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A felicidade bate à porta

“With Little Luck”

Janet Dailey

Levando uma vidinha pacata de cidade pequena, Eve não tinha muitas
ilusões de encontrar o grande amor. Achava -se uma garota comum, sem brilho
nem graça, e tudo o que queria era ser um pouco mai s bonita mais sofisticada.
Esse desejo se tornou intenso quando, certa noite, deu de cara com um
estranho magnífico, de olhos azuis e meio bêbado, que a chamou de
"camundonguinho marrom". Era Luck McClure, viúvo, que procurava uma mãe
para seu filho; um homem especial, atraente e perigosamente viril. Eve ficou
fascinada, mas tentou esquecê-lo. O destino, porém, acostumado a pregar
peças, voltou a unir os dois à beira de um lago romântico, cheio de flores. E
Eve se apaixonou perdidamente...

Projeto Revisoras 1
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

CAPÍTULO I

— Tem certeza de que não quer uma carona até em casa? — o


reverendo Johnson perguntou. — Eu terei prazer em levar você, se não se
importar de esperar alguns minutos.
Com aquelas calças caqui e a camisa xadrez, o reverendo não parecia
um ministro de Deus. Qualquer um, olhando para aquele homem de quarenta e
poucos anos, seria capaz de jurar que estava na frente de um pescador que
tinha entrado na igreja por engano. Na verdade, o reverendo Johnson era
fanático por pescarias, e adorava o fato de sua paróquia estar localizada numa
área de Wisconsin tão cheia de lagos e rios. Ele costumava dizer que, além de
ser um "pescador de almas", como o Senhor, era também um pescad or comum.
Em sua opinião, a profissão que havia escolhido e o modo como preenchia as
horas vagas combinavam às mil maravilhas.
— Não, obrigada, reverendo. A noite está muito bonita e eu vou
aproveitar para caminhar um pouco — Eve Rowland disse, vestindo seu casaco
marrom de tecido leve, próprio para noites de verão como aquela. — Além
disso, a minha casa não fica longe.
— Eu sei, mas não gosto da idéia de você ficar andando por aí
sozinha, depois de escurecer.
— Cable não é Mineápolis ou Milwaukee. — Ela sorriu ao lembrar as
muitas vezes em que tinha esquecido de trancar a porta da frente da casa dos
pais, antes de ir dormir.
— O fato de eu ter sido criado numa cidade grande está
me influenciando, não é? — ele perguntou, rindo, caçoando de si mesmo. —
Bem, obrigado por ter substituído a sra. Alstron no órgão. Espero que isto não
tenha estragado seus planos para esta noite.
— Eu não tinha nenhum plano para hoje — Eve replicou, sem entrar em
maiores detalhes. Era raro ela fazer planos para uma noite... planos sociais,
pelo menos.
— O que é uma pena — disse o reverendo. Seus olhos estavam cheios
de simpatia, e ele sorriu encorajadoramente.' — Você é uma moça
delicada e afetuosa, e talvez eu devesse sussurrar isso nos ouvidos dos
rapazes da minha paróquia que estão em idade de casar.
Ele pretendia ser gentil, mas seu comentário teve um efeito inteiramente
negativo. Tentando esconder os próprios sentimentos, Eve forçou um sorriso.
— E muita bondade sua, mas quase todos eles já estão mais ou menos
presos a alguém. Acho melhor o senhor guardar seus talentos
"casamenteiros" para outra ocasião. — Ela começou a caminhar. — Bem, boa
noite. Foi um prazer poder ajudar.
— Boa noite. Vejo você na igreja, então, no próximo domingo — o
reverendo respondeu, acenando com uma das mãos.
— Não, este domingo não. Meus pais e eu vamos para o chalé de verão
que temos no lago, por isso não poderemos ir à igreja.
— Não diga! Que lago? — Sua curiosidade de pescador havia sido
despertada.

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— Namekagon. Fica a poucos quilometros daqui.


— Eu conheço. Dá muito peixe por lá.
— Dá, sim. É o lago favorito do meu pai. — Eve olhou para o relógio que
trazia no pulso, uma peça despretensiosa, presa por uma simples correia de
couro. — Acho melhor eu ir andando. Boa noite, reverendo Johnson.
— Boa noite.
Saindo da igreja, Eve abotoou o casaco para se proteger do ar da noite.
Apesar de já estarem oficialmente no verão, a temperatura naquela região caía
bastante, depois que o sol se escondia. Ela levantou os olhos para o céu claro
como cristal, onde brilhavam milhares de estrelas. A lua cheia competia com
elas, seu disco prateado mais parecendo um enorme farol a iluminar a Terra,
tornando supérflua a iluminação artificial ao longo d a rua.
Enquanto caminhava, Eve refletia sobre as palavras do reverendo a
respeito de suas virtudes e da necessidade de anunciá -las aos rapazes em
idade de casar. Tendo vivido em Cable a maior parte de sua vida, com exceção
dos quatro anos que tinha passado na Universidade, em Madison,
ela conhecia todos os homens solteiros da região. Aqueles que poderiam
ter despertado seu interesse, nem reparavam nela; e os que reparavam, não a
atraíam de modo algum.
Ela já estava quase convencida de que era exigente demai s. Sua mãe se
desesperava, certa de que a filha nunca encontraria um homem que pudesse
satisfazê-la, principalmente porque, com a passagem dos anos, Eve ia se
tornando cada vez mais arraigada aos próprios hábitos. Já fazia muito tempo
que ela havia desistido de encontrar o príncipe encantado, e não estava em
seus planos casar apenas por casar, por mais simpático e respeitável que o
pretendente pudesse ser. Não aceitava a idéia de casar sem sentir pelo menos
uma profunda afeição pelo futuro marido. E, até agora, isso não tinha
acontecido. Ela chegou a gostar de alguns dos namorados que teve, mas era
um sentimento sem nenhuma profundidade. Ao que parecia, os homens que a
interessavam não se sentiam atraídos
por ela.
Não que Eve fosse feia. Ela possuía um certo charme, apesar de ser do
tipo comum. De cabelos e olhos castanhos, era dona de uma pele perfeita, mas
suas feições eram despretensiosas. Não se podia dizer que seu corpo fosse
escultural, embora também não fosse magra ou gorda; sua estatura mediana
combinava perfeitamente com ela. O que acontecia era que Eve simplesmente
não se destacava em uma multidão. Num mar de rostos bonitos, o dela seria o
último a ser notado.
Eve era tão realista a respeito de seus dotes físicos quanto a respeito de
seus dotes intelectuais. Ela era inteligente, de temperamento calmo, e possuía
um ótimo senso de humor. Como professora de música, gostava de tudo o que
se relacionava às artes. No entanto, tinha uma certa tendência à introspecção e
não fazia amigos com facilidade. Os "chás de cadeira" que havia tomado,
durante a adolescência, diminuíram seu entusiasmo para festas, e ela preferia
agora pequenas reuniões com os amigos mais chegados a grandes
acontecimentos sociais. Por natureza, não era agressiva, embora não
permitisse que a fizessem de boba.
Algumas pessoas achavam que, aos vinte e seis anos, Eve já tinha idade
mais do que suficiente para morar sozinha. Mas, quando ela pensava no quanto
ganhava e no quanto isso custaria, chegava à conclusão de que era mais

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prático continuar vivendo com os pais. Além disso, ela se dava muito bem com
eles; e tinha tanta independência quanto teria se morasse só.
Perdida em pensamentos, Eve não notou que se aproximava de um bar,
cuja janela estava aberta para deixar sair a fumaça e permitir a en trada de
ar fresco. Lá de dentro vinha o som de uma canção popular, mas ela não
ouviu nem a música nem o riso, e as vozes animadas que ecoavam pela rua. De
cabeça baixa, caminhava com o olhar fixo no chão.
De repente, um homem surgiu à sua frente. Sem tempo para parar ou
desviar, Eve levantou as mãos, tentando diminuir a força do impacto. Ele
evidentemente também não a tinha visto, pois deu mais um passo, o que
provocou uma violenta colisão. Instintivamente, o homem ergueu os braços
para segurá-la, carregando-a meio metro para trás com o ímpeto desse
movimento.
Atordoada pelo acidente totalmente inesperado, Eve levantou a cabeça.
Ela ainda não sabia de quem era a culpa e, incapaz de fafar por causa do
choque, ficou olhando fixamente para o estranho com o qua l tinha colidido.
A luz de néon do letreiro do bar caía em cheio sobre o rosto dele. Bem
mais alto que ela, o desconhecido tinha cabelos escuros e lisos, feições
másculas e um sorriso aberto, que deixava a mostra uma fileira de dentes muito
brancos, criando um lindo contraste com sua pele queimada de sol. Com seu
jeito malandro, ele era um homem bastante atraente.
— O que é isso que eu peguei? — A voz zombeteira combinava bem com
a expressão risonha dos olhos azuis, que a examinavam da cabeça aos pés,
reparando no tom castanho dos cabelos, dos olhos e do casaco de Eve. —
Acho que é um camundonguinho marrom.
Depois do que já tinha ouvido do reverendo, Eve não recebeu bem o
comentário brincalhão, e desviou o olhar para a camisa azul e o pulòver creme
que ele usava. Ela não se surpreendeu com o cheiro de bebida que havia no
hálito do estranho, pois obviamente acabara de sair do bar. Ele mantinha -se
firme nos pés, e seus olhos azuis não tinham aquela expressão vidrada,
característica de pessoas que bebem demais.
— Desculpe — Eve murmurou, embaraçada. — Eu não estava prestando
atenção aonde ia.
Só então ela percebeu que o desconhecido ainda a abraçava, e que suas
próprias mãos continuavam espalmadas sobre o peito dele. Um peito sólido e
viril, por sinal.
— Eu também não estava olhando para onde ia, por isso acho que nós
dois temos culpa, camundonguinho marrom, Machuquei você?
Ao perceber que era mais perturbador ouvir a voz grave e máscula sem
ver o rosto dele, Eve levantou a cabeça. Mas pior ainda era ter que
encarar aqueles olhos azuis semicerrados.
— Não, não me machucou. — E, como ele não fizesse nenhum gesto
para soltá-la, Eve continuou: — Eu estou bem. Pode me soltar.
— Eu preciso mesmo fazer isso? — o desconhecido quis saber. Suas
mãos se moveram, mas não se afastaram dela. Em vez disso, começaram a
percorrer os ombros e as costas de Eve, como se ele e stivesse tentando
descobrir qual era a sensação de tê-la nos braços. — Você sabe há quanto
tempo eu não abraço uma mulher?
A boca máscula e bem-feita assumiu então uma expressão de latente
sensualidade, confirmando as suspeitas de Eve sobre o rumo que os

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pensamentos dele tinham tomado. Ao mesmo tempo, as mãos fortes passaram


a exercer uma leve pressão nas costas dela, tentando trazé -la para mais perto
dele. Os dois estavam em pé na calçada de uma rua movimentada, a poucos
passos de um bar cheio de gente.
Na certa ele não pretendia fazer nada, num lugar como aquele! Eve
sentiu vontade de lutar, mas ficou com medo de que ele encarasse sua
resistência como uma provocação e continuou quieta. No entanto, ela
reconhecia o perigo da situação.
— Quer fazer o favor de me soltar? — pediu novamente, com o corpo
rígido colado ao dele.
— Estou assustando você, não estou? — O desconhecido inclinou a
cabeça para um dos lados, contemplando-a com indolência. No entanto, suas
mãos pararam com os movimentos exploratórios.
— Está, sim — Eve admitiu, sentindo o coração bater acelerado no peito.
Ele então a soltou. Ela estava esperando resistência por parte dele e um
segundo inteiro se passou antes que percebesse que o desconhecido havia
deixado as mãos caírem ao longo do corpo, libertando -a. Eve passou por ele e
já estava a um passo de distância quando se sentiu novamente agarrada pelo
braço.
— Não se esconda na escuridão, camundonguinho marrom. — Sua voz
censurava-a por estar fugindo. — Fique mais um pouco.
— Não.
A mão forte forçou-a a parar, mas ela levantou o braço em protesto,
resistindo contra a firmeza daqueles dedos.
— Por que está com tanta pressa? Vai se encontrar com alguém? A
pergunta tinha um tom curioso, interessado.
— Não. — Eve estava confusa e amedrontada. Ele não a soltava,
embora não estivesse fazendo mais do que mantê -la ali.
— Para onde você vai, com tanta pressa? — Sombras caíam sobre a
face do desconhecido, colocando em evidência os traços firmes de suas
feições. Elas realçavam sua virilidade, aumentando a perigosa atração.
— Estou indo para a minha casa — ela afirmou.
— Eu também não tenho nenhum lugar para ir, a não ser a minha casa.
Por que não vamos a algum lugar juntos? Assim não teremos que ir para casa.
— Mas eu quero ir para casa — Eve insistiu com firmeza, apesar do leve
tremor que começava a se espalhar por seu braço, provocado pela pressão dos
dedos dele.
— Por quê? É solitário lá.
Ela achou difícil imaginar um homem como aquele sentindo -se só. Na
certa era apenas uma frase feita, e a última coisa que queria era se deixar
envolver por um conquistador.
— Talvez eu possa explicar melhor: eu não quero sair com você.
— Acho que estou lhe dando uma impressão errada. — Um sorriso leve e
franco surgiu nos lábios provocantes. — Eu só quero que vá comigo a um lugar
onde possamos conversar.
Mais uma frase feita, Eve pensou.
— Eu duvido que você esteja interessado em conversar — respondeu
com ironia.
— Mas eu estou — o estranho insistiu e, sem soltar o braço de Eve, deu
um passo adiante, de modo que os dois ficaram frente a frente de novo.

