mim quando digo que sei armar um circo. Você

mesmo acreditou em alguns dos meus espetáculos. — Parando de


chilique, ele resolveu me ouvir. — Eu só quero acabar com essa

merda, tanto quanto você, e tenho liberdade poética de ser um zé-


ninguém no mundo para mandar Arthur de vez para o inferno. Se o
pai dele tinha um herdeiro louco, temos a sorte de que esse

desgraçado não tem filhos.


Davis parou, analisando tudo e, percebendo que ele
realmente considerava minha oferta, fiz Valentina abaixar a arma.

— E aí, o que vai ser? — pressionei um pouco.

— O que preciso fazer?

— Sumir alguns dias do mapa e deixar soltar uma nota da


sua morte para a imprensa. Depois, se conseguirmos mobilizar a

polícia, invadiremos a Perdición e tudo vai acontecer como deve.


Com a sua morte, ele vai afrouxar o cerco sobre como tem trazido

gente, quem sabe, conseguiremos pegar até quem traz a carga, em

vez dele, que só deve ser um bom comprador.

— Tenho amigos que podem ajudar — ele resmungou,

considerando. — Mas não confio em você.

Valentina riu.

— Se ele o quisesse morto, você já estaria no caixão. — Ela

dominou a atenção de Davis em um segundo. — E ele não é o cara


mau aqui. Eu sou a última escrava que sobrou naquela merda e,

nos últimos seis anos, você e sua gente não fizeram nada. Se você

não fizer, acredite, sou eu quem vai matá-lo, porque eu não volto de
jeito nenhum para aquela vida de merda.
Surpreendendo-me, ela destravou a arma e apontou para ele

de novo.

John pareceu ainda mais encantado, mas pensativo,

perguntou:

— Qual o seu nome real?

— Nathalia Franco. Vim de Miami aos 13 anos. Você tem


uma foto minha de desaparecida no seu computador.

— Eu sei quem é você.

— Então sabe que eu faria de tudo pela minha liberdade,

inclusive, matar você.

— Como você está fora?

— Ele — ela indicou com a cabeça — convenceu Arthur a me


deixar sair por um tempo.

— Nathalia, eu vou ajudá-la…

— Ótimo papo, mas queremos ação — interrompi a conversa

deles. — Se hoje não sair uma nota da sua morte no jornal da noite,

eu volto e te mato de verdade. Meu prazo para entregar você é até


amanhã. Estou te dando a última chance.
— Não acha que, com esse aviso, eu posso reforçar minha

segurança?

— Não acha que, se sua segurança toda me assustasse, eu


teria ficado quieto?

Ele não tinha argumento nenhum para rebater.

Ofereci a ele o pacote com o celular descartável e avisei:

— Mantenha-o carregado e por perto. Quando precisar,


ligarei para você.

Era o último recado.

Liberei a porta, e o homem, antes de descer, suspirou e me

encarou.

— Não tenho medo de você, mas há anos tento pegar esse

cara e ninguém aqui me ajuda. Se preciso me sujar como ele para

resolver o problema de uma vez, que seja… E você, Nathalia, eu


sinto muito não ter ajudado antes.

— Desça — ela mandou, sem dar muito papo, e ele pareceu

magoado por não concluir sua emenda de salvador honorário da


garota que queria meter o pau cinco minutos atrás.

 
Partimos dali no segundo seguinte, sabendo que ele não

estava em risco no meio de uma avenida movimentada.

— Acha que funcionou? — Ela parecia ansiosa.

— Acho que ele pensa que somos loucos, mas ele tem um

ponto importante para lidar. Se não aceitar a nossa proposta, perde

a chance de eliminar um inimigo, além de que, eu vou matá-lo

mesmo. De qualquer jeito, agora nós precisamos esperar.


 

 
Valentina passou a tarde deitada com a cabeça no meu colo,

fumando, pensando em voz alta sobre a volta à Perdición.

— Ele vai mesmo me libertar? — Ela também não confiava.

— Não de graça, mas… — respirei fundo, me espreguiçando

no sofá —… não tenho problema com dinheiro, caso ele queira um


pagamento por você.

Ela ergueu os olhos para mim, batendo as cinzas no prato


que estava no chão.

— Minha dívida com você só aumenta.


— Pague-a vivendo bem longe de confusão.

Ela riu, levando o cigarro até a boca, voltando a encarar a TV.

— Prometo fazer o possível.

Tragando, Valen jogou a fumaça para cima e, de repente, nós


dois nos sentamos alertas em um pulo. A TV estava no canal do

noticiário, e então, a foto de Davis apareceu.

John Davis estava sendo dado como morto.

Ele tinha aceitado nosso acordo.

Peguei o celular em meu bolso, digitei o número do celular

que havia dado para Davis, e esperei ansiosamente enquanto

chamava. Quando ele finalmente atendeu, eu atropelei seu alô com

uma pergunta:

— Onde você está?

— Escondido com bons amigos que não conseguem

acreditar que você é o que é.

— Acredite, Davis, eu sou muito mais do que qualquer coisa


que você tenha pensado, mas o que importa agora é a sua

segurança, e que ninguém desconfie de nada.

— Qual é o plano a partir de agora?


— Até a noite terei levantado quem é o fornecedor de Arthur,

descobrir como e onde a carga dele vem é o principal. Sua revista


nas marinas é muito porca, ele deve molhar a mão de muita gente

para conseguir passar.

—  E a garota com você, a tal Nathalia?

Meus olhos bateram no rosto curioso me encarando em

silêncio, tentando ouvir alguma coisa.

— Ela é uma peça importante nisso tudo, e ainda tem sua

parte da missão para cumprir, mas vai ficar bem.

—  Se você a perder, se precisarmos, não teremos mais uma

prova viva.

— Fique tranquilo quanto a isso, ela vai sobreviver. —  Nem

que eu desse a minha vida para isso.

— E o que eu faço, então?

— Me espere, entro em contato quando precisar.

Valentina olhou para mim com os olhos nublados quando

desliguei.

— O que foi?

— Podemos confiar?
Não. Nunca podíamos.

— Não se preocupe. Ele não é nossa única retaguarda.


 
 
 
 
Minha mente está dividida
Eu odeio, mas anseio sentir
O que eu senti antes
Mas você continua se movendo em minha direção
O que eu faço?
O que eu digo?
Pode, por gentileza, se conter?
O que me resta?
Por que esconder a verdade?
Que eu não sinto nada por você
feel nothing, the plot in you
 

Às seis da tarde, em ponto, ela se sentou na cama e pareceu

vacilar.

Valentina se dobrou, se abraçou, e no vestido que veio parar


no meu quarto, pareceu pequena, quebrada e pequena pela
primeira vez.

— Não sei se quero ir. — Erguendo o rosto para mim,

claramente se esforçando para não derrubar nenhuma lágrima, ela


soprou meio estrangulada: — Não sei se ainda consigo…

Cobri a distância entre nós em um segundo e a ergui,


envolvendo seu corpo pequeno em um abraço forte, querendo fundi-

la contra meu peito, aspirando o cheiro do xampu em seu cabelo

limpo misturado ao perfume que ela teria que deixar para trás.

— Você sabe que eu te daria outra escolha se pudesse, mas

não ir até ele com o benefício da dúvida, podendo tirar você


realmente em segurança de lá…
— Se não acontecer, então estarei morta no próximo que

colocar as mãos em mim, caso não seja você. — Fechei os olhos,


recebendo a dor daquelas palavras conforme seus dedos me

apertaram os braços com força. A raiva tomou sua voz junto ao

nojo. — Não vou me render, não vou facilitar. Se Arthur não me


libertar viva, terá que me deixar morrer, eu não vou me entregar

fácil.

Olhando para baixo, para ela, puxei seu rosto para o alto para

que pudesse me ver também.

— Não vai dar tempo de ninguém fazer nada com você. Eu


estarei lá. E não vou te abandonar. — Minha promessa em voz terna

e séria não a convenceu totalmente.

Seus olhos, cheios de receio e medo, escaparam dos meus

por um segundo antes da pergunta.

— Você promete?

— Baby girl — o apelido fez seus olhos brilharem —, eu só


saio de lá hoje com você nos braços, ou morto.

Não a beijei na boca. Não queria dificultar a situação.

Mas ainda assim, me curvei sobre Valentina e beijei sua

testa. Um beijo calmo, demorado, cheio de tudo aquilo que eu nunca


disse, nem a ela nem a ninguém.

A correspondência dela foi mais impulsiva, sua mão na minha

nuca foi implacável, e ela moveu o rosto para cima, juntando a boca

na minha, me beijando da maneira mais desesperada e dolorosa

que podia.

— Me desculpe — ela choramingou entre a respiração difícil


quando a segurei no lugar e separei nossas bocas. — Eu não

quero… — Engolindo em seco, ela afastou mais o rosto, olhando o

mais fundo possível nos meus olhos.

Eu entendia muito bem o que ela não queria, porque era

exatamente o mesmo que eu.

— Eu sei, Valen. Eu sei. — Acariciei sua bochecha de novo.

— Mas eu estarei lá. Confie em mim.

Fechando os olhos, inspirando qualquer grama de coragem

no ar, ela fez que sim enquanto dava um passo para trás.

— Aproveite agora antes que eu desista. — Girou o corpo


para a porta. — Não acredito que vou sair daqui de mãos vazias —

ela sussurrou mais para si do que para mim quando deu uma última

olhada para as roupas favoritas que usou nos últimos dias.

