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Família jantando (Mãe, pai, filho) ambos felizes como em um comercial de margarina.
Som de fundo, criando a atmosfera da cena.
Mãe: (Olhando para o público) Para a minha família, só serve o melhor. Por isso eu
sirvo arroz Camil. Rende mais e é mais gostoso.
O pai virou-se rapidamente na cadeira para ver com quem a mulher estava falando.
Pai: O que é isso, Dolores?
Filha: Tá doida, mãe?
Dona Dolores parecia não ouvir. Continuava sorrindo. levantou-se da mesa, e vai nos
bastidores. Pai e filho se entreolharam.
Filho: Pai, a mamãe tá bem?
Pai: Estou preocupado. Desde que ela participou da plateia do Silvio Santos, ela voltou
diferente.
A mãe voltou dos bastidores carregando uma bandeja com taças de gelatina.
Mãe: Adivinhem o que tem de sobremesa? Acertaram! Gelatina Doutor Oetker, uma
festa de sensações. Agora com os novos sabores pitomba e macaxeira.
O pai e o filho começaram a comer a gelatina, um pouco assustados. Sentada à mesa,
dona Dolores olhou de novo para o lado e disse:
Mãe: Bote esta alegria na sua mesa todos os dias. Gelatina Doutor Oetker. Dá gosto
comer.
A Mãe, pega uma garrafa de azeite na mesa e faz o seguinte comentário;
Mãe: A saúde da minha família em primeiro lugar. Por isto, aqui em casa só uso, azeito
do Gallo. Mais virgem do que nunca...
Pai: Dolores, mas oque é isso?
Sem olhar par o marido, dona Dolores o indicou com a cabeça.
Mãe: Eles vão gostar. Agora com novos sabores; extrato de goiaba e jambú.
O Pai, vai pegar uma cerveja no cooler, e a Mãe faz uma propaganda.
Mãe: Para você pau d’agua, chegou o novo mini cooler corote, agora com mais espaço
e de fácil manuseio. Mini cooler corote, do bar para a sua vida.
Pai: Você enlouqueceu de vez Dolores? Pare com isso.
Mas dona Dolores não ouvia, sai de cena. Pai e filho conversam.
Filho Você viu isso?
Pai: Não dá mais, vamos chamar Drauzio Varella.
Filho: É uma fase. Passa logo. É melhor nem chamar a atenção dela..
Volta Dona Dolores, fazendo uma propaganda.
Mãe: Pra você que quer ter a sensação da Disney em suas mãos, agora você pode, com
as novas pias temáticas do Mickey, da 25 de março direto para casa. Você pode usar
para amolecer as cutículas, comer miojo, dá banho no cachorro, ou só ficar olhando.
Pias temáticas Disney – estimulando sua imaginação.
Meu amigo e amiga de casa, não aguenta mais ficar sozinho, alugue hoje mesmo o seu
marido de aluguel, esse modelo não ronca, lava louça e não reclama de nada.
Pai: Não perca essa oportunidade e leve também a sua esposa de aluguel, não
reclama do seu futebol, da sua cervejinha diária e nem da toalha molhada largada na
cama.
Filho: Pra você que não aguenta mais sua família desestruturada, compre já sua
balinha de gengibre e ganhe uma caixinha de cloroquina, tá ok?
Criar um tema final (música)
PAPOS
Um repórter em entrevista na rua. Falando sobre o COVID-19 (vários atores andando
no palco, um é parado) O câmera(alguém da plateia) segue o tempo inteiro.
Repórter: Oi, tudo bem? Você poderia nos dar uma entrevista em como o COVID
afetou sua vida?
Entrevistado: claro. Me disseram...
Repórter: Disseram-me
Entrevistado: Hein?
Repórter: O correto é ‘disseram-me’. Não ‘me disseram’.
Entrevistado: Eu falo como quero. E ti digo mais... Ou ‘digo-te’?
Repórter: O quê?
Entrevistado: Digo-te que você...
Repórter: O ‘te’ e o ‘você’ não combinam.
Entrevistado: Lhe digo?
Repórter: Também não. O que você ia me dizer?
Entrevistado: Que você tá sendo grosseiro, pedante, chato e antiprofissional. E que
vou ti partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
Repórter: Partir-te a cara.
Entrevistado: Pois é. Partir-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
Repórter: É para o seu bem cidadão.
Entrevistado: Dispenso as suas correções. Vê se esquece- me. Falo como bem
entender. Mas uma correção e eu...
Repórter: O quê?
Entrevistado: O mato.
Repórter: Que mato?