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Eve olhava fixamente para a camisa dele, tentando ignorar o jeito


descompassado com que seu coração batia. Ele levantou uma das mãos para
tocar seus cabelos sedosos e ela jogou a cabeça para trás, fugindo da carícia.
Seus olhos se encontraram novamente, e ela percebeu que aquele era um
homem que se comunicava pela vibração... de sua mão ou de seu olhar, de sua
boca ou de seu corpo. Eve não duvidava da experiência dele nesse campo, e
seu ar impassível começou a desaparecer, abafado pelas cenas que sua
imaginação lhe apresentava.
— Mas eu estou — o estranho repetiu. — Você não acha que um homem
seja capaz de conversar com um camundonguinho marrom?
Esse adjetivo não era nem um pouco lisonjeiro, em face da má opinião
que Eve tinha de seu próprio poder de sedução, e foi com irritação que ela se
recusou a fazer qualquer comentário a respeito da observação dele.
— Quer parar de me chamar assim? — disse.
— Eu sempre tive vontade de saber se um camundongo marrom
reagiria, quando fosse acuado num canto. Então existe alguma coragem, por
trás dessa timidez! — Era evidente, pelo ar de satisfação que surgiu em seu
rosto, que seu interesse por Eve havia aumentado. — Um camundonguinho
marrom... E isso o que você é, sabia? Com esses cabelos castanhos, esses
olhos castanhos e esse casaco marrom, so pode ser um camundonguinho
marrom.
Ele a estava provocando, mas dessa vez ela o ignorou.
— Eu sou um camundonguinho marrom ansioso para ir para casa. Por
isso, quer fazer o favor de me soltar? — Eve tentou falar, num tom de voz sem
emoção, como se estivesse achando aquilo tudo muito cansativo. Vagamente,
passou por sua cabeça que não estaria em apuros se tivesse aceitado a carona
que o reverendo Johnson lhe oferecera.
— Se tem certeza de que é isso mesmo o que quer fazer, eu vou com
você, para me assegurar de que chegou sã e salva em casa e que nenhum gato
a atacou pelo caminho.
— Só existe um "gato" capaz de me atacar pelo caminho, e esse gato é
você.
— Touché! — O desconhecido deu um largo sorriso, e ela Ficou
aborrecida consigo mesma por gostar do som do riso dele.
— Se você não me deixar sozinha agora mesmo, vou ter que gritar por
socorro — Eve ameaçou, olhando-o firme nos olhos.
— Camundongos não gritam, guincham — ele corrigiu. Seus olhos azuis
examinavam-na com atenção, querendo ver até que ponto aquela ameaça era
séria.
— Pois este camundongo marrom grita — Eve insistiu, sem ter
dúvidas de que faria isso mesmo, se percebesse que estava sendo
ameaçada. Por enquanto, a situação ainda era suportável, embora a
conversa já tivesse ido longe demais.
— Acredito — o estranho disse depois de um segundo de silêncio,
soltando-a e levantando as mãos para o alto, numa zombeteira promessa de
que não a tocaria de novo.
— Obrigada. — Sem saber por que tinha dito isso, Eve começou
imediatamente a caminhar, tentando não and ar depressa demais. Podia senti-
lo observando-a com aqueles magnéticos olhos azuis, e a sensação era
realmente enervante.

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— Boa noite, camundonguinho marrom — a voz grave murmurou atrás


dela, e havia uma nota de tristeza em seu tom.
Eve não respondeu. Andou alguns metros temerosa, na dúvida de ser
seguida ou não, mas não olhou para trás. Pouco depois, ela ouviu a porta do
bar se abrir e fechar, e arriscou um rápido olhar por cima do ombro. O
desconhecido não estava à vista e, como ninguém mais havia sa ído do bar,
ficou evidente que ele tinha voltado para lá.
Sem ter que se preocupar mais com o fato de ser ou não seguida, Eve se
pós a imaginar quem era ele, e o relógio já tinha batido dez horas há muito
tempo quando chegou em casa. Seus pais estavam na s ala de visitas quando
ela entrou. Nenhum deles possuía traços que pudessem chamar a atenção. Seu
pai era um homem alto e magro, de olhos castanhos e cabelos escuros que
começavam a clarear, enquanto sua mãe era de constituição miúda, com
cabelos grisalhos e olhos castanhos. Era difícil saber de quem Eve havia
herdado sua aparência comum.
— A prática do coro acabou tarde — sua mãe comentou. Ela não estava
chamando a atenção pelo atraso de Eve, mas simplesmente dando início a uma
conversa.
— Um pouco. — Eve tirou o casaco, imaginando se algum dia seria
capaz de vesti-lo de novo sem pensar em si mesma como um
camundonguinho marrom. — O reverendo Johnson se ofereceu para me dar
uma carona até aqui, mas a noite estava tão bonita que decidi vir a pé.
Eve não mencionou o estranho que havia encontrado no caminho, pois
não queria preocupar os pais desnecessariamente. Além disso, o que tinha
acontecido não passava de um incidente sem importância, que não valia a pena
comentar.
No meio da noite, Toby McClure remexeu-se inquieto na cama, seu sono
perturbado por um leve som. Vagarosamente, abriu os sonolentos olhos azuis,
focalizando-os na porta entreaberta de seu quarto. Logo outro ruído chegou -lhe
aos ouvidos, vindo de outra parte da casa. Um sor riso maroto desenhou-se em
sua boquinha infantil quando ele ouviu o barulho de alguém chocando -se com
uma cadeira e xingando em voz baixa.
Jogando longe as cobertas, Toby levantou-se e foi para o hall. Seus pés
descalços não faziam ruído no chão carpetado, e ele esperou na porta, que
dava para a sala, até ver o pai surgir no meio das sombras que envolviam o
local.
Os raios de luar penetravam por uma janela no fundo do hall, iluminando
o garoto, e quando seu pai, Luck McClure, deu com ele, parou abruptamente ,
apoiando-se à parede para não cair.

— O que é que você está fazendo fora da cama? Você devia estar
dormindo — acusou numa voz zangada e ligeiramente pastosa.
— Você me acordou — Toby replicou. — Você sempre faz isso, quando
tenta entrar as escondidas.
— Eu não estava entrando às escondidas! — o pai exclamou
enfaticamente, olhando em volta. — Onde está a sra. Jackson? Ela não devia
estar aqui, tomando conta de você?
— Ela cobra duas vezes mais, depois da meia-noite, por isso eu paguei o
que lhe devia e a mandei para casa. Você me deve doze dólares.

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— Você... — Luck McClure fechou a boca repentinamente, evitando a


explosão de raiva, e levou uma das mãos à testa. — Nós vamos falar a respeito
disto amanhã, Toby — declarou, num tom de voz meio ameaçador.
— Está certo. Não vou deixar que esqueça isso — o garoto respondeu,
com um brilho malicioso nos olhos. — Afinal, você me deve doze dólares.
— Isto é outra coisa que vamos discutir amanhã de manhã. — Dessa
vez, sua voz soou mais cansada que ameaçadora. — Neste momento, tudo o
que quero é ir para a cama.
Luck jogou o corpo para a frente e aproveitou o impulso do movimento
para ir até a porta do quarto que ficava em frente ao do garo to. Toby observou-
o entrar no comodo escuro e caminhar para o local onde a cama deveria estar.
Sem uma luz para guiá-lo, Luck bateu com o pé no móvel e começou a xingar
baixinho, mas parou abruptamente quando Toby se aproximou e acendeu o
abajur.
— Por que é que você ainda não está na cama, que é onde deveria
estar? — perguntou, deixando-se cair sobre o colchão.
— Achei que você ia precisar de ajuda para ir para a cama. — Com a
resignada paciência de um adulto, Toby foi até o pai e ajudou -o a tirar o
pulôver.
— Para um menino de oito anos de idade, você "acha" coisas demais —
Luck comentou. Enquanto desabotoava os punhos da camisa, Toby
desabotoava a frente.
— Você tem que admitir que eu lhe fiz um favor esta noite, papai — o
garoto disse, ajudando-o a despir a camisa. — Já imaginou o que a sra.
Jackson ia pensar, se o visse chegar em casa bêbado desse jeito?
— Eu não estou bêbado — Luck protestou, abrindo o zíper da calça e
ficando em pé o tempo suficiente para fazê -la deslizar até o meio das coxas.
Toby acabou de tirá-las. — Eu só tomei alguns drinques.
— Claro, papai. — Ele puxou as cobertas e, sem muito esforço,
conseguiu convencer o pai a deitar-se.
— Ah, como é gostoso deitar na cama da gente! — Luck murmurou, e já
estava fechando os olhos quando Toby o cobriu. Abrindo -os de novo, ele olhou
com ar vago para o filho. — Eu lhe contei que conversei com um
camundonguinho marrom? — Mal as palavras saíram de sua boca, Luck virou-
se de lado, enterrando a cabeça no travesseiro. — É melhor você ir dormir um
pouco, filho — murmurou com voz enrolada.
Balançando a cabecinha, Toby caminhou até a porta e parou para olhar o
pai que já ressonava.
— Um camundonguinho marrom — repetiu, apagando a luz. — Isto é
outra coisa que precisamos discutir amanhã.
Voltando para seu quarto iluminado pelo luar, o garotinho deitou-se e
olhou para o porta-retrato em cima da mesinha-de-cabeceira. A foto ali exposta
era igualzinha à que seu pai conservava ao lado da própria cama, e mostrava
uma sorridente loira de olhos verdes: sua mãe, e de longe a mulher mais bonita
que Toby já tinha visto. Ele ainda era um beb ê quando ela morreu, há
exatamente sete anos. Seu olhar voltou-se na direção do quarto do pai e,
suspirando resignadamente, o menino ajeitou -se para dormir.
Logo depois das oito horas, na manhã seguinte, Toby acordou. Ficou na
cama ainda vários minutos, bocejando e espreguiçando, antes de decidir
levantar e ir para o banheiro. Vinte minutos depois, ele já tinha escovado os

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dentes, lavado o rosto, penteado os cabelos e encontrado uma camiseta


amarela e uma calça jeans para vestir.
Saindo do quarto, ele parou no hall para dar uma olhada no pai. Luck
McClure estava estirado na cama, abraçado ao travesseiro. Procurando não
fazer barulho, Toby fechou a porta, apesar de duvidar que o pai pudesse ser
perturbado por qualquer tipo de barulho.
Na cozinha, ele fez um pouco de café, depois empurrou uma cadeira até
junto da pia e subiu nela, para poder alcançar os copos e os pratos fundos
guardados no armário. Colocando a cadeira em frente de outro armário, o
garoto pegou uma caixa de flocos de milho. Tirou da geladeira um jarra de suco
de laranja e outra contendo leite, e sentou -se à mesa para tomar seu café da
manhã.
Quando terminou, Toby foi novamente até a geladeira, pegou uma jarra
com suco de tomate, despejou um pouco num copo alto, acrescentou uma gema
de ovo e mexeu bem. Depois, adicionou à mistura um dente de alho
e tabasco. Cheirando o líquido, o garoto fez uma careta de desgos to, mas
pegou o copo e foi para o quarto do pai. Luck ainda estava na mesma posição.
Toby inc!inou-se, tomando grande cuidado para não derramar o conteúdo do
copo, e sacudiu o ombro dele com a mão livre.
— Já são nove horas, papai. Está na hora de levantar. — Sua
declaração fez o pai dar um gemido de protesto. — Vamos, papai, coragem!
Com grande relutância Luck virou-se de costas, pondo um dos braços
sobre os olhos, para protegê-los da claridade que entrava pelas frestas da
veneziana. Em silêncio, Toby esperou pacientemente que ele se sentasse.
— Oh, minha cabeça! — Luck murmurou, e levou as duas mãos à testa.
Toby ajoelhou-se na cama e ofereceu ao pai a beberagem que tinha
preparado.
— Beba isto. Vai fazer você se sentir melhor.
Abaixando as mãos, Luck olhou desconfiado para o conteúdo do copo.
— O que é isso?
— Não me pergunte — o garoto aconselhou e, apertando o nariz do pai
com dois dedinhos, aproximou o copo dos lábios dele e obrigou -o a beber um
bom gole.
— O que é isso? — Luck repetiu, quase engasgando.
— Um remédio para ressaca.
— E desde quando você se tornou perito em remédios para ressaca? —
perguntou, olhando feio para o filho.
—- Vi eles darem a receita na televisão.
— Eu deveria fazer você beber um pouco disso! — Luck estava
exasperado.
— Tem café fresco na cozinha. — Dizendo isso, Toby pulou para fora da
cama, com medo de que o pai resolvesse cumprir a ameaça.
— Ponha um pouco numa xícara para mim, então. E leve isto com você.
— Um sorriso surgiu lentamente na boca máscula, formando sulcos atraentes
ao redor, quando Luck estendeu o copo para o filho. — Eu vou para a cozinha
assim que me vestir.
— Também vou pôr um pouco de suco de laranja num copo para você,
papai — Toby declarou.
— Só se for suco de laranja puro, sem mais nada misturado.

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— Está bem. — Um sorriso largo surgiu em seu rostinho, ao mesmo


tempo que Toby se virava e saía rapidamente do quarto.
Sacudindo a cabeça, Luck jogou longe as cobertas e pulou para fora da
cama, demorando-se num momento em frente à mesinha-de-cabeceira,
para olhar a foto que lá estava.
— Bem, moça, está vendo que tipo de garoto seu filho se tornou?
Seus olhos azuis tinham uma expressão pensativa, quando ele se
encaminhou para o banheiro.

CAPÍTULO II

— Seu café está frio — Toby anunciou, quando o pai finalmente


apareceu na cozinha.
Luck estava limpo e barbeado, vestindo jeans e uma camisa cinza. Seus
cabelos castanho-escuros brilhavam, ainda molhados do banho de chuveiro, e
ele sorriu ao ouvir o tom de reprovação na voz do filho.
— Eu demorei porque precisava tomar um banho — defendeu-se, e
tomou um gole do café morno, antes de despejar na xícara mais um pouco do
que estava na cafeteira. Sentando-se na cadeira em frente à do filho, ele
apoiou os cotovelos na mesa. — Quer me explicar o que aconteceu com a sra.
Jackson, ontem à noite?
— Ela ia cobrar o dobro de você, por ficar tomando conta de mim depois
da meia-noite, por isso eu a paguei e pedi que fosse para casa — Toby disse,
repetindo a explicação da noite anterior.
— E ela foi... assim, sem mais nem menos! — Luck replicou, batendo a
mão na mesa. — A sra. Jackson simplesmente foi embora e deixou você aqui,
sozinho!
— Bem... — Toby murmurou, remexendo-se na cadeira.
— Por que ela foi embora?
— Acho que ela pensou que nós estávamos "duros". Ela ficou
aborrecida porque achou que você tinha lhe pedido para ficar apesar de saber
que não poderia pagar mais do que doze dólares.
— Por que você lhe deu esta impressão?
— Eu já estou grande demais para precisar de babá, papai! — o menino
protestou. — Eu posso tomar conta de mim mesmo.
— Pode ser que sim, mas e a minha tranquilidade? Eu sou um adulto,
você é uma criança. Quando eu saio, gosto de saber que há um adulto com
você, tomando conta de tudo. Fico mais tranquilo sabendo que há alguém por
aqui capaz de tomar providências numa emergência, se você
ficar doenle ou se machucar — Luck explicou com firmeza. — Você
entendeu?
— Entendi, sim — Toby admitiu baixinho.
— De agora em diante, quando eu sair à noite, vou deixar uma pessoa
tomando conta de você, e ela vai ficar até eu voltar. Estamos entendidos?
— Estamos.
— Ótimo! — Dando o assunto por encerrado, Luck levou a xícara de
café aos lábios,
— E os meus doze dólares? — No que se referia a Toby, o assunto ainda
não estava encerrado. — Eu tirei o dinheiro que estou
economizando para comprar uma bicicleta nova.

Livros Florzinha - 10 -
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— Pois você devia ter pensado melhor, antes de gastá -lo.