E ela não ia.


Minha menina-mulher.

Forte.

Quebrada.

Sobrevivente.

Valentina me tinha nas mãos.


 

 
Leonardo fumava em frente à porta da Perdición, o capitão o

acompanhava. Ambos bem-vestidos e, como eu, com armas


pequenas e munição de sobra nos bolsos.

Pela boa fama do capitão, não havia revista. Pela presença


de Valentina, havia alvoroço.

Ela estava exatamente como havia chegado. Descalça, com

o vestido vermelho, os cabelos soltos e nenhuma maquiagem.

Logo que entramos, CJ apareceu, nos interceptando no

corredor.

— Benjamin — ele me cumprimentou.


Fiz o mesmo movimento de cabeça, segurando Valen pelo

braço.

— Você e seus amigos podem ir para o salão, aproveitar a


casa. A garota segue comigo.

Ele ergueu a mão para pegar Valentina, mas eu a puxei para


trás.

— Seu chefe me deve — rosnei, demonstrando que não ia

ceder.

CJ parou, a postura séria, como se trabalhar naquele lugar,


sabendo o que acontecia dentro daqueles corredores malditos,
trouxesse algum tipo de honra.

— Ele primeiro quer ver se Valentina está bem. Ela foi um

empréstimo.

Valen tremia sob o meu toque, estava tão gelada quanto no


dia em que a levei, mas encarou CJ com raiva queimando seu belo
rosto.

— O que me garante que ele irá me receber? — me adiantei,

antes que ela falasse algo e arruinasse tudo.

— Vocês podem descer e esperar do lado de fora.


— Neste caso… — Indiquei o caminho com a cabeça para
CJ, deixando claro que estava pronto para segui-lo, mas ele não se
moveu.

— O capitão e seu amigo ficam no salão. Negócios tratados

com você, são resolvidos com você.

Olhei sobre o ombro, Monroe analisando tudo aquilo e


Leonardo parecendo pronto para briga.

— CJ tem razão, Ben. — A mão do capitão no meu ombro


não me tranquilizou. — Desça, converse com Arthur. Diga que seria

um prazer revê-lo quando tiver disponibilidade. Não planejamos ficar


muito mais, não é?

Não confirmei sua fala. Encarei CJ com os olhos estreitos,


não gostando do rumo como as coisas seguiam.

Confirmando minha suspeita, o lado esquerdo do meu corpo

queimou assim que dei o primeiro passo. No segundo, parecia que


minha pele estava em chamas.

Era a morte.

Sedenta, faminta, gritando por ajuda, gritando por mim.

Valentina e eu descemos juntos, lado a lado, de mãos dadas.


Ela parecia um bloco de gelo. O rosto atento, preso a uma
máscara inexpressiva.

Seria fácil dizer que ela não se importava com o que


acontecia ao redor, mas quando chegava aos seus olhos, ali eu via

tudo, como em uma tela de TV, exibindo seus maiores horrores.

Caminhamos juntos, com os dedos entrelaçados, apertados


um no outro, guardando do modo mais seguro as promessas feitas

naqueles dias, as de mais cedo também.

Foi assim por todo o caminho, só não ao chegar em frente à

porta do escritório bizarro de Arthur. Ali em frente ela soltou minha

mão e as fechou em punho ao lado do corpo.

— Aqui, ela entra primeiro — CJ avisou.

Os olhos dela queimaram em meu rosto, buscando alguma

solução, alguma chance de fugir daquilo.

Eu não tinha.

Precisávamos continuar.

Queria incentivá-la, fazê-la se sentir segura, mas tudo o que

ela fez foi respirar fundo, olhando para CJ, e passando por mim sem

nem mesmo desviar um pouquinho o olhar, adentrou as portas como

uma guerreira pronta para a batalha.


Dois segundos depois, eu estava sozinho no corredor, e foi

como ter um buraco no lugar do estômago. Queria ouvir o que vinha


lá de dentro, mas grossa demais, a porta não deixava vazar som

algum.

Andei de um lado para o outro.

Conferi meu relógio.

Prometi a mim mesmo que, se em dez minutos ele não me

colocasse para dentro, entraria atirando. E quase o fiz, quando,

faltando um minuto para o meu ato de loucura, a porta se abriu e CJ


me chamou.

Seu rosto era uma máscara fria.

Ele evitou me olhar como se me ignorar fizesse com que eu

sumisse.

Pensei que seu problema era comigo, até finalmente olhar

para frente.

O vestido de Valentina estava no chão, arruinado.

Havia um rastro de sangue que levava até ela no chão da

gaiola dourada.

A menina nua tentava parar o sangramento e chorava, mas

não era só de dor ou medo.


Era de raiva.

Meu sangue ferveu quando encontrei Arthur, admirando-a do

lado de fora da gaiola, rindo, com uma faca na mão. Ele largou o
objeto sobre a bandeja prateada que seu segurança segurava e,

sorrindo afetado, virou para mim e perguntou alto:

— O que é que você fez com minha pobre Valentina? Minha

herança mais querida, minha máquina de fazer dinheiro fácil?

Minha garganta queimou. Pressionei as mãos, fechando-as


em punho, sabendo que o que corria nas minhas veias era a mais

simples e pura vontade de matar aquele desgraçado bem ali.

— Tratei ela como gente, que é o que você deveria fazer.

Ele gargalhou.

— Mas ela não é gente, é o meu pet. Já viu como come?

Como transa? Como dança?

Engoli minha resposta.

— Mas, se temos um acordo válido, ela agora é minha. —

Juntei as mãos em frente ao corpo, separando um pouco as pernas,


mantendo o tom de voz alto e sério.

— Tem razão, tínhamos um acordo. — Ele apontou rápido


para mim e estalou os dedos no ar. — Bom ponto, mas depois que
você se foi, pensei sobre. Não gosto de ser pressionado, e você não

me deu opção para nenhuma contraproposta. Valentina é muito


valiosa para mim. Essa coisinha fatura fácil, em um mês bem

trabalhado, pelo menos um milhão de dólares. — Se sentando em

seu trono, ele me encarou como se eu fosse burro. — Pensando


que ela ainda é nova, e muito bonita, vai me servir por cinco anos,

pelo menos. Fazendo as contas rápidas aqui, em doze meses isso

são doze milhões, em cinco anos são… — Ele virou para o

segurança, procurando pela resposta que não veio. — Se não me


engano, pelo menos sessenta? Se ela me render um pouco mais,

poderia me tornar bilionário só por causa dessa boceta arredia,

pense só!

— Arthur, você me deu sua palavra… — Minha expressão

mudou.

— E você tentou me coagir. — Seu sorriso sumiu. O homem

de olhos dissimulados finalmente estava sério. — Valentina, por dia,

vale um dinheiro absurdo. Eu a deixei sair com você, a ofereci para


ser sua putinha de luxo privada, seu bichinho bonito para exibir aos

ricos. Dei a ela um pouco do cheiro da liberdade porque a

esperança é o maior veneno para alguém que está condenado para

sempre. Essa garota NUNCA — ele aumentou o tom de voz — vai


sair daqui, e você não tem direito algum sobre ela. Por minha

amizade e dívida de gratidão com Monroe, o que eu poderia te

cobrar por ter ficado tanto tempo com ela será perdoado, mas

estamos quites. Ela volta para mim, inclusive, indo trabalhar hoje, já
que ficou de folga todo esse tempo, e você, você pode subir, comer

alguém, encher a cara até cair. Hoje a casa é sua.

Não queria mais aquela conversa, estava pronto para ignorá-

lo, abrir a gaiola de Valentina, e arrancá-la de lá, mas assim que

virei o corpo para fazê-lo, um dos homens de Arthur que tinha o

dobro do meu tamanho e mais outro parceiro vieram, cada um de


um lado, para me pegar.

— Não precisamos brigar — um deles falou. — Saia numa


boa e aproveite.

O primeiro que tentou laçar meu braço teve a mão quebrada

em um movimento muito rápido.

Eu estava cego, focado na menina chorando, machucada,

vulnerável demais no chão daquela prisão, e nem o grito de dor


daquele pobre coitado me fez parar.

O outro estava quase tocando em mim, e como ensinei

Valentina, peguei a peça de pedra pesada em cima da mesa mais


próxima e a acertei na cabeça do homem mais próximo.

Estava pronto para subir nele e arrebentar sua cara, mas o

grito que Valentina deu me fez parar na hora.

— Não! Por favor, não! — Sua voz saiu rouca, chorosa, e ela
gritou com mais dor quando Arthur a puxou pelos cabelos e bateu

com sua cara contra a grade, para que eu visse, para que ela me

visse.

— Mande-o ir embora. — Ouvi a ordem mais baixa dada a

ela, mas a garota não disse nada, só segurou na grade e chorou

baixo. — DIGA! — Descontrolado, Arthur deu uma coronhada em


sua cabeça e colocou a arma em sua testa.

— Vá embora! — ela gritou, desesperada, se encolhendo. —


Vá embora, Ben!

— Isso… — Arthur comemorou, mas eu o ignorei.

— Você prefere matá-la a me vender?

— Eu prefiro manter todos os meus brinquedos para mim —


Arthur disse, afastando a arma de Valentina que estava no chão, de

cabeça baixa.

Ofegante, Arthur a deixou em paz na gaiola e me encarou à


distância.
— Sei que deve ter se apaixonado pela boceta dela. Acredite,
não é o único. Daqui a uma hora Valentina estará pronta para um

cliente que pagou o triplo para três horas hoje… Vá lá para cima,

Ben. Como eu disse, beba, se divirta, e esqueça que ela existe. Ou,
se quiser tê-la de novo, pague o valor da hora. É a única forma.

