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A ALMA BOA DE SETSUAN

Bertolt Brecht narra, com muita habilidade, a curiosa história de uma cidade da China,
Setsuan.!Nesta cidade muito pobre! habitava! Chen-Te, uma prostituta que um dia recebeu a
visita de três deuses. Estes, conhecendo a sua bondade, deram-lhe a missão de fazer o bem ao
povo de Setsuan. Para isso, ofertaram-lhe muito dinheiro. Chen-Te, por sua vez, abriu uma
tabacaria para seu!sustento. A cidade, porém, começou a explorá-la comprando tudo sem
pagar. Chen-Te passou a refletir e chega à seguinte conclusão: “Como ser boa para os outros,
sem esquecer-se de si mesma?” Chen-Te teve uma grande ideia: inventou um primo imaginário,
Chui-Ta, que, através de suas atitudes, trouxe equilíbrio à situação.

NUMA RUA DA CAPITAL DE SETSUAN


(Entardecer. WANG., aguadeiro da cidade, apresenta-se ao público).
WANG - Eu sou o aguadeiro, aqui na Capital de Setsuan. Duro ofício: quando a água é
pouca, tenho que ir longe buscá-la; e quando é muita, fico sem meu ganha-pão. Aliás,
de modo geral, a pobreza impera em nossa Província; pelo que dizem, só os deuses
ainda nos podem valer, Para a minha inefável alegria, acabo de saber, por um tropeiro
muito viajado, que alguns dos santos deuses já estão a caminho e devem ser esperados
também em Setsuan. Os céus hão de estar bastante inquietos, com tantas lamentações.
Há três dias que estou aqui, à espera, na entrada da cidade, principalmente quando a
noite cai, para ser o primeiro a saudá-los. Se eu deixar para depois talvez eu não tenha
mais oportunidade, estarão cercados de gente importante e chegar até eles não será
fácil. Ah, se eu os pudesse reconhecer! Naturalmente não hão de vir juntos: talvez
cheguem um a um, para não dar na vista! (WANG observa uns Operários que passam)
Aqueles não podem ser eles, voltando do trabalho com os ombros arriados de carregar
peso... Aquele outro, lá, também é quase impossível que seja um deus: com os dedos
cheios de tinta, há de ser, quando muito, escriturário na fábrica de cimento (passam dois
senhores). . E esses dois senhores também não parecem deuses: têm cara de gente
bruta que vive dando pancada, e os deuses não precisam disso. Já aqueles três... aí a
coisa muda de figura: são bem nutridos, não têm nenhum ar de trabalhadores, e trazem
pó nos sapatos como quem chega de longe... São eles sim! Às vossas ordens ,
Santíssímos! (WANG curva-se.)
PRIMEIRO DEUS, (satisfeito) - Éramos esperados?
WANG (dando-lhes de beber) - Há muito tempo. Mas só eu tinha certeza da vossa vinda.
PRIMEIRO DEUS - Precisamos de alojamento para esta noite. Sabe de algum?
WANG - Algum? Inúmeros! A cidade está às vossas ordens, Santíssimos! Onde quereis
ficar?
(Os deuses entreolham-se significativamente.)
PRIMEIRO DEUS - Vai à casa mais próxima, filho! Primeiro a gente tenta o que está
mais próximo!
WANG - Eu só tenho receio de atrair sobre mim a ira dos poderosos, dando preferência
a um em prejuízo de outros.. .
PRIMEIRO DEUS - Por isso é que nós mesmos te ordenamos: vai ao mais próximo!
WANG - Ali em frente mora o senhor Fu! Um momentinho!
(WANG corre a uma casa, e bate. Abre-se a porta, mas vê-se que ele não é bem
recebido. Volta hesitante.)
WANG - Que tolice... O senhor Fu não está em casa e os empregados não querem fazer
nada sem autorização, porque ele é muito severo. A raiva dele não vai ser pouca ao
saber que vos recusaram, não é?
OS DEUSES (rindo) - Sem dúvida!
WANG - Ainda um momento! A casa ao lado pertence à viúva Su. Ela vai delirar de
alegria! (WANG corre até lá, mas também se percebe que o mandaram embora.)
WANG - Tenho que ir perguntar mais adiante: ela diz que só tem um quartinho pequeno,
ainda em obras. Vou dar um pulo à casa do senhor Cheng.
SEGUNDO DEUS - Um quarto, pequeno mesmo, basta para nós. Diga à viúva que
vamos...
WANG – Ainda em obras? Deve estar cheio de aranhas!
SEGUNDO DEUS - Não faz mal: muita aranha, Pouca mosca!
TERCEIRO DEUS (amigavelmente a WANG) Procura o senhor Cheng ou qualquer
outro, meu filho, que as aranhas me causam certo nojo.. .
(WANG aproxima-se de outra porta, bate e é recebido.)
UMA VOZ, DENTRO DA CASA - Deixem-nos em paz, você com os seus deuses! Temos
mais o que fazer!
WANG (volta para perto dos deuses) O senhor Cheng está possesso, a casa cheia de
parentes, e não se atreve a expor-se aos vossos olhos, Santíssimos. Aqui entre nós, a
acho que é gente bem ruim e ele não quer vos mostrar. Está é com medo de vós!
TERCEIRO DEUS - Seremos assim temíveis?
WANG - Só para a gente ruim, não é? Sabe-se que a Província de Kuan, por exemplo,
há dezenas de anos vem sendo castigada pelas inundações.
SEGUNDO DEUS - Sim. E por quê?
WANG - Ora, porque lá nenhum deus é respeitado.
SEGUNDO DEUS - Absurdo! Só porque deixaram desabar a represa.
PRIMEIRO DEUS - Pssst! (a WANG) Ainda tens esperança, meu filho?
WANG - Que pergunta! Basta eu ir a uma casa mais adiante e logo hei de achar
acomodação para vós! Todo mundo lambe os dedos para vos dar hospedagem...
Infelizmente, haveis de compreender, a falta de sorte... Lá vou eu!
(WANG afasta-se indeciso e para no meio da rua, sem saber aonde ir)
SEGUNDO DEUS Que foi que eu disse?
TERCEIRO DEUS – Ele talvez esteja dando azar...
SEGUNDO DEUS - Azar em Chun, azar em Kuan, azar em Setsuan... Não há mais
respeito a deus, essa é a pura verdade que vocês não querem enfrentar! Nossa missão
fracassou, temos que admitir!
PRIMEIRO DEUS - Ainda podemos encontrar uma alma boa, a qualquer momento. Não
vamos apressar as conclusões!
TERCEIRO DEUS - Nosso código reza: "O mundo poderá permanecer como está, se
forem encontradas almas suficientemente boas que são capazes de levar uma
existência condigna". Ou eu muito me engano ou o próprio aguadeiro é uma dessas
almas...
(Aproxima-se de WANG, que continua parado sem se decidir.)
SEGUNDO DEUS - Está redondamente enganado: enquanto o aguadeiro nos dava de
beber, sabe o que eu percebi no copo dele? Veja! (Mostra o copo ao PRIMEIRO DEUS.)
PRIMEIRO DEUS - Fundo falso...
SEGUNDO DEUS - :É trapaceiro!
PRIMEIRO DEUS – Bem, ele então risca-se. Mas que importa, entre muitos, um homem
corrompido? Logo acharemos gente bastante que preencha as condições. Aliás, é
necessário achar alguém! Há dois mil anos ouve-se clamar: "O mundo não pode
continuar como está, ninguém consegue manter-se bom. E desta vez, precisamos citar,
nome por nome, as pessoas em condições de seguir nossos mandamentos.
TERCEIRO DEUS ( a WANG) - Então é difícil, assim, um alojamento?
WANG - Não, para vós! Que ideia! Se ainda não encontrei, a culpa é minha. Procurei
mal...
TERCEIRO DEUS - Não é bem isso!
(Volta à companhia dos outros.)
WANG - Eles estão começando a desconfiar. (Aborda um passante) Meu caro senhor,
desculpe-me abordá-lo, mas três dos supremos deuses, cuja vinda toda a cidade de
Setsuan há vários anos aguardava, acabam de chegar realmente e precisam de um
lugar para dormir. Verifique o senhor mesmo: basta um simples olhar! Aproveite, é uma
oportunidade única! Seja o primeiro a chamá-los, a acolhê-los sob o seu teto antes que
alguém os convide e eles aceitem!
(O homem prossegue em seu caminho.)
WANG (,dirigindo-se a outro) - Meu caro, o senhor ouviu o que dizia: não terá, por acaso,
um quarto livre? Nada de palacetes: a intenção é que vale!
HOMEM - Como é que eu you saber quem são êsses teus deuses? A gente nunca sabe
quem vaí
pôr em casa...
(O homem, entra numa tabacaria. WANG volta corr~ a-os três deuses.)
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WANG - Encontrei um senhor que certamente aceitará.
(WANG vê o copo no ch4ffo; olho os deuws, perturbado, apanha-o e volta correndo.)
PRIMEIRO DEUS - Não me bate a passarinha... WANG (ao sair o homem da tabacaria)
-
Então, o que é que o senhor decidiu quanto à hospedagem? HOMEM - Como sabes se
eu própri
o não moro numa hospedaria?
PRIMEIRO DEUS - Êle não vai achar nada. Podemos riscar também Setsuan, da lista...
WANG - Três dos deuses principais. É fato! As estátuas dêles, nos templos, são
parecidíssima
s. Se o senhor se apressar em convidá-los, talvez aceitem. . .
HOMEM (rindo) - Vai-se ver, é uma trinca de malandros, procurando pousada.
(O homem sai.)
WANG (xingando-o) - Hipócrita! Não tem reli-
91ãO! Pois serão todos cozinhados em resina ardente, por essa indiferença! Os deuses
c
agam para vOcês! Mas vão se arrepender: até a quarta geraÇãO, vocês vão responder
por isto! Se
tsuan está coberta de vergonha. (Pausa) Bem,
#falta ainda CHEN Ti% a prostituta: ela não pode negar.
(WANG chanw-a: "Chen Tê!"" CHEN TÉ aparecc nuMa janela alta.)
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#WANG - Estão ali, e não há meios de achar acomodação. Não podes recebê-los, por
uma noite? CH
EN Tr,, - Eu não sei, Wang: estou esperando um cliente. Mas como: não achaste outro
lugar para êles?
WANG - Agora não posso explicar. Setsuan. não passa de um monte de lixo!
CHEN TÉ - Só se eu me esconder, quando e, cliente vier. Assim, talvez desista: êle pre
tendia sair comigo.
WANG - Não podemos subir já, de uma vez? CIlEN TÊ - Mas sem barulho. A gente fala
aber
tamente com êles?
WANG - Não! Teu ofício êles não devem saber: Acho melhor esperarmos cá em baixo.
Mas tu não
vais sair com teu cliente, vais?
CHEN TÊ - As coisas não me correm muito bem. Se não pagar o aluguel... serei
despejada
, amanhã de manhã.
WANG - Não vamos fazer contas numa hora destas...
CHEN T2 - Fácil dizer... Oestômago reclama, mesmo no dia da festa do imperador. Mas,
enfim... está bem, you hospedá-los.
(Vê-se CITIEN TÊ apagar a luz.)
PRIMEIRO DEUS - Acho melhor perder as esperanças...
(Os deuses aproximam-se de WANG).
WANG (sobressaltafldo-se, 4aO vê-los perto de si) o quarto está arranjado.
(W_4NG enxuga a testa).
OS DEUSES - Mesmo? Então vamos entrar! WANG - Nada de pressa. Fiquem à
vontade. É prec
iso, primeiro, pô-lo em ordem.
TERCEIRO DEUS - Então vamos sentar-nos aqui e esperar!
WANG - Receio que aqui haja muito movimento. E se fôss.amos um pouco mais longe?..
. SEGUNDO DEUS - É um prazer, para nós, ver os homens de perto. Aliás, para isso
aqui
estamos! WANG - Mas... e a corrente de ar? TERCEIRO DEUS - Êste lugar não te
agrada
?
(Sentam-se no degrau de uma porta. WANG Senta-se no chão, a curta distância.)
WANG (num r-pente) - Ficareis em casa de uma mÔça solteira. É a melhor alma de
Setsuan
. TERCEIRO DEUS - Muito bem!
WANG (ao público) - Ainda há pouco, quando apanhei o copo, êles me olharam de um
jeito
esquisito! Teriam percebido alguma coisa? Não tenho mais coragem de olhá-los nos ol
hos...
TERCEIRO DEUS - Estás bem fatigado... WANG - Um Pouco. De tanto correr.
PRIMEIRO D
EUS - A gente aqui vive em dificuldade?
#WANG - Quem é born, vive.
PRIMEIRO DEUS (sério) - Tu também?
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#WANG - Não sei aonde quereis chegar: eu não sou santo, mas também não tenho a
vida fácil.
(Entrementes, um homem aparece em frente ?j casa de CHEN TÊ e assobia várias
vêzes; a
cada vez, WANG tem um sobressalto.)
TERCEIRO DEUS (calmamente) - Agora creio que êle vai-se embora...
WANG (confuso) - É.
(Levanta-se e atravessa correndo a praça, deixando atrása quartola de aguadeiro. Mas
dúrante êsse tempo, foi-se o homem que esperava e CHEN TÊ apareceu na porta. Ela
cham
a suavemente: "Wang"! E desce a ma. WANG chama em voz baixa: "Chen Tê!"-" Sem
res
posta.)
WANG - Ela me deixou na mão. Foi atrás do dinheiro do aluguel, e eu fiquei sem pousa
da para os deuses. Êles estão cansados de esperar... Voltar para dizer-lhes "nada fe
ito", eu não posso... Do cano de esgôto, que me s3rve de niorada, nem se fala: mesm
o porque os deuses não iriam dormir com um sujeito apanhado em flagrante delito. Não
volto lá, por nada dêste mundo. Mas a quartola ficou! E agora?... Não me atrevo a ir
buscá-la. Já que não posso fazer nada pelos deuses que adoro, you sair da Cidade
para qualquer lugar onde não me ponham os olhos!
- 1O -
(Foge. Mal saiu êK volta CHEN TÊ. Ela procura WANG, olhando Para o lado Oposto aO
qu
e êle tomou, e avista os deuses.)
CHEN " - SOIS vós, os magníficos deuses? Eu me chamo CHEWM ficaria imensamente
feliz
se vos dignásseis ocupar o meu pequeno quarto. TERCEIRO DEUS - Mas onde foi
meter
-se o aguadeiro?
CHEN TÊ - Na certa nos desencontramos. PRIMEIRO DEUS - Deve ter pensado que tu
não v
irias, e não ousou voltar a nossa presença. TERCEIRO DEUS (apanhando a ~Ola) -
Vamos
guardar isto em tua casa, êle há de precisar.
(Guiados por CHEN TÊ, entram na casa. Escurece. Clareia. A luz da aurora., sempre
conduzidos por CHEN TÉ, que os ilumina com uma lanterna, os deuses cruzam a porta:
desPedem-se.)
PRIMEIRO DEUS - Minha boa CHEN TÉ, agradecemos a hospitalidade. Tu fóste a única
a nos
acolher: jamais esqueceremos. Devolvendo a quartola ao aguadeiro, dize-lhe que
também lhe somos Inuito gratos por nos ter indicado uma alma boa. CHEN T2 - Eu

o sou boa. Devo confessar: quando Wang me Pediu para vos hospedar, a princíPio hes
itei.
#PRL?1EIRO DEUS - A hesitação não importa, quando se vence. Fica sabendo que
nos deste
muito r,aais do que um lugar onde dormir. Muitas pessoas,
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#e até deuses como nós, já se punham em dúvida quanto a ainda existirem almas boas.
"Ain
da há bondade na Terra?" Foi para esclarecer essa questão que nós, antes de mais
nada,
fizemos esta viagem. Agora, que já encontramos alguém, vanios seguir caminho
alegremente. Adeus!
CHEN T?Ê - Esperai, Santíssimos! Eu não estou tão c2rta de ser boa. Bem que eu
queria se
r, mas, como hei de pagar meu aluguel? Agora you contar: eu me vendo para poder
viver, e mesmo assim não ganho o suficiente. Muitas, como eu, precisam fazer isso.
Estou disposta a tudo, mas quem não está? Sem dúvida eu gostaria de seguir os
mandamen
tos, honrar pai e mãe e pregar a verdade, não invejar a casa do vizinho... Seria uma
alegria para mim, se eu pudesse viver só para um homem, dedicada e fiel! Ainda s
e eu não precisasse tirar dos outros o pão, explorando os infelizes... Mas o que é que
eu you fazer? Ofato é que, embora eu queira, não consigo sair disto.
PRIMEIRO DEUS - Tudo isto, CHEN TÉ, são as dúvidas de uma alma boa.
TERCEIRO DEUS - Passar bem, CHEN TV Lerilbranças minhas, também, ao
aguadeiro! Êle foi
para nós um bom amigo.
SEGUNDO DEUS - com o que se deu mal, se não me engano...
TERCEIRO DEUS - Que tudo te corra bem! PRIMEIRO DEUS - E, antes de tudo, que
sej
M boa, CHEN TÊ! Adeus!
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c Voltan _$c par£& partir. id fazem sinais &
adeus.) e,HEN TÊ (angustiada) - Mas não estou segura de mim, Santíssimos! Como ser
boa
, quando tudo está tão caro ?
SEGUNDO DEUS - Quanto a isso, infelizmente, nada podemos f azer. Não nos
competem
os problemas econômicos.
TERCEIRO DEUS - Um minutinho, esperem! Se ela possuísse alguma coisa, talvez
pudas
se arranjar-se melhor!
SEGUNDO DEUS - Nada lhe podemos -dar: como iríamos explicar lá em cima?
PRIMEIRO DEUS - E por que não?
(Reúnem-se, ?untando as oabeças, em aflita discussão.)
PRIMEIRO DEGS (embaraçado, a CHEN TÊ) Sabemos que não ganhaste para pagar
o aluguel. P
ois nós não somos nenhuns pobretões e decerto pagaremos pelo nosso quarto. Aqui
está! (Dálhe
dinheiro) . Mas não contes a ninguém! Poderia ser
1W?l interpretado.
#SEGUNDO DEUS - Malíssimo!
TERCEIRO DEUS - Ora, é nosso direito. Pode?1Os muito bem pagar a hospedagem:
nada
proíbe Isso, em nosso código. Mais uma vez, adeus!
(O8 deUSes partem apressadamente.) "
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#NUMA PEQUENA TABACARIA
(A loja ainda nõocstd de todo instalada, nft, aberta ao público.)
CHEN TÊ (ao público) - Faz três dias que os deuses partiram, deixando dinheiro pela
ho
spedag-?m . Quando olhei o que me haviam dado, vi que eram mais de mil dólar1?s de
prata. com o dinheiro, comprei uma tabacaria. Mudei-me ontem pam cá, e agora espe
ro ter muitas ocasiões de praticar o bem. A senhora CHIN, por ex2mplo, ant?ga loca
tíria desta loja, ontem já m3 pediu arroz para as crianças. E hoje lá vem, atravessando
a praça, cora sua gamela.
(Entra a senhora CHIN. As du~ inclinam-" uma diante da outra.) i CHEN Tn - bom
dia, senhora CHINI
SENHORA CHIN - bom dia, senhorita CHEN TV Como se sente, em sua casa nova?
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CHEN TB - Muito bem . E seus filhinhos, como ppssaram a noite?
SENHORA CHIN - Ai da mim, em casa estranha... se se pode chamar de casa um barra
cão damieles! o menorzinho já começou a tossir. CHEN TÊ - Oue pena!
SENHORA CHIN - Você não sabe o que é pena, tudo lhe corre bem... Mas não perde
por esper
ar, an,11 nest%t baiúca. :Êste bairro é uma miseria. CHEN " - Mas, pelo que a senhora
disse, ao meio-dia aparecem os operários da fábrica de e!- m,mto. . .
SENHORA CHIN - Mas é raro alguém que cornpr?. nem mesmo da vizinhança...
CHEN TÊ - Disso a senhora não me falou nada, ao me nassar a loja.
SENHORA CHIN - Ainda bem não começa, e já vem com censuras! Frimeiro nos"tira a
casa,
a mim e a meus filhos, para denois dizer que é uma balúca, que o bairro é uma miséria...
É o cúmulo! (P611-se a chorar.)
CHEN T2 (avressada) - Já you trazer o seu arroz.. SENHORA CHIN - Também queria
pedir
que me emDrestasse um dinheiro...
CHEN TP, (Pondo arroz na gamela da 3enhora CHIN) - Isto eu não Posso, ainda não
vend
i nada! SENHORA CHIN - Mas eu preciso: hei de viver con" qu-?? Você me privou de t
udo, e agora põe-me a corda no pescoço. Pois you colocar meus filhos na soleira de
sua Porta, sua usurária! (puxa a YanWla da8 ?n6O8 de CHEN TÊ.)
-15 .
#CHEN TÊ - Não fique assim tão nervosa, v&i ento?.-nar o arroz!
(Entra um casal de meia idade, e mais um ho. mem mal vestido.)
MULHER - Ah, minha boa CHEN TÉ, bein nos disseram que estavas melhor de vida:
pass
aste a mulher de negócios! Pois imagina que estarnos ao des-1.brigo. Perdemos a no
ssa tabacaria... E até vínhamos pensando se não seria possível ficarmos, uma noite,
aqu
i contigo. Conheces meu sobrinho? V??io junto, êle não nos abandona.
SOBRINHO (,depois de olhar em tôrno) - Bo. nita loja!
SENHORA CHIN - Então, que gente é essa? CHEN TÊ - Meus primeiros senhorios,
quando che
guei do interior para a cidade. (Ao público) Quando esgotei uns cobrinhos que tinh
a, puserani-me na rua. Talvez estejam com mêdo de que hoje eu lhes diga "não". Êle
s estão pobres.
Estão sem amigo. Est?o sem lugar. Precisam de abrigo
- quem pode negar?
(Dirige-se cordialmente aos recém-chegados) Sejaril benvindos! n com prazer que os
recebo. Mas só tenho um quartinho de depósito, aí nos fundos da loja.
MARIDO - in o quanto basta. Não te incomodes! (E enquanto CHEN TÊ traz o chá)
Ficaremo
s ln%ã
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lhor aqui no fundo, sem estorvar a passagem.. . Foi ein nienaória ao teu primeir
o lar, hein, que escolheste uma tabacaria? Nós poderemos dar-te alguns conselhos;
essa f oi uma das razões por que vieMos. . .
SENHORA CIUN (irÔnica) - Espero que os freguese a??bém venham.
Ul M ,?R - Isso é indireta, para nós? MARIDO - Shhh! Olha aí um freguês!
(Entra um homem esfarrapado.)
ESFARRAPADO - Desculpem, eu estou desempregado...
(A senhora CHIN dá risada.)
CHEN TÊ - Em que lhe posso servir? DESEMPREGADO - Ouvi diz-r que a senhora
abria a
loja amanhã... Pensei que, na hora da abertura dos pacotes, talvez aparecesse alg
uma sobra. Tem um cigarrinho, ai?
MULHER - Mas que topete: mendigando fumo! Ainda se fÔsse pão!
DESEMPREGADO - o pão é caro. E eu, com duas baforadas de cigarro, sinto-me um
novo h
on18m. Estou mesmo no fim...
CHEN Ti? (dando-1h6 cigarros) - Oimportante é sentir-se um novo homem. Quero abrir
minha loja "On1 Osenhor, para dar sorte.
#(O DE"EMPREGADO acende rápido um cigarro, dá uma tragada e 8"i tossindo.)
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#MULHER - Estava direito
Ti? ? isso, minha boa CIMX SENHORA CHIN - Se vai abrir a sua loja aSsir., daqu
i a três dias não terá mais nada.
MARIDO - Aposto que êla tinha dinheiro no bol. so!
CHEN TÉ - Éle disse que não tinha... SOBRINHO - E como vai saber que não mentiu?
CHEN Ti
? (irritada) - E como you saber que êle mentiu!
MULHER (balançando a cabeça) - Ela não sabe dizer que "não"! 1?s boa demais, CHEN
TÊ! Mas
se pretendes continuar com a loja, precisas aprend.,r a recusar um ou outro pedi
do.
MARIDO - Diz que a loja não é tua, diz que pertence a um parente e êle te exige contas
muito exatas. Não poderias?
SENHORA CHIN - Poderia, se não quisesse fa. ze
gEsempre o papel da benfeitora...
N TÉ (rindo) - Continu,-m falando: you acabar negando-lhes o quarto e pedindo a de
volução do arroz!
MULHER (surpresa) - Oarroz também é teu? CHEN TÊ (ao público)
Êles são maus.
Não são amigos de ninguém, Ples não podem ver ninguém
que tenha um pote, a mais, de arroz. De tudo fazem questão...
Quem pode zangar com êles? (Entra um homem baixote.)
SF,NI-JORA CMN (dando por êle e saindo às pres. sa.8) - Veio-os de novo, amanhã!
(Sai.
) J3AIXOTE (correndo atrás dela) - Espere, senhora CHIN! Eu ando à sua procura!
MULHER (para CHEN TÉ) - Essa mulher costwna vir aqui? D?wes a ela alguma
obrigação? CH
EN T2 - Não tenho obrigação nenhuma; e ela tem fome, o que é pior!
BAIXOTE - Ela sabe por que corre. A senhora é a nova proprietária? Ah, já está
arrumando
as prateleiras.. . que aliás não lhe pertencem, minha senhora! A menos que queira p
agar: aquela vigarista, que estava aqui, nunca me pagou! (Dirigindo-se aos dema
is.) Eu sou o marceneiro.
CHEN TP, - Pens3i que tudo pertencesse à instalação, e eu já paguei...
MARCENEIRO - Patifaria! Só patifaria! Naturalmente já tramou, com essa CHIN, algum
a
côrdo! F?aão questão dos meus cem dólares de prata, ou não me chamo LIN TO!
CHEN TÊ - Como é que eu posso pagar isso? Já não tenho mais dinheiro.
#MARCEINEIRO - Então you pôr em 1,-ílão! 2 agora! Ou paga Ou Ponho tudo em leilão!
MARIDO (Zprando a CHE, N TÉ) - Oprimo! CHEN T2 - Não Pode deixar para o mês que
vem? M
ARCENEIRO (aos gritos) Não!
CHEN T2 - Não seja mau,-senhor LIN TO! Eu "ao Posso atender a tantas exigêlleias. (A
o público) Um Pouco de indulgência e duplicam-se as fôrças.
Olha: , C11a1O da carroça Parou em frente à moita de capim. "U"" faz-de-conta-quenão-
vê e êle ainda Puxará melhor,
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#Também em junho um pouco de paciência, e a árvor, em agôsto redobrará de
pêssegos. . .
Podemos conviver, sem paciência? com apenas um pouco esperança atingem-se
quaisquer
objetivos!
(AO MARCENEIRO) Tenha mais um POuquinho de paciência, senhor LIN TO!
MARCENEIRO - E quem vai"ter paciência corni. go e a minha família? (Arranca, uma
Pra
teleira da parede, como se tencionasse levá-la.) Ou a senhora me paga, ou eu levo
as prateleiras!