— Mas isto é o que você teria que pagar à sra. Jackson, se eu não
tivesse pago — o menino argumentou com lógica. — Não só isso, mas ainda
muito mais.
— Eu vou lhe devolver os doze dólares, mas com uma condição: você vai
chamar a sra. Jackson, contar a ela o que fez e ped ir-lhe desculpas. Toby
soltou um profundo suspiro, antes de dizer:
— Está bem.
— Você já tomou o seu café da manhã? — Luck perguntou, mudando
de assunto.
— Já. Comi flocos com leite.
— Quer que eu prepare ovos com bacon?
— Claro que sim. Pode deixar que eu ajudo.
Enquanto Toby punha a mesa, Luck colocou algumas fatias de bacon na
frigideira e quebrou três ovos num prato fundo, para misturá-los. Terminando
sua tarefa antes do pai, o menino se aproximou do fogão para
observar.
— Papai? — Ele inclinou a cabeça para trás, para poder ver o rosto de
Luck. — Não quer me explicar melhor aquela história de você t er falado com um
camundonguinho marrom?
— Um camundonguinho marrom? — Luck repetiu, sem entender.
— É. Ontem à noite, antes de dormir, você disse que tinha conversado
com um camundonguinho marrom — Toby explicou. — Eu pensei que as
pessoas só vissem elefante cor-de-rosa, quando ficassem bêbadas.
— A gente pode ter toda espécie de visão quando bebe demais.
Evidentemente a minha, ontem à noite, foi um camundonguinho marrom. É, eu
devo ter bebido bem mais do que pensei!
— Foi por causa da mamãe, não foi? — o menino perguntou.
Luck ficou em silêncio por um momento, antes de dizer sorrindo ao
filho:
— O que é que você quer fazer hoje? O que acha de irmos pescar? Ou
você prefere ir andar de barco? — Propositadamente, ele estava evitando
responder à pergunta de Toby, e o menino percebeu logo que não
adiantava insistir.
— Eu prefiro ir pescar.
— Pois então, é isto o que vamos fazer! — Luck declarou, acariciando
os cabelos castanhos do filho.
Uma hora e meia depois, a louça estava lavada, as camas feita s, e os
dois já se encontravam num barco ancorado numa enseada do lago
Namekagon. Uma floresta densa rodeava todo o lago, deixando de longe em
longe espaço para uma estreita faixa de praia. Uma mistura de carvalhos, faias,
coníferas e vários tipos de pinheiros dominava a paisagem, apresentando em
suas folhas várias tonalidades de verde. As águas calmas do lago refletiam a
formação cerrada da floresta, onde ainda, podiam ser encontrados ursos
negros, veados e muitos outros animais
selvagens.
Com as Unhas na água e as varas apoiadas na lateral do barco, os dois
estavam preparados para esperar pelos peixes. Toby reclinou -se e num dos
bancos, com as pernas estiradas sobre a rede de pesca e as mãos

Livros Florzinha - 11 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

entrelaçadas na nuca. Seus olhos azuis tinham uma expressão pensa tiva,
enquanto acompanhavam as nuvens brancas que deslizavam pelo céu.
Luck também estava relaxado, apesar de encarar com uma certa
desconfiança o silêncio do local, que só era quebrado pelo grito ocasional de
um pássaro ou pela água batendo de encontro ao casco do barco.
Disfarçadamente, ele estudava a expressão no rostinho do filho.
— Você parece estar preocupado com alguma coisa, Toby —
comentou, desviando o olhar para o céu quando o menino se virou para ele. —
Posso saber o que está se passando nessa sua cabecinha?
— Eu estava tentando descobrir uma coisa. — Toby voltou a posição
anterior, sem perder a expressão preocupada. — O que é, exatamente,
que uma mãe faz?
A pergunta surpreendeu Luck, fazendo-o perceber que seu filho nunca
havia participado da vida característica de uma família, composta de pai, mãe e
filhos. Toby só tinha um avô vivo, e também nunca conviveu com tios e primos.
Durante o ano escolar, os fins de semana eram os únicos dias que os dois
podiam ficar juntos. Muitas vezes Luck havia permitido
que o menino convidasse um coleguinha para um passeio; no entanto,
Toby nunca tinha passado um fim de semana, ou mesmo um dia, na casa de um
amiguinho.
A pergunta era vaga, mas muito importante, e não havia jeito de deixar de
respondê-la.
— As mães fazem todo tipo de coisas. Elas cozinham, lavam louça,
limpam a casa, tomam conta dos filhos, cuidam deles quando ficam doentes,
lavam e passam roupa, e outras coisas como essas. Muitas vezes, elas tambem
trabalham fora durante o dia. As mães se lembram sempre dos aniversários das
pessoas da família, dão presentes para a gente sem terem nenhum razão
especial para isso, e inventam jogos para distrair os filhos, quando eles estão
aborrecidos.
Luck sabia que sua resposta era incompleta, po rque deixara de falar
sobre o amor e o carinho que as mães dedicam às pessoas da família, mas é
que ele não sabia como explicar isso. Quando terminou de falar, olhou para o
filho. Toby continuava a fitar o céu, mas a expressão preocupada havia sumido
de seu rostinho.
— Pois então, eu acho que estamos precisando de uma mãe — ele
disse, depois de pensar alguns momentos.
— Por quê? — O desabafo de Toby despertou um mecanismo de defesa
em Luck:, que tentou contestar o filho: — Nós não temos nos arranjado bem,
sozinhos? Pensei que o nosso fosse um bom jeito de viver.
— E é, papai — o garoto assegurou, mas depois deixou escapar um
profundo suspiro. — Sabe, é que eu estou me cansando de ter que lavar louça
e arrumar a minha cama todos os dias!
Um sorriso se formou na boca bem-feita de Luck.
— Ter uma mãe não quer dizer que você vá se livrar da sua parte nas
tarefas de casa.
Tirando as mãos da nuca, Toby endireitou o corpo. — Como é que a
gente arruma uma mãe?
— Para você ter uma mãe, eu teria que me casar de novo.
— Você acha que gostaria de se casar de novo?

Livros Florzinha - 12 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

— E você não acha que as suas perguntas estão ficando um pouco


pessoais demais? — E um pouco difíceis demais de responder?, Luck pensou
enquanto se sentava, com uma ruga de preocupação na testa.
— Eu sou seu filho. Se você não conversar comigo sobre isso, com quem
vai conversar? — Toby argumentou.
— Você está muito amadurecido para a sua idade! — Seus olhos azuis
brilhavam divertidos quando se encontraram com os do filho.
— Se você se casasse de novo, poderia ter mais filhos. Já pensou a esse
respeito?
— Já, e não sei se seria capaz de manejar outro garoto como você —
Luck brincou.
— Papai, quer fazer o favor de falar sério? — Toby protestou,
exasperado. — Estou tentando falar com você de uma coisa que eu acho
importante! Você não precisa necessariamente ter outro garoto. Pode ter uma
menininha.
— É por isso que você está falando a respeito de arranjar uma mãe?
Quer ter irmãos e irmãs? — Luck sabia que havia alguma coisa mais por trás de
todo aquele interesse do filho por uma mãe. E sabia que, mais cedo ou mais
tarde, acabaria descobrindo o que era.
— Sabe que é realmente impossível ter uma conversa de filho para pai
com você? — Toby disse, com a irritação de um adulto. — Você nunca
responde às minhas perguntas. Só me faz outras. Como é que eu vou aprender
alguma coisa, desse jeito?
— Está bem. — Luck cruzou os braços e adotou uma expressão séria. —
O que você quer saber?
— Se você encontrasse uma garota que lhe agradasse muito, teria
coragem de casar de novo?
— Teria.
Com um sorriso satisfeito, Toby reassumiu a posição anterior, estirado no
banco, com as mãos entrelaçadas na nuca.
— Então, eu vou ajudar você a procurar — murmurou, olhando para o
céu.
Luck respirou fundo, fez menção de dizer alguma coisa, mas depois
decidiu que era melhor dar o assunto por encerrado e ficou quieto.
O chalé dos Rowland era totalmente construído de troncos, e tinha uma
varanda na frente que dava para o lago do outro lado da estrada. A estrutura
rústica, embora moderna, havia sido construída numa clareira da floresta e era
rodeada por uma massa de pinheiros.
Durante o fim de semana, Eve Rowland e os pais haviam se mudado para
lá com armas e bagagens para passar o verão. Tinha sido trabalhoso, mas
muito divertido, arrumar novamente a casa de férias, pois isso fez com que se
lembrasse de muitas passagens engraçadas e felizes, de outros verões.
Em pé na varanda, Eve olhava para as águas azuis do lago Namekagon.
Ali, naquelas florestas ao norte de Wisconsin e Minnesota, é que a lenda
de Paul Bunyan e seu touro azul, Babe, tinha nascido. De acordo com o
que se contava, Paul e Babe haviam brincado bastante em Namekagon, que era
um dos muitos lagos pertencentes a Wisconsin. Ela ainda se lembrava de
acreditar na lenda e procurar o local no mapa, quando era criança. A figura
mítica de Paul Bunyan fora tão real para ela quanto a do Coelhinbo da Páscoa
ou a de Papai Noel, apesar de ele não distribuir presentes.

Livros Florzinha - 13 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

Eve ergueu os olhos para o céu claro e inspirou o ar puro com ar oma de
pinheiro. Depois, com um suspiro de contentamento, virou-se e entrou no chalé.
Ele era pequeno, com apenas dois quartos e uma cozinha, separada da s ala
por uma mesa presa na parede. Deixando a porta de tela bater atrás de si, ela
se aproximou da mesa, onde o pai consertava uma vara de carretilha, com todo
o resto do material de pesca que possuía espalhado à frente. A mãe estava na
cozinha, preparando uma salada de batatas para o jantar.
— Será que eu posso usar o carro? — Eve perguntou. — Estou
precisando ir até aquela loja na beira da estrada, para comprar xampu. O meu
acabou. Além disso, também preciso comprar um bronzeador.
— Claro que pode! — Enfiando a mão no bolso da calça, o sr.
Rowland pegou as chaves do carro e estendeu -as para a filha.
— Vocês estão precisando de alguma coisa que eu possa trazer? — E foi
até o sofá, onde tinha deixado sua bolsa de lona.
— Acho que um pouco de leite — sua mãe respondeu. — Fora isso, não
consigo me lembrar de mais nada que estejamos precisando.
— Está bem. Eu volto logo — Eve falou por cima do ombro, enquanto
abria a porta que dava para a varanda.
Ao se acomodar no assento do carro, Eve sentia -se alegre e
despreocupada. Sua roupa tinha sido especialmente escolhida para combinar
com seus sentimentos; o tom amarelo da calça e da camiseta que usava
parecia refletir o próprio dourado do sol de verão. Uma fita branca mantinha
seus cabelos castanhos presos para trás, emoldurando a forma ovalada de seu
rosto.
A loja que servia a comunidade local, uma mistura de mercearia, farmácia
e quitanda, não ficava longe. A família Rowland comprara lá muitas vezes, nos
verões anteriores, por isso Eve era conhecida dos proprietários. Depois de
conversar com eles por alguns minutos, ela pegou seu pacote e v irou-se para
sair.
Já estava quase na porta quando ouviu um homem chamando o dono da
loja. A voz dele lhe pareceu vagamente familiar, e ela
olhou para trás, para ver se conhecia a pessoa, mas havia uma estante
de mercadorias no caminho, tapando sua visão. Dando de ombros, Eve
continuou seu caminho, já quase esquecida do incidente. Afinal, era com o
dono da loja, e não com ela, que o recém -chegado queria falar.
Tinha deixado o carro no estacionamento da loja, e só quando estava
perto dele é que percebeu que havia alguma coisa e rrada. Seus olhos se
arregalaram de surpresa ao darem com o pára -brisa quebrado, no meio do qual
havia um rombo de mais ou menos dez centímetros de diâmetro.
Pasma, Eve olhou pela janelinha e viu uma bola de beisebol no banco da
frente, rodeada por pedacinhos de vidro. Agindo mecanicamente, ela abriu a
porta e a pegou.
— Essa bola é minha — a voz de uma criança declarou.
Ainda surpresa demais para ficar zangada ou aborrecida, Eve virou -se
para olhar o dono da voz. Com um boné de beisebol equilibrado no alt o de uma
massa de cabelos castanhos, um garotinho de mais ou menos oito anos de
idade aproximava-se dela, contemplando-a com um par de olhos azuis que era
a própria imagem da inocência. Com a estranha sensação de que já o tinha
visto antes em algum lugar: ela apontou para o pára-brisa quebrado e
perguntou:

Livros Florzinha - 14 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Foi você quem fez isto?


— Não foi bem eu. Sabe, o meu pai acabou de me dar esta luva nova de
beisebol de presente... — ele lançou um olhar rápido para a enorme luva de
couro que lhe cobria a mão — e nós resolvemos experimentá-la, para ver como
funcionava. Eu pedi a ele que jogasse a bola com bastante força, para eu
verificar se o enchimento dela era bom o suficiente para não deixar minha mão
arder. Só que o papai jogou muito alto e a bola bateu na pont a da luva,
mudando de direção e atingindo o pára-brisa do seu carro. Portanto, quem
jogou a bola foi o meu pai. Eu só não consegui pegá -la — o garoto terminou de
explicar, com ar de quem lamentava muito o acontecido.
— Um estacionamento de carros não é o melhor lugar para se testar uma
luva de beisebol — Eve comentou sem conseguir pensar em mais nada para
dizer. Afinal, seu protesto agora não podia mudar o que já estava feito.
— Foi o que nós descobrimos — o menino murmurou.
— Onde está o seu pai?
— Ele foi até a loja perguniar se alguém conhecia o dono do carro, E ele
me disse para ficar aqui esperando, porque o dono poderia voltar enquanto
isso.
A explicação trouxe de volta à memória de Eve o homem que tinha
entrado na loja, pedindo para falar com o p roprietário. Já ia começando a se
virar, para ir até lá, quando ouviu a mesma voz perguntar:
— Esse carro é seu?
— É do meu pai — ela disse, terminando de se virar para o pai do
menino.
O choque que sentiu deixou-a paralisada. Aquele era o estranho que
havia encontrado do lado de fora do bar, na semana anterior. Os cabelos dele
eram exatamente como se lembrava, escuros, com algumas mechas caindo -lhe
na testa. Os mesmos magnéticos olhos azuis contemplavam -na agora, com
calor e interesse, e a luz do sol emprestava uma rústica vitalidade às suas
feições másculas e simpáticas.
Eve esperou, prendendo inconscientemente a respiração, mas nenhum
sinal de reconhecimento surgiu nos olhos dele, e as palavras "camundonguinho
marrom", que ela já se preparava para ouvir, não
saíram daqueles lábios provocantes. Ele não a tinha
reconhecido.
Evidentemente, a combinação de bebida com as sombras da noite havia
transformado sua imagem numa lembrança nebulosa, na mente dele, e
era
exatamente assim que ela esperava que continuasse.
— Espero que Toby tenha explicado o que aconteceu — ele disse num
tom de voz agradável, mas sério, olhando para a bola que Eve ainda
conservava na mão.
— Ele explicou, sim — ela respondeu, certa de que se seu coração
continuasse a bater daquele modo acabaria lhe saltando pela boca. — Pelo
menos, ele disse que você jogou a bola e que ele não conseguiu pegá -la.
— Foi isso mesmo o que aconteceu. — O sorriso bonito era um pouco
sem graça. — Naturalmente, eu vou pagar a troca do pára-brísa do carro de seu
pai, senhorita...