Não me movi.

Meu cérebro tentou achar uma solução rápida, mas não

tinha.

— Vamos, Benjamin. Você precisa ir. — O olhar de CJ no

meu quando se aproximou era estranho, parecia que ele tentava me

passar algum recado e eu me senti um boneco de pano quando ele


me guiou para fora.

Eu não pude olhar para trás, mas eu a ouvi.

O choro dela foi doloroso. E me partiu em mil pedaços.


 
 
 
 
As cinzas, flutuando do fogo, eu me levanto
Silenciosas preces e sussurros
Eu os escuto chamando de dentro
Quando todos os heróis caem
O mundo joga seus jogos perversos
E eu o deixei indefeso porque eu sei
O céu vai dizer o meu nome
Heroes fall, hidden citizens
 

Perdi minha fé em Deus junto à minha virgindade.

Perdi minha identidade quando, dentro do quarto, me davam

o nome que queriam.

Eu era cachorra, gostosa, vadia, putinha.

Era a filha criança de um amigo, a mulher inalcançável da


empresa, ou a personificação de qualquer coisa excitante para
qualquer homem que tivesse dinheiro o bastante para comprar meu

tempo, meu corpo e meu direito de ser alguém.

Eu vivi para ser ninguém, mesmo que um ninguém de mente

perigosa.

Mas toda vez que algo se perdia, como a fé na bondade

humana, ou a ideia do amor, ela estava lá. Soprando nos meus


sonhos, me dizendo para continuar antes que chegasse a hora do

seu abraço final.

Ela, a morte, era real.

E foi para ela que rezei quando homens com mais que o
dobro da minha idade me violaram, compraram e bateram. Foi para

ela que recitei nomes, que entreguei o que restava da minha fé, do

que eu ainda mantinha meu.

Fiz isso porque sabia que ela, cedo ou tarde, para os bons e

para os maus, viria.

Fiz isso porque, no fundo, tinha para mim que quando

cansasse de lutar, ela me acolheria sem julgamentos e terminaria

com aquela dor excruciante de não poder me pertencer.

E eu estava quase invocando-a eu mesma, com um pedaço

de vidro quebrado, ou esperando o homem certo para provocar e

receber sua ira fatal, mas enquanto encarava o abismo, esperando-

o me encarar de volta antes de me jogar nele, olhos azul-escuros,


bravos como o mar sob tempestade, apareceram.

Eu não achei que aquilo fosse possível naquela altura da

vida, mas Benjamin era real.

Eu tinha esquecido como era ser tratada como pessoa.


Tinha me esquecido de como era poder abaixar a guarda.

De como era poder confiar em outro ser humano.

De como era poder confiar em um homem.

Era por isso que não conseguia parar de tremer, ou de

chorar, ou de me arrepender.

Desde o minuto em que Arthur me teve de volta, que me fez

lembrar o que eu era, e que sempre seria, me arrependi de não ter

tentado fugir.

Eu não queria mais morrer.

Fora daquela gaiola, qualquer vida miserável parecia melhor


do que a morte.

Mas ali dentro, com as laterais do quadril e da coxa rasgadas

por tentar roubar a faca de Arthur quando ele cortou todo o meu

vestido para avaliar meu corpo, eu não sabia para quem pedir ajuda,

ou se queria enfrentar tudo aquilo de novo.

O cheiro da liberdade, o gosto dela, me deixou fraca.

Sonhar com ela era mais efetivo antes.

— Valentina, pelo amor de Deus, pare de chorar. — Lucinda

passou a mão pelo meu rosto de novo, esfregando a maquiagem


borrada. — O médico já vem ajeitar essa sua perna.

— Eu não quero ir, Lucinda. Não quero mais —

choraminguei, tentando afastá-la.

— Você não tem o que querer, menina. Por favor, não deixe o
senhor Arthur voltar e te ver assim, sem estar pronta.

— Eu quero que o Arthur se foda! — gritei, batendo em sua


mão, jogando o pincel para longe.

Como sempre, quando perdia a paciência, Lucinda ergueu a

mão para mim e acertou meu rosto em um tapa seco.

— Garota estúpida! Não sei por que continua lutando… —

Ela se afastou, buscando o pincel e voltando. — Seu amigo não


ficou por você, ele te abandonou aqui, você…

— Cale a boca. Benjamin, ele… — E eu não tinha o que

dizer.

Eu o havia mandado embora, e ele tinha ido para que Arthur

não acertasse meus miolos.

Lágrimas mais grossas rolaram pelo meu rosto e Lucinda


jogou as mãos para o céu.

— Desisto. Vou trazer algo para você se acalmar. — Virando


para o lado, falando com o guarda, ela perguntou sendo grosseira:
— Onde está o médico? Ande, chame-o logo!

Em cinco minutos, eu estava sendo costurada onde a faca

tinha pegado mais profundamente.

— Vai ficar uma cicatriz leve. São pontos de cirurgia plástica,


você sabe, sua pele não pode ter esse tipo de marca.

Deitada de lado, apoiada no braço, aproveitei da dor para


terminar com o estoque de lágrimas acumuladas. Não podia ser

fraca quando fosse dar tudo de mim pela pessoa que descobri que
ainda era. Qualquer homem que tivesse escolhido aquele dia para

me tomar, se arrependeria amargamente.

Não esperaria ninguém me salvar. Não mais.

Ali dentro fui lavada, perfumada, e apesar do curativo bem-

feito, quando coloquei o vestido de cetim verde-esmeralda, ninguém


poderia dizer que havia algum defeito.

Tentei me manter forte quando os guardas me levaram até o


elevador. Quando atravessamos para o prédio principal da

Perdición. Quando subimos novamente até a suíte presidencial.

Em cada canto em que coloquei o pé, meu coração doeu


quando meus olhos, involuntariamente, procuraram o homem loiro e
forte de quase dois metros.

Quando abriram a porta, minha última esperança era ele

estar lá, mas assim que fui obrigada a entrar, encontrei meu
pesadelo em forma de um homem de meia-idade, camisa cara e

cabelos grisalhos bem-penteados para trás.

Eu o conhecia.

Eu sabia o que ele queria.

Qual era o seu fetiche.

— Valentina, senti sua falta. — Desabotoando a camisa,

olhando para meu corpo e não para o meu rosto, ele deu a ordem:
— Não vamos perder tempo. Te vi há mais de um mês, e paguei
caro por cada segundo com você e esse corpo maravilhoso. Faça o

favor e me sirva uma taça de champanhe.

Em silêncio, o mais alerta possível, eu passei por ele e fui


servi-lo.

Sabia que seus olhos estavam no meu traseiro.

Abri a garrafa, servi a bebida na taça e a entreguei, não


evitando olhá-lo nos olhos, querendo saber se o homem se

constrangeria. Se sentando na poltrona com a camisa aberta, ele


brindou a mim e ordenou:
— Tire o vestido.

O vidro atrás dele refletiu o quarto.

Meus olhos, na fuga, encontraram meu reflexo.

Havia algo diferente, não só na minha aparência, quanto

dentro de mim.

Eu tinha jurado lutar.

Eu tinha jurado resistir.

Fechei os olhos e rezei.

Morte, por favor, me ouça — pensei.

— Valentina, você me ouviu?

Morte, por favor, não me abandone.

— Valentina. — O tom de voz mais duro e forte saiu dele

quando se ergueu, parecendo irritado porque eu não o obedecia.

Tirei os olhos do meu reflexo e medi seu rosto.

— Não. — Furiosa, certa do que fazia, disposta a pagar a

conta, continuei: — Eu não vou tirar porra nenhuma.

A briga no quarto começou rápida. Como Benjamin me

ensinou, busquei a primeira coisa pesada perto de mim e tentei


acertá-lo na cabeça. O homem desviou, envolvendo meu pescoço,

tentando me enforcar.

Forcei o corpo para frente, sustentando o peso dele enquanto

o arranhava e gritava.

— Isso, menininha, grite. Quanto mais raivosa, mais vou

amar foder você — ele sussurrou no meu ouvido e o desespero me

pegou.

Eu me lembrava daquele maldito.

Eu me lembrava de todos eles.

— NÃO! — gritei, me impulsionando para trás, tentando

alcançar mais alguma coisa.

Quando não consegui me mover, aproveitei as unhas e tentei

enfiá-las em seus olhos.

Ele me empurrou para frente, bati a cabeça na parede e me

senti um pouco tonta.

Tentei me virar e ir para cima dele.

Não sabia se o som que ouvia era porque meu cérebro tinha
dado pane ou porque estavam soltando fogos de artifício em algum

canto perto dali, mas tentei continuar resistindo, continuar brigando,

quando a porta foi aberta com violência.


O homem que me enforcava se assustou, me largando.

Peguei em minha garganta, tossindo, buscando por ar.

Um furacão entrou no quarto. De camiseta cinza e calça

jeans, com arma na mão, apontando para o homem que havia

pagado por mim, Benjamin se aproximou.

— Se afaste dela — ele ameaçou o outro, obrigando-o a

manter distância de mim.

— Não é o que você está pensando… Eu paguei, ela é minha

hoje… — Ele ia tentar terminar a frase, mas Ben não permitiu. Seu

tiro atingiu a coxa do homem à nossa frente e quando este caiu no


chão, gritando por ajuda, ele se virou para mim, erguendo meu

corpo, pegando meu rosto para que eu me acalmasse.

