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Fernando estava olhando pela janela, como sempre fazia antes de dormir.

Sua intuição sempre


o levava para aquela parte da casa, onde tudo por um minuto valia a pena. E olhando a Lua, e
o céu estrelado ele esqueceu de seus problemas no trabalho, esqueceu de mais um teste
negativo da sua esposa depois de muitas tentativas de ter um filho e esqueceu da sua coluna
latejando depois de ter adormecido na poltrona horas antes.

Ele marcou aquela imagem maravilhosa na sua memória enquanto lentamente ia fechando a
janela, e os pensamentos só viam naquela Lua, como era especial. Era atraente, como se o
convidasse para um chá, e te prometesse a felicidade eterna.

Fernando se deitou ao lado de sua mulher, que dormia inocentemente e não percebeu sua
presença. Fechou os olhos, e estava com tanto sono que se distraiu em seus pensamentos e
caiu no sono...

Seus olhos se abriram com uma irradiação repentina, e uma luz branca extremamente forte.
Fernando tentava entender como em poucos minutos estava em um lugar completamente
diferente da sua cama, ele conseguia enxergar apenas luz, e que por mais que fosse
extremamente forte, seus olhos não ardiam. Era como se já estivesse se familiarizado com
aquela luz e que ela significasse algo bom. Seu coração palpitava suave, ele estava tranquilo
com tudo aquilo que era estranho para ele.

Até que ela lhe apareceu, em forma de mulher. Sua pele era prateada, e seus cabelos
cacheados caiam em seus ombros, seus olhos castanhos e reconfortantes chamavam atenção.
Era ela então a moça mais bela que ele já tinha visto, mas na mente de Fernando não percorria
nada libidinoso, não havia desejo ou luxuria por aquela mulher. Por mais que ela fosse
encantadoramente perfeita, ele só sentia... paz.

- Venha comigo - ela disse docemente. Sua voz era como uma linda música em seus ouvidos.

- Qual é o seu nome? - disse ele tão baixo que se surpreendeu por ela ter ouvido.

- Ora Fernando, sou eu quem você procura.

Ela só disse isso, e virou-se.

Fernando institivamente a seguiu, ela adentrou naquela luz forte, e desapareceu. O rapaz fez o
mesmo até que enxergou o que estava além de tudo aquilo que ele havia visto inicialmente.

Se a beleza daquela mulher o impressionou, aquilo que viu o deixou sem palavras.

A mulher acendeu, como se fosse uma luminária muito potente. E sua luz revelou uma
belíssima cachoeira com pedras ao seu redor, árvores dançando por conta de uma brisa
levemente fria. Damas-da-noite desabrochadas cobriam a margem da água, e seu perfume
invadiam o nariz de Fernando, junto com o cheiro da água nas pedras. As estrelas
despencavam no céu como se fossem próximas, e borboletas brancas vagavam pela linda
natureza. A noite era muito alta, e tudo estaria completamente escuro se não fosse por... ela.

Ele se virou apenas para vê-la, olhando para ele e sorrindo apaixonadamente.

- Não tenha medo - ela disse.

- Não estou com medo.

Ela não disse mais nada, apenas continuou caminhando até chegar em uma pedra
extremamente grande, e se sentar. Ela gesticulou graciosamente para que ele se sentasse do
seu lado, e ele obedeceu, mas não foi como se ela o tivesse imposto algo, ele queria se sentar
ao seu lado, ele queria estar perto o bastante daquela mulher. Ao se sentar, ela se aproximou
dele e o encarou nos olhos, como se pudesse lê-los de alguma maneira, ele não se sentiu
desconfortável, apenas retribuiu o gesto a encarando também.

Os olhos delas castanhos eram profundos e delicados, como se tivesse sido pintado
cautelosamente, pixel por pixel. Até se formar um belíssimo mosaico, da cor de uma avelã. E
sua pele, literalmente brilhando, deixava seu rosto mais projetado. E ele só conseguia pensar
em como ela era linda e em como ele se sentia estranhamente à vontade ao lado de uma
mulher que irradiava luz e de olhos bem castanhos.

