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Narrador Point of View.

O céu estava em um tom cinza semelhante ao tom de uma pérola suja ainda dentro da boca
de uma ostra afundada no fundo do oceano, mas Jungeun tinha a plena certeza que tal
ostra não compartilhava da mesma a agonia e angústia daquele fim de dia acinzentado.

Por todo o percurso que fez até chegar próximo dos arredores de sua casa parece que a
cada quilômetro que se passava as nuvens iam se tornando mais densas, o pôr do sol já
não era mais perceptível, muito menos os diversos tons de laranja que banhava o céu;
agora tudo era um pouco triste e carregado.

Choveria logo, mas não uma chuvinha qualquer, cairia uma tempestade e Jungeun adoraria
que continuasse assim por toda a madrugada.

Gostava da chuva, da forma como se sentia com ela.

Olhou para o céu mais uma vez e deixou um suspiro longo escapar, queria acalmar-se,
tranquilizar seus nervos que pareciam estar à flor da pele, e o céu parecia sempre lhe dar
as melhores alternativas.

Vez ou outra sempre acabava se encontrando na varanda de sua casa o admirando.

O céu é como a vida. Há dias e noites, às vezes somos obrigados a conviver com chuvas
que podem ser chuviscos ou até tempestades, que Jungeun gosta de chamar de altos e
baixos. As estrelas são visíveis à noite, mas elas estão lá durante o dia. Jungeun gostava
de pensar que às vezes algumas coisas entram em nossas vidas e não conseguimos
vê-las, percebê-las ou entendê-las, até que a noite caia.

Ou até que o momento certo chegue.

Estacionou seu carro logo atrás da BMW branca muito conhecida por ela e mais uma vez
respirou fundo.

Parece que esse dia não acabaria tão cedo.

Pegou o quadro no seu banco de trás e saiu se pondo a andar até a porta, mas o que
encontrou lá fora um tanto surpreendente, já que não estava esperando alguém além de
seu namorado.

- Haseul? - Indagou com uma das sobrancelhas erguidas, se aproximando da mulher, essa
que fez questão de levantar-se do batente para lhe cumprimentar. - O quê faz aqui?

Sorriu para o namorado, esse que foi ágil o suficiente pegando o quadro de suas mãos, a
deixando livre de qualquer coisa.

- Boa tarde, Jungeun. - Faltava poucos minutos para a parte acabar e Jungeun ainda não
havia achado algo de "bom" nela. - Teria um tempinho? É de suma importância.
Olhou a garota de cima a baixo, o distintivo pendurado em seu pescoço como se aquilo
fosse a proteger do mundo, os cabelos bem alinhados batendo no ombro, a roupa social e o
sobretudo casavam bem com o semblante cansado de seu rosto. Tinha a teoria de que
todos que se vestem tão formais têm suas almas roubadas pelo capitalismo e com certeza
não dormem mais que três horas por dia.

Entretanto, acima de tudo isso, de suas roupas ou de seu semblante cansado, algo a mais
chamou atenção de Jungeun: A caixa acinzentada que Jo Haseul segurava.

- Claro, vamos entrar. - Respondeu começando a procurar por suas chaves.

Um trovão ressoou e um clarão se fez presente segundos depois; a tempestade estava se


aproximando.

- Blusa nova? - A voz grave de seu namorado se fez presente assim que Jungeun
destrancou a porta e seu espaço para que ambos entrassem. - Não parece seu estilo.

- É porque não é. - Respondeu olhando para o pólo azul escuro que usava. - Mas aposto
que continuo linda.

Jeno sorriu da forma mais encantadora, seus olhos brilhando enquanto admirava Jungeun
de cima a baixo; A adoração estampada naquelas olhos pequenos sempre trazia um
conforto ao peito da loira.

- Tenho que concordar, acho que é impossível algo não ficar bonito em você. - Jungeun
sorriu pequeno quando os braços fortes enlaçaram sua cintura.

- Temos visita. - Deu pequenas batidas em seus ombros. - Se controle.

Jeno tinha ombros largos e um corpo invejável; Jungeun gostava disso, mas era um pouco
superficial demais. Todo seu relacionamento com o rapaz era um tanto superficial, mas
ainda sim, gostava verdadeiramente dele.

Claro, assim como todos, Lee Jeno também tinha seus defeitos, mas era compreensível,
cuidadoso e sabia a hora de parar. Conhecia as limitações de Jungeun e as respeitava. Ele
seguia as regras impostas como um cachorrinho bem adestrado e Jungeun adorava isso
nele, talvez fosse uma de suas principais qualidades.

- Okay, temos visita. - Murmurou baixo lhe mostrando um sorriso conformado, selando seus
lábios rapidamente com os de Jungeun para então soltá-la de vez. - Querem whisky ou
café?

Ofereceu retirando os sapatos e começando a andar pela casa.

Era engraçado ver como o rapaz se sentia mais confortável naquela casa do que a própria
dona dela. Jungeun adorava ali, mas também sentia a solidão que emanava dela, solidão
essa que não era bem vinda. Odiava a sensação de vazio e aquela casa parecia estar sem
vida e vazia igual sua dona.
- Café. - Respondeu Haseul. - Ainda estou no meu horário de trabalho.

- Ótimo, então vou preparar. - Sorriu. - Um minuto.

O garoto parecia animado para fazer algo tão simples, tanto que seus passos foram até
mais apressados.

Jungeun riu da forma como seu namorado muitas vezes parecia uma criança hiperativa.

Se aproximou gesticulando para que Haseul se abancasse no sofá e assim ela fez, tendo
Jungeun sentando ao seu lado.

- Ele é fofo.

Jungeun sorriu concordando.

- Eu sei, é o charme especial dele. - Deu se ombro olhando para o rapaz concentrado em
procurar algo na cozinha. - O café tá na prateleira de cima!

O garoto olhou para elas como um cachorrinho atento e foi inevitável para Haseul não rir do
rapaz. Jeno tinha uma aparência bastante polida com sua postura imponente e suas
expressões geralmente sérias, mas no fim aquilo tudo era só uma máscara, o garoto era
bastante simpático e bem carinhoso.

Haseul se questionava como ele e Jungeun davam certo, a loira não parecia gostar desse
tipo de pessoa: Pessoas grudentas. E Jeno parecia ser exatamente assim.

- Me fale, com o que posso ajudar? - Jungeun sorriu simpática chamando a atenção de
Haseul de volta para si.

Em partes se sentia péssima por até mesmo uma atitude tão simplista como sorrir ser falso
e demasiadamente forçado. Jungeun não queria sorrir, não queria estar conversando com
nenhuma daquelas pessoas. Ela só queria voltar um pouco no tempo e impedir a si mesma
de subir até o apartamento da morena, talvez assim a visão daquela garota a beijando não
ficasse rodando sua mente como se fosse a porra de um mosquito incômodo fazendo
barulhos irritantes em seu ouvido.

- Ah, sim... - Haseul ajeitou-se no sofá. - Obrigada, Jeno.

Pegou a xícara verde lima que estava quase a transbordar com o líquido escuro e quente
dentro dele.

Jungeun respirou fundo sentindo o cheiro de café passado; gostava do cheiro.

- Disponha. - Sorriu entregando a outra xícara para a loira, se aproveitando para deixando
um beijo no topo de sua cabeça e então se sentar na poltrona de couro ao lado. - Deseja
privacidade?
- Não, não, de forma alguma. - Haseul negou gesticulando. - Só preciso que Jungeun dê
uma olhada nisso aqui... - Deixou a xícara na pequena mesinha de vidro, pegando de volta
a caixa e a abrindo. - Preciso saber mais ou menos que horas elas foram colhidas.
Principalmente essa vermelha.

Jungeun olhou com atenção ambas as flores.

Era uma narciso já um tanto murcha e um lírio aranha vermelho bem menos deteriorado,
mas um pouco amassado possivelmente por todo o impacto, contudo ainda estava bonito;
vivido.

- Exatidão? - Pareceu pensativa, pegando a caixa das mãos de Haseul. Estava nítido o
cuidado que tiveram. - Horario exato da colheita é um pouco complicado de se ter, mas
posso tentar um aproximado. - Desviou os olhos voltando a encarar a detetive. - Pode ser?

- Melhor que nada. Disso eu tenho certeza. - O cansaço era perceptível na voz da morena.

Jungeun sentiu um pesar por ela.

- Okay, então vou levar elas lá pra dentro e examinar melhor. - Levantou-se olhando mais
uma vez para as flores. Ainda continuavam belas, mas sempre seria uma pena vê-las
assim; à beira da morte, dando seus últimos suspiros. - Vai querer vim?

Ofereceu para a Jo, essa que negou depois de alguns segundos.

Não precisava ir, sinceramente não era chegada em botânica e de onde aquelas flores
vieram tinha várias outras, então não teria problema.

- Certo, volto daqui a uns minutinhos. - Avisou a loira antes de retirar-se.

Haseul a acompanhou com o olhar vendo-a sumir assim que dobrou o corredor. Um suspiro
saiu por seus lábios e a morena se permitiu relaxar um pouco. Toda aquela onda de
assassinatos estava a levando a exaustão, mas principalmente, a frustração.

Nunca se sentiu tão frustrada em sua carreira quanto estava sentindo nos últimos meses.

- Por que saber a hora das flores é importante? Quem foi morto dessa vez? - A pergunta
bastante indiscreta de Jeno chamou sua atenção.

O garoto tinha um brilho de pura curiosidade nos olhos.

- Acho que não vai ter problema te contar, logo todos os detalhes sórdidos vão está em
todos os jornais mesmo. - Se é que já não estavam, Haseul duvidava muito que Minjin
conseguiria segurá-los por mais tempo. - Dois irmãos gêmeos de uma família bem influente
foram encontrados mortos e essas flores estavam neles. - Jeno parecia uma criança atenta
a uma história emocionante. Haseul estranhou, mas preferiu não pensar muito sobre. -
Claro, tinha bem mais das meio amareladas.
O garoto fez um O perfeito com a boca concordando suavemente antes de tomar um gole
do café deixado ali por Jungeun; provavelmente quando ela voltasse já estaria frio, e
Jungeun odeia café frio, então faria mal beber dele.

- Mas como eles morreram? Como os encontraram? - Encheu-lhe de perguntas, arrancando


um suspiro de Haseul. - Parece mais cansada do que o comum, senhorita Jo.

- Esse foi... Diferente, eu diria.

- Diferente como? - Questionou, seu tom um pouco mais baixo que o normal,
consequentemente mais grave.

- Brutal. Bem mais brutal do que os outros. - Afirmou lembrando perfeitamente da cena de
crime vista mais cedo. Seu estômago embrulhou mais uma vez naquele dia. - Não sei, foi
diferente. Geralmente os cortes são mais limpos, precisos, mas dessa vez...

Um trovão ecoou alto por toda a casa, cortando a linha de raciocínio da Jo e assustando
Jeno, que estava tão concentrado no que a detetive dizia que sequer tinha notado a densa
chuva que se pôs a cair, nem mesmo Haseul tinha notado, porém agora era impossível não
perceber.

A chuva caia forte batendo nas vidraças, essas que Jeno fez questão de ir checar uma por
uma para ter certeza de que estariam devidamente fechadas, enquanto Haseul apenas
observava o rapaz e agradecia imensamente por ter vindo em seu carro. Normalmente
prefere andar de moto; é mais fácil de estacionar e sempre é mais fácil desviar de
congestionamentos com elas.

Uma mão na roda, diria. Principalmente para alguém como ela. Sua vida era tão agitada
quanto o seu trabalho.

- Checado. Aparentemente tudo fechado. - Disse o rapaz voltando com um sorriso gentil no
rosto. - Espero que lá em cima também.

- Não quer ir checar?

- Nah, lá também deve está. - Jogou-se na poltrona novamente. - Jungeun mal usa o andar
de cima. - Explicou ouvindo mais um trovão ecoar, dessa vez parecendo mexer com a
energia da casa, essa que deu uma pequena oscilação fazendo as luzes piscarem. - Onde
paramos?

Jeno não parecia se importar com a possível futura queda de energia, nem com o clima um
tanto hostil que parecia se formar.

Na verdade, ele parecia muito acostumado a tais situações.


Haseul se perguntou mentalmente se onde o rapaz morava antes era normal tempestades
como aquelas, cheias de trovões, relâmpagos e ventanias tão fortes que vez ou outra
pequenas pedras do jardim pareciam colidir contra as vidraças.

- Verdades, onde paramos mesmo? - Buscou em sua memória o ponto onde foi
interrompida. - Ah, sim! - Jeno ajeitou-se, era nítido as expectativas em seus olhos. - Dessa
vez o corpo masculino foi estripado e jogado por toda a cidade, deu um trabalho enorme
coletar tudo... Mas a irmã dele estava intacta, mas sem os órgãos.

- Woow... Isso é fascinante! - Jeno sorriu, um sorriso quase que perverso. Parecia estar
vendo algum filme de horror, era nítido a empolgação, e isso chamou a atenção de Haseul
mais uma vez. - As flores estavam em volta deles ou dentro de algum?

Bem na mosca!

Foi o chute mais certeiro que Haseul já viu e ela não pode evitar de engolir em seco.

O que era aquilo? Como ele...?

Parecendo notar a confusão e desconfiança da mulher, Jeno se ajeitou na poltrona pegando


sua xícara e dando mais um gole no conteúdo dentro dela; seu café tinha ficado um pouco
mais forte que o de costume, ainda estava gostoso, mas não lhe agradava tanto. Agradava
bem mais o paladar da loira. Jungeun gostava bem mais de cafés fortes do que Jeno.

- Oh, não entenda mal. - Encostou a xícara em sua coxa coberta pela calça sentindo a
ardência. A xícara ainda se mantinha bem quente. - Vi algo semelhante em uma série que
eu aprecio muito e acabei por lembrar disso.

- E qual seria?

- Hannibal. - Mais um gole de café. - Ela tem a dose perfeita de suspense, horror e poesia. -
Haseul concordou, parando para pensar bem já tinha assistido um ou dois episódios; era
uma boa série, mas nunca conseguiu terminar, não tinha tempo. - No começo não me
agradou muito, mas Jungeun adorava essa série então dei mais algumas chances e voilà!
Acabei gostando bastante.

- O quê o amor não faz... - Murmurou arrancando uma risada do rapaz, esse que confirmou
com a cabeça. - Namoram a muito tempo?

- Namoro de faculdade. - Disse nostálgico e Hasuel entendeu; realmente namoravam a


bastante tempo. - Levei dois anos inteiros para conquistar essa mulher. Ela não é fácil de
ser conquistada, pior ainda de manter, mas cá estamos nós!

Jeno parecia um Romeu apaixonado, e realmente era um.

- Combinam juntos. - Hasuel murmurou, mesmo que não acreditasse muito em suas
próprias palavras.
Por mais que a aparência deles combinasse, sentia que suas personalidades uma hora
colidiram, mas Jeno parecia tranquilo com essa possibilidade e Jungeun não parecia se
importar.

- Claro que combinamos! Ela é o amor da minha vida. - Sorriu com seus olhos brilhantes e
felizes. Tinha tanta ternura que Haseul sentiu-se enjoada. - Mas então, voltando ao
assunto... Meu palpite foi correto?

Haseul confirmou e um brilho novo se formou daqueles olhos pequenos; um brilho


semelhante ao de apostadores quando ganham tiram o número premiado.

Abriu a boca para dizer algo a respeito, mas logo a fechou novamente quando os passos
tranquilos se fizeram presentes quase no mesmo instante que a campainha fora tocada.

Jungeun franziu a testa em pura confusão. Quem diabos enfrentaria essa chuva só pra vim
lhe visitar? Sooyoung talvez?

Olhou pra Jeno, esse que entendeu de primeira e logo levantou-se ajeitando a camisa de
gola alta que usava, levantando suas mangas até o meio de seus antebraços e se pôs a
andar até a porta enquanto Jungeun se aproximou de Haseul já de pé com olhos ansiosos.

- E então? - Deixou as mãos deslizarem por seu jeans, limpando o suor em sua palma.

- O resultado está aqui dentro bem envelopado. - Disse tamborilando seus dedos em cima
da caixa. - Fiz o que pude.

- Muito obrigada! - Curvou-se em agradecimento. - Ah, quase ia me esquecendo! - Retirou


do bolso de seu jeans um pequeno cartão. Jungeun já tinha o visto antes. - Minjin mandou
te entregar isso.

- Ela realmente não desiste, né?

- Não. É muito cabeça dura pra isso. - Jungeun riu entregando a caixa para Haseul. - E você
seria uma boa aquisição.

- Claro que seria... - Murmurou baixo mudando sua atenção para algo bem mais
interessante logo atrás de Haseul.

Isso pareceu chamar a atenção da detetive, que olhou por cima do ombro encontrando
Jinsoul com seus olhos cansados e seu maxilar trincado, mas acima de tudo,
completamente encharcada.

Jinsoul estava ofegante, tremendo e com um cansaço quase que palpável, mas acima de
tudo estava irritada e tal irritação tinha nome, sobrenome e um sorriso surpresa bem a sua
frente.

- Pintora presunçosa... Quanto tempo! - Jeno cumprimentou fazendo Jinsoul suspirar.


Por que ele tinha que estar ali? Certo, ele e Jungeun namoravam, mas... porra! Ele não
tinha casa não?

- Olá, namorado de Jungeun. - Cumprimentou dando o sorriso mais forçado da sua vida. -
Onde ela... - Esgueirou seu olhar para dentro da casa, estranhando assim que seus olhos
bateram nas duas mulheres. - Haseul?

A garota veio em sua direção com um olhar preocupado, mas com um sorriso acolhedor em
seu rosto, pensou que Jungeun a acompanharia, contudo, a mesma deu a meia volta e tudo
que Jinsoul pôde ver fora a mesma subir os primeiros degraus da escada; sua visão só ia
até ali.

Respirou fundo encolhendo-se mais em si mesma, abraçando seu corpo encharcado,


ouvindo o barulho de plástico que vinha da sacola pendurada em seu braço toda vez que
gotas de chuva caiam sobre elas.

Agradeceu aos deuses por todo o material ali está bem lacrado, assim não danificados as
gazes, o soro fisiológico e o antisséptico comprados mais cedo.

- Céus, Jinsoul! O que está fazendo aqui? Veio de moto? - Haseul indagou surpresa.

- Evidentemente que sim. - Levantou o braço esquerdo mostrando o capacete.

- Quer que eu te leve pra casa?

- Não, tenho que resolver uma coisinha com a namorada dele. - Apontou para Jeno, esse
que resolveu apenas dar de ombro pegando um dos guarda-chuvas ali presente - Me dá, eu
levo ela até o carro. Já tô toda molhada mesmo.

O garoto não se opôs e ambos fizeram uma troca: Jinsoul ficou com o guarda-chuva e Jeno
com a sacola de remédios.

E assim ambas caminharam até a picape de Haseul, Jinsoul para fora do guarda-chuva
sentindo as gotas molharem ainda mais sua pele, se é que era possível, e Haseul muito
bem protegida delas.

Vez ou outra um clarão se fazia presente no céu e arrepios percorriam todo o corpo de
Jinsoul. Gostava de chuva, mas não tanto de se molhar nela, e odiava trovões; eles eram
seu pesadelo quando criança, agora adulta não os temia tanto, mas o receio continuava ali.

- Prontinho. - Sorriu vendo a morena abrir a porta de seu carro e entrar nele. - Está
entregue.

Teria dado a meia volta e retornado para a porta da casa de Jungeun se não fosse a mão
quente que segurou seu pulso a impedindo de sair dali.

O brilho preocupado nos olhos de Haseul era bem perceptível, mesmo com a escuridão
daquela noite, Jinsoul ainda o via e o sentia muito bem.
- Certeza que não vai vir comigo? - Jinsoul mais uma vez negou. - Não serei chamada no
meio da noite com alguma denúncia de tentativa de homicídio não, né?

- Relaxe, ninguém matará ninguém essa noite. - Disse tentando relaxar a morena, não
parecia está funcionando, e por isso suspirou mais uma vez. - Olha, eu só preciso resolver
uma coisa com a Kim. Só isso. Sem brigas.

Haseul pareceu pensar, desconfiada como sempre, mas dessa vez Jinsoul sentia que sua
desconfiança era maior, assim como sua preocupação.

Não tinha certeza do que ela havia ido fazer ali, nem o teor da conversa que teve com o
casal, mas isso parecia ter deixado a Jo em alerta e isso nunca acabava de uma forma boa.

Mas no fim pareceu se dar por vencida, e com um suspiro e um aceno breve, Haseul fechou
a porta de seu carro e o ligou. O barulho do motor fez Jinsoul dar dois passos para trás, não
demorando muito para ver a picape sair dali e pegar a estrada voltando para o centro da
cidade, que era onde a morena morava.

Ainda se deixou ficar ali por mais alguns segundos sentindo as gotículas de água caírem
em sua pele tão fortemente que chegava a incomodar; a chuva estava aumentando e não
parecia ter a pretensão de acabar tão cedo.

Suspirou contando até dez mentalmente para então virar-se de volta para a bela casa. As
luzes estavam acesas, a porta da frente se mantinha abertas, mas Jeno já não estava mais
ali. Não sabia se isso era um alívio ou não, mas assim que voltou a se aproximar seu
coração errou a batida, acelerando como se tivesse corrido uma maratona.

Jungeun estava parada bem na sua frente com um vinco visível entre suas sobrancelhas e
uma expressão de poucos amigos. Nunca pensou que seria possível sua companhia ser tão
desprezada por alguém, mas Jungeun estava mostrando que sim, era possível. Ela não
fazia questão nenhuma de esconder seu descontento nítido ao ver Jinsoul.

Mas também não fazia questão alguma de esconder a preocupação que brilhava em seus
olhos ao ver o estado deplorável que a morena se encontrava.

Óbvio, já fazia tanto tempo que não dormia, agora com o pouco de base fora de seu rosto, o
corretivo lavado pela chuva e o seu estado semelhante ao de um pinto molhada, era
impossível alguém não sentir preocupação ou pena de Jinsoul.

Seu estado era deprimente, assumia isso.

- O que diabos você tá fazendo aqui? - Jinsoul engoliu em seco quando Jungeun se
aproximou e começou a secar seu rosto com uma das toalhas que trouxe enquanto
reclamava. - Vai pegar um resfriado assim. Por que tão inconsequente? Céus!

Um discreto sorriso apareceu nos lábios de Jinsoul, mais pelo cuidado que a loira estava
tendo do que pela situação em si, gostava da sensação de importância.
Mas Jungeun não parecia gostar nenhum pouco disse, tanto que afastou-se assim que
notou resmungando palavras completamente desconexas, pegando as outras duas toalhas
e as deixando ali próxima a Jinsoul.

- Comece logo a se enxugar, não tenho a noite toda - Ordenou fazendo Jinsoul se encolher.

- A gente pode conversar? - Pediu baixinho chamando a atenção da loira novamente para
si.

Aproveitou que Jeno havia sumido da sala a mando de Jungeun, essa que lhe pediu para
preparar o quarto de hóspedes, e retirou a blusa que usava ficando apenas com um top
preto, arrancando assim um respirar profundo da loira.

- Tá, o que é tão importante para você vir no meio da noite na minha casa? E pior, na
chuva! - Cruzou os braços, era nítida sua irritação com tudo aquilo. - E céus! Se cubra antes
que Jeno desça.

Jinsoul riu notando o olhar da loira em seu corpo. Sabia que mexia com ela, de alguma
forma, só não sabia se era num sentido proveitoso para si ou não. Sinceramente não tinha
certeza se queria saber, pelo menos não essa noite, não com Jeno ali.

- Não gosto dele. - Cochichou baixo se cobrindo com uma das toalhas entregue a si.

- Você não tem que gostar ou desgostar, não é você que namora com ele, de qualquer
forma. - Jungeun respondeu afiada.

E naquele instante Jinsoul percebeu que seria mais difícil do que pensava.

O barulho dos passos vindo da escadaria ecoou por todo o local, um suspiro exasperado
deixou os lábios de Jungeun, mas logo a mesma sorriu para o rapaz.

Jinsoul quis morrer.

Odiava aquela dualidade, e odiava mais ainda quando Jungeun o fazia, deixando claro que
o problema estava com Jinsoul e não com um possível mau humor.

Uma das coisas que notara recentemente era que a loira saiba direcionar sua raiva muito
bem, pena que Jinsoul sempre parecia estar nessa maldita linha, só não sabia se era por
conta do desagrado da loira por si ou se era sua falta de sorte lhe colocando na linha de
frente da garota.

Contudo, dessa vez a garota parecia ter seus motivos, mesmo que não fossem corretos ou
cheios de credibilidade, mas ela os tinha mesmo assim.

- O quarto está pronto. Separei uma muda de roupa pra ela também. - Comunicou se
aproximando da loira, mas deu um passo para trás quando a mesma o encarou.
Jinsoul pôde até mesmo ver o rapaz engolir em seco, mantendo sempre uma distância
segura da loira. Esperto, muito esperto. Teria feito o mesmo se não tivesse em uma
situação tão deplorável.

- Mostra pra ela o quarto. - Ordenou para o garoto, esse que apenas concordou.

E então Jinsoul viu a loira deixar a sala, passando pela mesma porta que na noite passada
elas passaram juntas, indo para o quintal.

Achou curioso a garota ir lá no meio de toda essa chuva, mas ela devia ter seus motivos,
sem contar que a natureza parecia acalmá-la na mesma intensidade que muitas vezes
assustava Jinsoul.

Nunca foi ligada à natureza, muito pelo contrário, geralmente a evitava o máximo que
conseguia, mas quando estava nela sempre tinha um frescor reconfortante, pena que tal
sentimento nunca era o suficiente para fazer Jinsoul ficar ali por muito tempo.

Quando mais nova pensava ser por conta dos insetos; ela não gostava deles. Depois
pensou ser pelo calor. Mas quando ficou um pouco mais velha apenas notou que não era
seu lugar, achava a natureza bela e ela já a proporcionou muitos quadros, mas Jinsoul tinha
uma mania insuportável de sempre preferir observar o belo de longe, nunca o tocando,
nunca vivendo-o, apenas o observando de um local seguro.

Ela era uma telespectadora da vida, de sua própria vida, mas nunca gostaria de ser a
protagonista. Não, Jinsoul preferia ficar na plateia, era seguro e menos complicado, talvez
lhe faltasse coragem, mas isso não era assunto para agora.

- Nossa! Você está ferrada. - Foi trazida de volta pela voz rouca do rapaz.

Estranhou de primeira, apertando ainda mais a toalha contra seu corpo, suspirando baixo.
Teria que o aguentar já que a loira fez questão de a abandonar ali.

Bem hospitaleiro da parte de Jungeun.

- Perdão? - Arqueou uma das sobrancelhas, confusa com a fala do rapaz.

- Amo minha namorada, mas ela pode ser muito temperamental às vezes. - Começou
guiando Jinsoul até às escadas. - Não sei o que você fez, mas trate de ajeitar antes que
fique pior.

- Como sabe que fiz algo?

O rapaz lhe encarou com a melhor expressão de "É sério?" e Jinsoul não pôde evitar que
seu corpo encolher-se.

- Não é óbvio? Tem um vinco gigantesco no meio das sobrancelhas dela. - Explicou subindo
as escadas com Jinsoul a tiracolo. - Da última vez que vi ela assim tive que cruzar meio
mundo pra comprar uma muda de uma flor que ela queria muito e que não tinha em
nenhum canto. Foi bem exaustivo... - A forma como sua voz parecia cansada afirmava isso.
- Foram meses pra poder tirar esse vinco das sobrancelhas e a cara amarrada.

Não conseguiu segurar a risada baixa que saiu por seus lábios, a situação que o rapaz
passou lhe parecia engraçada e um pouco reconfortante, significava que ela não era assim
apenas consigo, mas também a preocupava.

O quê faria se suas palavras não fossem suficientes para cessar a raiva de Jungeun?

Aliás, por que Jinsoul se importava tanto com isso? Tinha ido até ali em meio a uma chuva
horrível apenas para se explicar como se precisasse dar justificativas para Jungeun. Céus!
Pensando bem agora, tinha sido burrice ir ali.

O que falaria para a loira?

Pediria desculpas por sua ex lhe agarrar e não conseguir ter reações sobre? Mas por que
se desculparia por isso sendo que agora o namorado de Jungeun estava a levando para o
quarto de hóspedes enquanto tagarelava sobre Jungeun e praticamente esfregava em sua
cara o quanto a conhecia; o quanto a loira o deixou conhecer.

- Prontinho, é aqui. - Abriu a porta dando passagem para Jinsoul. - Fique à vontade. Deixei
a roupa em cima da cama, o banheiro é nessa porta à esquerda e tem mais toalhas na
última gaveta da cômoda.

Jinsoul se pôs a concordar adentrando o quarto de uma vez por todas. A decoração ali era
bonita, bem simples também, mas extremamente aconchegante. Dava para ver o cuidado
que tiveram em deixar o ambiente neutro e confortável para as visitas que fossem dormir ali.

Olhou para Jeno perguntando silenciosamente se ele queria algo mais, o rapaz pareceu
notar isso e um sorriso constrangido estampou seus lábios, Jinsoul achou engraçado.