Livros Florzinha - 15 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Rowland. Eve Rowland — ela se apresentou, contente por estar com


as duas mãos ocupadas, segurando a bola e o saco de mercadorias, e não
poder apertar a mão dele.
— Meu nome é Luck McClure, e este é meu filho Toby. — Com evidente
orgulho de pai, ele colocou a mão no ombro do menino. — Nós estamos
passando o verão numa casa à beira do lago, a poucos quilómetros
daqui.
— Muito prazer — Eve murmurou, pensando que o menino lhe
parecera tão familiar porque era a cara do pai.
— Com o seu pára-brisa estraçalhado, você não vai poder dirigir de
volta para casa, e eu ficaria muito contente se me deixasse dar -lhe uma
carona.
Naquelas circunstâncias, Eve não sabia de que outro modo poderia ir
para o chalé, por isso aceitou.
— Eu vou com você, sim. Muito obrigada.
— Posso ficar com a minha bola de beisebol agora? — o garoto
perguntou.
— Claro! — ela respondeu, estendendo-a para ele.
— Nosso carro está estacionado ali. — Luck McClure segurou o braço
dela levemente, levando-a em direção a um Jaguar último tipo. — Você disse
que o carro é de seu pai?
— É, sim. Ele está no chalé.
— É para lá que você quer que eu a leve? — Ele deu a volta no carro,
para abrir a porta para ela, enquanto Toby subia no banco de trás.
— E. Meus pais e eu estamos passando o verão lá. — Eve esperou até
Luck estar atrás da direção, para dizer a ele onde ficava o chalé.
— Não é muito longe da nossa casa — ele comentou, e Eve lamentou
que não ficasse na direção oposta. Receava que Luck McClure a
reconhecesse, o que tornaria a situação desagradável e até mesmo
embaraçosa. — Eu vou falar com seu pai a respeito da troca do pára -
brisa.
Por um momento ela imaginou se ele não estaria f azendo isso por
considerar as mulheres como seres inferiores, incapazes de cuidar direito de
qualquer coisa, mas logo tirou essa idéia da cabeça. Luck McClure tinha toda a
aparência de ser um homem verdadeiro, sem nada do típico machão
chauvinista. Provavelmente ele queria tratar direto com o proprietário do carro,
o que para ela era ótimo! Quanto menos o visse, menos chance teria de ser
reconhecida.
A aba arredondada de um boné de beisebol entrou na área de visão de
Eve, quando o garoto se debruçou por cim a do banco.
— Eu pensei que você fosse ficar louca de raiva quando visse o que nós
fizemos com seu carro. Por que você não ficou?
A pergunta fez Eve sorrir.
— Eu fiquei surpresa demais. Não conseguia acreditar no que estava
vendo.
— Eu também não, quando aconteceu — Luck admitiu, rindo.
Mais tranquila, Eve tentou tirar da cabeça seu primeiro encontro com ele,
do lado de fora do bar. Luck McClure era um homem bastante charmoso, além
de bonito e confiável.

Livros Florzinha - 16 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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"Flerte" é una palavra geralmente ligada ao sexo feminino, mas naquele


momento Eve percebeu que também podia ser aplicada a um homem sem
diminuir-lhe a virilidade. Na verdade, o brilho que isso dava aos olhos azuis de
Luck só fazia aumentar a masculinidade dele. De repenle, Eve se viu desejando
que aquele fosse seu primeiro encontro, e que não houvesse a possibilidade de
ele reconhecer nela o "camundonguinho marrom" da semana passada. Um
homem como Luck McClure jamais se sentiria atraído por um camundongo
marrom.
O olhar azul desviou-se da estrada o tempo suficiente para encontrar os
olhos dela. Havia um claro interesse masculino no rosto de Luck quando
examinou as feições de Eve, o que fez com que ela se sentisse levemente
excitada. Mas seu entusiasmo desapareceu rapidamente ao lembrar que era
inútil alimentar qualquer atração por ele. Olhou para a estrada, um segundo
antes que Luck voltasse a atenção para lá também.
— Nosso chalé fica logo ali na frente, à esquerda — Eve indicou. Quando
Luck diminuiu a velocidade do carro para entrar no caminho
que levava ao chalé, Toby anunciou:
— Nós passamos sempre por aqui, mas nunca pensei que morasse
alguém nesta casa. Quando foi que vocês vieram para cá?
— No fim de semana passado — ela respondeu, imaginando se essa
informação faria Luck se lembrar do incidente do bar. Mas não houve nenhuma
reação da parte dele. — Nós passamos os verões aqui, mas às vezes também
passamos os feriados de invemo, para andar de trenó ou esquiar.
— Você gosta de esquiar? — Toby não parecia disposto a refrear sua
curiosidade, mesmo agora que o carro tinha parado.
— Com o monte Telemark praticamente no nosso quintal, seria uma
vergonha se eu não gostasse. — Um leve sorriso surgiu em seus lábios quando
Eve apanhou o saco de mercadorias e se preparou para sair. — Eu gosto muito,
sim.
— Eu também. Papai me levou para esquiar, no último Natal. — O garoto
saiu do banco de trás e aproximou-se do pai, que já estava de pé do lado de
fora do Jaguar. — No ano que vem, eu já vou estar bom o suficiente para ir
esquiar com ele. — Toby levantou a cabeça e olhou para Luck, à espera de
uma confirmação. — Não vou, papai?
— No fim do próximo invemo, você já vai ser um veterano no esqui —
Luck concordou sorridente, e esperou Eve dar a volta no carro antes de
começar a andar na direção do chalé de troncos.
Com aquele homem alto e bonito a seu lado, Eve sentia -se
estranhamente embaraçada, e essa sensação não tinha nada a ver com seu
primeiro encontro. Era mais como se ela estivesse consciente, o tempo todo, da
atração física que sentia por ele, e isso lhe tirava a tranquilidade. Eve só
percebeu que Toby não estava com eles quando a porta do carro bateu e o
garoto se aproximou correndo. Luck e Eve pararam ao mesmo tempo, para ver
o que o tinha detido.
— Você deixou as chaves na ignição de novo, papai — Toby explicou,
com um ar adulto de censura no rostinho infantil, enquanto estendia as chaves
do carro para o pai. — É por isso que muitos carros são roubados.
— Sei, Toby. — Luck aceitou a reprimenda com indulgência e enfiou as
chaves no bolso da calça. Dessa vez, quando ele e Eve começaram a andar, o
menino foi junto.

Livros Florzinha - 17 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Os pais de Eve logo se recobraram da surpresa inicial de ver a filha


entrando com dois desconhecidos. Ela os apresentou, e Luck começou a
explicar a causa do pára-brisa quebrado. Mostrando sua característica
compreensão, o sr. Rowland não ficou zangado com o acidente. Na verdade,
ele até se divertiu com a história.
Enquanto os dois discutiam detalhes, Eve foi para a cozinha guardar na
geladeira o leite que havia trazido. E acabou ficando por lá, satisfeita em
observar de longe a facilidade com que Luck McClure conversava com seus
pais. Relacionar-se sem dificuldades com os outros era um dom que poucas
pessoas tinham, mas que pareciam fazer parte do modo de ser natural e à
vontade de Luck.
No entanto, seu jeito não enganava Eve, que tinha certeza de que ele era
bem capaz de impor sua autoridade sempre que fosse preciso. Havia alguma
coisa na pessoa dele que exigia respeito, e que parecia aumentar sua força.
O olhar dela desviou-se para o garoto, em pé ao lado do pai. Ele ouvia
com atenção tudo o que era dito, e estava mais do que evidente que possuía
um estranho senso de responsabilidade, para um garoto de oito anos. O único
movimento que fazia era jogar a bola dentro da luva e pegá -la de novo, para
repetir metodicamente o gesto.
Com o leite já acondicionado na geladeira, Eve não tinha motivos para
continuar na cozinha. Mas como não queria tomar parte na conversa entre Luck
McClure e os pais, ela pegou a loção bronzeadora e o xampu e dirigiu-se,
disfarçadamente, para o banheiro. Lá, parou diante do espelho em cima da pia
e começou a estudar, com atenção, sua própria imagem.
A fita de tecido branco afastava os cabelos castanhos de seu rosto,
realçando as feições levemente alteradas naqu ele momento, diferentes do
ar sereno que costumava transmitir. Sua boca parecia mais cheia e
macia, e Eve tocou os lábios rosados com a ponta dos dedos. Havia um brilho
excitado no fundo de seus olhos castanhos, que seguramente não existia antes;
tinha sido posto ali por Luck McClure e pela incerteza que ela sentia de não
saber se seria ou não reconhecida por ele.
Eve admitiu para si mesma que, com aquelas roupas amarelas, estava
longe de se parecer com um camundongo. Se tinha mesmo que se comparar a
alguma coisa, um girassol parecia mais conveniente, com suas brilhantes
pétalas amarelas e o miolo marrom.
— Você está mesmo ficando convencida — murmurou para si mesma, e
deu as costas para o espelho antes que se tornasse mais interessada ainda na
própria aparência.
Mas seu subconsciente tomou a firme resolução de nunca mais usar
marrom. Daquele momento em diante, só compraria roupas de cores vivas.
Cores escuras e tristes não lhe caíam bem.
Eve temia o momento em que teria de ser apresentada à esposa de Luck,
pois, naquela comunidade pequena, mais cedo ou mais tarde todos acabavam
se conhecendo. O que poderia dizer a uma mulher cujo marido tentou
convencê-la a ir para um lugar solitário com ele?
Que tipo de casamento seria o deles? Luck tinha dito que se sentia
solitário em casa e que queria conversar com alguém. Era óbvio que ele e a
esposa estavam tendo problemas. Ou talvez ele fosse do tipo que gosta de ter
aventuras fora de casa... Não, não era isso, Eve concluiu com firmeza. Um
flerte sem consequências podia ser natural para Luck McClure, mas ele jamais

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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deixaria a situação ir além de uma simples troca de palavras. Havia muita


profundidade nele, para isso.
Mas, afinal, o que lhe importava Luck McClure? Ele era casado e, por
mais problemas que tivesse, não desistiria enquanto não conseguisse resolvê-
los. Era ridículo perder tempo pensando em um homem casado, por mais
interessante e bonito que ele fosse.
O barulho da porta de tela se fechando e o silêncio que se seguiu na sala
fizeram Eve olhar naquela direção. Logo depois, ela ouviu o som da porta do
Jaguar se abrindo. O homem e atraente e seu filho estavam indo embora.
O que era ótimo! Agora, podia sair de seu esconderijo e... De repente,
Eve estacou, tomando consciência do que estivera fazendo. Tinha estado se
escondendo! Escondendo-se porque Luck McClure a olhara com o interesse
típico de um homem, e porque não queria que ele a identificasse com o
"camundonguinho marrom" da outra noite. E qual tinha sido sua
reação? Esconder-se no primeiro buraco que achou, exatamente como
um
"camundongo vou fazer isso, Eve decidiu, e deixou seu ''buraco", voltando
para a sala. A única pessoa que estava lá era sua mãe. Olhando para fora, Eve
viu que o Jaguar já não estava mais estacionado no pátio
do chalé.
— Onde está papai?
— Ele foi com o sr. McClure até onde vocês deixaram o carro. Eles
telefonaram para uma oficina e um homem vai até lá fazer um orçamento de
conserto. Mas ele deve voltar togo.
Realmente, uma hora depois o sr. Rowland estava de volta, mas fo i, o
mecânico quem o trouxe, e não Luck McClure.

CAPITULO III

Os Rowland ficaram sem condução durante dois dias. Na manhã do


terceiro dia, o dono da oficina lhes mandou o carro de volta, já com o novo
pára-brisa. Desde cedo todos estavam presos dentro de casa, por causa da
chuvinha fina que caía, e assim que o automóvel chegou o sr. e a sra, Rowland
decidiram passar o resto do dia fora, visitando alguns amigos. Eles convidaram
Eve para ir junto, mas ela não aceitou; não sentia muita afinidade pelas
pessoas que os dois pretendiam visitar.
Geralmente, Eve gostava de passar os dias de chuva enrodilhada numa
poltrona, lendo, mas depois do almoço ela decidiu que estava inquieta demais
para fazer isso. Como seus pais só iam chegar para o j antar, resolveu
aproveitar a tarde para assar alguns biscoitos de chocolate, que eram os
favoritos do sr. Rowland, e foi para a cozinha.
Logo, o delicioso cheirinho de biscoitos assando espalhou -se pelo chalé,
afastando a tristeza daquele dia chuvoso e acinzentado. Duas bandejas de
biscoito já estavam esfriando em cima da pia, e uma terceira no forno, quando o
som de passos chegou aos ouvidos de Eve, vindo da varanda. Pouco depois,
alguém bateu na porta e, limpando apressadamente uma mancha de farinha em
sua camiseta vermelha, ela foi atender.
Um homem de ombros largos, cobertos por uma capa azul -escura de
náilon, virou-se de frente ao ouvir o som da porta se abrindo. Um verdadeiro
choque elétrico percorreu Eve da cabeça aos pés, quando reconheceu Luck

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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McClure do outro lado da porta de tela. Seus cabelos escuros brilhavam,


molhados, e seus atraentes olhos azuis contemplavam -na sorridentes. Toby
estava ao lado dele, com o rostinho quase que totalmente escondido debaixo do
capuz do blusão de náilon que vestia. Atrás deles a chuva continuava a cair
pesadamente, dando ao dia um tom acinzentado e tristonho.
— Oi! — Eve cumprimentou-os, tentando falar do modo mais natural
possível. Um sorriso agradável surgiu nos lábios de Luck McClure.
— Eu ia passando por aqui e parei para...
A explicação dele foi interrompida pelo disparo da campainha do forno,
avisando que os biscoitos já deviam estar prontos.
— Com licença um instantinho. Eu deixei uns biscoitinhos no forno, e
eles já devem estar no ponto — Eve explicou. Como não podia largar os dois
em pé ali na varanda, sob pena de parecer a pessoa mais mal -educada de todo
o país, destrancou a porta de tela e convidou rapidamente: — Entrem, por
favor.
Enquanto voltava para a cozinha, ela ouviu o som da porta de tela se
abrindo e a vozinha de Toby murmurando:
— Não esqueça de limpar os pés antes de entrar, papai.
Enfiando a mão numa luva de pano, Eve retirou a bandeja com os
biscoitos prontos do forno e colocou outra, que já estava esperando em
cima da pia.
— Meus pais foram passar o dia fora — ela disse ao perceber que Luck
McClure e o filho a tinham seguido até ali. — Tem alguma coisa que eu possa
fazer por vocês? — ofereceu, enquanto soltava com uma espátula os biscoitos
da bandeja de metal.
— Eu disse a seu pai que ele poderia usar o meu carro, enquanto o de
vocês estivesse na oficina, e passei por aqui para ver se ele não está
precisando dele.
— A oficina mandou nosso carro esta manhã — Eve contou,
virando-se para ele. Seu rosto, que já estava corado por causa do calor do
forno, tomou-se mais vermelho quando ela surpreendeu Luck
examinando-a vagarosamente da cabeça aos pés, com o olhar meticuloso que
os homens costumavam dirigir às mulheres. Ele, provavelmente, devia olhar
daquele jeito para qualquer mulher mais ou menos atraente que aparecesse em
seu caminho, mas o fato de saber disso não diminuiu a emoção que Eve estava
sentindo.
Nesse momento Toby aproximou-se dela, o que a ajudou a disfarçar um
pouco seus sentimentos. Enquanto olhava em cima da pia para ver o que Eve
estava fazendo, ele desamarrou o capuz do blusão e jogou -o para trás,
sacudindo a massa de cabelos castanhos.
— O que é que você está fazendo? — perguntou com curiosidade.
— Biscoitos de chocolate. — Eve sorriu para o garoto, continuando a
despregar os biscoitos da bandeja.
Toby respirou fundo, sem tirar os olhos dos biscoitos.
— Hum... como eles cheiram gostoso!
—- Quer experimentar um? — No mesmo instante lançou um olhar para
Luck, que também tinha se aproximado da pia, e perguntou apressadamente: —
Não tem importância eu dar um biscoito a Toby, tem?
— Não, pode dar.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