— Valen, te peguei. Eu te peguei. — Seu tom desesperado


veio junto de beijos no meu rosto.

— Você foi embora. — Só então eu processei o quanto aquilo


doeu.

— Nunca. Nunca, garota. Não vou deixar você para trás. —


Ele acariciou meu rosto, limpando a lágrima que escorreu pelo lado

direito sem eu perceber. — Agora vamos, não vai ser fácil sair, mas

precisamos…
— Precisam o quê? — Arthur estava na porta. — Achei que

tínhamos um acordo, Benjamin! — Ele andou de um lado para o


outro do lado de fora, antes de parar e apontar para o que eu não

via no corredor. — Olha a porra da bagunça que você fez na minha

casa! Caralho… — Ben me colocou em suas costas, me protegendo


com seu corpo, apontando para fora.

— Deixe-nos passar — ele tentou negociar, mas foi ignorado.

— CJ, eu vou descer, pegar meu copo de hidromel, e bebê-lo

lentamente. Quando voltar, quero ele morto e essa vagabunda mal

respirando, entendido? Deem um jeito no cliente também, não quero


saber de publicidade negativa. Joguem o corpo no mar.

Os homens de Arthur entraram no quarto, Benjamin atirou no

chão, gritando para eles se afastarem. CJ se aproximou e, calmo,


disse:

— Erga as mãos, Benjamin.

E me fazendo estranhar, mudando tudo o que eu já achei que

ele seria capaz de fazer, Ben obedeceu.

Os homens avançaram, revistando-o, tirando dele tudo o que

tinha de munição.

— Não encostem nela. Levem-na, mas não encostem nela.


Comecei a rir em desespero.

— Eles vão nos matar! — O grito para colocar algum juízo na

cabeça de Benjamin e ele reagir foi alto, mas não tive tempo nem de
bater nele, nem de qualquer outra coisa.

Os guardas caíram em cima de nós.

Eu até briguei bem, mas alguém acertou minha cabeça e

tudo ficou preto.

Tudo acabou.

Que bom.

Eu não aguentava mais.


 
 
 
 
Rendido à minha dor, trancado dentro da minha jaula
Posso eu ser um prisioneiro das vozes no meu cérebro?
Minha mente está perdida, não suporto olhar para o meu rosto
Todos esses pensamentos dentro da minha cabeça, são silenciados
por um tiro
tonight is the night i die, palaye royale
 

Acordei moído.

Minhas costelas, minha boca, atrás da minha cabeça.

Tudo parecia sensível, machucado, dolorido.

Gemi, abrindo os olhos, vendo que estava no chão do barco


do capitão.

— Ah, finalmente. Levanta daí, Benjamin. — A voz

impaciente e fria de Monroe me fez ficar de pé mais rápido do que


eu realmente aguentava.

Meu corpo vacilou.

— Que porra… — Parei a pergunta no ar, levando a mão à


boca, sentindo a textura de sangue seco nos lábios.

— Aconteceu? Depois de você acabar com a noite daquele


jeito, arriscando seu pescoço sem pensar, matando aquele bando

de gente…
— Não eram gente, eram os guardas de Arthur — respondi

baixo, mas ele me ignorou.

—… quase morreu também. Sua sorte é que CJ não é o que

parece ser. Foi ele quem te trouxe, junto do recado que, com Davis
morto, Arthur vai colocar o mundo abaixo. Hoje o plano da casa é

apresentar as garotas novas ao público.

— E Valentina?

— Puta que pariu — o capitão xingou, passando as mãos

pelo rosto e cabelo, parecendo louco para me dar um soco. — Você


está cego? Ou surdo? Seu cérebro pifou? Você poderia ter morrido

ontem, porra!

— Eu sei! — gritei de volta. — Mas que opção eu tinha? Você


não a conhece, você não a viu como eu vi ontem. Quando entrei

naquela porra de quarto, Magnus, ela estava lutando, desesperada.

Eu não vou deixá-la.

— Nem que isso te mate?

— Porra, nem que isso me empale pelo rabo. — Procurei

meu celular pelo corpo, achei-o no bolso traseiro com a tela

rachada. Pelo menos, ainda funcionava.

— O que vai fazer?


Mexendo no celular, respondi enquanto procurava o número
da salvação:

— Davis está vivo, e tem os recursos que preciso para invadir

aquela merda de lugar. Vou colocar aquele labirinto abaixo antes

que… CJ, ele falou de Valentina?

— Apanhou tanto que apagou junto com você. Está recolhida.


Disse que Arthur está pensando em cozinhá-la viva na frente das

novas escravas para ensinar o que acontece com quem tentar

resistir.

Ergui os olhos da tela, encarando o capitão, e falei mais sério

do que em toda a minha vida:

— Você é o que tenho mais próximo de família. Se não fosse

por você, eu não estaria vivo. Sei que você tem seus limites, sei que

está pensando que seria melhor irmos embora e deixar essa merda

toda para trás porque, no nosso mundo, o mal é como uma hydra.

Arthur é só a cabeça trabalhosa do momento, mas eu vou arrancá-la

de seu pescoço e cauterizá-la. — Respirei fundo, sentindo os olhos


de Magnus nos meus, procurando minha sanidade. — Se você

quiser ir embora e não entrar nessa briga, não vou me chatear, é

seu direito. Valentina é um problema meu. Mas, se você ficar e lutar


ao meu lado, se me ajudar a ser o herói do dia e não o vilão desta

vez, eu nunca saberei como agradecer.

O silêncio entre nós pesou.

O capitão fazia suas contas silenciosas, e eu só queria correr


contra o tempo.

— E então, o que vai ser? — pressionei, depois de um longo


minuto.

— Ele, eu não sei — Leonardo surgiu escada acima,

carregando suas armas e uma mala de munição —, mas eu estou


pronto para ir com você.

— Você também não precisa ir, garoto.

— Eu vou. Eu gosto dela, ela te torna mais… humano —


Leonardo soltou aquilo como se fosse algo bom e eu quase sorri.

Suspirando pesado, chamando a atenção para si, o capitão


nos encarou como se fôssemos inconsequentes.

— Se eu não tenho opção… Já perdi o acesso ao meu

parque de diversões mesmo. — Ele deu de ombros, olhando na


direção da cidade. — Vamos queimar essa porra de cabeça.

Algo endurecido e frio no meu peito começou a se aquecer.


Minha família, meus amigos, lutariam comigo no que poderia

ser a última vez.

Um pouco mais seguro, apertei para fazer a ligação.

Quando Davis atendeu, falei primeiro:

— Estou indo até você, reúna toda a força que tiver. Hoje é o

dia de acabar com essa merda toda.


 

 
A casa onde Ornélio e Camila ficavam em Nassau era

enorme, luxuosa e isolada.

A visão do mar que eles tinham de toda a parte de trás da

casa era invejável.

Perdi-me encarando a paisagem, até que ouvi som de saltos


descendo as escadas, quando me virei, encontrando Camila com

um vestido branco elegante, cabelos presos atrás da cabeça como


mulheres mais velhas do seu meio faziam, com os olhos
desconfiados, mantive minha postura.
— John e Ornélio estão esperando por vocês lá em cima, na
primeira porta à direita.

— Obrigado — agradeci, vendo Leonardo e o capitão


seguindo na frente.

Trocando um olhar demorado com a loira, assim que coloquei

o pé na escada para seguir em frente, ela me chamou:

— Andrew, ou seja lá qual for seu nome.— me virei para ela

—, quando descer, podemos falar por um minuto?

— Claro. — Me virei para continuar e, depois de mais um


passo, encarei-a de novo. — E meu nome é Benjamin.

— Benjamin… — ela repetiu, parecendo descobrir como ele


seria em sua boca. — Obrigada.

Eu não sabia o que é que ela me agradecia, mas não perdi

tempo tentando descobrir.

Terminei o caminho escada acima e entrei no escritório,


fechando a porta nas minhas costas.

Ali dentro, o capitão e Leonardo ficaram em pé, encarando os


outros três homens na sala.

Davis e Ornélio estavam sentados, mas um homem

desconhecido, com uniforme do exército, estava em pé entre eles,


nos encarando com um ar de superioridade e desconfiança pesado.

— Vocês são encrenca — ele disse antes de qualquer um.

— E você seria? — perguntei, desconfiado, dando um passo

para frente.

— Este é o coronel Davenport. Ele é meu amigo e um dos


únicos que não se rendeu à propina de Perez. E apesar de ele estar

certo, sentem-se. Estamos aqui vendo o que temos de informação


daquele labirinto sob a terra.

A planta em cima da mesa estava cheia de anotações, e em

pouco tempo, identifiquei o que conhecia.

— Isso aqui está errado. — Apontei para o papel. — O

escritório dele é aqui, é onde mantém Valentina quando ela não


pode ir para o quarto. As garotas antigas ficam nessa área, e pode

ser que as novas também.

— Quantos homens ele sustenta dentro dessas paredes? —


eles me perguntaram.

— De duzentos e cinquenta a trezentos. Já dormi no


alojamento deles. Que saída é essa?

— Arthur tem uma passagem até a marina particular dele —

foi Ornélio quem disse.


— Existe mais algum ponto de fuga? — O capitão encarou o

mapa, contando com os furos de informação.

— Que eu saiba, não — o marido de Camila respondeu.

— Teremos dois helicópteros na área para pegar ratos

fugitivos — o coronel avisou. — E colocaremos duas equipes aqui.