Jeno não era uma pessoa ruim, na verdade, ele parecia ser bem legal. Isso não a fazia
simpatizar mais com ele, porém o deixava em uma posição neutra. Já era alguma coisa.

- Vou te dar privacidade, com licença. - Se curvou em forma de educação e retirou-se dali
deixando que Jinsoul fechasse a porta por si só sem parecer que estava o expulsando ou
algo assim.

Assim que a porta de madeira escura fechou-se um suspiro aliviado escapou pelos lábios
finos da morena, seu cansaço atingiu-lhe em cheio, a ideia de deitar naquela cama e apagar
por horas parecendo tentadora, mas não estava em casa, não podia fazer isso.

Então em um ato de coragem a Jung se livrou de todas as roupas de seu corpo jogando sua
carteira e celular completamente encharcado na cama, provavelmente o mesmo já não
prestava mais, mas preferiu se agarrar a uma esperança falsa de que talvez, por algum
milagre, o mesmo ainda ligasse.
Também rezava silenciosamente para que nada acontecesse com Chaewon ou com algum
de seus amigos e que eles precisassem de alguma forma se comunicar com ela. Toda essa
crença estava a fazendo sentir-se um pouco religiosa, daí começará a entender porque
todos sucumbem à fé quando estão à beira de algum precipício. Talvez aquela fé em um
poder maior seja a única coisa que lhes restam, por isso se agarram nela, depois de
frustram quando tem suas esperanças quebradas e seus desejos não realizados.

Mesmo assim, quando estão novamente à beira do precipício, mais uma vez eles acreditam
que um Deus irá salvá-los, mais uma vez eles se agarram a fé pois é o que lhes restam.

Isso não os torna hipócritas e egoístas? Isso não torna Jinsoul um deles? Não sabia ao
certo, mas não se sentia ofendida por pensar assim, pois ainda era uma humana falha e
miserável.

Suspirou ao sentir a água morna cair de encontro com sua pele, relaxando pouco a pouco
seus músculos e a ajudando a pensar melhor em tudo.

Já estava ali, não tinha como voltar atrás. Precisava resolver as coisas com Jungeun.

Não demorou-se muito no banho, não estava em casa e não queria abusar da
hospitalidade, então assim que vestiu o conjunto quentinho de moletom com o cheiro
característico de Jungeun, se pôs a descer novamente as escadas sentindo sua barriga
roncar com o cheiro gostoso que dominava toda a sala.

Agora analisando melhor a sala de Jungeun era bem mais charmosa do que Jinsoul
lembrava, mas igualmente indiferente, vazia talvez? Diferente de seu apartamento, aquele
lugar era como um ambiente projetado para alguém que não tinha mais alma; era impessoal
e suave. Tinha a calmaria e ao mesmo tempo a agonia trazida pela indiferença.

Jinsoul se perguntou se toda a casa era assim; se o quarto de Jungeun também era assim.

Deixou seus olhos caírem no rapaz que cantarolava baixo enquanto cortava alguns
legumes. Jeno tinha suas madeixas loiras unidas e bem penteadas, sua roupa tinha
mudado, agora sua camisa era azulada. Jinsoul se perguntou se ela passou muito tempo no
banho ou se o rapaz era mais rápido em executá-lo.

Mas aquilo não importava realmente. Jeno não era o motivo de Jinsoul estar ali; sua
namorada era, e aparentemente a mesma ainda não tinha retornado.

- Cadê Jungeun? - Perguntou se aproximando do balcão.

O cheiro estava maravilhoso e se o gosto daquela comida fosse tão boa quanto o cheiro
Jinsoul finalmente entenderia o que alguém como Jungeun estava fazendo namorado
alguém como Lee Jeno.

- Ela está no banho. - Informou despejando os legumes dentro de uma grande panela para
começar o cozimento deles. - Espero que goste do meu caldo. Estou fazendo
especialmente pra você e pra minha namorada temperamental que age igual criança e
tomam chuva como se fossem imunes a tudo.

Tinha uma óbvia preocupação disfarçada de ironia na voz do rapaz. Jinsoul se encontrou
encolhendo-se um pouco, não sabendo o que dizer naquela situação, se é que era preciso
falar algo.

Até teria tentar iniciar uma conversa, arrancar alguma informação sobre Jungeun, mas o
barulho de porta sendo destrancada e o ranger da mesma chamou não só sua atenção,
mas também a de Jeno e da pessoa que agora descia os desgraus da escada com uma
toalha no ombro ainda enxugando as madeixas loiras.

Foi como um furacão daqueles que ninguém está esperando, nem mesmo os
meteorologistas, chegou sem aviso prévio e trazendo um pouco do caos lá de fora para
dentro daquela casa tão tranquila.

Se Jinsoul tivesse que descrever a chegada de Sooyoung com uma Jiwoo a tiracolo, ela
com certeza descreveria como um furacão não anunciado e bastante inconveniente, pelo
menos naquele momento.

Pelo menos não se sentiu mal por pensar assim, e o motivo de não se sentir mal estava no
desagrado nítido de Jungeun.

- Agora minha casa virou a merda de um bordel? É isso!? - Seu tom era áspero e nenhum
pouco receptivo. - O que merda está fazendo aqui no meio dessa chuva, Yves?

Era um questionamento no mínimo válido. O que a Ha estava fazendo ali e porque Jiwoo
tinha vindo junto? Jinsoul não sabia, mas suspeitava ser o motivo, e teve sua conclusão
quando os olhos preocupados de sua antiga amiga logo se tornaram furiosos.

Na mesma velocidade que Jiwoo fechou a porta evitando que a chuva molhasse ainda mais
o assoalho da entrada, foi a mesma que Sooyoung teve para chegar próximo ao balcão
onde Jinsoul estava fazendo-a engolir em seco.

- Jung Jinsoul! - Já não respirava mais, tinha medo de que até sua respiração pudesse
irritá-la. - Pode me explicar o que está fazendo aqui? Porra! Não posso te deixar sozinha um
segundo que logo recebo não uma, mas DUAS... - Gritou a última palavra fazendo Jinsoul
encolher-se ainda mais. - ...Duas ligações. Uma delas sendo de Haseul dizendo que você
veio no meio da chuva pra cá e que não estava com uma cara boa.

Abaixou o olhar não conseguindo sustentá-lo em Sooyoung. Primeiro pela vergonha de está
sendo repreendida ali mesmo, segundo pela raiva que eles pareciam transmitir; Jinsoul só
não sabia se essa raiva era derivada da situação ou de tudo que Jinsoul anda ocultando.

Sooyoung não era boba, ela sabia que Jinsoul estava omitindo coisas, para sua completa
infelicidade pois não tinha nada que mais estressasse Ha Sooyoung do que mentiras e
omissões. Jinsoul sabia disso, mas não tinha como ela assumir de uma forma natural ou
banal que estava criando uma espécie de obsessão pela mesma pessoa que a semanas
atrás ela odiava profundamente.

Artistas e suas obsessões são no mínimo questionáveis, não fazem o menor sentido, mas
todo artista que se preze tem uma e ela costuma ser o pilar de suas melhores obras.

São o que comumente é chamado de musas, mas Jinsoul não gostava das palavras,
sempre ligada a uma pessoa e deixado de lado os outros meios como: Memórias, traumas e
sentimentos conflituosos.

Talvez concordasse com a tese de que todos que têm alma de artista é irrevogavelmente
transtornado.

- E o que você ou... - Apontou para Jeno, olhando-o com ódio. - ...Você! Fizeram para
aquela mulher? Ela tem um vinco horrível nas sobrancelhas e se continuar assim vai ter
muitas rugas no futuro, sabia!?

Antes mesmo que qualquer um pudesse dizer algo, Jinsoul viu uma espécie de cinzeiro
passar entre ela e Sooyoung, quase atingindo Jeno e logo se espatifando na parede
segundo depois. O barulho de vidro estilhaçando fez Jinsoul se encolher ainda mais, porém
não foi a única, já que Jeno olhava para a própria namorada com espiando e Jiwoo, que
ainda não tinha se pronunciado, parecia ter desisto de tentar chegar até a loira parando a
alguns passos da mesma.

A única que parecia não estranhar ou temer tal comportamento era Sooyoung, essa se
mantinha firme fuzilando Jinsoul como se não existisse mais ninguém ali, como se Jungeun
não tivesse tentando acertá-la e possivelmente feri-la.

- Sooyoung... - Jungeun a chamou.

Jinsoul podia sentir o tom hostil na voz da loira, ele ainda continuava ali, talvez até pior que
antes.

- Sim?

- Afaste-se dela. - Jinsoul ousou desviar os olhos da morena pendendo um pouco a cabeça
para ver Jungeun. Com certeza ela estava bem mais irritada que antes. - Se não fizer vou
por as duas para fora. Minha casa não é bordel e eu estou cansada demais para ouvir seus
dramas hoje.

Sooyoung pareceu pensar a respeito, seus ombros baixando e um suspirar saindo dos
lábios pintados de vermelho, mas os olhos ainda entregavam um aviso silencioso para
Jinsoul de que elas iriam conversar depois.

Não tinha certeza se queria ter essa conversa. Não, definitivamente não a queria, mas não
tinha como evitá-la, pelo menos não mais.
Afinal de contas, por que temia tanto dizer isso para Sooyoung? Não seria sua primeira
obsessão, provavelmente nem a última, então por que tanto medo de sua parte?

Por que tinha a constante sensação de que estava cometendo um grande erro, um do qual
não poderia concertar, não teria como juntar os cacos depois e dar um jeito?

Por que parecia que estava condenando a si própria a cada segundo que passava e por
que não conseguia se importar menos com isso?

Céus! Precisava urgentemente ligar para Taeyeon e lhe implorar para que indicasse algum
terapeuta de confiança enquanto a própria se recuperava.

- Pegou muita chuva? - Sooyoung perguntou, sua expressão aos poucos se tornando
preocupada. - Chaewon tentou te ligar mas parece que seu celular não tá funcionando.

- Realmente não está, acho que ele não sobreviveu à tempestade, coitado. - Sooyoung riu
passando as digitais pelo rosto delicado da amiga, analisando-a.

Parecia procurar por algum machucado, algo que indicasse uma mudança de temperatura,
seu toque tinha acalento semelhante ao de uma mãe preocupada.

- Mando mensagem pra ela dizendo que está viva e bem. - Jinsoul agradeceu baixinho, não
mais que um sussurro e Sooyoung apenas concordou. - Mas o que te fez pegar toda essa
chuva?

Era uma boa pergunta, uma da qual não tinha muita resposta.

Parecendo notar isso, Jungeun ousou se intrometer estendendo um pequeno pacote aberto
que estava em suas mãos e que até então tinha passado despercebido.

- Aparentemente veio me trazer o soro e as gazes que compramos. - Apontou para o


saquinho. - Eu disse que não precisavam, mas...

- Pera, um segundo... Você também fez alguma coisa? Tatuagem?

- Piercing. - Respondeu.

Jinsoul quis seriamente enfiar sua cara em qualquer buraco que encontrasse, o calor
atingindo suas bochechas ao lembrar de Jungeun despida, e tudo pareceu piorar um pouco
mais quando a mão um tanto pesada, mas igualmente cautelosa tocou seu ombro; Lee
Jeno lhe encarava com preocupação.

- Está tudo bem? - Sussurrou baixinho e Jinsoul pôde sentir suas bochechas queimarem
ainda mais.

Mas engoliu a vergonha aparente e concordou vendo sua amiga arquear uma das
sobrancelhas enquanto olhava para ela e depois para Jungeun, essa que pouco parecia se
importar com a situação, ou com qualquer coisa.
E então, como se uma lâmpada daquelas de desenho animado tivesse acendido na mente
de Sooyoung, um O perfeito foi formado em seus lábios e um suspiro exasperado o deixou
segundos depois antes da mesma começar a andar para longe de Jinsoul.

- Céus! Não irei nem perguntar onde diabos é esse piercing! - Levou as mãos aos fios
escuros e os puxou levemente.

Parecendo um pouco alheio à gravidade de toda a situação, o rapaz que até então mal
havia interferido, parecia querer finalmente se fazer presente para o completo desespero de
Jinsoul.

- Mamilos. Inclusive, ficou muito bonito. - Jeno respondeu e Jinsoul quis matá-lo ali mesmo.
- O furo está impecável, quem fez realmente teve um cuidado dobrado.

A esse nível Jinsoul nem tentava mais, apenas deitou sua cabeça no balcão gelado e
desejou que aquele dia terminasse logo.

Não parecia uma má ideia tomar toda a chuva novamente de volta para a sua casa, né? Lá
ela teria paz e poderia dormir tranquila sem a possibilidade de sua melhor amiga lhe sufocar
com o travesseiro enquanto dormia.

- Está vendo, Chuu? - Sooyoung tinha um tom nitidamente irritado, arisco, como um gato
que acabada de ser acordado ou está morto de fome deixando assim o mau humor mais
que aparentemente. - Quando eu digo que ela ainda vai me causar um derrame derivado de
puro estresse você diz que é drama, mas olha isso!?

A garota que sempre estava sorrindo, pelo menos em todas as vezes que Jinsoul a viu,
agora parecia um tanto pensativa, quase receosa, sobre o que falar e se deveria falar algo.

Não achava que tal cuidado combinava consigo, mas a situação pedia por ele, e Jinsoul
agradeceu por Jiwoo entender isso.

Pelo menos ela entendia...

Suspirou levantando um pouco a cabeça apenas para fuzilar o rapaz a sua frente, esse que
parecia ter herdado por puro convívio a calmaria e o jeito irritante de não se importar de
Jungeun. Jinsoul pôde até mesmo ver um pouco da loira no rapaz. O convívio excessivo faz
mudanças assustadoras nas pessoas. Isso era um fato.

- Okay, vamos todos nos acalmar... - Ouviu a voz meiga da garota, também ouviu passos
serem dados e Jeno voltar a mexer nas panelas. - Que tal a gente aproveitar que está todo
mundo aqui e fazemos uma noite das garota feat Jeno de empregado.

- Ei! - O garoto reclamou.

- Não sei se é uma boa, Chuu. - Virou-se assim que a voz de Jungeun se fez presente.
A garota sorridente agora praticamente se pendurava na loira, seus braços passando por
seu pescoço e um biquinho em seus lábios deixava claro que iria apelar até Jungeun ceder.
Jinsoul quis rir quando um suspiro cansado saiu dos lábios avermelhados.

- Vamos, eunnie! Por favorzinho... - Mais um suspiro cansado junto com uma careta de dor,
Jiwoo parecia ter aumentado o aperto e Jinsoul logo percebeu o possível desconforto da
loira. - Só alguns filmes e umas besteiras.

Parecendo ceder, Jungeun soltou-se das garras pidonas de Jiwoo dando um passo para
trás e desviando seus olhos para cada um naquela sala, parecia pensativa sobre o fim
daquilo.

Mas foi quando os olhos acinzentados e igualmente intensos caíram sobre Jinsoul que a
preocupação tomou conta de sua mente, Jinsoul não era boba, o pouco tempo que tinha
passado com a Kim foi o suficiente para logo notar tal preocupação.

Ela tinha um medo gritante.

Medo que Jinsoul fizesse algo que não devia, medo de não se conter, medo do que sairia
dos lábios finos e Jinsoul sabia disso. Só aí ela notou o quanto o garoto distraído atrás do
balcão parecia importar para a loira; pôde sentir seu coração estilhaçar com tal constatação.

Mas se esforçou para pôr em seus lábios um sorriso tranquilo, enquanto seus olhos
tentavam transmitir uma segurança que nem mesmo ela tinha; não conseguia ter segurança
alguma sobre suas ações quando Kim Jungeun estava envolvida.

- Tudo bem! Faremos isso, mas não se acostume. - Alertou antes mesmo que Jiwoo
soltasse seus gritinhos animados. - Hoje é só uma exceção porque está chovendo e não
tem condições de vocês irem para suas casas.

Assim que acabou de falar, gritos esganiçados tomaram a sala e um corpo em êxtase veio
na direção da loira a abraçando com força fazendo resmungos e xingamentos saírem por
seus lábios.

Não demorou muito para que Jinsoul acompanhasse Jeno e Sooyoung em uma risada
divertida, não conseguindo se controlar diante da cena caótica, só então notando que era a
primeira vez que ria desde que chegara naquela casa, só agora tinha notado o quanto
precisava disso.

Podia até mesmo sentir uma parte de peso e da tensão se dissipar enquanto Jungeun
tentava se livrar das garras da animada Jiwoo.

Parando para pensar, Jinsoul se perguntou sobre como Jiwoo e Jungeun eram tão amigas,
sabia que eram como ela própria e Sooyoung, mas como? Certo, Jinsoul e Sooyoung não
são lá um bom exemplo de pessoas com gostos parecidos, muito menos personalidades,
mas não chegavam a ser um completo oposto uma da outra.
O que não era o caso de Jungeun e Jiwoo; esses eram opostos complementares, disso
Jinsoul tinha certeza, pois não tinha outra explicação ou forma daquela amizade perdurar se
não fosse assim.

Jiwoo tinha a alergia e vitalidade de uma criança de oito anos, completamente hiperativa e
um tanto distante das maldades e impurezas do mundo. Totalmente diferente de Jungeun
que parecia carregar todos os pecados possíveis em olhos intensos e parte da luxúria do
inferno em seus lábios.

Jungeun faria até o diabo temê-la e Jiwoo encantaria os anjos mais caprichosos com um
único sorriso.

Era uma amizade interessante, mas pouco viável, pelo menos na mente conturbada de
Jinsoul.

- Suas roupas estão no mesmo canto, né? - Sooyoung perguntou passando com Jungeun,
essa que confirmou. - Ótimo, vou lá então.

Não demorou mais que alguns segundos para a mulher sumir da sala, se perdendo no
segundo andar, deixando Jinsoul ali com uma cara de cachorrinho abandonado.

Certo que Sooyoung mais queria arrancar sua cabeça fora e oferecer em uma bandeja de
prata por mil wons, mas ainda era a única naquela sala que Jinsoul tinha verdadeiramente
um vínculo, e só quando ela saiu foi que a morena notou o quão desconexa se sentia ali.

Não que desconhecesse aquelas pessoas, não era isso, apenas sabia que não fazia parte
daquele lugar e a única pessoa que estranhamente ainda acalmava sua estranha fobia
social era Jungeun, essa que sequer queria lhe olhar nos olhos por muito tempo.

Suspirou fundo levantando da cadeira e escondendo as mãos nos bolsos largos da calça
moletom.

Estava planejando subir para o segundo andar com uma desculpa fajuta de que esqueceu
algo lá quando viu a nova possível paixonite de Sooyoung vir em sua direção com um
sorriso mais largo que tudo mostrando-lhe todos os seus dentes bem enfileirados, mas com
um aspecto infantil, passando-lhe a imagem de uma criancinha.

Kim Jiwoo realmente parecia a porra de um sol brilhante e alegre em um dia de verão.

- Jinsouuul! - A morena desviou os olhos para a loira pedindo-lhe ajuda, essa que
calmamente se abancava na poltrona e ignorava completamente o pedido silencioso da
morena. - Vamos, vamos sentar ali. Quero conversar umas coisinhas.

Abriu a boca para contestar, mas quando viu já estava sendo guiada até o sofá, tendo a
garota sentando-se ao seu lado e Jungeun lhe jogando o controle da tevê.

- Comece a procurar logo. Já vou avisando que me recuso a ver o castelo animado de novo.
- Resmungou Jungeun pendendo a cabeça um pouco para o lado, mirando o namorado,
para então lhe pedir. - Amor, faz mim e pra Sooyoung um cházinho. Precisamos acalmar os
nervos se não quisermos ser acusada de homicídio até o raiar do sol.

- É pra já! - Respondeu batendo continência.

Jinsoul quis rir do rapaz, ele realmente parecia legal, mas era um tanto bobo e parecia irritar
a loira às vezes, tanto que os olhos acinzentados logo reviraram-se com a gracinha feita
pelo mesmo.

Ainda não tinha chegado a conclusão se simpatizava com ele ou se o odiava ainda mais por
ser estranhamente... Agradável?

- A Sooyoung parece uma mãe preocupada quando se trata de você, sabia? - Piscou
algumas vezes ao ouvir o murmurar de Jiwoo. - Ela veio correndo sem pensar duas vezes
quando Haseul ligou. Fiquei até um pouco assustada. - Riu baixinho apertando os botões do
controle e fazendo o catálogo descer um pouco mais. - Se não a conhecesse até acharia
que ela nutre algum sentimento por você ou vocês foram o primeiro amor uma da outra,
algo assim. - Deu de ombro.

Jiwoo não parecia se importar com o que saía de seus lábios, a verdade de seus
pensamentos não lhe atingia ou incomodava, mas apenas em pensar sobre Jinsoul não
conseguiu evitar uma careta óbvia de puro nojo ao imaginar-se tendo alguma espécie de
relação amorosa com Sooyoung.

- Acho que a Soo não é o tipo dela. - Jungeun se intrometeu. - Jinsoul parece gostar mais
de cobras peçonhentas com um bom senso de moda mas uma péssima personalidade.

- Então ela gosta de você?

Silêncio.

Todos ali ficaram em silêncio após a fala descuidada de Jiwoo, mais uma vez falando o que
lhe vem à mente sem se importar realmente, Jinsoul pensava ser culpa da atenção dobrava
que Jiwoo estava dando a tevê.

Engoliu em seco não sabendo o que dizer e um barulho de metal indo contra o assoalho foi
ecoado por todo o local, acelerando o coração de Jinsoul em um nível que ela teve que pôr
a mão em seu peito como quisesse impedir que ele pulasse para fora.

Claro que era humanamente impossível, mas em sua cabeça tal ato pareceu bastante
viável pela forma como o mesmo saltava em seu peito lhe causando uma estranha dor,
semelhante a um sufocamento.

Seu peito agora parecia pequeno demais para seu pobre coração.

- Nah, Jinsoul não gosta de mim. - Jungeun tomou a frente, tentando apagar um possível
incêndio da melhor forma, e Jinsoul agradeceu por isso. - Creio que ela não goste de loiras
e prefira modelos esnobes tiradas de revistas de moda. Então não faço seu tipinho
questionável.

Era melhor ela ter ficado calada.

Pensou Jinsoul revirando os olhos e deixando seu corpo relaxar naquele sofá macio e
estranhamente confortável. Se perguntou quantas vezes Jungeun ou Sooyoung já tinham
dormido ali, pois tinha um cuidado óbvio em manter o conforto no sofá e ninguém faz isso
sem ter sofrido de torcicolo dia seguinte por apagar ali mesmo.

Pelo menos na cabeça de Jinsoul era assim que funcionava, mas a Kim poderia também
apenas ser cuidadosa, mesmo que aparentasse pouco se importar com móveis e decoração
de interior.

- Mas então, Jinsoul... - Engoliu em seco quando a garota sorridente virou para si. - Me
diga, Soo sempre foi assim com você?

- Sim? Acho que desde que nós nos conhecemos no ensino médio ela é assim. Acho que
faz parte de sua personalidade cuidar de quem ela se importa, mesmo que às vezes de
forma excessiva. - Explicou refletindo sobre sua amiga. - Também tem o ponto dela me
achar socialmente incapaz de manter-me em algum lugar sem causar problemas ou me
meter neles inconscientemente.

- Ela me disse algo semelhante enquanto víamos.

- É... Não a julgo, dei muitos motivos pra ela pensar assim ao longo da nossa amizade. -
Sorriu amarelo sentindo o constrangimento chegar a suas bochechas.

- Acho essa amizade fascinante. - Foi a vez de Jungeun intrometer-se dando um gole no
chá trazido por Jeno. - Não acha, amor?

O rapaz concordou escorando-se na poltrona que Jungeun estava. Realmente formavam


um casal bonito; Jinsoul odiava isso.

Estava começando a descobrir um breve desafeto por aqueles dois quando juntos,
separados, Jeno parecia legal, mas quando estava próximo a Jungeun ganhara um pouco
da raiva enraizada e pouco racional que crescia no peito da Jung.

- Me diz que vocês já escolheram algo e a comida já está pronta. - A voz alguns tons mais
alto que o normal surgiu chamando a atenção de todos ali. - Jeno, seu aproveitador, saia de
perto da minha mulher!

Sooyoung deixou a toalha que antes secava suas madeixas enrolam-se em seus punhos a
torcendo até onde conseguia, Jinsoul notou o que ela faria, todos ali notaram com exceção
do garoto.

Um urro de dor cortou a sala quando a toalha bateu no um pouco acima da bunda do rapaz,
fazendo-o se contorcer e arrancando um riso baixinho de Jinsoul.
Bem feito.

- Eu estou apanhado por está perto da minha namorada!? - O tom indignado do rapaz
tornava tudo ainda mais hilário.

- Sim. - Sooyoung afirmou.

- Mas é minha namorada! - Aparentemente o rapaz gostava de frisar bastante esse fato,
para a completa infelicidade de Jinsoul, que tentava o esquecer a cada segundo.

- Antes de ser sua namorada, ela é minha amiga mais antiga e o meu primeiro amor
verdadeiro. - Jinsoul arqueou uma das sobrancelhas. Não sabia disso. - Então mantenha
uma distância segura se não quiser ir parar no hospital com um braço quebrado e um olho
roxo.

Jeno nada disse, apenas levantou as mãos em rendição e deu alguns passos para longe da
loira, essa que parecia pouco se importar com aquela algazarra, mantendo assim seu foco
na morena sentada no sofá ao lado.

O nervosismo de Jinsoul era um tanto aparente, suas mãos não paravam quietas, seus
dedos continuavam a mexer de forma desengonçada no tecido do moletom puxando vez ou
outra alguma linha solta nele ou a fazendo ficar frouxa o suficiente para que pudesse
puxá-la. Estava tentando ignorar os olhos escuros e intensos focados em si. Estava fazendo
isso a tanto tempo que não tinha mais coragem de desviar os olhos para outro lugar,
mantendo seu foco em Jeno por um certo tempo e agora em Sooyoung.

Podia sentir vez ou outra ardência nas laterais de sua unha, essas que sofriam um pouco
quando o tecido grosso não mais parecia interessante, lhe obrigando a cutucar de forma
nada delicada as laterais. Não tinha mais carne morta ali e provavelmente ficaria um tanto
machucada se tal comportamento perdurasse.

- Terminou de fazer o caldo? - Sooyoung perguntou jogando-se ao lado de Jinsoul, bem no


meio entre ela e Jiwoo. - Estou morrendo de fome.

Jinsoul a encarou engolindo em seco por sentir sua nuca queimar. Quando Jungeun pararia
de lhe fuzilar?

Sua amiga tinha mudado de roupa, agora usava uma t-shirt larga e uma calça moletom
cinza bem semelhante a sua, com a diferença apenas na cor, é claro, pois seu conjunto
mantinha um tom de azul clarinho bastante agradável.

- Está quase pronto. Credo mulher exigente, nossa, sinceramente... - Jeno saiu reclamando
voltando para a cozinha.

Sooyoung pareceu satisfeita com aquilo já que um sorriso brincou com seus lábios. Tinha
ganhado e conseguido o que queria. Jinsoul acompanhou o olhar da amiga apenas para
achar a expressão insatisfeita de Jungeun.
- Pedi pra pegar leve. - Murmurou a loira parecendo cansada naquela situação.

- Mas eu tô pegando leve.

- Achei! Vamos, vamos! - O grito animado de Jiwoo e a forma como ela balançou os ombros
de Sooyoung arrancando uma risada leve pela empolgação pareceu quebrar o clima hostil
dali. - Vamos ver Kung Fu Panda!

Jinsoul viu Jungeun respirar fundo e levantar levando sua xícara vermelha junto enquanto
Sooyoung lhe mostrava a língua e se ajeitava ao seu lado deitando com a cabeça no colo
de Jiwoo e jogando as pernas em cima da Jung.

- Eunnieeee! - Jiwoo chamou e a morena refletiu sobre como a garota parecia alheia a tudo
a sua frente mantendo-se leve como se vivesse em um mundo diferente do que o resto
vivia; Um mundo repleto de cores com nuvens de algodão-doce. - Volte aqui que eu quero
dar play logo. Você também, Jeninho!

- Estou indo, raio de sol. - A voz grossa se fez presente e Jinsoul viu a amiga imitar o
mesmo segundos depois revirando os olhos e ganhando um tapa leve de Jiwoo. - Deixa eu
só terminar aqui.

Não tinha certeza se queria que ele retornasse, ou se queria que Jungeun voltasse ali, pois
só agora Jinsoul conseguiu voltar a respirar sem toda a pressão gigantesca que parecia ser
colocada em seus ombros.

E as perguntas continuavam rodando em sua mente como a merda de um fantasma lhe


assombrando incansavelmente: Por que diabos sentia como se tivesse cometido o maior
erro de sua vida? Por que o beijo de Gabin lhe deu uma sentença de morte? E por que
diabos se arrependia tanto de não ter reagido antes?

A memória e o sentimento de acordar de um transe estavam ali desde que afastou Gabin,
odiava a sensação de perda, e sentiu ela assim que olhou para o lado e não viu mas
Jungeun ali.