Imediatamente o menino estendeu a mão para um dos biscoitos que ela


tinha acabado de despregar.
— Cuidado! — Eve avisou, tarde demais. Toby já estava sacudindo os
dedinhos queimados no ar quando ela acabou de falar.
— Eles estão quentes — ele reclamou.
— Claro que estão. Acabaram de sair do fomo. Pegue um daqueles ali.
— Ela apontou para uma das outras bandejas, que já estavam em cima
da pia há bastante tempo. — Estão mais frios.
O garoto pegou um dos que ela havia indicado e mordeu -o com
cuidado.
— Hum... que delícia!
— Você pode ajudar a sua mãe a fazer outros como esse na sua casa
— Eve disse, sorrindo.
— Eu não tenho mãe — Toby replicou distraidamente, dando outra
mordida no biscoito.
Essa declaração atingiu o corpo de Eve como se fosse uma descarga
elétrica, e ela lançou um olhar preocupado para Luck. Será que o casamento
dele tinha acabado em divórcio? Aparentemente, ele não estav a zangado com o
filho por ter tocado nesse assunto.
— Minha mulher morreu quando Toby era pequeno — Luck explicou,
lançando um olhar para o menino. Um sorriso alegre surgiu então em sua boca,
e ele acrescentou: — Já faz anos que Toby e eu cuidamos da nossa casa
sozinhos, mas nosso talento doméstico não chega ao ponto de fazer biscoitos
como esses.
— Sei — Eve murmurou, porque não sabia o que mais poderia dizer.
O fato de o considerar um homem casado, e portanto fora de cogitação,
tinha feito com que ela se sentisse completamente a salvo da tremenda atração
que Luck exercia sobre seus sentidos. A descoberta de que ele era viúvo
pegou-a totalmente desprevenida, deixando-a abaladíssima.
— Posso pegar outro biscoito? — Toby pediu, lambendo os dedos
lambuzados de chocolate.
— Claro que sim! — Eve sorriu, concluindo que o garoto considerava os
biscoitos feitos em casa como um verdadeiro premio.
— Por que não experimenta um, papai? — ele perguntou, enquanto
escolhia outro. — Você não imagina o que está perdendo!
— Pegue um — Eve disse, reforçando o convite do menino e dando um
passo para trás, depois de despregar o ultimo biscoito.
Enquanto Luck aceitava e se servia de um biscoito, ela começou a
despejar o conteúdo de uma caixa de papelão numa tigela. Não demorou muito
para o curioso Toby ir ver o que era aquilo.
— O que é isso?
— Massa para biscoitos. Depois a gente acrescenta leite, mistura,
coloca no forno para assar, e saem esses biscoitos que você está vendo.
Ao que parecia, aquilo tudo era uma tremenda novidade para o menino.
Se ele já tinha visto massa pronta para biscoitos e bolos antes, devia fazer
tanto tempo que sua mente infantil já nem se lembrava mais.
— Como é que você faz a mistura? — Toby perguntou, com a testinha
franzida.
— Há uma receita na embalagem do pacote. O habito de ensinar já
estava muito arraigado em Eve, para ela negar-se a transmitir alguma coisa a

Livros Florzinha - 21 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

uma criança interessada. Pegando o pacote vazio, mostrou -o para o menino. —


Olhe, aqui está escrito direitinho tudo o que você tem que fazer. -
Com um biscoito numa das mãos e o pacote vazio na outra, Toby afastou -
se para o outro lado da cozinha, onde se pôs a ler a receita, concentradíss ino.
Luck encostou então o quadril na pia, perto de Eve, e foi aí que ela percebeu o
quanto o espaço lá era reduzido.
— Como é agradável uma cozinha cheirando a biscoito recém -assado,
num dia de chuva — ele comentou. — É nesses momentos que a gente tem a
impressão de estar num verdadeiro lar!
— E verdade — Eve concordou, certa de que o que mais a perturbava
era o modo amigável e íntimo com que Luck a tratava.
— Você já comeu um dos seus bolinhos? Eles são mesmo uma delícia!
— disse, confirmando a opinião do filho.
— Ainda não. — Ela virou-se para lhe dizer que havia café na
cafeteira, caso ele quisesse tomar uma xícara. Mas, quando abriu a boca para
falar, Luck aproveitou e colocou rapidamente um biscoito lá dentro.
— Uma cozinheira deve sempre provar o que faz!
A voz grave tinha um tom alegre e gozador, e por um momento Eve ficou
parada, sem saber o que fazer. Depois, seus dentes fecharam -se institivamente
sobre o biscoito. Luck continuou a segurá-lo, até ela levantar a mão e pegá-lo.
Não foi fácil, para Eve, comer aquele biscoito sob o olhar interessado de
Luck McClure, principalmente quando ele demonstrou ter notado o movimento
que ela fez com a língua, para lamber o chocolate derretido que havia ficado no
cantinho de sua boca. Com o coração batendo como um tambor, ela acabou de
mastigar e engolir o pedaço que tinha na boca.
— Vou comer o resto depois, com um pouco de café. — Ela colocou o
biscoito meio comido em cima da pia, pois não estava com a menor vontade de
repetir a enervante experiência de mastigar outro bocado na frente de Luck.
Pegando uma colher, concentrou-se na tarefa de encher mais uma bandeja,
para levar ao forno.
— E eu que sempre pensei que Eva tinha tentado Adão com uma maçã!
— Luck murmurou baixinho, só para que ela ouvisse. — Quando foi que você
descobriu que um biscoito dava melhor resultado?
De novo Eve levantou os olhos para Luck, surpresa pelo trocadilho com
seu nome e pasma pela implicação das palavras que acabara de ouvir. Por
mais que quisesse, nunca conseguiria encarar com tanta naturalidade quanto
ele aquele tipo de provocação. Luck era muito mais experien te do que ela no
jogo de palavras insinuantes entre um homem e uma mulher.
— O que quer dizer "tentando"? — Toby perguntou, olhando curiosamente
para o pai.
Luck virou-se para o filho, nem um pouco aborrecido com a pergunta ou
com o fato de ter escutado o que ele dizia.
— Tentar é a mesma coisa que colocar uma minhoca no anzol. O peixe
não consegue resistir e acaba dando uma mordidinha, para experimentar.
— Ah, sei! — Com sua curiosidade satisfeita, o menino perdeu o
interesse que tinha sentido pela palavra. Colocando o pacote vazio de biscoitos
em cima da pia, disse para o pai: — Isso não parece difícil de fazer, papai.
Você acha que poderíamos experimentar, qualquer dia desses?

Livros Florzinha - 22 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Podemos experimentar no primeiro dia de chuva que tivermos, daqui


para frente — Luck prometeu. E acrescentou, piscando o olho para Eve: — Se
tivermos alguma dificuldade, podemos chamar Eve para nos ajudar.
— Isso mesmo — Toby concordou, com um largo sorriso.
Inesperadamente, quando Eve já começava a acreditar que Luck não
sairia de onde estava pelo resto do dia, ele afastou -se da pia e endireitou
o corpo.
__Toby e eu já abusamos demais da sua hospitalidade. É melhor
irmos embora.
Nesse momento, a campainha do forno soou novamente, avisando que a
nova leva de biscoitos estava pronta. O ruído insistente permitiu a Eve virar as
costas para os dois, dando-lhe tempo para se recuperar da súbita onda de
desapontamento que a invadiu. Isso fez também com que ela se recordasse do
motivo pelo qual eles tinham aparecido no chalé.
— Foi muita bondade pararem para ver se meu pai estava precisando do
carro — comentou, retirando a bandeja de biscoitos do forno.
— Era o mínimo que eu podia fazer — Luck respondeu, colocando-se
exatamente no caminho dela e obrigando-a a levantar os olhos para ele. Um
sorriso leve brilhava em seus lábios. — Espero que você me perdoe pelo que
aconteceu da outra vez que nos encontramos.
Eve ficou pálida,
— Então, você se lembra!
Ainda sorrindo, Luck franziu a testa de um modo que o deixou mais
atraente do que antes.
— Eu estava falando do nosso encontro no pátio de estacionamento da
loja. Existe mais alguma coisa de que eu deva me lembrar?
Sentindo a intensa curiosidade do olhar azul, que parecia exigir uma
resposta, Eve quase se traiu.
— Não, claro que não. — Sorrindo nervosamente, com o coração
batendo mais depressa que nunca, ela contornou Luck e dirigiu -se para a pia.
Por um horrível momento, chegou a pensar que ele não fosse aceitar sua
resposta, mas depois ouviu-o caminhar para a sala, dizendo:
— Dê lembranças minhas a seus pais.
— Dou, sim — Eve prometeu, virando-se só quando os dois já
estavam bem perto da porta da frente.
— Tchau, Eve — Toby gritou.
— Tchau — ela respondeu.
O chalé ficou terrivelmente silencioso e vazio depois que eles foram
embora. A chuva fina e monótona lá fora parecia estar mais próxima, e a
sensação de solidão que ela transmitia insinuava -se por cada fenda da parede.
Eve serviu-se de uma xícara de café e sentou-se à mesa, para terminar de
comer o biscoito que Luck lhe dera. Mas, estranhamente, ele havia perdido todo
seu sabor.
Na semana seguinte, Eve ofereceu-se para ir até a loja buscar pão, leite e
mais algumas coisinhas de que estavam precisando, para que seus pais
pudessem sair de barco com uns amigos que tinham ido visitá-los. Ela
notou o Jaguar estacionado em frente à loja assim que entrou
no
estacionamento, embora não fizesse a menor idéia do brilho que isso
trouxe a seus olhos.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Luck e Toby estavam saindo com os braços cheios de pac otes quando
Eve chegou à porta da loja.
—Olá— Seu cumprimento animado não escondia uma leve excitação, e o
sorriso indolente que Luck lhe dirigiu fez seu coração disparar.
— Você não precisa se preocupar hoje. Toby deixou a bola de beisebol
em casa — ele disse.
— Ótimo! Eu ainda estava na duvida se devia parar aqui ou não. — Eve
riu, pois não tinha pensado nem um segundo no pára -brisa quebrado, durante
aqueles dias,
— Olhe o que nós compramos! — Enfiando a mão dentro de um dos
pacotes que carregava, Toby tirou uma caixa de biscoitos de chocolate, — Nós
vamos tentar fazé-los, na próxima vez que chover.
— Espero que tudo dê certo.
— Eu também — Luck murmurou com bom humor. — Agora vamos, Toby.
Vejo você qualquer hora, Eve — acrescentou, usando uma frase indefinida, que
não prometia nada.
— Tchau, Eve.
O sorriso sumiu dos lábios dela, enquanto os observava ir embora.
Virando-lhes as costas, Eve entrou na loja.
— Quando é que você acha que vai chover de novo? — Toby
examinou o céu azul, à procura de alguma nuvem escura, mas não
encontrou nada. Desanimado, ajoelhou -se na toalha que Luck havia
estendido para ele, na praia. Grãos de areia cobriam seus pezinhos nus, que
estavam tão molhados quanto o resto de seu corpo. — Já faz quase uma
semana que não chove!
— Talvez o país esteja entrando numa fase de seca — Luck brincou, ao
ver a impaciência do filho.
— Muito engraçado. — Com uma careta, Toby virou-se para olhar o sol
refletindo na superfície do lago. — A água está bem quentinha. Vamos nadar
um pouco?
— Depois. — Luck espreguiçou. Os raios de sol atingiam em cheio sua
pele, trazendo-lhe arrepios de prazer. Foi nesse momento que uma bola
vermelha de praia bateu na areia perto dele e rolou, parando junto de seu
corpo.
— Desculpe — disse uma ofegante voz feminina.
Apoiando-se no cotovelo, Luck observou a jovem — uma linda loira
usando um biquini reduzido — ajoelhar-se na areia a seu lado e pegar a bola. O
sorriso dela era um convite aberto.
— Não foi nada — afirmou, reparando na boa parte de seio que ficou à
mostra quando ela se inclinou. Levantando a cabeça, ele percebeu o brilho
malicioso nos olhos dela, e viu logo que não passava de uma cena, armada
para chamar sua atenção. Era um velho jogo, e, apesar da parceira, Lu ck
descobriu que não estava nem um pouco interessado em participar dele.
A loira esperou durante vários segundos, e uma expressão de
desapontamento surgiu em seu rosto quando ela percebeu que Luck não ia
corresponder a seu avanço. Levantando-se com um movimento gracioso, ela
correu para junto dos amigos.
— Aquela loira é de deixar qualquer um doido, não é, papai? Divertido,
Luck olhou por cima do ombro para o filho, que ainda
seguia a moça com os olhos.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Acho que é — concordou sem muito entusiasmo, sentando-se na


toalha.
— Ela gostou de você, também — Toby comentou, com um sorriso
malicioso. — Eu percebi o olhar sexy que ela lhe lançou.
— Você "percebe" demais. — Luck deu um empurrão amigável nas
costas do filho, jogando-o sobre a areia.
— Por que você não se casa com uma moça como ela? — Toby
perguntou, rindo.
Luck suspirou. E ele, que tinha pensado que esse assunto já estava
esquecido!
— Beleza não é tudo, filho. — Levantando-se, ele estendeu a mão para
o menino, para ajudá-lo a ficar de pé também. — Venha, vamos nadar, como
você queria.
— O último que entrar na água é um bobo! — Toby desafiou, saindo na
disparada.
Luck saiu atrás, conseguindo com suas largas passadas uma pequena
vantagem sobre Toby. Entrando na água até os joelhos, ele mergulhou e
afastou-se com poderosas braçadas, indo esperar o filho na parte mais funda.
— O que é que você acha, querida? — ele murmurou baixinho, só para si
mesmo. — Será que nunca mais vai existir ninguém, depois de você?
A imagem da esposa surgiu-lhe na mente, o rosto bonito sorrindo
maliciosamente, como ela costumava fazer quando o puxava para a cama. Suas
feições eram vagas como um sonho, e sua lembrança já não causava nele a
mesma angustia de antes. O tempo tinha se encarregado de transformar tudo
numa linda recordação, que voltava nas horas mais estranhas para assombrá -
lo.
Apesar de Luck ainda ter um apetite sexual saudável, todo desejo de se
envolver emocionalmente parecia tê-lo abandonado. A não ser Toby, era como
se todas as coisas boas de sua vida tivessem ficado para trás. O futuro parecia-
lhe totalmente vazio, sem nenhuma promessa.
Uma gargalhada feminina, vinda da beira do lago, chamou sua atenção
para a loira escultural. O modo audacioso como ela tinha tentado atraí -lo
deixara-o totalmente frio, apesar de ele ter gostado do que vira. É que Luck
achava as aproximações sutis bem mais sensuais. Como a de Eve, quando ela
lambeu o chocolate que havia ficado no cantinho de sua boca. Estranho que ele
estivesse pensando nisso, em vez de no modo como sua esposa, L isa,
costumava passar o dedo pela beira do copo, quando queria provocá -lo.
Gotas de água caíram sobre seu rosto, fazendo Luck piscar os olhos,
surpreso, enquanto Toby ria do susto que havia pregado no pai. Logo depois, o
momento de reflexão se fora, e os dois se afastaram nadando.
Os trovões ribombavam no céu, despejando uma torrente de chuva que
martelava sem cessar o telhado do chalé. Eve lavava os pratos do almoço,
observando pela janela da cozinha os relâmpagos que clareavam tudo, dando
ao mundo escurecido um aspecto fantasmagórico.
— Meu Deus, esse caiu perto daqui — a sra. Rowland comentou, vendo
um relâmpago mais forte que os outros cruzar os céus.
Tempestades violentas sempre a deixavam um pouco nervosa.
— O jogo de beisebol em Milwaukee foi adiado por causa da chuva — o
sr. Rowland comentou desapontado, desligando o rádio que ficava em cima da
geladeira. Se havia uma coisa de que ele gostava tanto quanto pescar, era