— Ele indicou o porto. — Fecharemos essa avenida — seus dedos

seguiram para a porta da Perdición — e aqui vocês vão entrar com


o resto da equipe.

Seguimos no planejamento de varrer o lugar, quando o


capitão perguntou diretamente a Davis:

— Como conseguiu convencer CJ a ser seus olhos e ouvidos

lá dentro?

— Não convenci. Ele veio até mim. Se apaixonou por uma

garota escravizada que foi vendida há um ano, e depois foi


encontrada morta, esquartejada na praia.

Engoli em seco.

— Ok. — O capitão mudou de assunto: — Vou precisar parar

meu barco aqui. — Ele indicou o porto.

— Eu e Leo vamos por aqui. — Indiquei a entrada principal.


— E assim que acabar, quero os três fora daqui — Davis

avisou, olhando nos meus olhos.

— Assim que garantir que Valentina está bem, conte com


isso. Nunca mais coloco meus pés em Nassau. — Era uma

promessa minha que pretendia cumprir.

Com o plano armado, sem mais possibilidades para discutir,

saí do escritório com a desculpa de que precisava ir ao banheiro no

andar de baixo e, pelo caminho, tirei o comprimido de analgésico do


bolso e meti para dentro com uma das bebidas abertas de Ornélio

sobre o aparador da sala.

— Está com dor? — A voz de Camila me pegou de surpresa,


mas não demonstrei choque.

— Não — menti.

— O que aconteceu com você?

— Tentei impedir que Valentina fosse usada mais uma vez,


mas, como pode ver, não deu muito certo. — O amargor na minha

boca por saber que tinha falhado me dominou o humor.

Girei para encarar Camila e percebi ternura em seus olhos.

— Você realmente gosta dela, não é?

Não respondi e ela sussurrou:


— Agora que sei de boa parte da história, preciso dizer que

você não me enganou. O modo como a tocou, cuidou e protegeu foi


o que me despertou todas as coisas que senti por você. Sua

aparência também, claro — ela admitiu, sem vergonha alguma. —

Você gosta dela, mesmo… — Em um suspiro, Camila repensou a


aproximação e sorriu. — E ela gosta de você. — Engoli em seco. —

Espero que você consiga salvá-la, Benjamin. E conte comigo para

ajudá-la depois disso. Farei o que estiver ao meu alcance para que

ela volte para sua família sã e salva.

— Obrigado. — Não tinha muito mais o que dizer.

— Boa sorte.

Foi assim que Camila se despediu antes de sumir pelo

corredor.

Mal sabia ela que sorte era pouco para o que eu precisava.

Ironicamente, quando voltamos ao barco naquela tarde para

preparar o ataque, Leonardo preparou seu estoque de coquetéis


molotov e me entregou dois. As garrafas pequenas e potentes

tinham algo escrito nelas. Quando li, quase ri.

Sorte estava escrito em preto sobre o vidro.


— O que é isso? — perguntei.

— Vamos precisar disso aos montes, não? — E olhando para

a quantidade de garrafas que ele tinha preparado, concordei.

Que tudo viesse abaixo. Eu só precisava tirar Valentina de lá.


 
 
 
 
Existem monstros do lado de fora e eles estão esperando
Há abutres em linha salivando
E embora esteja escuro na calada da noite
Eu nunca desço sem lutar
i’m not afraid, tommee profitt feat. wondra
 

Eu já tinha vivido muitos momentos de tensão.

Fiquei vivo muitas vezes pelo fio da navalha.

Mas, vendo a proporção que aquilo tomava, não fazia ideia


de como terminaria o dia.

A verdade de tudo era que eu sempre me esforçava para

sobreviver, mas daquela vez, o foco não era em mim. Meu objetivo
não era eu.

Às sete da noite as portas da Perdición abriram naquele


sábado inoportuno.

Às sete e doze, o carro em que Léo e eu estávamos deu um

cavalo de pau na rua, parando no meio da pista, impedindo qualquer


um de passar.

Os seguranças da porta notaram tudo mudando.

Pulei para o chão, armado até os dentes, abraçado por um

colete à prova de balas.


As portas da Perdición se fecharam, a fila na entrada foi

desfeita.

O caos se instalou quando os soldados arrebentaram a porta

de entrada e seguiram pelo corredor. Eu os segui de perto.

Tiros vieram sobre nós. Gritos, música alta e fumaça.

A confusão quando chegamos ao salão principal era geral.

Os civis estavam no chão, ao lado de corpos de guardas de

Arthur.

As prostitutas se abraçavam às garçonetes, e um garçom, o

único de pé, tremia com as mãos para o alto.

Avançamos pouco a pouco, um homem surgiu do bar, se

erguendo e atirando, foi minha primeira vítima da noite. Foi seu

sangue que a chamou para perto de mim.

A morte me deu olá, acariciando bem atrás da minha orelha


esquerda.

Daquela vez, eu não a ignorei.

Tomei aquele aviso suave como a dica de que estava no

caminho certo.
A equipe que retiraria os civis entrou quando os soldados
avançaram, não achando ninguém mais naquele primeiro andar que

fosse uma ameaça. As pessoas choravam e corriam assustadas

para fora, mas eu não me distraí por nenhum segundo.

Nenhum rosto ali me importava.

Ninguém se destacava, meu foco era só um. Valentina.

E assim que fui em direção à porta da escada, tive sorte de

não ter sido o primeiro a abri-la.

O pobre coitado que o fez foi arremessado para trás, em uma

saraivada de tiros.

O nosso lado jogou uma bomba de gás.

Léo e eu colocamos nossas máscaras.

O lado de lá, nesse meio tempo, jogou um molotov.

O fogo avançou, bravo e intenso para além do limite da

escada, jogando o seu bafo quente sobre todos nós.

Alguém trouxe um extintor de incêndio, a equipe avançou. Eu

era o terceiro na fila, e assim que entramos na confusão do corredor

de baixo, atirando, ganhando espaço, agradeci ter Leonardo ao meu

lado, brincando de incendiário.


O garoto abriu o caminho que eu precisava. O alarme de

incêndio soou alto, fumaça começou a se acumular no teto


enquanto as chamas iam consumindo roupas e corpos, mas não me

importei. Cada segundo ali foi piorando tudo, principalmente, com o


avanço do aperto da morte.

Sua mão estava em meu pescoço, me sufocando,


começando a descer por meu ombro com aquele formigamento

maldito.

O caminho que, a passos largos no dia anterior eu tinha feito


em vinte minutos, daquela vez levou meia hora para ser aberto pela
metade.

— Não posso mais esperar — gritei para Leonardo e ele riu.

Léo sempre era divertido no meio da confusão.

— Então se prepare para o nosso quatro de julho adaptado.

E, um atrás do outro, o garoto acendeu quatro dos seus


coquetéis e gritou, avisando aos soldados da linha de frente, antes

de jogar o mais longe possível.

Barreiras caíram. Fogo comeu as paredes, o extintor de


incêndio não daria conta daquilo nem fodendo.
Ainda assim, avançamos rápido e, para minha surpresa, no

meio daquela confusão da porra, encontrei CJ, sentado no chão,


lutando para manter os olhos abertos, tentando fazer pressão no

próprio peito, um pouco abaixo do ombro.

— Ei, cara, acorde. — Bati em seu rosto de leve, vendo o


estado da merda que ele estava. Respirando fumaça, se queimando
e sangrando, se não fosse tirado dali, ele não resistiria.

— Ela está lá em cima — ofegante, ele disse meio mole. —

Ele vai se matar, e matar ela junto. Na verdade — sua expressão de


dor quando forcei CJ a se levantar foi feia —, esse desgraçado vai

matar todo mundo aqui embaixo.

— Não. — Fiz Leonardo apoiá-lo. — Ele não vai. Onde estão

as crianças novas?

— Lá embaixo. Vão ter que descer essas escadas e pegá-las


em todas as portas. Lá está difícil de entrar, até à marina privada

vão ter armadilhas no caminho.

— Léo, tire ele daqui. Suba e me espere na rua, entendido?

Fazendo positivo com a cabeça, peguei o que ele tinha de

arma e munição, encaixei nos meus bolsos e fui atrás de quem


precisava da informação de por onde seguir.
Expliquei para o homem no comando para onde ir e ele me
perguntou, como se eu fosse um dos dele:

— E você vai aonde, soldado?

— Eu vou subir pelo elevador. — Indiquei o caminho


contrário. — Tenho contas a acertar.

Dando as costas a eles, desejando boa sorte, me enfiei no


elevador, arranquei o tampo de plástico da luz, e vendo que a

estrutura de metal acima aguentaria meu peso, pulei e joguei as


pernas para cima, prendendo-me pelos joelhos na barra metálica.

Com as mãos livres, enquanto a porta se fechava e o

elevador subia, fiz força para me manter preso ao teto. A


movimentação naquele andar era óbvia. Eu seria recebido embaixo
de uma chuva de balas, mas fui mais rápido. A porta mal tinha

começado a abrir e joguei por ela um dos molotovs. A sorte gritou


meu nome quando os gritos dos homens atingidos rugiram nos

meus ouvidos.

Cedi o tronco com as armas na mão, atirando sem parar na

minha caída.