Suspirou ajeitando-se no sofá, segurando as pernas de Sooyoung em seu colo, começando


a mexer no tecido da calça da mesma enquanto via Jiwoo finalmente dar play no filme
assim que a presença do casal se fez presente ali juntamente com um balde de pipoca e
cinco porções de caldo colocados espalhados na pequena mesinha de dentro e um prato
cheio de mini sanduíches.

[...]

Ao decorrer da noite o filme acabou e todos acabaram assistindo mais dois daquela mesma
franquia. Os filmes eram incríveis e Jinsoul ria e admirava bastante de como o panda,
mesmo atrapalhado, conseguia superar isso com seus esforços. Mas quando o terceiro
estava acabado todos já estavam cansados demais depois de comer tudo que foi posto ali,
inclusive, tomando o caldo a Jung teve certeza que Jeno provavelmente conquistou a loira
com a comida dele pois foi um dos caldos mais saborosos que tomou em toda a sua vida.

Agora já não tinha mais ninguém ali além de Jinsoul, essa que cedeu o quarto de hóspedes
para Jiwoo e sua amiga; não se importava em dormir no sofá, ele era até bastante
confortável, mas o frio parecia um grande empecilho.

Seu queixo tremia mesmo estando completamente coberta e seus olhos não pareciam
querer lhe obedecer, sentia um medo quase irracional de dominar seu corpo, era esse medo
que a impedia de mover-se. Era como se o mínimo movimento de abrir seus olhos fosse o
suficiente para lhe quebrar em mil pedaços.

Pensou na possibilidade de está delirando. Talvez por conta da chuva e sua imunidade
abaixo do recomendado uma febre alta tenha lhe atingido, isso explicaria o frio, também não
seria possível já que vive tendo febres inexplicáveis e bastante irritantes.

Mas não eram de um todo ruins.

Algumas vezes esses momentos febril lembravam-lhe que já fazia muito tempo que não
comia e tomava banho, geralmente costumavam vir depois de horas torturantes em frente a
uma tela que algum dia já tinha sido branca, mas que agora cores, algumas vezes opacas e
outras intensas, o enfeitavam fazendo Jinsoul esquecer que um dia tal tela foi neutra e sem
vida.

Não que seus quadros tivessem vida; a maioria não tinham. Mas tinha sentimento e isso
bastava.

Estava tão imersa em seus pensamentos tentando se perder neles o suficiente para não
sentir suas extremidades tremerem de frio e seu corpo doer um pouco por conta disso que
nem notou a nova presença na sala, nem mesmo quando se aproximou-se do sofá, só foi
ter real consciência quando a mão gélida tocou sua testa com zelo.

- Céus... Jinsoul, você está queimando. - A voz sussurrada demonstrava uma nítida
preocupação.

Conhecia aquela voz, conhecia bem, mas não sabia o que ela estava fazendo ali.

Esforçou-se para abrir os olhos dando de cara com a loira abaixada a sua frente. Próxima
demais. O suficiente para Jinsoul prender a respiração.

- O quê...

- Vamos, se sente. - Nem deu tempo para a morena raciocinar. Quando Jinsoul viu seu
corpo estava sendo puxado e obrigado a se manter sentado. - Vou pegar o termômetro e
fazer um chá. Espera um segundinho.

Não fez nada além de concordar lentamente com a cabeça, não tinha forças para algo a
mais que isso, podia sentir seu corpo tornando-se gelatina pouco a pouco de tão mole e
preguiçosa ele estava. Odiava aquela sensação. Ela sempre a lembrava das suas noites
adoentadas onde tremia de puro frio e desejava que sua mãe aparecesse e lhe cuidasse.

Ela nunca apareceu. Nenhuma das vezes. Jung Jeehye nunca entrou pela porta do seu
quarto e lhe cuidou, mas seu pai sim.

Sua saúde nunca foi uma das melhores, mas quando era menor com certeza era bem pior
do que hoje em dia, e seu pai sabia bem disso, se importava verdadeiramente com seu
estado. Então, sempre que estava pelando de febre no meio da noite o homem aparecia
com seus pijamas listrados, um olhar carinhoso com um brilho nítido de preocupação. Ele
ficava ali com Jinsoul a noite toda, a pequena Jinsoul já até tinha se acostumado com o
mesmo sentado na cabeceira de sua cama ou até mesmo no carpete de seu quarto, muitas
vezes acabando por dormir ali.

Quando o questionaram sobre isso, ele disse que tinha medo de que a febre de Jinsoul
piorasse e ele não tivesse ali para ajudá-la, ele nunca se desculpou por não estar ali.

A pequena Jung nunca se sentiu tão amada quanto no dia que seu pai lhe dissera isso junto
com o beijo protetor depositado em sua testa com tais palavras sussurradas em um fio de
voz: - És meu bem mais precioso, princesa. Irei te proteger por toda a vida. Sempre estarei
aqui.

Bem, ele não estava mais.

Depois que Jonghyun morreu as noites de Jinsoul começaram a ser ainda mais frias, suas
febres não cessaram por meses a fio e Jeehye nunca esteve mais distante quanto nesse
período; o período que Jinsoul mais precisava dela, ela não estava lá. Ela nunca esteve...

- Voltei! - As luzes agora estavam ligadas, não todas, Jinsoul tinha a teoria que era apenas
a da cozinha, mas não virou-se para ter certeza. - Ainda estou terminando o chá, mas aqui
o termômetro e um antitérmico.

Deixou um copo de água em cima da mesinha de centro juntamente com a pequena pílula.

- Obrigada. - Agradeceu em um soprar.

Jungeun a olhava com tanta preocupação que por um segundo Jinsoul esqueceu que a
mesma a poucas horas mal queria sua presença ali; que não era bem vinda em sua casa,
talvez até mesmo em sua vida.

- Não agradeça, estou fazendo isso por Sooyoung. - Disse, e então a memória de Jinsoul
retornou aos eixos.

Nada tinha mudado, Jungeun ainda estava chateada, e Jinsoul prosseguia sem saber o que
fazer.

- Claro, entendo... - Pôs o termômetro em baixo do braço e viu Jungeun concordar saindo
segundos depois.
Pelo seu rosto ainda um pouco inchado, seus olhos baixos e o cabelo bagunçado, Jinsoul
notou que não fazia muito tempo que a mesma tinha despertado de seu sono. Se perguntou
o que a garota tinha ido fazer ali embaixo. Talvez beber água? Não tinha certeza.

Assim que o termômetro apitou pareceu que foi tempo o suficiente para a loira terminar o
que estava fazendo, pois Jinsoul já podia ouvir os passos agitados vindo em sua direção,
chegando segundos depois com uma xícara fumegante azulada em mãos e uma expressão
nitidamente preocupada.

Às palavras de minutos antes vindo a sua mente como tiro de bazuca lhe fazendo
questionar se as palavras da loira eram verdadeiras, e se fossem mesmo, porque ela tinha
aquele olhar de preocupação tão nítido e brilhante?

Não sabia, mas também não a questionaria sobre, não estava em condições de fazer isso.
Não agora. Não com sua mente estando quase a ponto de desintegrar, assim como seu
corpo.

- Deixa eu ver. - Tomou o pequeno termômetro de sua mão antes mesmo que a morena
pudesse ver, entregando-lhe a xícara, como se fosse uma troca. - Quarenta e um graus,
Jinsoul. Céus!

Viu a loira levar as mãos até os fios claros, Jinsoul achou adorável tamanha preocupação e
a forma como a Kim, provavelmente, preferia morrer a assumi-la.

- É normal, minhas febres geralmente são altas mesmo. - Deu de ombro pegando o copo de
água em cima da mesinha e deixando a xícara lá por tempo o suficiente para que bebesse o
antitérmico e a pegasse novamente. - Está tudo bem, Lippie.

O apelido pareceu chamar atenção de Jungeun, que lhe encarou por alguns segundos
pensativa, mas logo um suspiro saiu por seus lábios enquanto a mesma negava e
sentava-se na poltrona ao lado.

- Tenho minhas dúvidas sobre.

- Apenas... Confie, okay? É normal. - Assegurou-lhe, mas pouco passou confiança.

Não era normal alguém ter febre tão altas, nunca fora, mas Jinsoul acabou por normalizar
isso depois de um tempo pois no fim sempre passava. Uma hora sua febre baixaria, o
cansaço em seu corpo diminuiria e ela poderia voltar a sua rotina nenhum pouco saudável.

Jungeun a encarou por alguns segundos parecendo fazer uma média em sua mente sobre
confiar ou não em suas palavras, mas no fim acabou por concordar dando um pequeno
suspiro, havia desistido de tentar argumentar.

- Beba o chá antes que esfrie. - Disse simplista.


Os olhos de Jinsoul acompanharam o corpo da loira levantar-se, um sentimento de
abandono atingiu seu peito, não queria que ela fosse embora.

Quando menos viu seu corpo acabou por reagir mais rápido que sua mente, suas digitais
segurando o pulso da loira a impedindo de sair enquanto sua outra mãos aperta com certa
força a xícara, podia sentir a ardência por conta do quão quente o conteúdo dentro estava,
mas não se importou.

Não conseguia se importar com muitas coisas no momento.

Engoliu em seco quando os olhos acinzentados a encararam em um misto de rancor e


confusão, ainda estava ali, ela ainda a odiava um pouco mesmo que não tivesse direito,
mas ainda o fazia.

- Podemos conversar? - Seu tom era de súplica, por mais que não quisesse que fosse, mas
seu íntimo estava entrando em desespero.

- Não acho que temos algo para ser dito. - Jungeun murmurou em uma tranquilidade quase
assustadora. - Se for sobre o quadro, pode levar ele, ainda não o desembalei, então não
terá o trabalho de fazer tudo de novo.

Não podia acreditar naquilo, muito menos no tom frio e na expressão polida, céus! Suspirou
deixando a xícara em cima da mesinha e para então levantar-se de uma só vez.

Péssima ideia.

Sua cabeça girou, sentiu que seu corpo logo cairia, e realmente teria o feito se não fosse a
mão que rodeou seu antebraço e lhe puxou, ajudando-lhe a se manter ali.

- Não é isso... - Sussurrou assim que sentiu tudo ao seu redor girar menos. Respirou fundo
e então continuou. - Por favor, vamos conversar. Gabin ela...

- Não. Eu não quero falar sobre isso e sinceramente não é da minha conta quem você ama
ou deixa de amar. - Começou desvencilhando-se de qualquer toque de Jinsoul. - Mas eu
vou te dizer uma coisinha e quero que preste muita atenção. - Tinha uma raiva enraizada
em sua voz que, por mais que tentasse esconder, ainda era nítido sua presença. Deu
alguns passos para frente, ficando mais próxima de Jinsoul, e então continuou. - Amar
alguém que não te enxerga vai te fazer perder aos poucos seu senso de valor próprio, e eu
não quer-

Sua fala foi cortada de forma abrupta, sua voz perdendo-se segundos depois que os braços
firmes da Jung a puxaram para perto colando os corpos, diminuindo a distância entre eles o
máximo que conseguia e mesmo assim não parecia ser o suficiente.

Mas não foi o enlaço na cintura fina que fez Jungeun perder sua fala, não mesmo, o que a
fez perder sua total linha de raciocínio foram os lábios finos pressionados aos seus.
Bastou meros segundos para que Jinsoul sentisse a língua aveludada encontrar a sua no
início de uma batalha silenciosa, batalha essa que nenhuma das partes faria questão de
ganhar.

Não sabia como descrever o que estava sentindo naquele exato momento, mas poderia se
assemelhar a fogos de artifício explodindo no céu e ao estado de transe que todos se
encontram enquanto os contemplam. Talvez estivesse exagerando, porém nenhuma boca,
nem mesmo a de Gabin, pareceu se encaixar tão bem na sua.

Conseguiu sentir as unhas arranharem sua nuca, as digitais emaranhado-se em seus fios,
arrancando-lhe suspiro abafado pelos lábios deliciosos de Jungeun.

As mãos de Jinsoul, que se mantinham em sua cintura, apertaram-se na região quando


uma dor aguda, mas prazerosa, lhe atingiu juntamente com o gosto metálico em seus
lábios.

Jungeun deixou seus lábios e trilhou, muito vagarosamente, beijos pelo queixo, maxilar e
pescoço, seus lábios tocando a pele alva com tamanha devoção, a mesma que os dedos de
Jinsoul tinha em invadir a camisola de cetim tomando a pele macia e causando-lhe arrepios.

Os lábios de Jungeun parecia pétalas tocando em sua pele de tão cuidadosos que eram.

Mas foi quando os olhos intensos transbordando de desejo lhe encararam, e um afagar
suave se fez presente em sua bochecha, que Jinsoul teve a certeza de que estava
completamente fodida.

E então mais uma vez, e talvez a última naquela noite, os lábios bem desenhados foram de
encontro com os de Jinsoul a beijando com a mesma devoção que a tocava e com a
mesma intensidade que a olhava. Sentiu-se como se estivesse vivenciando um pouco do
céu e muito do inferno, os pecados e a redenção, a selvageria e a calmaria em um único
beijo.

Tinha muito mais naquele tocar de lábios, naquela dança intensa e cuidadosa do que em
todas as conversas que já trocaram; aquele maldito beijo tinha mais de Jungeun do que
Jinsoul pudera presenciar em todos aqueles dias.

E ter um pouco dela em suas mãos só a fez querer mais e mais, como se Jungeun fosse
uma droga e Jinsoul uma viciada.

Se beijavam com a mesma força que as gotas de chuva se chocavam contra o vidro das
grandes janelas, com a mesma urgência que tinham em buscar abrigo quando não se tem
mais nada, porém com a mesma tranquilidade e aflição que sentimos quando abrimos mão
de algo que já nos fora valioso mas que agora é apenas uma memória perdida.

Uma pena que aquele beijo tivesse um gosto tão agridoce, e que quando ele terminou e
Jungeun a encarou mais uma vez Jinsoul teve a certeza de que aquela garota seria sua
ruína.
Uma das mais belas ruínas e destruição que Jinsoul poderia ver ou sentir, mas que não
daria abertura para que saísse viva no final, muito menos para que juntasse novamente os
cacos de seu coração flagelado.

- Não posso fazer isso. Não é justo. - A loira murmurou em um fio de voz, mas foi o
suficiente para Jinsoul sentir mil lâminas perdurarem seu coração. - Tome o chá antes que
esfrie de vez.

As palavras não foram o que mais a quebrou, não, elas estavam longe de ser. Aqueles
olhos, aquele maldito brilho de culpa os invadindo pouco a pouco, isso sim a quebrou por
completo.

Simples e fácil, a constatação viera como quem olha e se dá conta de que está atrasado.
Jinsoul suspirou vendo Jungeun desvencilhar-se de si sem dizer nada e deixar aquela sala
da mesma forma que chegou; em um silêncio quase absoluto e um vazio sufocante.

E Jinsoul ficou ali, olhando para o vazio, com uma xícara fumegante a sua espera, um frio
antes expulso por Jungeun retornando para seu corpo como se sua tivesse sido estourada
e a nevasca do Alaska inteiro tivesse se alastrado por aquela sala, e uma constatação que
não a deixava mais tranquila, nem confortava seu coração.

Estava arruinada.

[...]

Os primeiros raios de sol já se faziam presentes com uma timidez que comumente não
tinham, talvez por conta do temporal de ontem os mesmo tenham se tornando acanhados,
contudo, diferente dos raios de sol preguiçosos, os pássaros já cantarolavam parecendo
felizes pelo fim da chuva.

Foi quando um pequeno passarinho começou a bicar a vidraça do quarto de Chaewon que
a mesma despertou de seu sono com dores em suas costas e um mau humor que
geralmente não lhe atingia.

Tinha ficado acordada até tarde e isso pareceu mexer consigo, a preocupação sobre o
paradeiro de sua irmã só cessou lá pras onze da noite quando recebeu uma mensagem de
Sooyoung dizendo que tinha a encontrado e que ela estava bem; pelo menos a morena
tinha a consideração de lhe avisar, diferente de sua irmã, que geralmente parecia pouco se
importar.

No fim da tarde de ontem fora a última vez que Chaewon viu Jinsoul, essa que saiu sem
nem sequer lhe explicar, dizendo que iria voltar tarde. Mas o problema maior nem fora a
irresponsabilidade de sua irmã, mas sim a ex-namorada em frente a sua porta com um olhar
magoado e quereres irredutíveis.

Chaewon saiu do quarto após um longo banho, já estava arrumada para ir para a
floricultura, e teria saído dali minutos depois se não fosse a presença de Gabin.
Um suspiro saiu dos lábios da Jung mais nova enquanto balançava o corpo adormecido no
sofá. Gabin tinha praticamente se abancado ali desde ontem para o completo desagrado de
Chaewon; pelo menos a gatinha de pelos brancos e olhar arisco parecia feliz de ter sua
outra mãe de volta. Alguém tinha que estar feliz.

- Gabin! Vamos, preciso ir trabalhar. - Disse balançando o corpo da garota bastante


inconveniente.

Até mesmo o bichano que dormia em seus braços acordou, mas tudo que a modelo fez foi
resmungar coisas desconexas fazendo Chaewon perder pouco a pouco sua paciência.

Como se não bastasse Jinsoul lhe dando dor de cabeça e olheiras, agora tinha que lidar
com a ex -namorada folgada dela.

- Gabin! - Sacudiu seu corpo sem delicadeza alguma. - Sério, eu vou matar Jinsoul.

Parecendo despertar um pouco, Gabin abriu suas pálpebras sonolentas, e Chaewon estava
prestes a comemorar se não fosse as palavras sonolentas verbalizadas pela garota.

- Só irei embora quando Jinsoul chegar. - De novo, as mesmas palavras da noite passada,
com o mesmo descaso e Chaewon já não aguentava mais.

Normalmente a de fios azulados, que pouco a pouco estavam se tornando verdes pelo
desbotamento, costumava ter uma paciência quase divina. Muitas pessoas a elogiavam por
isso, por sua tranquilidade natural e o seu bom humor florido de sempre; Chaewon era
gentil e suave como as pétalas de uma flor.

No entanto, se existia algo que a tirasse de sua paz de espírito, esse algo era Jung Jinsoul
e todos os derivados que vinha junto com sua irmã. Isso incluía sua melhor amiga
implicante e sua ex-namorada folgada.

Seu dia já estava uma grande merda, não tinha dormido o suficiente, atingiu o limite máximo
de preocupação e agora Gabin estava atingindo seu limite de paciência e compreensão.

- Eu vou matar ela... - Mussitou mais para si do que para qualquer um.

Não sabendo o que fazer, se afastou dali e começou a ligar para Sooyoung.

Sua irmã não lhe atenderia, disso ela tinha certeza, mas a melhor amiga dela tinha que
atender em algum momento.

Caso contrário, Chaewon mataria as duas a sangue frio.

____________________________________________
Narrador Point of View.

- Está pronta Jinsoul? - Sooyoung perguntou cerrando os olhos por conta do sol.

- Nasci pronta. - Sorriu confiante ajeitando a raquete em suas mãos.

Após saírem de casa de Jungeun, Sooyoung sugeriu que ela e Jinsoul fossem para o clube
espairecer a cabeça. A Jung sabia bem o motivo daquilo. Sooyoung sempre a chamava
para jogar tênis quando tinha assuntos a tratar, como uma forma sutil de pôr os pingos nos
is.

Gostava disso, da sutileza com a qual a Ha lidava consigo, da forma como sempre
respeitava seus espaços e tentava deixá-la o mais confortável possível.

Sooyoung sabia lidar com Jinsoul e suas problemáticas, e Jinsoul entendia o silêncio de
Sooyoung, a lia bem mais do que qualquer um.

Aos olhos nus Ha Sooyoung poderia ser considerada um livro aberto pronto para ser lido,
mas no fim era um tremendo engano, Sooyoung era silenciosa com tudo que lhe importava
ou lhe preocupava. Assim como Jinsoul, Sooyoung aprendeu a lidar com suas próprias
confusões sozinha, talvez por isso ambas se entendessem tanto.

A solidão uma da outra acabará por uni-las de alguma forma, as transformando em uma
espécie de casa silenciosa, mas igualmente confortante.

- O mesmo esquema de sempre? - Perguntou ajeitando sua viseira.

Antes de irem até o clube, deram uma passada na casa de Sooyoung e se trocaram lá,
ficando mais apropriadas para o momento. Jinsoul agradeceu aos céus pelo sol estar
preguiçoso hoje, assim sua pele não sofreria muito. Não precisava de mais esse incômodo,
o short saia justo e desconfortável já fazia todo o trabalho.

Sinceramente amava jogar tênis, era um esporte interessante e bastante relaxante, mas
odiava as vestimentas para ele, principalmente o short saia branco. Nunca entendeu porque
usar algo branco para jogar qualquer coisa, de tênis a baseball, parecia simplesmente uma
péssima ideia mas que todos aceitavam, inclusive ela própria.

- Errou tem direito a uma pergunta. - Sooyoung repetiu o jogo confirmando as palavras de
Jinsoul. Sempre era assim. - Se mentir vai levar três boladas da máquina. Cuidado, viu?

- Estou morrendo de medo. - Debochou com um sorriso ladino no rosto.

Sua febre já não era presente essa manhã, mas o cansaço continuava ali, mal tinha
dormido na noite passada e tudo parecia piorar quando Jungeun retornou para seu quarto a
deixando ali com o gosto doce de seu gloss e um imenso vazio.
Nunca tinha notado o quão solitária era aquela essa, não até aquele momento, desde de
então Jinsoul sentiu-se sendo engolida pelo vazio do lugar.

Diria que experimentou um pouco do inferno naquela noite, mas sobreviveu e agora tudo
que restava era recomeçar tudo de novo.

- Não vá achando que eu vou pegar leve só porque está aí com essa cara de zumbi não. -
Comunicou a nutricionista do outro lado da quadra, sua voz saindo algumas escalas mais
alta que o normal. - Já pensou em fazer testes para algum papel de all of us are dead?
Talvez pegue o zumbi duzentos e dezessete.

Jinsoul revirou os olhos com a implicância da amiga, e sem nem ao menos avisá-la, lançou
a pequena bola esverdeada ao ar, rebatendo-a e vendo o pequeno objeto migrar em direção
a Sooyoung.

Pôde ver um resquício mínimo de surpresa em seu rosto, mas logo foi desfeito por um
sorriso maldoso, deixando claro que naquele logo Jinsoul sairia perdendo.

Era simples, não tinha complicações, jogariam a bola e quem não conseguisse a rebater a
tempo poderia fazer uma pergunta da qual a outra pessoa não poderia fugir, teria que ser
sincera se não quisesse partes de seu corpo roxas após ser atingidas por bolas de tênis.
Podia parecer um tanto radical, bruto demais, porém fora a melhor forma que ambas
acharam de falar sobres as questões, dúvidas e confissões que rondavam suas mentes.

- Eu que estou acabada mas olha você aí... - Apontou para a morena com as bochechas
rubras. Ela tinha acabado de perder. A primeira pergunta era de Jinsoul. - Nem consegue
rebater a bola direito. Tá muito enferrujada, melhore.

- Cala a boca peixe Betta insuportável. - Resmungou batendo a bolinha no chão. - Qual a
pergunta?

Na terceira vez que a bola atingiu o chão, Sooyoung a pegou, jogou para o alto e lançou
com toda a força e destreza que conseguia. Jinsoul sinceramente não fazia a menor ideia
de como conseguiu rebate-la, mas agora seu pulso doía pela força de impacto.

- Está gostando da Jiwoo? - Viu a amiga revirar os olhos, mas concordar. - Ela parece legal.
Eu aprovo.

- Você não tem que aprovar nada. - Resmungou com certa dificuldade.

Quase que perde mais uma vez. Precisava se concentrar.

Jinsoul a viu respirar fundo e fechar os olhos por alguns segundos, então se tornando mais
séria, deixando claro que a brincadeira tinha acabado.

- Claro que tenho! Sou quase sua responsável legal. - Sorriu ao ver a bola novamente voltar
para a morena.
Seu pulso latejava e a vontade de apertá-lo parecia aumentar a cada segundo, mas não
podia baixar a guarda, então respirou fundo e continuou.

- Claro, claro... Deixa dona Sunmi ficar sabendo disso. - E a bola voltou para Jinsoul. - Mas
sim, gosto da Jiwoo. Ainda não sei em que intensidade, nem o quanto, muito menos se é
paixão ou só uma atração ardente, mas... É alguma coisa. Eu acho.

Dava para notar o quão confuso era aquele tópico para Sooyoung. Nunca foi boa em lidar
com sentimentos, nunca os teve em abundância, mas era ótima em concelhos e isso fazia
Jinsoul acreditar piamente que as pessoas com os melhores conselhos são as que mais
têm problemas.

Sooyoung era uma prova viva disso.

- Entendo... Essa coisa de coração é mesmo... PORRA! - O xingamentos pulando de seus


lábios veio antes mesmo que a bola batesse nas grades de proteção, mas assim que o fez,
a risada vitoriosa de Sooyoung ecoou. - Céus... Estou fodida.

Finalmente pôde apertar seu pulso sentindo a dor latente diminuir um pouco, ajeitou as
munhequeiras e deixou resmungos baixos saíres por seus lábios, duvidava que Sooyoung a
ouvisse, porém aquilo não importava.

Pegou a bola de volta e iria iniciar novamente o jogo, porém, quando olhou para a morena e
viu o brilho sádico em seus olhos junto com o sorriso ladino, preferiu esperar; nada de bom
sairia daquilo e Jinsoul não estava afim de responder duas perguntas embaraçosas de uma
única vez.

- O quê foi fazer na casa de Jungeun hoje? - Jinsoul sabia que essa pergunta viria, mas não
sabia que a morena iria direto ao ponto. - Não que eu ache ruim essa aproximação
repentina das minhas duas melhores amigas que se odiavam, mas eu preciso saber o que
está acontecendo para antecipar um, ou dois, possíveis botes salva-vidas.

Não conseguiu esconder o perfeito "O" formado por seus lábios. Sinceramente não
esperava por isso, estava esperando algo semelhante a uma possessividade e ciúmes um
tanto questionáveis da parte de Sooyoung, mesmo que nunca tenha se demonstrado assim.

Talvez uma parte de seu cérebro quisesse acreditar em uma alternativa ruim para que não
se sentisse um completo lixo por está mentindo para alguém que só quer o seu bem.

- Eu não sei bem... - Girou a pequena bola esverdeada em sua mão jogando-a no chão
segundos depois. - Acho que queria me desculpar? Não sei direito, mas quando ela foi
embora uma sensação horrível me atingiu. Culpa? Acho que era culpa, mesmo que não
tivesse motivos para isso.

Engoliu em seco mordiscando o interior de sua bochecha.


Dizer aquelas coisas em voz alta a fazia parecer patética, e talvez ela realmente fosse, mas
foi o suspiro alto de Sooyoung e seus olhos penosos que pioraram tudo.

- Você tá começando a gostar dela... - Concluiu incisiva não dando brecha nenhuma para
Jinsoul negar suas palavras. - Pode ainda não ter percebido, mas o sentimento está aí.

- Não quero que ele esteja. - Murmurou baixinho, não tinha certeza se Sooyoung havia a
escutado ou não, mas preferia que os ventos tivesse abafado sua confissão. - Ele não pode
está.

Jogou a bola para cima sentindo seus olhos doerem pelos raios de sol que bateram neles a
cegando por breves segundos, mas não o suficiente para que sua raquete não atingisse a
pequena bola, rebatendo-a com certa destreza e a jogando em direção a Sooyoung.

Na terceira rebatida, a morena resolveu abrir a boca novamente, ofegante e com suor
escorrendo pelas laterais de seu rosto.

- Sabe, eu amo a Jungeun. Ela é incrível e eu não julgo você está encantada por ela, sabia
que uma hora você se encantaria. - Falou ofegante, mas nunca perdendo a concentração,
fazendo Jinsoul invejá-la. - Mas é uma péssima ideia nutrir qualquer sentimento por ela.
Jungeun não é boa em relacionamentos, principalmente os amorosos; ela é um desastre
anunciado.

- Engraçado você dizer isso enquanto ela está namorando com um cara que é basicamente
um live action de algum príncipe da Disney. - Viu Sooyoung errar o rebate, a bola passando
rente a lateral de sua cabeça atingindo a grade de contenção atrás da Ha. Aproveitou o
momento para continuar. - Aliás, se ela é tão ruim, como e porquê ela está com ele?
Jungeun não me parece o tipo de pessoa que aceitaria alguém em sua vida por simples
comodidade.

Sooyoung riu baixo, mas concordou.

O pensamento de Jinsoul estava certo, a loira realmente não era, mas duvidava que a
mesma gostasse mesmo de Jeno. E se gostava, por que estava naquela implicância e
flertes indiretos com Jinsoul?

Será que Jinsoul entendeu errado seus sinais de forma errônea?

É estranha a sensação de ter traduzido errado um olhar, de ter entendido uma promessa
onde só havia desencontro. Jinsoul sentia isso desde a madrugada de ontem, como se
tivesse sido uma das piores intérpretes e agora tivesse ferrado com tudo.

