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A voz de Zee não foi mais do que um murmúrio, mas Nunew ouviu-o e abriu os olhos.

Quebrara-se o encantamento, o idílio deles terminara. A confissão de Zee decretara


a sentença que abria a porta entre o sonho e a realidade. O sonho se desfez e a
realidade infiltrou-se repentinamente em sua cabeça, despertando-o.
Levantou-se do sofá em um salto e correu em direção a Zee. Encostou o dedo nos
lábios dele para conter as palavras, mas já era tarde demais. Depois de
pronunciadas, não poderiam mais ser ignoradas.

A resposta martirizava-o. A última coisa que desejava no mundo era magoar aquele
homem que lhe salvara a vida, o alimentou e aqueceu em uma situação de risco, e que
acabara de pedir-lhe para ficar. Estava apaixonado por Zee Pruk, mas a decisão não
era tão simples porque havia outras pessoas envolvidas.

A sensação de culpa assaltava-a por todos os lados. Não culpa pelo que eles tinham
feito jamais se sentiria culpado ou arrependido pelos momentos de amor partilhados
com Zee. Mas culpada por ter, de alguma forma, alimentado à possibilidade de que o
breve interlúdio poderia continuar além das paredes daquela casa.

Sentia-se terrivelmente culpado em relação à Hunter, pois traíra a confiança dele e


envolvera-se com outro homem que o ofuscara completamente. O que tornava tudo ainda
pior, quase imperdoável, era o fato inegável de achar irresistível justamente a
dominação de Zee, sua atitudes duras e sua força. Tudo o que ele sempre abominara.
Pobre Hunter com toda sua gentileza, compreensão e paciência!

Zee percebeu o conflito de emoções que Nunew enfrentava e sentiu-se impotente para
ajudá-lo. A culpa também o atormentava. Desde o começo, sabia que Nunew estava
noivo de outro homem e, ainda assim, decidira seduzi-lo. Para ele, tudo não passara
de um desafio, eram dois homens e estavam juntos e sozinhos. Tudo favorecera o jogo
da sedução e, para o macho predador, era tudo o que contava.

Nunew e suas atitudes graciosas tinham sido um grande desafio, mas, então, os
ventos do destino tinham soprado a favor dele. Ao cair nas águas congeladas do
lago, ele se tornara completamente vulnerável e, assim, ao salvar-lhe a vida, ele
tivera a oportunidade de demonstrar suas melhores qualidades, sobressaindo-se aos
olhos dele.

Além disso, despertara-lhe admiração ao sair para caçar e pescar, por ter
improvisado lenha para garantir o aquecimento da casa, e outras pequenas coisas
importantes naquelas circunstâncias. Em resumo, transformara-se em um verdadeiro
herói para Nunew Chawarin. Sob a aparência refinada e arrogante de Nunew, ele
encontrou confiança, generosidade e uma inocência que conquistou seu coração.

A princípio, fora apenas uma questão de orgulho próprio. Acreditara que se não
conseguisse roubá-lo de um pacato professor de Inglês que recitava poesias, ele não
valeria o pão que comia. Mas a sedução teve efeito contrário. Ele o roubara, sim,
mas também estava apaixonado e não queria perdê-lo.

- Fique comigo, Nhu - ele repetiu.


- Zee... eu não posso - disse ele com toda delicadeza. As feições dele endureceram,
não esperava uma rejeição.
- Você é um homem extraordinário, Zee. Tudo em você me atrai, acredite. Estou me
sentindo extremamente culpado, mas eu jamais poderia deixar Hunter.

Os olhos negros dele tornaram-se cinzentos como as águas geladas do lago Berdwoo.
- Você o ama tanto assim? - ele arriscou.
- Hunter é uma pessoa maravilhosa, compreensiva e sensível. Não posso simplesmente
descartá-lo e ficar com você. Seria muita crueldade!
- Você não acha cruel ficar com ele por piedade? - ele perguntou em um tomáspero.
- Não é tão simples assim, Zee.
- Por que não?

Nunew refletiu por alguns segundos, precisava desesperadamente fazê-lo entender a


situação.
- Hunter e eu temos um compromisso. Que Deus me ajude, Zee, mas eu não posso deixá-
lo assim... de uma hora para outra.

Não passou despercebido a Zee que Nunew não mencionara a palavra "amor".
- Você tem pena dele? Pensei que o amasse!
Ele evitava falar de amor, nem se atrevia a pensar em amor. Seu olhar focalizou os
lábios dele, depois os ombros fortes e, por fim, as mãos grandes e calejadas. - Por
favor, Zee, procure entender. - A voz dele soou quase desesperada.
- Não consigo.

Eles se olharam longamente. O silêncio encheu a sala e prolongou-se até o momento


em que ele disse com calma:
- Eu pedi uma vez, Nunew. Não vou implorar.
Eles se voltaram ao mesmo tempo em direção à janela. Um ruído estranho quebrou o
silêncio que reinava no lugar.
- Parece uma máquina. Será que vieram retirar a neve? - Nunew perguntou.

Zee aproximou-se da janela.


- Não creio. O som do motor é muito alto. - Ele caminhou até a porta e abriu-a.
- É um snowmobile. Temos companhia.
Nunew correu até a porta e parou atrás de Zee. Não queria que ninguém a visse de
cueca longa e vermelha.
- É o meu pai! - ele gritou, acenando com a mão. - Papai, sou eu, Nunew!