MULHER - Minha boa CHEN TÊ, por que não deixas o assunto aos cuidados de teu
primo?
(Ao MARCENEIRO): Anote por escrito a dívida pendente, e o primo de CHEN TÊ logo
lhe
pagará. MARCENEIRO - Conheço bem êsses primos! SOBRINHO - Pare de rir feito um
bôbo
! Conheço êle, em pessoa.
MARIDO - Um homem às direitas! MARCENEIRO - Se é assim, êle vai ver. (Emborca a
pratel
eira, senta-se em cimadela e escreve a nota.)
MULHER (a CHEN TÊ) - Por causa de uni par de tábuas, êle te acaba levando a roupa
do c
orpo, se a gente não der logo um jeito nisso. Não aceites reclamação alguma, justificada
ou não, para não s3res esmagada entre reclamações, justificadas Ou não. Joga
um naco de carne na lata do lixo, e todos os cães vadios do bairro virão brigar no
teu quintal. Para que serve a Justiça?
CHEN TÊ - Me fêz o trabalho e não há de sair
2O -
mãos vazias . Além do niais,? tem família. É pena de não poder pagar . Oque e que os
deu
ses vão eu
dizer? rte dando-nos aeolhlUARII)O - Fizeste a tua pa: ,
mento: é mais do que suficiente!
(Entram um homem capenga e uma mulher grávida.) - Ah, estão aqui" VOcês CApENGA
(a
o casal)
são uns parentes formidáveis: deixar nós dois sózinhos lá na esquina!
MULHER (acanhada, a CHEN TÊ) - É WUNG, meu irmão, com a minha cunhada. (Aos
dois) Deix
em de resmungar e sentem-se quietos num canto, para não atrapalhar a nossa amiga
C
HEN U! (Falando a CHEN TÊ) Creio que temos de acolher os dois, porque a cunhada
es
tá no quinto mês... Ou és de outra opinião?
CHEN T2 - Sejam benvidos!
MULHER - Agradeçam! A "louça está lá atras. (A CHEN TÊ) Já não sabiam mais para
onde ir: que orn, teres esta loja!
#CHEN TÊ (rindo para o público e trazffldo o chá)
2, sim, que born!
(Entra a dona do Prédio, senhora MI TSU, com formulário na mão.)
SENHORA MI TSU - Senhorita CHEN U, eu sou a dona do prédio, s?mhora MI TSU.
Espero
que nos entendamos bem. Isto é o contrato de locação. (Enquanto CHEN TÊ examina
o contr
ato) lP, um
- 21 -
#momento magnífico,, a abertura de um pequerio nN gócio: nã?o é mesmo, senhoras e
senhor
es? (O1h, em redor) Ainda há espaços vazios nos arinários, porém isto se arranja...
Pode
indicar algué-m que me dê referências?
CHEN TÊ - É, indispensável?
SENHORA MI TSU - Bem, eu ainda não sei quen, é a senhora...
MARIDO - Talvez possamos ser fiadores da nhorita CHEN TÉ? Ela é nossa conhecida,
des
de quando chegou a esta cidade, e por ela porio? a mão no íogo.
SENHORA MI TSU - E os se-inhores, quem são? -MARIDO - Eu sou MA FU, negociante
de
furio. SENHORA MI TSU - Ond2 fica a sua loja? MARIDO - No momento, estou sem loj
a: veja a senhora, acabo de vendê-la!
SENHORA MI TSU - E então? (,i criEN TÊ) A senhorita não tem mais ninguém que me
dê informações
a seu respeito?
MULHE R (soprando) - Oprimo! O " primo! SENHORA MI TSU - É preciso t3r aiguém
que
Es4a
sirva de fiador a quem ponho em minha casa.
é uma casa de respeito, minha cara. Sem isso, não podemos fechar contrato algum.
4
CHEN TP, (lentamente, de olhos baixos) Eu tenho um primo...
SENHORA MI TSU - Ah, tem um prM1O praca? Podemos ir vê-lo, juntas. D?? quem se
tra
ta? cidade-
CHÉN T:É - Não mora aqui, êle é de outra MULHER - 2 de Chung, não foi o que disseste
CHEN TÉ É o senhor CHUI TA, de Chunguito
bem: ?WDO - Quanto a êsse, eu conheço M -
wn alto, magro . . - ARCENEIRO) - Êste senhor SOBRINFIO (O,O X
também. já fêz negócio com o primo da senhorita CHEN TÊ: as prateleiras!
MARCENEIRO (resmungando) - Acabo de fazer a conta, justamente para êle. Aqui está!
(Entreg".) Volto amanhã, de manhã. (Sai.) SOBRINHO (aos gritos 11 olhando de es
guelha a proprietária) - Esteja descansado, o primo vai pagar!
SENHORA MI TSU (séria, fixando CHEN TÊ) Pois eu também terei prazer em conhecê-
lo. Boa t
arde, senhorita! (Sai.)
MULHER (após breve pausa) - Vai tudo por água abaixo! Podes contar, amanhã cedo
ela te
rá as informações a teu respeito.
CUN~A (em voz baixa,,ao SOBRINHO) - Isto não vai durar muito!
#(Entra um ancião, guiado M um menino.) MENINO (para trás) - Aí estão êles!
IbUOJMI"HdoER - bom dia, avô! (A CHEN TÉ) P, o raenino velho! Deve estar sentido c
onosco. E êsse , não está crescido? Come que nem uma debulhadeira! Quem é que
veio com v
ocês?
MARIDO (a olhar para fora) - Mais a sobrinha... (Para CREN TÊ) Uma jovem parenta d
o interior. Esperamos não ser demais... Quando moravas conOsco ainda não éramos
tantos
, lembras? Fomow aulnentando sempre: quanto pior iam as coisas, t"tO rIlais gent
es
urgia., . e quanto mais gente
23 -
".: O,
#surgia, tanto pior iam as coisas . Vamos trane,,, nos aqui, senão não teremos paz
!
(Aferrolham a porta e sentam-se
todos.)
MULHER - Oess2ncial é não te atrapalharnios Q negócio: senão, com que é que a
chaminé vai fu
. megar? Por isso mesmo, resolvemos: durante o dia saem os mais moços, ficando só
o
avô, a cunhada, e talvez eu. Os outros virão à loja, no máxijuo, uma ou d
uas vêzes por dia. Está bem? Então acen. dam essa lâmpada, e fiquem à vontade.
SOBRINHO (corn humor) - A menos que hoje ainda apareça o primo, o bravo senhor =
T
A.
(Ri-se a CUNHADA.)
CAPENGA (apanhando um cigarro) - Um a niais, um a menos... não faz mal!
MARIDO - Claro que não!
(Todos põem-se a fumar. OCAPENG-4 fO passar uma botija de vinho.)
SOBRINHO - Oprimo paga!
AVõ (a CHEN TÊ, solenemente) _ Muito boAl dia!
(CHEN TÊ inclina-se, perturbada com a 8a14O ção intempestiva: tem numa dm mãos a
"4* ta
do MARCENEIRO, na outra o contratO d6 aluguel.)
24 -
]F, vocés não cantam nada, para ale-
9 s-sa anfitriã ?
grar a 11 AVõ começa: (cantam.) SO]3RINHO - O
CANÇÃO DA FUMAÇA
O Avõ:
Antes, antes do cabelo me embranquecer, sonhei vencer nesta vida pela razão. I.loj
e, coisa diferente vim a saber:
razão não enche barriga de um cidadão. Ora, eu Aigo: "Deixa!
Olha, a fumaça
vai sumindo fria, fria como a tua vida passa!"
O MARIDO:
Vendo sofrer taito OS bons e os esforçados, tentei o caminho torto, que é mais brand
o mas só leva para o fundo os desgraçados
e enfim, sem pedir conselho, vou-me arranjando.
Ora, eu digo: "Deixa!
#Olha, a fumaça
vai sumindo fria, fria como a tua vida passa!"
4 SOBRINHA:
Dizem: nada resta aos velhos, só a idade; tudo, nêles, é a vida terminada.
Dizem: tóda porta se abre à mocidade, dizem, mas só vejo aberta para o Nada.
Ora, eu digo: "Deixa!
Olha, a fumaça
vai sumindo fria, fria como a tua vida passa!"
- 25 -
O:
#SOBRINHO (ao CAPENGA) - Onde arranjat, êsse vinho?
CUNHADA - 21e trocou pelo saco de fumo MARIDO - Oque? Pois aquêle fumo era t?do
qu
e nos restava! Nós nunca tocamos nêle, nem parao pagar um quarto! Cachorro!
CAPENGA - Me chamas de cachorro, porque iiii. nha mulher está com frio? Já bebeste,
tambéru, Passa o jarro para oá!
(Atracam-se os dois. Prateleiras desabarn.) CHEN "FÈ (ffluplicante) - Oli, tenham
pena da loja, não vão arrebentar tudo! Isto é presente dos deuses: podem levar, mas
não
quebrem!
MULHER (descrente) - A loja é bem menor do que eu pensava. Talvez não devêsser-
nos ter
falado com a tia e os outros... Agora, se êles vierem vamos ficar apertados.
CUNHADA - A nossa anfitriã já está esfriando. . .
(De fora chegam vozec, batem à porta.) VOZES - Abram! Já estamos aqui!
MULHER - É a senhora, Titia? Como é que vamos fazer?
CHEN TÈ - Minha lojinha! Ali, meu sonho! Mal abriu, e loja não há mais! (Ao público)
Vai de uma vez ao fundo o barco salvador
corn náufragos demais agarrando-o em redor! VOZES (de fora) - Abram!
86
inter1Udio
EM BAIXO DE UMA PONTE
(A beira-rio, o aguadeiro agachado.)
WANG (olhando em redor) - Tudo tranqüilo. Há quatro dias que me escondo. A mim
êles não
me pegam, porque estou sempre da ôlho. De propósito fugi pelo mesmo caminho déles:
ant
e-ontem passaram nesta ponte, eu ouvi bem os passos por cima de mim, Já não p
reciso ter mêdo, êles devem estar longe. . .
(WANG deita-se de costas e adormece, Músi. ca. Obarranco toma-se transparente, o o
s DEUSES aparecem.)
WANG (cobrindo o rosto com o braço, como a evztar pancadas) - Não precisais falar, e
u sei de tudo: é que eu não encontrei ninguem que vos qtusesse dar abrigo, em casa a
lguma! Sabeis, agora. Prossegui em vosso caminho!
PR1311EIRO DEUS - Ao contrário, achaste ijma Pessoa: chegou enquanto fugias.
Acolh
eu-nos uma
11Oke, velou Pelo nosso sono, e ainda nos acompa,
- 27
#Bibiloí,*,a pública "Arthir Manna áL? Sala HarOldo Maranhão
#nhou à porta com uma lâmpada, de madrugada ],, hora da partida. E fôste tu quem nos
f
alou dessa alma boa... e era de fato!
WANG - Então, CHEN TÉ vos hospedow TERCEIRO DEUS - Naturalmente.
WANG - E eu, que fugi, homem de pouca fé! por que pensei: "ela não há de vir, é tão
perdid
a que não há de vir!"
OS DEUSES (cantam):
õ tão débil criatura, de bom coracão!
Acha que, onde há Miséria, o Bem não pode estar. Acha que, onde há Perigo, a Audácia
não i
rá. Nem um fio de cabelo quer sacrificar...
õ pressa de julgar! õ frívolo desesperar!
WANG - Ali. santos deuses, quanto me envergo. nho!
PRIMEIRO DEUS - Pois agora, aguadeiro, faze-nos um favor: volta ligeiro à capital,
vê bem o que houve com CHEN TÊ, para depois nos contar! Ela agora está bem: ganhou
di
nheiro e deve ter comprado uma pequena loja, para melhor poder seguir o que lhe
in
spira o seu bondoso coração. Mostra interêsse pelo que ela faz, porqu2 ning,?éffl bÁ de
se
r bom se o bem não fôr sempre exigido! E quanto a nós, vamos ainda mais longe, a
b,1se
ar e a encontrar outras criaturas que nos pareçam tãO boas como essa de Se
tsuan... para desinentir o boato de que a vida neste mundo já não dá vez Para os bons.
(Desaparecem.)
II
NA TABACAM
(Gente dormindo por tôda parte. ainda acesa. Batem à" porta.)
Ldinpada
MULHER (sonolenta, levantando-se) - CHEN TV1 Estão batendo!... Onde estará ela?
SOBRINHA - Foi arranjar o café da manhã... Quem paga é o primo.
(A velha ri-se, e a vassos arrastados vai abrir a porta. Entra CHUI TA, um jovem
senhor.
O MARCENEIRO segue-o.)
CRM TA - Eu sou o primo.
MULHER (caindo das nuvens) - Quem é, mesmo? CHM TA - Meu nome é CHUI TA.
OS HÓSPEDES (sacudindo-se uns -aos outros) -
O primo! Era uma simples brincadeira, ela não tem Prinlo nenhum.. . e agora vem êsse
aí dizer que é Primo dela!
#Incrivel, na prim24ra hora do dia! SOBRINHO - Se é mesmo o primo de nossa hos-
- 29
#pedeira, meu senhor, já pode ir providenciando o que nos dar como primeira refeição.
CHUI TA (apagando a Zâmpada) - Os primeiros freguêses não demoram. Queiram
vestir-se d
epres. sa, para eu poder abrir a minha loja!
MARIDO - Sua loja? Pensei que fôsse da nossa amiga CHEN TÉ! (CHUI TA balança a
cabeça ne
gativamente) Esta loja não é dela?
CUNHADA - Então, passou-nos o lôgro! E agora, onde se meteu?
CHUI TA - Ela não pôde vir. Mandou dizer que, de agora em diante, eu estando aqui,
não
poderá fazer mais nada por vocês.
MULHER (perturbada) - E nós pensando que ela fôsse uma alma boa!
SOBRINHA - Não creiam nêle! Procurem CHEN TÊ!
MARIDO - Isso mesmo: vamos procurá-la! (Distribuindo as tarefas) Tu, e tu, e tu, e
tu, procurai por tôda parte! Nós e o AVõ ficaremos por aqui, tomando conta. Nesse mei
o-tempo, o garôto vai arranjar comida (Ao menino) Vês a confeitaria, ali na esquina
? Vai, enche a barriga e a blusa! CUNHADA - Vê se me trazes dois biscoitos ela" ro
s!
MARIDO - Mas abre o ôlho, e que o padeiro não te pegue! Nem vás mudar o itinerário
da po
licia! (O menino assente com a cabeça, e sai . Os Oll" tros acabam de vestir-se.)
CHUI TA - com êsse furto de doces... não acham
- so
prejudicar o bom nome desta casa que que Poder" .1 ?
lhes deu asi o *aos outros) - Não dêem confiança SOBRINHO ( pouco acharemos a
jnôçaj e ela
é a êle: daqui a
quem vai dizer-lhe umas verdades! hada.) (Sa.em o sobrinho., Oirff14O e acun
CUNHADA (ao sair) - Guardem um pouco da comida para nós! Não vão encontrar
ninguém. CH
UI TA (calmo) - rima sente muito não poder Naturalmentz minha p da hospitalida
de. sempre observar as boas normas .. Isto, afinal, Pena, serem vocês tão numer
osos.
é uma tabacaria: é o ganha-pão da senhorita CHEN TP,!
MARIDO - Nunca a nossa CHEN Tt ergueria a voz para falar assim conosco.
nham razão... (Ao MARCRM TA - Talvez te . . 1 . o azax é que, nesta cidade, a mise
ria CENEIRO)
A grande demais para que uma pessoa só possa acabar com ela! Nesse ponto,
#nada mudou, de onze séculos para cá, e já naquele tempo alguém resumiu tudo eui
quatro
versos:
"Bem disse o Governador, perguntado que fazer quando o frio tudo invade: Um cobe
rtor de dez mil pés quadrados. que dê para cobrir tôda a cidade!"
(CHUI TA põe-se a arrumar a loja.) MARCENEIRO - Eu estou vendo que o 5M11Or quer
pôr
em ordem os negócios de sua prima...
. si -
#Pois tem a liquid4r uma pequena dívida, aceita com testemunhas, que é o preço das
pra
teleiras: cem dólares de prata!
CHUI TA (sem rudeza, puxando a fatura do boIm -3O) - Não acha que cem dólares de
pra
ta é um tanto exorbitante?
MARCENEIRO - Não, e não faço abatimento algum: t?mho mulher e filhos para
sustentar!
CHUI TA (corn firmeza) - Quantos filhos? MARCENEIRO - Quatro.
CHUI TA - Eu lhe ofereço vinte dólares de prata.
(Ri-se o MARIDO.)
MARCENEIRO - Osenhor está louco?"São armaçõe% de nogueira!
CHUI TA - Pois então leve-as de volta. MARCENEIRO - Que qu?-r dizer isso?
CHUI TA - São muito caras para mim: rogo-lha que leve de volta as armações de
nogueira
. MULHER - Bem feito! (Começa a rir, também.) MARCENEIRO (hesitante) - Exijo a
prese
nça da senhorita CHEN-TÊ: vê-se quz ela é uma pessoa sup3rior ao senhor!
CHUI TA - com certeza: está arruinada. MARCENEIRO (apanhando resolutamente uma
das
armações, carregando-a em direção à porta) Pois já pode ir empilhando no chão as
caixas de ch
arutos! Para mim. tantO faz.
CHUI TA (ao MARIDO) - Ajude!
MARIDO (apanha outra armação e leva para a porta, mal disfarçando o riso) - Prateleira
s fora!
MARCENEIRO - Cachorro! Minha família que fiqu3 com fome?
Ci-lUI TA - Mais uma vez eu lhe ofereço vinte dólares só para as caixas não ficarem aí
emp
ilhadas no chão...
MARCENEIRO - Cem!
(CHUI TA, impassível, lança o olhar pela janela. OMARIDO apressa-se a colocar as arm
ações do lado de fora.)
MARCENEIRO - Ao menos vê se não quebra isso contra o portal, idiota! (Desesperado)
M
as £oram feitas sob medida: só cabem neste covil, e em nenhum outro lugar. As tábuas
e
stão cortadas, nieu wnhor!
CHUI TA - Pois 6, e por isso eu lhe ofereço vinte dólares: porque as tábuas já estão
corta
das"
(A MULHER guincha de gôzo.) MARCENEIRO (esmorecendo súbitamente) - Eu não
agüento mais.
Fique com as prateleiras, e pague quanto quiser!
CHUI TA - Vinte dólares de prata.
#(Põe sôbre a mesa dum grandes moedas, que o MARCENEIRO pega.)
MARIDO (trazendo de volta as armaç6es) - E basta, por êsse feixe de lenha!
#MARCENEIRO - Talvez dê para tomar um pileque! (Vai saindo.)
MARIDO - Isto não é conosco.
MULHER (a rem6dar, enxugando lágrimas de riao) - "São de nogueira!" - "Pode levar!"
- "Cem dólares de prata! Sou pai de quatro filhos! - "Então eu pago vinte!" - "As tábu
as já estão cortadas!" - "Por isso vinte dólares!"... Assim é que se tratam êsses
tipos!
CHUI TA - Pois é! (Falando sério) E agora, saiam depressa!
MARIDO - Nós?
CHUI TA - Sim, vocês mesmos, parasitas e ladrões. Se fôrem depressa embora, sem
perder
tempo em discussão inútil, talvez ainda consigam escapar...
MARIDO - Omelhor mesmo é não responder nada: não se grita de estômago vazio. Eu
só queria
sab2r por onde anda o menino...
CI1U1 TA - Por onde anda o menino? Eu já lhes disse: não o quero em minha loja com
d
oces roubados. (De repente, num grito) Pela última vez: vão-se embora!
(Continuam sentados.)
CHUI TA (de novo muito calmo) rem...
Como quise-
(Vai até à porta e curva-se para fora, em respeitosa cortesia. A entrada surge um po
licial.)
- 34 -
CHUI TA - Presumo ter diante de mim o oficial encarregado dêste bairro?
POLIClAL - Precisamente, senhor...
CHUI TA - Chui Ta, é o meu nome. (Sorriem um para o outro.) Otempo hoje está bonito!
POLICIAL Quente um pouquinho, talvez. CHU1 TA Talvez um pouquinho quente. M
ARIDO (em voz baixa., à MULHER) - Se êle vai puxar conversa até o menino voltar,
estam
os fritos!
(Tenta fazer discretos sinais a CHUI TA.)
CHUI TA (sem lhe dar atençõo) - Há diferença de temperatura, conforme a gente esteja
em
casa fresca ou na rua empoeirada...
POLICIAL - Há uma diferença grande. MULHER (ao MARIDO) - Fique tranqüilo: o
menino não e
ntra, vendo a polícia parada na porta. CHUI TA - Queira entrar um pouquinho: aqui
está bem mais fresco. Abrimos esta loja, minha prima e eu. Permita que lha diga:
é para nós da maior importância estar em boas relações com as autoridades!
#POLICIAL (entrando) - É muito amável, senhor CHUI TA! Aqui está fresco, de fato.
MARIDO (baixinho) - Fêz o polícia entrar, só de propósito, para o menino não ver.. .
CHUI TA - Tenho visitas: amigos distantes de minha prima, pelo que ouvi dizer. E
stão-se preparando para uma viagem. (Fazem curvaturas.) Já estávamos, até, nos
despedind
o.
- 35 .
I il
#MARIDO (roucamente) - 2, então já vamos. CHUI TA - Direi a minha prima qua vocês
fica
ram muito agradecidos pelo acolhimento, mas não tiveram tempo de esperar que ela v
oltasse., .
(Na rua ouvem-se rumores e gritos: "Pega, Ia. drão!-"-")
POLICIAL - Que é isto?
(Em pé, na porta, o MENINO. Biscoitos e doces caem-lhe da blusa. A MULHER acena-
lh
e desesperadamente para dar o fora. Éle faz meia-volta e vai sair.)
POLICIAL - Alto! (Segura o MENINO.) Onde arranjou êsses doces?
MENINO - Lá!
POLICIAL - Então foi furto, não foi? MULHER - Nós nem tomamos conh3cimento: ésse
menino
não presta. Fêz tudo por conta dêle! POLICIAL - Senhor CHUI TA, não pode esclarecer
o fa
to?
(CHUI TA guarda -silêncio.)
POLICIAL Ah, sim! Vão todos para o distrito! CHUI TA Mal posso acreditar que e
m minha casa haja uma coisa dessas.
MULHER - Êle bem viu quando o menino foi... CHUI TA - Eu posso garantir, senhor of
icial, que não 1h2 pediria para entrar se tivesse algum roubo a esconder!
36-
POLICIAL - ]É claro. E o senhor também há de compreender, senhor CHUI TA, que é
meu deve
r levar présa essa gente. (CHUI TA faz uma rfverência.) Sigam na minha fr.-nte! (O
POLICIAL empurra os outros para fora.)
AVõ (calmamente, da porta) - bom dia!
,,(Saem todos, menos CHUI TA, que continua a arrumação. Entra a senhora MI TSU,
dona
do prédio.)
SENHORA MI TSU - Então, o senhor é o tal primo! Que significa isso: policia levando
gente da minha casa? E como foi que sua prima veio parar aqui, fazer isto de est
alagem? É o qua- se pode esperar, cedendo a casa a quem, ainda ontem, morava num
q
uarti
nho de cinco vinténs e mendigava bolachas na padaria da esquina! Já sei da história, c
omo o senhor vê...
CHUI TA - Sim, estou vendo. Diss?xam cobras e lagartos, à senhora: minha prima é con
denada por ter f ome. Ela vivia na miséria, isso é notório. E não podia ter pior reputação:
é
uma infeliz! SENHORA MI TSU - Afinal, era uma mulher... CHUI TA - "Necess
itada": use a palavra exata. SENHORA. MI TSU - Ora, faça o favor, nada de sentimen
talismo! Falo da vida que levava, e
#não dos rendimentos. Não ponho em dúvida que os soubesse ganhar, e a prova está
nesta l
oja. As pes: soas de bem hão de estar desconfiadas: como e que se monta uma loja a
ssim?... Esta é uma casa de respeito, meu senhor! Pessoas que me pagam aluguel nã
o se sujeitam a estar sob o mesmo teto corn
- 37 -
-, -..t- -
#uma criatura dessa espécie. (Pausa.) Pois é: tam. bém sou humana, mas é preciso
guardar
as conveniências.
CHUI TA (frio) - Estou muito ocupado, senhora MI TSU. Díga-me só quanto nos vai cust
ar o aluguel desta casa de respeito!
SENHORA MI TSU - Devo dizer que, em todo caso, o sangue-frio não lhe falta!
CHUI TA (apanhando o contrato na gaveta do balcão) - P, muito alto o aluguel. E ve
jo que, pelo contrato, o pagamento é mensal.. .
SENHORA MI TSU (interrompendo) - Não para gente como a sua prima!
CHUI TA - Que quer dizer?
SENHORA MI TSU - Quero dizer que uma pessoa como a sua prima tem que pagar
meio
ano adíantado, quaro dizer, duzentos dólares de lVata! CHUI TA - Duzentos dólares? 2
u
ma extorsão! Onde irei arranjar isso? E aqui nem posso contar com grandes negócios.
A minha única esperança são as mulheres da fábrica de cimento, que fumam muito,
ouvi diz
er, porque o trabalho de cos2r os sacos é muito cansativo. No entanto, ganham tão ma
l...
SENHORA MI TSU - Devia ter pensado nisso, antes!
CHUI TA -Senhora MI TSU, tenha coração! Minha prima, em verdade, cometeu a
inexplicáve
l falta de dar pousada, aqui, a uns inf 2lizes. . . Mas ainda pode emendar-se, f
arei com que ela se emende! Por outro lado, que inquilino a senhora espera achar
mel
hor do que ela, conhecendo bem o abismo
Por ter saído dêle? Ela há de trabalhar até gastar os dedos, para pagar pontualmente
o aluguel; tudo fará, de tudo abrirá mão, venderá tudo, sem recuar diante de nada... mas
sempre humilda feito uma ratinha, discreta feito uma abelha, fazendo o que
a senhora aconselhar, para não ter que voltar à situação antiga. Uma inquilina assim va
le o seu pêso em ouro!
SENHORA MI TSU - Duzentos dólares de prata. adiantados; caso contrário, ponha-se
na
rua! (Entra o policial.)
POLICIAL - Senhor CHUI TA, não se preocupe mais!
SENHORA MI TSU - A polícia demonstra, realmente, um interêsse especial por esta lo
ja... POLICIAL - Sanhora MI TSU, espero que não faça mal juizo: êste senhor prestou-
no
s um serviço e eu venho simplesmente agradecer, em nome da Polícia.
SENHORA MI TSU - Bem, isso não é comigo. Espero, senhor CHUI TA, que a proposta
conv
enha à sua prima... Gosto de viver bem com os inquilinos. bom dia, meus senhores!
(Sai.)
#CHUI TA - Adeus, senhora MI TSU!
POLICIAL - Algum embaraço com a senhora MI TSU?
CHUI TA - Está exigindo o adiantamento do aluguel: minha prima não lhe infunde r2spe
ito. POLICIAL - E o senhor não tem dinheiro? (CHUI TA fica em silêncio.) Ora, um hom
em como o senhor deve ter crédito. . . 1
- 39
#CHM TA - Talvez. Mas que crédito tem uma mu. lher como CHEN Tr,?