Gastei os dois pentes, surpreso por não ter mais ninguém em


pé ao terminar.
Joguei-me no chão, colocando a cabeça para fora para ver se
mais alguém me decepcionaria sob ataque. Fui pego de surpresa,
quando um dos brutamontes que eu tinha visto grudado a Arthur

apareceu. Gastei a última bala do pente contra o homem que tinha


os braços da grossura da minha cabeça, mas ele não se abalou,

parecendo não ser humano, não sentir dor.

— Porra! — xinguei, pegando mais munição nas calças, mas


não fui rápido o bastante.

O cara parou na minha frente e me pegou pelo colete, me

arrastando para fora do elevador e erguendo no ar como se eu não

tivesse meu peso, ou minha altura.

O brutamontes me jogou contra a parede. Bati a cabeça com

tudo, meu corpo reclamou por ser tão abusado em pouco tempo,

mas não me rendi.

O aviso da morte era mais forte. Da cintura para cima, meu

corpo parecia pegar fogo de tão quente que estava. Era sinal de que

Valentina estava perto.

Larguei a arma no chão, e com toda a força que tinha, de

punho fechado, acertei a têmpora do homem que me sufocava. Ele


bambeou, vacilando dois passos para o lado, seus dedos me
soltaram e, assim que meu pé tocou o chão, acertei sua canela com

um belo chute.

Ele revidou. Um soco acertou meu estômago. Quase vomitei,

mas me segurei no lugar, passando a mão pelo canto da minha


calça, onde a pequena faca que Valentina usou da primeira vez que

me viu estava. Ergui a mão, pronto para acertá-la no meu

adversário, mas ele segurou meu punho no ar e, parecendo não ter

dificuldade alguma contra toda minha força, empurrou meu braço


para o lado contrário, trazendo a lâmina em meu peito.

A ponta afiada doeu contra a pele no primeiro rasgo. Eu


gritei.

Na proximidade com o rosto daquele filho da puta, meti uma

cabeçada nele e, no choque, fui rápido. Mesmo sentindo minha


testa sangrar, vendo tudo em vermelho, minha faca foi parar no seu

pescoço.

O choque daquele acerto o fez arregalar os olhos,

protestando antes da morte recolhê-lo.

Caiu de joelhos bem na minha frente e, sufocando no próprio


sangue, caiu aos meus pés.
Finalmente, não havia mais nada entre mim e aquela porta

maldita. Entre mim e Arthur.

Tomei fôlego, limpei o sangue da testa e avancei,


empurrando a porta pesada, demorando algum tempo para entender

o que via, para ser tomado pela revolta, pela ira, enquanto tinha

certeza de que aquela era a visão que teria do inferno.

A morte tomou meu corpo inteiro e eu finalmente entendi.

Ali era vencer ou morrer.

Não tinha como voltar atrás.

Não tinha como desistir.

E eu nem pensei sobre essa possibilidade quando vi

Valentina desacordada em sua gaiola içada, fogo por todo lado e,


embaixo dela, enquanto tudo incendiava, Arthur dançava como se

estivesse no meio de uma festa, rodando com os braços abertos,

com uma arma na mão.

Quando me viu, ele riu, me dando a certeza de que era louco.

— Olha só quem voltou dos mortos. — Apontando a arma na


minha direção, ele continuou: — Bem-vindo ao ato final, onde os

amantes morrem mesmo depois de todos os sacrifícios.


— O único que vai morrer aqui é você. — Ergui minha arma

também.

— O prédio todo vai explodir em… — ele olhou no relógio

—… vinte minutos, menos até. Você nunca vai sair daqui com ela.

— Mas, pelo menos, você morre junto.

Atirei contra ele, mas Arthur era mais ágil do que jamais
pensei.

Ele atirou contra mim também e continuamos nesse embate,


pulando pelo fogo, nos escondendo um do outro. Eu só queria uma

maneira de vencer rápido. Ele não estava preocupado com nada,

gritando e rindo sem parar, me provocando como podia.

Pensei que realmente não daria tempo, pensei que Valentina

já estivesse até morta lá em cima, mas ainda assim, se esse fosse o

caso, ela merecia um enterro decente.

Foi por isso, que naquele beco sem saída, quando Arthur se

ergueu para rir da minha cara dizendo que não tínhamos nem dez

minutos, eu gastei com ele minha última sorte.

Acendi o molotov na chama do chão ao meu lado, queimando

os dedos, e joguei a garrafa sobre ele, me protegendo como podia.


Ouvi seu grito alto, vi as labaredas consumindo sua roupa,

seu cabelo, e quando ele veio correndo na minha direção, como um

kamikaze, atirei em sua cabeça.

O corpo tombou bem ao meu lado, a boca aberta, o buraco

na testa.

— Desgraçado. — Aquela morte tinha sido rápida demais

para alguém que merecia o inferno na Terra antes de partir.

Ainda assim, eu não podia perder o tempo que não tinha.

Corri para soltar Valentina. Desatei o nó que a mantinha em

suspenso e, quando a gaiola desceu com tudo no chão, a porta se


abriu. Minha esperança era ela se levantar, mas ela nem se moveu.

Adentrei naquela porcaria de gaiola, peguei a garota que

ainda usava o vestido verde no corpo e a coloquei no colo. Não


queria conferir se ela estava viva ou não. Não queria pensar

naquela possibilidade e, por isso, passei pelas chamas com ela nos

braços e saí daquele inferno.

No elevador, me sentindo tremer pelo medo e angústia de ter

lutado tanto para nada, encarei o rosto pelo qual eu ansiei tanto ver

e, sem entender o motivo, comecei a falar.


— Olá, Nathalia, ou Valentina. Eu prefiro Valentina, combina

com você agora. Talvez você não se importe mais com isso. Talvez
você nunca vá ouvir, mas eu preciso de você. Sou o filho ingrato de

uma prostituta e um bêbado. Matei meu pai quando ele tentou

estuprar minha mãe, doze anos depois do meu nascimento, como

se ela ter levado minha gestação até o final fosse uma ofensa.

O elevador chegou ao andar de baixo e, o que eu achei que

era ruim, tinha ficado pior. Pilhas de corpos eram consumidas pelo
fogo. O sistema contra incêndio não dava conta de apagar as

chamas, mas mesmo quase sufocando, quase achando que não

conseguiria lutar contra o tempo, continuei:

— Eu conheci a fome, o frio, o pior de cada ser humano, e

entendi o que precisava fazer para sobreviver. Eu tinha pavor da

morte, Valen — senti a primeira lágrima de medo descer pelo meu


rosto —, mas agora, depois de você, eu não tenho mais. Eu sinto

muito que você tenha vivido tão pouco, que tenha sido tão quebrada

e usada. Eu deveria ter te encontrado antes — lamentei. — Eu teria


morrido por você.

Aquela frase ecoou quando ouvi o primeiro estouro. A

primeira explosão.
Tudo estremeceu e tentei ir mais rápido, achei a saída da
escada para o salão, estava quase lá, quando o teto cedeu. Agarrei

seu corpo, tentei proteger sua cabeça, e confessei:

— Acho que amo você.

Mas era tarde demais.


 
 
 
Quando você esteve aqui
Não conseguia te olhar nos olhos
Você é como um anjo
Sua pele me faz chorar
Você flutua como uma pena
Em um mundo tão belo
Eu queria ser especial
Você é especial pra caralho
Mas eu sou uma aberração
Eu sou um esquisitão
Que diabos estou fazendo aqui?
Eu não pertenço a este lugar
creep, radiohead
 

A morte tinha senso de humor.

Descobri isso quando acordei no hospital, com Leonardo ao

meu lado, com a cara vermelha por tanto chorar. Isso tinha sido há
sete dias.

Tirando a perna quebrada e a cabeça com um corte grande


que havia sido costurado na urgência, me deixando careca

provisoriamente, eu estava bem.

Valentina, por outro lado… Queimaduras por todo o corpo,


desidratação, lesões internas e mais abusos a mantiveram entre a
vida e a morte por algum tempo.

Desde que eu acordei, desde que descobri que tínhamos


sobrevivido, fiquei como a porra de um guarda ao lado da sua cama,

velando seu sono, ansioso para a hora em que ela acordaria.

E naquela tarde, depois de um gemido de dor, ela finalmente

abriu os olhos.
— Ben? — Sua voz saiu fraca, baixa e falha. — Tentando

engolir saliva, ela se esforçou, um pouco mais forte, mais


desesperada: — Benjamin?

Ouvi-la me chamar daquela forma me fez querer gritar de


felicidade.

— Estou aqui, Valen. — Me levantei, ficando bem ao lado

dela, pegando sua mão.

O alívio em seu rosto foi visível.

— Estou com sede — ela soprou com dificuldade.

Peguei o copo ao lado da cama e levei até sua boca.

— Devagar — pedi e apreciei a mudança de expressão

quando conseguiu molhar a boca.

— Mais. — Era urgente seu pedido e, pouco a pouco, gole a

gole, ela acabou com o copo. — Obrigada. — A voz estava mais


forte e, olhando em volta, finalmente vendo meu rosto, cabeça e

pernas, seus olhos nublaram daquela maneira intensa enquanto as

sobrancelhas se juntavam.

— O que aconteceu?

— Nós quase morremos. — Coloquei o copo vazio no lugar,


puxando para perto a cadeira onde dormi nas últimas noites, me
curvei um pouco para frente, para ficar o mais próximo possível. —
Mas parece que nem Deus, ou o diabo, se eles existem, nos querem

por perto ainda. Resgataram as crianças, Arthur está morto, a

Perdición não existe mais.

Ela deu um sorriso fraco, fechando os olhos conforme

soprava o ar, parecendo aliviada em um nível que não conseguiria

descrever.