- Jeno passou dois anos tentando conquistar ela, acho que ele a ganhou no cansaço, mas
sei que no fim ela acabou gostando dele. - Sooyoung começou lançando a bola em direção
a Jinsoul. O jogo não pode parar. - Ainda acho estranho isso, mas eles estão juntos até
agora e Jungeun o protege bastante, se importa com ele e o deixa conhecer o verdadeiro
eu dela, coisa que ela dificilmente faz.
- Então ela realmente o ama? - Podia sentir seu estômago embrulhar.

- Não diria que é amor, essa palavra é muito forte, mas ela verdadeiramente gosta dele. Ela
se importa. - Aquilo não melhorava as coisas. - Ele é o namorado dela, mas acima disso ele
é um companheiro, um amigo e esteve com ela todo esse tempo. - Jinsoul respirou fundo,
tudo em seu corpo parecia doer agora. - A gente até já brigou por conta dele.

Sooyoung riu divertida e Jinsoul se forçou a fazer o mesmo.

Aquelas palavras pareciam doer mais do que Jinsoul esperava que doesse, não estava
apaixonada por Jungeun ou algo parecido, não tinha tido tempo para se apaixonar pela
loira, mas mesmo assim podia sentir seu coração quebrar-se lentamente com cada palavra
dita por Sooyoung.

Mas isso não lhe afligia, muito pelo contrário, a deixava estranhamente contente. A
possibilidade da Kim partir seu coração também a deixava assim, pois se seu coração
partir-se de novo, é sinal de que já esteve inteiro outra vez.

Jinsoul aceitava a desconstrução pelo prazer de ser reconstruído novamente.

- Minha vez. - Sooyoung falou assim que o barulho metálico se fez presente. A bola mais
uma vez tinha atingido a grade. - Além do seu interesse óbvio pela loirinha, por que está
perguntando isso justamente agora? Aconteceu algo na noite passada e eu não estou
sabendo?

Bingo!

Sooyoung tinha atingido em cheio o ponto vital de tudo aquilo e sabia bem disso pela
expressão incomodada que brincava no rosto de Jinsoul.

Sabia que em algum momento teria que conversar sobre isso com alguém, nem que fosse
com sua psicóloga, mas precisava ter essa conversa para que sua mente voltasse a
funcionar e parasse de repetir a mesma memória sempre.

Se forçasse um pouco sua mente ainda conseguia sentir o gosto doce de cereja que os
lábios de Jungeun tinha, junto com a maciez dos mesmo, contra os seus.

- Eu a beijei ontem a noite. - As palavras deixaram seus lábios de forma apressada, igual a
velocidade com que jogou novamente a bola, mas dessa vez Sooyoung sequer se esforçou
em pegá-la.

- Você o quê?

Por puro instinto a morena encolheu-se contra si mesma apertando com um pouco mais de
força a raquete em suas mãos, podia até mesmo sentir as juntas de seus dedos doerem
pelo aperto, mas não se importou muito.

- Eu a beijei ontem a noite. - Repetiu.


E ficou ali esperando pelo pior, esperando que Sooyoung gritasse consigo, que fizesse algo,
mas tudo que a nutricionista fez foi suspirar e começar a andar em direção a Jung.

- Céus, Jinsoul... Você... Como ela reagiu? - Sooyoung agora estava bem na sua frente com
os braços cruzados abaixo dos seios e uma expressão cansada. - Ela não te bateu, né?

- Não, ela não me bateu.

- Te rejeitou delicadamente?

- Não exatamente. - Pendeu a cabeça para o lado, não sabendo ao certo se aquilo contava
com uma rejeição.

Bem, ela retribuiu seu beijo. Não estava louca. Jungeun queria aquele beijo tanto quanto
ela, mas depois... Balançou a cabeça espantando os pensamentos daquela madrugada.

Precisava manter o foco.

- E o que seria "não exatamente"? - Fez aspas com os dedos arqueando uma das suas
sobrancelhas. Não tinha como fugir de Ha Sooyoung agora. - Eu preciso entender o que
está acontecendo, Jinsoul. Por favor, colabore comigo, hun?

- Eu... Eu vou colaborar, okay? Só me deixe pensar um pouco. - Não queria, mas seu tom
saiu quase como uma súplica.

No entanto, tais palavras parecem cessar um pouco da curiosidade de Sooyoung, essa que
respirou fundo e tomou a raquete de sua mão.

- Okay, vamos sair daqui. Já deu por hoje. - Jinsoul concordou, não que tivesse muita
escolha, já que as palavras de Sooyoung claramente eram uma ordem e não um pedido.

Com bochechas coradas por conta do sol e suor descendo por seus rostos Jinsoul e
Sooyoung caminharam até o pequeno restaurante que tinha dentro do clube, onde
aparentemente Sooyoung era muito conhecida já que no caminho algumas pessoas as
pararam para cumprimenta-la, acenando educadamente para Jinsoul.

O local estava praticamente vazio e Jinsoul agradeceu por isso abancando-se em uma das
mesas e retirando a viseira deixando-a em cima da mesa. Sooyoung fez o mesmo, mas
diferente de Jinsoul, não pareceu se importar com a boa postura já que se esparramou na
cadeira como se estivesse em sua própria casa.

- Mark! - Sooyoung parecia alegre em vê o rapaz. Jinsoul lembrava vagamente dele, sabia
que o mesmo já esteve em um ou dois encontros organizados por seus amigos, mas não
sabia mais que isso. - Traz pra gente duas limonadas e qualquer coisa com níveis absurdos
de glicose.
- Tem alguma alergia não descoberta por mim? - Perguntou com uma causalidade em sua
voz que fazia Jinsoul ter certeza; o rapaz e Sooyoung eram no mínimo próximos.

- Framboesa. - Avisou apertando o pulso. Ele ainda doía de uma forma incômoda.

Duvidava que ele tivesse aberto ou algo assim, no máximo uma torção, o que era péssimo
pois geralmente a impedia de passar horas a fio pintando.

Tinha uma boa resistência à dor, mas não conseguia pintar com seu pulso falhando e
causando espasmos em sua mão. Suas linhas se tornaram menos firmes e a confiança se
esvazia, a possibilidade de estragar um quadro inteiro era muito alta, e Jinsoul não estava
afim de jogar todas as suas horas de trabalho no lixo.

Talvez iniciasse outro quadro; um que não lhe exigisse nenhuma falsa perfeição.

- Poderia me trazer também umas pedrinhas de gelo separadas? - Pediu Sooyoung


baixinho. O rapaz só concordou e retirou-se dali. - Machucou de novo?

Olhou para a garota, Mark já tinha saído, e Sooyoung tinha olhos preocupados quando
estendeu a mão pedindo silenciosamente para ver o estado de seu pulso.

Por conta de todo o esforço feito desde nova nas pinturas, ou até mesmo em sua época
ativa no ensino médio, onde participava de muitos clubes, o pulso de Jinsoul foi o que mais
sofreu, principalmente em sua época do baseball. Na época, Jinsoul acabou o fraturando na
final e a culpa era inteiramente sua, se esforçou mais do que o normal para tentar dar
"orgulho" para sua mente, que pela primeira vez fora ver um jogo seu.

Se arrependia amargamente daquele dia, mas pelo menos ganharam, é alguma coisa.

Jinsoul fez uma pequena careta quando o polegar de Sooyoung apertou um pouco mais
para cima da lateral de seu pulso.

- Dói? Parece que sim. - Apertou um pouco mais para o meio arrancando um gemido
abafado da Jung. - Não está aberto. A gente passa na farmácia e compra uns adesivos para
aliviar.

- Obrigada. - Puxou seu pulso, tentando se livrar daquela análise dolorosa feita por
Sooyoung.

A mais velha riu parecendo se divertir com o quão sensível Jinsoul pode ser às vezes.

- Mas não pense que só porque está com esse pulso podre vai fugir das minhas perguntas
não. - Ajeitou-se na cadeira. - Ela te beijou de volta ou não? Vamos lá! Você não é nenhuma
criancinha, sabe muito bem quando alguém te corresponde ou não.

Jinsoul engoliu em seco.


Não queria responder, não queria pensar sobre aquilo, e por um segundo pensou que o
celular da morena vibrando, mais uma vez, poderia salvá-la, mas tudo que Sooyoung fez foi
desligá-lo de vez após mandar uma mensagem rápida e voltar sua atenção para a Jung.

Estava completamente ferrada.

Sooyoung não a deixaria em paz enquanto não tivesse uma resposta e Jinsoul nem ao
menos tinha processado os acontecimentos, muito menos aquele maldito olhar
transbordando de culpa, esse que parecia não querer deixar sua mente tão cedo.

Respirando fundo, contando até dez em sua mente, Jinsoul finalmente resolveu falar, ou
melhor, desabafar.

- Ela retribuiu, mas depois pareceu ter uma lapso de consciência e disse algo como não
poder e aquilo ser injusto, e eu sinceramente não entendo. - Relaxou na cadeira dando um
sorriso gentil para Mark, esse que deixava um copo de limonada a sua frente e colocava
alguns doces na mesa. - Será que entendi errado? Às intenções, olhares, flertes... Eu
entendi tudo isso errado?

Sugou um pouco da limonada pelo canudo transparente deixando um suspiro contente


escapar assim que o gosto cítrico explodiu em sua boca. Estava muito bom e doce na
medida certa. Isso garantiu mais um sorriso satisfeito para Mark, esse que curvou-se em
respeito e retirou-se dali após colocar uma fatia de torta de limão ali em cima, essa que
Jinsoul não perdeu tempo, logo a puxou para perto de si.

Era uma de suas favoritas.

Após dar uma garfada na torra, essa que também tinha um gosto muito bom fazendo valer a
pena Jinsoul ter acordado cedo e não ter ido direto para sua casa dormir um pouco mais,
olhou para Sooyoung esperando por uma resposta da mesma.

Resposta essa que não veio, pelo menos não de imediato.

Sooyoung parecia pensativa enquanto mexia o canudo dentro do suco e fazia um tintilar se
tornar audível, Jinsoul so queria ter os poderes do Doutor Xavier para assim poder ler o que
tanto se passava pela mente de sua amiga, ter acesso aos pensamentos mais sinceros
sobre tudo aquilo.

Conhecia bem o suficiente Ha Sooyoung para saber que ela filtraria o máximo que
conseguisse suas palavras numa tentativa de amizade um pouco as coisas.

- Não acho que tenha entendido errado, mas tenho uma suspeita do porquê dela ter tido
essa reação. - Pronunciou após longos e tortuosos minutos.

- Vai compartilhar?

- Sim, irei, mas antes coloque isso aqui no seu pulso. - Empurrou a pequena jarra com
algumas pedras de gelo dentro.
Jinsoul apenas a obedeceu, mordendo o interior de sua bochecha quando a pedrinha gélida
foi pressionada contra seu pulso.

Era uma sensação agridoce de alívio e agonia. Não sabia explicar, mas não a incomodava
tanto, pior seria depois.

- Jungeun pode ser bem liberal e fazer muitas brincadeiras, mas não é adúltera, ou pelo
menos não era. - Deu de ombro puxando um pouco mais de sua limonada. - A reação dela
não significa que ela não queria, mas sim que teve um lapso de consciência e agora deve tá
lá toda fragmentada.

Sorriu riu baixinho, mas não por achar engraçado, estava para para um riso nervoso,
preocupado.

- Ferrei com tudo, né? - Seu apetite já não parecia mais existir.

- Não exatamente, diria que complicou um pouco as coisas, mas acho que uma hora isso
aconteceria... - Jinsoul suspirou forçando-se a tomar um pouco mais da limonada. - Talvez
em uma circunstância melhor as coisas não se tornassem tão embaraçosas.

- Quantos talvez. - Fez uma careta.

Não gosta de "talvez" era muito vago e pouco assertivo, abrindo muitas portas para sua
mente confusa e sádica lhe afundar em pensamentos negativos e hipóteses irrealista.

- O que podemos fazer? No momento a única coisa que temos são vários talvez. - Isso
desagradou ainda mais Jinsoul, Sooyoung pôde notar bem isso. - Mas a gente vai dá um
jeito nisso, okay?

Jinsoul concordou respirando fundo e aceitando aquele olhar confiante e calouro que
Sooyoung estava lhe passando, como se falasse em silêncio que estaria ali independente
do que acontecesse, ela continuaria ali.

E aquilo bastava para acalmar um pouco o peito de Jinsoul, pois sabia que se seu mundo
desmoronasse novamente, Sooyoung ainda estaria ali para ajudar a erguê-lo novamente.

[...]

Por volta das onze e quarenta Jinsoul e Sooyoung saíram do elevador carregando algumas
sacolas com o seus almoços enquanto continuavam uma discussão bastante pertinente
sobre saladas com ou sem palmito. Jinsoul não gostava nenhum pouco deles, já Sooyoung
adorava, porém no fim a Jung venceu e compraram sem.

Sooyoung ainda não aceitava tal decisão e por isso ainda discutiam sobre isso, mesmo que
os resultados não fossem ser anulados, ela ainda continuaria com uma salada sem palmito.
- Você devia parar de me privar dos prazeres da vida, sabia? - Jinsoul revirou os olhos. A
garota não desistia, se a Jung soubesse que esse era o preço a se pegar teria aceitado e
pego a salada com palmito. - Nesse ritmo eu vou chegar aos meus sessenta anos ranzinza
e frustrada.

- Ranzinza já é meio óbvio que você vai ser. Tenho pena de sua futura esposa, isso se tiver
uma. - Respondeu continuando o caminho até a porta de seu apartamento; uma das últimas
do corredor.

- Serei eternamente solteira e você será minha companheira quando eu chegar a idades
mais drásticas, beirando ali os dinossauros. - Jinsoul riu, não tinha como levar Ha Sooyoung
a sério por muito tempo. - Não ria! São os fatos. Quero você e Jungeun cuidando de mim
quando eu começar a caducar!

- Não acha que está pedindo demais? - Entregou-lhe uma das sacolas, liberando sua mão
direita para procurar as chaves de seu apartamento.

Contudo, nem foi preciso, pois assim que a achou nem deu tempo de pôr na fechadura, a
porta já se abriu revelando uma Chaewon com olhos brilhando em ódio e logo atrás dela
uma Gabin com um sorriso polido esculpindo seus lábios.

A primeira pergunta que surgiu na mente de Jinsoul foi: O que aquela garota ainda fazia ali?

E a segunda veio assim que seus olhos encontraram novamente com os de Chaewon,
tendo a certeza de quem estaria morta em breve, não só ela, mas também Sooyoung já que
o olhar da Jung menor passava de Jinsoul para a Ha e o ódio não parecia diminuir, muito
pelo contrário.

Só então lembrou que estava sem celular, e pelas olheiras visíveis embaixo dos olhos de
sua irmã dizia que a mesma não havia dormido muito a noite, sem contar que não sabia
desde quando Gabin estava ali.

Em resumo: Estava completamente fodida e sabia disso.

Engoliu em seco se encolhendo igual uma criança que acabou de fazer besteira e agora
tinha uma mãe raivosa pronta para repreendê-la.

- Trouxemos comida! - Falou Sooyoung com um sorriso amarelo nos lábios.

Ela sabia que Chaewon estaria assim, ela sabia o que estava acontecendo, mas pelo visto
preferiu não lhe contar.

Suspirou fundo ignorando sua irmã raivosa, sua ex inconveniente e sua amiga sem noção,
entrando em sua casa e começando a largar suas coisas pelo caminho.

Lidaria com tudo aquilo depois de um banho gelado e cinco ou seis músicas de sua playlist
reflexiva; A raiva de Chaewon e a inconveniência de Gabin teriam que esperar.
Não era lá a melhor das opções, principalmente se lembrasse da presença de Sooyoung e
da antipatia que sua amiga nutria por Gabin desde de seu término, mas era a única que
conseguia pensar no momento, pois lidar com toda aquela confusão com um corpo suado e
uma mente completamente letárgica não daria em nada além de mais confusão.

- Jinsoul! - Pôde ouvir sua irmã lhe chamar, seu tom bem mais autoritário e impaciente, mas
pouco funcional naquele momento. - Volta aqui, Jung Jinsoul!

Seu nome completo foi a última coisa que ouviu antes de fechar a porta praticamente em
sua cara, já que podia ouvir muito bem os passos fundo contra o assoalho de madeira que
revestia todo o apartamento.

Uma grande falta de educação da sua parte? Talvez. Sua mãe com certeza a colocaria
novamente nas aulas de etiqueta com a professora Heesun? Sem sombras de dúvidas. Mas
sendo bem sincera, não se importava naquele momento, só queria tomar seu banho e
deixar-se respirar um pouco.

Não era pedir muito, era?

Trancou a porta e começou a arrancar suas roupas, não teria muito tempo até Chaewon
explodir de vez e derrubar sua porta, então teria que ser um tanto rápida.

Odiava não ter tempo o suficiente, porém foi assim por toda a sua vida, o tempo nunca
parecia ser seu amigo. Desde nova ele sempre lhe roubou tudo que era mais precioso;
primeiro seu pai, depois alguns de seus amigos, um pouco de sua inocência e logo, logo
começaria a roubar sua beleza também.

O tempo era assim mesmo, tomava tudo que achava ter direito, deixando a todos sem eira
nem beira com um vazio que geralmente os consumia; Jinsoul sentia tal vazio a consumir
desde o dia que descobriu que o tempo passa, que ele não se importa se você está pronta
ou não, ele irá levar o que quiser levar, mesmo que he destrua por inteiro.

Suspirou sentindo o cansando triplicar quando a água fria atingiu sua pele, podia sentir a
tensão em seus ombros, era quase palpável, e por um um gemido baixo de dor ecoou pelo
banheiro enquanto sua testa encontrava a cerâmica fria.

Poderia viver ali por uma eternidade, sentia isso, igual sentia a exaustão de corpo e mente.

Depois de dez minutos de puro silêncio, Jinsoul contou até cinco e se retirou do banheiro
enrolado em sua toalha, mesmo assim não foi possível bloquear a brisa gélida que lhe
atravessou. Achava engraçado como, independente da temperatura, banheiros
prosseguiam abafados e a experiência de sair deles sempre era a mesma; Arrepios subindo
pela coluna e uma estranha onda de preguiça atingindo-lhe por conta do choque térmico.

Vestiu a primeira roupa que apareceu em sua vista, sendo uma t-shirt gigantesca que
roubou de Jaemin e um short de algodão bastante desbotado, penteou seu cabelo e por fim
respirou fundo antes de abrir a porta de seu quarto.
O barulho ainda estava ali, as vozes alteradas não tinham cessado, muito pelo contrário,
pareciam bem piores agora.

- Não vai embora não? Tudo bem! - A voz de Sooyoung ecoava alta pelo apartamento,
Jinsoul não precisa de muito para saber que a amiga estava estressada, a rispidez em sua
voz denunciava. - Eu mesma te tiro daqui pelos cabelos sua galinha depenada!

E um grito soou alto junto com os miados esganiçados de sua gata, essa que correu para
os pés de Jinsoul começando dar voltar entre suas pernas claramente agoniada com a
situação, não a julgava, também estaria assim se não tivesse ignorado aquele caos por
alguns minutos.

Assim que pisou na sala, a primeira coisa que recebeu foi um olhar repressor de Chaewon,
a única que a notou ali, já que sua amiga estava empenhada demais em puxar Gabin pelos
cabelos arrancando gritos desesperados dela.

Poderia ser considerada uma cena cômica se não fosse trágica, caótica e que com certeza
daria uma bela dor de cabeça para Jinsoul depois.

No entanto, em seu íntimo assumia que sentiu uma pontada de satisfação ao ver o
desespero de Gabin.

- Okaay... Já chega, né? - Levou a mão até o pulso de Sooyoung recebendo uma encarada
quase mortal. - Vamos começar a nos comportar igual adultas, hun?

Apertou um pouco mais o pulso fino vendo Sooyoung pouco a pouco soltar as madeixas
escuras da modelo, essa que aproveitou para fugir, ficando atrás de Jinsoul como se a Jung
fosse uma barreira impedindo que Sooyoung quebrasse seu pescoço.

- E o que estamos fazendo? - O tom de obviedade na voz da Ha fez um suspiro sair pelos
lábios finos da pintora.

- Se comportando igual aos homens das cavernas. - Respondeu soltando a morena


lentamente, como se tivesse medo de seus próximos atos.

- Que seja. - Deu de ombro dando dois passos para trás.

Jinsoul olhou para baixo quando as mãos de Gabin tocaram seu antebraço, Sooyoung fez o
mesmo, mas o que quebrou o silêncio daquela sala foi uma das portas do corredor sendo
batidas com tanta força que até mesmo os quadros pendurados na parede vibraram.

Se desvencilhou da garota antes que Sooyoung resolvesse lhe agredir.

Abriu a boca para falar algo, qualquer coisa, numa tentativa de tirar aquele clima tenso do
ar, mas o barulho dos passos pesados lhe calou novamente e quando Chaewon apareceu
em sua vista agora usava um short jeans cinza, uma camisa gola alta e um suéter listrado
grande demais para ela. A Jung tinha certeza que o suéter era seu, mas não falou nada.
- Pra onde vai? - Questionou vendo a bolsa pendurada em seu ombro parecendo mais
estufada que o normal. - Prende fugir de casa ou algo assim?

- Basicamente. - Deu de ombro passando por Sooyoung. - Não que seja da sua conta, ou
que se importe, mas não voltarei pra casa hoje.

- O quê...

Jinsoul abriu a boca, mas sua fala sequer teve um final, Chaewon foi mais rápida e
retirou-se do ambientes batendo a porta mais uma vez com tanta força que a Jung mais
velha pôde sentir os pelos de seu corpo arrepiarem.

Não sabia o que tinha feito de tão errado, se aquela atitude era por conta do estresse, da
presença de Gabin ou se Chaewon realmente tinha se magoado com o sumiço de Jinsoul;
sabia o quanto preocupar-se com alguém que mal parecia se importar poderia ser bastante
cansativo.

Gabin lhe ensinou isso da pior forma, por dois anos inteiros, e quando o fim chegou Jinsoul
não sabia se sentia uma agonia imensa ou um alívio por finalmente não precisar passar
mais noites em claros preocupada com o paradeiro da modelo. De toda forma, não importou
muito, já que mesmo após o término Jinsoul não conseguia dormir mais que duas ou três
horas por dia.

Seu sono continuou uma merda, a ansiedade continuava instalada em seu peito e seus
pesadelos tinham retornado. Nada tinha mudado, pelo menos não de verdade, a ausência
ou o permanecimento de Gabin não fazia realmente diferença.

- Vamos pro meu quarto. - Disse por fim, tinha que conversar com ela, por os pingos nos is,
mas quando viu o sorriso ladino brotando nos lábios da modelo, um cansaço lhe atingiu
como um soco. - Conversar. Iremos conversar. - Frisou, a deixando ali.

Refez o caminho de volta para o seu quarto com Gabin ao seu encalço e um grito alto de
Sooyoung dizendo para não demorar pois se não a comida iria esfriar.

Contudo, Jinsoul conseguiu notar nas entrelinhas que o problema não estava só na comida,
não, Sooyoung definitivamente não apoiava aquilo e se demorasse, muito provavelmente, a
morena viria ao seu resgate.

Como se realmente precisasse ser resgatada. Talvez sim, mas no estado em que se
encontrava, sabia que tal conversa seria mais desagradável para Gabin do que para si
própria.

Entrou no quarto dando passagem para a modelo, fechando a porta atrás de si segundos
depois, acompanhando a garota com os olhos vendo-a se abancar em sua cama. Há algum
tempo atrás aquele parecia ser o lugar ideal para Gabin, tudo em seu quarto, sua casa e em
sua vida parecia ter sido feito para ter Gabin ali.
Parece que isso foi algo que o tempo mudou involuntariamente, pois Gabin já não parecia
encaixar ali, e Jinsoul já não mais sentia-se aliviada e feliz em a ter ali.

- Por que está fazendo isso? - Cruzou os braços olhando para a garota sentada à sua
frente. - Gabin, você foi embora. Não pode voltar como bem entender e fazer essa bagunça
toda. - Puxou a cadeira giratória da escrivaninha e se abancou nela. - Está sendo um
incômodo, não só para mim, mas pra Chaewon, Sooyoung, Jungeun...

- Ela! - Jinsoul arregalou os olhos quando a modelo exclamou, apontando o dedo em sua
direção, interrompendo sua fala. - Essa garota... É ela? Ela é sua nova esquisita obsessão?

- Não acho que isso importe. - Deu de ombro.

- Importa. Se ela for, significa que me apagou? Que já não mais me ama? - Engoliu em
seco, não sabendo como responder. - Duvido muito. Seus olhos... Nunca nos esquecemos,
nunca paramos de amar nossos primeiros amores.

- Era um amor típico de adolescência, fadado ao passado! - Exclamou, sendo sincera pela
primeira vez sobre aquilo. - Só demorei demais para notar isso.

A última parte saiu cochichada, mas Gabin a ouviu, sabia que sim pois um brilho de mágoa
passou por seus olhos.

Ela não tinha direito, não! Ela a deixou, foi Gabin que desistiu delas e jogou o "nós" no lixo
como se não fosse nada. Então por que agora ela parecia magoada por Jinsoul finalmente a
deixar ir?

- Você sempre foi tão definitiva sobre nós, e agora não é diferente, mas as vezes parece
medo sabia?

Jinsoul franziu a testa, confusa.

Medo?

- Medo de você? - Balbuciou, baixinho.

Aquela conversa não requer tons altos. Sentia que se aumentasse um pouco o tom tudo
explodiria, tudo ruiria e desmoronaria bem em cima de sua cabeça.

- Não, não sou tão pretensiosa. - Mentira, Jinsoul sabia bem que ela era sim. - Mas digo,
medo de nós, sabe?

- Foi você que foi embora...

Sua voz não passou de um sussurro e soube que Gabin sequer a escutou pois a mesma só
continuou o que falava.
- Medo de admitir que foi real e que ainda te assusta que os anos não passam e que nós
continuamos iguais. - Prosseguiu gesticulando como se não fosse nada, enquanto a cabeça
de Jinsoul gritava. - Quer dizer, mudamos, mas o magnetismo é o mesmo.

Um silêncio pesado as abraçou enquanto sustentava o olhar. Naquele momento Jinsoul não
precisava dizer nada, nem Gabin teve coragem de continuar quando viu os olhos furiosos
em sua direção, nunca tinha os visto daquela forma.

Suas defesas caíram por terra.

- VOCÊ foi embora! - Exclamou, explodindo. - Eu não tenho medo do que vivemos, nem
nunca diminuir sua importância para mim, mas você sim!

- Jinso-

- Não. - A parou. - Você já falou demais, agora me deixe falar, pelo menos uma vez.

Suas mãos tremiam, não sabia se de raiva ou da ansiedade de finalmente poder despejar
tudo que estava entalado em sua garganta, tudo que que nunca foi dito e que agora
envenenava sua alma.

- Você me deixou em um dia ensolarado e eu nunca mais fui a mesma, sabia o quanto era
importante para mim e o quanto eu te amava, então usou isso para voltar sempre que
estivesse uma bagunça porque sabia que eu nunca te julgaria. Mas quer saber? Eu cansei!
- Levantou de uma vez só. - Você sempre foi mais covarde que eu, nunca me entendeu e
nem fez questão e eu fingi por anos que não te entendia até demais, ao ponto de saber ler o
que você nunca dizia. - Continuou, cansada de tudo aquilo. - Um ano antes do fim eu sabia
que pra você tinha acabado o encanto e depois que terminou, todas as vezes que voltou
para meus braços, eu sabia que você continuava em busca de alguém que fosse melhor do
que eu, por isso nunca ficava.

Passou as mãos pelos fios escuros, os puxando um pouco, sentindo a dorzinha manter o
resto de sua sanidade.

Aquele quarto parecia tão quente, as paredes pareciam encolher pouco a pouco,
cercando-a e trazendo uma sensação claustrofóbica para si. Claro, era loucura de sua
cabeça. Estava à beira de um colapso e por isso tudo parecia um inferno.

- Porque eu não sou o suficiente, e duvido que algum dia tenha sido. - Disse por fim em
uma constatação dolorosa. - Então, por favor pare de voltar... Você já não é bem-vinda.

Puxou o ar para seus pulmões depois de despejar aquele monte de palavras das quais
estavam lhe sufocando por anos. Talvez Taeyeon tivesse razão; precisava falar as coisas
que a afligia para poder respirar serenamente.

Agora, no entanto, sentia um alívio e uma condenação. Dizer aquelas coisas era como pôr
um fim ao ciclo de anos, como dar dois tapinhas nas costas de Gabin e a mandar embora
de vez. Não podia evitar o medo do desconhecido, de sair de sua comodidade, mas não
voltaria atrás em suas decisões.

Olhou para Gabin e tinha um egoísmo e uma raiva misturada nos olhos que Jinsoul um dia
tanto amou, sabia que suas palavras tinham a machucado, pois de uma coisa tinha certeza;
Kim Gabin realmente fora apaixonada por si, mas nunca poderiam ficar juntas, pois Jinsoul
nunca poderia ser o que a garota precisava.