POLICIAL - Osenhor não vai ficar?
CHUI TA - Não, não fico. E nem volto mais aqui. Só pud3 dar uma mãozinha, de
passagem, a
fastando as desgraças mais prementes. Logo ela volta a con. tar só consigo mesma...
Como vai ser? essa é a questão que me preocupa.
POLICIAL - Senhor CHUI TA, dá-me pena vê-lo em dificuldade por causa do aluguel.
Dev
o confessar que, a princípio, esta lojinha não nos dava boa impressão... Mas sua enérgic
a atitude, ainda há pouco, mostrou quem o senhor é. Nós, da autoridade, temos f
aro: reconhecemos de longe os baluartes da ord2m!
CHUI TA (amargo) - Senhor, para manter esta pequena loja, que é para minha prima u
m presente dos deuses, estou disposto a ir até aos limites permitidos por lei. Ent
retanto, .1 dur-za e o artifício só são usados contra os pequeninos: os limites são tr
aços muito finos... Sinto-me, nisto, como aquêle cidadão que se viu livre dos ratos ma
s ficou com a inundação! (Após breve pausa) Osenhor fuma? POLICIAL (embolsando
dois ch
arutos) - Nós, lá do pôsto, vamos ficar desconsolados se o perd2rmos, senhor
CHUl TA. Mas é preciso que entenda a senhora MI TSU. Essa CHEN TÊ, falando sem
rodei
os, vivia por aí, vendendo o corpo aos homens. Dirá o senhor: que havia de faz3r? Co
mo pagar o aluguel, por exemplo? Mas o fato permanece: não é respeitável. Por que?
Primeiro: amor não se
- 4O -
vende, ou então é amor venal. Segundo: o amor é respeitável com aquéle a quem se
dá, não com quêle que paga. Terceiro, é o que diz o refrão:
44por amor sim, por-arroz não!" Bem, responderá o s3nhor, mas de que serve a lição
se o
leite já está no chão? Oque é que ela há de fazer? Como pagar seis mêses de aluguel?
Senhor
CHUI TA, confesso que não sei! (Põe-se a meditar ansiosamente.) Senhor
CHUI TA, descobri: basta arranjar-lhe um marido!
(Entra uma VELHA.)
VELHA - Um bom charuto para o meu maxido, e que não seja muito caro. Completamos
a
manhã quarenta anos de casados, vamos comemorar... CHUI TA (polidamente) -
Quarent
a anos, e ainda comemoram!
VELHA - Até onde nossos meios nos permitem! Temos a loja de tapetes, aí em frente:
e
spero que s2jamos bons vizinhos. E é necessário, os tempoe andam tão difíceis!
CHUI TA (abrindo diante dela várias caixas de charutos) - Receio que isto
#seja coisa antiga. . . POLICIAL - Senhor CHUI TA, falta-nos capital. Bem, eu su
giro um casamento...
CHUI TA (à VELHA, desculpando-se) - Eu acabei importunando o senhor oficial, com m
inhas preocupaçõ:!s pessoais.
POLICIAL - Não temos os seis meses de aluguel. Pois bem: o jeito é casar com dinheir
o!
CHUI TA - Não é tão fácil assim.
41
#POLICIAL - E por que não? CHEN n é um bom partido, tem uma loja em franca
prosperid
ade.- (Dirige-se à VELHA) Que acha a senhora?
VELHA (indecisa) - Eu... bem...
POLICIAL - Um anúncio no jornal.
VELHA (contendo-se) - Se a môça estiver de acôrdo...
POLICIAL - Por que haveria de estar contra? you redigir. Fica um serviço pelo outr
o. Não julgue a autoridade insensível ao esfôrço do p8quena comerciante: o senhor nos
de
u a mão e, em troca, lhe redigimos um pedido de casamento! Ha! Ha! Ha!
(SoZenemente apanha um bloco, molha o Mpís na língua e p6e-sea escrever.)
CRUI TA (vagarosamente) - A Idéia não é má.. POLICIAL (enqua2?o escreve) -
"Desejaria co
nhecer cavalh.2iro... remediado.. . com pequeno pecúlio... podendo ser viúvo.. . dis
posto a assoruar-se, pelo matrimônío... a uma pequena e prós pera tabacaria.
" Podemos acrescentar: "Sou atraente e simpática". Que tal?
CRUI TA - Se o senhor acha que não há exagêro.. . 1
VELHA (amável) - Certamente que não: conheço a môça de vista!
(o POLICIAL tira a fôlha do bloco e entrega a CHU1 TA.)
CRM TA - Vejo, com espanto, que é preciso muita sorte para a gente não ser atropelad
a: Cada Idéia! Cada amigo! (Ao POLICIAL) Eu, por exampio, apesar de tôda a energia,
já estava perdendo a graça sem ver como pagar os aluguéis, até que chegam vocês e
me socorrem com um bom aonselho. De fato, agora vejo uma saída!
43
#ANOITECER NO PARQLTE
(Um homem mô,ço, de roupa em molamboa IANG SUN - acompanha com os olhos o
vôo de umaer
oplano, aparentemente em curva umito alta sôbre o parque da cidade. Tira do bolso
uma corda e espia em tôrno de si. Enqu=to, êle vai em direção a um grande salgueir
o, surgem na estrada duas prostitutas: uma é jd velha MATRONA, e a outra RAPARIGA
é
a mesma sobrinha da família de oito membros.)
RAPARIGA - Boa noite, benzinho! Não quer vir comigo?
SUN - Pode ser, minhas senhoras, se m,3 pagarem qualquer coisa de comer...
MATRONA - Está maluco? (A RAPARIGA) Vamos em frente, com êle perdemos tempo:
êsse é o av
iador desempregado!
RAPARIGA - Não há mais ninguém no parque, parece que vai chover.
MATRONA - Talvez ainda haja alguém..
- 44
(Passam adiante. SUN, espiando em redor, puxa a corda para fora e atira-a por sôbr
e um galho do salgueiro. Mas é outra vez atrapalhado: voltam correndo as duas pros
títi-,tas, sem dar por êle.)
RAPARIGA - Vai cair um aguaceiro!
(CHEN TÊ vem passeando pela estrada.)
MATRONA - Olha, lá vem aquêle monstro! Trou xe a infelicidade a ti e aos teus!
RAPARIGA - Ela, não! Foi o primo. Ela nos acolheu, e até mais tarde prom-eteu pagar
os biscoitos roubados. Nada tenho contra ela.
MATRONA - Mas eu tenho! (Em voz alta) Ora, está ai a nossa boa irmã, com o seu pote
de ouro! Tem uma loja, mas ainda quer pescar os nossos namorados!
CHEN TÉ - Pare de mostrar-me os dentes! you à casa de chá, à beira do lago.
SOBRINHA - É verdade que vais casar com um viúvo, pai de três filhos?
CHEN TÊ - É. you agora encontrar-me com êle. WN (impaciente) - Vejam se vão dando
o fora
, suas galinhas! Já não se pode mais estar em paz9 NIATRONA - Dobre a língua!
(Saem as duas prostitutas.)
SUN (gritando para elas) - Urubus! (Ao público) Até num lugar retirado, como éste, ela
s vêm
- 45 -
#sem descanso, atrás de vitimas: até no mato, até -corn chuva, vêm doidas procurando
com
prador... CHEN TÊ (irritada) - Por que xingá-las assim? (Da com osolhos na corda) Ol
i!
SUN - Que é que está olhando? CHEN Tn - Para que, essa corda?
SUN - Vá embora, irmã, vá-se embora! Dinheiro eu não tenho; nada, nem um níquel.. .
E se t
ivesse compraria um copo d"água, não ia dar a você!
(Principia a chover.)
CHEN Tn - Para que, essa corda".," Osephor Aão tem direito!
SUN - Que tem você com isso! Dê o fora! CHEN Ti? - Está chovendo.
SUN - Não vai querer ficar em baixo desta árvore...
CHEN TÊ (im,6vel sob a chuva) - Eu, não, $UN - Desista, irmã, não adianta! Não há
negócio a fa
zer comigo. Além do mais, eu a acho feia: pernas tortas. . .
CHEN TÊ - Isso não é verdade.
SUN - Não mostre, não! com os diabos. F?qUe aqui embaixo da árvore, que está
chovendo!
(Ela avança -dewgar e senta-se sob a drvore.)
CHEN TÊ - Por que pensa em fazer isso?
SUN - Quer saber, mesmo? Pois eu digo, só para ficar livre de você! Sabe o que e um
aviador? CHEN TZ - Bem, ja vi um aviador, numa cas4 de chá...
46
SUN - Aviador, não, você nunca viu. Talvez alguma junta de imbecis, que andam no ar
com seus eapacet??s de couro, uns aprendizes sem ouvido para o moto-r sem afeição
pe
la máquina. Só entram numa c?rlinga dando gorjeta ao chefe do hangar. Diga, a alg
um dêles: "Leve o aparelho a dois mil pés de altura e dê um mergulho através das
nuvens,
endireitando-o num golpe de mancho" ... e êle dirá "Isso não consta no contrato!" Se
não encosta o avião na ista como quem senta com as proprias l?1 ,
nádegas, não e um aviador: é um imbecil! Eu sou um aviador, e também o maior dos
imbecis
: li todos os livros de aviação, na escola de Pequim. Só há uma página de livro que eu
não l
i, e nessa página diz que aviadores já não são mais necessários. E assi
m fiquei aviador sem avião, correio-aéreo sem mala. Mas o que isto significa, você não
p
ode eutender.
CHEN TÊ - E acho que entendo...
SUN - Não; se eu digo que não pode entender, é que não pode entender.
#CHEN Tn (entre rindo e chorando) - Nós, em crianças, tínhamos um grou aleijado de
uma
asa. Era um bicho muito manso, incapaz de uma falsêta, e pavoneava atrás de nós, grit
ando, para não irmos depressa demais... Mas no outono e no princípio do ano, qu
ando outras aves passavam em bando por sôbre a aldeia, então êle ficava muito inquieto
... e eu o entendia bem.
SUN - Não chore! CHEN T2 - N4o...
47
#SUN - Vai manchar a pintura. CHEN TÊ - Já passou.
(Enxuga as lágrimas com a manga do vestido. Encostado à árvore, sev?, se voltar, êle
est
ende as mãos para o rosto dela.)
SUN - com isso você não enxuga bem o rosto.
(Põe-se a enxugar-lhe as faces com um lenço. Pausa.)
SUN - Se acha preciso ficar aí sentada, para que eu não me enf orque, ao menos solte
a voz!
CHEN TÊ - Eu não sei nada...
SUN - Por que é que ins.ste em me arrancar do galho, irmã ?
CHEN TÊ - Estou horrorizada. Certamente o senhor quis fazer isso porque, esta ta
rde. o céu está encoberto. (Ao público)
Em nossa terra
não devia haver tardes tão nubladas nem pontes elevadas sôbre os. rios nem aquela ho
ra entre-noite-e-manhã nem o tempo do inverno: é perigoso. Em face da miséria
basta uma coisa à toa para a criatura
dizer adeus à vida de amargura.
SUN - Fale de você!
ÇHEN TÊ - De que? Tenho uma lojinha...
48 -
SUN (troçando) - Ah, então você é dona de negocios: não faz a vida!
CHEN TÊ," (firme) - Agora tenho a loja; antes, fazia...
SUN - E a loja? Alguma dádiva dos deuses? CHEN T2 - Exato!
SUN - Foi numa bela tarde, apareceram e lhe disseram: "Tens aqui o dinheiro!"
CHEN TÊ (sorrindo) - Foi numa bela manhã... SUN - Você não deixa de ser divertida.
CHEN TÊ (após breve pausa) - Sei tocar cítara, regularmente, e arremedar pessoas.
(Imi
ta um homem respeitável, corn, voz grossa) : "Hom"ssa agora, acho que esqueci a ca
rteira!" Depois, ganhei a loja. Comecei por me desfazer da citara, dizendo comig
om
esma: "De hoje em diante eu posso emudecer feito uma carpa, sem que nada aconteça.
"
Sou rica, disse corni£o: sózinha eu ando e me deito, passarei um ano inteiro
sem pôr homem no meu leito.
SUN - Mas já não vai casar, com êsse da casa de chá à beira do lago?
(CHEN TÊ n& responde.)
SUN - Que sabe você do amor? CHEN TÊ - Tudo.
#SUN - Nada, irmã. Tinha algum prazer naquilo? CHEN TÊ - Não.
- 49
#gUN (pasàa-lhe a ~ p?-,ló rosto, ~ se voltar para ela) - E isto, lhe dá prazer?
CHEN TÊ - Dá.
SUN - Você é simples. Ali, mas que cidade! CHEN TÉ - Amigos... tem algum?
SUN - Aos montes! Mas nenhum disposto a ouvir que vivo sem emprêgo. Fazem uma
cara
, como se ouvissem dizer que ainda existe água no mar! E você, tem amigo?
CHEN TÊ (hesitante) - Um primo... SUN - Então, cuidado com êle!
CHEN Ti? - Só veio uma vez, aqui; partiu e não volta mais. Mas por que fala assim de
sesperado? Diz-se: "Falar sem esperança, é falar sem bondade!" SUN - Continue faland
o! Uma voz é sempre uma VOZ.
CHEN Tn (entusiástica) - Ainda há gente bondosa, apesar da miséria. Quando eu era
pequ
enina, uma vez levei um tombo com um f eixe de lenha; um velho me levantou e ain
da me deu um níquel. Muitas vêzes tenho pensado nisso: quase sempre os que têm
menos
dão com mais boa vontade. Na verdade, as pessoas gostam de mostrar do que são
capaz
es; e como demonstrar isso melhor do que sendo bondosas? A maldade é uma espécie
de
incapacidade. Se a gente canta uma canção, ou planta arroz, ou constrói uma maquin
a, isso tudo faz parte da bondade. Você também é born.
SUN - Não é difícil, pelo seu critério. CHEN TÊ - Agora senti uma gôta de chuva. SUN -
Onde?
CHEN TÊ - Entre os olhos.
5O
SUN - MaIs para o ôlhó direito ou mais para o ôlho esquerdo ?
CHEN TÊ - Mais para o esquerdo.
SUN - Bem. (Após um instante, sonolento.) Então, não quer mais nada com homens?
CHEN TÊ (rindo) - Mas pernas tortas não tenho...
SUN - Talvez não.
CHEN T2 - Certo que não.
SUN (fatigado, voltando a encostar-&e à árvore)
- Mas há um dia que não bebo e há dois dias que não como; assim, irmã, por mais que
deseja
sse, eu não ia poder amar você.
CHEN TP, - Quem born... a chuva! (WANG, o aguadeiro, aparece. E canta.)
CAIN(;ÃO DO AGUADEIRO SOB A CHUVA
12 água! É água! £ água 1
#Tenho água, água para vender.
E agora, que eu vim, começou a chover. Tive tanto que andar, para a água arranjar! T
ive tanto que andar, para a água arranjar... E agora eu grito: "Olha a água!"
Ninguém vem-me comprar: ninguém, morto de sêde, para beber, para pagar.
É água, seus filhos da màe!
Se eu ao menos pudesse acabar com o chuveiro! Outro dia sonhei, e no meu sonho v
i
sete anos sem a chuva cair. . .
51
II
#Tôda a água eu vendia, e por gôtas media. Ah, como clamavam: "Ãgua!"
Quem queria minha água, antes de tudo eu ia espiar pra ver se a cara do ?,aio era
capaz de me agradar ...
Que sêde, hein, seus filhos da mãe? (RINDO)
E agora vocês ficam todos contentes, satisfeitos sugando as maminhas das nuvens.
sem saber quanto custa, sem o preço indagar, sem saber quanto vale, sem ter nad
a a pagar... E entretanto eu grito: "Olha a água!" Ninguém vem me comorar,
ninguém, morto de sêde, para beber, para pagar...
É água, seus filhos da mãe-!
(Cessou a chuva. CHEN TÊ avista WANG e corre para êle.)
CHEN TÊ - Que born, WANG, voltaste! Tua quartola está comigo.
WANG - Muito obrigado, por tomares conta. E tu, CHEN TÊ, como vais?
CHEN T2 - you bem. Acabo de encontrar uma pessoa muito amável e muito corajosa.
Eu
queria comprar um copo de tua água!
WANG - Ora, levanta a cabeça e fica de bôca aberta: assim terás tôda a água que
quiseres.
Ali, o salgueiro ainda está gotejando.
- 52
C~ TÊ - Mas é da tua água que eu quero, WANG:
Água trazida de longe, que tanto trabalho deu e dificil de vender porque esta tard
e choveu. Preciso dela, para aquêle môço: é aviador. Um bom aviador
é um homem que tem. dos outros, o destemor.
Na companhia das nuvens, quando ruge a tempestade, rasga o céu no vôo, levando
a outros homens, noutras terras, a mensagem da amizade!
(CHEN TÊ pag<& e sobe correndo em direção a SUN.)
CHEN TÉ (chamando WANG, de v.oZta, a sorrir)
- Êle pegou no sono! De tanto desespêro, e a chuva, e eu... acabou fatigado.
- 53 -
#I n 1 e r 1 U d 1 o
ABRIGO NOTURNO DE WANG, NUM TUBO DE ESGõTO
(Dorme o aguadeiro. Música. Otubo torna-se transparente, e os DEUSES -aparecem -
ao
hovi-em que sonha.)
WANG (radiante) - Falei com ela, Santíssimes: está a mesma de sempre!
PRIMEIRO DEUS - Folgamos em sab-er. WANG - Está amando. Me mostrou o amado.
Tudo v
ai bem, realmente.
PRIMEIRO DEUS - Dá gôsto ouvir! Esperemos que isso a encoraje no caminho do bern!
WANG - Sem dúvida: ela faz todos os benefícios que pode!
PRIMEIRO DEUS - Que espécie de benefícios? Conta-nos algo, meu caro WANG!
WANG - Tem sempre uma palavra boa, para todo mundo...
PRIMEIRO DEUS (ansioso) - Sim, e que mais?
- 55 -
#WANG- - Da loja dela ninguém sai sem fumo, ainda que não tenha dinheiro...
PRIMEIRO DEUS - Não está mal. Que mais? WANG - Deu pousada a uma família de
oito bôcas..
.
PRIMEIRO DEUS (ao SEGUNDO, exultante) Oito pessoas! (A WANG) Algo mais, por
acas
o? WANG - A mim comprou um copo d"água, e estava chovendo a cântaros...
PRIMEIRO DEUS - Naturalmente são benefícios miúdos. Compreende-se.
WANG - Sim, mas custam dinheiro: uma lojinha não dá tanto assim!
PRIMEIRO DEUS - Bem, bem. Mas o jardineiro hábil, às vêzes, num terrenozinho à toa,
cons
egue verdadeiras maravilhas!
WANG - É o que ela está fazendo! Tôda manhã reparte o seu arroz, e podeis crer que
vai n
isso mais da metade dos grãos.
PRIMEIRO DEUS (algo desiludido) - Não digo nada. Como comêço, não é dos piores.
WANG - Vêde que os tempos não ajudam! Ela até pr2cisou chamar um primo, porque
a loja
estava em dificuldades.
Assim que houve um refúgio contra o vento, começaram a vir, de todo o céu friorento, a
ves arrepiadas, brigando por lugar;
e a rapôsa mordia a parede, esfaimada, e o lôbo capengava lambendo o alguidar.
56 -
Em suma: ela não chega para as encomendas! Mas todos, a uma voz, dizem que é boa
môça: c
hamam-lhe, em tôda parte, "OAnjo dos Subúrbios", Portanto, é sómente o bem o que
sai da
casa dela. E o marceneiro LIN TO que continue a falar!
PRIMEIRO DEUS - Que significa isso? Omarceneiro LIN TO anda falando mal dela?
WANG - Ora, êle diz que as armaçoes não foram pagas...
SEGUNDO DEUS - Que estás dizendo? Não foi pago o marceneiro, na loja do CHEN
TÊ? E ela
deixou ?
WANG - Creio que na hora não tinha o dinheiro... SEGUNDO DEUS - , Mesmo assim:
deve-se pagar o que se deve! É necessário evitar a menor sombra de injustiça: os mand
amentos devem s??r observados, primeiro no texto, depois no espírito!
WANG - Mas nem foi ela, foi o primo, Santíssimos...
SEGUNDO DEUS - Pois que êsse primo não lhe passe mais da porta!
WANG (abatido) - Eu compreendo, Santíssimo. Mas quero fazer constar, em def??sa
de
CHEN TÊ, que o primo dela é tido em conta de ótimo homem de negócios!
#Até a polícia o respeita.
PRIMEIRO DEUS - Também não vamos condenar o senhor primo, sem ouvir-lhe as
razões. Eu
confesso que nada ent??ndo de negócios; talvez antes devêssemos tomar informações,
como
aliás é de praxe. Enfim, negócios são assim tão importantes.?
- 57 -
#Vivem fazendo negóc
?ios! E os Sete-Reis-Bons, fa. ziam negócios? Kung, o Justo, ma-readejava peixe? Q
ue têm a ver os negócios com uma vida humana reta e digna?
SEGUNDO DEUS (melindrado) - Enfim, que tal coisa não torne a acontecer!
(Volta-se, para partir; seguem-no os outros
TERCEIRO DEUS (por último, acaVhado) - Desculpa-nos o torn, hoie, um pouco rude:
e
stamos exaustos e maldormidos. Ah. as hospedagens que nos dão! Os ricos nos recome
ndam, da melhor maneira, aos pobres; e os pobres nunca têm lugar que chegve...
OS DEUSES (remvngam, afastando-se) - Débeis, os melhores dêles! Nada de
impressionan
te: bagatelas! Miudezas! Todos têm coração, é natural, mas a visão é curta. No mínimo,
ela dev
ia...
(Já não se Pode ouvir o que êles dizem.) WANG (chamando por êles) - Mas n?o fiqueis
de m
au humor, Santissimos! 1O melhor não exigir muito, para começar!
- 58 -
IV
NUMA PRAÇA EM FRENTE Ã TABACARIA
DE CHEN TÈ
(Uma loja de barbeiro, uma casa de tapetes, e a tabacaria de CHEN TÊ. É segund.q-fei
ra. Em frente à porta de CHEN T£ aguardam dois remanescentes da família de, oito,
memb
ros: o AVõ e a CUNHADA, além do DE$EXPREGADO e da SENHORA CHIN.)
CUNHADA - Ontem à noite ela não veio para casa!
SENHORA CHIN - 2 um procedimento incrível! Enfim o danado do primo foi-se embora,
e agora não seria tão difícil, ao menos de vez em quando, ela nos dar um pouco do arro
z que lhe sobra; e ainda fica a noite inteira fora, vagabundando, os deuses sabe
mo
nde!
(Ouvm-se altas vozes na loja do barbeiro: dali sai WANG, aos tropeções, e atrás dêle o
g
ordo barbeiro, senhor CHU FU, empunh~ um forro dk fri&ar.)
- 59
#CHU FU - you te ensinar a aborrecer os meus clientes, com essa tua água choca! Ap
anha o copo, e cai fora!
(WANG estende a ~ para o copo, e CHU FU aproveita paradar-lhe uma pancada com o
ferro de frisar, fazendo-o soltar um grito.)
CHU FU - Toma! E que isso te sirva de lição!
(Volta, arquejante, à barbearia.) DESEMPREGADO (apanha o copo e entrega a WANG)
-
Podes dar queixa à polícia do golpe que êle te deu.
WANG - A mão está como morta... DESEMPREGADO - Terá quebrado algum osso?
WANG - Nem po
sso mais mexer... DESEMPREGADO - Senta-te, e põe um pouco d"água em cima!
(Senta-se WANG.)
SENHORA CHIN - Em todo caso, a água te custa pouco...
CUNHADA - E nós aqui, às oito da manhã, sem poder arranjar um pedaço de pano! Ela
é capaz
de ter tido alguma aventura... Que escândalo!
SENHORA CIUN (lúgubre) - EsqueceÜ-se de nós! (Surge CHEN TÊ, descendo a
ruazinha, com um
a grande tijela de arroz.)
CHEN TÉ (ao público) - Eu nunca havia visto a cidade, ao amanhecer: a essas horas
se
mpre estava
?? TI ;Z? ?
deitada, a cara embaixo da coberta suja, com mêdo de acordar. Hoj,,, caminhando, p
assei por meninos jornaleiros, por hómens regando o asfalto, e até por um carro-de-b
ois trazendo legumes frescos da roça. Fiz um longo percurso, desde a casa de SUN a

aqui, e a cada passo me sentia mais contente. Eu sempre ouvi dizer que a gente
anda nas nuvens, quando ama... mas ainda é mais bonito andar na terra, no asfalto!
É como eu digo: os quarteirões, na hora do sol nascer, parecem montes de escombros
em qu
e se acendem fogos, sob o céu limpo de qualquer poeira, entre rosa e cristal. E di
go mais: não sabeis o que estais p-rdendo, se não tendes amor nem tendes olhos para
ver vossa cidade, nessa hora em que sai da toca - qual sóbrio e velho artesão que in
fla de ar puro os pulmões e apanha os instrumentos com as mãos - como diria o poeta.
(Dirigindo-se aos que a esperam) bom dia! Aqui está o arroz (Faz a partilha e então
avista WANG) bom dia, WANG! Hoje estou de alma leve. Pelo caminho vim olhando n
as vitrinas, e acho que seria bom comprar um xale para mim... (Depois de curta h
esitação) Queria tanto parecer bonita!
(Emcaminha-se, rápida, à casa de tapetes.)
#CHU FU (de novo à porta, falando ao público) Estou surpreso: como é bonita essa
senho
rita CHEN Tn, a dona da tabacaria aí defronte! E até agora eu não dera por isso? Há
três m
inutos que a estou contemplando, e até parece que já estou enamorado. É uma
pessoa mais do"que simpática! (A WANG)
- 6O -
- 61 -
#Vai dando o fora, patife! (Torna a entrar na barbearia.)
(CHEN TÉ e um casal de VELHOS, o tapeceiro e a mulher, saem da loja de tapetes. CH
EN TÊ traz um xale, o tapeceiro um espelho.)
VELHA - É vistoso e não sai caro, por ter um furinho embaixo.
CHEN TÊ (olhando o xale que a VELHA traz no braço) Overde também é lindo!
VELHA - Pena que não tenha um defeitozinho! CHEN T2 - É pena! Eu não posso fazer
extra
vagâncias, com a lojinha: ainda há pouco rendimento e muita despesa.
VELHA - Em benefícios... Não faça tantos: no principio cada prato de arroz tem seu val
or, não é? CHEN Tn (experimenta -o xale com o furinho) É, deve ser, mas hoje estou
de
alma leve. Esta côr assenta em mim?
VELHA - Isso é preciso perguntar a um homem. CHEN TÊ (virando-se para o VELHO -
Asse
nta? VELHO - É melhor perguntar a...
CHEN TP, (muito polida) Não, eu pergunto ao senhor.
VELHO (também polido) Oxale cai muito bem, mas ponha o lado claro para cima!
(CHEN TÉ paga.)