— Você ficou desacordada por muito tempo, tive medo —

assumi, encarando as mãos. — Mas agora que acordou, agora que

tenho certeza de que vai ficar bem… — Entreguei a caixa de

presente em suas mãos.

Erguemos um pouco mais sua cama e, sentada o mais


confortável possível, ela abriu a caixa com as mãos ainda trêmulas

e fracas, entendendo muito bem o que tinha ali.

— Isso é real?

— Autêntico? Sim. John Davis arranjou como pedido de

desculpas. — Indiquei o passaporte com o nome de Nathália


Franco.

Uma lágrima enorme rolou por seu rosto.


— O cartão é da conta onde coloquei o valor que te prometi.

A passagem para voltar para casa também. Sua mãe se mudou,


agora ela mora na Flórida e já foi informada pelo governo que você

foi encontrada. A chegada dela está prevista para amanhã para te


buscar.

Ela encarou tudo aquilo em silêncio por alguns minutos e,


então, virando o rosto para mim, perguntou, direta:

— E você?

— Eu estou indo embora, Valen. Meu número, o de Léo e o


do capitão estão no celular, no fundo da caixa…

Sua expressão mudou.

— Não.

— Valen…

— Não — ela repetiu, firme, mais lágrimas desceram. —


Você não pode me abandonar.

— E não vou. — Ri, desviando o olhar do dela, me sentindo

impotente. — Você mudou tudo, menina. E eu preciso te deixar


viver. Volte para sua casa, para sua família, crie laços…

— Você realmente não quer mais me ver?


Eu não queria mais deixá-la, mas era egoísta demais depois

de tudo o que passamos, oferecer uma vida sem nenhuma


segurança ou certeza.

— Quero, mas agora você segue sem mim. Estou cumprindo

minha promessa de te ajudar a voltar a ser livre, de te devolver a


vida que te roubaram. — Me ergui, olhando para ela, me sentindo
em frangalhos por ver a dor exposta para quem quisesse ver

naqueles olhos. — Prometo que, se você precisar, pode me


procurar.

— Então é só isso? — A raiva tomou conta dela.

— Não, Valen. — Respirei fundo, tomando coragem. — É por


isso.  — E todas as coisas que eu não diria com ela consciente, aos

dezenove anos, pronta para voltar a ser uma pessoa normal. — Viva
bem.

— Ben… — Esperei ela dizer algo, mas seu rosto era uma

máscara tão assustadora de incredulidade, tristeza e revolta, que


me proibi ficar olhando.

Não era essa a última visão que queria ter dela.

Segui até a porta e, assim que cheguei, por mais que doesse,
não virei para trás.
Ela tinha mudado tudo para mim.

Era injusto prendê-la em outra gaiola.


 
 
 
 
Paredes vieram abaixo
Onde elas foram? Eu não notei
Quando elas caíram, eu me apaixonei por você
Ferida e sem esperança
Perdida nesse sentimento, talvez eu esteja me curando
Não conseguiria ter medo se eu tentasse
Porque nada nunca pareceu tão certo
Não consigo segurar, eu estou me apaixonando
Está bem na ponta da minha língua
Então aqui vou eu, falando sinceramente
Eu acho que isso é pra sempre pra mim
4 ever, 4 me
um ano depois

Por um ano, eu me esforcei muito.

Tentei ser, de novo, a garotinha que saiu de casa,


preocupada com a mãe, que era bondosa, inocente, boa aluna e
todo o resto de coisas que eu pensei que fosse e fazer encaixar

naquela realidade com maior facilidade.

Eu até tinha tentado parar de fumar, e só recorria ao cigarro


vez ou outra, escondida no telhado, quando a pergunta que não
queria calar na minha cabeça se tornava mais forte e maior do que

todo o resto ao meu redor.

Será que alguma hora eu poderia ver Benjamin de novo?

Pelo menos, uma vez por semana, eu sonhava com ele.

Pelo menos, uma vez ao dia, eu pensava nele graças a


alguém parecido no metrô, ou por sentir o cheiro de seu perfume em

outro corpo, ou ver alguém fumar a mesma marca de cigarros…


Achei que isso passaria alguma hora, mas, dia após dia, tudo

só piorava.

Transei com outros garotos, achei que namorar alguém da

minha idade ajudaria a resolver o problema, depois tentei caras


mais velhos, mas não adiantava. Lá estava ele, e nada o fazia

desaparecer, e assim todas as dúvidas se transformavam em um

eterno “e se?”.

E se eu tivesse pedido para ele ficar?

E se eu tivesse dito que o amava de todo o coração, do que


tinha sobrado dele, pelo menos?

E se eu contasse que assumi Valentina como nome oficial só

porque, quando foi embora, ele me chamou assim?

E se eu fosse até ele?

E se, e se, e se?

Foi em meio a um dia em que todas essas dúvidas desceram

sobre a minha cabeça, que peguei o celular e liguei para o número

dele. Chamou até cair na caixa de mensagem.

Senti-me quebrada.

Tentei o de Leonardo, o garoto parecia mais divertido, e,


jogada na cama, quando ele atendeu parecendo um pouco confuso,
me levantei em um pulo.

— Leonardo? — perguntei, incerta.

— Quem é?

— A Valen, sabe? Do Ben… — Em dúvida, andei em

círculos, raspando os pés no carpete.

— Uau, oi! — Então seu tom mudou. — Está com algum

problema? Benjamin avisou que tinha dado nossos números para

você, mas não pensei que ligaria…

— É, então, nem eu. — Respirei fundo — A verdade é que

tentei ligar para ele, mas não consigo contato.

— Hm… — Ele suspirou. — Ben está em um ano sabático.

— Como assim?

— Olha, sei lá o que vocês passaram, mas ele mudou. Três

meses depois daquela merda toda nas Bahamas, ele disse que

precisava ficar um pouco sozinho. Nós nos separamos algumas


vezes no ano, mas nada muito longo. Acontece que Benjamin

alugou uma casa e eu não sei se está trabalhando por fora, se é que

você me entende…

— Para onde ele mudou? — perguntei urgente, cortando-o.


— Você realmente não o viu? Ele está na Flórida. Tenho o

endereço, posso te mandar, se você jurar não dizer que conseguiu


comigo.

— Léo, me mande o endereço. — Sabia que parecia uma


ordem, mas foi o que tive tempo de falar enquanto me enfiava no

banho.

— Certo, certo… Você me deve uma no futuro, se isso der


certo, ok? Se não der, não me ligue, ou ele vai saber.

— Eu prometo.

— Ok. Boa sorte, Valen.

— Obrigada. Obrigada!

Animada como nunca havia ficado, o endereço brilhou na tela


enquanto eu passava xampu no cabelo, e eu tive certeza de que, se

ele estava tão perto, algum motivo tinha.


 

 
O endereço não ficava a meia hora de casa.
Parei meu carro na porta da casa, ferrando um pouco com a

grama do jardim, mas não me preocupei com nada além de estar


minimamente apresentável, depois de um ano inteiro longe dele. O

vestido que eu havia colocado era curto, preto, acinturado. Eu


estava tão ansiosa que nem o cabelo sequei, ou passei alguma

maquiagem.

Estava como ele me viu um milhão de vezes naquele mês

alucinante.

Estava como era.

E esperava que bastasse.

Quando subi os degraus que ficavam na frente da porta e bati

sobre ela quando não achei a campainha, me virei de costas. Eu


ainda tinha medo de andar sozinha, e nunca ficava de costas para

lugares abertos.

Olhei em volta, esperando, pensando como aquilo seria, no


final das contas, mas quando ouvi o click do trinco sendo aberto,
congelei no lugar.

Nada nos meus vinte anos de idade me prepararam para

aquilo.
— Posso ajudar? — A voz dele permanecia a mesma, e
quando me virei para vê-lo, para encará-lo, pensei que meu coração
fosse explodir.

— Benjamin — finalmente, em voz alta, chamei seu nome.

Seus olhos azuis me engoliram. O cabelo voltara a crescer, e

tirando uma ruga aqui e outra ali, ele não havia mudado em nada.

Ele respirou fundo, vi seus lábios se curvarem em um sorriso

contido e ele me deu passagem.

— Entre.

Não esperei um segundo pedido, entrei na casa que era a


cara dele, meio industrial, meio masculina demais, organizada, com
cheiro de limpeza, e voltei a olhá-lo.

— Senti sua falta — fui clara, sem rodeios. Se havia passado

um ano engolindo tudo o que tive arrependimento por não dizer,


naquele minuto, eu não passaria mais vontade. — Desde que você
foi embora, desde que achou que eu deveria ter uma vida normal,

sinto sua falta. E morando a meia hora do meu endereço, eu duvido


que você não sinta a minha. — Aquilo era um desafio.

Ele cruzou os braços e me encarou, ainda em silêncio.


Senti-me na obrigação de descarregar tudo aquilo em cima
dele.

— Então eu vim aqui. Vim te dizer que não tem um dia, um


segundo, que eu não pense em você. Juro que me esforcei muito

nesse último ano para ser uma pessoa comum, voltar aos trilhos,
sabe? Mas ninguém nunca parece entender, ninguém nunca vai

entender o que passei, o que vivi e como sobrevivi. — Engoli em


seco, mas não parei. — E, eu me arrependo muito de não ter dito

antes, mas depois de sonhar com você toda a porra de semana


dizendo que morreria por mim, por que não posso vir até aqui te

dizer o mesmo? Ben, eu morreria por você. Eu amo você. Eu, que

não era nada além disso — indiquei meu corpo —, amo você. E eu

duvido que… — Não precisei dizer nada.