Mas a vida tinha que seguir, independente se tinha existido amor ou não, elas tinham que
seguir em frente. Uma hora alguém teria que terminar de quebrar a promessa de eternidade
que fizeram quando ainda faziam sentido quando juntas. Jinsoul nunca foi capaz de fazê-la
completamente feliz e aceitar isso era uma libertação para as duas.

- Você a ama? - Gabin perguntou em um fio de voz. - Quer dizer, está apaixonada ou a
ama? Não sei... - Era embaraçoso, tudo aquilo era um amontoado de incerteza e mágoa. -
A garota loira. Jungeun. Você está apaixonada por ela?

Jinsoul não respondeu.

Algumas perguntas não possuem conclusões fáceis.

[...]

Respiração ofegante, corpos suados, gemidos ecoando por cada minimo canto daquele
quarto abafado. O corpo em cima de Jinsoul movimentava-se rápido fazendo o atrito de
suas intimidades aumentarem ainda mais, causando ondas fortes de prazer em ambas as
garotas.

As mãos firmes da morena apertavam o quadril da japonesa, controlando os movimentos,


enquanto ouvia os gemidos sôfregos da garota misturar-se aos seus. Os olhos atentos de
Jung puderam presenciar algo magnífico para si.

O barulho da fricção de ambos os sexos, os gemidos de puro prazer saindo pelos lábios
rosados. A cabeça de Sana pendeu para trás, seu corpo tremeu por completo, assim como
o de Jinsoul, que acabou sucumbindo quando viu aquela maldita cena. Sentia-se nos céus,
mas era quente igual o inferno.

Respirou fundo, se recuperando do orgasmo, sentindo o corpo deitar em cima do seu,


aninhando-se em seu peito. Os braços longos rodearam o corpo fraco, o abraçando
cuidadosamente.

Era errado o que Jinsoul havia feito, mas precisava. Havia aprendido depois de algum
tempo que a pintura nem sempre ajudaria seu estresse, e que assim como o de todos, seu
corpo também implorava pelo toque humano.

E bem, para sua sorte, Sana sempre estava disposta a tudo. No final era uma troca justa.
Jinsoul se livraria do estresse e da tensão adquirida pelo tempo e Sana teria algumas boas
horas de prazer; todos sairiam ganhando no final.

- Fazia tempo que isso não acontecia... - Murmurou a japonesa, sentindo Jinsoul suspirar.

- Andei um pouco ocupada. - Justificou entranhando seus dedos nos fios rosados do cabelo
da garota. - Mas acho que esse mês ficarei bem mais.... Livre.

- Assim eu espero. - Deixou um beijo casto no maxilar da morena, antes de sair de cima da
mesma.

Essa foi a deixa para Jinsoul levantar-se espreguiçando e escutando seus ossos estalarem.
Olhou por cima do ombro encontrando Minatozaki aninhada entre os lençóis.

- Seu cabelo ficou bonito assim. - Elogiou vendo as bochechas rechonchudas ruborizarem. -
Combina com você.

- Pare já com esse charme barato. - Resmungou arrancando uma gargalhada gostosa da
morena.

Se Minatozaki não tivesse coberto o próprio rosto com o lençol azulado teria tido a visão
daqueles olhos doces antes de voltarem ao natural; cansados e indiferentes.

Jinsoul não se prolongou mais ali, as formalidades já haviam sido feitas, agora podia tomar
seu banho e limpar o cheiro de pós foda misturado com o doce perfume da japonesa.

Era cedo ainda, mas não o suficiente para que a morena pudesse descansar, e isso
significa que seu dia vai se resumir em dor de cabeça e cafeína excessiva.

Pensando bem talvez não tenha sido uma boa ideia chamar Sana para seu apartamento no
meio da semana, mas não se arrependia, por mais que suas horas de sono tenham sido
reduzidas a zero, valeu a pena cada segundo.

Suspirou ao sentir a água quente banhar seu corpo, relaxando seus músculos e lhe
causando uma pequena dor por conta dos arranhões que cobriam suas costas.

Quando saiu do banheiro, ainda enxugando suas madeixas, esperava encontrar Minatozaki
em seu décimo terceiro sono, mas tudo que encontrou foi uma cama vazia e uma porta
entreaberta.

Estranhou, por isso vestiu rapidamente o primeiro conjunto de camiseta e short que
encontrará e se pôs para fora do quarto à procura da japonesa.

Não foi uma busca muito difícil, mas fugiu do agrado da Jung, que apenas suspirou fundo
ao ver Sana, ainda despida, admirando um de seus recentes quadros.
A presença da japonesa em seu ateliê não lhe agradava tanto quanto em sua cama, mas
para ser sincera, a presença de ninguém ali lhe agradava. Era seu local mais íntimo e locais
assim não foram feitos para ser compartilhados com ninguém.

- Gosta do que vê? - Não foi a intenção, mas acabou por assustar a japonesa.

- Você realmente é boa em tudo que faz. - Sorriu para a dona do quadro aproximando-se do
corpo rijo. - Principalmente com trabalhos manuais...

Jinsoul sentiu uma pequena lufada de ar beijar seu rosto e se deixou sorrir com aquilo.

- Não pode encobrir um erro com elogios baratos, Minatozaki. - Sussurrou antes de morder
o lábio inferior da mesma.

Aqueles olhares e provocações sutis teriam evoluído se as batidas fortes na porta não
tivessem ecoado por todo o apartamento causando um resmungo baixo da japonesa.

A Jung apenas sorriu de lado dando um passo para trás deixando que Sana saísse de seu
ateliê. A porta de madeira muito bem envernizada foi fechada e devidamente trancada pela
morena, que se martirizada mentalmente por esquecer de fazer isso antes.

- Vista algo, pode pegar alguma roupa minha, mas devolva depois. - Sentenciou tocando o
nariz afilado. - Eu sei onde você mora, então...

- Falando assim até parece que você tem um enorme apego a elas. - Resmungou
observando a morena se afastar. - O que é uma grande mentira!

Gritou pelo corredor e tudo que Jinsoul pôde fazer foi rir. Sana estava certa, era uma
mentira, a Jung pouco se importava se a japonesa devolveria ou não suas vestes.

Assim que destrancou a porta, nem teve tempo de raciocinar já que seu amigo adentrou o
apartamento como um furacão, causando uma ruga de pura confusão no rosto de Jinsoul.

Não esperava pelo moreno alto com calças moletom e um suéter quadriculado, muito
menos pela esquisita animação matinal do mesmo.

- Fique à vontade... - Caçoou fechando a porta antes de dá atenção ao rapaz. - O que


aconteceu? Caiu da cama?

Mesmo com as palavras da Jung o rapaz ainda se manteve aéreo. Ele olhava cada mínimo
canto do apartamento, passando por cada móvel, mas nunca dando a devida atenção a
eles.

Na Jaemin tinha uma personalidade até que parecida com a da Jung, porém era bem mais
otimista e alegre que ela. A morena costumava pensar que o Na apenas escondia melhor o
amargor que infectava sua alma, mas não negava o quão aquilo era invejável.
O otimismo que sempre emanava do rapaz poderia ser o que lhe mataria algum dia, mas
ainda era muito bem visto aos olhos de todos, até mesmo aos foscos e cansados de
Jinsoul.

- Okay, vamos lá... - Um fio de voz saiu pelos lábios finos do rapaz, antes de seus olhos
procurarem pelo da amiga. - Primeiramente, por que a Soo tem uma chave do seu
apartamento e eu não?

Os olhos do rapaz estavam cerrados na direção da Jung, essa que apenas deu de ombro
migrando para a cozinha. Precisava aproveitar o tempo que lhe restava para tomar um café
mais reforçado.

- Porque ela roubou a chave reserva sem o meu consentimento e fez uma cópia pra ela. -
Justificou concentrada em procurar pelos ingredientes para uma boa panqueca. - Veio aqui,
essa hora, apenas para reclamar disso?

- Claro que não! - Jinsoul subiu o olhar vendo o rapaz atravessar o balcão. - Eu finalmente
consegui que...

E antes que sua fala fosse finalizada, a presença de uma terceira pessoa naquele ambiente
arejado fez o moreno calar-se quase que automaticamente.

Os olhos esbugalhados se revezavam entre a amiga e a japonesa. Jaemin nunca havia sido
muito bom em lembrar nomes, mas reconhecia aquele rosto amigável, afinal, costumava
trombar com ele no elevador quase todas as vezes que vinha visitar Jinsoul.

- Bom dia, Jaemin... - A voz fina soou um pouco incerta, mas assim que recebeu um sorriso
aberto do rapaz, deixou-se sorrir também. - Suéter bonito.

Elogiou-lhe lançando uma piscadela antes de deixar o apartamento, trazendo um sorriso


maldoso nos lábios finos do rapaz. Sorriso esse que assustou Jinsoul. Estava perdida,
completamente perdida.

Tentou ignorar a presença do Na e se concentrar em misturar todos os ingredientes que


usaria para a massa. Claro que sua tática não deu certo, pois quando menos viu o moreno
estava acomodado a sua frente.

- Está tendo um caso com sua vizinha? - Jinsoul apenas revirou os olhos com tal
questionamento. - Ela é bonita e tudo, mas não sei se é uma...

- Não. Eu não estou tendo um caso com a minha vizinha! - Cortou a fala do rapaz, o vendo
lhe encarar com desconfiança. - Ela mora três andares abaixo.

- É vizinha mesmo assim.

- Não, a senhora Park é minha vizinha. - Afirmou apontando a espátula lambuzada de


massa em direção ao rapaz. - Inclusive ela é um amor de pessoa.
- Não posso negar. - Deu de ombro, rendendo-se. - Ela me deu um pedaço de torta e chá
para ajudar ela com as compras. - Sorriu largo antes de passar o indicador pela espátula, o
levando até os próprios lábios. - Precisa de mais açúcar.

- Ela é mesmo muito gentil, até mesmo com animais. - Sorriu cinicamente.

- Assim você me ofende. - Viu o rapaz levar a mão até o meio do peito de forma dramática
causando divertimento a morena. - Posso pelo menos escolher qual animal vou ser?

Simulou orelhas de coelho com suas mãos e franziu o nariz, Jinsoul revirou os olhos ainda
que o sorriso tranquilo estampasse seus lábios.

- Claro, fique a vontade. - Deu se ombro, afastando-se do balcão para trocar de lugar com o
rapaz. - Quero as minhas com morangos.

- Seu mal gosto ainda me surpreende depois de anos. - Resmungo fazendo a careta.

- Meu gosto é maravilhoso para tudo. - Pontuou vendo o rapaz negar freneticamente.

- A louça é inteiramente sua! - Exclamou oito tons mais altos, vendo a morena concordar
enquanto se afastava.

Em geral, aquela manhã estava atingindo suas expectativas, mas elas nunca foram muito
altas mesmo. Não esperava pela presença do amigo e também não havia planejado muito
bem sua noite com Sana, porém estava feliz por nada ter dado errado. E por ter conseguido
tirar a loira de olhos intensos e lábios desejosos de sua mente por algumas horas.

Já fazia dois meses desde o acontecimento e desde então Jinsoul não mais viu a loira, não
tem certeza se a mesma estava a evitando ou se a própria Jinsoul estava fazendo isso
inconscientemente, mas já fazia dois meses que não a via.

Também descobriu que dava para fazer muitas coisas em dois meses, parando pra pensar
bem, poderia até mesmo dizer que foram os meses mais produtivos de todo o seu ano.

Viu um pôr do sol durante esse tempo e o catalogou como o mais lindo do mundo. Acordou
com o canto dos passarinhos. Sentiu o cheirinho de terra molhada da chuva e o frescor do
aroma de orvalho quando foram visitar os pais de Sooyoung junto com a garota. Virou
algumas noites pintando o céu e as estrelas mais luminosas que já viu. Na ida para a
floricultura da Wong fez amizade com um cachorro de rua e sofreu ao ter que deixá-lo.
Bebeu e dançou sem se preocupar com nada. Finalmente conseguiu tirar o bico emburrado
do rosto de Chaewon a levando para uma exposição na cidade vizinha. Na breve viagem
conheceu e saiu com mulheres inacreditáveis, nem importava a língua que falavam, prazer
não tem idioma e se entendiam muito bem no sentido que necessitavam.

Agora, parando para pensar bem, isso tudo havia adiantado?

Se perguntou se todas as coisas mais incríveis do mundo a fizeram realmente esquecer de


Jungeun, e o mais importante, se tudo de incrível que o universo pôde oferecer fez doer
menos quando, no começou desse semana, em uma tarde indo buscar Chaewon na
floricultura viu de relance os fios loiros dobrando a esquina sorrindo ao lado de Jeno?

Então, seu mundo caiu e não pôde continuar ignorando tudo. Descobriu também que
obsessões são uma grande merda.

Estava sendo sensível também, esse era o problema de pessoas com almas de artista,
todos nutriam sentimentos tão intensos e profundos escondido atrás de olhos cansados e
posturas indiferentes.

Também se apegavam na mesma velocidade que ia embora.

Talvez por isso conheça tantas pessoas que dizem preferem a morte a irem parar na cama
de um artista; eles sempre vão te eternizar em quadros, poemas ou músicas, te fazerem
sentir especial e depois te descartarem pois eles mudaram, consequentemente, as
obsessões deles também.

Em poucos minutos lá estava ela, completamente arrumada, voltando para a cozinha com
seu blazer dobrado sobre o antebraço.

Tinha que ir ver sua situação no banco e dar uma passada no escritório de seu padrasto.
Odiava essa parte do mês, mas era necessário, Chaewon precisava disso e Jinsoul tinha
que ser uma boa irmã.

Ouviu sua barriga rugir de fome no exato momento que o cheiro maravilhoso dos doces
panquecas atingiram seu nariz.

Abancou-se ao lado do maior, acompanhando ele na refeição.

Ambos estavam calados, mas o silêncio não era incômodo, eles estavam acostumados
demais a serem cobertos pelo silêncio para sequer notarem. Sempre foi assim em quase
toda a sua amizade e vida num modo geral; silencioso e aconchegante.

- Vai esperar eu sair para me contar o que diabos te trouxe aqui? - Deixou a pergunta
escapar entre uma garfada e outra.

O rapaz apenas levantou a cabeça e a encarou, parecia confuso, mas logo um sorriso largo
e empolgado se apossou do rosto delicado.

- Ah, verdade! - Bateu palminhas eufóricas. - Lembra da minha nova obsessão


gastronômica?

- A chefe de cozinha bonitona te notar? - O rapaz concordou animado. - Então sim, ela
notou?

- Bom, sim! - Jinsoul fez uma careta com o quão alto saiu a voz do rapaz. - Quer dizer, mais
ou menos, veja só... - Fez uma pequena pausa dramática, empurrando mais uma pedaço
generoso de panquecas para dentro. - A sorte pareceu finalmente estar do meu lado pois
ela me convocou para hoje a tarde para ajudar ela a criar novos pratos e a montar o menu
do próximo restaurante!

As últimas palavras foram ditas de forma fina e exclamativa seguida de pequenos gritinhos
eufóricos que traziam dor aos ouvidos sensíveis da morena. Amava seu amigo, mas
naquele momento queria batê-lo por gritar tão fino ao ponto de machucar seus tímpanos.

- Okay, os dias de glória realmente chegam para todos. - Pontuou batendo nas costas do
rapaz. - Parabéns, Nana. - Sorriu abertamente vendo Jaemin lhe sorrir de volta.

Estava orgulhosa do amigo, e ver os belos olhos a sua frente brilharem trouxe um ânimo a
mais em seu dia.

- Hoje a gente vai comemorar lá no hot sauce, e você não vai faltar dessa vez. - Pontuou
deixando seu olhar mais severo atingir Jinsoul. - Por favor, é algo importante e eu quero
comemorar com as pessoas importantes da minha vida antes de virar oficialmente escrevo
daquela mulher genial.

Jinsoul desviou o olhar e voltou a comer panquecas. Entendia o amigo, e pela escolha de
ambiente, sabia que o mesmo estava fazendo de tudo para se tornar confortável para
Jinsoul.

Uma enorme diferença entre ambos era que Jaemin adorava baladas, clubes e qualquer
local que tocasse música alta e cheirasse a suor, perfume e álcool. Inclusive, ele trabalhou
por muito tempo em um desses locais.

Mas lá estava ele, escolhendo um restaurante que servia uma boa comida mexicana e que
era muito amado por ambos, mas que dificilmente seria a primeira escolha do rapaz para as
comemorações.

Jaemin estava se esforçando apenas para ter a presença de Jinsoul.

- Não garanto chegar na hora exata, talvez um pouco atrasada, okay? Tenho umas
coisinhas para resolver hoje. - Olhou para o amigo que agora fazia uma pequena dancinha
da vitória no banco. - O que eu não faço por você?

- Posso te dar uma extensa lista. - Retrucou, e Jinsoul apenas o empurra fazendo-o quase
cair do banco. - Sempre tão delicada...

Eles não ficaram por muito tempo ali, tinham os seus afazeres, e para compensar o agito
que Jaemin trouxe para as manhãs monótonas da Jung o mesmo lhe levou até banco bem
no centro da cidade. Não custava muito, era caminho de todo jeito.

Assim que a morena saiu do conversível acompanhada pelo mais alto, alguns olhares
caíram sobre si, principalmente quando o mesmo rapaz resolveu lhe acompanhar porta a
dentro.
Jaemin sorria de forma convencida e descansava um dos braços nos ombros de Jinsoul,
essa que apenas mantinha-se neutra a tudo aquilo. Não gostava de chamar atenção, mas
para sua infelicidade Jaemin adorava um espetáculo.

- Dê um sorriso, eu estou proporcionando fofoca e informações para os pau mandado do


seu padrasto. - Cochichou, deixando claro o seu divertimento. - Ficarão bem ocupados.

- Claro, sou muito grata por isso! - Deixou-se sorrir falsamente. - Até porque eu adoro
quando as pessoas especulam sobre minha vida amorosa, principalmente meu padrasto
controlador, que acha que porque a filha dele mora comigo tem direito a por homens
fardados pra "checar" as coisas!

Apertou os ombros do Na com certa força, desmanchando o sorriso de divertimento que


antes brincava em seus lábios e dando lugar a uma careta de dor.

Diminuiu a distância entre seus corpos o abraçando fortemente, sendo retribuída de muito
bom grado. A Jung não costumava ser carinhosa, e Jaemin sabia disso, por isso deixou-se
engolir em seco.

- Só não te mato porque não aceito ser presa por algo tão insignificante. - Sibilou no pé do
ouvido fazendo o rapaz arrepiar. - Te vejo a noite.

Sorriu uma última vez antes de andar para dentro daquele lugar, pegando o elevador e
tendo como uma última visão os olhos arregalados de seu amigo.

Era divertido aterrorizar o pobre rapaz, isso Jinsoul nunca negaria.

[...]

A mão rígida e carrancuda do velhinho rabugento que dirigia o táxi fez Jinsoul pular no
banco traseiro sentindo seu coração pular junto.

Olhos quase completamente fechados e uma expressão nada boa a fez arregalar os olhos
quase culpada, se apressou em dar-lhe a quantia da corrida, saiu do carro o vendo arrancar
pela pista.

A Jung ainda sentia-se um pouco atordoada e sua aparência provavelmente estava


péssima, não teve tempo de passar em casa e seu cansaço era tanto que apagou no banco
de trás do táxi. O quão perigoso isso poderia ser? Jinsoul só poderia estar brincando com
uma sorte que nunca tivera.

Deixou seus dedos finos e delicados passarem por toda a extensão dos fios escuros, os
arrumando da melhor forma. Respirou fundo, visualizando o aconchegante restaurante do
outro lado da rua.

Gostava daquele lugar, mas tinha que admitir que não ia ali a um tempinho. Andava tão
ocupada com tudo, tão imersa em si própria e em tentar tirar Jungeun de sua cabeça, que
mal reparava no mundo real, esse que nunca parava de rodar, igual o tempo nunca parava
de passar, e Jinsoul nunca o acompanhava.

Sempre teve essa maldita mania. Sempre presa em tempos passados, lotados por solidão e
um caos que ela mesma ocasionava com o tempo.

A Jung havia acostumado-se a ser apenas uma figurante em sua própria história, sempre
no piloto automático, era mais fácil assim. E Jinsoul sempre teve a tendência a escolher o
caminho que lhe daria menos trabalho. E no caso, no momento estava sendo distraindo sua
mente ou passando horas pintando e pintando até seu pulso não aguentar mais.

Ajeitou seu blazer respirando fundo antes de adentrar o restaurante. O cheiro delicioso de
comida muito bem apimentada atingiu-lhe em cheio assim que fizera, sua barriga roncou em
resposta.

Fazia quanto tempo desde sua última refeição?

- Peixinho esquisito! - A voz animada gritou-lhe, mas antes mesmo que pudesse fazer ou
falar algo, braços fortes lhe abraçaram. - Me fez ganhar cenzinho só pela sua ilustre
presença.

Bagunçou as madeixas da Jung, sentindo-a lhe empurrar fortemente. Seu olhar era sério e
Sooyoung por um segundo pensou ter passado dos limites, mas assim que a morena
estendeu a mão, um sorriso orgulhoso pintou os lábios de Sooyoung; estava orgulhosa de
sua criação.

- Vocês combinaram isso? - A voz melodiosa de Kim Sookyung chamou a atenção de


ambas. - Convenhamos, a Soo nunca apostaria a seu favor.

- Isso foi cruel. - Detalhou a Jung. - Mas não, eu apenas já havia cedido aos humilhantes
pedidos do Nana. - Fitou o rapaz vendo-o sorrir abertamente, não se importando em ser
exposto. - Espero não ter atrasado tanto.

- Só alguns minutos, pensei que seria mais. - Comentou o rapaz vendo a Jung concordar. -
Vai ficar aí parada pra sempre? Vamos, sente-se logo!

Guardou as cédulas que a Há depositou em sua mão e abancou-se na mesa como o amigo
instituiu, deixando seu corpo relaxar minimamente. Sooyoung estava sentada à sua frente,
tendo Jiwoo e Sookyung ao seu lado. Já o Na estava a sua direita com Mark, dessa vez
sem avental e com um cabelo mais arrumado.

Havia mais algumas pessoas ali, mas não os conhecia realmente, apenas lembrava
brevemente de seus rostos. Eram amigos de Jaemin, mas definitivamente não seus.

- Soul! - A voz esganiçada de Jiwoo exclamou, tendo total atenção da maior sobre si. -
Quando iremos sair juntas de novo? Está me enrolando a quase um mês!
A indignação na voz da garota sorridente trouxa um riso fraco e um tanto culposo aos lábios
da Jung, essa que apenas encolheu-se e tratou de tomar mais um gole de seu suco. Não
estava fazendo por mal, mas com certeza era proposital.

Sair com Jiwoo significava estar um passo mais próxima de encontrar com Jungeun, tudo
que ela menos queria. Poderia chama-la de covarde, sabia que era mesmo, mas não estava
pronta para olhar naqueles olhos e vê novamente aquele maldito brilho de puro
arrependimento ou raivosos.

Não conseguia imaginar qual seria pior, porém os achava belos, queria um dia pintá-los e
deixar a marca registrada do quão verdadeiros e sentimentais eles podem ser.

- Até quando irá enrolá-la? - Foi a vez de Sooyoung se pronunciar.

- Não mais que você. - Alfinetou vendo as bochechas da Ha ganharem uma coloração
avermelhada. - Em breve iremos, só marcar e eu estarei lá.

Soltou uma piscadela na direção de Jiwoo, que apenas comemorou soltando pequenos
gritinhos histéricos.

Era fofo a empolgação excessiva acompanhado de um dos sorrisos mais sinceros que
Jinsoul já viu. Não julgava a melhor amiga por ser tão apaixonada por Jiwoo; ela brilhava
como a porcaria de um sol.

A morena ria das bobagens ditas pela de franjinha, essa que parecia empenhada em a
distrair a noite inteira, tornando tudo ali um pouco mais suportável.

Depois de um tempo notou que a garota tinha dessas coisas, gostava de deixar todos o
mais confortável possível, conversando e brincando com cada um deles. Isso a tornava
ainda mais bonita, Jinsoul com certeza apoiaria se caso Sooyoung decidisse casar com ela
e fugir para as montanhas, também faria o mesmo e mandaria construir uma casa ao lado
da delas.

Seria uma vida pacata, tranquila, mas nunca entediante; Jiwoo nunca deixaria se tornar
entediante, nem mesmo com o tempo passando e Sooyoung se tornando cada vez mais
rabugenta.

Deixou um pouco o meio de tudo aquilo, onde para sua infelicidade mais pessoas tinham
chegado, e foi fumar um pouco na área de cima. Essa era uma das vantagens do hot sauce,
além, é claro, da comida divina que serviam e dos drinks exóticos. Pensava que pela
existência de um segundo andar, Jinsoul gostava mais dali, bem mais.

Não era nada demais, só um deque bem decorado com diversas luzes alaranjadas,
algumas mesas espalhadas por ali e uma área com puffs amarelos e vermelhos. Era
simples, tranquilo e a brisa da noite parecia cair muito tempo, principalmente quando Jinsoul
chegava naquele estado de leveza depois de alguns drinks e risadas entre amigos.
Retirou um de seus cigarros especiais da carteira juntamente com o isqueiro dourado com o
brasão de sua família; gostava dele, tinha roubado de seu pai quando mais nova, e bem,
era uma boa forma de mantê-lo consigo.

Assim que deu a primeira tragada sentiu seus pulmões reclamarem, eles não eram mais tão
fortes quanto antes, mas ainda aguentavam o tranco. Deixou a fumaça sair por seus lábios,
agora entreabertos, sentindo o gosto de menta e canela bastante presentes em sua boca.

Odiava canela, mas gostava que seus cigarros tivessem pelo menos um pouco.

- Picasso coreano! Volta para a terra e para de ignorar minha existência. - Se assustou
quando a voz um tanto embriagada de Sooyoung soou pelo lugar, ficando em alerta quando
as mãos nada delicadas sacudiram seus ombros. Quanto ela bebeu? Se perguntou dando
mais uma tragada. - Me sinto muito solitária quando faz isso. Sou uma criança que precisa
de atenção!

- Você não é mais uma criança, e pare de me chamar assim. - Resmungou virando o rosto
quando o bafo de bebida barata atingiu seu rosto. - Não tenho talento o suficiente para ter
tal apelido.

- Eu não me importo, apenas aceite meus apelidos carinhosos. - A mais alta sorriu
convencida, se jogando em um dos puffs próximo ao parapeito. - Posso voltar a te chamar
de peixe betta de novo.

Viu o corpo pender um pouco para trás.

- Não! Isso não! - Sua fala foi tão desesperada quanto suas ações.

Se aproximou da amiga, puxando ela para longe dali e a jogando dois puffs antes do
parapeito.

- Me dá aqui. - Tomou o cigarro da mão de Jinsoul, tragando-o. - Credo! Isso tem canela
!?

- Sim.

- Você não odiava canela?

Jinsoul não disse nada, apenas deu de ombro, deixando claro não se importar com aquilo
voltando a olhar a vista. Era bonita. Muito bonita.

As ruas de Incheon se mantinham acesas, a todo vapor, o que indicava não ser tão tarde
ainda, talvez uma meia noite ou um pouco mais? De todo modo, gostava da vista, a beleza
dela a distraía o suficiente para que sua mente não voltasse a lhe consumir.

- As vezes me pergunto porquê você é minha melhor amiga... - Sooyoung murmurou em um


tom pensativo. - Sempre está perdida nessa cabeçona, mas geralmente isso acontece mais
quando se trata de mim. - Jinsoul se afastou, indo até a escadaria pedir por água . - Me diz,
eu sou tão entediante assim?

Sua voz saiu mais alta, como se tivesse medo de Jinsoul não ouvia-lá, e realmente não teria
ouvido se a mesma não tivesse praticamente gritado.

Jaemin, que passava ali perto, pareceu ouvir também e isso o preocupou um pouco.

- O quê..? - Se aproximou da escadaria, começando a subir elas.

- Preciso de água. Sooyoung passou um pouco do limite. - Cochichou para ele, que
assentiu, saindo dali.

Jinsoul não se preocupou, conhecendo o amigo sabia que o mesmo logo voltaria com água
e provavelmente algo para comer.

Retornou para perto de Sooyoung, se jogando no puff ao seu lado, encarando-a por alguns
segundos. Não era o feito de Ha passar de seu limite, e quando passava, algo teria que ter
acontecido, Jinsoul só não sabia o quê.

Minutos antes de Jinsoul subir ela parecia bem, estava dançando com Jiwoo e parecendo
bem contente com tudo, e agora estava aqui? Assim? Suspirou, amanhã teria que perguntar
sobre isso.

- Pra ser sincera? Um pouco. - Seu tom foi tão sério, respondendo a pergunta feita pela
garota segundos atrás. Por um segundo Sooyoung deixou-se magoar com aquilo e Jinsoul
notou, então prosseguiu. - Mas eu também sou, por isso somos melhores amigas.

- Vou fingir que não é porque ninguém mais te aguenta. - Comentou a de cabelos curtos,
deixando um veneno semelhante ao de vingança banhar sua fala.

- Isso não é verdade. As pessoas amam me ter por perto.