VELHA - Depois, se não lhe agradar, pode tro-
- 62 -
cá-lo sem susto. (Puxa a moça para um lado) Êle possui algum capitalzinho?...
CHEN T2 (sorrindo) - Oli, não.
VELHA - Então, você é quem vai pagar os seis meses de aluguel?
CHEN Tn - E o aluguel? Eu já havia esquecido! VELHA - Eu logo vi! Segunda-feira é di
a primeiro! Queria propor-lhe uma coisa: saiba que, depois de conhecê-la melhor, m
eu marido e eu ficamos um pouco descrentes daquele anúncio procurando casamento.
D
eci
dimos ajudá-la, em caso de necessidade: temos um dinheiro guardado e lhe podemos
e
mprestar duzentos dólares de prata. Pode-nos dar em garantia, se quiser, o seu est
oque de fumo. Naturalmente, entre nós, não é preciso nada por escrito!
CHEN Tn - Querem, mesmo, emprestar dinheiro, a uma pessoa irresponsável como eu?
VELHA - Claro: ao senhor seu primo, que longe está de ser irresponsável. talvez não
em
prestássamos. Mas a voce, emprestamos de bom grado. VELHO (acercando-se) -
Combina
do?
CREN TÊ - Eu so queria que os deuses ouvissem sua s3nhora falar, senhor Deng! Éles
a
ndam a cata de almas boas que se sintam felizes: e vocês devem ser
#muito felizes, para ajudarem a mim, que, por amor, me acho em dificuldades!
(Os,dois VELHOS põem-se a rir.)
VELHO - Aqui t= o dinheiro.
63 -
#(Entrega a ela um envelope. CHEN TÊ o recebe, fazendo uma curvatura. Curvam-se
os
dois, também, e voltam à loja.)
CHEN TÊ (a WANG, levantando o envelope) Aqui está o aluguel de meio ano! Não
parece mi
lagre? E que me dizes do meu xale novo, hein, WANG? WANG - Compraste por causa
dêl
e, daquele que eu vi no parque?
(CHEN TÊ confirma, de cabeça.)
SENHORA CHIN - Talvez fôsse melhor olhar a mão dêle, quebrada, em vez de lhe
contar su
as aventuras suspeitas!
CHEN TÊ (assustada) - Que houve com tua mão? SENHORA CHIN - Obarbeiro
quebrou-a, à nos
sa vista, com o ferro de frisar.
CHEN TÈ (chocada com a própria desatenção) E eu nem tinha reparado! Deves ir logo
procur
ar um médico, antes que essa mão fique paralítica e não possas mais trabalhar direito.
Éu
m bruto azar. Depressa, fica em pé! Anda, depressa!
DESEMPREGADO - Não tem nada que ir ao médico, e sim ao juiz! Pode exigir uma
indeniz
ação do barbeiro, qw é rico.
WANG - Queres dizer que há possibilidade? SENHOR-i,", CHIN - Se estiver mesmo
qwbr
ada... Mas, está?
WANG - Eu acredito. Já está tôda inchada. Será que dá ,,.ma pensão vitalícia?
SENHORA CHIN - Em todo caso, vais precisar de testemunhas...
. 64 -
WANG - Isso vocêS todos viram! Qualquer um pode depor!
(Passa a vista em redor: o DESEMPREGADO, o AVõ e a CUNHADA, sentados junto à
parede,
comem. Nenhum levanta os olhos.)
CHEN TÊ (à senhora CHIN) - A senhora mesmo viu!
SENHORA CHIN - Não, eu não quero nada com a polícia.
CHEN TÊ (à CUNHADA) - A senhora. também! CUNHADA - Eu? Nem estava olhando!
SENHORA CHI
N - Naturalmente que a senhora viu: eu vi que a senhora viu. Está com mêdo, só porque
o barbeiro tem prestígio.
CHEN TÊ (ao AVõ) - Tenho certeza, o senhor depõe sôbre o fato.
CUNHADA - Não será aceito o testemunho dêle: está gagá!
CHEN " (ao DESEMPREGADO) - Talvez se trate de uma pensão vitalícia.
DESEMPREGADO - Já duas vêzes fui prêso por mendicância: meu testemunho é capaz
de prejudic
ar...
CHEN TÊ (desconfiada) - Nenhum de vós quer falar... então, é isto? Quebraram a mão
dêle, à luz
do dia, tudo em vossa presença, e ninguém quer depor ?
#(Irritada)
65
#Ah, infelizes!
Olhais para o outro lado, enquanto vosso irmão é maltratado! Grita de dor o ferido,
e permaneceis calados?
A fera faz a ronda e escolhe a prêsa,
e vós dizeis: - ainda nos poupa, não mostremos desagrado! E dizer que é uma cidade
eq
ue são sêres humanos!
Se uma cidade vê ocorrer uma injustiça, então deve haver revolta, e se revolta não
houve
r, melhor é desaparecer,
num fogaréu, tôda a cidade, antes da noite escurecer!
Wang, se ninguém te quer servir de testemunha, eu you contigo, you depor e you diz
er que presenciei tudo!
SENHORA CHIN - Será falso testemunho. WANG - Não sei se posso, mas talvez deva
aceit
ar. (Olhando a mão, preocupado) Acha grossa o bastante? Tenho a impressão de já
estar
desinchado.. .
DESEMPREGADO (tranqüilizando-o) - Não, fiqua certo, ela não desinchou. "k%lk,
WANG -
Não, mesmo? 2, eu também acho qúe ainda aumenta um pouco mais.,Talvez tenha
quebrado
o polegar! Melhor é ir logo ao juiz. (Segurando cuidadosamente a mão, da qual n
ão tira os olhos, sai às pressas.)
(Corre a SENHORA CHIN à loja do barbeiro.) DESEMPREGADO - Lá vai a outra ao
barbeiro
, bajular.
CUNHADA - Nós não podemos reformar o mundo.
CHEN TÊ (desalentada) - Eu não quis ofender
- 66 -
ninguém. Estou meio atordoada. É isso mesmo: eu quis ofender, sim! Sumam da minha
vi
sta!
(Comendo e resmungando saem o DESEMPREGADO,o AVõ e a CUNHADA.)
CHEN TÊ (ao público) -
já nem respondem. Ficam
onde a gente os coloca, e, despedidos, deixam logo o lugar!
Nada os comove, mais:
só o cheiro da comida é que os faz despertar.
(Chega uma mulher, a correr: é a SENHORA IANG, mãe de SUN.)
SENHORA IANG, (sem fôlego) - É a senhorita CHEN TÊ? Meu filho me disse tudo: eu
sou a
senhora IANG, mãe de SUN! Imagine: êle já tem Possibilidade de um novo emprêgo de
aviado
r! Ainda há pouco, hoje de manhã, veio uma carta de
#Pequim: de um chefe de hangar do correio-aéreo. CHEN T2 - Êle, então, volta a voar?
Q
ue born, senhora IANG!
SENHORA IANG - Mas êsse emprêgo custa um dinheirão: quinhentos dólares!
CHEN TÊ - É muito, mesmo, mas não se pode perder pelo dinheiro: enfim, eu tenho a
loja
... SENHORA IANG - Se pudesse fazer alguma coisa! CHEN T2 - Se me fÔsse possível
aju
dar! SENHORA IANG Seria dar uma chance a um hO1nara de valor!
- 67
#CHEN TÊ - Como se pode impedir alguém de tornar-se útil? (Após uma pausa) Só que
da loja
tiro muito pouco, e êstes duzentos dólares contados são dinheiro de empréstimo ... Mas
a
senhora leva de uma vez; eu vendo o estoque de fumo e reponho essa impor
tância.
(Entrega a ela o dinheiro do casal de VELHOS.)
SENHORA IANG - Ah senhorita CHEN TÊ! a ajuda vem a calhar! Tôd? a cidade já dizia
que êl
e era aviador morto, certos de que não voaria mais do que um defunto!
CHEN TÊ - Mas ainda faltam trezentos, para conseguir o emprêgo. Precisamos pensar,
s
enhora IANG! (Vagarosamente) Conheço alguém que talvez ainda pudess- ajudar: uma
pes
soa que uma vez já me valeu. Eu não queria mais chamar por êle, porque é severo e l
adino. Esp
,,ero que esta seja a última vez. Mas está claro: "k?n aviador deve voar!
(Ruído de motor, à distância.)
SENHORA IANG - Se êsse, de quem fala a senhorita, pudesse conseguir-nos o dinheiro
! Olha, é o correio-aéreo matinal, que vai rumo a Pequim! CHEN T2 (resolvida) - Faça s
inais, senhora IANG! Tenho certeza de que o pilôto nos vê (Acenando com o xale) Fa
ça sinais, a senhora também!
68 -
SENHORA IANG (acenando) - Conhece o que está voando?
CHEN TÊ - Eu, não. Mas conheço o que vai voar. Há de voar o desesperançado,
senhora IANG!
Ao menos um há de passar por cima desta miséria, ao menos um há de subir acima de
todo
s nós! (Ao público)
Iang Sun, meu amor, na companhia das nuvens, quando ruge a tempestade,
- singrar o céu, levando
- outros homens, noutras terras,
- mensagem da amizade!
- 69 -
#I n t e r I U d i o
NA FRENTE DA CORTINA
(CHEN TÊ aparece, trazendo nas mãos a màa. cara e o terno de CHUI TA, e recita e
canta
.)
CANÇÃO DA FRAQUEZA DOS DEUSES E DOS BONS
JÁ <?"
Em nosso país
quem presta precisa sortesó
com ajuda de algum forte pode mostrar seu valor.
Os bons não se sabem valer e os deuses não têm poder,
Por que não t?m os deuses canhões e navios, minas e aviões de bombardeio
e tanques para atacar os vilões, para ajudar e defender os bons?
Seria bem melhor pra êles e pra nós!
-71
#Os bons
aqui não podem ser bons por muito tempo.
Onde o prato está vazio, xingam-se os que comem. Ah, os mandamentos dos deuses
nada valem contra a fome!
Por que não vêm os deuses aos nossos mercados Para dar a todos comida com fartura
e sorrir contentes de ver as criaturas
O vinho e o pão, juntas, comendo então, amigas e leais, na mais perfeita paz?
Para se arranjar o altnôço, é preciso
ter-se a dureza com que outrora se fundava um Império. Sem uns doze esmagar,
ninguém se pode salvar.
Por que os deuses não gritam, da sua alta mansão, que uma vez ao menos o mundo há
de s
er dos bons? Por que os deuses não trazem tanques e canhões e não dão logo a ordem,
mand
ando "Atirar!"
para não mais penar!
NA TABACARIA
(Sentado atrás do balcão, CHUI TA lè o jornal. Não dá a menor atenção à SENHORA
CHIN que fala
quanto vai passando o esfregão.)
SENHORA CIIIN - Uma lojinha como esta fica arruinada num instante, quando certos
boatos se espalham pelo bairro, pode crer: já era tempo do senhor, que é um homem o
rdeiro, botar am pratos limpos essa história excusa da senhorita CHEN TÊ com o tal I
AN
G SUN da rua Amarela. Não esqueça que CHU FU, o barbeiro aí do lado, que possui
doze p
rédios e uma única mulher, aliás bem velha, ainda ont2m me deu a entender o lisonjeiro
interêsse que tem pela senhorita CLIEN TÊ. Chegou mesmo a tomar informações sô
bre os recursos dela: o que prova, eu diria, a m-lhor das intenções!
(Como não obtém resposta, -acaba saindo em o balde.)
- 72 -
- 78 -
111 " ?
#VOZ DE SUN (fora) - in a loja da senhorita CHEN TÊ?
VOZ DA SENHORA CHIN - 2, mas hoje o primo está aí.
(corn os passos ligeiros de CHEN TÉ, CHUI TA corre a um espêlho , ia começando a
arrumar -os cabelos; percebe seu êrro, ao espêlho, e volta-se, rindo baixo. Entra I
ANG SUN. Atràs dêle a SENHORA CHIN , curiosa; passa por êle e vai para os fun
dos.)
SUN - Eu sou IANG SUN. (CHUI TA inclina-se.) -CHEN TÊ está aí?
CHUI TA - Não, não está.
SUN - Mas o senhor com certeza já está a par do que existe entre nós! (Põe-se a
examinar
a loja.) ]É uma loja de verdade! Pensei que fôsse, mais, um pouco de garganta. (Sat
isfeito olha dentro das caixas e potes de porcelana.) Homem, eu you mesmo voar
de novo! (Pega um charuto e CHU1 TA lhe oferece fogo.) Acha que por trezentos dól
ares ainda se pode vender esta loja?
CHUI TA - Permita-me perguntar: tem a intençao de vendê-la imediatam.-nte?
SUN - Então, temos trezentos dólares em caixa? (CHUI TA nega, de cabeça.) Foi muito
amáv
el, da parte dela, soltV logo os duzentos; mas não me adiantam, sem oibtrez2ntos q
ue faltam.
CHUI TA - Talvez fôsse um pouco apressado ela prometer o dinheiro. Isso pode custa
r-lhe a loja. r)iz-se que: "apressado, é o vento, que põe abaixo os andaimes."
74
SUN - Preciso do dinheiro, agora ou nunca. E a môça não é das que ficam vacilando,
quand
o acha que vale a pena. Aqui, entre nós, de homem para homem: até agora não vacilou
em
nada.
CHUI TA - Ali, sim!
SUN - Oque, aliás, só conta a favor dela!
CHUI TA - Posso saber que fim terão êsses quinhentos dólare-s ?
SUN - Claro. Percebo que me quer sondar. Ochefe do hangar de Pequim, colega meu
da escola de aeronáutica, só me consegue o lugar se eu espichar quinhentos dólares.
CHUI TA - Não é uma soma elevada demais? SUN - Não, não. Êle precisa despedir,
por negligênc
ia, um outro pilôto muito zeloso, que tem família numerosa a sustentar. Osenhor sabe
: isto eu lhe digo em confiança, CHEN TP, não precisa ouvir.
CHUI TA - Talvez não. Mas, uma coisa: e êsse chefe de hangar não venderá
#o senhor também, no mês seguinte?
SUN - Eu, não. Comigo não há negligência. Já passei muito tempo sem emprêgo.
CHUI TA (aprovando de cabeça) - Ocão faminto puxa melhor o trenó... (Observa-o Ionga
mente, com -ar prescrutador.) É uma responsabilidade enorme: o senhor quer que min
ha prima renuncie aos poucos bens que possui, aos amigos que tem nesta cidade, e
ponha o destino dela inteiramente em suas mãos. Suponho que tem intenção de casar-
se c
om CHEN TÊ!
SUN - Isso estou pronto a fazer.
- 75
#CRM TA - Mas então, não é uma pena queimar a loja por duas patacas? A gente nunca
tem
nada, quando vende tudo às pressas. com êsses duzentos dólares que o senhor já tem
na mão
, seria pago meio ano de aluguel. Não o entusiasma, tanibém, ser gerente d
e uma tabacaria?
SUN - Eu? Pode-se lá imaginar IANG SUN, o aviador, parado atrás de um balcão! "Quer
ch
aruto forte ou suave, cavalheiro?" Para IANG SUN Isso não é negócio, no século em
que
vivemos!
CHUI TA - Permita-me outra pergunta: a aviação é negócio?
SUN (tira do bolso uma carta) - Duzentos e cinqüenta dólares por mês! Veja a carta,
o senhor mesmo. Aqui o sêlo, e o carimbo: Pequim.
CHU1 TA - Duzentos e cinqüenta dólares de prata... £ um bocado!
SUN - Pensa que eu vôo de graça?
CHUI TA - Oemprêgo parece born. - Senhor IANG SUN, minha prima incumbiu-me de
ajudálo
a obter êsse lugar, que é tudo para o senhor. Do ponto de vista de minha prima, não
vejo nenhum empecilho a que ela siga o impulso do coração: tem pleno direito a
compartilhar as alegrias do amor. Estou pronto a converter, tudo isto aqui, em d
inheiro. Aí vem a dona do prédio, senhora MI TSU, a quem.eu quero consultar sôbre a
ve
nda.
ac?
1)Ê SENH? A MI TSU (entrando) - bom dia, senhor
C TA. Trata-se do aluguel da lo?a: Oprazo ac Ija depois de amanhã.
CHUI TA - Senhora MI TSU, por imprevistas circunstâncias tornou-se pouco provável
qu
e minha
- 76 -
prima continue com a loja. Está pensando em casar-se, e seu futuro marido (apresen
ta), o senhor IANG-SUN, vai com ela para Pequim, onde esperam começar vida nova.
S
e eu conseguir o bastante, vendo o fumo.
SENHORA MI TSU - De quanto o senhor precisa? SUN - Trezentos, batidos.
CHUI TA (muito depressa) - Não, quinhentos! SENHORA MI TSU (a SUN) - Talvez eu
pos
sa fazer negócio. (A CHUI TA) Quanto custou êsse fumo?
CHUI TA - Minha prima deu, por êle, mil dólares de prata; e não vendeu quase nada.
SENHORA MI TSU - Mil dólares de prata! Naturalmente ela foi embrulhada. Uma coisa
- eu lhe digo: eu dou trezentos pela loja inteira, se fôr entregue depois de amanhã.
#SUN - Entregamos. Olha ai, velho! CHUI TA - ]a muito pouco.
SUN - 2 o bastante.
CHUI TA - Preciso de, no mínimo, quinhentos. SUN - Para que?
CHUI TA - Permita-me dizer duas palavras ao noivo de minha prima. (A SUN, de par
te) Todo êsse fumo está empenhado a um casal de velhos, pelos duzentos dólares de
prat
a que o senhor recebeu ontem. - 1 SUN (hesitante) - Há algum documento escrito?
CRM
TA - Não.
SUN (à senhora MI TSU, após breve pausa) Podemos fazer por trezentos.
77
L?,
xnmnwk?
#SENHORA MI TSU - Ainda precise saber se a loja não está hipotecada.
SUN - Responda.
CHUI TA - A loja está desimpedida.
SUN - E os trezentos, quando é que vêm? SENHORA MI TSU - Depois de amanhã, e
vocês ainda
podem desistir. Se tivessem um mes para vender, haviam de arranjar mais. Eu dou
trezentos só pelo prazer de contribuir para a felicidade dos jovens namorados. (S
a
i.)
SUN (gritando para ela) - Está feito o negócio: caixinhas e potinhos e saquinhos, tu
do isso por trezentos, e chega de amolação. (A CHUI TA) Talvez tenhamos oferta melho
r, até depois de amanhã, e poderemos repor os duzentos dólares.
CHUI TA - Não em tão pouco tempo. Não teremos nem um dólar além dos trezentos da
senhora M
I TSU. Para a viagem dos dois e para os primeiros dias, o senhor já tem dinheiro?
SUN - Decerto! CHUI TA - Quanto?
SUN - Hei de arranjá4o de qualquer maneira, nem que tenha de roubar!
CHUI TA - Ah, então essa quantia ainda falta arranjar também?
SUN - Na%perca as botinas, velho! Eu you chegar a Pequi&.
ClIM TA - Mas para duas pessoas não custa assim tão barato...
SUN - Duas? A pequena fica aqui. Ela seria, nos
primeiros tempos, uma pedra amarrada ao meu pescoço.
CHUI TA - Compreendo.
SUN - Por que olha para mim como se eu fôsse um odre de azeite furado? É preciso a
g
ente ir-se conformando...
CHUI TA - E minha prima, de que vai viver? SUN - Osenhor não pode f azer nada por
ela? CHUI TA - Farei o que fôr possível. (Pausa.) Queria que o senhor me desse aquel
es duzentos dólares e que os deixasse comigo, senhor IANG.SUN, até que esteja em
con
dições de me mostrar dois bilhetes para Pequim.
SUN - Caro cunhado, e eu queria que você não se metesse.
CHU1 TA - A senhorita CHEN Tig,1-. SUN - Deixe a pequena comigo!
CHUI TA - . . . talvez ela não queira mais vender a loja, se souber...
SUN - Nada: ela vende sim!
CRM TA - E o senhor não receia a minha oposição?
SUN - Ora, meu caro!
CHUI TA - Até parece esquecer que ela é humana e tem juizo.
SUN Czombeteiro) - Eu sempre achei formidável o que certas pessoas pensam
#das mulheres da familia, e do efeito que produzem os conselhos ponderados. E do
s encantos do amor ou das fraquezas da carne, nunca ouviu falar? Quer chamá-la à
razão
! Razão ela não tem. Ao contrário: ela foi maltratada a vida inteira, pobre bichinho!
Basta çu
- 78 -
- 79 -
#lhe pôr a mão no ombro e dizer "Anda comigo,, ela ouve sinos celestiais e desconhec
e a própria mãe. . .
= TA (corn esfôrço) - Senhor IANG SUN, SUN - Senhor... sei lá!
= TA - Minha prima é dedicada ao senhor, porque...
SUN - Digamos: porque lhe pus a mão no cora- 1 ção. Enfia isso no pito e vai fumando
!
(Apanha outro charuto, mete no bôlso mai3 dois, e afinal põe debaixo do braço a Caixa
tôda.)
SUN - Não me apareças lá de mãos vazias: isso é parte do nosso casamento! Ela leva
trezent
os dólares, ou senão tu mesmo trazes. Ou ela ou tu! (Sai.)
SENHORA CHIN (assomando a cabeça pela porta do depósito, nos fundos) - Não é
nada simpátic
o! E tôda a rua Amarela sabe que êle tem a môça inteiramente nas mãos.
MUI TA (num grito) - Lá se vai a loja! Não há amor! P, a ruína! Estamos perdidos! (Põe-
se
a andar em roda, como animal enjaulado, sempre repetindo "Lá se vai a loja!". De r
epente, pára e agarra a senhora CHIN. ) CHIN, você cresceu ao relento, e eu tam
bém. Somos idiotas? Não. Falta-nos a brutalidade necessária? Não! estou pronta a
agarrar
voce pela garganta e sacudir até vê-la cuspir o a ..
.Reijo que me roubou, você bem sabe! Os tempos "gm terríveis, esta cidade é um
buraco,
nias assim mesmo vamos tentando subir enfiando de lisa. De repente a desgraça as
tinhas na pare
abate em cima de um: começa a amar e pronto, está perdido! Um deseuido, e acabou-
sel
Mas como a gente se pode livrar de tôdas essas L;aquezas? e do amor, que é de tôdas
a
mais fatal? Totalmente impossível: o amor sai caro demais! Diga, com sinceridad
e: pode a gente viver sempre de pé atrás? Afinal, que mundo é êste?
Carícias tornam-se estrangulamentos, Cada suspiro é um grito de pavor:
- Por que esvoaçam corvos agourentos?
É alguém y.ie vai a um encontro de amor!
SENHORA CHIN - Acho melhor chamar logo o barbeiro. Osenhor deve conversar com
êle:
aquilo é que é homem direito. Parece feito para a sua prima!
(Como não obtém resposta alguma, sai a senhora CHIN. CHUI TA põe-se de novo a
andar, a
té que entra o senhor CHU FU. Atrás vem a senhora CHIN, que a um
#winal de CHU FU é obrigada a sair.)
CHUI TA (dirigindo-seao visitante) - Meu caro, acaba de chegar a meus ouvidos qu
e o senhor tem por minha prima um interêsse todo especial. Deixe-me pôr de lado as c
erimônias, que exigem discrição, visto que no momento a senhorita se expõe ao maior
per
igo!
CHU FU - Oh!
- 8O -
- 81 -
#CHUI TA - Dona de uma loja particular, poucas horas atrás, minha prima vê-se agora
pouco mais do que indigente. Senhor CHU FU, esta casa está arruinada!
CHU FU - Senhor CHM TA, o que faz o encanto da senhorita CHEN T£ não é a bondade
da lo
ja, é a bondad- do seu coração! Otítulo que dão a ela, em todo o bairro, diz muito bem:
"O
Anjo dos Subúrbios".
CHIU TA - Essa bondade, meu caro senhor, custou a minha prima duzentos dólares
num
dia só! Deve-se opor uma barreira a isso!
CHU FU - Eu peço venia para ser de opinião contrária: a essa bondade tôdas as
barreiras
devem abrir-se de par em par! É a natureza da senhorita CHEN TÊ, fazer o bem. Tôda
man
hã eu a vejo, radiante de emoção dando comida a umas quatro pessoas... Mas qu
e adianta isso? Por que não dar comida a quatrocentas? Ouvi dizer, por exemplo, qu
e ela quebra a cabeça para acolher alguns desamparados. Os prédios meus, atrás do
mata
douro, encontram-se vazios: pois estão às ordens dela, ?tc... ete... Senhor CHU1 TA
, posso esperar que tais idéias, ocorridas nestes últimos dias, contem com a simpati
a da senhorita CHEN TÊ?
CHUI TA - Senhor CHU FU, tão elevados pensamentos ela há de ouvir com verdadeira
adm
iração!
(WANG entra com o POLICIAL. Vira-se o senhor GHU FU, e fica olhando as armações.)
WANG - A senhorita CHEN TÊ está? Eu sou
82 -
WANG, o aguadeiro. i?, o senhor CHUI TA, sem dúvida?
CHU1 TA - Perfeitamente. bom dia, WANG! W?ÀNG - Sou amigo de CHEN TÊ.
CRM TA - Bem sei, é uma das amizades mais antigas que ela tem.
WANG (ao POLICIAL) - Está vendo? (A CHUI TA) Eu vim aqui por causa desta mão...
POLI
CIAL Está quebrada, nem se discute. CRUI TA Já vi, e precisa uma tipóia para o braço
.
(Vai ao depósito e traz um xale, que atira a WANG.)
WANG - Mas êste é o xale novo! CI1U1 TA - Não há mais necessidade.
WANG - Ela comprou para agradar certo s-nhor.;. CRUI TA - Verificou-se que não é mai
s necessario. , .
WANG (improvisando uma tipóia com o xale) Ela é a única testemunha que eu tenho.
POLIC
IAL - Será que a senhorita sua prima viu o barbeiro CHU FU bater na mão do aguadeiro
cora um ferro de frisar? Tem alguma idéia disso? CHUI TA - Eu só sei que minha
prima mesma não estava aqui, quando ocorreu o pequeno incidente.
#WANG algum mal-entendido! Esperem só CHEN TÊ chegar, e tudo se há de
esclarecer. CI
TIEN TÉ vai confirmar tudo. Onde está ela?
CHUI TA (corn gravidade) - Osenhor WANG diz-se amigok de minha prima. Minha prim
a tem
-ti
i,i,í 1
#V,;?_?,??%
agora enormes preocupações: foi explorada em todos os sentidos, calamitosamente.
Não p
oderá, daqui para o futuro, permitir-se a mais mínima fraque? za. Osenhor, estou cer
to, não vai querer que ela se perca irremediàvelmente, falseando a verdade neste
caso.
WANG (perturbado) - Mas se a conselho dela é que fui ao juiz!
CHUI TA - E o juiz ia pôr boa a sua mão? POLICIAL - Não, mas fazia o barbeiro pagar.
(
Volta-se, atento, o senhor CHU FU.)
CHUI TA - Eu tenho por princípio, senhor WANG, não me meter em questões entre
amigos m
eus.
