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Teatralidades Contemporâneas

Silvia Fernandes

Teatro Performativo
Josette Féral
Por Aura Cunha
mestranda em
novembro de 2008

Para uma poética da performatividade: teatro performativo

Josette Féral , está disposta a definir os termos que acredita, constituem o


teatro contemporâneo. Para além da definição de Lehmann, do Teatro Pós
Dramático, Féral irá propor outra nomenclatura, que seria o Teatro
Performativo. Para tal, irá discutir os conceitos de performance e de
performatividade, dois termos que, segundo a autora, estão no coração do
funcionamento do teatro realizado hoje.

Para apresentar as bases que irão orientar seu olhar sobre este teatro
performativo, Féral irá transitar entre o conceito de performance concebido
como forma artística (performance arte) e ainda a performance tida com um
conceito operacional, instrumento teórico para a conceituação do fenômeno
teatral. Tentará, assim, identificar os conceitos que operam ao lado da
performance e os principais sentidos que recobrem esta noção e, após este
mapeamento, tentará estabelecer algumas características da Performatividade.

Féral apresenta alguns elementos fundadores da performance, que penetraram


no processo de criação do fazer teatral e que modificaram o gênero.

1- O ator que se tornou performer;

2- A ação cênica tida como evento em detrimento da representação, ou


jogo de ilusão;

3- O espetáculo centrado na imagem e na ação, mais do que no texto;

4- A busca de uma receptividade do espectador de natureza especular,


ou mesmo a um modo de percepção próprio das tecnologias.

Para autora, estes elementos inscrevem certa performatividade na cena e


estão presentes na maioria das cenas produzidas na contemporaneidade.
*Um breve retorno

Schechner, por um lado, alarga o conceito de performance para além do


domínio artístico e o inclui nos domínios da cultura. A performance recobre,
para ele, um aspecto “ étnico e intercultural, histórico e a-histórico, estético e
ritual, sociológico e político.” A performance cultural, de visão antropológica diz
respeito à maioria das manifestações culturais (esporte, festas populares, jogo,
cinema, rituais, rodeios, cerimônias religiosas.). Porém, para a outora, a a
inclusão de tantos valores imbricados, corre o risco de diluir a noção e sua
eficácia teórica.

Outro pensamento que Féral expõe para dar conta de pensar a Performance
fora do âmbito da cultura é aquele do crítico Andreas Huyssen. Sua reflexão
aborda a questão da performance no campo propriamente estético, em que
defende que foi o modernismo – e não as vanguardas históricas, o responsável
pela ruptura entre a visão elitista da arte e aquela da cultura popular e que
ainda, foi o modernismo responsável pelo afastamento da arte dos aspectos
políticos e sociais. Em seu aspecto puramente artístico, foi a performance arte,
da década de 70/80, que modificou definitivamente nossa visão de arte. Estes
aspectos levantados por Féral, nos contextualizam os domínios da
performance e as suas realizações.

Estes dois autores, Schechner e Huyssen, irão contribuir para a sua reflexão
sobre teatro performativo, na medida em que lhes dão alguns princípios e leis
que emergem destas duas visões de performance – a herança da vanguardas
e da performance artística (Huyssen) e a outra de uma visão antropológica e
intercultural (Schechner) e são a partir destes dois vértices que a autora irá
pensar o teatro hoje.

É, portanto, o cruzamento destes dois vértices – performance como arte e


performance como experiência e competência – que orienta o teatro de hoje
que tem em sua potência a diversidade de características.

*Verbos

Assim, a autora destaca três operações de vital importância para a


conceitualização de performance, segundo Schechner:

1 Ser - être – being, no sentido de se comportar;

2 Fazer – faire – doing, a atividade de tudo que existe, desde os elementos


físicos – quarks – até os seres humanos;

3 Mostrar o feito, "mostrar fazendo" – montrer le faire – showing doing (ligada à


natureza do comportamento humano). Trata-se de dar um show, aparecer,
se mostrar.

Talvez, esta tríade, pode ser pensada de modo que o "ser" estaria ligado à
presença do performer e a implicação de sua subjetividade na cena, o "fazer"
diria respeito à ação, à corporeidade, ao gesto e o "mostrar o feito" ligado à
noção de evento, a "a-presentação", o deixar-se ver em.