- Claro, você só aparece uma vez na vida e outra na morte. - Deixou seu ombro bater no de
Jinsoul, a empurrando.

- Esse é o meu charme. - Jogou seu cabelo deixando um irritante sorriso preencher seus
lábios.

Sooyoung odiava aquele sorriso, era tão prepotente que sentia vontade de socar o belo
rosto de Jinsoul, mas nunca poderia julgá-la pois sabia que tinha um bem semelhante.

Antes mesmo que pudessem voltar a conversar, Jaemin apareceu ali com duas garrafinhas
de água e uma fatia do bolo encomendado mais cedo por Mark.

- Voltei! - Anunciou jogando uma das garrafas de água em Sooyoung, mas seus reflexos
não funcionavam, então a mesma bateu contra seu peito. - Nossa, você tá péssima.
- Obrigado. - Tentou abrir a garrafa, mas ao não ter sucesso, deu-lhe para Jinsoul que logo
o fez por ela. - Por que não tá lá embaixo?

Jaemin entregou uma fatia consideravelmente grande para Jinsoul se jogando no puff ao
seu lado segundos depois.

Deu uma última tragada em seu cigarro, apagando-o e o deixando num cantinho para pôr
no lixo depois. Jaemin não gostava tanto de cigarros, o lembrava infância, e ele odiava a
própria infância. Jinsoul o respeitava, por isso evitava fumar perto do rapaz.

- As pessoas estão muito bêbadas e quem eu queria que viesse não veio. - Deu de ombro,
não parecendo se importar muito.

- Oh, que merda. - Deu dois tapinhas nas costas do amigo. - Sooyoung beba a porra da
água!

- Tá, tá! Já tô bebendo. - Deu mais um gole, na garrafa praticamente intocada. - Mulher
mandona, pior que a minha mãe.

- Ninguém é pior que sua mãe.

Jinsoul concordou com o rapaz; a senhora Ha era uma mulher bastante autoritária, mas não
ruim, ela só queria o melhor para sua filha.

Assim que a garota deu mais um gole na garrafinha, Jinsoul decidiu que já era hora de lhe
entregar o bolo, vendo-a começar a devorá-lo em segundos.

- Poxa! Já faz um tempo, ein? - Disse Jaemin jogando-se um pouco para o lado,
escorando-se em Jinsoul. - Quer dizer, que a gente juntos assim, devíamos marcar mais
vezes.

- É... Pode ser. Vou ter muito tempo livre. - Realmente teria, principalmente se fosse para
distrair sua mente. - Agora duvido que você vá ter.

- Ah, eu nunca tenho. - Choramingou, parecendo cansado de toda aquela rotina. - Mas dou
um jeitinho se for pra passar mais tempo com minhas amigas mais antigas.

- Sentimentalismo demais. - Empurrou o corpo só rapaz, fazendo-o gargalhar.

O clima ali estava leve, assim como a brisa gélida que batia em seus rostos, Jinsoul ousava
dizer que aquele momento fora o ponto alto de sua noite.

Abriu a última garrafa de água e até teria a dado para Sooyoung se não tivesse a
encontrando com os lábios sujos de chantilly, arrancando-lhe uma boa risada; geralmente
era ela que se encontrava naquele tipo de situação, mas a Sooyoung bêbada conseguia a
superar, mesmo que nunca falassem disso.

- Do que está rindo? - Sooyoung perguntou levantando uma de suas sobrancelhas.


- De você. - Jaemin foi direto e Jinsoul concordou estendendo-lhe outra garrafa de água.

A garota abriu sua boca como se aquilo tivesse iluminado e respondido todos os seus
questionamentos, mesmo que não tivesse, o que fez a Jung e o Na caírem na gargalhada.

Sooyoung quando bêbada virava quase uma atração daquela cômica e adoráveis ao
mesmo tempo.

- Vem cá, bebezão...

Jinsoul aproximou-se do rosto da morena, passando a bainha de seu blazer nas laterais dos
lábios de Sooyoung limpando o chantilly que residia ali e a vendo fechar os olhos
sonolenta.

Qualquer pessoa que visse aquilo constataria que ambas eram um casal ou algo
semelhante, afinal, ninguém é tão íntimo assim, certo?

Talvez, mas quando se tem uma amizade tão longa quanto a de Jinsoul e Sooyoung, não
havia um limite para a intimidade. Por isso, aquela situação era algo normal de seus
cotidianos, onde deixava ambas contentes com algo mínimo; Jinsoul podia retribuir os
cuidados de Sooyoung como a mesma cuidava de si, e Sooyoung deixava-se ser cuidada
como sempre fazia com todos à sua volta.

A morena riu sonolenta quando Jinsoul passou o tecido levemente em seu nariz lhe fazendo
cócegas para então se afastar.

- Acho que já tá na hora de ir. - Comunicou já em pé vendo um pequeno bico se formar nos
lábios da amiga. - Não faça drama, até mesmo sua paixonite já foi embora.

- É... Eu tô sabendo. - Murmurou baixo, mas foi o suficiente para Jinsoul ao menos ter uma
suspeita do motivo de Sooyoung ter ficado naquele estado de embriaguez.

- Então, vamos? - Insistiu, vendo até mesmo Jaemin concordar. - Veio no carro?

- Ela veio, eu não. - Disse o rapaz, aceitando a ajuda de Jinsoul para levantar. - Rola uma
carona?

Jinsoul concordou e viu um sorriso agradecido brotar nos lábios do rapaz.

Ele não estava bêbado, na verdade, estava muito longe disso. Uma das coisas que mais
tinham em comum era o breve receio que tinham com a bebida, claro, ambos bebiam, mas
nunca em grandes quantidades. Óbvio que vez ou outra passaram de seus limites, mas
eram ocasiões raras, já que não os agradava tanto.

De todo modo, assim como todos ali, Jaemin também tinham bebido o suficiente para ficar
no mínimo leve e provavelmente por conta disso, assim como Jinsoul, preferiu vim de táxi.
Queria que Sooyoung tivesse o mesmo cuidado e responsabilidade que o rapaz, mas pelo
visto não tinha. Pelo menos não nesse aspecto.

Estendeu a mão para ajudar Sooyoung a levantar, essa que bebeu o último gole de sua
água e então voltou a encarar Jinsoul, só por alguns segundos antes de resolver falar.

- Eu vou, mas... - Levou a mãos até a boca e Jinsoul pôde vê-la engolir algo, só não sabia o
quê, nem tinha certeza se queria descobrir. - Gostaria de saber antes quando você vai parar
de enrolar e fugir igual um gato assustado? - Oh, não. Péssima hora para isso. - Sério, você
beijou minha amiga mais antiga e agora está a dois meses fingindo que não aconteceu!?
Inacreditável, Jung Jinsoul!

Nunca quis tanto jogar sua amiga daquele bendito deque, mas respirou fundo contando
mentalmente, tentando fingir que as palavras de Sooyoung não pareciam socos dados em
seu estômago.

Ela estava bêbada, mal sabia o que falava, não podia culpá-la.

- Espera aí, a Picasso beijou alguém!? - Estava ferrada, com certeza estava. Fechou os
olhos por uns segundos sentindo sua cabeça latejar. - Tipo, ela, Jung Jinsoul, tomou
iniciativa e beijou alguém?

- Isso mesmo. - Sooyoung confirmou. - Minha amiga mais antiga, inclusive.

- Porra! - Estava de olhos fechados, mas conseguia sentir a surpresa na voz do amigo, esse
que provavelmente tinha um sorriso malicioso nos lábios. - Por que você não me conta
essas coisas!?

Sentiu seu corpo ser empurrado fazendo-lhe cambalear para o lado, mas foi bom, muito
bom, pois sentiu sua alma retornar para o corpo como se tivesse reiniciado.

Pegou nos pulsos de Sooyoung a forçando a levantar, para a sua sorte, a mesma não fez
um grande alvoroço, apenas se levantou com certa dificuldade e passou um de seus braços
pelos ombros de Jinsoul usando-a de apoio.

- Porque não era para ter acontecido. - Disse simples. - Foi um erro. Não quero falar sobre
isso. - Começou a caminhar para a escadaria, Jaemin a sua frente para auxiliar a descida. -
E você mantenha essa boca fechada.

- Sim, capitã peixinho Betta! - Tentou bater continência, mas foi impedida por um Jinsoul
furiosa. - Sem graça...

Negou com a cabeça, não acreditando no quão infantil sua amiga se tornava quando
bêbada, e olha que já nem estava tanto.

Depois de descerem as escadas, Jaemin acertar a conta e adentrarem o carro, todo o


caminho até a casa do rapaz e depois para o prédio de Jinsoul aconteceu em um silêncio
sepulcral, provavelmente dado ao fato de que assim que sobraram a primeira esquina
Sooyoung já tinha encostado a cabeça no vidro e apagado de vez. Jaemin até mesmo fez
algumas piadas sobre a mulher ser do tipo que "goza e dorme" e Jinsoul riu de todas elas.

Mas foi quando adentrou o apartamento que um pequeno inferno se iniciou.

Evitar que Sooyoung fizesse barulho parecia uma missão impossível, mas que Jinsoul
cumpriu o suficiente para não acordar sua irmã, o que era bom; Chaewon nunca fica
contente com esse tipo de situação. Ninguém fica, sendo bem sincera.

Quando conseguiu levar a mulher para seu quarto, dar um banho rápido nela e lhe vestir
com roupas mais confortáveis que o jeans e a blusa social que usava, Jinsoul a jogou em
sua cama e a viu aninhar-se em suas cobertas apagando totalmente segundos depois.

Agradeceu aos céus por seu senso mínimo de higiene e arrumação que a fez trocar os
lençóis antes de sair de casa.

Fechou a porta do seu quarto depois de trocar suas roupas, vestindo algo mais confortável
e então retornando para a sala em passos cansados deixando seu corpo jogar-se de uma
vez no sofá de forma completamente esparramada, sua blusa havia subido um pouco
deixando seu abdômen à mostra, mas pouco se importava com isso.

Jinsoul estava em um de seus momentos mais relaxados ou cansados, depende muito do


ponto de vista, olhando o teto completamente branco de seu apartamento imaginando que
ele era uma grande tela onde ela poderia rabiscar e pintar diversas vezes apenas com sua
imaginação fértil.

Um pequeno suspiro saiu por seus lábios ao notar que sua mente, mesmo que
inconscientemente, reproduzia o quadro que agora estava na casa de Jungeun.

E quando mais um suspiro deixou seus lábios, pareceu, dessa vez, chamar a atenção de
sua irmã que apenas havia levantado-se para tomar um pouco de água e secretamente
saber se Jinsoul havia chegado. A morena sempre que saia acabava chegando nas caladas
da noite, muito tarde para Chaewon lhe esperar, mas a de madeixas azuladas continuava
preocupada com a irmã mais velha, por isso acabava levantando em meio às madrugadas
para saber se a mesma chegaria bem.

- Eu sei que está aí, Chaewon. - A morena quebrou o silêncio, assustando a mais nova. -
Sinto minha nuca queimar.

- Já pensou em procurar um médico? - Aproximou-se com um sorriso brincalhão.

- Super engraçada você, nossa... - Jinsoul revirou os olhos, sentando-se no sofá. - Ta


acordada porquê? Não te acordei não, né?

A mais nova nada disse, apenas apontou para a cozinha, e foi o suficiente para Jinsoul
entender o que a mesma estava tentando dizer. Sorriu brevemente deitando-se novamente
no sofá, desviando seus olhos cansados dos da mais nova e voltando a encarar a grande
tela branca que era o teto.
- Deveria ir para seu quarto, dormir na sua cama. - Comentou Chaewon seguindo para a
cozinha. - Vai acabar com torcicolo se dormir ai.

- Eu não vou dormir.

- Você sempre diz isso.

- Mas dessa vez é diferente, eu realmente não vou. - Levantou-se rapidamente tendo os
olhos ágeis da mais nova em cima de si. - Irei para a ateliê, não pintei nada hoje. Sinto que
estou delirando por pura abstinência.

A mais baixa apenas concordou com a cabeça dando de ombro, ignorando o drama parcial
da irmã, deixando claro que não se importava realmente com aquilo; tinha cansado de
tentar concertar os maus hábitos da irmã.

Por isso, sabendo que a conversa não mais continuaria, talvez por conta da sonolência
ainda presente na irmã ou pelo cansaço evidente, Jinsoul apenas seguiu para o ateliê
depois de deixar o envelope médio entregue pelo seu padrasto.

E Chaewon novamente estava sozinha; só ela, a sala silenciosa e um envelope com


algumas cédulas. Como todo mês o seu pai mandava, mesmo que não fosse necessário.

Novamente estava sozinha, mas não se importava. Pelo menos não mais. Estava mais
acostumada com a ausência de Jinsoul do que com a presença dela. Por mais que a
morena tentasse, e Chaewon sabia que ela tentava, ainda sim sua ausência era algo mais
rotineiro do que pode-se imaginar de alguém que mora no mesmo apartamento que você,
mas não se incomodava com isso, pois assim como Jinsoul, a mais nova também tinha se
acostumado a ser sozinha.

Chaewon se refugiava em meio às belas flores e em grossos livros roubados das prateleiras
de sua irmã, era seu modo de lidar com a solidão.

- Tome cuidado para não lesionar seu pulso de novo e tente não ficar até tão tarde pintando.
- Alertou encostada na soleira da porta da irmã, vendo-a começar a preparar as tintas que
iria usar.

A luz alaranjada do ateliê parecia ter sido bem pensada, já que era o suficiente para se ter
iluminação, mas não para queimar os olhos de Jinsoul a incomodar. Sorriu ao pensar no
cuidado que sua irmã teve com isso.

- Falando assim até parece que você é a mais velha. - Resmungou misturando o solvente
com um pouco da tinta vermelha viva.

- Em questão de idade você pode até ser a mais velha, mas em questão de mentalidade
todos sabemos que eu ganho de você. - Soltou uma piscadela vendo Jinsoul apenas lhe
ignorar.
- Tá, tá! Não tenho argumentos sobre isso. - Chaewon sorriu com a vitória. - Agora volte a
dormir, amanhã você acordar cedo.

Tinha um tom preocupado na voz da mais velha, mas não só isso, aquelas palavras eram
uma forma menos grosseira de pedir para que Chaewon a deixasse sozinha e a mais nova
sabia bem disso. Já tinha perdido as contas de quantas vezes ouviu as mesmas palavras
durante diversas madrugadas.

Resolveu acatar o pedido, dando um boa noite para a irmã e a deixando sozinha ali,
voltando a ficar sozinha novamente, e por mais deprimente que fosse, sentia-se feliz ou só
tinha se convencido que a solidão não era de um todo ruim.

[...]

Por mais tarde que fosse, Jinsoul ainda se mantinha lá, perdida entre a melancolia da
madrugada e a solidão de seu ateliê pintando sem nem ter um momento de descanso, seu
pulso já latejava de dor e sabão que devia ouvir o conselho dado por Chaewon mais cedo,
porém não o ouviu e continuou a dar pinceladas por todo aquele quadro. Ele era maior do
que os que costumava pintar e sabia que o trabalho seria sobrado, mas isso não importava
realmente, pois essa era a vida de Jinsoul, foi a vida dela por todo esse tempo, e
sinceramente falando, achava impossível de ser mudada.

Estava perdida, completamente perdida em si mesma enquanto despejava um pouco mais


de bordô naquela pintura, que se não fosse seu momento de completa desatenção, talvez
não tivesse ouvido a campainha tocar e nem estaria andando até a porta para saber de
quem se tratava.

Poderia ter esperado por Chaewon, esperado ela acordar e abrir a porta, dando uma
resposta afiada para quem quer que estivesse atrás daquela madeira muito bem
envernizada. Mas preferiu não esperar, seria injusto com sua irmã.

Por isso não tardou em abrir a porta, deixando os olhos arregalarem e suas finas
sobrancelhas levantarem em pura surpresa. Não esperava visita a essa hora, nem esperava
que a visita seria a loira que mora em todos os seus pensamentos, ou na maioria deles, e
que não a via por mais ou menos dois meses.

- Jungeun? - Chamou tentando atrair a atenção da garota para si, tendo sucesso, logo
prosseguindo. - Aconteceu algo?

A garota nada respondeu, deixando o silêncio tomar conta de tudo.

Em particular, Jung gostava do silêncio absoluto que pairava em seu quarto ou no


apartamento inteiro, mas naquele momento ele a incomodou.

Talvez pelo olhar vago que Jungeun lhe lançava, nunca se acostumaria com ele, e disso
Jinsoul tinha certeza. Às orbes cinzas tão sem vida, perdida em locais que a Jung tinha
medo de imaginar, pois aqueles olhos opacos podiam transmitir um pouco da agonia de sua
alma, causando uma pontada forte de preocupação e fascinação ao peito de Jinsoul.
Acordou de seus devaneios, sentindo o corpo quente aproximar-se do seu, encostando a
testa em seu peito, pedindo inconscientemente por um conforto que Jung duvidou que
poderia dar.

A Kim só queria descansar sua alma nos braços de alguém, não importava quem seria, mas
precisava disso por mais que nunca fosse admitir isso em voz alta. Jinsoul sabia disso e
poderia ser essa pessoa, pelo menos por essa noite, mas não prometia o amanhã.

Por isso não tardou em abraçar o corpo fraco que havia vagado pelas ruas frias até a porta
de seu apartamento.

- Me deixa ficar... - A voz quase inexistente de Jungeun se fez presente.

- Claro, quanto tempo for preciso. - Respondeu Jinsoul, por mais que não tivesse certeza
sobre o que a loira referia-se. - Vamos entrar, okay?

Apertou seus braços envolta do corpo pequeno, deixando um beijo no topo de sua cabeça
antes de soltá-lo com um temor em seu peito. Deu dois passos para trás, dando espaço
para que Jungeun entrasse de vez, fechando a porta logo em seguida.

A loira não parecia querer conversar, nem conseguir manter uma conversa por conta de seu
estado. Jinsoul sabia que a sobriedade absoluta não residia no corpo da Kim, pois sentiu o
cheiro forte de álcool misturando-se com o perfume doce que a mesma usava naquela
noite.

Isso fez Jinsoul questionar se a loira havia mudado definitivamente de perfume ou se foi
apenas aquela noite, já que sabia bem da preferência de Jungeun por perfumes cítricos e
amadeirados, mas dificilmente adocicados demais, e aquele definitivamente era tão doce
quanto caramelo.

- Resolveu mudar de perfume? - Perguntou acendendo a luz da cozinha.

- Não, usei esse apenas para tentar algo novo. - Murmurou pendendo sua cabeça para o
lado. - Mas não irei usá-lo novamente se é isso que quer saber.

- Bem, todas as fragrâncias combinam com você então... - Estendeu um copo cheio de
água em direção a loira sentindo suas bochechas arderem. - Mas o cítrico é o que mais me
agrada.

Jungeun pensou em dizer que sabia bem daquilo, por isso começou a usar com mais
frequência, pois além de agradar a si mesma, agradava também a introvertida pintora. Mas
no final guardou seu pensamento para si e concordou com a cabeça já bebendo todo o
líquido transparente que preenchia o copo.

Poderia estar bêbada, mas nunca iria expor a si mesma enquanto tivesse assim, pois ainda
lhe restava um fio de sobriedade.
Às vezes pessoas guardam tantas coisas dentro de si que nem mesmo a bebida é capaz de
retirá-las de lá, e com certeza Jungeun era uma dessas pessoas.

Jinsoul respirou fundo abraçando o próprio corpo enquanto encarava aquela garota; a
garota que tinha virado sua vida de cabeça para baixo sem nem precisar fazer muito.
Analisou bem vendo os cabelos um pouco desgrenhados, que não condizia nenhum pouco
com as roupas muito bem postas, a maquiagem simples e um corte em seu lábio.

Parecia ser recente, muito recente, talvez tenha acontecido algumas horas antes dela
chegar ali. Não tinha certeza, nem sabia se Jungeun tinha se importado com isso. Na
verdade, pelo estado que se encontrava duvidava que a mesma estivesse se importando
com algo.

Desceu um pouco o olhar vendo a camisa larga que a garota usava, provavelmente por
conta dos furos, mesmo tendo se passado dois meses Jinsoul sabia bem o quanto ainda
incomodava, mesmo nunca tendo furado os seus.

Um estalo passou por sua mente e uma preocupação lhe atingiu: A cicatrização.

Jungeun tinha bebido, isso era péssimo, retardavam e poderia ocasionar em diversos
problemas, mas torcia para que não. Já se passaram dois meses, não era possível que
ainda estivesse tão sensível ao ponto de foder com tudo por conta de uma noite, né?

- Você acredita em sorte? - A voz melodiosa a trouxe de volta, perguntando.

Ela sorria fracamente enquanto perguntava, Jinsoul queria não ter ficado hipnotizada por
alguns segundos naquele sorriso, tendo que balançar a cabeça para voltar ao seu estado
normal, ainda sim, não tinha conseguido muito êxito.

Focou mais uma vez nos lábios avermelhados vendo novamente sangue seco no canto dos
lábios carnudos trazendo de volta a mesma pergunta: O quê aconteceu antes de chegar
aqui? Será que tem muito mais além de um lábio cortado?

- Não sei bem se acredito. - Respondeu de forma incerta, guiando-se para o sofá e vendo
Jungeun fazer o mesmo após pôr o copo vazio no balcão.

- Você acredita que eu possa algum dia ser a sua sorte? - Fez outra pergunta, agora
olhando nos olhos de Jinsoul, roubando todo o seu oxigênio.

Seus olhos encontravam-se e mesmo que Jinsoul não tivesse respondido, o rubor em suas
bochechas, juntamente com os olhos medrosos e o pequeno sorriso em seus lábios já
respondia a pergunta tão direta de Jungeun.

Essa era parte boa de Jinsoul, por mais que não falasse muito, seus olhos e suas
expressões sempre a entregariam; era sua maldição.
Seu físico sempre reagia bem mais as suas emoções, não era difícil de lê-la, só precisava
prestar um pouquinho de atenção e tudo se tornaria mais claro; para sua completa
infelicidade, Jungeun parecia ser do tipo observadora.

- Vem cá, vamos limpar isso. - A mais velha ignorou a pergunta rodeando o pulso de
Jungeun, puxando-a até a confortável sofá, sentando-a lá e saindo em busca de seu kit.

A cabeça de Jungeun nem ao menos parecia raciocinar naquele momento, o olhar vago
deixava aquilo claro para Jinsoul. Parecia estar em transe, ter se perdido dentro de sua
própria mente, e talvez ela realmente estivesse.

Jinsoul não sabia o que fazer, nem sabia se tinha o que fazer com relação a tudo. Ela não
poderia trazer alguém de volta, poderia? Claro que não, ela nem mesmo consegue se trazer
de volta, quem dirá trazer Jungeun.

Mas a vida era assim e não tem nada que ela possa fazer sobre isso.

Sabemos que somos fracos, mas só realmente nos sentimos assim quando nos é provado;
quando a impotência nos atinge. Quando algo vem na intenção de acabar com a felicidade
que quase já não somos capazes de produzir no dia a dia.

- Ooh... Isso dói! - Jungeun gemeu de pura dor quando o algodão banhado em soro atingiu
o machucado.

Ela não sabia quando Jinsoul havia voltado, para ser sincera, nem ao menos a viu sair; sua
cabeça realmente estava uma bagunça; porém, agora ela estava ali ajoelhada na sua frente
tendo uma de suas mãos pressionando seu joelho provavelmente para conseguir manter o
equilíbrio.

- Desculpa, serei mais delicada. - Sorriu de lado voltando a pressionar o algodão na pele da
loira.

- Isso é impossível... - Murmurou completamente alheia, mas logo percebeu que seus
pensamentos acabaram escapando de seus lábios.

Os olhos cansados de Jinsoul a encaravam com uma certa incompreensão.

- O que é impossível?

- Você ser mais delicada do que já é... - Jinsoul respirou fundo sentindo seu coração bater
fortemente; a noite seria longa. - ...Isso é impossível.

Jinsoul a encarou por mais tempo do que era recomendado, engolindo em seco ao sentir as
borboletas darem voltas e mais voltas em seu estômago, ficar ali estava se tornando muito
perigoso.
Afastou o algodão dos lábios de Jungeun. Já estavam desinfectados. Levantou com
cuidado, mas ainda sentiu a tontura lhe atingir, não por causa do movimento, mas sim da
loira a sua frente.

Ela ainda lhe analisava, aqueles malditos olhos não saindo de si, lhe encarando como se
vissem toda a sua alma; como se Jinsoul a pertencesse.

Precisava sair dali, voltar a respirar um ar diferente, longe de Jungeun, longe do perigo que
ela representa.

Isso. Faria exatamente isso.

Pegaria uma coberta para ela, a entregaria, e depois se trancaria novamente em seu ateliê.
Com sorte ela não precisaria ver a loira no dia seguinte, não precisaria lidar com seu
coração martelando e nem com sua obsessão aumentando.

E foi isso que fez, trouxe uma de suas cobertas para Jungeun, essa que já tinha retirado
seus sapatos e jogado em algum canto da sala igual tinha feito com a jaqueta que antes
usava.

Escutou um agradecimento e sorriu brevemente. Estava pronta para ir embora, pronta para
descontar tudo naquele maldito quadro que estava pintando todo em tons que a lembrava
Kim Jungeun.

Que a lembrava a bagunça e o caos que sua vida e sua mente estavam se tornando.

O problema era que os planos de Jungeun eram diferentes dos de Jinsoul, e quando a
morena fez menção de retirar-se, digitais finas enroscaram em seu pulso a parando ali
mesmo.

De repente seus muros não mais existiam, só o formigamento em sua pele, a ansiedade em
seu peito.

Céus! O que diabos está acontecendo com você, Jinsoul!?

Pensou sentindo sua garganta fechar-se por míseros segundos e sua visão embaçar. Não
queria chorar, muito pelo contrário, queria gritar.

Mas o que gritaria?

Ou melhor, para quem gritaria?

- Jinsoul, fica aqui... Comigo. - A Jung encarou a loira, e céus! Nunca tinha a visto daquela
forma. No máximo um vislumbre. Mas aquilo... Aquilo era essência pura. Poderia pintar
milhões de quadros de uma vez só, todos eles trariam inveja aos clássicos feitos por
Picasso, Monet, Michelangelo... - Fique aqui essa noite. Só essa.
- Porquê? - Aquela simples palavra que saiu dos lábios rosados fez com que Jungeun se
encolhesse.

Jinsoul notou isso, mas nada disse.

Precisava de uma resposta. Não uma desculpa esfarrapada. Não elogios baratos ou
implicâncias charmosas. Precisava de uma resposta sincera vinda de alguém que mais
parecia estar em pedaços, mas que mesmo assim, era a obra de arte mais bela já vista
pelos olhos de uma artista; por Jinsoul.

- Porquê talvez eu esteja sozinha e vazia há muito mais tempo do que se é aconselhável. -
Tentou sorrir para amenizar tudo, mas aquele sorriso apenas deixou mais claro o quão
quebrada Jungeun estava. - E estranhamente não me sinto assim quando estou com você.
Então, por favor...

Por essa Jinsoul definitivamente não esperava.

Mas seu coração sentiu um estranho conforto com aquilo, por isso não tentou negar suas
vontades, não tinha forças para isso.

Rastejou pelo sofá ocupando o lugar vago atrás de Jungeun, que apenas deitou-se puxando
consigo a coberta, escondendo seu rosto no peito da morena, essa que logo enlaçou sua
cintura com os braços finos abraçando-a com tamanha proteção; uma forma silenciosa de
dizer que estava tudo bem, que ela estaria segura.

O mais curioso era que, com o passar do tempo e a respiração tranquila batendo na pele de
seu pescoço, Jinsoul afagava as madeixas loiras com carinho enquanto sucumbia a um
sono que não sabia que tinha.

Talvez estivesse tão relaxada que nem o notou chegando ou talvez não fizesse ideia só
quanto precisava ter Jungeun em seus braços, a sensação era ótima, seu peito explodia em
uma tranquilidade quase assustadora.

Talvez nem Jungeun soubesse disso. Talvez nem mesmo ela soubesse que estava cansada
de ter que ser giganta para encarar a vida.

A última lembrança que sua mente sonolenta captou foi a de Jungeun se aconchegando um
pouco mais contra seu corpo até se sentir pequenininha, desarmada, indefesa, como nunca
parecia poder ser. É como derreter.

Jinsoul sorriu pequeno, feliz por poder proporcionar um momento de paz para alguém cuja
mente parecia tão perturbada.

Feliz por poder ser a casa de Jungeun por uma única noite.
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Narrador Point of View

Para Jinsoul todas as noites eram iguais, seus próprios olhos a atormentavam, o próprio nó
de sua garganta a enforcava e sufocava tudo que ela era, e sua mente... Ah, essa sempre
foi a pior, já que era seu próprio diabo que sempre a presenteava com o pior que tinha a lhe
oferecer.

Odiava as noites, a insônia, o caos que se alastrava dentro de si, mas amava o silêncio;
independente do quão desagradável fossem suas noites, ainda preferia passar por elas
sozinha, enfrentar seus demônios cara a cara.