Entrevistado: Mato-o. Mato-lhe. Matar- lhe- ei- te. Ouviu bem?
Repórter: Eu só estava querendo...
Entrevistado: Pois esqueça- o e pára- te. Pronome no lugar certo é para elitismo.
Repórter: Se você prefere falar errado...
Entrevistado: Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou
entenderem-me?
Repórter: No caso... Não sei.
Entrevistado: Ah, não sabes? Não o sabes? Sabes- lo não?
Repórter: Esquece. Vamos falar do efeito do COVID-19...
Entrevistado: Não. Como ‘esquece’ ou ‘esqueça’? Ilumine- me. Me diga. Ensines-lo me,
Vamos.
Repórter: Depende.
Entrevistado: Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar- me- lo- ias se o soubesse, mas
não sabes-o.
Repórter: Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser, mas vamos seguir a
entrevista.
Entrevistado: Agradeço-lhe a permissão para falar errado que me dás. Mas não posso
mais dizer-lo-te o que dizer-teeia.
Repórter: Por quê?
Entrevistado: Porque, como todo esse papo, esqueci-lo.” Isso que você tá fazendo é
um absurdo.
Repórter: E você é muito mal educado, só queria você me desse uma entrevista...
Entrevistado: Olha aqui, seu jornalista de meia tigela.
Repórter: Me respeita você seu boçal...
Os dois começam a trocar ofensas e tapas...
Repórter: Me ajuda aqui (Câmera). Socorroooooo
Luz vão apagando.
*Brincadeira
- Eu sei de tudo.
- Vou pensar.
- Sei de tudo.
- Co- como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Depende de você.
- De mim, como?
- Se você andar na linha, eu não conto.
- Certo.
- Eu sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Ah, quer dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
- Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre nada daquilo.
- Aquilo o quê?
- Você sabe.
- Ainda não.
- Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um
amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.
- Por quê?
Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria a boca para
falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um
telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
- Sei de tudo.
- Co- como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas
que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo.
Sabia demais.
(Luis Fernando Veríssimo. Comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1995. P. 189-
91.)
O casamento
Apresentador: Boa noite pessoal, no quadro, “quem casa quer casa” de hoje, temos
uma história no mínimo interessante. Um casal nada convencional da freguesia do Ó,
resolveram se casar e fazer uma festa de casamento fora do comum. Vamos conferir
essa história.
Filha: Eu quero ter um casamento tradicional, papai.
Pai: Sim, minha filha.
Filha: Exatamente como você!
Pai: Ótimo.
Filha: Que música tocaram no casamento de vocês?
Pai: Não tenho certeza, mas acho que era Rick e Renner. Ou Amado Batista, é o
daquela música “Secretária, que trabalha o dia inteiro comigo
Estou correndo um grande perigo
De ir parar no tribunal” Não, era o Rick e Renner mesmo.
Detalhes
O velho porteiro do palácio chega em casa, trêmulo. Como faz sempre que tem um
baile no palácio, sua mulher o esperava com café reforçado. Mas desta vez ele nem
olha para a xícara fumegante, o bolo, a manteiga, as geléias. Vai direto à aguardente.
Atira-se na sua poltrona perto do fogão e toma um gole da bebida, pelo gargalo.
__ Conta, homem! O que houve com você? Aconteceu alguma coisa no baile?
__ Co-começou tudo bem. As pessoas chegando, todo mundo de gala, todos com
convite, tudo direitinho. Sempre tem, claro, o filhinho de papai sem convite que quer
me levar na conversa, mas que estou acostumado. Comigo não tem conversa. De
repente, chega a maior carruagem que eu já vi. E puxado por três parelhas de cavalos
brancos. Cavalões! Elefantes! De dentro da carruagem salta uma dona. Sozinha. Uma
beleza. Eu me preparo para barrar a entrada dela porque mulher desacompanhada
não entra em baile do palácio. Mas essa dona é tão bonita, tão, sei lá. Radiante, que eu
não digo nada e deixo ela entrar.
__ Espera. O baile continua. Tudo normal. Às vezes rola um bêbado pela escadaria,
mas nada demais. E então bata a meia-noite. Há um rebuliço na porta do palácio. Olho
para trás e vejo uma mulher maltrapilha que desce pela escadaria, correndo. Ela perde
um sapato. E o príncipe atrás dela.
__ O príncipe?
__ Conta!
__ Num o quê?!
__ E os cavalos em ratos.
__ Helmuth...
__ Esse trabalho no palácio está acabando com você, Helmuth. Pede para ser
transferido para o almoxerifado.