Estes verbos estão intrinsecamente ligados à ação, são reconhecíveis nos


processos de criação e estão presentes em todas as performances. Assim,
para a autora performar, remete à noção de performatividade e, de fato, se
pensarmos em ação cênica, em que o performer organiza, atualiza, materializa,
mostra, faz, "é", etc. esta experiência nos leva ao termo. O que está
pressuposto no termo performatividade é a “execução de uma ação”. Esta é a
primeira consideração que Féral nos coloca para pensarmos o termo teatro
performativo.

No Teatro Performativo a noção de ação está colocada antes mesmo da noção


de representação. Ainda que o teatro esteja intimamente ligado à
representação de um sentido, de um espetáculo, onde sempre procuramos
uma história, uma ficção, uma narração. De todo modo, segundo Féral, quando
Schechner menciona sobre a importância da execução de uma ação, na noção
de performar, ele toca no "ponto nevrálgico de toda perfomance cênica", isto é,
o “fazer”. Certamente este verbo está implícito em toda realização cênica,
porém, no teatro performativo o “fazer” vem em primeiro lugar e é este "fazer" o
aspecto fundamental que se opera na performance.

Este “fazer” está intimamente ligado ao desenvolvimento de ações por parte


dos performers que podem cantar, dançar, falar, incorporar personagens para
em seguida os deixar. É o corpo do performer que está em jogo e também suas
habilidades. O espectador se deixa levar pelas imagens disponíveis ao seu
olhar. É a corporeidade do ator que exige o olhar do espectador. E sem se
preocupar em procurar o significado da imagem, o espectador se deixa levar
por esta performatividade em ação. Féral defende que neste espaço o
espectador performa. É, portanto a performatividade do ator que está em
primeiro plano e é justamente esta performatividade o que veicula a
possibilidade de sentidos que vão sendo gerado ao longo das paisagens:
objetos, imagens, corpos, personagens, cantos e etc.

O que está em prática na exploração do corpo do ator é o estar em presença, o


ser, explorando ao máximo em suas pulsões, delírios e inoperâncias. Aqui, a
fratura, a alienação, o jogo de entrar e sair do “papel” força uma relação de
ruptura, de fragmentação que explora outras percepções do espectador. Não
são nem os atores, eles com seus gestos cotidianos, nem a máscara do
personagem que é dado a ver. O que está em jogo é conjugação de formas,
movimentos, expressões que pode ser dado a ver como algo que não é nem
ele nem um outro (personagem), nem alguma coisa.

Outra consideração a respeito da nação de performance é o fato de que elas


não são nem verdadeiras nem falsas, elas simplesmente “acontecem”. Esta é
a noção ligada ao evento, que é uma característica fundamental da
performance. Este termo indica no âmbito do teatro o processo explorado em
cena. Isto amplifica o caráter lúdico dos eventos, bem como o aspecto lúdico
daqueles que participam do evento (atores, objetos, máquinas...). Neste
sentido há um risco real do performer.
Neste caso, destaco que a noção de risco no teatro performativo está para
além daquela explorada nas performances artísticas da década de 60/70. O
risco diz respeito ao jogo, às variações, ao desequilíbrio que o próprio
performer se coloca no momento do evento. A competência que o ator lida com
os acontecimentos que ocorrem à sua volta, no presente instante da cena.
Segundo Derrida, um fator importante em uma obra performativa diz respeito
ao fracasso e ao sucesso. Isto é, uma obra performativa pode não atingir seu
objetivo, pode não ser efetiva. É a sua eficácia que está o centro da questão,
assim, o valor de “risco” e “fracasso” se tornam constitutivos da performance.
Por isso, a autora insiste na questão do evento como uma característica
fundamental da performance, portanto, é, ao longo do evento, que se pode
observar o valor de risco e seu possível fracasso, e não no objetivo final da
obra. Aqui, opera-se uma mis en scène própria de um teatro que deseja, não
mais o resultado e a eficácia, mas sim a turbulência, o risco, a realidade
operando em cena, para um novo contrato com o público.

*O centro nevrálgico

Destaca-se aqui dois pontos centrais para pensar a performance. De um lado,


a noção de evento e, por outro lado, as ações que o performer executa. A
performance, portanto, tem lugar no real e ainda salienta esta mesma realidade
em que está inscrita em sua própria desconstrução, ao jogar com os códigos e
as competências do espectador. Esta desconstrução se dá através do jogo
com os signos, ao torná-los instáveis, fluidos, exige do espectador uma
adaptação constante, ao migrar de uma marca a outra de um sistema de
representação a outro. Deste modo, inscreve-se na cena o aspecto lúdico que
lhe permite escapar da representação mimética. De fato, esta desorientação
que capta o olhar do espectador, que o exige uma relação ativa com a obra, no
jogo com os signos, com os sentidos suspensos, com a imaginação turbulenta.
Neste caso, o deslocamento de afeto, a disjunção, a tensão que se cria entre
artista e espectador parecem determinar as bases para uma performatividade.