Pa desligou o snowmobile, desceu e aproximou-se deles. Tirou as botas, a roupa


especial e foi logo brincando:
- Como você não apareceu para o almoço de Natal, a montanha resolveu vir até Maomé!
- Oh, papai! - Nunew atirou-se nos braços dele. Sabia o quanto ele se preocupara
com o desaparecimento dele e todo perigo que enfrentara durante horas para
encontrá-lo.

O tom de brincadeira na voz dele não disfarçava o imenso alívio que Pa sentia.

Ainda segurando a mão do filho, ele recuou alguns passos e olhou com curiosidade
para as roupas dele.
- Você andou brincando de Papai Noel?
- Papai, este é Zee Pruk, que pretende comprar esta casa. Zee, este é Pa, meu pai.

Os dois homens apertaram-se as mãos, avaliando-se mutuamente. Nenhum dos dois


comentou nada, mas a simpatia foi instantânea e recíproca. Pa notou que Nunew
vestia a camisa de Zee.
- O que aconteceu com suas roupas, Nunew?
- Nós não teríamos ficado presos aqui se não fosse minha estupidez, papai.
Estávamos conhecendo a propriedade, quinta-feira à tarde, antes de escurecer, e eu
caí no lago congelado.
- O lago é fundo? - Pa quis saber.
- Uns cinco metros. Quase me afoguei, mas Zee salvou minha vida!

Pa olhou de um para outro.


- Como conseguiu resgatá-lo?
- Com uma escada e uma corda - Zee explicou. - Sou bombeiro e conheço as técnicas
de salvamento.
- Graças a Deus, rapaz! - Pa agradeceu.
- Ele não me tirou apenas do lago, papai. Eu fiquei inconsciente e quase congelada.
Zee me reanimou e passou o resto da noite cortando lenha para a lareira e, assim,
manteve a sala aquecida.

Os olhos de Pa revelavam sua admiração. Nunew conduziu-o até o sofá e todos se


sentaram na frente da lareira. Zee e Nunew intercalavam-se para contar tudo que
acontecera.
- Havia comida aqui? - Pa perguntou.
- Não. Zee caçou para comermos. Eu comi como um rei, papai. Carne de veado e
faisão... Oh, e peixe! Ele também pescou.

Zee levantou-se. Imaginou que pai e filho gostariam de conversar em particular.


- Imagino que tenha saído de casa logo cedo, Sr. Portanto não deve ter almoçado
ainda.
Pa riu.
- Céus, só agora estou me lembrando de que não comi nada desde o café da manhã!
Você tem razão, Zee. Estou faminto! E a propósito, pode chamar-me de Pa.

Zee inclinou levemente e cabeça e vestiu o casaco de couro.


- Deve haver alguns peixes nos meus anzóis. Vou olhar... Com licença. - Ele saiu e
fechou a porta.
Assim que ficaram a sós, Pa perguntou:
- Você está bem, querido? Você não teve medo desse rapaz?
- Não, eu não tive medo dele. No começo, trocamos algumas farpas. Ele insistiupara
que Max viesse mostrar a propriedade porque odiava a idéia de lidar com alguém
menor. - Nunew encolheu os ombros. - Eu também não gostei dele porque era machista
e tinha idéias preconceituosas, por isso o apelidei de Super-homem. Mas, nos
momentos em que me vi realmente em apuros, ele cuidou de mim.

Pa observava-a com atenção, imaginando o que poderia ter acontecido entre eles.
Dois homens sozinhos e isolados durante alguns dias era tentador, íntimo e até
mesmo romântico. Não perguntou nada, não era de sua conta, e ele não ficaria nem um
pouco aborrecido se Nunew tivesse um envolvimento romântico com um homem como Zee
Pruk. Melhor do que se casar com Hunter!

- Desculpe por não tê-los avisado, papai. O telefone está temporariamente desligado
e até mesmo a energia elétrica está desligada. Zee tirou gasolina do carro dele e
colocou no gerador, mas tivemos que racionar seu uso. - Nunew apertou as mãos do
pai e fez a pergunta que tanto o incomodava. - A mamãe ficou aborrecida por minha
causa?
- Ela estava muito preocupada, mas disfarçou bem. Sua mãe tem muita prática por
conta das minhas aventuras malucas, e agora com as de Steven.

Eles riram.
- Como você me achou papai?
- Bem, Hunter chegou sem você esta manhã. Então fomos até seu apartamento e, como
seu carro não estava no estacionamento, decidimos ir até a imobiliária. Seu carro
estava lá coberto de neve. Voltei para casa e liguei para Max.
- E o que ele disse?
- Disse que você tinha vindo para cá com esse rapaz... No carro dele. Então,
telefonei para Judy, que me deu todas as indicações do lugar. - Pa abriu os braços.
- E estou aqui!
Nunew fitou-o com os olhos cheios de lágrimas.

- Oh, papai, eu estraguei o Natal de vocês!


- Claro que não, querido! - ele exclamou. - Em vez de empanturrar-me de comida e
depois ficar sentado na frente da televisão como um vegetal, eu vivi uma grande
aventura a bordo do meu snowmobile - Ele sorriu para Nunew, tentando disfarçar a
emoção. - E o melhor de tudo é que teve um final feliz... Eu o encontrei sã e
salvo.

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