Desde que seu pai morreu, Jinsoul parou de fugir pois tinha a ciência de que não importava
o quão rápido corresse, o quanto se ocupasse, hora ou outra tudo que mais temia a
alcançaria e a destruiria mais uma vez.

Mas naquela noite, pela primeira vez desde seus quatorze anos, Jinsoul não teve seus
demônios atormentando ou sonhos amedrontadores, muito pelo contrário, sequer sonhou
alguma coisa.

Nada.

Não tinha nada.

Não existia nada além de seu corpo e o de Jungeun colados um no outro, sentindo o calor
que irradiava se tornar tão confortável que Jinsoul desejou nunca sair dali, nunca deixar
Jungeun escapar de seus braços... Ou nunca deixar de ser uma casa para aquela alma.

Mas o problema só realmente lhe atingiu quando o sofá já não estava mais quente e
apertado; entre um segundo de descanso mental e outro quando não mais sentia as coisas
ao seu redor, aquele sofá se tornou vazio e o peito de Jinsoul ardeu assim como os seus
olhos por conta da claridade vinda da janela.

Ela foi embora.... Ela foi embora.

Aquela constatação parecia amarga demais para uma manhã de quinta.

Deixou que suas mãos tomassem seu rosto o cobrindo e abafando o grito que saiu de sua
garganta.

Frustração; essa era a palavra que mais descrevia o que estava sentindo naquele
momento.
Estava frustrada e um pouco decepcionada. Só não sabia com o que e nem o porquê,
mesmo assim estava, e tinha certeza que tal sentimento não sumiria tão rápido.

- Woow, por essa eu não esperava. - Ouviu a voz ainda sonolenta ecoar. Tinha um estranho
bom humor nela. Jinsoul a invejou profundamente. - Dormiu na sala? Espera... Você
dormiu!?

Revirou os olhos.

Como Sooyoung conseguia fazer piadinhas em plena... Pensou em procurar seu celular,
mas devia estar descansando em algum canto de seu quarto, então olhou para o relógio em
seu pulso vendo os ponteiros indicarem oito e quarenta da manhã. Cedo, muito cedo.

Procurou coragem no fundo de sua alma e encarou Sooyoung.

- Não, eu meditei durante toda a noite nesse sofá de merda. - Ninguém poderia julgar seu
palavreado, muito menos o mau humor. - O quê está fazendo acordada essa hora?

Sooyoung deu de ombro, caminhando para a cozinha sem se importar muito com a
grosseria de Jinsoul, muito menos com a pergunta lhe feita.

Mesmo assim, depois de pegar um copo de água e alguns remédios na caixinha que ficava
na última porta do armário, Sooyoung resolveu responder com um descaso enorme:

- Não sei, apenas acordei. - Jinsoul a viu tomar três remédios diferentes de uma única vez,
provavelmente para cessar uma possível dor de cabeça e uma futura ressaca. - Ouvi a
porta bater, pensei que você ou a butterfly tinha saído, mas aparentemente nenhuma das
duas fez.

Então era recente... Não fazia muito tempo que Jungeun tinha partido.

Jinsoul mordeu o lábio inferior sem nem perceber, mal notando a força que fazia, mas
ficando ciente do gosto metálico se alastrando pela sua boca.

Nojento.

- Ah, deve ter sido coisa interligada com seu sonho. - Justificou vendo Sooyoung pensar,
parecia está tentando puxar algo na memória, então resolveu completar. - Ou sei lá, coisas
de pessoas com ressaca, não se pode confiar na mente quando está assim.

- Acha mesmo que eu vou acreditar nisso?

- Não.

- Ótimo, por um segundo pensei que estava duvidando da minha capacidade cerebral.

Jinsoul nunca faria isso, mas queria que a amiga não fosse tão observadora, e queria que
ela não a conhecesse o suficiente para notar que algo está errado. Mas como sua mãe
costuma dizer: Querer não é poder, apenas quando envolve dinheiro, aí as coisas mudam
de figura, caso contrário...

Suspirou deixando seu corpo cair novamente no sofá. Ainda podia sentir o cheiro doce do
perfume que Jungeun usava, ainda tinham rastros do furacão que era ela por ali,
espalhados por sua sala e pelo seu coração.

Clichê? Sim, mas Jinsoul tinha o direito de ser quando foi abandonada em uma manhã
ensolarada de quinta.

- Vai querer café? - Sentiu um pequeno tapa em suas pernas fazendo-a encolher as pernas
para que Sooyoung se sentasse. - Ou jujubas?

Jinsoul a encarou, aparentemente Sooyoung conseguiu ganhar sua atenção.

- Onde arranjaria jujubas? - Levantou um pouco vendo o perfil da amiga.

- Sairia para comprar, óbvio. - Gesticulou dando de ombros - Aproveito e compro nosso café
da manhã. - Viu os dedos longos começarem a alinhar os fios escuros do cabelo os
juntando e fazendo um coque alto. - Óbvio, para mim e Chaewon, dá ou comprar comida
para você pela manhã é um desperdício...

- Por que? - Sentou-se cruzando as pernas em borboleta.

- Você nunca come! - Tinha um tom acusatório, julgativo em sua voz

Jinsoul não gostou dele, cruzando os braços e comprimindo os lábios em pura birra.

- Eu não tenho culpa do meu estômago demorar um pouco mais a acordar que o normal. -
Resmungou como uma criança mimada. - Ele só acorda perto do meio-dia.

- Então, quando chegar meio-dia, a gente vê o que vamos almoçar. - Empurrou os ombros
da morena. - Vai querer as jujubas ou não?

Jinsoul parecia analisar com as sobrancelhas finas franzidas e uma pequena ruga se
formando em sua testa, futuramente poderia se tornar uma linha de expressão em seu
rosto, mas não ligava para isso.

Achava essa linhas, as rugas, os pé de galinha nos cantos dos olhos pequenos como uma
lembrança que conseguira viver, ou melhor, sobreviver até ali; e não tinha nada mais belo
do que as manchas que o tempo deixava nas pessoas, deixando claro que elas eram
sobreviventes em um mundo onde pendia para a autodestruição a cada segundo que se
passava.

- Tanto faz. - Resmungou voltando a se jogar no sofá. Não levantaria dali tão cedo.

Para sua sorte, ou azar, Sooyoung a conhecia mais do que ela própria e entendia que o
"tanto faz" da morena era uma confirmação silenciosa.
Minutos depois Sooyoung estava saindo por sua porta da mesma forma que Jungeun o fez,
a diferença era que Jinsoul tinha a visto ir, ela ao menos teve a decência de lhe avisar, já a
loira...

Esfregou o rosto furiosa, mesmo que não tivesse um motivo plausível para isso.

O que ela esperava, afinal? Que Jungeun tivesse ali quando acordasse e sua vida se
tornasse um pequeno inferno embaraçoso com perguntas vindas de sua melhor amiga e um
silêncio constrangedor de Jungeun?

Talvez a decisão tomada pela loira tenha sido a correta e Jinsoul fosse uma idiota
sentimental.

De todo modo, mesmo pondo a culpa no tempo ou na circunstância, o amargor que vinha
junto com o abandono não iria desaparecer; Jinsoul continuaria com seu peito em chamas
enquanto sua mente tenta pensar onde diabos a loira estaria, com quem estaria... Talvez
com Jeno? Ah, provavelmente, sim, devia está.

Aquela constatação fez seu corpo dar um único impulso, uma descarga elétrica passando
por ele, uma raiva misturada com o ácido da inveja pairando por si.

Tinha que pintar, não um, nem dois quadros... Tinha que pintar o suficiente para sua mão
adormecer, seus pulmões não aguentarem mais o cheiro forte da tinta, seu corpo desfalecer
pelas horas que não comia ou bebia nada.

Precisava se destruir para que aquele sentimento desaparecesse e sua arte, a única coisa
nobre que ainda residia em si, lhe ajudava bastante nessas horas.

Bateu a porta com mais força do que planejava fazendo um estrondo ecoou por todo o
apartamento, temeu ter acordado sua irmã, mas o silêncio que se estendeu depois
denunciou que não, seu descuido não foi tanto assim, nem o barulho alto o suficiente para
acordar Chaewon.

Diferentes das outras vezes Jinsoul não abriu as vidraças da porta que dava para uma
pequena sacada, esse que Jinsoul fora poucas vezes, mas que ainda estava ali e fez
questão de decorá-la o suficiente para não parecer completamente alheia ao espaço em si.

Dessa vez, no entanto, Jinsoul mantivera tudo fechado e quando começou a despejar a
terebintina não pôde evitar torcer o nariz para o cheiro; era forte, mas não a incomodava,
pelo menos não mais.

No começo, quando começou no ramo da pintura, não sabia ao certo em qual se encaixava
e demorou muito para achar a tinta a óleo e saber aplicá-la corretamente.

Quando começou, ainda lembrava do quanto seus olhos ardiam e a náusea que sentia vez
ou outra por conta do cheiro. Sempre fora sensível a cheiros, e o do solvente era forte, bem
forte. Mas com o tempo, e uma quase intoxicação por conta da aplicação incorreta, Jinsoul
acabou por se acostumar a ele.

Afinal, não era tão ruim, né?

Se sua arte a matasse, não seria de um todo ruim, teria uma morte tão artística quanto a
sua alma, mesmo que duvidasse que poderia morrer apenas por aquilo.

Começou a primeira demão de tinta, diferente dos outros quadros que fizera nos últimos
tempos, esse tinha tons vibrantes de azul. Não sabia se continuaria assim até o fim, nem se
no meio de tudo não descartaria ele e passaria seu estilete bem no meio destruindo todo o
trabalho, mas não importava.

Independente do futuro daquele quadro, ele nunca sairia de seu ateliê, pois nele tinha bem
mais da suas frustrações do que gostaria de admitir.

Aquele momento lhe era estranho, igual ao sentimentos explodindo em seu peito, porque
fazia dias que não se sentia bem, mas isso não a assustava, mas sim o fato de que fazia
dias que também não se sentia mal; a vida, a sua vida, andava neutra e monótona como
antes era.

E agora, no entanto, tudo tinha mudado novamente e a inconstância tinha lhe atingindo
como um soco no estômago; Jungeun tinha a feito sair daquela monotonia com algumas
palavras embriagadas e uma fragilidade desconhecida, e agora Jinsoul estava ali se
afogando em cores, em sentimentos, dos quais lhe adoeciam tanto quanto o cheiro forte do
solvente.

Entre uma pincelada e outra, um pouco de sua alma sendo deixava junto com elas e o
turbilhão de pensamentos em sua mente, Jinsoul se perguntou o que Taeyeon acharia de
tudo aquilo, mas também pensou em seu pai e isso a assustou o suficiente para que um
pincelada em um tom de verde vívido escorregasse pelo quadro e deixasse um erro
alarmante ali.

Respirou fundo sentindo seus olhos ardentemente e seu antebraço coçar.

Lágrimas estavam prestes a escorrer pelo seu rosto, só não sabia dizer o motivo delas: O
pensamento sobre seu pai ou a reação do solvente que usava?

Queria acreditar que era o segundo, mas a linha verde vivida e completamente desconexa
com os tons de azul ainda estava bem na sua frente, e o pensamento de que talvez seu pai
adorasse Jungeun ainda se mantinha ali.

Ele gostaria dela, né?

Todos gostavam de Jungeun, duvidava que seu pai fosse diferente. Aparentemente a loira
era um exemplo claro de simpatia e educação, as pessoas gostam disso, seu pai gostava
disso, e Jungeun é legal com todos, exceto, é claro, com Jinsoul.
- Por que estou pensando nisso? - Resmungou baixinho passando o antebraço pelos seus
olhos, secando aquelas lágrimas idiotas.

Respirou fundo mais uma vez, seu nariz já ardia, temeu que ele começasse a sangrar e ela
tivesse que parar seu momento de absolvição, que sendo bem sincera, Jinsoul duvidava
que faria.

Mesmo com seu nariz sangrando, duvidava que conseguiria ter forças para sair dali, para
soltar o pincel e deixar aquele lugar.

Então se afogaria em sangue, mas não deixaria seu ateliê.

Com as mãos trêmulas, Jinsoul despejou um pouco mais de tinta, dessa vez preta, a
incorporando no verde vívido. Se o deixasse mais escuro talvez conseguisse contornar
aquela falha, mesmo que lhe aparecesse errado, ainda o faria.

E o fez dando pinceladas trêmulas enquanto suas lágrimas escorriam pelo seu rosto
molhando a camisa que usava; estava apagando a memória de seu pai, o sentimento que
sentia ao pensar nele... Estava o traindo e traindo a sua alma por apagá-lo daquela forma.

Afastou-se lentamente quando viu que o resquício do verde vívido que antes se estendia
pelo quadro como uma falha, agora, no entanto, estava escuro e sombrio igual aos outros
tons ali, mesmo ainda ainda dava para vê-lo se forçasse um pouco seus olhos.

Quis rir ao lembrar das palavras amargas ditas por Sooyoung em uma das noites em que
bebia com a amiga em sua sacada, não tinha como apagar o passado, nem as pessoas,
elas e as feridas que deixavam eram as únicas infindas da vida. Ou você aprende a lidar
com elas, ou será engolida por elas. Não tem um meio termo.

Não existe meio-termo quando o assunto é sentimentos; Ou você os sente, ou não sente.

Jinsoul fechou os olhos por alguns segundos sentindo o peso em seus ombros, em seu
pincel, nem mesmo a pintura estava a impedindo de cair em um abismo sem fim.

Pensou que talvez o motivo tenha sido seus últimos dias e a forma como os viveu, não os
últimos meses, antes disso, antes do beijo Jinsoul viu as cores do mundo e adorou elas,
esse era o problema, pois agora tudo estava mais cinza do que nunca e pela primeira vez a
ausência das cores a incomodou.

Ouviu quatro batidas em sua porta, mas não disse nada, apenas encarou a madeira bem
envernizada esperando que quem quer que estivesse ali atrás se manifestasse ou fosse
logo embora.

- Soullie... Está muito ocupada? - Era Chaewon na porta e pelo silêncio, a garota pareceu
deduzir que não era uma boa hora. - Jaemin está aqui.

Mais silêncio e tudo que Jinsoul conseguia fazer era continuar respirando.
Podia sentir gotículas de suor descer por sua pele, se misturando as lágrimas de minutos
atrás, mas não ousou se mover ou dizer nada. Não conseguia. Sentia que no momento em
que fizesse tudo desmoronaria; ela desmoronaria.

- Vou avisar a ele que está ocupada. - Chaewon disse por fim se dando por vencido.

Não teria uma resposta, apenas o silêncio, então teria que arranjar uma.

Ouviu os passos se distanciar da porta e um suspiro deixou seus lábios, não de alívio, mas
sim de puro e vivido desespero. Jinsoul sentia-se mal por isso, por não conseguir reagir,
não conseguir fazer nada. Apertou o pincel com mais força como se pudesse transferir tudo
para ele, na podia, mas sabia que a cada pincelada um pouco do peso iria se esvair ou lhe
sufocar de vez.

Ao menos não ficaria naquele naufrágio eterno.

Fora daquele ateliê abafado estava Jaemin andando de um lado para o outro, bagunçando
os fios escuros do cabelo e vendo Chaewon começar a fazer o café, essa parecia bem mais
tranquila perante a situação.

Estava acostumada com situações assim, principalmente quando envolvia sua irmã, então
não se preocupava tanto.

O fato de situações como aquelas terem se tornado cotidianas para a Park parecia, no
mínimo, suspeita aos olhares aflitos de Jaemin, mas não falara nada sobre.

Pelo contrário, depois de alguns minutos rodando aquela sala, o garoto finalmente
sentou-se no banco em frente ao balcão.

Viu uma xícara de café ser posta à sua frente, quase que no mesmo segundo em que o
trinco da porta foi ouvido e a maçaneta foi girada, a porta sendo aberta segundos depois e
fazendo todos ali contemplarem a visão de Sooyoung.

- Esse apartamento e um bordel não tem tanta diferença. - Resmungou Chaewon, sempre
de mau humor pelo movimento que ficava aquele ambiente, mas no fundo todos sabiam
que ela não os desprezavam. - Só falta a música e as drogas.

- Essa última parte deve ter em alguma das gavetas de Jinsoul. - Sooyoung se aproximou
deixando as sacolas em cima da mesa. - Por que ele tá aqui? - Apontou para o garoto
vendo-o rir desacreditado com o descaso da amiga.

Chaewon só deu de ombro começando a mexer nas inúmeras sacolas deixadas ali por
Sooyoung, retirando uma caixa de donuts e uma torta de pêssego.

Sooyoung sorriu vendo a garota cortar um pedaço.

Às vezes tinha a teoria de que não só a irmã mais nova de Jinsoul, mas também a própria
Jinsoul, a aturava mais quando estavam se empanturrando de doce.
- Estava de folga até às três da tarde e resolvi passar aqui pra ver se vocês estavam vivas. -
Jaemin respondeu bebericando o café. - Mas aparentemente minha preocupação é
retribuída com farpas e descaso. - Dramatizou recebendo um olhar entediado de Sooyoung.
- Meus pobres sentimentos!

- Meeu deus, que gay dramático! - Sentou-se ao lado dele, exclamando. - Ei, cadê o peixe
betta?

- Trancada no ateliê, não quer sair de lá, nem sequer me responde. - Chaewon delatou
empurrando uma fatia da torta em direção a Sooyoung. - Jaemin ficou vinte minutos
surtando e eu fiz café enquanto isso, vai querer?

Sooyoung confirmou vendo a garota despejar o líquido escuro dentro de uma das xícaras; a
sua xícara. Acabava passando tanto tempo ali que, assim como as irmãs, também tinha
uma xícara específica que só ela usava. Era de um branco sem graça com alguns detalhes
em vermelho nas bordas semelhante a sangue, mas a melhor parte eram as palavras que
apareciam quando algo quente era despejado ali: Todos nós enlouquecemos às vezes.

Gostava da frase e ainda mais do filme.

Ainda lembrava do dia em que Jinsoul chegou com um sorriso gigantesco no rosto e a
xícara embrulhada para presente. No começo achou estranho, mas quando a usou pela
primeira vez pôde ver as palavras surgindo aos poucos e a forma como os olhos da amiga
brilhavam em empolgação, Sooyoung nunca ficou tão feliz por conta de uma xícara.

Sendo bem sincera, talvez nem sequer fosse pela xícara, mas sim pelo cuidado que Jinsoul
teve em escolhê-la.

A artista nunca foi lá muito fã de filmes de terror, diferente de Sooyoung que adorava eles e
a fez assistir todos os de Alfred Hitchcock, alegando que a garota precisava ter cultura.
Jinsoul viu todos, mas não podia dizer que gostava, definitivamente não era seu estilo, mas
mesmo assim os viu diversas vezes junto com a morena alta.

E bem, psicose era um dos favoritos de Sooyoung, mesmo que não lhe assustasse, tinha
sido o primeiro que Sooyoung vira na vida, então tinha um valor sentimento igual aquela
xícara passou a ter, igual a tudo que Jinsoul lhe dava tinha.

- Soo você a conhece a mais tempo, o que vamos fazer? - Resmungou Jaemin parecendo
realmente incomodado com a ausência da amiga. - Sei que é o jeito dela, mas eu não quero
que aquilo aconteça de novo.

A última parte foi dita baixinho como se fosse um segredo, não era, mas ainda era algo
sensível e incômodo para todos ali.

- Não podemos fazer muito, só esperar o tempo dela. - Era nítido que a morena não estava
feliz com a situação. - Vamos esperar chegar a hora do almoço, aí tentamos de novo, okay?
Jaemin concordou, mesmo não apoiando a decisão tomada pela mulher.

Sabia que Jung Jinsoul era assim, que tinha seus momentos de reclusão absoluta e que
ninguém entraria nele se ela não quisesse que entrasse, mas não podia evitar a
preocupação que lhe afligia o peito.

Flashbacks da fatídica noite que a encontrou desmaiada no corredor sempre rebobinava em


sua mente, a aflição que sentiu, o medo de ter chegado tarde demais, de não ter notado os
sinais a tempo.

Era horrível, o sentimento amargo que invadia sua boca sempre que lembrava era horrível,
tudo naquela situação era completamente desgastante.

- Relaxa, aquilo não vai acontecer de novo. - Assegurou Sooyoung apertando o ombro do
rapaz. - Ela só precisa entender o que se passa dentro dela, só isso.

A falsa tranquilidade de Sooyoung pareceu funcionar para o rapaz, mas não para si própria,
essa que ainda mantinha um vinco em sua testa e um questionamento do que teria
acontecido enquanto ela dormia.

Ainda lembrava da porta sendo batida, ainda tinha a memória dos olhos desolados de sua
amiga e do breve desespero que viu neles, o que a fazia acreditar que tinha algo ali.

Tinha a certeza que algo aconteceu enquanto dormia, e descobriria o que foi o mais rápido
possível, precisava saber antes que fosse tarde demais.

E já tinha uma suspeita de onde começar, ou melhor, com quem começar.

[...]

Sexta-feira.

Jinsoul não era muito fã delas como todos a sua volta, já que mal lhe fazia diferença e a
única mudança que tinha em sua vida era a ida a psicóloga e a possibilidade de Sooyoung
está esperando-lhe na sacada de seu apartamento com um sorriso gigantesco e um convite
para alguma festa da qual não queria ir sozinha.

Mesmo que, sempre que chegasse no local, metade das pessoas dali eram amigos ou
conhecidos da morena.

Sabia que era uma jogada, um apelativo para seu lado emocional, juntamente com as
frases mais dramáticas ditas com olhos de cachorrinho pidão. Jinsoul sequer conseguia
levar a sério, principalmente quando a Ha resolvia apelar dizendo que ficaria sozinha e
desolada, mesmo que todos soubessem que era impossível. Ha Sooyoung era a pessoa
mais extrovertida e adaptativa que Jinsoul conhecia.

Não que conhecesse muitas pessoas.


Levantou os olhos do próprio celular quando as portas metálicas se abriram.

Estava no penúltimo andar do prédio, mais especificamente o décimo segundo, o que lhe
causava um pouco de náuseas mesmo sem ter qualquer janela ali na entrada, ter a ciência
de que estava tão alto já era o suficiente para sua irritante acrofobia atacar.

Parou no instante em que seus olhos encontraram os da loira, seu coração martelando no
peito, mas esforçou-se o suficiente para não demonstrar mantendo a melhor expressão de
"tanto faz" que conseguia.

A viu passar por si como uma brisa fria de inverno trazendo o cheiro cítrico do perfume até
suas narinas e então indo embora na mesma rapidez que surgiu.

Não falou Jinsoul, sequer sustentou o olhar por mais de alguns segundos. Não parecia
chateada, não, apenas desinteressada. Desinteresse e indiferença doíam bem mais, disso
Jinsoul tinha certeza.

Queria poder evitar se sentir patética, mas não conseguia, igual não conseguia manter o
controle de sua vida, muito menos impedir que aquela garota arrogante a atingisse tanto.

Suspirou vendo Taeyeon na porta, analisando-a com cuidado antes de apontar para a
mulher ao seu lado.

- Cinco minutos. - Avisou fechando a porta segundos depois.

Teriam muito o que conhecer.

Sentiu seu celular vibrar dentro do bolso, mas não o pegou, nada era mais urgente do que
sua saúde mental e a tentativa de socialização com a nova secretária de Taeyeon.

Olhou para a garota por alguns segundos, seus cabelos eram longos e escuros como a
noite, seus olhos também, mas sua boca parecia ser o destaque na pele alva; lábios cheios
e bem desenhados que pareciam realçar ainda mais pelo batom avermelhado. Roupas
sociais, blazer creme, um sorriso simpático.

Tudo aquilo ainda parecia errado na cabeça de Jinsoul.

Mesmo a mulher sendo linda, aparentemente eficiente, ainda não parecia se encaixar ali.
Pensava que ninguém se encaixaria tão bem quanto Seungwan.

Por um instante um questionamento passou por sua cabeça: Será que Taeyeon também
tinha o mesmo pensamento quando olhava para a nova secretaria?

Temia que sim, principalmente se pensasse na quantidade de tempo que Seungwan


trabalhou com a mulher.

- Bom dia... - Deu uma breve checada na agenda azulada. - ...Jung Jinsoul?
Parecia incerta, um pouco nervosa também, provavelmente era o primeiro dia da garota.

- Isso. - Confirmou se aproximando da mesa cheia de papéis. Com certeza era seu primeiro
dia, mesmo assim resolveu perguntar. - Primeiro dia?

A garota confirmou embaraçada com a situação.

- É tão óbvio assim?

- Um pouco, mais por conta da bagunça. - Apontou para a papelada em cima da mesa. -
Mas aposto que daqui pro fim do dia você organiza.

- Espero que sim. - Anotou algo na pequena agenda, Jinsoul já conhecia todo aquele
processo, desviou o olhar para as paredes em tons pastéis casando muito bem com os
móveis em madeira. - Aliás, me chamo Hwang Eunbi.

Estendeu a mão em direção a Jinsoul, essa que a apertou sem pensar muito, ainda mal
acostumada com aquela formalidade.

- Prazer. - Deu um pequeno sorriso, e então olhou para a porta de Taeyeon. - Posso?

- Ah, claro! Já pode ir.

Caminhou até a porta vendo a garota abrir a porta para si, engoliu em seco quando viu
Taeyeon terminando de preparar uma xícara de chá, bem mais ao canto, já fazia dois
meses que não tinha suas famosas sessões de terapia.

Tudo tinha mudado, a decoração da sala, a secretária, o prédio, o andar, tudo tinha
mudado, exceto, é claro, sua psicóloga e isso trazia um alívio e ao mesmo tempo uma
aflição ao peito de Jinsoul.

Taeyeon tinha seus fios loiros muito bem alinhados ao seu rosto, sempre bem retocados,
seus lábios tinham um tom rosado semelhante ao do blush em suas bochechas, pouca
maquiagem, mas o suficiente para esconder as olheiras e dar uma impressão mais
saudável. Às roupas se mantinham as mesmas de sempre; blusa social de seda, calças de
linho e o blazer estava descansado em sua caldeira acolchoadas.

Mesmo com tudo mudando, Taeyeon ainda parecia estar em equilíbrio absoluto, parecia se
encaixar as mudanças o suficiente para que elas passassem em branco.

Jinsoul invejava a plenitude de sua psicóloga.

- Aceitas? - Ofereceu vendo Jinsoul negar rapidamente. - Tudo bem...

Assim que a porta do local foi fechada, Jinsoul não demorou mais que alguns segundos
para se encaminhar até o divã.
Estava nervosa, era nítido pela forma como seu pé batucava o chão apressado, assim
como seus dedos enfiava-se por dentro da blusa de manga comprida coçando a pele com
mais força do que deveria.

A escolha da blusa não foi aleatória, tinha a pego numa tentativa de esconder a irritação
crescente em sua pele, essa que havia deformado suas diversas tatuagens e lhe causado
uma certa irritação por conta daquilo.

Adorava suas tatuagens, a forma como pareciam se encaixar perfeitamente em sua pele
alva, mas também um lembrete claro de sua rebeldia silenciosa.

Sendo bem sincera não tinha certeza do que elas significavam para si, mas gostava de
cada uma delas, e saber que agora boa parte estavam deformadas por conta de uma
reação "alérgica" a irritava mais do que gostaria de admitir.

Fez uma pequena careta quando o mínimo de unhas que tinha pareceu rasgar sua pele,
agora fazendo arder um pouco mais do que já ardia, deveria cuidar disso, mas estava
escondendo como se fosse o pior do seus segredos.

- Devia deixar sua pele respirar um pouco. - Ouviu Taeyeon proferir sentando-se na cadeira
muito bem acolchoada. Essa tinha um tom de creme agradável e bem semelhante a das
paredes. - Sua urticária voltou?

- Não exatamente. - Coçou a nuca, não sabendo como explicar o que de fato havia ocorrido.
- Digamos que eu exagerei na pintura esses últimos dias.

- Exagerou quanto? - A viu beber um pouco do chá esbanjando uma calmaria quase
irritante. - E por que?

Sabia que essa pergunta viria, e por mais que tivesse passado horas pensando em uma
resposta boa o suficiente para Taeyeon não duvidar, nenhuma de suas alternativas
pareciam boas.

Pareciam toscas e fúteis demais para que Taeyeon acreditasse, parecia até que Jinsoul
estava duvidando da capacidade intelectual da mulher, assim como fez há um dia atrás com
Sooyoung.

- Eu... Eu não sei como explicar. - Coçou a região mais uma vez, engolindo em seco o
gemido doloroso que quis deixar seus lábios. Estava piorando tudo, sabia disso. - Tudo
anda uma confusão absurda e eu apenas não sei como concertar isso.

- E o que seria esse tudo? - Mais um gole do chá.

Jinsoul por um segundo quis não ter o recusado, por mais que não fosse a maior fã de
chás, ainda seria bom pois teria algo para ocupar suas mãos.
Retirou cuidadosamente os dedos de dentro da manga de sua blusa, Taeyeon a encarava
esperando por uma resposta, enquanto ela apenas levantava suas mangas sentindo a brisa
fria feita pelo ar-condicionado causar uma ardência em seu antebraço.