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beisebol. — Talvez o tempo melhore esta tarde, e o jogo possa ser realizado.
Se isso acontecer... — Foi interrompido pelo telefone tocando. — Deixem que
eu atendo.
— Se for Mabel, diga para ela vir com Frank pra cá — a sra. Rowland
avisou. — O dia está ótimo para um jogo de cartas.
Mas o telefonema era para Eve. Depois de enxugar rapidamente as mãos
com o pano de pratos, ela foi atender.
— Alô?
— Eve? Aqui é Toby. Toby McCIure.
— Como vai, Toby? — O prazer que ela sentiu estava evidente em sua
voz e em seu rosto.
— Eu estou tentando fazer uns biscoitos de chocolate — ele disse, e Eve
sorriu, lembrando-se de quando ele e Luck tinham aparecido no chalé, para ver
se o sr. Rowland não estava precisando do Jaguar. — Só que eu não consigo
entender como é que a gente faz para deixar o açúcar e a manteiga cremosos.
— O quê? — Eve franziu a testa, enquanto tentava descobrir qual era a
dificuldade do menino.
— A receita diz para tornar o açúcar e a manteiga cremosos, e eu não
sei como fazer isto.
Ela teve que se controlar para não rir. A receita provavelmente não fazia
o menor sentido para Toby.
— Isto significa que você deve misturar os dois e bater bem, até formar
um creme.
Um suspiro chegou até ela, pelo fio do telefone.
— Eu pensei que ia ser fácil, mas não vai, não. — Houve uma pausa,
logo seguida por um relutante pedido: — Eve, será que não dava para você vir
até aqui me mostrar como é que a gente faz esses biscoitos?
— Onde está o seu pai? Ele é capaz de ajudar você.
— Ontem à noite ele chegou muito tarde em casa, e agora está tirando
uma soneca. Você pode vir?
Era impossível recusar, principalmente porque Eve não queria fazer isso.
— Eu vou, sim. Onde, exatamente, fica a sua casa? — Ela sabia que não
devia ficar longe, pelos comentários que pai e filho tinham feito. Depois que
Toby explicou tudo direitinho, prometeu que estaria iá dentro de poucos
minutos e desligou o telefone. — Papai, vocês estão planejando usar
o carro esta tarde?
— Não. Você quer ficar com ele? — O sr. Rowland já estava com a mão
no bolso, para pegar as chaves.
— Eu vou até a casa dos McCIure, dar a Toby a sua primeira lição de
arte culinária. — Rindo, Eve explicou a dificuldade do garoto com a receita dos
biscoitos.
— Não se preocupe com a louça do almoço. Eu acabo de lavar — a sra.
Rowland se ofereceu. — É melhor você pegar um casaco e levar uma
sombrinha. Ainda está chovendo bastante.
Em seu quarto, Eve penteou os cabelos e colocou um pouco de brilho nos
lábios. Não parou para pensar na razão por que estava tendo o trabalho de se
arrumar, já que ia ver apenas uma criança de oito anos de idade. Hesitante,
olhou o casaco marrom dentro do armário; mas, como ele era o único que tinha
para um dia como aquele, acabou por pegá-lo e vesti-lo.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Lá fora, a chuva caía sem cessar, tomando o trabalho dos limpadores de


pára-brisa quase inútil. A visão através de toda aquela água estava tão ruim
que por pouco Eve não passou direto pela casa dos McClure, apesar das
excelentes indicações de Toby. Estacionando o carro atrás do Jaguar, e la abriu
a sombrinha e saiu. Seu casaco estava totalmente molhado quando chegou à
varanda, mas Toby devia estar na janela, pois abriu a porta um segundo antes
que Eve a alcançasse. Colocando um dedo sobre os lábios, para pedir silêncio,
ele indicou o caminho até a cozinha. Ela entrou correndo, sem poder evitar de
molhar o chão com a água que pingava de suas roupas e da sombrinha.
— Papai está dormindo — Toby sussurrou. — Ele precisa de descanso.
O hall de entrada dava para a sala de estar, que possuía pared es
inteiramente revestidas de cedro, com o teto inclinado sustentado por vigas de
madeira; num canto havia uma lareira feita de pedra natural. O olhar que Toby
lançou naquela direção mostrou que era lá que seu pai estava dormindo, e Eve
não resistiu a uma rápida olhada. Nu da cintura para cima, com um dos braços
cobrindo a cabeça, Luck dormia a sono solto num sofá forrado com um tecido
de formas geométricas.
Na cozinha, Toby levou-a até a mesa onde ele já tinha colocado todos os
ingredientes da receita.
— Você pode me mostrar como é que a gente faz os biscoitos? —
pediu com ansiedade.
— Não, eu não vou mostrar a você — Eve replicou, tirando o casaco
molhado e pendurando-o nas costas de uma cadeira. — Eu vou lhe falar como
deve fazer. O melhor meio de aprender alguma coisa é fazendo.
Passo a passo, ela dirigiu o menino, e, quando os primeiros biscoitos
saíram do forno, Toby ficou encantado. Ele mal pôde esperar que esfriassem
para provar um deles e ver se tinham ficado gostosos.
— Eles têm o mesmo gosto dos seus — declarou com voz triunfante,
depois da primeira mordida.
— Claro que têm — Eve respondeu rindo, mas baixinho, para não
acordar Luck.
— Eu não teria sido capaz de fazer nenhum, sem a sua ajuda — disse
com honestidade. — Você é uma boa professora!
— É isso que eu sou. — Vendo a expressão dele, de quem não está
entendendo, explicou: — Na verdade, eu sou uma professora.
— O que você ensina?
— Música.
— Que pena que não é inglês. Esta é a minha pior matéria — Toby
confessou com uma careta. — E o papai também não é muito bom nela.
— Todos nós temos matérias em que não vamos tão bem quanto em
outras. A minha é matemática.
— O papai é bom nisso, e em ciências também. Acho que é porque ele
usa essas duas matérias o tempo todo, no trabalho.
— O que é que ele faz?
— Ele trabalha para o meu avô. — Vendo então que isso não
respondia à pergunta de Eve, o menino continuou: — Meu avô é dono da
Serraria dos Lagos do Norte. Papai trabalha principalmente na seção que cuida
da derrubada dos troncos. Assim nós podemos passar mais tempo juntos no
verão, quando eu estou de férias. Ontem à noite ele teve uma reunião com o
vovô. Foi por isso que chegou tão tarde.

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— Pensei que ele tivesse ido a um encontro com alguma moça... — As


palavras já tinham saído de sua boca, quando Eve percebeu o que havia dito.
— Às vezes ele tem mesmo um desses encontros — Toby admitiu, sem
ver nada de mais no comentário dela. — Nós gostamos de fazer muitas coisas
juntos, mas de vez em quando papai sente a mesma coisa que eu: u ma
necessidade enorme de ficar com gente da mesma idade. Nessas horas, ele
marca encontro com alguma moça e eu vou brincar com outros meninos como
eu. Acho que você também deve sentir isso.
— Sinto, sim. — Eve estava maravilhada com a lógica de Toby. Ele era
mesmo um garoto extraordinário!
Sem precisar ser lembrado, ele olhou os bolinhos que assavam no forno e
chegou a conclusão de que já estavam bons. Com a ajuda de uma luva de
pano, tirou a forma e colocou-a em cima da pia, começando a desgrudar os
biscoitos com uma espátula igual à de Eve.
— Ultimamente nós temos falado sobre um novo casamento para papai
— Toby anunciou, sem notar a surpresa que as palavras estavam
causando. — Ele se sente muito só, às vezes. A vida dele tem sido muito d ura,
desde que mamãe morreu. Três semanas atrás fez exatamente sete
anos — ele disse, meneando a cabeça com um arzinho desconsolado. —
Você não imagina a bebedeira que o papai tomou, naquela noite!
Três semanas atrás... Rapidamente Eve fez um cálculo menta , com os
pensamentos num verdadeiro turbilhão.
— Isso... isso foi numa quinta-feira?
— Acho que sim. Por quê?
Naquela noite ela tinha colidido com Luck do lado de fora do bar. Ele
queria alguém com quem pudesse conversar, e chegara a dizer que um homem
pode falar com um camundongo marrom. Mas havia voltado para o bar, quando
Eve se recusara a lhe fazer companhia.
— Por nada — ela respondeu, mas não conseguiu resistir à tentação de
tentar saber mais sobre o assunto. Fingindo apenas um leve interesse,
perguntou: — Você disse que ele ficou bêbado naquela noite?
— Acho que ficou, sim — Toby repetiu. — Ele chegou até a ter
alucinações!
— É mesmo?
— Depois que eu o ajudei a ir para a cama, ele me contou que tinha
conversado com um comundongo marrom. — O menino levantou os olhos
brilhantes para ela, rindo com alegria. — Você pode imaginar uma coisa
dessas?
Eve engoliu em seco, tentando o sorriso.
— Posso sim, Toby. — Com suas suspeitas confirmadas, tudo o que ela
queria agora era mudar de assunto, — Vou ajudar você a preparar mais
biscoitos — ofereceu-se, distraindo a atenção do garoto.
Quando os últimos biscoitos saíram do forno, Eve lavou toda a louça que
tinha sido usada, enquanto Toby enxugava e colocava tudo nos armários. No
final, ele se encostou no fogão e ficou olhando-a lavar a pia.
— Sabe, não me importo de lavar a louça, nem de arrumar a minha cama
— confessou, depois de alguns segundos em silêncio. — Mas, mesmo assim,
vou gostar muito de ter uma mãe.
— Por quê? — Eve não via relação entre as duas coisas.

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— Porque às vezes meus amigos caçoam de mim, por eu ter que tirar o
pó dos móveis e dobrar minhas roupas. E o papai me contou que as mães
costumam fazer todo o trabalho doméstico.
— É verdade. — Ela estava fazendo um tremendo esforço para não rir,
Devia ser realmenie duro, para um menino de oito anos, ter sua
masculinidade questionada pelos amiguinhos. Era fácil, agora, entender como
Toby havia adquirido aquele ar amadurecido. Muita
responsabilidade tinha sido dada a ele, desde cedo, fazendo com que
perdesse a atitude despreocupada, característica da maior parte das
crianças de sua idade.
Terminando de lavar a pia, Eve secou-a e depois enxugou as mãos.
Olhando para o relógio ela percebeu, surpresa, que a tarde já estava no fim.
— Agora que tudo está limpo e em ordem, eu vou embora —
declarou.
— Você não pode ficar mais?
— Não, já é tarde. — Tirando o casaco marrom das costas da cadeira
onde o tinha deixado, Eve vestiu-o.
Toby pegou a sombrinha dela, que estava do lado de fora, e trouxe -a para
dentro.
— Obrigado por ter vindo, Eve. — Ele parou de falar de repente, como se
um súbito pensamento tivesse passado por sua cabeça. — Não é melhor eu
chamar você de srta. Rowland de agora em diante? Afinal, você é uma
professora de verdade.
— Eu prefiro que você me chame de Eve, mesmo — ela replicou,
dirigindo-se para o hall de entrada.
— Está bem, Eve — Toby concordou, sorrindo, e foi atrás dela. Quando
passou pela sala, ela olhou automaticamente para o canto onde
ficava a lareira. Luck estava sentado no sofá, esfregando o rosto com as
mãos, como se tivesse acordado naquele exato minuto. O movimento no hall
chamou sua atenção e ele levantou os olhos, imobilizando -se totalmente ao ver
Eve.
Por causa das nuvens que cobriam o céu, havia pouca luz no hall. Mas
Eve nem pensou nisso; abriu a boca para falar, sorrindo da expressão de Luck.
Ele, no entanto, foi mais rápido.
— Não se esconda novamente na escuridão... camundonguinho
marrom — disse, como se estivesse em transe.
Eve quase tropeçou nos próprios pés. Eles já tinham se encontrado tantas
vezes, sem que Luck a reconhecesse, que ela deixara de temer esse momento.
Agora, ele havia se lembrado! Sentindo-se mal. Eve virou-lhe as costas e
correu para a porta, abrindo-a. Ainda ouviu a voz dele, chamando-a, mas não
parou.
— Eve! — Luck repetiu.
Mas tudo o que Eve queria era fugir dali. Sem nem se lembrar de abrir a
sombrinha, saiu para a chuva intensa, pisando em poças que não via, e correu
para o carro.