(CHUI TA faz uma curvatura diante do senhor CHU FU, que se curva t?ambém em retrib
uição.)
WANG (tirando a tipóia e depondo o xale, tristem6nte) - Compreendo!
POLICIAL - Então já posso ir embora. E tu, para essa impostoria, escolheste mal a p2
ssoa, cornprometendo um homem tão direito. De outra vez, antes de apresentax queix
a, vê se tens mais cuidado, seu iralandro 1 E agora, se o senhor CHU FU não prefe?r
s
er generoso em vez de justo, ainda podes ir para a cadeia, por crime de difamação!
(Saem ambos.)
CHUI TA - Peço-lhe desculpar o acontecido. CHU FU - Está desculpado. (Ansioso) E
ess
a
84 -
história de ,um certo senhor"? (Exibe o xale) Esta mesmo acabada, inteiramente?
CHU1 T A - Inteiramente: o homem se revelou. Decerto leva algum tempo, até a fer
ida cicatrizar. Z
CH-11 FU - Tem-se que ter cuidados, atenções... CHUI TA - Ogolpe f oi recente...
CHU FU - Ela devia ir para o campo.
CITUI TA - Sim, por umas semanas. No entanto, já havia de melhorar se pudesse ir a
brindo o coração a alguém de confiança.
CHXJ FU - Talvez durante uma pequena ceia, num bom restaurantezinho.
CHUI TA - E com tôda a discrição. you depressa falar com minha prima: ela há de ser
comp
reensiva. Está em grande aflição, por causa desta loja, que para ela é um presente dos
d
euses. Queira desculpar-me, uns dois minutos! (Sai pelo depósito, ao fund
o.)
SENHORA CIUN (põe a cabeça de f ora) - A gente pode dar-lhe os parabéns?
#CHU FU - Pode. E da minha parte, senhora CIUN, queira hoje mesmo dizer aos prot
egidos da senhorita CHEN TÊ, que eu you dar abrigo a êles, em Ineus prédios detrás
do ma
tadouro!
(Ela faz que sim, com a cabeça, contendo o riso.)
CHU FU (levantando-se, -ao público) - Que me dizeis, senhoras e senhores? Pode-se
fazer melhor? MOstrar-s2 mais abnegado? Mais gentil? Mais persPicaz? Ah, uma peq
uena ceia: que de idéias vulgares e grosseiras, isso, em geral, nos sugere! Pois
85
#c14sso tudo não vai haver nada: nenhum cont&,to, riem daqueles que parecem casuai
s na passagem do saleiro! Só vai haver uma troca de idéias: duas almas que se encont
ram por sôbre as flôres da mesa, aliás crisântemos brancos! (Anota num caderno.) Não,
não será aproveitada uma situação difícil, não se vai tirar vantagem de um amargo
desengano
. Compreensão e ajuda serão oferecidas, mas em silêncio quase. E isso talvez seja reco
nhecido com um simples olhar, um olhar que às vêzes diz muito mais!
SENHORA CHIN - Então, senhor CHU FU , correu tudo conforme a espectativa?
CHU FU - Tudo conforme a espectativa. 2 de esperar-se que haja, no bairro, umas
quantas mudanças. Certo sujeito recebeu bílhete-azul, e alguns boatos a respeito des
ta loja serão desfeitos de vez. E outras pessoas, que não enrubescem de manchar a re
put
ação da môça mais pura desta cidade, para o f uturo hão de se ver comigo! Oque é que
a senho
ra sabe dêsse IANG SUN?
SENHORA CHIN - É o mais imundo, o mais vadio...
CHU FU - Não é nada. Êle nem é! Êle não existe, CHIN!
(Entra SUN.)
SUN - Que é que há, por aqui?
SENHORA CHIN - Senhor CHU FU, quer que eu chame o senhor CHUI TA? Êle não
vai permit
ir a permanência de estranhos dentro da loja.
CHU FU - A senhorita CHEN TÊ está agora corn
I
o senjior CHUI TA 1 numa conversa knportante que não deve ser interrompida.
SUN - Então, ela está ai? Eu não vi ninguém ssa? Também quero entrar! Que conversa
será e
tomar parte!
CHU I?,U (impedindo-o de entrar no depósito) Agora vai ter paciência, meu caro. Eu c
reio que já sei quem e o senhor... E para seu conhecimento: a senhorita CHEN TÊ e eu
estamos para anunciar nosso noivado!
SUN - Oque?
SENHORA CHIN - Causa-lhe surpresa, não? (SUN luta com o barbeiro ` tentand
o !abrir caminho rumo ao depósito, de onde enfim sai CHEN TÊ.)
CHU FU - Desculpe, minha querida CHEN TV Você talvez possa explicar.. .
SUN - QUE aconteceu, CHEN TÊ? Ficou maluca? CHEN Tn (sem tomar fôlego) - SUN,
meu pr
imo e o senhor CHU FU combinaram que eu ouviria as idéias do senhor CHU FU quanto
à
maneira de dar assistência a pessoas do bairro. (Pausa.)
#Meu primo é contra as relações entre nós dois.
SUN - E você, está de acôrdo? CHEN TÊ - Estou.
(Pausa.) SUN - Disseram a voce que eu sou mau elemento. (CHEN TÊ fica em silêncio.)
SUN - Talvez eu seja mesmo, CHEN TÊ! E por
87 -
#isso eu preciso de você! Sou um sujeito ordinário, sem dinheiro, sem bons modos. T2
nho que me de, fender. CHEN TÊ, êles vão levá~la à desgraça: (Aproxima-se dela e
fala em sur
dina) Olhe ber£-,? para êle: você não tem olhos? (Pousa-lhe a mà(? no ombro
) Pobre bichinho, aonde mais querem qii vá? A um casamento de conveniência? Sem
mim,
já iam levá-la para o matadouro: diga se, em minha ausência, você não ia embora com
êle!
CHEN TÊ - Ia.
SUN - Um homem a quem não ama! CHEN TÊ - É.
SUN - Você já esqueceu tudo? Aquela chuva... CHEN TÊ - Não.
SUN - Você me afastou daquela árvore... pagou um copo d"água para mim... Depois
promet
eu dinheiro para eu voltar a voar...
CHEN TÊ (trêmula) - Qu_, é que você quer mais? SUN - Quero que fique comigo.
CHEN TÊ - Senhor CHU FU, me p:?rdoe: eu quero ficar com SUN!
SUN - Osenhor sabe: somos namorados! (Leva-a em direçõo à porta.) Onde está a
chave da l
oja? (Tira a chave, da bolsa de CHEN TÊ, e entrega à senhora CHIN.) Ponha-a por baix
o da porta, quando tiver terminado. Vamos, CHEN TÊ! CHU FU - Mas isto é um ver
dadeiro rapto! (Gritando, para dentro) Senhor CHUI TA!
SUN - Diga-lhe que não grite assim, aqui.
TÊ ao chamar meu pri Peço-lhe para n
nio, senhor CI-JU FU: Sei que êle não está de acôrdo comigo, mas sinto que não tem
razão. (A
o públiCO)
Eu quero ir com aquêle a quem amo. Não quero saber quanto vai custar;
ÇC êle é born, eu não quero perguntar; não quero nem saber se êle me ama,
çó quero ir com aquêle a quem amo!
SUN - É isso mesmo.
(Saem os dois.)
. 89 .
#InterIudio
NA FRENTE DA CORTINA
CHEN TÊ (em vestido de noiva, a caminho das núpcias, volta-se para o público) - Aconte
ceu-me uma coisa terrível. Mal eu cruzava a porta, surgiu em plena rua aquela anciã,
mulher do tapeceiro, e me contou, tremendo, que o marido adoeceu por mêdo de não
reaver o dinheiro que ela me emprestou; disse que, em todo caso, o melhor seria
eu devolver logo. Prometi, naturalmente. Ela comoveu-se tôda, e em prantos me des
ejou boa sorte, pedindo-me perdão por não poder confiar muito em meu primo e ainda
m
enos
em SUN. Quando ela se afastou, foi preciso sentar-me num degrau, tão chocada fique
i comigo mesma. Numa explosão de carinho eu me atirei de novo aos braços de IANG
SUN
: não pude resistir à fala e às carícias dêle!
O mal - -como diria CHM TA - não serviu de lição para CHEN TÊ. Caindo-lhe nos braços,
ex a
inda pensei: enfim, os deuses hão de querer que eu seja boa para mim
Não fazer mal a si própria, nem a ninguém; encher de alegria a todos e a si também
- isto é o Bem!
91 -
#Como pude esquecer assim os dois bons velhos? SUN, feito um furacão no rumo de
Pe
quim, varreu-me a loja e todos os amigos. Mas êle não e niau, e me quer bem: quando
estou a seu lado, êle não f az maldade. Não importa o que um homem diz a outro: êle q
uer dar a impressão de grande e forte, além d- coração-duro. Mas se eu disser que os
doi
s velhos não podem pagar os impostos, êle há de compreender. Preferirá ir para a
fábrica d
e cimento, a dever os seus vôos a uma maldade! Francamente, voar é a gra
nda- paixão dêle. Serei eu bastante forte para acordar, nêle, o bem? Agora, a caminho
do casamento, eis-me suspensa entre o mêdo e a alegria!
O4
- 92 -
vi
NA SALA RESERVADA DE UM RESTAURANTE
BARATO NOS SUBúRBIOS
(Uni garção serve vinho aos comensais das bodas. De pé, junto a CHEN TÊ, o AVõ, a
CUNHADA,
a SOBRINHA, a SENHORA CHIN e o DESEMPREGADO. De pé, solitário a um canto,
um sacerd
ote budista ou BONZO. IANG SUN, de "smoking", em primeiro plano, fala à SENHO
RA IANG, sua mãe.)
SUN - Algo desagradável, minha mãe: com a maior inocência, ela acaba de dizer que
não po
de vender a loja, para mim. Não sei quem está forçando a cobrança da:queles duzentos
dólar
es, que ela tomou por empréstimo e deu à senhora. Mas quanto a isso, diz
o primo dela, não há nada por escrito. SENHORA IANG - E tu, que lhe respondeste? As
sim não vais poder casar com ela.
SUN - Não adianta conversar sôbre essas coisas, ela tem cabeça dura. Mandei procurar
o
primo. SENHORA IANG - Êle não quer que ela se cas- com o barbeiró?
- "93 -
#SUN - Já dei um jeito nesse casamento: tirei-lhe da cabeça o tal barbeiro. Oprimo l
ogo há de ver que a loja está perdida, pois eu não devolvo os duzentos dólares e assim
s
endo os credores tornam conta; mas meu emprêgo também estará perdido se eu não
tiver os trezentos que faltam.
SENHORA IANG - you esperá-lo em frente ao restaurante. Agora vai ficar com a noiva
, SUN!
(CHEN TÊ (enquanto o vinho é servido, ao pú. blico) - Eu não estava enganada: não
teve a mín
ima expressão de desencanto. Apesar de ser um golpe rude para êle ter que desistir d
e voar, manteve-se perfeitamente calmo. Eu gosto dêle, muito. (Faz sinal, c
hamando SUN para perto de si.) SUN, com a noiva você ainda não brindou.
SLTN - A que vamos brindar? CHEN T2 - Ao futuro!
(Esvaziam as taças.)
SUN - E que o "smokIng" do noivo não seja mais alugado!
CHEN TÊ - E que o vestido da noiva às vêzes apanhe chuva!
SUN - A tudo que de bom nos desejamos! CHEN TÊ - Que se realize depressa!
SENHORA IANG (de saída, à SENHORA CHIN)
- Eu estou encantada com meu filho! Sempre incuti nêle a idéia de que poderia ter qu
antas mulheres quisesse, ainda mais sendo mecânico formado e aviador. E que me diz
êle agora? "Mamãe, vO1,1 casar por amor! Dinheiro não é tudo!" E eis ai
- 94
um casamento de amor! (A CUNHADA) Ás vêzes tem de acontecer, não é? Mas é duro,
para uma mãe
é duro! (Ao BONZO, lembrandoo) Não encurte a cerimônia: se ao menos dedicar a ela
om
esmo tempo que gastou na combinação do preço, já será digno o ofício! (A
CHEN TÊ) Ofato é que precisamos demorar um pouco mais, querida: um dos mais
precioso
s convidados ainda não apareceu. (A todos os presentes) Peço que me desculpem! (Sai.
)
CUNHADA - Havendo vinho, esperaremos com prazer.
(Sentam-se.) DESEMPREGADO - Não se perde nada.
SUN (a CHEN TÊ, em voz alta, brinoando ante os convidados.) - E antes das núpcias,
a
inda preciso fazer contigo um pequeno exame; que não é, aliás, desnecessario, uma
vez
que o casamento ocorreu tão depressa. (Aos convidados.) Eu não sei bem o que me d
eram por mulher, e isso me deixa inquietO . (De novo a CHEN TÊ) Por exemplo: com t
rês folhas de chá, és capaz de preparar
#cinco xícaras? CHEN TÊ - Não.
SUN - Então ficarei sem chá. És capaz de dormir em um colchão do tamanho dêsse
livro que o
sacerdote está lendo?
1 CREN TÊ - Nós dois?
SUN - SózInha.
CHEN TÊ - Assim, não.
SUN - Estou horrorizado com a mulher que arranjei.
96 -
#(Todos riem. Na porta, atrás de CHEX TÊ, aparece a SENHORA IANG, dando a
entende7,
a SUN, com um gesto de ambro, Tw o conviva esperado não está à vista.)
SENHORA IANG (ao BONZO, que lhe aponta o relógio) - Não seja tão apressado, ainda
pode
demorar alguns minutos. Vejo que o pessoal está bebendo, e fumando, e nenhum dêles
tem pressa. (Senta-se junto aos convivas.)
CHEN TÊ - Enquanto isso, não devíamos falar de como vamos arrumar as coisas?
SENHORA IANG - Por f avor: hoje, nada de negócios! Isso dá um ar de rotina a qualque
r festa, não é mesmo?
(Soa a sinêta de -entrada. Todos olham para a porta, mas não entra ninguém.)
CHEN Tn - SUN, quem é que sua mãe está esperando?
SUN - Surprêsa para você. E a propósito: que é do seu primo CHUI TA? Eu me entendi
bem c
om êle: um homem ponderado, uma cabeça! Você não m3 diz nada?
CHEN TÉ - Não sei,-não quero pensar nêle. SUN - Por que não?
CHEN TÊ - Porque vocês não devem dar-se beni: se você gosta de mim, não poderá
gostar dêle. SU
N - Então, que os três &mômos o levem: o demônio Nevoeiro, o demônio
Rompemáquina e o demônío
ratanque! Beba, sua teimosa! (Força-a a beber.)
- 96 -
CUNHADA (A SENHORA CHIN) - Há alguma coisa aqui que não vai bem.. .
SENHORA CHIN - Que é que a gente podia esperar?
BONZO (de relógio em punho, acercando,o da SENHORA IANG) - Preciso ir,
SENHORA IAN
G! Hoje tenho outro casamento, e amanhã cedo um funeral.
SENHORA IANG - Pensa que todo êsse atraso é agradável para mim? Contavamos
que bastass
e uma bilha de vinho: agora veja, está quase no fim! (Em voz alta, a CHEN TÊ.) Não
com
preendo, querida CHEN TÊ, por que teu primo faz-se esperar tanto!
CHEN TÊ - Meu primo?
SENHORA IANG - Ora, meu bem, é por êle que estamos esperando. Sou antiquada o
bastan
te para achar que um parente tão próximo da noiva deve comparecer ao casamento.
CHEN TÉ - Ah, SUN, por causa dos trezentos dólares ?
SUN (sem olhar para ela) - -Você acabou de ouvir: ela é antiquada, e eu respeito. Va
mos ficar ?nais um quarto de hora, e, se êle não chegar então, e porque os três
demônios o
levaram.. . Que vamos fazer?
#SENHORA IANG - Todos já sabem que meu filho conseguiu um lugar de PilÔto do
correio
-aéreo. Isso me alegra muito, porque hoje em dia é necessár1O ganhar bem.
CUNHADA - 2 em Pequim, não é? SENHORA IANG - Em Pequim, mesmo.
- 97 -
#CLIEN TÈ - SUN, precisa dizer à sua mãe que não há nada em Pequim...
SUN - Seu primo é que vai dizer, se pensa igual a você. Aqui entre nós: eu não penso.
CHEN T2 (chocada) - SUN!
SUN - Como eu detesto Setsuan! Ai, que cidade! Sabe como eu vejo essa gente tôda,
quancio entrecerro os olhosY Vejo uns cavalos., uao voltas no pescoço, muito aflit
os: que é que passa roncando lá por cima"? Então não lhes íalta mais nacia"., o tempo
d
êles já passou? Pois que se morcLam até à morte, no curral! Ah, ir para longe daqui!
CHEN TÊ - Wlas eu já disse aos cLois veinos que devolvia o dinheiro!
SUN - Sim, já me disse também. E, por você ser capaz de semelhante tolice, é melhor
que
seu primo venha. Beba e deixe êsse negócio conosco. 1?ós resolvemos tudo.
CHEN TF? (assustada) - Meu primo não pode vir.
SUN - Que quer dizer?
CHEN TÊ - Não está mais ai.
SUN - E quanto ao nosso futuro, quer me dizer o que você está pensando?
CHEN TÊ - Penso que os duzentos dólares ainda estão em seu poder: amanhã mesmo
podemos d
evolvê-los, apanhar todo o fumo, que vale muito mais, e ir vender a varejo na. fábri
ca de cimento, pois já não há com que pagarmos os seis meses de alugu21. SUN -
Esqueça isso! Esqueça de uma vez, irmã! Então eu, IANG SUN, o aviador, you me
plantir n
o meio de uma rua, em frente a uma fábrica de
- 98 -
cimento pãra vender tostões de fumo aos operários? ]? preferível, numa noite só, meter
op
au nêsses duzentos dólares! n preferível me afogar no rio! Seu primo já me conhece:
êle
ficou de trazer os outros trezentos na hora do casamento.
CHEN TÊ - Meu primo não pode vir.
SUN - Creio que não pode é deixar de vir. CHEN TÊ - Onde eu estou, êle não pode
estar. SUN
- Quanto mistério!
CHEN TÊ - SUN, é preciso que saiba: êle não é seu amigo! Quem gosta de você sou
eu. Meu prim
o CHUI TA não gosta de ninguém. É amigo meu, mas não dos meus amigos. Deixou
que eu dess
e a você o dinheiro dos dois velhos, acreditando no emprêgo de aviador;
mas não vai dar trezentos dólares para o meu casamento!
#SUN - E por que não?
CHEN TÊ (fitando-o nos olhos) - Diz que você comprou uma passagem só, para Pequim.
SUN - Isso foi ontem, mas veja bem o que hoje eu Posso mostrar! (Mostra até o
meio, sem tirar do bolso, dois cartões.) A velha não precisa ver: dois bilhetes
para Pequim, um meu e um seu. Vai me dizer que seu primo ainda é contra o casament
o?
CHEN TÊ - Não. Seu emprêgo é born, e eu não tenho inais a loja.
SUN - Por sua causa, vendi tôda a mobília. CHEN Tn - Não fale mais! Não me mostre
as pas
sagens! Estou com mêdo de fraquejar e ir-me embora com você...
mais trezentos dólare Mas, SUN, não posso dar-lhe de velhos? s; senão, que vai ser
do casal
99 -
#SUN - E de mim? (Pausa.) Beba mais uni pouco ou você é do tipo cauteloso? Não
suporto
mulheres" cautelosas! Eu, quando bebo, é como se estivesse voando; e você, se beber
, é possível que me entenda melhor!
CHEN TÊ - Não é preciso, eu entendo: voar é o que você quer e isso eu não lhe posso
dar.
SUN - "Aqui está um avião, meu bem amado, mas só tem asa de um lado!"
CHEN TÊ - SUN, êsse emprêgo em Pequim, não temos meio de obtê-lo honestamente...
Devolva o
s duzentos dólares que recebeu de mim. Devolva logo, Sun!
SUN - "Devolva logo, Sun!"... com quem você está falando? É minha espôsa ou não?
Está me tra
indo, sabe? Por sorte, minha e sua, isso não depende mais de você: tudo está
combinado
. SENHORA IANG (glacial) - SUN, êsse primo vem mesmo, com certeza? Cheg
a a dar a impressão de que êle tem alguma, coisa contra êste casamento, e não quer
compa
recer.
SUN - Que idéia a sua, mamãe! Éle e eu somos unha e carne. Até you abrir bem a porta,
pa
ra êle nos ver imediatamente, quando vier correndo ser padrinho do seu amigo SUN!
(Vai à porta e escancara-a cam um pontapé. Volta, meio tit14be?ante por já ter be
bido muito, e senta-se outra vez junto a CHEN TÊ.) Nós vamos esperar. Seu Primo tem
juizo, mais do que você. Oamor, diz êle con1 sabedoria, faz parte da existência. E, o
que é wais importante, êle bem sabe o que há de ser para você: nem mais loja, ne
m casamento mais!
- 1OO -
(picam à espem.) SENHORA IANG - Agora!
(ouvem-se passos e olham todos para a porta, mas os passos afastam-se.)
SENHORA CHIN - Isto já cheira a escândalo: a gente pode ver, pode quase palpar.
A noiva espera pelo casamento, enquanto o noivo espera o primo dela...
SUN - Tem tempo, o senhor seu primo! CHEN TÊ (docemente) - Oli, SUN!
SUN - Ficar aqui sentado, com as passagens no bolso e ao lado de uma doida que não
sabe fazer contas! Já veio o dia em que manda até a polícia, à minha casa, buscar os
du
zentos dólares!
CHEN TÊ (ao público) - Êle é mau, e quer que eu seja má também. Eu, que o amo, fico
aqui, e êl
e esperando meu primo. Mas sei que tenho comigo tôda essa gente magoada: uma
velha
com o marido doente, os pobres que esperam à minha porta o arroz de cada
manhã, e em Pequim um desconhecido honrado que se esforça por não perder o emprê-
9O . E êsses todos me dão fôrças, pois êsses todos confiam em mim.
#SUN (espiando a bilha, na qual o vinho já chegou ao fundo) - Somos pessoas pobres
, e para nós esta" bilha é o relógio: pára por falta de corda, na hora em que o vinho to
do fôr bebido!
(-4 SENHORA
cale, pois v - IANG dá-lhe a entender que se . oltam a ouvir-se passos.)
- 1O1 -
il
#GARÇÃO (entrando) - Mais uma bilha de vinil., SENHORA IANG?
SENHORA IANG - Não, creio que essa é bastan. te. Ovinho esquenta muito, não
acham? SEN
HORA CHIN - E também sai muito caro. SENHORA IANG - Eu começo a suar, sempre
que beb
o.
GARÇÃO - Então, posso pedir-lhe que liquide a conta?
SENHORA IANG (fingindo não ouvir) - Solicito aos presentes ainda um pouco de
paciênc
ia; o pa. rente que esperamos já deve estar a caminho. (Ao GARÇÃO) Não perturbe a
cerimôni
a!
GARÇÃO - Tenho ordem de não deixá-la sair sem regularizar a conta.
SENHORA IANG - Ora, aqui já me conhecem! GARÇÃO - Exatamente!
SENHORA IANG - Audaciosa, a criadagem hoje em dia! SUN, que dizes a isto?
BONZO - A todos, os meus respeitos! (Sai deG?* dido.)
SENHORA IANG (desesperada) - Acalmem-se em seus lugares: o sacerdote voltará
dentr
o de alguns minutos.
SUN - Deixe, mamãe! Senhoras e senhores, já que o padre saiu, não podemos retê-los
por m
ais tempo! CUNHADA - Anda, AVõ!
AVõ (antesde esvaziar solenemente o copo) noiva!
SOBRINHA (a CHEN TÊ) - Não o leves a inal: brindou por amizade. Êle te quer muito
bem.
1O2 -
SENIJORA CI-UN - Eu chamo a isso um fiasco! (Retiram.se todos os convidados.)
CHEN TÊ - E eu, devo sair também, SUN? SUN - Não, você fica esperando! (Puxa-a
pelo véu de
noiva, que fica todo enviesado.) Ocasamento não é seu? Eu continuo esperando e a mi
nha velha também . Ela quer, a todo custo, ver o seu falcão nas nuvens! Eu,
porém, já estou achando que só mesmo no Dia de São Nunca ela poderá ver, da sua
porta, o a
vião dêle trovejando sôbre a casa! (Falando para as cadeiras vazias, como se os cOnvid
ados ainda estivessem ali.) Senhoras e senhores, a conversa esfriou? Não go
staram daqui? Ocasamento está um pouco atr_asado, porque nós ainda esperamos por
um
parente graúdo e porque a noiva ainda não sabe o que é amor. Onoivo, para entretê-
los, v
ai cantar uma canção. (Canta.)
CANÇÃO DO DIA DE SÀO NUNCA
Algum dia,
que as pessoas de origem humilde já sabem de ouvir falar, vai o pobre num trono de
ouro reinar
#e êsse dia o São-Nunca será.
No dia de São-Nunca, São-Nunca, São-Nunca, êle num trono há de estar.
-Nesse dia
a Bondade terá recompensa e será castigado o Mal, "e OProveit? será de quem tenha
dire
ito
à fartura do pão e do sal.
No dia de São-Nunca, São-Nunca, São-Nunca, há de sobrar- pão e sal,
1O3 -
#O capim
até perto do céu crescerá e hão de as pedras nágua boiat? para o homem ser bom nada
será pre
ciso
e a Terra será um Paraíso.
No dia de Sáo-Nunca, São-Nunca, São-Nunca, isto será um Paraíso.
Nesse dia
"aviador eu serei afinal e também serás general, e um emprêgo hás de ter e assim tua
mul
her poderá sossegada viver.
No dia de São-Nunca, Sáo-Nunca, São-Nunca, ela sossêgo há de ter.
E isso tudo,
que também não podemos ficar tôda vida sempre a esperar, há de vir, não às oito ou às
nove da
noite,
e sim na hora em que o galo cantar:
no dia de São-Nunca, Sáo-Nunca, São-Nunca, logo- que o galo cantar.
SENHORA IANG - Não vem mais i
(Ficam sentados os três, dois, olhando para a porta.)
- 1O4 -
InterIUdio
NO ABRIGO NOTURNO DE WANG
(O3 deuses aparecem novamente ao aguadeiro, que adormeceu sôbre um grosso livro.
Mús
ica.) "WANG - Que bom que viestes, Santíssimos! Eu queria, com vossa permissão,
faze
r-vos uma pergunta que mo- vem deixando inquieto. Entre os restos da cabana de u
m
padre, que se mudou e foi ser ajudante na fábrica de cimento, achei um livro e nêle
descobri um trecho muito curioso. Tenho Weessidade absoluta de lê-lo para vós. Aqui
está:
(Folheia, com a mão esquerda, um livro ima-
9filário,, em cima de outro, verdadeiro, que tem no colo, e levanta o mesmo livro
imaginário para ler nêle enquanto o verdadeiro permanece fechado no lugar.)