Se a performance tangencia a questão do sujeito e da subjetividade expressa


ademais na obra, este teatro que se apropria das leis da performance parece
ter raízes naqueles que prezavam o trabalho do ator, o seu desempenho, na
exploração de seu corpo, de seus gestos, de suas experiências. Segundo
Féral, o performer frustra o sentido único, a singularidade de uma visão e
pretende a pluralidade, a ambigüidade, a mudança dos signos na cena. Este
teatro persegue a fragmentação, o paradoxo, a superposição de significados, a
colagem, a intertextualidade. Os signos presentes numa representação não
são decifráveis por uma relação com um referente preexistente, e sim nas
relações entre os elementos da cena. Performatividade no sentido de Derrida
seria a “disseminação para além do horizonte da unidade do sentido.” A
escritura cênica, portanto não é mais hierárquica, ela é desconstruída e
caótica, ela introduz o evento e reconhece o risco. Assim, é o processo, mais
que o produto, que apresenta em cena o teatro performativo.

Outro aspecto que está em jogo no teatro performativo é a inter-relação que


liga o performer aos objetos e ao outros corpos.
O performer não visa a construção de signos cujo significado está dado, mas
sim instala significados ambíguos, deslocamento de códigos, deslizamento de
sentidos. Ele joga com os sinais, transforma-os, dá-lhes outros significados.

Féral, aqui coloca em jogo o problema da referencialidade numa obra


performativa, ou seja, a ausência de um referente em um "evento puro", e mais
uma vez lança mão de Derrida: "O Performativo não não tem um referente […]
fora dele, antes dele, ou diante dele. Ele não descreve algo que existe fora da
linguagem, ou antes, dela. Ele produz ou transforma uma situação, ele opera."

Deste modo, o ato performativo, se afasta da teatralidade na medida em que


esta cria sistemas, significados e nos remete à memória. Isto é, se por um lado
a teatralidade é ligada ao teatro, à estrutura narrativa, à ficção, à ilusão cênica
e se distancia do real, por outro lado a performatividade (e o teatro
performativo) enfatiza o aspecto lúdico do discurso sobre suas múltiplas formas
(visual ou verbal: seja do performer, do texto das imagens, dos objetos). E
Féral completa com uma questão: é possível escapar de qualquer
referencialidade e, portanto, da representação?

Uma outra força que se opera no centro da obra performativa é o compromisso


total do artista, que coloca em cena todo seu empenho e esforço na realização
de sua ação. É justamente este empenho que caracteriza sua atitude cênica.
Não é uma intensidade energética do corpo, mas um investimento de si para si
enquanto artista. Evoca-se a vivacida do performer, uma presença tão potente
que pode ser compreendida como um perigo real e um gosto ao risco.

Para além dos personagens evocados, o performer impõe um diálogo com o


corpo, com os gestos e toca na densidade da matéria que pode ser próprio
performer ou mesmo as "máquinas" performativas: vídeos, instalações, cinema,
arte virtual.

*Ponto por ponto

1. Qualquer generalização da prática é em si indesejável. O panorama teatral é


diversificado. As práticas de hoje não são uniformes nem únicas. Têm-se todo
tipo de filiação - a do texto, da imagem, do formalismo das artes visuais, e da
interpretação - e nem sempre é fácil distinguir as influências e as rupturas. Por
isso, é necessário aproximar-se da realidade da prática, e oferecer, acima de
tudo, a caleidoscópica variedade de formas e estéticas.

2. Há uma linha divisória entre as duas visões de teatro, uma que rompeu com
a tradição e se na inspira na performance, e outra que mantém uma visão mais
tradicional do teatro. A primeiro é mais livre e inventa os parâmetros que nos
permite pensá-la e a segunda mantém-se dependente do texto e da fala,
mesmo que estes não constituem necessariamente seu motor de ação.