CAPÍTULO IV

Um grito nervoso saiu da garganta de Eve, quando uma mão forte a


agarrou pelo braço, fazendo-a girar com violência. Não tinha passado pela

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cabeça dela que Luck pudesse segui-la principalmente com toda aqueia chuva.
Mas ali estava ele, em pé à sua frente, o peito nu brilhando como bronze sob a
água que caía sem cessar, molhando-lhe os cabelos escuros. Relutante, Eve
levantou a cabeça e encontrou o olhar que agora mostrava o brilho do
reconhecimento em suas profundezas.
— Você é a moça que se chocou comigo na saída do bar, naquela noite
— Luck declarou, aceitando o fato como inegável.
— Sou.
O olhar dele percorreu o rosto e os cabelos de Eve, detendo -se I
finalmente em seus olhos.
— Eu pensei que você fosse uma alucinação de bêbado. Não sei como
eu não percebi tudo, quando nos encontramos da outra vez. — Uma ruga surgiu
em sua testa, desaparecendo rapidamente quando seus olhos deram com o
casaco marrom, — Eu devo ter reconhecido você agora por causa da
combinação das sombras, do casaco e daquela espécie de torpor que a gente
sente, logo que acaba de acordar. Por que você não me disse antes?
— Para quê? Para fazer você lembrar que eu era o camundongo marrom
daquela noile? — Havia uma certa amargura na risada que Eve ; soltou.
— Que mal há em ser um camundongo marrom? — Um sorriso
atraente surgiu em seus lábios. — Se bem me lembro, eu gostei muito do I
camundonguinho marrom que encontrei naquela noite.
— Um camundongo marrom não passa de um rato pequeno. Não é um
apelido que alguém goste de ter. — Dessa vez, ela conseguiu manler a
amargura longe de sua voz, falando num tom brincalhão que pelo menos
lhe salvou o orgulho. — E não é o tipo da coisa que a gente faça questão
de lembrar aos outros, se eles já esqueceram.
— Tudo depende muito do modo como a gente encara, Eve — Luck
censurou-a com suavidade. — Você vê um rato num camundongo
marrom, mas eu vejo uma criaturinha macia e meiga. Você é u ma mulher forte e
sensível, mas não é segura de si mesma. Eu gostaria que tivesse ficado comigo
naquela noite. Tudo poderia ter sido tão diferente!
Como ela poderia dizer que também gostaria de ter ficado, principalmente
sabendo o que sabia agora? Analisar um fato, depois de algum tempo
geralmente altera o ponto de vista de uma pessoa.
— Papai! — Toby gritou da porta. — É melhor você entrar. Está ficando
ensopado aí fora.
— Toby tem razão — disse Eve. Seu olhar caiu sobre os fiozinhos de
água que corriam pelo peito nu de Luck, tão musculoso e bronzeado pelo sol de
verão. A evidente masculinidade dele despertou em seu corpo uma onda de
sensações novas. — Você está ficando todo ensopado. É melhor entrar.
— Venha comigo! — Luck não soltou os braços dela, puxando-a um
pouco para a frente ao fazer o convite.
— Não, eu preciso ir para casa. — Eve resistiu à tentação de aceitar,
certa de que seu coração batia tão rápido dentro do peito quanto os pingos de
chuva no chão.
— Foi isso mesmo o que você disse, naquela noite.
— Já é tarde. Eu... — Ela parou de falar, quando a mão molhada de Luck
envolveu seu rosto, esquecendo completamente o que ia dizer, perturbada
demais pelo toque acariciante.

Livros Florzinha - 30 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

— Papai! — Toby parecia impaciente e irritado. — Você vai morrer de


pneumonia, desse jeito.
Essa foi a interrupção que Eve precisava para se recuperar, antes de
fazer alguma tolice.
— É melhor você entrar — repetiu. Virando-se bruscamente, escapou
das mãos dele e correu para o carro.
— Vejo você depois, Eve.
Luck não estava simplesmente se despedindo dela, mas fazendo uma
promessa, embora Eve não soubesse por quê.
— Até logo — ela respondeu afobada, entrando no carro sob os olhos de
Luck, que continuava a observá-la, parado na chuva.
— Será que amanhã vai fazer um dia bonito? — ele perguntou
inesperadamente.
— Eu não sei. Não tenho ouvido as informações meteorológicas — Eve
replicou.
— Nem eu.
Indiferente à chuva que continuava a molhá-lo, Luck observou Eve dar
marcha à ré no carro e ir para a estrada. Ent ão, o incidente daquela noite não
tinha sido uma mera visão de sua mente alcoolizada! A mulher que ele pensava
só existir em sonhos estava debaixo de seu nariz o tempo todo.
A única sensação confortável que Luck tinha sentido naqueles sete anos
se resumira ao momento em que segurou essa mulher nos braços. No entanto,
ele havia pensado que tudo não passava de sua imaginação, e, mesmo agora,
ainda não tinha plena consciência da realidade dos fatos. A palavra
"confortável" não descrevia bem o que tinha sentido na noite em que a vira pela
primeira vez, pois seus sentimentos haviam sido mais básicos. Tinha lhe
parecido certo e natural ter Eve nos braços, com o corpo macio e tão feminino
colado ao seu.
Essa mulher era Eve! Era estranho que não tivesse percebido an tes. Ela
era calma e afetuosa, com uma força interna e um temperamento gentil que
despertavam sua admiração. Um sorriso surgiu em seus lábios, quando Luck
lembrou de que e!a era dona de uma forte vontade própria, além de tudo. Eve
estava longe de ser uma mulher facilmente intimidada!
— Papai!
Desviando os olhos das lanternas do carro que se afastava pela estrada,
ele se virou e foi para casa. Ao perceber o olhar cheio de censura do filho, Luck
sorriu.
— Você está ensopado, papai! Aposto que se eu quisesse sair por aí sem
casaco, nem nada, você não deixaria. Por que fez isso?
— Porque sou um tolo — Luck replicou, pois não tinha nenhuma
possibiiidade de convencer Toby numa discussão a respeito daquilo.
— E melhor você tirar essas roupas molhadas.
— É o que pretendo fazer, — Deixando atrás de si pegadas molhadas,
ele se dirigiu para o banheiro, onde tirou as roupas que vestia e colocou um
roupão atoalhado. Enquanto esfregava vigorosamente a cabeça com uma
toalha de banho, perguntou ao filho; — Por que Eve estava aqui?
— Ela veio me ajudar a fazer biscoitos. Ficaram ótimos! —
Percebendo o olhar penetrante que o pai lhe lançou, Toby explicou
melhor: — Eu telefonei para ela e lhe pedi para vir até aqui, porque eu
não estava entendendo as instruções da receita de biscoitos e você estava

Livros Florzinha - 31 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

dormindo. — Inclinando então a cabecinha para um lado, ele olhou


interrogativamente para Luck. — Por que foi que você a chamou de
camundonguinho marrom?
— Acontece que Eve é a pessoa que encontrei naquela noite que saí. Foi
ela que eu chamei de camundonguinho marrom — Luck explicou, pendurando a
toalha no suporte.
— Eu pensei que você estivesse bêbado naqueta noite.
— Bebi um pouco, mas depois que a encontrei é que fiquei bêbado. O
que provavelmente explica por que eu não sabia se tudo tinha acontecido
mesmo, ou se era fruto da minha imaginação.
— Mas por que você a chamou de camundonguinho marrom? — Toby
ainda não tinha entendido isso.
— É uma longa história.
— Já sei — o menino disse com um sorriso resignado. — Você vai me
falar sobre isso uma outra hora.
— Adivinhão! — Sorrindo, Luck virou o filho de costas para ele e
empurrou-o para fora do banheiro. — Tem café pronto na cafeteira?
— Tem, sim. — Inclinando a cabeça para trás, Toby fez uma care ta para
o pai. — Como eu gostaria que você se lembrasse de todas as coisas que ficou
de me contar "uma outra hora".
Na cozinha, Luck encheu a xícara de café e serviu -se de um punhado dos
biscoitos ainda quentes.
— Sobre o que você e Eve conversaram? — Acomodando-se numa
cadeira, ele mordeu um dos biscoitos e olhou para Toby com
desconfiança. — Foi você mesmo quem fez estes biscoitos?
— Foi, sim — o menino respondeu na defensiva. — Eve me mostrou o
que eu devia fazer. Ela disse que a gente aprende melhor fazendo. Ela é uma
professora. Você sabia? Eve é uma professora de verdade. E ve ensina música.
— Eu não sabia, não — Luck admitiu.
— Nós conversamos sobre isso e muitas outras coisas. — Toby franziu a
testa, tentando lembrar o que ele e Eve tinham falado. — Eu disse a ela que
você estava pensando em casar novamente.
Luck engasgou com o café que estava tomando e começou a tossir.
— Você disse o quê?! — Colocando a xícara em cima da mesa, ele
olhou para o filho sem acreditar, esforçando-se para controlar
sua irritação.
— Eu contei a ela que você tinha falado em casar de novo — Toby
repetiu, com toda a inocência de seus oito anos. — E é verdade!
— Você é quem esteve falando a este respeito! — Luck acusou o
menino. — E por que cargas d'água você foi dizer isso a Eve? Pensei que
aquela tinha sido uma conversa particular entre você e eu.
— Eu não sabia que você queria que tudo ficasse em segredo entre nós,
papai.
— Toby, a gente não sai por aí discutindo assuntos pessoais co m
estranhos. — Exasperado, ele passou a mão pelos cabelos. — Meu Deus, daqui
a pouco você vai estar contando isso para toda a vizinhança! Por que não põe
de uma vez um anúncio no jornal? Procura-se esposa para um viúvo com um
filho de oito anos de idade, verdadeiro "língua-de-trapo".
— Você acha que alguém é capaz de se candidatar? — Na mente infantil
de Toby, um plano já começava a se formar.

Livros Florzinha - 32 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

— Não! — Luck gritou, dando um murro na mesa. — Se eu descobrir que


você pôs um anúncio desses no jornal, juro qu e lhe dou uma surra de arrancar
o couro! Você não vai conseguir se sentar durante uma semana! Esse negócio
de casamento já foi longe demais.
— Mas você disse... — Toby começou a protestar.
— O que eu disse não interessa! Essa história de casamento, que v ocê
começou, tem que ter um fim! Eu decido "se" e "quando"' vou me casar de
novo! E sem a sua ajuda, ouviu bem?
— Encare a realidade, papai. Você precisa casar — o garoto insistiu
pacientemente. — Está precisando de alguém para lhe fazer companhia e
cuidar de você. Já estou ficando velho demais para fazer todo o trabalho de
mãe nesta casa.
— A gente não se casa só para ter companhia e alguém para cuidar da
casa. — Agora, Luck lamentava a explicação incompleta que tinha dado ao
menino sobre o papel desempenhado por uma mãe. Isso é que havia começado
toda aquela confusão. — Um casamento envolve muito mais coisas. Por
exemplo: um homem deve estar apaixonado pela mulher com quem se casa.
— Você está falando desse negócio de beijar e abraçar, não é? — Toby
perguntou, com ar compreensivo.
— Disso, e de outras coisas — Luck concordou com evidente
impaciência.
— Esse "outras coisas" é sexo, não é? Como naquele livro que nós
lemos juntos, quando você me explicou como são feitos os beb ês.
Luck sacudiu a cabeça, concordando.
— É, eu estou me referindo a sexo e a outros sentimentos que todo
homem deve ter pela mulher com quem vai se casar.
— Você aceitaria a idéia de casar com uma mulher como Eve? Afinal,
você mesmo disse que beleza não é tudo!
— Por que está dizendo isso, Toby? — Luck perguntou, irritado. — por
acaso não acha Eve uma mulher atraente?
— Eve é bonitinha, eu gosto dela, mas...
— Não tem mas nem meio mas! Eve é um encanto de moça, e não quero
que você insinue nada diferente, com comentários como "beleza não é tudo".
São coisas como esta, ditas sem pensar, que magoam as pessoas. — E ele,
melhor do que ninguém, sabia disso. Afinal, já não havia magoado Eve
chamando-a de "camundonguinho marrom", mesmo sem ter tido essa
intenção? — Nunca mais diga qualquer coisa depreciativa a respeito de
Eve. Ouviu, Toby?
— Nossa, papai, não precisa ficar tão bravo! O que eu acho é que Eve
não se parece nem um pouco com a loira que encontramos na praia, outro dia.
Aquela garota podia muito bem ser escolhida para a capa da Playboy!
Luck já ia perguntar a Toby onde é que ele tinha visto uma revista
daquelas, quando se lembrou de sua própria curiosidade durante a infância e
decidiu não dizer nada a respeito.
— Atualmente, eu não estou interessado em casar de novo — falou
apenas. — Portanto, este assunto está encerrado. E não esqueça o que eu lhe
disse sobre Eve. Nao quero ouvir nem um comentário depreciativo a respeito
dela.
— Eu não vou falar nada, papai — Toby respondeu, ofendido. — Eu
gosto dela. Ela é tão boazinha!

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Pois então, não esqueça isso. — Levantando-se, Luck acrescentou,


numa voz mais suave: — Bem, eu vou me vestir. E melhor você procurar
alguma vasilha para colocar esses biscoitos.
— Está bem — o menino concordou, desanimado, o que fez Luck se
deter na porta da cozinha.
— Eu não quis ser duro demais, Toby, e você sabe disso. É que às
vezes, sem perceber, você torna as situações muito difíceis para mim.
— Como assim?
— Eu não sei explicar. — Estendendo a mão, Luck despenteou os
cabelos do filho, numa demonstração de carinho. — Mas não fique
preocupado por causa disso.
A chuva deixou a terra limpa. O céu tinha agora um tom claro e o verde
dos pinheiros, que parecia mais vivo sem a camada de poeira que os cobria
antes, contrastava lindamente com o horizonte azul. Depois de um dia
ensolarado, típico de verão, o chão já estava quase seco de novo, restando
apenas algumas poças de água nos lugares mais baixos, para lembrar a chuva
do dia anterior.
Sentada no banquinho em frente ao piano, Eve deixou os dedos
deslizarem pelas teclas de marfim, tocando de modo displicente uma melodia
de Mozart. Ela tocava de memória, com os olhos fechados, ouvindo os sons que
fluíam ininterruptamente. A beleza da canção era uma espécie de terapia para a
vaga tristeza que a dominava, desde que Luck a reconhecera como o
"camundonguinho marrom" daquela noite.
Quando a última nota perdeu-se no ar, Eve deixou as mãos deslizarem
das teclas para o colo, com relutância. Nesse momento, o aplauso de uma
única pessoa soou às suas costas, fazendo-a voltar-se assustada para ver
quem estava lá.
Na porta de tela recortava-se a figura de um homem em pé do lado de
fora, mas Eve reconheceu Luck instantaneamente. Uma sensação mista de
prazer e incerteza tomou conta dela, fazendo seu pulso se acelerar e colocando
seus nervos à flor da pele.
— Não ouvi você chegar — disse, levantando-se rapidamente para
destrancar a porta. — Mamãe e papai foram pescar. — Percebendo que o único
carro que estava no pátio era o dos pais, ela perguntou: — Onde está o seu
carro?
— Eu vim de barco. — Luck entrou, e sua presença era tão vigorosa e
máscula que Eve se afastou um pouco, tentando fugir da atração que ele
despertava nela e que cada vez se tomava mais forte. — Está ancorado lá na
praia; Toby ficou vigiando.
— Ah! — De repente, a capacidade de manter uma conversa simples
abandonou Eve. Era tolice deixar que o episódio do "camundongo
marrom" a embaraçasse, mas era o que estava acontecendo. Precisava se
acostumar a não pensar mais nisso, aceitar a explicação que Luck lhe dera e
permitir que o assunto morresse.
— Toby e eu decidimos dar uma volta pelo lago esta manhã, e
pensamos que talvez você gostasse de vir junto.
O meio sorriso indolente, que Eve achava tão sensual, acompanhou o
convite. Mas sua alegria por este oferecimento morreu logo, quando ela
percebeu o que havia por trás de tudo.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— E muita gentileza sua me convidar, mas você não precisa se sentir na