- Espero que não tenha te assustado, com... tudo isso - cantarolou ela.

Ele nem conseguiu mover um músculo, e não conseguiu formar nenhuma frase. Apenas
continuou a admirando.

- Isso tudo é seu, cada centímetro, desde as sementes até os peixes que correm na cachoeira.

- Não estou interessado na paisagem, não na paisagem.

Ela sorriu.

- Não percebeu quem sou eu ainda?

- Eu deveria?

- Fernando - a segunda vez que ela dizia o nome dele em voz alta, e seu coração palpitava -
você me chamou, me estranha você não ter percebido ainda.

- E como eu exatamente a chamei?

- Como todos os outros homens de bem chamam, por aqui - ela tocou em seu peito esquerdo,
no seu coração - você precisa de uma esperança, esperança de que tudo vai dar certo, e por
isso estou aqui.

- Você veio me dar esperanças?

- Só você pode se dar esperanças.

Ele acenou com a cabeça, confuso.

- Veja - ela revelou uma belíssima rosa branca que brotava da palma de sua mão, porém a rosa
ainda se encontrava fechada - o que espera dela?

Ele pensou por um tempo.

- Que ela desabroche e se torne mais linda do que já é.

A flor se mexeu sozinha, e foi se encolhendo até ficar menor que um botão. Virou uma
semente. Ela estendeu a mão para ele e lhe entregou a semente.

- Pode esperar isso, mas nada pode garantir que isso realmente acontecerá. Mesmo que cuide
com o maior zelo, a deixe em uma sombra fresca ou a regue todos os dias, nada pode fazer
para que ela com certeza desabroche como quer. A única coisa que pode ter é esperança.

Ele ficou em silêncio, sem saber o que dizer.


Ela se levantou e andou até a água, olhou para ele e entrou na cachoeira. Fernando pode
sentir seus pelos arrepiando-se, como se pudesse sentir o frio da água que a moça estava
tocando. Ele desejou ter coragem o suficiente para entrar também, mas não conseguiu sair de
onde estava. Então ela apenas a observou, se divertindo sozinha na cachoeira, nadando,
pulando e jogando água para os lados. Ela gargalhava autenticamente, e pulava para todos
lados, e continuava iluminando o mundo onde estavam.

Ele ficou feliz por vê-la feliz, e então relaxou em paz. Não desejou ir experimentar a água que
deixava a mulher tão contente, apenas se conformou de que aquele era o lugar em que ela
deveria estar e não ele.

Ela continuou em sua completa diversão. Até que parou e olhou longe, além dele. O rapaz
tentou procurar para o lugar onde ela estava olhando, mas não encontrou nada singular o
suficiente para tirar atenção da moça. Ela continuava olhando, não com medo ou raiva, mas
apenas com curiosidade. Ela apontou para uma direção, e Fernando virou o rosto para onde
ela o encaminhou, e de novo, não viu nada demais.

A mulher saiu da água, coberta por uma túnica branca que ele não conseguia lembrar se ela
usava antes de se banhar. Mas não perdeu muito tempo pensando nisso, apenas a admirou,
seu cabelo molhado dava outro ar para a sua beleza. Ela estava diferente, mas ainda assim,
continuava bela. Ela estendeu o braço para ele, e então segurou sua mão.

Seu toque era diferente de tudo que já havia sentido antes, e mesmo por ser diferente, era
único. Ela era única.

A moça, mais descontraída então, passou a falar. Contou inúmeras histórias, de guerreiros e
princesas, de invernos e primaveras, de danças e heróis. Cantou, dançou e lhe mostrou cada
planta que havia por lá. Colheu pedras das margens dos rios, colheu frutos das árvores mais
próximas, colheu flores e se deliciou com tudo que a natureza a ofereceu. E Fernando, apenas
a acompanhava, comentando sobre suas histórias e rindo de suas excentricidades.