3. A arte da performance influenciou diversas práticas performativas atuais,


inclusive o teatro Um das principais características deste teatro é que ele
coloca em jogo os procedimentos, o processo aqui é mais importante do que o
produto final. É, portanto, o desenvolvimento da ação e a experiência que ela
propicia ao espectador que importam muito mais do que o resultado final.
4. A diferença entre duas abordagens: por um lado tem-se o conceito de
"performance" no sentido antropológico, multicultural e multidisciplinar
(Schechner), que abarcam a imensidão do real e o que faz com que a obra
artística perca suas especificidades. Por outro lado a performance art que
mantém sua força como prática artística.

5. No teatro performativo, o ator é "convidado" a "fazer" (doing), a "estar


presente" e assumir riscos e a montrer le faire ("mostrar fazendo", showing the
doing), e assim, afirmar a performatividade do processo. A atenção do
espectador está centrada na execução do gesto, na criação das formas, na
diluição dos sinais e na sua permanente reconstrução. É a estética da
presença colocada em jogo.

6. Nesta forma artística, que constitui a performance no âmbito antropológico, o


teatro pretende ser evento, aderindo ao presente, ainda que este evento não
seja alcançado. A cena só existe em sua lógica interna que lhe dá sentido,
muitas vezes, libertando-a de qualquer dependência externa de uma mimese
precisa, de uma narrativa construída de forma linear. O teatro toma distância
da representação.

E Féral finaliza com uma questão, no mínimo embaraçosa: Ao se afastar da


representação o teatro estaria também se afastando da teatralidade?

*Entre a máscara e a pulsão

O teatro performativo parece evocar um teatro de pulsão, da morte, da


mutilação dos corpos, um teatro não representacional. E ainda, o
distanciamento da representação, a fragmentação, a disjunção, o “parcelar”, a
multiplicidade e a hibridação das fronteiras. Para além, coloca-se ainda a
questão do sujeito, a sua expressão e o forte impacto de sua subjetividade –
eis que entramos no domínio do performer, onde as ações são extraídas de
suas experiências. O que se apresenta em um teatro performativo, não é mais
a máscara do personagem, o sentimento, a emoção, mas sim as ações
providas de textura, de imagem, de paisagem, que o corpo potencializa.

Por um lado teríamos a imaginação (imagem paisagem) operando na criação e


organização de materiais, impulso e estímulos no decorrer do processo criativo,
e por outro, a corporeidade materializando e tornando concreto essa vasta
paisagem, ao mesmo tempo que, se dá a ver como imagem, paisagem e
textura.

Acredito que estes pontos seriam dois extremos de uma escala para criação,
onde podem operar ao mesmo tempo, ou mesmo de forma autônoma, a pulsão
– própria da performance, e a máscara – própria ao teatro.

Deste modo, acredito que no teatro performativo, o que se opera é o tempo, o


espaço, o performer, seu corpo e a relação destes com o público. Mas, há uma
centralidade, um núcleo – sem pensar de forma hierárquica ou mesmo
essencialista – do corpo do ator que se opera como paisagem, imagem,
pulsão, textura, índice, e que mantém sua criação organizada, por vezes
simbolizada, que pode ser operada por uma pseudo-máscara, ou ainda, com a
própria máscara de ser ator, ou simplesmente dar-se a ver ao público que lhe
dará identidade, que colocará nele uma máscara.

Se no coração do teatro performativo está a performance e a performatividade,


pressupõe-se, ainda, um teatro, que tem como base processual e em seu
procedimentos, heranças e influência da arte da performance, no entanto,
continuamos a falar de teatro enquanto linguagem e uso de procedimentos, em
que os signos, mesmo que suspensos, fragmentados estão diante de um
público que deseja, vorazmente, representá-lo. Acredito,assim, que a
teatralidade ainda esteja impressa neste teatro performativo.

As possibilidades que se alternam no teatro performativo me apresentam as


bases para pensar neste “ator oblíquo”, que pretende se colocar entre a pulsão
e máscara, entre o jogo e o sistema codificado, no deslizamento da escala
representacional, de um ator que se revela enquanto corporeidade e imagem,
como fluxo em um evento. Mesmo no uso da máscara este ator oblíquo lança
mão de suas pulsões, tem uma organização codificada, se permite ao risco, na
possibilidade de fracassar ou ter eficácia, que se joga em cena em
desequilíbrio constante. Ele se presta ao fazer sendo ele, outro, algum além, ou
mesmo um traço, uma linha, um esboço, que lida com a força do jogo. Onde a
subjetividade do ator está implicada no processo de criação, mas também no
evento, como um corpo, uma matéria subjetiva.

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