WAI4G (lendo) - "Em Sung existe um lugar chamado Mata-de-Espinhos. Ali crescem c
iprestes, catalpas e arnoreiras. As árvores que têm um a dois PalinOs de circunferênci
a são cortadas por pessoas que delas querem fazer paus de cêrca; as de três
- 1O5 -
#a quatro palmos são cortadas pelas famílias que procuram tábuas para um aas
funerárias;
as de sete a oito palmos de circunferência são cortadas por aquêles que andam atrás
de
vigas para vivendas de luxo. com isso, nenhuma delas chega até à madu. reza
, porque machado ou serrote sempre lhes corta o caminho. Tal é o prêmio da utilidade
."
TERCEIRO DEUS - Nesse caso, o inútil seria o melhor?
WANG, - Não, mas o de melhor sorte: o pior é o de mais sorte!
PRIMEIRO DEUS - Escreve-se cada coisa! SEGUNDO DEUS - Por que te impressiona
tan
to essa parábola, aguadeiro?
WANG - Por causa de CHEN TÊ, Santíssimos1 No amor ela fracassou, por seguir o
mandam
ento do "amor ao próximo". Ela é talvez boa deniais para êste mundo, Santíssimos!
PRIMEIRO DEUS - Que absurdo! Homem fraco e mis2rável! As dúvidas e os piolhos já
te co
merani metade, ao que parece!
WANG - Santíssimos, perdoai! Eu pensei que pudésseis intervir... ossível PRIMEIRO
DE
US - Inteiramente p
Ainda ontem mesmo, o nosso amigo ari (aPOto para o TERCEIRO DEUS, que tem um
dos
Olhos sombreado de roxo) quis intervir numa briga: es" tás vendo o resultado!
WANG - A môça precisou chamar de novo o primo. Êle tem uma habilidade
extraordinária, is
sO eu sei por experiência própria. e entretanto 11,1O pôde ajeitar nada. A loja pare?e
que está perdida-
- 1O6 .
TERCEIRO DEUS (inquieto) - Talvez devêssemos ajudá-la.
PRIMEIRO DEUS - Sou de opinião que ela ajude a si mesma.
SEGUNDO DEUS (austero) - Quanto pior a situação, tanto melhor se mostra uma alma
boa
. Osofrimento purifica!
PRIMEIRO DEUS - Pomos nela tôda a nossa esperança.
TERCEIRO DEUS - Nossa pesquisa não foi das melhores: aqui e ali encontramos bons
i
mpulsos, louváveis intenções, muita elevação de princípios, mas isso ainda não basta
para uma
alma boa. E se achamos algumas, no caminho, faltava-lhes uma vida condigna.
(Em confidência) Quanto à hospedagem, não podia ser pior: pelos fiapos de palha, que
ainda trazemos na roupa, podes ver onde passamos as noites.
WANG - Só uma vêzinha, não poderíeis ao menos. . .
#OS DEUSES - Nada. Somos só observadores. Ac?-editamos firmemente que a nossa
alma
boa há de encontrar o bom caminho sôbre a terra escura,
O próprio fardo há de aumentar-lhe a fôrça. Aguadeiro, não percas a esperança, e ainda
hás de
ver que tudo leva a um born...
(Vão esmaecendo as figuras dos deuses, vão baixando as vozes dêles. Afinal
desaparecem
e " vozes calam-se.)"
- 1O7 -
#Vil
NO QMNTAL DA LOJA DE CHEN-TÊ
A
(Numa carrêta, alguns utensilios domésticos. CHEN TP e a SENHORA CHIN tiram a
roupa
da corda.)
SENHORA CHIN - Não compreendo por que você não luta, com unhas e dentes, pela
sua loja
. CHEN T2 - Como? Não tenho sequer para o aluguel. E hoje preciso d2volver duzen
tos dólares de prata àquele casal de velhos; mas, como os entreg,,ei a outra pesso
a, tenho que vender o fumo à Senhora MI TSU.
SENHORA CHIN - Então lá se vai tudo! Sem marido, sem fumo, e sem casa! É o que
aco
ntece, quando a gente quer ser melhor que os outros. E agora i
CHEj?vÍver de quê?
TIR: - Não sei. Talvez possa ganhar alguma coisa seletando fumo...
SE2?FIORA CHIN - Como veio parar aqui a calça do senhor (-11M TA? Deve ter saído
nu!
CHEN Tn - Êle tinha outra calça.
SENHORA CHIN - Você mesma falou, se não me
- 1O9
#engano, que êle partiu para sempre! Por que nã,,-? levou a calça?
CHEN TÊ - Talvez não precise mais dela. SENHORA CHIN - Não é melhor embrulhar?
CHEN T2 -
Não.
(Entra afobado o senhor CHU FU.)
CITU FU - Não diga nada. Sei de tudo: está sacrificando o seu amor para que um casal
de velhos, que acreditou em você, não fique arruinado. Não é à toa que em todo êste
bairro,
desconfiado e maledicente, você é chamada "OAnjo dos Subúrbios", Jamais p
oderia o senhor seu noivo chegar à sua elevação moral, e você o deixou. E agora vai
fech
ar a loja, esta pequena ilha de refúgio para tanta gente! Isso eu não posso consenti
r. Do portal da minha loja, manhã atrás de manhã, eu a vi repartir o seu arroz
corn o pequeno rebanho de infelizes em frente à sua casa. E isso acaba, para senap
re? Agora o bem vai desaparecer? Ah, senhorita, se me deixasse ser-lhe útil no seu
belo trabalho! Não, não, não diga nada! Não quero a sua palavra, neril o menor comprom
isso de aceitar a minha ajuda! Aqui fica, assinado (saca um talão de cheques e ass
ina um dêles, deixando-o sôbre a carrêta), um cheque em branco, para a senhorita pôr
qua
lquer quantia, à vontade, e eu me retiro quieto e cO11" formado, pé ante pé, sem
nenhuma exigência, sein o mínimo interêsse e com o máximo respeito. (Saí-)
SENHORA CHIN (e
xaminando o cheque) - E5t8 salva! Que sorte você tem! Acha sempre um id1Ots" Agora
aproveite a mão: escreva ai 1.()OO dólare,9
- 11O -
de prata e eu levo correndo ao Banco, antes que êle recupere o juízO.
CHEN Ti? - Ponha a cêsta de roupa na carrêtaposso pagar a conta sem o cheque.
SE".ORA CI-UN - Oquê? Não vai aceitar o cheque? Isso é um crime? Só por pensar
que, com
isso, deve casar-se com êle"? Seria a extrema loucura" p,sse é dos tais que obedecem
com argola no nariz: têm, por assim dizer, essa volúpial Ou ainda quer alg
uma coisa com o seu aviador, que tôda a rua Amarela e o bairro todo já sabe como êle
p
rocedeu mal com você?
CHEN TÉ - Tudo devido à miséria! (Ao público.)
De noite eu lhe vi as faces inflarem-se em pleno sono, eram cheias de maldade!
E de manhã fui olhar seu paletó contra a luz: vi, do outro lado, a parede.
Vendo o seu riso matreiro eu tinha m?do, porém
vendo os seus sapatos rotos... como eu lhe queria bem!
SENHORA CHIN - Então, ainda o defende? Nunca vi semelhante maluquice. (Irritada)
Q
uando você sair do bairro, vamos poder respirar.
#CHEN Ti? (vacila, ao recolher a roupa) - Sintome um pouco tonta.
SENHORA CHIN (tOmando-lhe a roupa das mãos) Essas tonturas são muito
freqüentes, quand
o você se abaixa ou se levanta? Se não vem por aí Um garôto em caminho! (Ri.) Éle
pegou-a
de jeito! E se êsse fÔr o caso, o cheque não adianta. Isso é que não estava
no programa! (Encaminha-se para
O fundo, com -uma cêsta.)
#(CHEN TÊ, imóvel, olha-a afastar-se . Depois examina o ventre, palpa-O, e uma grand
e ole. gria ilumina-lhe o rosto.)
CHEN TÊ (docemente) - Oh, que alegria! Tir,1 homenzinho forma-se em meu ventre .
Ainda não se vê nada, mas êle aí está. Omundo o aguarda em segrêdo, mas um rumor
já perco
rr?? as cidades: aí vem mais um, com quem é preciso contar! (Ela apresent
a o filhinho ao público) Um aviador!
Saudaí um novo conquistador
de montanhas desconhecidas e regiões inaccessíveis, que as notícias de homens a
outros
homens
há de levar por sôbre ínvios desertos!
aquOe
(Põe-se a ir e vir, como se levasse um menino pela mão.) Venha, meu filho, cont??mpl
ar o mundo! Isto aqui é uma árvore: faça uma curvatura, cumprimente! (Ensina-lhe a rev
erência.) Portanto, já se conhecem. Olhe, aí vem o aguadeiro: é nosso arnigo, dê
a mão a êle! Não tenha mêdo: "Um copo de água fresca, por favor, para m,-u filho! Está
tão que
nte!" (Dá-lhe o copo.) Ah, o polícia! Vamos dar a volta! E se fôssemos apanhar cerejas
, no jardim do rico senhor FÊ-PUNG? Cuidado, Precisamos não ser vistos!
Venha, filho sem pai! Quer cerejas, também? De mansinho, d- mansinho, meu filho!
(Avançam cautelosamente, olhando em tôrno.) Não, por aqui; a folhagem nos esconde
.
N?O em linha reta, não: assim você nunca consegue nada. (Como se o pequeno a arr
astasse, ela resiste.) Precisamos ter juízo (De repente ela c6?e*) Bem, se você quer
mesmo ir reto e a descoberto . - -
(Põe Ofilho no colo.) Assim já alcança as cerejas? Guarde na bôca, que é o melhor
escond
erijo! (Ela também come uma, que o guri lhe põe na bÔca.) Que gôsto born! Diabos, a
políci
a 1 É hora de correr. (Fogem.) Aqui estamos, na rua. Calminha, agora:
vamos devagar, para não dar na vista. Como se não tivesse havido nada... (Canta
CHEN
TÊ, passeando com a criança.)
Uma ameixa, sem razão, ia sôbre um pobretão: mas o homem se apressou, mordeu a
ameixa
no vôo.
(WANG, o aguadeiro, que aparece trazendo pela mão um menino, espanta-se ao ver
CHE
N T2.)
CHEN TÊ (após um pigarro discreto de WANG)
- Oh. WANG! bom dia!
WANG - Então, escutei dizer que as coisas não te correm bem: vais ter que
#vender a loja para saldar umas dívidas. Mas aqui está um menino que não tem para
onde
ir: andava à toa pelo matadouro. Deve ser do marceneiro LIN TO, qua perdeu a ofic
ina há umas semanas e deu para beber; os filhos dêle andam famintos, por aí. Que
vamos fazer com êste?
CREN TÉ (*tornando-lhe, o menino) - Vem, hoffl2nzinho! Glo Público(sorriso)
A todos vós: alguém olos pede abrigo,
um cidadão do futuro pede um pouco do p,e,,,t,. ()"trO, que já conheceis, intercede
em seu favor-, é "u a-iguinho, o conquistador!
- 113
#(A WANG) Me pode ficar nos galpóes do senhor CHU FU, para onde com certeza em
tam
bém you Espero um filho, mas não contes a ninguém: senã*
o IANG SUN é capaz de saber, sem necessidade. Vai à cidade-baixa, procura o senhor
L
IN TO e diz a êle para vir aqui!
WANG - Muito obrigado, CHEN TÊ! Eu sabia que davas algum jeito. (Ao menino) Estas
vendo uma alma boa sempre encontra solução! you já buscar teu pai. (Vai saindo.)
CHEN TÊ - Oli, WANG, lembrei-me agora: tua mão, como vai? Eu queria testemunhar
em t
eu fa." vor, mas o meu primo...
WANG - Não te preocupes com a minha mão: olha, aprendi a passar sem a direita.
Quase
não sinto falta dela. (Mostra a CHEN TÊ que pode manejar a quartola mesmo sema mão
di
reita.) Vê, como eu faço!
CHEN TÊ - Mas não podes ficar com a mão dura" Leva essa carrêta, vende tudo, e com
o din
heiro vai ao médico. Eu estou com vergonha de ter faltado ao que te prometi. Que hás
de pensar, de eu ter aceito os galpões do barbeiro?
WANG - Lá vão poder ficar os sem-abrigo, e tu também... Isso é mais importante do que
a
minha mão. E agora you buscar o MARCENEIRO. (Sai-) CHEN Tn (gritando-lhe) -
Promet
e depois ir cOmigo ao médico!
(Regressou a SENHORA CHIN e não c688a de fazer-lhe gestos.)
CHEN T:Ê - Que é isso?
114 -
SENHORA ~ - Você está doida: bota fora a carroça com as últimas coisas que lhe
restam?
Que lhe interessa a mão dêle? Se o barbeiro souber disto, talvez a expulse do seu úni
co refúgio! Você ainda nem me pagou a lavagem da roupa!
CHEN TÉ - Por que a senhora é tão má? Espezinhar o próxinio
não será fatigante? Em sua fronte
as veias incham com o esfôrço da cobiça. A m5o simplesmente aberta
dá e recebe com igual facilidade? Só o ávido agarrar é que a afadiga.
Ah? a alegria de dar! Mostrar-se amiga, como é agradável" A palavra boa
é como um fundo suspiro que voa.
(Retira-se, furiosa, a, SENHORA CHIN.) CHEN TÊ (ao menino) - Senta-te aí e espera,
que teu pai já vem. (O menino senta-se no chão).
(Pela entrada do pátio vem chegando o casal, MULHER e MARIDO, que visitou CHEN
TÊ no
dia da inauguração da loja: vêm arrastando Pe&ados sacos.)
#MULHER - Estás sózinha, CHEN TÈ?
(Como CHEN TP faz sinal afirmativo, ela chaMa para dentro o SOBRINHO, que traz t
ambém u?n saco.)
MULHER Onde está o primo? ClIEN TÊ Viajando. MULHER Vai voltar?
CHEN TP, Não, eu desisti da loja.
115 -
1%hho
#)i
MULHER - Nós soubemos. Por isso aqui estamos: temos uns sacos de f umo em bruto,
q
ue uma pes. soa nos devia, e gostaríamos que os transportasses, com teus pertences
, para a tua nova casa . Ainda não temos um lugar onde guardá-los, e êles na rua chama
riam a atenção. Também não vejo como po. derias recusar êsse pequeno favor, depois
de tant
os aborrecimentos que tua loja nos deu.
CHEN TÊ - 2 um favor que vos faço com tÔda a boa vontade.
MARIDO - E se alguém perguntar a quem per. tencem, podes dizer que são teus.
CHEN TÉ - Quem haveria de perguntar? MULHER (mirando-a agudamente) - A polícia,
por
exemplo: está de prevenção_ conosco e quer nos arruinar. Onde é que vamos colocar
os sac
os? CHEN TÈ - Não sei. Ofato é que neste momento eu não queria fazer nada que
me pudesse levar à prisão.
MULHER - Tu és assim mesmo! Ainda acabarnos perdendo êsses miseráveis sacos de
funjo,
tudo o que, dos nossos bens, ainda pudemos salvar!
(CHEN TÊ guarda silêncio, obstinadamente-)
MARIDO: Pensa bem: êsse fumo, para riós,
s.-ria
o ponto de partida para uma pequena indústria. Daí poderíamos prosperar...
CHEN TÊ - Bem, eu guardarei as sacas. por ora, ficam nos fundos da loja.
- 116 -
(CliEN TÊ entra com OCasal. o menino, tendo-os "visto afastar-se, olha medrosame
nte em redor e vai até à lata de lixo, em cujo interior ,re,nlexe, começando a comer c
oisas dali. Voltam CHEN TÊ e os dois.)
MIjLHER - Entendes bem: pomos em ti tôda a nossa confiança!
CHEN TÉ - Sim . (Dá pela criança e fica estar recida.)
MARIDO - Nós te veremos depois de amanhã, nas propriedades do senhor CHU FU.
CHEN TÊ - Agora, saiam depressa: não me estou sentindo bem!
(Empurra-os para fora. Saem os três.)
CHEN TÊ - Está com fome: cisca na lata de lixo!
(Toma nos braços o me-nino e, num discurso, exprime o seu Pavor pelo destino das c
rianças Pobres, mostrando ao público a boquinha suja de cinza. Adota a resolução de,
em
nenhum casO? expor seu próprio filho a tamanha crueldade.)
õ filho, 6 aviador! A que mundo chegarás? Numa caixa de detritos
vão deixar-te ciscar, a ti também? Vêde bem esta boquinha imunda! (Exibe,
#a criança.) Como tratais Os semelhantes? Não vos Move mísericórdia alguma pelo
fruto
117
1,11
. . 2ut`
#do vosso ventre? Compaixão alguma da vossa carne, ó míseros! Ao menos o meu
defendere
i, ainda que tenha
de em tigre me tornar. Sim, a partir
da hora em que assisto a isto, eu me separo de todos vós, e não descansarei
até salvar meu filho, ao menos êle!
O que aprendi na rua minha escola de artimanhas e lutas vai agora servir a t
i, meu filho, pois contigo serei boa.. . mas tigre e fera brava para todos os ou
tros, se preciso. E é preciso!
(Sai, para metamorf osear-se no primo.) CHEN TÊ (de saWa) - P, necessário, ainda u
ma vez: a última vez, espero. (Apanhou a calça de CHU1 TA, sob o olhar curioso da SE
NHORA CHIN, que vem de volta.)
(Entram a CUNHADA e o AM) CUNHADA - A loja fechada, os móveis no pátio... 2 o fim!
SENHORA CHIN - É no que acabam a frivolidade, a sensualidade e o egoísmo! Aonde
leva
êsse caminho? Para baixo! até aos galpões do senhor CHU FU, onde vocês estão.
CUNHADA - Pois vai ficar encantada! Nós viemos reclamar: umas tocas de ratos com
o
chão todo pôdre! Aquilo o barbeiro nos deu só porque estão mofando lá os estoques de
sabão:
"Tenho um lugar para vocês, o que me dizem?" Dizemoo que é uma vergonha!
(Entra o DESEMPREGADO.)
118 -
DESEMPREGADO - Verdade que CHEN TÉ vai.se mudar?
CUNHADA Queria ir saindo às escondidas, sem a gente saber...
SENHORA CIUN - com vergonha, porque está arruinada.
DESEMPREGADO (veemente) - Precisa chamar o primo! Digani-lhe que chame o
primo:
só êle será capaz de fazer alguma coisa!
CUNHADA - Isso é verdade. Éle é muito sovina, mas ao menos salva a loja e nós
estaremos
salvos. DESEMPREGADO - Eu não pensava em nos, pensava nela. Mas está certo: por
nós, t
ambém, é preciso chamá-lo.
(Entra WANG, trazendo o MARCENEIRO com duas crianças pela mão.)
MARCENEIRO - Não sei como lhe agradecer. (Aos outros) Vamos ter onde morar!
SENHORA CHIN - Onde?
W?RCENEIRO - Nos galpões do senhor CHU FU. E. fo, 1 o pequeno FENG quem
promov
eu essa mudança! Ah, estás aí! "Há um pequenino que vos P"ede ab"r19O"1
#- deve ter dito a senhora CHEN TÊ * * . e com isso arranjou-nos moradia. Vocês,
ai, agradeçam a seu irmão!
(O MARCENEIRO e O3dois filhos inclinam-se satisfeitos ante Opequeno FENG.) MAR
CENEIRO - Nossos agradecimentos, senhor Arranja-Abrigo!
- 119 -
#(Entra CHU1 TA.)
CHU1 TA - Posso indagar o que fazem todos aqui? DESEMPREGADO - Osenhor
C111U1 TA
! WANG - bom dia, senhor CHUI TA! Eu não sa_ bia que estava de volta. Conhece o
ma
rceneiro LI1? TO? A senhorita CHEN TÊ arranjou-lhe um 1,_gar nos galpões do senhor
C
HU
FU.
CHUI-TA - Os galpões do senhor CHU FU não estão desocupados.
MARCENEIRO - Não se " pode morar lá?
CI1U1 TA - Não. Olocal foi destinado a outros fins.
CUNHADA - Isto quer dizer que nós também saímos?
CHUI TA - Receio que sim. CUNHADA - Para onde vamos, então?
CHUI TA (dando de ombros) - Pelo que pude entender, a senhorita CHEN TÊ, ao sair d
e viagem, não foi com o propósito de d-ixá-los na mão. Em todo caso, daqui para o
futuro
, tudo será regulado em bases mais razoáveis. A partilha de alimento, sem prest
ação de serviços, sera suspensa: em vez disso, cada qual Poderá ganhar honestain-
?nte a
própria subsistência, com o próprio trabalho. A sephorita CHEN TÊ, resolveu dar
eniprêgo a
toJOSAquêles, de vocês " que quiserem ir agora, comigo, aos galpões
do senhor CHU FU, não perderão a viagem.
CUNHADA - Oque isto quer dizer, é que nós mos ter que trabalhar para a senhorita CHE
N TB? CHUI TA - É, no beneficiamento de furí"Q- ?Há
12O -
no depósito três fardos de mercadoria: vão lá buscar! ~A - Não esqueça que nós já
fomos dono
CIR
de loja. Também temos fumo nosso, e preferimos trabalhar por conta própria.
CHUI TA (ao ESFARRAPADO e a LIN TO) Vocês ai, que não possuem fumo, talvez
aceitem t
rabalhar para CHEN TÉ?
(O MARCENEIRO e o ESFARRAPADO encaminham-se, desalentados, para o
depósito. Entra
a senhora MI TSU, dona do prédio.)
SENHORA MI TSU - Então, senhor CHUI TA, e a venda? Eu trouxe os trezentos dólares.
CHUI TA - Senhora MI TSU, eu decidi não vender e assinar o contrato de aluguel.
SENHORA MI TSU - Como? De repente não querem mais dinheiro para o aviador?
CHUI TA - Não.
SENHORA MI TSU - E têm para o aluguel? C-rWI TA (apanha na carrêta dos trastes o
che
Tw do barbeiro e acaba de preenchê-lo) - Aqui está um cheque de dez mil dólares assina
do pelo senhor CRU FU, que se interessa pela minha prima. Veririque, senhora MI
T
SU! Os seus trez?mtos dólares, Pelo aluguel dos próximos seis meses, a senhora t?rá
na
s suas mãos antes das seis horas da tarde. E agora dê-me licença de ir tocando o meu
t
rabalho: hoje
desculpe. estou muito ocupado e espero que me SF?NHORA MI TSU - Já sei: é o
senhor
CHU FU na Pista do àviador! Dez mil dólares de prata! Eu
- 121 -
#fico cada vez mais assombrada com a volubilidade e com a superficialidade das m
ocinhas de hoje em dia, senhor CHUI TA. (Sai.)
(O MARCENEIRO e o ESFARRAPADO vérn trazendo os fardos.)
MARCENEIRO - Nem sei por que trago isso, de arrasto, para o senhor...
CHUI TA - 2 bastante que eu saiba. Seu filho, aí, mostra um saudável apetite: êle prec
isa comer, senhor LIN TO.
CUNHADA (vendo os sacos) - Meu cunhado estêve aqui ?
SENHORA CHIN - Estêve.
CUNHADA - Isso mesmo, estou conhecendo os sacos: é o nosso fumo!
CITUI TA - É melhor não falar alto: êsse fumo aí é meu, vocês bem viram que estava no
meu de
pósito. Mas se tem alguma dúvida, podemos ir esclarecê-la na policia. Quer?
CUNHADA (corn raiva) - Não!
CRUI TA - Ao que parece, vocês não têm fumo nenhum. Nessa situação, talvez aceitem
a niãO am
iga que CHEN TÊ lhes oferece. E agora tenhani a bondade de me ensinar o caminho, a
té aos galpões do senhor CHU FU!
(Tomando pela mão o filho menor do MARag" NEIRO, sai CHUI TA, seguido pelas
Outras
crianças com o pai; a CUNHADA, o Avó C ODESEMPREGADO, acompanham,
ctrrasta"d"o os
fardos.)
A
WANG - Êle não chega a ser ruim, mas alma boa é cHEN TÊ.
SENHORA CHIN - Não sei: na corda havia uma calça que o primo dela vestia. Isso talve
z signifique alguma coisa, e eu preciso saber!
(Entra o casal de VELHOS da loja de tapetes.) VELHA - A senhorita CHEN TÉ, não
está? S
ENHORA CHIN - Viajou.
VELHA - Estranho: ia trazer-nos uma coisa... WANG (dolorosamente, contemplando a
mão) ,Ia me ajudar, também. Ficarei com a mão dura. Talvez ela volte logo: o primo se
mpre se demora pouco.
SENHORA CHIN - Pois é, não é?
- 123 -
#InterlUdio
NO ABRIGO DE WANG
(Música. Oaguadeiro, em &onho, comunica -aos DEUSES os seus receios. Os deuses
ain
.`a continuam em sua longa peregrinação; parecem fatígados. Detendo-se por um breve
in
stante, voltam as cabeças, por cima dos ombros, para o aguadeiro.)
WANG - Antes qua- vossa aparição me fizesse acordar, Santíssimos, eu estava vendo,
em
sonho, minha boa irmã CHEN TÊ em enormes aflições no juncal do rio, bem no ponto
onde é co
stume achar os cori?os dos suicidas. Ela oscilava estranhaniente e tinha o
pescoço curvado, como se fôssarrastando alguma coisa mole, mas pesada, que a
obrigas
se a afundar no lôdo Ao meu chamado, ela me respondeu que precisava levar para a o
utra ulargeiri o fardo dos mandammtos; sem molhar, Para não borrar as letras. A be
md
izer, eu não vi nada sôbr? os ombros de-la. Mas me lembrei assustadO, de que, ao agr
adecerdes a acolhida que ela
- 125 -
1O
#vos propiciou, naquela noite em que Procuráveis pousada, vós lhes havíeis falado em
f
abulosas vir. tudes. Ah, com que vergonha eu lembro! Estou certo de que compreen
deis minha preocupação com ela!
TERCEIRO DEUS - Que sugeres?
WANG - Um ligeiro abrandamento em vossas prescrições, Santíssimos: algo que
tornasse m
ais leve o fardo dos mandamentos, ó Magnãonimos, em vista dêstes tempos tão ruíns!
TERCEIRO DEUS - Como, WANG, como seria isQ?o?
WANG - Pedindo "benevolência", por exemplo, em vez de "amor".. .
TERCEIRO DEUS - Mas isto é ainda mais difícil, infeliz!
WANG - Ou "equidade" em lugar de "justiça"... TERCEIRO DEUS - Vai dar muito mais
t
rabalho! WANG - Ou pura e simples "decência" em vez de "honra" ...
TERCEIRO DEUS - Tudo isso há de custar muito mais, ó espírito incerto!
(Os DEUSES afastam-se fatigados.)
- 126 -
viii NA FABRICA DE FUMO DE CHUI TA (Nos barracões do senhor CHU FU, CHUI TA
instal
ou uma pequena fábrica de fumo. Atrásde um gradil, como num horrível curral, aco. cora
m-se algumas famílias, sobretudo crianças e mulheres, incluindo-se a CUNHADA, o
AVó
, e o MARCENEIRO com os filhos.)
(Pela frente surge a SENHORA IANG, acompanhada de seu filho SUN.)