O nariz
Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase
na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma
sólida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz
postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um
daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que
fazem a pessoa ficar parecida com o Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava
imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço – sempre almoçava em casa –
com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.
- Isto o quê?
- Esse nariz.
Depois do almoço ele foi recostar-se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher
impacientou-se.
- Por quê?
Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e
dirigiu-se para a porta. A mulher o interpelou:
- Eu não compreendo você – disse ele, olhando-a com censura através dos aros
sem lentes. – Se fosseuma gravata nova, você não diria nada. Só porque é um nariz...
- Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.
- Ele enlouqueceu?
Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois,
vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.
- Porque não!
Dormiu logo. A mulher passou metade da noite olhando para o nariz de borracha. De
madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava
acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo
trocado por um nariz postiço.
- Papai...
- Podemos conversar?
- Claro que podemos.
- Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem
como você resolve andarde nariz postiço e não quer que ninguém note?
- Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço
do prédio? Eu não possomais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem
mais vida social.
- Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O seu pai. Continuo o
mesmo homem. Um nariz deborracha não faz nenhuma diferença. Se não faz
nenhuma diferença, por que não usar?
- Mas, mas...
- Minha filha.
- Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!
A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que
trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um
homem que usava nariz postiço. Evitava
- Você vai concordar – disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada
de errado com ele – queseu comportamento é um pouco estranho...
O que é que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for, não se entregou.
Continua a usar o nariz postiço. Porque agora não é mais uma questão de nariz. Agora
é uma questão de princípios.
Veríssimo, Luís Fernando. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994.p.73-74.
Coleção para gostar de ler.
O ATOR
- Corta!
O homem olha em volta, atônito. Descobre que sua casa não é sua casa, é um cenário.
Vem alguém e tira o jornal e a pasta das suas mãos. Uma mulher vem ver se a sua
maquiagem está bem e põe um pouco de pó em seu nariz. Aproxima-se um homem
com um script na mão dizendo que ele errou uma das falas na hora de beijar as
crianças.
- O que é isso? – pergunta o homem. – Quem são vocês? O que estão fazendo dentro
da minha casa? Que luzes são essas?
O que, enlouqueceu? – pergunta o diretor. – Vamos ter que repetir a cena. Eu sei que
você está cansado, mas...
Estou cansado, sim senhor. Quero tomar meu banho e botar meu pijama. Saiam da
minha casa. Não sei quem são vocês, mas saiam todos! Saiam!
O diretor fica de boca aberta. Toda a equipe fica em silêncio, olhando para o ator.
Finalmente o diretor levanta a mão e diz:
- Tudo bem, pessoal. Deve ser estafa. Vamos parar um pouquinho e ...
- Estava coisa nenhuma! Estou na minha casa, com a minha... A minha família! O
que vocês fizeram comela? Minha mulher! Os meus filhos!
- Corta!
Aproxima-se outro homem com um script na mão. O homem descobre que o cenário,
na verdade, é um cenário. O homem com um script na mão diz:
- Está bom, mas acho que você precisa ser mais convincente.
- Como, quem sou eu? Eu sou o diretor. Vamos refazer esta cena. Você tem que
transmitir melhor odesespero do personagem. Ele chega em casa e descobre que sua
casa não é uma casa, é um cenário. Descobre que está no meio de um filme. Não
entende nada.
- Não entendo...
- Eu devo estar louco. Isto não pode estar acontecendo. Onde está minha
mulher? Os meus filhos? Aminha casa?
- Assim está melhor. Mas espere até começarmos a rodar. Volte para sua marca.
Atenção, lues...
- Mas que marca? Eu não sou personagem nenhum. Eu sou eu! Ninguém me
dirige. Eu estou na minhaprópria casa, dizendo as minhas próprias falas...
- Boa, boa. Você está fugindo um pouco do script, mas está bom.
- Que script? Não tem script nenhum. Eu digo o que quiser. Isto não é filme. E
mais, se é um filme, é umaporcaria de filme. Isto é simbolismo ultrapassado. Essa de
que o mundo é um palco, que tudo foi predeterminado, que não somos mais do que
atores... Porcaria!
- Você não vai filmar nada! Está ouvindo? Nada! Saia da minha casa.
O diretor tenta livrar-se. Os dois rolam pelo chão. Nisto ouve-se uma voz que grita:
- Corta!
Veríssimo, Luis Fernando. Comédias da vida privada: crônicas escolhidas. 19. Ed. Porto
Alegre: L&PM, 1996. P. 194-95.