Não precisei continuar.

Porque Benjamin cortou todo o espaço entre nós em uma

velocidade absurda, e me pegando naquela brutalidade que senti

falta, juntando minha boca na sua, ele me beijou.

Demorado, intenso, verdadeiro.

Com o gosto amargo da nossa despedida seca, com o gosto


doce de tudo o que tínhamos guardado um do outro.
— Era real — ele disse quando mordeu meu lábio e afastou

um pouquinho o rosto do meu. — Eu morreria por você. Eu quase


morri. Andei pelas chamas por você, baby girl.

Minhas pernas amoleceram ao ouvi-lo me chamando daquela


forma.

— Então não me deixe ir.

Ele suspirou, encostando a testa na minha, rindo.

— Não é como se pudesse expulsá-la.

— Então vou ficar — anunciei, esperando alguma resistência.

— Valen, vivi o último ano me segurando para não bater na


sua porta. Agora que você chegou na minha, por que eu te

mandaria embora?

Engoli o medo e olhei em seus olhos.

— Porque não me quer? Porque não me ama?

— Eu quero. Eu amo. — E ele não precisou dizer mais nada.

Em segundos, meu vestido estava no chão, e Benjamin, de


joelhos, apreciando minha tatuagem nova.

Sobre a cicatriz do meu quadril que descia pela coxa,

SURVIVER estava escrito em uma letra parecida com a da


tatuagem dele, como um recado para nunca esquecer.

Eu tinha motivos para lutar, primeiro por mim, sempre. Mas o

outro motivo estava bem na minha frente, e nada me faria recuar.

Aquilo seria sempre meu. Sempre nosso. Bonito sob todas as

marcas.

Sobreviveria mesmo que passasse pelas chamas.

 
 

Vocês ainda vão ver Ben e Valen.

O livro do capitão vem em breve. ��


 

Eu quis morrer algumas vezes nos últimos sete meses.

Mesmo que digam que eu não tinha motivo algum para isso,
só eu sei o inferno que é dentro da minha cabeça, e só eu posso
dizer quando é que eu realmente me sinto bem, mesmo quando
pros outros do lado de fora, tudo pareça perfeito.

Então, aqui está uma sequência de mãos dadas que eu

espero nunca soltar.

Nana, obrigada por me entregar o presente mais valioso do

mundo, o amor da minha vida, que é minha profissão. Se não fosse


você, lá atrás, me pegando pela mão, aqui eu não seria nada.

Obrigada por sempre andar lado a lado comigo e nunca tentar


passar na minha frente. Por bater palma pra mim, no público e no

privado, onde stories nenhum alcança.


Obrigada por toda a loucura do que sinto por você ser

correspondida, e por ser, do começo ao fim, meu encontro de outras


vidas. Se eu reencarnar, vai ser com você. Senão, prometo que te

cuido do outro lado, não importa onde.

Eu amo tanto você que dói.

Eliz, obrigada por me ver como pessoa, de fazer questão de

me colocar pra cima, de dizer que eu sou a melhor no que faço, e

dizer isso com um orgulho que, quem não sabe, nem desconfia que
você nunca me leu. HAHAHAHAHA. Obrigada por me acolher, por

me perdoar, por me abraçar mesmo quando odeia contato físico.

Obrigada por todos os conselhos, as porradas, os ensinamentos. Se


algum dia, alguém no mundo for colocar a mão na minha cabeça,

esse alguém é você. Eu amo muito você, e esse amor se estende a

Conchinha, Oxum e a galera toda do bonde que te acompanha.

Obrigada.

Máfia, o que dizer? Vocês acompanharam o dia a dia deste

livro, o esforço, as loucuras no quesito saúde (Débora olhando isso

e me julgando), a entrega e o medo. Maddox até inventou um novo


negócio que esqueci o nome, que quando a pessoa fica duvidando
de si mesmo, ele manda parar de “dar de Zoe”. Iza chorou com duas

frases de hot e me colocou no topo. Duda pegou na minha mão e

disse coisas que eu fiquei com o coração quentinho. E Manu —

minha Manuella — como você pode ser tão incrível, sua filha da

puta? Vocês todos me viram no pior momento do ano, me viram no

melhor deles também. Minha mão continuou na de vocês e não


houve nenhuma afrouxadinha. A call de todo dia, as viradas de

noite, o assistir série juntos. As puxadas de orelha, a consciência de

fazer o nosso melhor, o abraço coletivo que a gente se dá… Acho

que finalmente, depois de vinte e sete anos, eu posso respirar fundo

e entender que encontrei bons amigos, que me amam, me

respeitam e me dão limites, respeitando os meus também. Isso,

dinheiro nenhum paga. Nunca vou saber ser grata o bastante. Amo
vocês, cada um no individual, mas ainda mais em grupo.

À Ana Beatriz, que é minha beta desde os primórdios e é

uma das melhores amigas que esta vida me deu, que entende a

essência de quem eu sou como escritora e me ajuda a fazer cada


uma das minhas histórias boas no seu máximo. À Ana Paula/Cleita

que é uma das pessoas mais incríveis que eu já vi na minha vida


inteira, que é a primeira a me dar o abraço e a porrada se precisar,

sem medo de dizer nada porque confia que eu vá entender que


aquilo é pro meu bem, e aceitou betar este livro no feriado, em cima

da hora, me ajudando dar o tom certinho do que queria. E à Juliana


Bispo, que é uma irmã-amiga e, como as outras, foi essencial pra eu
saber exatamente onde estava indo com Ben e Valen, de um jeito

que eles mereciam ser contados.

Amo vocês, obrigada por abraçarem meu texto, eu e o pacote


todo como fazem.

Bah, a revisora que mais sofre nesse meio, obrigada.

Obrigada não só pelo seu profissionalismo, mas por todo o


auê de segurar minha mão nos apertos por trás. Obrigada por

compartilhar a vida comigo, como amiga. Você, Lucy e Gabi são


presentes.

E pra equipe de milhões, eu preciso respirar fundo.

Jaqueline, um ano atrás eu orei por você.

Não pela Jaqueline pessoa, mas por um ser Jaqueline,


entende?
E, porque o universo me ama muito, você caiu no meio da

bagunça da minha vida. Você assistiu enquanto eu me recuperava


de uma faca nas costas, você segurou minha mão quando eu fiquei

assustada quando o que tinha dentro da minha cabeça queria me


deixar maluca, você juntou um monte de gente que se sente como

você se sentia com o meu trabalho e esfregou na minha cara com


tanto amor, que eu realmente nasci pra isso, que, mesmo que
amanhã você vire e fale “tchau, Zoe”, eu vou ser grata por tudo o

que você me acrescentou e me deu do mais puro amor. Inclusive, é


isso que eu acho que faz o nosso trabalho ser tão bom, é o amor em

comum, o que a gente criou uma pela outra, o de saber que isso
daqui é só o começo. Obrigada por confiar seu trabalho, amor e
dedicação ao meu trabalho, amor e dedicação. Obrigada por ser

meu complemento, por nunca fazer o mínimo, por sempre ir pras


cabeças e nunca desistir. Amo você no detalhe. Morro de orgulho de

nós.

Mari, você salvou minha vida este ano só umas mil vezes, e
continua, né? Eu sei que cheguei de paraquedas, que sou uma
chefe meio doida, um pouquinho chata, mas eu te enxergo. Eu

enxergo a garota que veio do nada e é gigante pelo próprio esforço.


Enxergo a menina talentosa, responsável e que dá o sangue
quando eu preciso. Ester anda de mãos dadas com você nesse
sentido, a diferença era só que esse pedaço de mulher maravilhosa
já tinha sido tocada pela palavra de Zoe X hahahahaha. Vocês duas

são um achado, são parte intrínseca do que faço hoje. Quando eu


boto a mão num texto desse, é por mim e por vocês.

E dona Luandra, que veio e aconteceu como podia, no meio


do furacão. Que pegou minha mão, que me acalmou, que fez o que

era possível pra tentar contornar as merdas e minha dor de peido


preso hahahaha. Que cuida das minhas loucuras do dia, do auê do

casamento, dos médicos todos e ainda manda mensagem pro meu


marido pra saber de mim.

Esse time aqui é a base do meu trabalho, esse time aqui é o


que eu quero vencendo sempre.

Espero, de todo o coração, que isso não mude nunca.

Amo vocês. Obrigada pela lealdade.

E, finalmente, às minhas leitoras.

Desde as que me acompanham desde o primeiro capítulo do


Wattpad em julho de 2017, até as que chegaram agora, por este

livro. MUITO OBRIGADA.


Dividir o que há dentro da minha cabeça é, boa parte do
tempo, assustador.

Minha forma de colocar as coisas no papel nem sempre


agradam, mas eu parei de ter medo disso, e espero que no

processo de entender esse auê todo, vocês também superem


medos, curem feridas e vivam através das páginas.

Eu nunca vou saber ser grata o bastante por ver vocês

abraçando todas as Zoe’s que eu coloco na mesa. Nunca vou saber


dizer o quanto, por vocês, eu não desisti dessa vida aqui por trás.

Vocês são tudo.

Eu faço o que faço, por mim, como faço é por vocês.

Todo o meu amor e gratidão. Espero que vocês possam me


amar nessa versão aqui também.

[1] Chave padrão que abre quase todo tipo de fechadura.

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