SENHORA IANG (ao público) - Devo contar com o meu filho SUN, graças à austeridade
e à sa
piência do senhor CHUI TA, a quem todos estimam, deixou de ser um perdido para tor
nar-se uma pessoa útil. Como o bairro inteiro sabe, o senhor CHUI TA abriu, pert
o do matadouro, uma pequena fábrica de fumo em visível progresso. Há uns três mêces
fui fo
r?ada a ir procurá-lo, com meu filho. Recebeu-nie, depois de curta espera.
(Do interior da fábrica vem CHUI TA., em direÇao à SENHORA IANG.)
. 1e7 .
#CHU1 TA - Em que lhe posso servir, Senhora IANG?
SENHORA IANG - Senhor CHUI TA, eu desejava dar-lhe só uma palavrinha, a respeito
d
e meu filho! A policia estêv.- hoje em nossa casa, e disserara que o senhor, em no
me da senhorita CHEN TÊ, havia feito queixa dêle por quebra da promessa rnatrimonial
e
apropriação indébila de duzentos dólares de prata...
CHUI TA - É exato, Senhora IANG! SENHORA IANG - Senhor CHUI TA, P31o arnor
dos deu
ses, não poderia dar a êle uma vez mais o veredicto da misericórdia? Odinheiro está
perd
ido: em dois dias êle o dilapidou, ao ver por terra a possibilidade do emprêgo d
e aviador. P, um tratante, eu sei: chegou a vender a nossa mobília e já ia fugir par
a Pequim sem a sua velha mãe! (Põe-se a chorar.) E a senhorita CHEN TÊ, que gostava
ta
nto dêle!
CHUI TA - Que tem a me dizer, senhor IANG SUNY
SUN (taciturno) - Não tenho mais o dinheiro. . . CHUI TA - Senhora IANG, considera
ndo a fra queza que minha prima, por motivos que aliás não compreendo, já demonstrou
n
o caso do seu Ulho, estou pronto a experimentá-lo ainda uma vez! Ela me disse que
e
sperava uma reabilitação, pelo tra balho honrado; posso dar-lhe um emprêgo em raliiha
fábrica. . . Pouco a pouco, aquêles duzentos dóla.,es irão sendo abatidos no salário.
SUN - É: fábrica ou prisão?
CHUI TA - Cabe ao senhor escolher.
- 128
S1IN _ E com CHEN TÊ, não posso mais falar? CHUI TA - Não.
- E em que lugar é o meu trabalho? SUN
SENHORA IANG - Mil vêzes agradecida, senhor CHUI TA! Osenhor é infinitamente
bom,e o
s deuses hão de dar-lhe a recompensa. (A SUN) Tu te afastaste do caminho certo; ag
ora procura tornar a êle, pelo trabalho honesto, para não teres vergonha de olhar tu
a mãe nos olhos!
(SUN vai com CHUI T-4 para a fábrica. A SENHORA IANG volta à ribalta.) SENHORA
IANG
- As primeiras semanas foram árduas para SUN. Não o animava o trabalho: achava
pouca
s oportunidades para se destacar. Mas na terceira semana veio ajudá-lo um pequeno
incidente: êle -1 LIN TO, o antigo marceneiro, tinham que remover alguns fardos de
fumo...
(;gUN e o EX-MARCENEIRO vêm, com dois fardos cada.)
EX-MARCENEIRO . (ofegante, pãra e deixa-se cair sôbre um dos fardos) - Eu não
agüent
o mais! Não tenho mais idade para êsse trabalho!
SUN (igualmente sentando-se) - Por que não largas tudo, aí, de uma vez?
EX-MARCENEIRO - E vamos viver de que? Eu assim mesmo ainda tenho de colocar
as c
rianças, para a gente arranjar o necessário. Ah, se a senhorita CHEN TP, viesse! Ela
que era tão boa! SUN - Não era das piores. Se as circunstâncias não fÔssem tão más,
te
ríamos dado certo um corn
- 129 -
A
3,
76
#o outro... Quem me dera saber onde ela está! i? melhor irmos tocando: a esta hora
êle cOstuina aparecer.
(L?evantam-se, ambos.)
SUN (vendo chegar CHUI TA) - Dá aqui uum dêsses sacos, 6 aleijado! (Apanha um
fardo
de LIN TO e sai carregando, com os se".) EX-MARCENEIRO - Muito obrigado! Ali, se
ela estivesse aqui vendo que dás a mão a um pobre velho, terias com certeza a sua s
i
mpatia... Ora, se!
(Aparece CHUI TA.)
SENHORA IANG - com um simples olhar, naturalmente o senhor CHUI TA viu logo o
em
pregado que tinha, sem desamor ao trabalho... e interferiu: CHUI TA - Esperem! Q
ue aconteceu? Por que vais aí levando um saco só?
LIN TO - Hoje me sinto um pouco f atigado, senhor CHUI TA, e IANG SUN teve a gen
tileza... CHUI TA - Volta lá e pega três sacos, meu amigo!
O que IANG SUN pode f azer, tu deves poder tanibém: IANG SUN tem boa vontade, e
éo
que te falta!
SENHORA IANG (Enquanto o EX-MARCENEIRO vai buscar mais dois fardos) Êle não
disse un
ia" palavra a SUN, é claro, mas nada escapava ao senhor CHUI TA. E no sábado seguint
e, na hora do pagamento...
- 13O -
( j? colocada uma mesa? e CrIUI TA vem com -uma sacola de dinheiro. Em pé sob as v
istas do GERENTE - o antigo DESEMPREGADO
- vai pagando os salários da semana. SUN chega em frente à mesa.)
GERENTE - Iang Sun, seis dólares de prata! SUN - Queiram me desculpar, mas só
podem
ser cinco! Cinco dólares, só" (Apanha das mãos do GERENTE a fôlha de pagamento)
Verifiqu
em, por favor: aqui constam, por engano, seis dias de trabalho, porém um dia eu
tive de faltar para atender a intimação judicial, (corn dissimulação) Não quero receber o
que não me pertence, apesar de tão baixo o meu salário!
GERENTE - Pois então, cinco dólares" (A CIIUI TA) Um caso raro, senhor CHU1 TA!
CHUI TA - Como é- que constam seis dias, se foram apenas cinco?
GERENTE - De fato devo ter-me equivocado, senhor CHUI TA. (A SUN, friamente) Ist
o não acontece mais.
CHUI TA (acenando a SUN para um lado) - Há tempos tive ocasião de reparar que você
é um
tipo. forte e não?sonega a sua fôrça à Firma. Hoje estou vendo que e também um
homem honra
do. Isto acontece muito, o GERENTE enganar-se em prejuízo da Firma?
SUN - Êle fêz amizades entre os operários, e considera-se um déles.. .
CHUI TA - Compreendo. Um serviço vale outro; Você quer uma gratificação?
#SUN - Não. Mas talvez tivesse gôsto em demons, trar que sou também uma pessoa
intelig
ente. Tive alguma instrução, o senhor sabe. E o GERENTE, dá-se bem com a turma,
porém, d
espreparado como é, não sabe ver os interêsses do Patrão. Dê-me uma semana d
e experiência, senhor CHUI TA, e creio que lhe poderei mostrar que para a Emprêsa, a
minha inteligência vale mais do que a fôrça dos meus músculos.
SENHORA IANG - Foram palavras atrevidas, mas n3sse dia eu tinha falado a meu fil
ho: "SUN, afinal és um aviador, deves mostrar que, mesmo onde agora te encontras,
podes galgar as alturas! Voa, meu belo falcão!" De fato, que grandes coisas não faze
mai
nstrução e a inteligência"? Sem Z
elas, como pode alguém tornar-se um elemento de elite? A verdade é que, na fábrica
do
senhor CHUI TA, meu filho fêz maravilhas!
(SUN,,de pé, com as pernasentreabertas, aparece por trás dos operários: êles fazem
passa
r, por cima das cabeças, um cêsto de fôlhas de, fumo em bruto.)
SUN - Isso não é trabalho honesto, gente! Ocêsto precisa andar mais depressa! (A uma
c
riança) TU, também, vê se sentas no chão, para não tomar lugar! E tu, aí, podes dar
mais no
serviço de prensagem! Seus cãQs vadios, para que é o salário que vos dam
os? Mais depressa, com o cêsto! com os diabos: sente-se a um canto o Vovô e f aça os
t
rabalhinhos das crianças! Só há moleza, por aqui! Todos,
seguindo Ocompasso! (Bate palmas em cornpasso, e o cesto passa mais rápido.)
SENHORA IANG - E nenhuma hostilidade, nenhuma ofensa, que não se fêz esperar,
daquel
a gente ignorante, fêz meu filho dar atrás no cumprimento do dever.
(Um dos operários entoa a "CANÇÃO DO O1TAVO ELEFANTE"; os outros f azem côro
ao ,estribi
lho.)
CANCÃO DO OITAVO ELEFANTE
Sete elefantes tinha o "seu" Chim
e tinha também um oitavo a mais. Sete eram bravios e o outro domesticado êsse oitavo
, que bancava o capataz. Depressa, trotando!
"Seu" Chim tem um pomar para hoje mesmo derrubar e a noite vai chegar!
Sete elefantes lidando assim
? o oitavo só pr"o "seu" Chim montar, esse oitavo era malandro e bajulador, espian
do os sete, sempre a vigiar.
Depressa, cavando!
"Seu" Chim tem um pomai para hoje mesmo deriubar e a noite vai chegar 1
Sete elefantes, fartos por fim,
não queriam mais o pomar tombar:
"Seu" Chim se zangou, aos sete êle maltratou e um montão de arroz ao outro mandou
da
r.
Que é isso? Que é isso?
"Seu" Chim tem um pomar para hoje mesmo derrubar e a noite vai chegar!
#Sete elefantes, já sem marfim;
só o oitavo tinha dentes a mostrar e, com valentia, nos outros éle batia enquanto o
"seu" Chim se ria sem parar,
Depressa, cavando!
"Seu" Chim tem um pomar para hoje mesmo derrubar e a noite vai chegar!
(MUI TA, passeando displicente, a fumar um charuto, vem até a bôca da cena. IANG
SUN
também cantou, rindo, o -estribilho da terceira estrofe, e na última apressa ainda
mais o ritmo com as mãos batendo palmas.)
SENHORA IANG - Não sabíamos como agradecer ao bom do senhor CHUI TA. Quase
sem inter
ferir, porém, com energia e sapiência, fêz vir à tona tudo que d,? bom SUN trazia no fun
do. E s2m f azer promessas fabulosas, como a tal prima que tanto elogiam: si
mplesmente forçando-o a um trabalho honrado! Hoj3, passados três meses, SUN
tornou-s
e outro homem - cumpre reconhecer! Como os antigos diziam: "A alma nobre é como
um
sino: quando a gente bate, soa, quando não bate, não soa."
.134 -
1x
NA TABACARIA DE CHEN TP,
(A loja transformou-se em escritório com poltronas de couro e bons tapetes. Chove.
CHUI TA, mais gordo, despede-se do casal de tapeceiros. A senhora CHIN, diverti
da, olha; traja roupas visivelmente novas.)
CHUI TA - Lamento não poder dizer quando ela voltará.
VELHA - Recebemos hoje uma carta contendo os duzentos dólares, que lhe tínhamos
empr
estado: não dava indicação do remetente, mas só podia s,3r de CHEN TÊ. Gostaríamos
de escrev
er a ela; qual é o enderêço?
CHUI TA - Infelizmente, isso eu também não sei. VELHO - Vamos embora.
VELHA - Qualquer dia -la vai ter mesmo de voltar.
(CHUI TA inclina-se. Os velhos sáem, incertos e intranqüilos.)
SENHORA CHIN - Recuperaram o dinheiro tar-
- 135 -
" 1A
#de demais: já haviam perdido a loja, por não púderem pagar os impostos.
CHUI TA - Por que não vi3ram a mim? SENHORA CIE-lIN - Ninguém vem vê-lo por
gôsto. A pri
ncípio, como não tinham nada por escrito, êl- ficaram esperando que CHEN TÊ voltasse.
Na
hora decisiva o velho caiu com febre e a velha passava dia e noit3 à cab
eceira dêle.
CHUI TA (sente-se"mal e precisa sent?ar-s?e) - A vertigem, do novo!
SENHORA CHIN (desvelando-se em tôrno dêle)
- Está no sétimo mês. As emoções não são para você. A12gre-s- de ainda me ter aqui:
ninguém po
assar sem uma ajudazinha. Enfim, no momento extremo, eu estarei a seu lado. (Rise.)
CHUI TA (dèbilmente) - Posso contar com isso, senho-,a CI-UN?
SENHORA CHIN - Ora, se pode! Naturalmente vai custar-lhe um dinheirinho! Desabot
oe a gola: ficará melhor.
CHUI TA (miserável) - Tudo pela criança, senhora CHIN.
SENHORA CHIN - Tudo pela criança.
CHUI TA - Mas estou engordando depressa demais. Vai dar na vista.
SENHORA CI-UN - Corre por conta da sua prosperidade.
CHUI TA - E o menino? Que vai ser dêle? SENHORA CHIN - Isso você pergunta três
vêzes por
dia: vamos pô-lo numa cheche, na melhor que houver, pagando a pêso de ouro.
- 136 -
CHUI TA - É sim. WO74 mêdo) E que êle nunca t-enha que ver CHUI TA!
SENHORA CHIN - Nunca. Sempre e só CHEN T2-
CHUI TA - Mas os boatos do bairro! Oaguadeiro e a sua tagarelice! Vivem rondando
a loja! SENHORA CHIN - Enquanto o barbeiro não sabe, nada está perdido. Beba um
gol
e d"água!
(Entra SUN num bom traje e com uma pasta de homem de negócios. Vê, espantado,
CHUI T
A nos braços da senhora CHIN.)
SUN - Estou... atrapalhando ?
CHUI TA (Levanta-se com esfÔ7,ço e vai cambaleando até a porta) - Até amanhã,
senhora CHIN
!
(A senhora CHIN, calçando as luvas, sai a sorrir.)
SUN - Luvas! Desde quando, por que, como? Será que ela anda-lhe extorquindo alguma
coisa? (CHUI TA nõo resp~,e.) Ou o senhor também seria dado a... s2ntimentos te?-,^
nos? Eng.,,açado! (Tira da pasta uma fôlha de papel.) Em todo caso, nestes últimos te
mpos, o senhor não se tem portado à altura: pelo menos à sua altura! Caprichos... Inde
cisões... Está doente? Os negócios se ressentem. Olhe, mais uma carta da policia: quer
em fechar a fábrica, dizem que o máximo que podem tolerar no mesmo espaço é o
dôbro do pessoal autorizado por I.A. O
. 137 -
#senhor tem que tomar providências, senhor CHU1 TA!
(CHUI TA olha-o por um momento? com um ar distante. Depois vai ao depósito e volta
com um pacote de papel: tira de dentro um chapéu-côco, novo, e Jança-o sôbre a
escrivan
inha.)
CI4U1 TA - A Firma quer os seus representantes decentemente vestidos.
SUN - Comprou isso para mim?
CI-1U1 TA (indiferente) - Experimente, para ver s-- serve.
(SUN ` espantado, põe o chapéu. CHUI TA corrige a posiÇõO-)
SUN _ Seu criado, obrigado! Mas não tente esbqauri- var-se outra vez" Hoje pre
ciso discutir com o beiro o plano do novo empréstimo!
ndições !naCH1J1 TA - Obarbeiro quer impor coceitáveis.
SUN - Que condições? Se ao menos o senhor quisesse me dizer!
CHIU1 TA (esquivando-se) - Os barracões me servem muito bem.
S^[TN -Sim, servem para a gentinha que está trabalhando lá mas para o fumo não
servem:
estão ficando úmi`dos. Precisamos dos imóveis da senhora MI TSU, mas eu you f alar
co
m ela antes da reunião . Se os conseguirmos, podemos mandar ãs
favas todos êsses pedinchões, estropiados e creti-
- já não servem também. com umas -palmadinos .
nhas nos joelhos da senhora MI TSU, à margem de uma chávena de chã, arranjarei o
lugar
pela metade do prêço.
CHUI TA (incisivo) - Nada disso! Para manter o bom nome da Firma, quero que obse
rve a reserva funcional e a frieza pessoal de um homem de negócios.
SUN - Por que o senhor anda tão irritado? Será que o incomodam as comadrices do
bairro?
CH-M TA - Não tenho tempo para as comadrices. SUN - Então há de ser novamente a
chuva:
a chuva deixa-o sempre melancólico e irritável. Eu gostaria de saber por que!
(Voz de WANG, de fora.)
WANG (de fora)
Tenho água para vender, mas o céu não se comove: depois de eu tanto correr para
buscar
água. . . chove!
"Quem quer comprar água?" - Grito ern vão: ninguém quer comprar para, sedento e
aflito
,
corn ela se embriagar.
SUN P, êsse maldito aguadeiro: pelo jeito, êle vai recomeçar . . .
1 - 139 -
#wANG (de f ora) - Então não há mais alma boa nenhuma nesta cidade? Nem uma,
nesta praça
onde CHEN TÊ morava? Por onde andará aquela que, mesmo embaixo de chuva,
sempr?? co
mprava um copinho, mêses a f !o, com a alegria no seu coração? Agora, quem sab
e dela? Alguém viu? Alguém ouviu? Urna tarde, nesta casa ela entrou e nunca mais sai
u!
SUN - Não é melhor eu ir f-char-lhe o bico? Ora, onde está CHEN TÊ: que tem êle com
isso?
Eu desconfio, ali-ás, que o senhor só não revela para eu não vir a saber.
WANG (entrando) - Eu torno a pergunt ar, se nhor CI1U1 TA, quando é que CHEN TÊ
vem? Já se passaram seis meses que ela saiu de viagem. (CHUI TA continua em
silêncio
.) Senhor CHUI TA, já co-rrem. no bairro certos boatos de que talvez alg-iam mal s
e
tenha feito a CHEN TÊ. Nós, qu2 somos amigos , ficamos preocupados. Osenhor ten
ha a bondade de informar qual o paradeiro dela!
CI-1U1 TA - Lastimo não ter tempo agora, senhor W,,kNG. Volte para a semanal
WANG (agitado) - Também se viu que o arroz, que alguns n3cessitados vinham aqui bu
scar, voltou a amanhecer perto da porta, de uns tempos para ca.
CHUI TA - Que se conclui, daí?
WAND - Que CHEN TÊ não foi mesmo viajar! CHUI TA - E sim? ... (WANG cala-se.)
Pois
, de uma vez por tôdas, eu lhe darei a resposta: se o s2nhor é amigo de CHEN TÉ,
pergu
nte o menos possível por ela! É o meu conselho.
- 14O -
WANG - 13e1O conselho? senhor CRUI TA: pouco antes de desaparecer, CHEN TÊ
me re
velou que estava grávida.
SUN - Oque?
CHUI TÀ (rà?idO) - Mentira!
WANG (a CHUI TA, com muita gravidade) Senhor CHUI TA, não creia que os amigos
de C
HEN T£ vão desistir de procurar por ela: uma, alma boa não se esquece assim" Elas
não an
dam sobrando` (Sai.)
(CHUI TA observa-,o, estarrecido; depois vai depressa ao depósito.)
SUN (ao público) - CHE N TÊ grávida! Isto é de enlouquecer: fui tapeado" Ela deve ter
di
to logo ao primo, e êsse paílif e lia certa só pensou em despachá-la: "Arrume as malas
e
desapareça, antes que o pai da criança venha a ter conhecimento!" É positi
vamente monstruoso ` 12: desumano! Eu tenho um filho, um 1ANG desponta no horizo
nte, e que acontece? A iriãe desaparece e eu fico me esfalfando no trabalho! (Cheg
a ao auge da raiva.) Me põem de lado, com um chapéu! (Sapateia em cima do chapéu
novo.
)
Criminosol Raptorl Ladrão! E a môça pràticamen","-e indefesa" (Ouve-se um soluçar no
inter
ior do depósito, SUN aquieta-se à escuta.) Ouvi um solucar. Quem soluçou entEo? E
Tae
signifigara o arroz de novo na porta, tôda manhã? Sera que a môça está aí e
êle a mantém escondida? Senão, quem poderia soluçar lá dentro? Seria sopa no mel:
se esti
ver mesmo grávida, preciso pôr a inao em cima dela!
- 141 -
11
#(CHUI TA retorna dos fundos da loja. Vai à porta e olha através da chuva.)
SUN - Então, cadê a môça?
CHUI TA (leva a mão ao ouvido e escuta) - Um momentinho! São nove horas em ponto,
ma
s hoje não se ouve nada; a chuva está muito f orte. SUN (irônico) - E o que é que o senh
or queria ouvir?
CHUI TA - Oavião do correio. SUN - Ora, não f aça pilhéria!
CI1U1 TA - Uma vez me disseram que você gostaria de voar. Já perdeu o interêsse?
SUN - Eu não me queixo da minha situação atual, ao a isto o senhor quer s2? referir.
Não
sinto nenhum encanto pelo trabalho noturno, pode estar certo, e o avião postal só vôa
à noite. Esta fábrica, por assim dizer, tocou-me o coração: enfim é a Firma
de minha ex-futura espôsa, ainda que ela wteja viajando. Ela está, mesmo, viajando?
CHUI TA - Por que pergunta?
SUN - Talvez porque ainda não seja inteiramente alheio ao que lhe diz respeito.
"CHU1 TA - Isso podia interessar à minha primal SUN - Em todo caso, a sorte dela m
e preocupa o suficiente para eu não f echar os olhos se, por exemplo, ela se vir c
erceada em sua liberdade de ação. . .
CHUI TA - Ora, por quem? SUN - Pelo senhor!
(Pauw.)
-142 -
CHUI TA - E você, nesse caso, que faria?
SUN - Talvez reivindicasse, antes de tudo, outra posição na Firma.
CI-JUI TA - Muito bem... E se a Firma, isto é, se eu, lhe desse uma situação convenien
te, poderia ter certeza de você abandonar tÔda essa investigação?
SUN - Talvez.
CI1U1 TA - E como voce se imagina em sua nova posição na Firma?
SUN - Eu dando as ordens! Penso em pô-lo na rua, por exemplo.
CH-11JI TA - Porém se a Firma o pusesse na rua, a você e não a mim?
SUN - Então provàvelmente eu voltaria, mas não sózinho.
CHUI TA - E então... SUN - com a polícia.
CHUI TA - com a polícia. Suponhamos que a polícia não ache ninguém aqui?
SUN - Aí será de esperar que ela reviste o depósito, atrás da loja! Senhor CHUI TA, a
sa
udade que eu tenho da mulherzinha do meu coração, está chegando a um ponto
irresistive
l: sinto que preciso fazer alguma coisa para estreitá-la de novo nos braços.
(Calmo) Ela está grávida, vai ter necessidade de uma pessoa a seu lado. you falar co
m o aguadeiro! (Sai.)
(Impassível, CHUI TA o vê partir. Depois vai ràpidamente ao depósit?o dos fundos e
volta
com todosos objetos de uso pessoal de CHEN
- 143
#TÊ: peÇas de roupa, vestidos, artigos de toilete. Olha demoradamente o xale comprad
o ao casal de tapeceiros. Faz de tudo um amarrado e o esconde sob a mesa, ao ouv
ir barulho. Entram a proprietária MI T8U e o barbeiro CHU FU; cumprimentam CHUI TA
e vã
o-se desembaraçar dos guarda-chuvas e impermeáveis.)
SENHORA MI TSU - Ooutono chegou, senhor CHUI TA!
CHU FU - É uma estação melancólica. SENHORA MI TSU - E onde está o seu
encantador gerente?
É um sedutor temível! Naturalmente que por êsse lado o senhor não o pode conhec8r.
De q
ualquer modo, êle sabe combinar o encanto pessoal e os deveres profission
ais, e com isto o senhor só tem a lucrar!
CHUI TA (inclina-se) - Por favor, queiram sentar-se, à vontade!
(Sentam-se todos e começam a fumar.) CHUI TA - Meus amigos, um incidente imprevist
o, que pode trazer sérias conseqüências, obriga-me a apressar as negociações que
últimamente
venho encaminhando para o futuro da Emprêsa. Senhor CHU FU, minha fábrica ac
ha-se em dificuldades...
CITU FU - Como sempre.
CHU1 TA - Mas desta vez a polícia ameaça fechá-la a qualquer hora, se eu não puder
anunc
iar um novo plano de andamento. Senhor CHU FU, tra-
144 -
ta-se dos únicos bens de minha prima, pela qual o senhor sempre manifestou vivo in
terêsse.
CHU riU - Senhor CHUI TA, sinto profundo desprazer em conversar com o senhor sôbre
seus planos intermináveis. Proponho uma ceia com sua prima e o senhor vem falar d
e apertos financeiros; coloco às ordens da môça uns galpões para os sem-abrigo e lá v
ai o senhor instalar uma fábrica; dou
* ela um cheque em branco e é o senhor quem faz
* saque. A prima desaparece e o senhor quer cem mil dólares, a pretêxto de que meus
galpões são pequenos... E onde está sua prima, senhor CHUI TA?
CHU1 TA - Calma, senhor CHU FU! Posso dar hoje a noticia de que ela muito em bre
ve há de voltar!
CHU FU - Breve? Quando? "Muito em breve" ... ouço isso do senhor há uma porção de
semana
s! CHUI TA - Eu não estou pedindo para assinar agora: apenas lhe perguntei se tor
naria em consideração meus novos planos, no caso de minha prima voltar.
CHU r, U - E eu já lhe disse cem vêzes: com sua prima eu faço qualquer negócio, mas
com
o senhor eu não discuto mais. E parece que o senhor só quer Opor empecilhos ao meu
e
ncontra com ela! CHM TA Nenhum, a partir de agora.
CHU PU Então quando será?
CHUI TA (vagamente) Daqui a uns três mêses. C-11U PU (aborrecido) Daqui a três
mêses
terá a minha assinatura.
CHUI TA - Mas é preciso ir preparando tudo...
- 145 -
#CHU FU - Pois vá preparando, senhor CHUI TA, se está tão certo de que sua prima
vem m
esmo, desta vez!
CHUI TA - E a Senhora MI TSU, está pronta a declarar à policia que eu poderei dispor
das suas oficinas?
SENHORA MI TSU - Sem dúvida, se me ceder o seu gerente: o senhor sabe que é essa
am
inha cláusula única. (A CHU FU) Êsse môço nasceu para os negócios, e eu ando
necessitada de
um administrador.
CHUI TA - Mas a senhora há de compreender que justamente agora eu não posso abrir
mão
do senhor IANG SUN, em meio a tantas dificuldades e últimamente eu com a saúde
abala
da. Desde o comêço eu tinha a intenção de ceder, mas...
SENHORA MI TSU - Tem sempre uma "mas". CHUI TA - Bem: êle se apresentará em
seu escr
itório, amanhã!
(Pausa) CHU FU - Alegro-me de que tenha tomado essa resolução, senhor CHUI TA.
Se re
almente voltar a senhorita CHEN TÊ, não há de ser conveniente a presença dêsse
rapaz. Êle já eve sôbre ela, como nós sabemos, uma influência bastante perniciosa!