Olhando agora definitivamente estava pior do que quando saiu de casa, as bolhas
parecendo estarem prestes a explodir, o tom vermelho vívido e os rasgos por conta das
unhas curtas, sem contar nas tatuagens, essas que estavam completamente horrendas.

Odiou seu braço, assim como estava odiando seu corpo naqueles dias, e tinha o mesmo
sentimento por sua mente estúpida que lhe infernizava com pensamentos irrealistas.

- O de sempre. - Deixou suas costas caírem no divã esticando seu corpo ali deixando
apenas seus pés para fora. - Pai, família, assassinato... Problemas sérios e irreversíveis de
abandono.

Gesticulava como se não fosse nada, e naquele momento realmente parecia menor do que
costumava ver, há alguns anos atrás apenas pensar sobre a corroeria os ossos, mas agora
parecia uma mancha irritante em sua vida.

Nunca sairia, sabia disso, mas a existência dela a incomodaria pelo resto de sua vida.

- Essa última parte... Alguma coisa aconteceu para citar ela? - Jinsoul se manteve calada,
não sabia como abordar essa parte, principalmente por ter relação com Jungeun. - Sabe,
todos temos problemas com abandono. O ser humano não foi feito para despedidas, mas...

- Já sei! Já sei! Podemos aprender a lidar com isso da melhor forma, não deixando esse
sentimento comandar a nós e as nossas futuras decisões. - Forçou a voz para ficar parecida
com a da mulher. - Mas nem sempre é fácil, okay? Principalmente quando queremos que a
pessoa fique.

- Então tem uma pessoa?

- Claro que tem. - Revirou os olhos segurando a vontade de coçar seu antebraço. Já estava
péssimo, fazer aquilo só pioraria tudo.

Taeyeon a encarou por alguns segundos, então anotou logo em seu MacBook.

Mais uma coisa para a ficha extensa de problemas dos quais Jinsoul precisava expor na
terapia. Respirou fundo, se martirizando por não conseguir manter a boca fechada.

- E como você se sente sobre isso? - Tá aí a pergunta que Jinsoul mais temia.

- Frustrada. Irritada. Envolvida demais com alguém que só vai me causar dor de cabeça. -
Murmurou olhando o teto branco, não tinha coragem de olhar nos olhos da loira. - Os fins
sempre são muito óbvios para mim, mas esse não, eu sequer sei o que irá acontecer... -
Sentou-se de uma só vez e a tontura não demorou mais que milésimos de segundo para lhe
atingir. - Ela é um naufrágio com um coração de pedra e eu não sei o que deu na minha
cabeça de me deixar entrar nisso.
Taeyeon ficou em silêncio por um tempo e Jinsoul temeu o que viria.

O silêncio da mulher nunca era algo positivo. Geralmente significava uma bomba de
verdades das quais Jinsoul odiava lidar ou desconforto por não ter mais o que dizer, não
Taeyeon, mas Jinsoul. Vivia ficando sem palavras, às vezes passava as duas horas de sua
terapia em completo silêncio.

Era perturbador, mas tolerável.

- Tenho uma pergunta. - Jinsoul meneou com a cabeça esperando-a continuar. - Desde
Gabin, quantas histórias de amor você deixou de viver por não saber lidar com os seus
sentimentos?

- Não tenho tempo para histórias de amor. - Resmungou amarga como sempre. - Todas elas
estão fadadas ao fracasso, e o único proveito que tiro delas são quadros excepcionais e
alguns problemas a mais de confiança.

- Um pensamento bem pessimista sobre o amor.

- Realista. - Corrigiu a mulher, sentindo seu corpo encolher rolo o afronte. - Diria que estou
sendo realista.

- Por que?

Respirou fundo deixando seus olhos vagarem até Taeyeon.

Ela não tomava mais o chá, pelo contrário, havia deixado ele de lado e apoiado seu rosto
entre as mãos, empenhada em prestar completa atenção em Jinsoul.

Não sabia o porquê, mas aquela atenção toda parecia piorar ainda mais sua situação, podia
até sentir suas bochechas arderem pelo constrangimento, porém, mesmo assim, ela
prosseguiu.

- Tenho a teoria de que o amor é feito apenas para os que tem coragem. - Começou
sentindo seu peito pesar. - Os covardes até podem amar, mas nunca podem viver esse
amor, eles não têm esse direito.

- E o que você é?

Jinsoul se sentiu nauseada.

- Covarde. - Confessou baixinho. - Fujo de tudo que me tira da zona de conforto, logo sou
uma covarde.

- Mas pelo visto não fugiu dessa moça.

- É... Não fugi. - Jogou-se novamente no divã. - Devia ter feito.


Mas agora já era tarde demais, sabia bem disso, e odiava a certeza que tomava seu peito
em meio ao silêncio daquela sala. Odiou também um pouco Taeyeon por permiti-lo. Deveria
ter tomado cuidado, mas não tomou.

Jungeun era um caminho sem volta, soube disso no segundo em que ela estragou sua
pintura, a forma como perdeu o controle tão facilmente, e mesmo com a inconstância que
Jinsoul se tornava perto dela, uma parte sua ainda a queria tanto por perto que chegava a
odiar quando a mesma a soltava.

No entanto, não estava apaixonada, aquilo passava longe de uma paixão. Ou de um amor.
Nenhuma dessas nomenclaturas pareciam adequada para o sentimento que havia se
instalado bem no meio de seu peito.

O sentimento que jazia era mais parecido com uma obsessão, uma fascinação por algo
novo, Jungeun lhe trazia um pedaço do mundo que nunca tinha visto antes; uma nova
perspectiva. Isso a atraía como uma abelha faminta é atraída para o pólen de uma bela flor
em um enorme jardim. Mas não passava disso: Atração.

Gostava e tinha medo do "novo" que Jungeun insistia em lhe mostrar, mas não temia o
suficiente para fugir, aquele caos ainda a atraía demais.

Caos...

Pensando bem, o que seria um caos?

É um quarto bagunçado, uma cama desarrumada, uma geladeira sem leite. É a filha grande
demais, a entrada de um festival, a balada depois de um shot. São todos os carros da rua,
uma parada a mais sem necessidade.

Caos é aquilo que tinha a gente da zona de conforto, depois de anos morando na calmaria,
o caos que Jungeun trazia para sua vida fazia seus dias serem repletos de... Paz.

Suspirou fechando seus olhos, não queria pensar sobre isso, não queria pensar sobre como
Jungeun estava tomando um espaço maior do que merecia.

- Okay, temos uma hora ainda. - Ouviu Taeyeon dizer, tinha certeza que a mesma olhava
para o relógio delicado no pulso, mas não ousou ir verificar. - Falaremos sobre seu pai, que
tal?

- Não fale como se eu realmente tivesse escolha. - Resmungou. - É maldoso.

- Mas você tem. - Não, Jinsoul não tinha. Pelo menos não em sua concepção. - Mas às
vezes para seguir é preciso voltar, seja lá onde for, retornos também podem ser recomeços,
sabia?
Tinha testado a teoria não fazia tanto tempo assim. Tinha a testado com Gabin. Realmente
poderiam ser recomeços, já que sentia-se melhor depois da explosão, depois de ajeitar todo
aquele emaranhado de confusão e feridas mal curadas.

Claro, ainda não tinha confiança para mexer o suficiente ali. Talvez não se deva mexer no
que, até que enfim, está cicatrizado.

Mas a dor de perder seu pai, de ter ele arrancado de si pelo livre arbítrio de outros, não era
a mesma coisa de viver em um ciclo tóxico e vicioso com seu primeiro amor. Sequer dava
para comparar as dores, principalmente quando uma a consumia toda vez que lembrava-se,
deixando claro que nunca pararia de sangrar.

Todas as vezes que Jonghyun era pauta de alguma conversa seu mundo desabava mais
uma vez. E toda vez que o seu mundo desabava Jinsoul perdia uma parte de quem era ou
poderia ser e essas partículas ficavam vagando pelo universo como quem não sabe aquilo
que deveria fazer.

Então, não importa quantos retornos fizer, seu recomeço nunca irá chegar.

Não sobre aquilo.

Não sobre seu pai.

[...]

Passou pela porta vendo o rosto amigável se Eunbi, agora já não tinha um amontoado de
papel em cima de sua mesa, mas se prestasse atenção ainda acharia um ou dois
espalhados; a garota com certeza é ágil.

Sorriu pequeno, mesmo que ninguém nunca conseguisse substituir Seungwan, ainda torcia
para que tudo desse certo para Eunbi.

Olhou por cima do ombro quando as mãos de Taeyeon se apoiou ali, sabia que algo a mais
viria, então só deixou seus olhos encontrarem o rosto sereno da mulher.

- Irei te perguntar como pessoa e não como sua psicóloga, okay? - Confirmou não
conseguindo esconder a confusão ali. - Você e Kim Jungeun se conheciam?

Oh, definitivamente não era isso que esperava ouvir. Suspirou sentindo seu celular vibrar
mais uma vez dentro do bolso.

- Por que?

- Bem, ela hoje veio mais cedo e pediu para que a encaminhasse para outro terapeuta. -
Observou a mulher se encostar na guarnição da porta. - Não me disse muito o porquê, mas
agora parando para pensar melhor, antes do... - Não conseguiu terminar a própria fala,
mesmo assim seguiu. - Vi vocês duas trocando uma palavra ou outra. Pareciam íntimas. E
você nunca conversa com ninguém, então...
- Deduziu que nos conhecíamos. - Completou vendo a mulher concordar. - Ela é a melhor
amiga de infância de Sooyoung.

- Entendo.

Taeyeon não podia falar muito sobre aquilo, já que boa parte tinha sido comentada sobre
sigilo, mas Jinsoul entendeu pela expressão pensativa que a mulher lembrava muito bem da
conversa de meses atrás.

Quando Sooyoung avisou que logo, logo Jungeun chegaria, Jinsoul se viu em de pura
desordem, o medo consumindo cada particular de seu ser e a insegurança não demorou
muito para se instalar em seu peito.

Nunca poderia lutar contra a importância que Jungeun tem na vida de sua amiga. Sabia
bem que, se Sooyoung precisasse escolher, Jinsoul seria descartada sem pensar duas
vezes. Isso a machucou. Esse pensamento constante a envenenou por um tempo maior do
que gostaria, e foi preciso muitas sessões do Taeyeon para que ela entendesse que não se
dava para comparar os relacionamentos e as afeições daquela forma, todos tem sua devida
importância na vida das pessoas.

- Enfim, te vejo na segunda? - Sentiu a bolha de pensamento explodir quando a voz de


Taeyeon se fez presente.

- Claro, claro! Segunda. - Sorriu andando para fora dali. - Vou falar com Eunbi.

- Claro que vai.

O tom de obviedade de Taeyeon quase fez Jinsoul rir, sempre fazia e dizia a mesma coisa
quando sua sessão terminava, a mulher provavelmente já até decorou suas falas.

Taeyeon acenou fechando a porta e deixando Jinsoul ali com o olhar curioso de Eunbi.

- Pode deixar agendado minhas consultas de segunda e sexta da próxima semana? - Puxou
o celular do bolso vendo a garota confirmar começando a procurar pela agenda de horários.
- Ah, também faz uma observação sobre quarta.

- Tem consultas nas quartas também?

Jinsoul negou vendo a confusão se instalar no rosto da novata.

- Meio que sou da área de risco, então Taeyeon sempre deixa uma vaga nas quartas caso
eu precise. - Sorriu passando a lateral de seu celular com certa força pelo antebraço agora
coberto pela manga da camisa. - Depois conversa melhor com ela sobre isso, okay?

- Tudo bem. - assentiu começando a procurar procurar algo na agenda, depois voltando
para o computador em sua mesa. - Me dê um segundinho.
Jinsoul acenou tentando transparecer que não tinha pressa voltando a atenção para seu
celular.

Se antes a tranquilidade lhe dominava, agora estava sendo consumida pelo completo
oposto, tudo por conta de uma garota com cabelos tingidos de amarelo e olhos intensos
demais para Jinsoul não se perder ali.

Tinha três mensagens distantes em seu celular: A primeira de sua mãe avisando sobre um
jantar no domingo, a segunda de Chaewon a lembrando da feira do mês, e a última que a
fez ignorar todas as outras.

Abriu a conversa com a loira sorrindo pequeno ao ver a foto da garota estampada no perfil.
Ela salvou o número de Jinsoul. Sentiu-se uma adolescente ao ficar feliz por isso, achando
que era um grande passo, mesmo sabendo que não.

A mensagem dizia: "Estou te esperando na cafeteria, venha depois da sua sessão." E uma
localização. Apenas isso. Nenhuma palavra trivial ou uma possibilidade de escolha para
Jinsoul.

Jungeun queria vê-la e sabia que teria exatamente o que quisesse.

- Pronto! - Assustou-se quando a voz de Eunbi reverberou pelo local. - Está tudo bem?

- Céus... Que susto. - Sorriu nervosa segurando o celular com mais força, esse que quase
tinha caído de suas mãos, um verdadeiro desastre. - A-ah, sim... Sim! Está tudo ótimo.

Eunbi a olhou desconfiada, com certeza não acreditando nas palavras de Jinsoul, mas nada
disse além de:

- Acho que terminei tudo aqui, te ligo no dia para confirmar presença, okay? - Jinsoul
concordou, feliz por aquilo nunca mudar, sendo que tudo parecia ter mudado ao menos um
pouco. - Seu número está atualizado, né?

- Creio que sim, tenho ele já faz uns quatro anos. - Caso perdesse seu número teria uma
grande dificuldade em se acostumar com um novo, por tanto, cuidava para não perdê-lo.

- Muito tempo! - Exclamou Eunbi entregando uma pequena nota para Jinsoul. Elas sempre
ficavam amassadas no fundo do bolso de suas calças, mesmo assim sempre as aceitava. -
Queria conseguir, mas mudo quase todo mês. - Explicou com um sorriso culposo. - Está
liberada! Obrigado pela compreensão e paciência.

Viu a garota levantar curvando-se em saudação fazendo Jinsoul fazer o mesmo. Toda
aquela formalidade não combinava nada consigo, mas forçava-se a ter em situações como
essa. Podia até sentir sua mãe lhe puxando a orelha caso não fizesse, dizendo baixinho
que a educação que tivera não foi essa, que estava envergonhando seu nome.

Jinsoul tem certeza que casar-se com um cara novo depois de dois meses da morte de seu
marido, deixar que o homem comprasse uma parte da empresa do falecido marido, e
possíveis problemas com bebida de sua parte e comportamento possessivos e
controladores da parte do senhor Park definitivamente sujavam mais o "Nome da família" do
que todas as tatuagens em seu corpo ou um mau comportamento da sua parte.

Contudo, esse era seu pensamento, nunca iria expô-lo perto da mulher; não iniciaria uma
briga da qual nunca poderia vencer.

Acenou para Eunbi assim que viu o elevador chegar.

Não queria demonstrar o quão ansiosa estava, mas seus passos foram apressados e
quando estava sozinha dentro daquela caixa metálica sentiu-se claustrofóbica e uma
vontade quase irracional de gritar em plenos pulmões ali mesmo se fez mais que presente,
porém, assim como tudo em sua vida que tivesse ligações com sentimentos irracionais,
Jinsoul ignorou aquela vontade igual andava ignorando a ansiedade em seu peito e a
sensação constante de sufocamento.

Queria que seus passos não fossem largos, que sua mente não se preocupasse com o que
estava vestindo e que as poucas unhas que tinham resolvessem parar de coçar a urticária
horrível que tinha se formado em seu braço; Jinsoul queria muitas coisas, mas não podia,
nem conseguia ter nenhuma delas.

Seus passos continuavam rápidos quando atravessava a faixa de pedestre, suas poucas
unhas continuavam causando breves arranhões na região e Jinsoul continuava incomodada
com suas roupas, mesmo que não fossem ruim, muito pelo contrário, eram tão despojadas
e casuais quanto quem as vestia.

Olhou mais uma vez para a tela do celular cerrando os olhos para enxergar melhor.
Constava que estava perto. Engoliu em seco, pensando bem, ainda tinha tempo, podia dar
a meia volta e fugir, certo?

Suspirou olhando em volta, não foi difícil de achar a cafeteria, principalmente por está
localizada bem na esquina com galhos de árvore saindo das janelas do primeiro andar e
trepadeiras consumindo as paredes dando uma estética tranquila ao local.

Sem sombras de dúvidas era agradável, mas Jinsoul se perguntava várias vezes antes de
entrar se era ou não uma cafeteria, mesmo que a placa centralizada no que seria a curva
entre uma rua e outra escrito: Books and Coffee.

Então não era apenas uma cafeteria. Isso tornava o local ainda mais interessante.

E quando adentrou o local prendendo a própria respiração teve que soltá-la lentamente pelo
fascínio que teve.

Era simples, agradável, e perfeito com todos os seus tons suaves de pastel e os livros
organizados por cor nas paredes laterais com apenas algumas pequenas prateleiras para
deixar um ou dois livros atrás do caixa, livros esses que pareciam bem pensados, já que
tinham nomes de cafés ou bolos.
Jinsoul se perguntou se eram mesmo livros ou não.

Varreu os olhos pelo local, não tinha muita gente, só uma ou duas concentradas demais em
seu próprio mundo para prestar atenção em Jinsoul.

Quando seus olhos encontraram os cabelos loiros quase brancos de Jungeun consegui
sentir o ar se tornar rarefeito, ela não parecia ter lhe notado concentrada demais no livro em
suas mãos, mas Jinsoul já sentia as borboletas bobas em seu estômago se fazerem
presentes até demais.

A observando de longe num ambiente suave como aquele Jinsoul até conseguia esquecer
do furacão caótico que Kim Jungeun podia ser em sua vida.

Não sabia explicar, nunca sabia, mas Jungeun parecia se encaixar perfeitamente ali, igual
se encaixava nos cômodos da sua casa, transitando dentro do seu ateliê e com certeza
também se encaixaria perfeitamente em sua...

Céus, Jung Jinsoul! No que está pensando? Ela namora e você não tem tempo ou espaço
para essas coisas em sua vida.

Policiou seus próprios pensamentos antes que eles tomassem forma e assumissem o
controle de sua vida novamente.

Taeyeon estaria orgulhosa de si, ou gostava de pensar que sim, mesmo que uma parte sua
ainda falasse bem baixinho que no final de tudo Jinsoul só estava mais uma vez fugindo. A
voz não passava de um eco dentro da sua cabeça, mas ainda estava lá, e conseguia ser
bastante irritante quando queria.

Caminhou até a mesa da loira, essa que parecia ter sido escolhida com cuidado de tão bem
localizada que era, ganhava um pouco da luz do sol que entrava pelas enormes vidraças,
mas o suficiente para ser incômoda, também tinha um quê de descrição explícita. Por mais
que essa última parte Jinsoul achasse impossível de existir quando Jungeun estava sentada
ali; a mulher chamava a atenção por apenas existir, encantando a todos sem precisar fazer
muito mais que olhá-los e às vezes sorrir.

Puxou a cadeira de uma madeira clarinha, mas ainda sim acolchoada, bem na frente da
loira vendo-a levantar o olhar. Jinsoul não sabia como, mas sentia que viu aquele momento
em câmera lenta, e não pôde impedir seu coração de errar o próprio ritmo.

Estava ansiosa, não, estava apavorada e ter aqueles olhos tão suaves quanto o lugar fixado
em si parecia piorar tudo.

Ainda lembrava de como eles estavam na noite que Jungeun bateu em sua porta, a forma
como eles estavam quebrados, como Jungeun parecia um emaranhado de cicatrizes e
mágoas; agora, no entanto, a mulher parecia está livre de qualquer coisa que pudesse a
afligir.
Sinceramente a invejava, pois Jinsoul ainda era a mesma bagunça que Jungeun encontrou
naquela noite, se não pior.

- Demorou. - Pronunciou deixando o livro em cima da mesa. - Pensei até que tinha se
perdido.

"Mas nunca que não viria." Por mais que não tivesse dito tais palavras elas podiam ser lidas
nas entrelinhas, na calmaria, na confiança que com que Jungeun gesticulava, mas
principalmente no brilho em seus olhos, um brilho que deixava claro quem estava no
controle.

Podia afirmar com toda a certeza do mundo que não era Jinsoul.

- Taeyeon tem uma nova secretaria e ela ainda está aprendendo. - Nem sabia porque
estava se explicando, mas o fazia enquanto sentava-se na cadeira a sua frente. - Mas se
ficou esperando por duas horas, alguns minutos a mais não teria problema.

- Eu poderia me cansar e ir embora. - Deu de ombro fechando o livro após usar um dos
marcadores disponíveis e um potinho florido em cima da mesa.

- Você não iria.

- Verdade, eu não iria. - Concordou. - Mas poderia.

Soltou uma piscadela e Jinsoul quis rir da forma exagerada que seu coração acelerou.

Ficou em silêncio por algum tempo enquanto varria o lugar para tirar de foco Jungeun e as
reações inexplicáveis de seu corpo.

Viu um pouco distante uma criança forçar a pobre boneca a comer chantilly, ela estava
fazendo isso desde que Jinsoul chegara ali, obviamente aquilo estava longe de ser
concluído com êxito, mas a pequena criatura insistia com a vã esperança de que uma hora
o brinquedo fosse participar ativamente da sua brincadeira. O homem que acompanhava a
criança fingia não perceber toda a bagunça doce que era feita.

Jinsoul se perguntou várias vezes enquanto observava a situação desastrosa o porquê do


homem ter escolhido justo aquele lugar para levar a criança, já que nada ali a interessaria,
sequer parecia interessar o próprio homem que não tirou os olhos do tablet que segurava
por um segundo sequer.

- Por favor não me diga que beijar pessoas compromissadas é um de seus fetiches malucos
e aquele cara ali... - Apontou para o homem, Jinsoul viu a aliança no dedo do rapaz
cintilando. - ...Foi uma de suas vítimas e agora está se corroendo em culpa porque,
pasmem, ele tem uma filha! - Jinsoul fez uma careta ao se imaginar beijando o rapaz,
virando a atenção para Jungeun. Parece que ela ganhou mais uma vez. - Aposto que ele
não contou essa parte. Eles nunca contam.
Jinsoul sequer conseguia levar aquilo a sério, prendeu a cabeça um pouco para o lado
vendo olhando para o homem com barba rala e camisa polo listrada, e não conseguiu
conter o riso que saiu por seus lábios ao tentar se imaginar tendo algo com ele.

Não tinha nenhum problema no rapaz em si, mas talvez algum nela mesma, desde sua
adolescência nunca conseguiu se imaginar beijando ou fazendo algo a mais com um
homem e isso era horrível. Quebrar as expectativas de sua mãe quando assumiu ser
lésbica também foi horrível. Mas não podia fingir aquilo, não quando lhe causava ânsia só
de imaginar.

- Não sabia que tinha uma imaginação tão fértil. - Olhou para a loira, depois para o livro que
descansava na mesa. - Foi o livro? Ele aflorou seu imaginário, é isso?

- Ah, vamos lá! Sempre há uma possibilidade de algo assim. - Dizia como se fosse algo
normal, talvez para ela, mas não para Jinsoul. - E bem, você me beijou com meu namorado
dormindo no andar de cima, então...

Sentiu o ar lhe faltar tanto que acabou engasgando com a própria saliva. Levou a mão até
os lábios os cobrindo enquanto tossia tentando se recuperar.

Jungeun sequer fez menção de lhe ajudar, Jinsoul pôde até ver com seus olhos um pouco
marejados a garota levar a bebida, provavelmente uma vitamina, até os lábios tomando um
pouco.

Se perguntava como ela conseguia manter uma tranquilidade quase mórbida enquanto
falava coisas assim, em público, sem qualquer cuidado.

- Então o quê? - Incentivou a loira a terminar o que ia dizer, mesmo que já conseguisse ler
nas entrelinhas. - Te beijar me torna automaticamente uma destruidora de lares!?

- Isso é você quem está dizendo. - Deu de ombro levantando uma das mãos para chamar o
garçom.

- Ah, claro! - Exasperou, já estava perdendo sua paciência e nem fazia mais que alguns
minutos que tinha chegado ali. - Sinceramente, como consegue?

- O quê?

- Me irritar tão facilmente? Faz isso desde que nós nos conhecemos e ainda não sei como. -
Resmungou levando seus dedos até dentro da manga de sua blusa voltando a coçar ali.
Tinha que parar se não pioraria, mas não conseguia. - Me sinto como uma bomba prestes a
explodir quando estou perto de você.

Jungeun ficou calada e Jinsoul sentiu que seu coração sairia pela boca. Devia ter ficado
calada, mas quando viu já tinha falado e agora não sabia o que fazer.

Então, a garota desceu o olhar para seu braço percebendo a forma agressiva que Jinsoul o
coçava.
- Deixa eu ver isso. - Estava mudando de assunto. - Uhg... Está péssimo. - Jinsoul sentia o
toque em seu pulso eletrizar todo o seu corpo, as digitais delicadas passando por seu
antebraço com cuidado. - Depois vamos numa farmácia comprar algo para isso.

- Okay... - Concordou sem saber muito o que fazer.

Não era uma proposta, era um comunicado, e mais uma vez Jinsoul estava a mercê das
vontades de Jungeun.

- Sabe, eu também não sei o porquê disso. - Murmurou chamando a atenção de Jinsoul. Os
olhos acinzentados ainda estavam focado na pele avermelhada. - Creio eu que você me
deu poder demais, por isso mexo tanto com você, porque desde o primeiro dia segundo
você permitiu que fosse assim. - Levantou o olhar encontrando o de Jinsoul, essa que
engoliu em seco. - Devia falar disso com Taeyeon. Agora você pode fazer.

- Por isso deixou de fazer terapia com ela? - Puxou o braço, cobrindo-o quando o garçom se
aproximou da mesa. - Para eu poder falar sobre você e me martirizar pelos meus erros?

Apertou o próprio pulso por baixo da mesa, não conseguindo desviar a atenção de Jungeun,
essa parecia lhe analisar e estranhar o comportamento mais defensivo, mas logo deixou
isso de lado focando no rapaz ao seu lado com um pequeno bloco de anotações.

- Me traga duas fatias de cheesecake e um latte. - Pediu com um sorriso gentil no rosto,
como se quisesse tranquilizar o rapaz de que não tinha atrapalhado nada. - Ah, e mais um
desse aqui.

Apontou para o próprio copo, a bebida já estava quase acabando e Jinsoul sequer percebeu
o quanto Jungeun tomou enquanto conversavam, e discutiam, ainda não tinha definido se
era ou não uma conversa.

Não era lá muito agradável, mas também não era agressivo o suficiente para ser
considerado uma discussão, diria que ficava no meio termo.

- Deixei de fazer terapia com Taeyeon porque sei das regras de não atender pessoas que
têm alguma ligação com algum paciente. - Explicou assim que o rapaz deixou a mesa com
os pedidos anotados. - E como eu sei que você nunca iria abrir a boca para falar sobre, eu
tomei a iniciativa e me retirei.

- Pensei que era uma forma de me evitar. - Murmurou só percebendo o que tinha saído por
seus lábios quando os olhos de Jungeun se tornaram pequenos e um sorriso culpado se fez
presente em seus lábios. - O quê?

- Imagino que teve esse pensamento pela forma como saí sem sequer me despedir.

Jinsoul ainda podia ver o corte no canto de seus lábios, quis tentar perguntar como aquilo
aconteceu, mas ficou quieta.
- Qual a sua desculpa? - Queria ouvir uma mentira descuidada que justificasse sua partida,
podia se contentar com ela, podia se forçar a acreditar apenas para que o sentimento
irritante de abandono deixasse seu peito. - Suas plantas se afogaram com um pequeno
temporal que só caiu em seu bairro?

A Kim riu pendendo a cabeça para trás o suficiente para que o sol batesse em seu rosto,
nos fios loiros de seu cabelo, e fizessem ela brilhar ainda mais.

Daria um ótimo quadro.

Jungeun em si seria a pintura mais bela do universo, também inspiraria as melhores que
podiam existir, Jinsoul sabia bem disso e queria ter talento o suficiente para pintá-los.

- Desculpa ter ido embora antes de você acordar. - Começou assim que se recompôs,
deixando seus olhos encontrarem os castanhos se Jinsoul, agora estava séria e Jinsoul
soube que não teria uma mentira confortável, mas sim uma assustadora verdade. - Foi
proposital, mas não indiferença. - Disse gesticulando. Estava nervosa. - É que ainda não sei
lidar com tudo que você me desperta e te olhar e saber que não posso me agarrar ao
conforto que você me traz dói para caralho.

Seu coração acelerou e uma parte de sua raiva parecia se dissipar, dando lugar para uma
confiança estranha.

Coração e confiança: As duas coisas mais frágeis que o silêncio. Ambos podem te destruir
enquanto desmoronam, mas Jinsoul quis acreditar que não aconteceria novamente, que
não os teriam quebrado de novo.

Até porque a vida é sobre mudanças, certo? Às vezes, de endereço, outras de aparência e,
na maioria das vezes, de atitude.

Estava na hora de parar de fugir por medo de sua própria destruição.

Seu plano de autopreservação estava sendo posto abaixo por olhos intensos e lábios bem
desenhados. Sabia disso, mas não se arrependia.

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