Ele a amava, não conseguia dizer o porquê desse sentimento, mas sentia. Ele a achava
interessantíssima, e ela não cobrava nada dele a não ser a sua presença. Ela respeitava o seu
espaço, mas ainda sim estava aberta para sua participação, ela dançava com ele, mas quando
ele se descontentava por ter perdido um passo, ela se sentava e logo arrumava outra coisa
para os dois fazerem. Ela sugeria atividades, mas sempre perguntava o que ele achava. Ela
intercalava as perguntas idiotas das perguntas sérias. Ela dava boas lições, mas também o
olhava como sua aprendiz. Ela tagarelava falando pouco, divertia-se entediada, e lembrava-se
esquecendo-se. Ela era o tudo, mas também é o nada.

Ela ainda era o tudo, mesmo no nada.

Porque a luz dela, tocava em todo canto por onde estavam, mas os corpos não mudavam.
Continuavam o mesmo, com ou sem luz. A pedra ainda era uma pedra, a água ainda era uma
água, a grama molhada ainda era uma grama molhada. Mas algo era diferente, todas as coisas
que eram iluminadas por aquela bela moça eram mais vívidas, eram ardentes, eram
iluminadas.

Como se a simples existência daquela mulher transformassem os ordinários objetos em seres


iluminados e agraciados por sua presença. Todos, inclusive ele.
E naquele momento em que ele se deu conta que também foi iluminado, ele agradeceu para
quem quer que estivesse lhe ouvindo. Agradeceu por aquela mulher existir, e por terem se
cruzado.

Por fim, eles deitaram na grama molhada e contemplaram as estrelas, exaustos. Suas
respirações estavam conectadas, como se fossem um só, mesmo sendo dois. Mesmo ela
reluzindo, e levando o extraordinário por onde ela passasse e ele sendo um prosaico rapaz. Até
que ele foi interrompido por uma luz clara.

A luz não saia da moça, e sim do céu. Onde as estrelas desapareciam lentamente conforme ia
ficando mais claro.

Ele voltou a olhar para a moça, onde para ele foi doloroso a ponto de machucá-lo. A linda
mulher estava perdendo seu brilho, estava perdendo a sua luz, que outrora era essencial para
que não houvesse o breu naquele mundo que estavam. Ela não disse nada, nem demonstrou
tristeza, nem raiva. Pelo contrário, ela sorria. Sorria quando estava virando apenas mais uma
naquele cenário exuberante. Até que ainda sorrindo ela cochichou para ele.

- Está na hora de ir.

Ele apenas aceitou. E continuou a encarando.

Ela perdeu todo o seu brilho, e manteve a sua aparência normal, como se fosse apenas mais
uma mulher que pudesse conhecer em um parque ou por uma cafeteria, que tinha apenas
uma beleza marcante. Porém, Fernando refutou a si mesmo. Não havia condições de ela ser
apenas uma mulher, qualquer mulher. Ela era Ela. Não importava o brilho, ou a pele cor de
prata, ela ainda permanecia sendo a mesma pessoa, especial e única, e não importasse
quantas pessoas brilhantes existissem, ela ainda seria Ela, não importava quantas estrelas
brilhassem no céu, ela ainda seria sua... Lua.

Como se sentisse sua descoberta, ela sorriu para ele, como se estivesse contado uma piada e
depois esperado ele entender para poder rir. E ele riu.

Ela não se despediu. Não o abraçou, nem acenou, nem beijou. Não deixou bilhetes, nem
pedras, nem sementes, nem presentes.

Tudo ficou branco novamente.

E Fernando abriu os olhos com o sol queimando o seu rosto. Demorou um tempo para se
acostumar com esse outro tipo de luz. Um cheiro de comida invadia o quarto, e ele conseguia
ouvir o barulho de sua mulher na cozinha, preparando algo, ele presumiu. Ele se sentou e
tentou absorver tudo que ele acabara de presenciar. A paisagem, as conversas, os frutos. A
Lua.

E então ele ousou olhar na janela mais uma vez. Ela não estava lá.

Mas ele não fez careta, nem se aborreceu. Ele tinha esperança que a veria de novo.

Quando a noite caísse.

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