CHUI
TA (inclinando-se) - Não há dúvida. Desculpem minha longa hesitação, tão imprópria de
um home
m de negócios, quando se trata de minha prima CHEN TÉ e do senhor IANG SUN:
houve te
mpo em que essas duas pessoas eram muito ligadas.
- 146 -
SENHORA MI TS,U - Por mim, considere-se desculpado!
CHU1 TA (de olhos fixos na porta) - Meus ami-. gos é tempo de chegarmos a uma conc
lusão. Em
1ug?r desta loja, outrora pequena e sordida, onde os pobres do bairro vinham com
prar o fumo da boa CHEN TÊ, nós, os amigos dela, resolvemoe promover a instalação
de doz
e bonitas lojas, onde se,- rã vendido, doravante, o bom fumo de CHEN T£. Hoje ? o
povo me chama, e assim sou considerado,. o Rà do Fumo de Se-Tsuan. Foi, na verdade
, única e exclusivamente para o bem de minha prima que montei êste negógio: pertence
a
ela, a seus filhos, e aos filhos dos seus filhos.
(De fora sobem rumores de multidão. Entram SUN, WANG e o POLICIAL.)
POLICIAL - Senhor CHUI TA, para desgôsto meu, rumores que circulam pelo bairro obr
igam-me a tomar conhecimento de uma denúncia, aliás de pessoa da Firma, segundo
a qu
al o senhor estaria c3rceando a liberdade da sua prima CHEN TÉ. CHUI TA Não é verda
de!
POLICIAL Osenhor IANG SUN, aqui presente, declarou ter ouvido, no depósito ao fu
ndo do escritório, um soluço que só podia ser de pessoa do sexo feminino.
SENHORA MI TSU - isto é ridículo: o senhor CHU PU e eu, dois respeitáveis burgueses
de
sta cidade, cuja Palavra a polícia não poderá pôr em dúvida, tes-
- 147
#temunhamos que aqui não há soluço nenhum! Estamos tranqüilamente fumando os
nossos char
utos. POLICIAL - Infelizmente tenho ordem de inspecionar o depósito, nos fundos da
loja.
(CHUI TA abre a porta. Opolicial, inclinando-se na soleira, entra. Olha dentro d
a peça, . volta-se e sorri.)
POLICIAL - De fato, aqui não há pessoa alguma! SUN (que o seguiu de perto) - Mas eu
ouvi soluçar. (Dá com os olhos na mesa, sob a qual CHUI TA escondeu a trouxa. Corre
para W.) Isto, ainda agora não estava aqui! (Abrindo o rôlo, mostra as coisas de C
HEN TÊ.)
WANG - São as coisas de CHEN TÊ! (Corre à porta e grita para fora) As roupas dela
esta
vam escondidas!
POLICIAL (apoalerando-se das coisas) - Osenhor diz que sua prima está viajando. En
contra-se, escondida embaixo da sua mesa, uma trouxa de coisas d,,?la. E onde se
encontra a môça, senhor CHUI TA? CHUI TA Oenderêço, não sei.
POLICIAL Pois é uma pena.
GRITOS DA MULTIDÃO - Descobriram as roupas de CHEN T2! ORei do Fumo
assassinou a r
aôça e se desfez do corpo!
POLICIAL - Senhor C= TA, devo intimá-lo a acompanhar-me ao Comissariado.
- 148 - -
CHUI TA (i"linando-se ante a senhora MI TSU e o senhor CHU FU) - Peço que me perdo
em êste escândalo, colegas! Mas ainda existe um juiz em Se-Tsuan: estou certo de que
tudo, em pouco tempo, se esclarecerá.
(Sai na frente do POLICIAL.)
WANG - Foi praticado um crime pavoroso! SUN (desconcertado) - Mas ali houve um s
olu. çar...
- 149
#InterlUdio
NO ABRIGO NOTURNO DE WANG
(Música. Pela última vez os DEUSES aparecem,ao aguadeiro,em sonho. Estão
desfigurados:
são evidentes sinais de longa peregrinaçõo, profundo cansaço, e muitas experiências
más. Um
dêles traz caído o chapéu da cabeça, outro vem com uma perna numa tráp!
ola, e andam todos três descalços.)
WANG - Santíssimos, enfim apareceis! Coisas horriveis têm acontecido, na tabacaria!
CHEN Ti? viajou de novo há meses. Oprimo pôs a mão em tudo; hoje foi prêso. Dizem
que ma
tou a môça, para ficar com a loja. Nisso eu não acredito: tive um sonho em qu
e ela apareceu e me contou que o primo a deixou prêsa. Oh, Santíssimos, deveis logo
voltar para encontrá-la!
PRIMEIRO DEUS - É espantoso! Nossa investigação foi um fracasso! Achamos
pouquíssimas al
mas boas, e a essas poucas f altava uma vida digna do ser humano. Resolvemos fic
ar com a CHEN TR.
SEGUNDO DEUS - Tomara que ela seja sempre boa!
- 151 -
oil
#11
WANG - Isso ela é, com certeza; mas desapareceu i PRIMEIRO DEUS Então, tudo está
per
dido. SEGUNDO DEUS Calma!
PRIMEIRO DEUS Calma, por quê? Se ela não fôr encc,;,?,?rada perderemos o lugar!
Ah,
o mundo que nós vimos! por tôda parte, miséria, baixeza e desolação! Até a paisagem
nos dese
ncantou: árvores decapitadas pelos fios do telégrafo, e para além das mon
tanhas, nuvens de fumo e estouros de canhões, e em nenhum canto uma alma boa que
r
esista...
TERCEIRO DEUS - Ah, aguadeiro! Até parecem funestos os nossos mandamentos!
Receio
que precisem ser riscados todos os nossos preceitos. As criaturas já têm muito o que
fazer, só para agüentar a vida: pelas boas intenções chegam à beira do abismo, e já
as boas ações atiram-nas dentro dêle! (Aos dois outros DEUSES) Vocês têm de e f ar:
este m
undo é inabitável!
1: SEG?W?,,3 DEUS (uiolfflto) - Não, os homens é
1:
que nw, valem nada!
TERCEIRO DEUS - Omundo é frio demais! SEGUNDO DEUS - É porque os homens
são fracos dem
ais!
PRIMEIRO DEUS - Vamos, respeito, meus caros, respeito! Não podemos desesperar,
irmão
s! Enfim, sempre encontramos uma que era boa e que não se tornou má; está apenas
sumid
a. Vamos logo procurá-la: uma é bastante. Vocês mesmos não disseram que tudo esta
ria bem se descobríssemos ao menos uma criatura humana capaz de resistir, neste mu
ndo - uma que fôsse?
- 152 -
NA SALA DO TRIBUNAL
(Em grupos: o senhor CHU FU e a senhora MI TSU, SUN e a senhora IANG,
MARCENEIRO
, AVõ, RAPARIGA, VELHOe VELHA Senhora CHIN, POLICIAL, CUNHADA.)
VELHO Èle é muito influente.
WANG Está querendo abrir mais doze lojas. MARCENEIRO - Ora, como esperar uma
sen
tença justa, se os amigos do acusado - o barbeiro ri 11U FU e a proprietária MI TS
U - são também os amigos do Juiz?
CITINHADA - Ontem à noite foi vista a senhora CHIN trazendo um enorme pato para a
cozinha do senhor Juiz, e era da parte do senhor CHUI TA; a gordura escorria da
vasilha.
VELHO (a WANG) - A nossa pobre CHEN TÊ nunca mais será encontrada!
WANG - i% só os deuses poderiam mostrar a verdade.
POLICIAL - Silêncio! A egrégia Côrte!
- 153 -
#(Entram, em togas de ju?ízes, Os três DEUSES. Enquanto sobem o estrado em
direçõo %?,se
?s lugares, <mve-se o que êles cochicham.)
TERCEIRO DEUS - Vai dar na vista: os nossos documentos estão mal falsificados.
SEGUNDO DEUS -Também essa repentina indigestão do Juiz.. . talvez dê o que falar.
PRIM
EIRO DEUS - Não seria de espantar, se êle comeu a metade de um pato.
SENHORA CI-1IN - Os Juizes são novos! WANG - E muito bons!
(O TERCEIRO DEUS, que segue -atrás, ouve as palavras de WANG e volta-se para êle
com
um sorriso. Sentam-se os DEUSES. OPRIMEIRO DEUS bate na ~a com um martelo.
O POLICIAL, entra segurando CHUI TA, que é recebido,,,f vaias e entretanto mantém
uma atitude aTI,
POLICIAL (a CHUI TA) - Esteja pronto para uma surprêsa: quem está aí não é o Juiz
FU TSCHE
NG, mas os novos Juízes tem um ar muito suave.
(CHUI TA olha para os DEUSES e perde os sentidos.)
RAPARIGA - Que foi? ORei do Fumo desmaiou. CUNHADA - Foi sim, à vista dos novos
Ju
izes. WANG - Parece que são conhecidos dêle! Não compreendo.
-154.
PRIMEIRO DEUS (abrindo a sessão) - Osenhor é CHU TA, grande negociante de fumo?
CHUI TA (muito débil) - Sim.
PRIMEIRO DEUS - Consta contra o senhor a acusação de que fêz desaparecer sua
prima con
sangüínea, a senhorita CHEN TÊ, com o fim de apropriar-se dos negócios dela.
Reconhece-s
e culpado? CHUI TA - Não.
PRIMEIRO DEUS (compulsando os autos do processo) - Ouviremos primeiro o oficial
de polícia do bairro, sôbre a reputação do réu e a reputação da vítima.
POLICIAL (adiantando-se) - A senhorita CHEN TÊ era uma môça que gostava de se
mostrar
agradável a todo o mundo: "viver e deixar viver" como se diz. E o senhor CHUI TA,
por sua vez, é um homem de bons princípios. A generosidade da senhorita tê-lo-ia ob
rigado eventualmente a tomar providências mais severas. Não obstante, Meretíssimo,
ao
contrário da senhorita, êle sempre se manteve ao lado da Lei: certa vez desmascarou
uma súcia de ladrões que a prima havia hospedado como pessoas de absoluta confian
ça, e de outra feita impediu que no momento decisivo a senhorita CHEN TÊ levasse a c
abo um falso testemunho. Pelo que sei, o senhor CHUI TA é um cidadão respeitável e
res
peitador das Leis.
PRIMEIRO DEUS - Acham-se no recinto outras pessoas que desejem depor em favor
do
réu? (Adiantam-se o barbeiro CHU PU e a proprietdria MI TSU.)
155 -
#POLICIAL (cochichando aos DEUSES) - Êste é o senhor CHU FU, homem de muito
prestígio.
CHU FU - Osenhor CHUI TA é um dos homens de negócio mais considerados da cidade:
é vi
ce-presidente da Câmara de Comércio e provável Juiz de Paz no bairro em que mo
ra.
WANG (intrometendo-se) - Está falando em causa própria: tem negócios com êle.
POLICIAL (cochichando) - Êsse daí é um sujeitinho à toa!
SENHORA MI TSU - Na qualidade de presidente do Comitê de Beneficência, devo trazer
a
o conhecimento dêste Tribunal que o senhor CHUI TA muito em breve já poderá dispor
de
oficinas arejadas e clara,,, para os numerosos operários que trabalham em sua fáb
rica de fumo; êle também favorece, com donativos constantes, o nosso Lar dos Inválidos
.
POLICIAL (cochichando) - P, a senhora MI TSU, Intima amiga do Juiz FU TSCHENG!
PRIMEIRO DEUS - Bem, bem, e agora devemos também ouvir os que se desejem
pronu? *
r com lia pelo acusado. %a menos simpat
(Adiantam-se WANG, o MARCENEIRO, o VELHO e a VELHA da casa de tapetes, o
DESEMPR
EGADO, a CUNHADA e a RAPARIGA prostituída.)
POLICIAL - Isso é a escória do Bairro! PRIMEIRO DEUS - Bem: que sabem, em geral,
sôbre
o comportamento de CHUI TA? EXCLAMAÇõES (alternadas ` de todo o grupo) Êle, nos
a
rruinou! - Me extorquiu! - Induziu-
- 156 -
-nos ao mal! - Explora os desamparados! - Mei?-? tiu!- Iludiu! - Matou!
PRIMEIRO DEUS - Que tem o acusado a rew ponder?
CHUI TA - Meretíssimos, eu nada mais fiz do quo preservar a pura e simples existênci
a de minha prin-ia. Só vim quando havia perigo de ela perder a lojinha. Precisei v
ir tres vezes, e não quis ficar; fiquei, da última vez, por fôrça das circunstâncias.
Todo êsse tempo só tive aborrecimentos; minha prima cada vez mais benquista, e eu c
om tarefas cada vez mais espinhosas. Sou odiado por isso. CUNHADA - E és, mesmo.
Vêd
e o nosso caso, Meratíssimos! (Voltando-se para CHUI TA) Não quero falar das sacas
de fumo...
CHUI TA - E por que não? Por que não? CUNFIADA (aos DEUSES) - CHEN TÊ nos
tinha dado a
brigo, e êle mandou-nos prender!
CITUI TA - Vocês roubaram os doces!
CUNHADA - Agora faz de conta que se importava muito com os doces do padeiro! Só
qu
eria era a loja, para si!
CHUI TA - A loja não era asilo, seus egoístas! CUNHADA - Mas nós não tínhamos onde
ficar!
CHUI TA - E era gente demais!
WANG - E aquêles dois ali? (Aponta o casal VELHOS) Também eram egoístas?
VELHO - Cedemos a CHEN TÊ nossas economia& Por que nos fizeste perder a nossa
própri
a loja?. CRUI TA - Porque minha prima queria ajudar. um aviador a voar de novo:
eu tinha que arranjas dinheiro!
- 157 -
12
#WANG - Ela talvez quisesse isso. Mas a ti, o que interessava era o salário do avi
ador em Pequim! Não achavas a loja muito boa!
CHUI TA - Era caro demais o aluguel! SENHORA CHIN - Isso eu posso confirmar. CHU
I TA - Por outro lado, CHEN TÈ não entendia de negócios!
SENEORA CHIN - Isso, também. Além do mais, ela estava apaixonada pelo tal aviador.
CHUI TA - E não tinha o direito de amar? WANG - Claro que sim! Mas, então, por que
q
uiseste obrigá-la a casar-se com um homem a quem ela não amava: êsse barbeiro aí?
CHU1 TA - Ohomem que ela amava era um patife! WANG - Aquêle lá? (Aponta SUN.)
SUN (levantando-se num salto) - E por ser êle um patife, deste-lhe emprêgo no teu es
critório? CHUI TA - Para que te emendasses! Para que te emendasses!
CUNHADA - Para fazer dêle um feitor!
WANG - E depois de bem emendado, não chegaste a vendê-lo àquela ali? (Aponta a
senhora
MI TSU.) Ela trombeteou aos quatro ventos!
CHUI TA - Porque ela só queria alugar-me as oficinas se ficasse com êle a afagar-lhe
os joelhos" SENHORA MI TSU - Mentira! Não fale mais It minhas oficinas! Não tenho
nada a v-r com o sen, NO, seu assassino! (Sai murinurando ofendida.)
SUN (decidido) - Meretíssimos, eu devo dizer uma palavra a favor do acusado!
=HADA - Deves, evidentemente: és empregado dêle.
- 158 -
DESEMPREGADO - n o mais sinistro feitor, que já existiu. Inteiramente desnaturado!
SUN - Meretíssimos, o réu pode ter feito de mim o que fêz, mas não é um assassino:
alguns
minutos antes da prisão, ouvi a voz de CHEN Ti? no depósito da loja!
PRIMEIRO DEUS (ávido) - Então ela está viva,? Diga justamente o que ouviu!
SUN (triunfante) - Um soluço. Um soluço, Meretíssimo!
TERCEIRO DEUS - E pôde reconhecê-lo?
SUN - Perfeitamente. E eu não havia de conhecer a voz dela ?
CHU FU - Sim, tu a f izeste soluçar bastante. SUN - Contudo, eu soube torná-la feliz
. Depois, êle (referindo-se a CHUI TA) quis vendê-la ao senhor.
=_ TA (a SUN) - Porque tu não gostavas dela!
WANG - Não: porque estavas querendo dinheiro! CHUI TA - Mas para que, o dinheiro,
Meretíssimo? (A SUN) Tu querias que ela sacrificasse todos os amigos; já o barbeiro
lhe oferecia imóveis e recursos para ela poder ajudar aos pobres. Para que ela tiv
ess
e meios de fazer o bem, eu precisava casá-la com o barbeiro.
WANG - E por que não a deixaste fazer o bem quando foi assinado aquêle cheque? Por
q
ue mandaste os amigos de CHEN 71P,1 para o fôrno imundo da tua fábrica, hein, Rei
do
Fúmo?
CHUI TA - Isso eu fiz pela criança!
- 159 -
#LIN TO - E as minhas crianças? Que fizeste com as minhas crianças?
(CHUI TA cala-se.)
WANG - Agora não dizes nada! Os deuses deram a loja a CHEN TÊ como pequenina
fonte d
o bem; e o bem sempre ela quis fazer. mas tu. sempre aparecias para atrapalhar.
CHUI TA (fora de si) - Porque senão a fonte ia secar, imbecil!
SENHORA CHIN - 2 certo, Meretíssimos! WANG - E para que serve a fonte, se ninguém
ti
ra proveito ?
CHUI TA - Boas ações significam a falência! WANG (feroz) - E más ações significam
boa vida,
não é? Que fizeste com a boa CHEN TÉ, seu perverso? Quantas almas boas existirão,
6 Deus
es! Entretanto, ela era boa. Quando aquêle dali me arrebentou a mão, e
la queria vir testemunhar por mim. Agora testemunho eu por ela: ela era boa, eu
juro! (Ergue a mão para o juramento.) TERCEIRO DEUS - Que tens na mão, aguadeiro?
Es
tá inteiriçada.
WANG (aponta CHUI TA) - Oculpado disso é êle, só êle! CHEN TÊ queria-me dar
dinheiro para
ir ao médico, e então êle apareceu. Eras para ela o inimigo mortal!
CHUI TA - Eu era o único amigo! TODOS - Onde está a môça? CHUI TA - Foi viajar.
WANG - Para onde
- 16O.-
CHUI TA - Isso eu não digo! TODOS - E foi viajar por que?
CI-JUI TA (aos gritos) - Porque senão vocês faziam-na em pedaços!
(Faz um súbito silêncio.)
CHUI TA (afundando na cadeira) - Não posso mais! you esclarecer tudo! Se fôr evacuad
a a sala e só ficarem os Juizes, farei uma confissão. TODOS - Vai confessar! Reconhe
ceu a culpa! PRIMEIRO DEUS (batendo com -o martelo na mesa) - Que seja evacuada
a
sala!
(O POLICIAL fazevacuara sala.) SENHORA CI-UN (de saída, rindo) - A turma vai ficar
boquiaberta!
CHUI TA - Saíram? Todos? Não posso mais guardar silêncio: eu vos reconheci,
Santíssimos!
SEGUNDO DEUS - Que fizeste com a nossa alma boa de Se-Tsuan?
CHUI TA - Deixai que eu vos revele a tremenda verdade: vossa alma boa sou eu!
(CHUI TA retira a máscara e algumas peças de roupa: é CHE Y TÊ.)
SEGUNDO DEUS - CHEN TÊ!
CHEN T2 -
Sim, sou eu mesma: CHU1 TA e CHEN TÊ! Vossa recomendação, de ser boa e bem
viver, me d
ividiu em duas, como um raio.
161 -
#Nen sei bem cemo foi: ser boa para os outros e Para mim, ao mesmD tempo, eu não
p
odia.
Servir aos outros e a mim, era um esfôrço sem nome. Ah mundo pesado, o vos, (sorriso
): tanta mágoa, tanta fome! A não, que se estende a um pobre,
êle quer logo arrancar. Quem ajuda a um desgraçado acaba se desgraÇando., . Quem
é que c
onsegue, assim, Por muito tempo resi?tir a ser ruím,
se a gente tem que comer carne, para não morrer ? E de onde iria eu tirz tudo o qu
e era necessário ?
De mim, sózinha. E ca me acabava: com tanta boa intenção eu me enterrava no chão.
Quando
bancava o patife,
podia andar à vontade e me empanturrar de bife... Algo deve estar errado em vosso
mundo: por que há prèmio para a Maldade e castigo para o Bem?
A âtisia de ser bem tratada, eu tinha; e tinha também uma excusa experiênch - minha
mãe
de criação
me banhava na sarjeta, e isso me abriu a visão! Mas ver a miséria alLeia
tanto sofrer me fazia, que eu tinha ganas de lôbo: me transformava, sentia
os lábios virando fauces, e as palavras que eu dizia Por gentileza arranhavam
como cinza em minha bôca... Contudo, eu queria sero "Anjo do Subúrbio": era um pra
zer fazer o bem. Um rosto, num sorriso,
c eu estava no Paraíso! Condenai-me! Oque fiz,
eu fiz para ajudar ao semelhante
- Por amar ao meu amante
- Por querer salvar meu filho da penúria. Para os vossos grande? planos, ó Santíssimos
, eu cta bem pequenina e bem pobre criatura!
PRIMEIRO DEUS -Não digas mais nada, infeliz!
Que havemos de pensar, nós, que estávamos tão contentes por te encentrarmos de
novo?
CHEN TÊ - Mas é preciso que diga: eu sou essa alma Perversa, de quem aqui tanto fala
ram mal!
- 162 -
PRIMEIRO DEUS - Essa alma boa, de quem aqui tanto falaram bem!
CHEN TÊ - Não, a perversa!
PRIMEIRO DEUS - Oque houve foi um malentendido! Alguns fatôres adversos! Um par
de
vizinhos sem coração! Um excesso de zêlo! SEGUNDO DEUS - Mas poder.- " continuar
vive
ndo?
PRIMEIRO DEUS - Poderá muito bem: é uma pessoa robusta, bem feita, em condições
de atura
r muito.
SEGUNDO DEUS - Mas voce não ouviu o que ela dissa?
PlP,111EIRO DEUS (exaltado) - Confuso, muito confuso! Incrível, absolutamente incrív
el! Devemos admitir que os nossos mandamentos são fatais? Devemos abrir mão dos
noss
os mandamentos? (Zangado) Nunca! Omundo precisa ser reformado? Como? Por
quem? Não
: está tudo em ordem!
(Bate com o martelo na mesa, ràpida-mente, e então, a um sinal seu, faz-se música.
Esw
Ma-se uma claridade rósca.)
PRIMEIRO DEUS -
Regressemos, então! £st?- pequeno mundo nos cativou: emo sua alegria e tristeza nos
alegrou e entristeceu. Contudo, lá, de além das estrêlas, peusaremos
em ti? CHEN TÊ, alma boa, contentes por mostrares aqui, na fria escuridão,
a luz do nosso espírito numa pequena lâmpada. Adeus!
E que sejas boa!
- 163 -
#(A um novo sinal seu, abre-se o teto, de onde baixa uma nuvem côr-de-rosa: nela o
s DEUSES vão lentamente subindo.)
CHEN TÉ - Não, isso não, Santíssimos! Não vos vades embora, não me abandoneis!
Como posso en
carar os dois bons velhos, que ficaram sem loja? E o aguadeiro, com a mão quebrada
? E como defender-me do barbeiro, a quem não amo; e de SUN, a quem amo? E o
meu ventre aumentou: meu filho chega em breve e quer comer... Não posso ficar aqui
!
(Olha, acuada, para a porta, pela qual vão entrar os seus verdugos.)
1
PRIMEIRO DEUS - Podes, sim! Basta sêres boa e tudo te correrá bem!
(Entram as testemunhas, e assistem maravilhados à ascensão dos três Juízes s45bre
a nuve
m côr-de-rosa.) Ilt
WANG - Mostrai o vosso respeito: os DEUSES vieram a nós! Três dos supremos deuses
ba
ixaram
- Se-Tsuan em busca de uma alma boa. Chegaram
- encontrar uma, porém...
PRIMEIRO DEUS - Não há "porém": aí está! TODOS - CHEN TV
PRIMEIRO DEUS - Não morreu: ela estavaM%-,, nas escondida. Fica aí, com vocês,
uma alm
a CHEN TÊ - Mas eu preciso do primo!
- 164 -
PRIMEIRO DEUS - Nem sempre!
CHEN Ti? - Pelo menos uma vez por semana! PRIMEIRO DEUS - Basta uma vez por
mês! C
HEN Tn - Oh, "Santíssimos, não vos afasteis! Eu ainda não disse tudo: eu necessito de
vós!
O TRIO DOS DEUSES (sumindo na numm, cantam) :
TRIADE DOS DEUSES SUMINDO NA NUVEM
Pena não ficarmos mais
do que um momento fugaz: muito visto e examinado, perde o encanto o belo achado!
Vossos corpos jogam sombras, sombras contra a luz dourada: deveis deixar-nos ag
ora retornar ao nosso Nada,
CHEN TÊ, - Socorro!
OS DEUSES -
Deixai-nos, esta busca terminada, partir com novo af , à!
Louvada seja, seja louvada a alma boa de Setsuan!
(Enquanto CHEN T£, desesperada, estende os braços para êles, os DEUSES
desaparecem na
altura, sorrindo e acenando adeuses.)
- 165
#Epílogo [I)
(Um ATOR adianta-se e, na frente da. cortina, apresenta ao PÚNico desculpas em for
ma de Epílogo.)
O ATOR
E agora, Público amigo, não nos interprete mal! Reconhecemos que êste não serve
como fin
al: nós fazíamos idéia de uma lenda côr-de-ouro
e ela, disfarçadamente, assumiu um torn de agouro. E também ficamos tristes ao notar
, por nosso lado, os problemas em aberto e o pano-de_bôca fechado. Qualquer
sugestão
, por isso, acatamos com respeito: vocês estejam em casa e disso-tirem proveito!
Não poderíamos ter maior mágoa ao confessar
o nosso próprio fracasso, se alguém não nos ajudar; talvez nada nos ocorra, agora, de
puro mêdo ...
isso acontece. Entretanto - como acabar êste enrêdo? já batemos o bestunto e nada
acha
mos no fundo.
Se outros fôssem os homens? Ou se outro fôsse o mundo? Ou se os deuses fôssem
outros?
Ou nenhum? Como seria? Assim é que estamos mal, sem nenhuma fantasia.
Para êsse horrível impasse, a solução, no momento, talvez fôsse vocês mesmos darem
trato ao
pensamento até descobrir-se um jeito pelo qual pudesse a gente ajudar uma ali-na b
oa a atingir um fim decenv,
Querido Público, vamos! busquem sem esin,
Deve haver uma saída: deve haver, e tem que havci.
166 -
Variante do Epílogo [II)
O ATOR -
Saiba o Espectador: a capital de Setsuan,
onde ninguém poderia, sendo born, ter vida s2[, precisou ser arrasada. Hoje, não exi
ste mais. Não obstante, há por aí muitas cidades iguais onde quem pratica o bem é
comido
pelos ratos (sempre salta uma notícia dêsses criminosos fatos).
Se habitas, Espectador, uma cidade como essas
- antes que ela te devore, tens que mudá-la depressa: pois sóbre a Terra maior fel
icidade não tem
do que a gente, sendo born, poder praticar o Bem 1
- 167 -
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