obrigação de fazer isso só por causa do que aconte ceu em frente ao bar,
naquela noite. — Havia um certo orgulho no modo como ela o encarou,
levantando a cabeça mais do que o normal.
O sorriso de Luck se acentuou, tomando suas feições enérgicas mais
suaves.
— Não vou lhe pedir desculpas por nada do qu e eu disse ou fiz naquela
noite. Sinto que você tenha se sentido diminuída pela história do
"camundonguinho marrom", mas não era esta a minha intenção. Agora, eu
estou lhe pedindo para vir conosco porque gostamos da sua
companhia. Mas se você acha que preciso de uma desculpa para lhe fazer este
convite, vamos dizer que é o meu modo de lhe agradecer por ter ensinado Toby
a fazer biscoitos. — Seus olhos azuis tinham um bilho levemente zombeteiro,
quando Luck acrescentou: — Você vem conosco?
Eve sorriu, fazendo aparecer duas covinhas atraentes em suas faces.
— Eu gostaria muito. E só vocês me darem uns minutos para trocar de
roupa.
— Certo. — Luck estendeu a mão para a porta de tela e abriu -a. — Nós
vamos parar em algum lugar para almoçar, provavelmente numa das
lanchonetes à beira do lago.
Eve hesitou, com medo de ser inconveniente, mas depois mandou a
cautela às favas e sugeriu:
— Se você me der mais quinze minutos, posso preparar um lanche para
fazermos um piquenique. Acho que Toby gostaria disso.
— Toby vai adorar. Eu espero você no barco, então, daqui a quinze
minutos.
— Eu estarei lá!
Eve ainda continuou parada no mesmo lugar por alguns momentos,
observando Luck sair e cruzar correndo a estrada na direção da praia. Quando
ele desapareceu no meio dos pinheiros, ela pegou a cesta de piqueniques e
abriu a geladeira, sentindo-se maravilhosamente bem. Para acompanhar os
sanduíches de presunto que preparou, decidiu levar um pedaço do queijo
Cheddar e um do Colby; bolachas doces e salgadas;
algumas maçãs; um pacote grande de batatas fritas e uma garrafa
térmica cheia de limonada.
Quando Eve entrou no quarto, os quinze minutos já estavam quase
esgotados. Ela trocou rapidamente a saia e a blusa que vestia por um shord
branco e uma camiseta vermelha. No último minuto, enfiou os pés dentro de um
par de alpargatas brancas e pegou uma camisa de mangas compridas no
armário, para o caso de querer se proteger do sol muito! forte.
Com a cesta no braço, Eve cruzou a estrada em direção ao lago. Toby
estava jogando pedras na superfície lisa da água, todo concentrado, recostado
no tronco de um pinheiro. Ao ouvir Eve se aproximando, ele olhou para trás e a
expressão de admiração que surgiu em seu rosto, ao vê -la, encheu-a de prazer.
— Oi, Eve! — Toby cumprimentou com alegria, soltando as pedras que
tinha nas mãos e limpando-as no short.
— Você chegou dois minutos adiantada — Luck comentou.
— Então, talvez seja melhor eu voltar para o cha lé e esperar esses dois
minutos passarem — ela disse, divertida.

Livros Florzinha - 35 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Ah, isso não! — Luck protestou, com um bom humor igual ao dela.
Ainda rindo, Eve passou-lhe a cesta de piquenique, que ele acomodou
no fundo do barco. Depois, Luck virou-se para ajudá-la a embarcar. Ela já
suspeitava da força de seus braços e ombros musculoso s, mas só quando ele a
levantou no ar, com a mesma facilidade com que tinha erguido a cest as de
piquenique, é que percebeu o quanto aquele homem era forte, na realidade.
A sensação daquelas mãos firmes em volta de sua cintura não a
abandonou durante muito tempo, e, quando Eve finalmente conseguiu controlar
a respiração alterada, Toby já estava a bordo e Luck empurrava o barco para
águas mais profundas. Pouco depois, ele também subiu a bordo.
— Todos prontos? — perguntou, olhando por cima do ombro, já com a
chave na ignição.
Eve e Toby disseram que sim, e ele deu a partida. O potente motor da
lancha espocou e começou a funcionar, espirrando água para todos os lados.
Pegando o leme, Luck levou vagarosamente o barco para longe da margem,
antes de subir a válvula que injetava gasolina no motor e partir a toda.
O vento provocado pela velocidade levantava os cabelos castanhos de
Eve, soprando-os para trás. Só aí ela percebeu que seria melhor ter
trazido um lenço. Agora, não havia nada que pudesse fazer. Com esse
pensamento na cabeça, virou-se de frente para o vento, deixando que ele a
atingisse diretamente no rosto.
Sentada num dos bancos, com o braço apoiado na lateral do barco, Eve
tinha uma visão clara de tudo o que estava diante dela, inclusive Luck. Ele
continuava em pé segurando o leme, com os pés ligeiramente separados. Os
contornos bronzeados de seu corpo destacavam -se contra o céu, que estava
tão azul quanto seus olhos. O vento despenteava os cabelos escuros,
colocando sua camisa contra a pele revelando assi m toda a musculatura que
ela escondia. As calças justas delineavam seus quadris estreitos, realçando as
pemas fortes e reforçando sua aura de sensualidade.
No íntimo de Eve, alguma coisa se agitou. Foi nesse momento que ela
percebeu que, desde o momento em que partira, não havia tirado os olhos de
Luck. Rapidamente, virou-se para o garoto em pé ali perto, uma verdadeira
miniatura do pai. Toby tinha deixado para trás sua máscara de maturidade,
adotando naquele dia a atitude despreocupada que geralmente era t ão evidente
em Luck, cujos olhos azuis estavam sempre brilhando de alegria e vontade de
viver.
Era impossível conversar com o barulho do motor, mas Eve ouviu Toby
pedindo ao pai para ir mais depressa. Ela viu Luck sorrir para o filho, e logo
depois a potente lancha deslizava pela superfície do lago numa velocidade
ainda maior, batendo nas ondas criadas pelas outras lanchas e lançando uma
chuva de gotículas para o alto.
Luck olhou por cima do ombro e sorriu para Eve, que correspondeu. Por
um breve momento, ela se permitiu considerar o quadro que eles formavam: um
homem, uma mulher e uma criança: E por um momento ainda mais breve,
permitiu-se imaginar que os três formavam uma família. Mas logo a realidade se
impôs, forçando-a a tirar da cabeça essa idéia.
Pouco depois, LucK diminuiu a velocidade da lancha e passou o comando
para o filho. Cheio de orgulho, Toby deixou que seu tremendo senso de
responsabilidade o dominasse novamente, assumindo uma expressão séria.

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Luck ficou junto dele alguns minutos; ao perceber que o menino ia bem,
afastou-se para o lado, mantendo uma vigilância discreta.
Sua posição colocou-o diretamente na linha de visão de Eve, e, quando
ele se virou inesperadamente alguns segundos depois, pegou -a a
observá-lo.
— O dia está lindo! — comentou.
— Está mesmo — Eve respondeu, pensando que o dia estava, na
verdade, perfeito. O vento mudou então subitamente de direção,
jogando-lhe os cabelos no rosto. Quando ela finalmente conseguiu
afastá-los e olhou para Luck, ele já tinha se virado para a frente de novo.
Mais ou menos uns quinze minutos depois, ele fez um gesto chamando -a
e gritou:
— E a sua vez de dirigir!
— Sim, senhor — Eve respondeu, sorrindo, e aproximou-se de Toby. Não
foi difícil perceber que o menino estava começando a se cansar de
dirigir o barco. Sabiamente, Luck tinha pedido a Eve para substituí-lo,
antes que a sensação de prazer de Toby terminasse, transformando o
divertimento em algo cansativo e desagradável. Com o canto dos olhos, ela viu
o garoto aproximar-se do pai, esperando um elogio pelo modo como havia
dirigido o barco. Depois, concentrou-se em fazer o mesmo.
Luck disse-lhe alguma coisa, mas o vento e o barulho do motor não a
deixaram ouvir. Sacudindo a cabeça, Eve fez um gesto indicando que não tinha
escutado nada. Ele então aproximou-se, parando junto às costas dela.
— Vamos para a parte norte do lago —: repetiu, inclinando-se para
diante.
— Eu não conheço aquela área. Geralmente nós não vamos tão longe. —
Eve virou um pouco a cabeça para responder, descobrindo que Luck tinha se
inclinado ainda mais para ouvi-la, o que os deixava muito próximos um do
outro. Seu olhar deslizou rapidamente para a boca provocante, voltando
em seguida para os vívidos olhos azuis, que pareciam ter o poder de
hipnotizá-la.
— Nem eu. Então, vamos explorar juntos essas águas estranhas — ele
respondeu, sorrindo abertamente.
— Está bem — Eve murmurou, com o coração acelerado.
Depois que ela virou a lancha para o norte, um bom tempo se passou
antes que Luck saísse de onde estava. E foi só depois que ele se afastou que
Eve percebeu o quanto sua proximidade a deixara tensa, com todos os nervos à
flor da pele, apesar de não terem se tocado nem uma vez.
Daí em diante, os três se aventuraram em águas desconhecidas, largando
para trás o território familiar. Vendo uma série de ilhazinhas a
pouca distância, Eve diminuiu a velocidade, sem saber que caminho
tomar.
— Quer que eu dirija? — Luck perguntou.
— Quero, sim. — Com um sorriso, ela entregou-lhe o leme. — Desse
modo, se a lancha atingir um tronco submerso, a culpa será sua, e não minha.
— Bem pensado. — Ele também riu.
— Olhem! — Toby gritou, apontando para um dos lados. — Um
veadinho atravessando o lago!
Cortando as águas, a pouca distância de onde eles estavam, dava para
ver a cabeça de um veadinho. Luck desligou o motor, para que ele não se

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assustasse e pudessem observá-lo. Quando o animalzinho finalmente atingiu a


ilha para onde ia, subiu mais que depressa para terra firme e desapar eceu
entre as moitas de vegetação.
— Puxa, que beleza, hein, papai? — Toby exclamou.
— É mesmo — o pai concordou com indulgência.
Mudando de assunto com a rapidez característica das crianças, Toby
perguntou:
— Quando é que vamos parar para fazer o pique nique?
— Quando tivermos fome.
— Mas eu estou com fome!
— Então, podemos começar a procurar um lugar para parar. Ou vocês
preferem lançar âncora e comer no barco?
— Para mim, é indiferente — Eve respondeu,
— Será que não podemos desembarcar numa das ilhas? — Toby sugeriu.
— Não vejo motivo para não fazermos isso. — Luck sorriu para o filho, e
começou a examinar as ilhas, à procura de um lugar para desembarcar.
— Pode até ser que a gente ache a mina de prata perdida do chefe
Namekagon — Eve comentou.
Toby virou-se para ela na mesma hora.
— Que mina de prata perdida?
— A que pertencia ao chefe índio, que deu o nome a este lago. A lenda
diz que a mina fica numa das ilhas.
— Verdade?
— Ninguém sabe ao certo — Eve admitiu. — Mas ele pagava todas as
compras que fazia em Ashland com prata pura. Diz a lenda que o velho
chefe ia mostrar a localização da mina a um amigo, quando viu uma coisa
que lhe pareceu de mau agouro, e resolveu adiar a viagem. No fim, ele acabou
morrendo sem contar a ninguém onde ficava a mina.
— Uau! — Toby exclamou, com os olhos azuis brilhando de
excitação. — Já pensou? Nós podemos até achar a tal mina!
— Durante esses anos todos, muita gente procurou por ela — Eve
contou. — Mas ninguém a achou.
— O que vocês acham daquele lugar, para fazermos nosso piquenique?
— Luck apontou para uma pequena ilha cheia de pinheiros e com uma praia
pequena em forma de meia-lua.
— Parece perfeito — Eve aprovou, e ele dirigiu o barco para lá.

CAPÍTULO V

Os três sentaram-se com as pernas cruzadas, em cima de um cobertor


que Luck tinha trazido da lancha, e Eve abriu a cesta e piquenique.
— Queijos, frutas, bolachas... — Luck foi enumerando, observando os
itens que ela ia retirando. — Só está faltando uma garrafa de vinho. Você devia
ter me lembrado!
Havia um mundo de insinuações romanticas nesse comentário. Não sa-
bendo como interpretá-lo, Eve tentou agir com naturalidade, e estendeu a mão
para pegar a garrafa térmica.
— Acho que vamos ter que nos contentar com limonada mesmo — co-
mentou.

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— Eu gosto de limonada — Toby declarou, quando ela colocou a garrafa


térmica de lado para arrumar uma porção de batatas e um sanduíche pa ra ele,
num prato de papel. — Hum... isso está com uma cara tão gostosa, Eve!
— Espero que você goste. — Ela arrumou um prato para Luck e,depois
um para si mesma, deixando o queijo, as frutas e as bolachas salga das
separadas, para sobremesa.
— Você já procurou a mina perdida, Eve? — Enquanto esperava pela
resposta dela, Toby mastigava pensativamente um pedaço de sanduíche.
— Algumas vezes quando eu era da sua idade.
O assunto fascinava o menino, e durante toda a refeição ele bombar deou
Eve com perguntas, tentando descobrir tudo o que ela sabia a respei to. No
final, Toby recusou o pedaço de queijo que lhe foi oferecido, mas aceitou uma
maçã.
Luck comeu sua fatia de queijo e, ao terminar, pegou mais uma.
— Esse queijo é muito bom!
— É queijo de Wisconsin, naturalmente — Eve disse, sorrindo. —
Comprar queijo de outro lugar seria uma falta de patriotismo.
— O chefe Namekagon tinha mesmo sete esposas? — Toby quis saber,
voltando a seu assunto favorito.
— Tinha, sim. Mas eu acho que ele não contou a localização da mina a
nenhuma delas, também — ela replicou.
— Sete esposas! — o menino murmurou com um suspiro, e lançou um
olhar significativo para o pai. — E você só precisa de uma, hein, papai?
— Ou nenhuma — Luck disse baixinho, olhando para Toby com ar de
advertência. Mais limonada, filho?
— Não, obrigado. — Ele jogou o caroço da maçã dentro do saquinho que
Eve tinha trazido para servir de lixo e se levantou. — Posso sair para explorar a
ilha, papai?
Depois de receber permissão, Toby saiu na disparada, desaparecendo
dentro de poucos minutos numa trilha feita por animais e que levava ao in terior
da ilha. Durante alguns momentos, ainda deu para ouvir o barulho que seus pés
faziam ao pisarem nos galhos secos da mata. Mas, quando isso acabou, Eve
percebeu que estava a sós com Luck pela primeira vez des de a noite em que o
tinha encontrado do lado de fora do bar. Levada por uma vontade irreprimível
olhou para ele, e encontrou os olhos azuis a ob servá-la.
— Quer mais queijo? — perguntou rapidamente, tentando esconder a
perturbação que sentia. Do lago, chegou até eles o barulho de um motor de
lancha, o que serviu para lembrá-la de que não eram os únicos na vizinhança,
por mais isolado que aquele lugar lhe parecesse.
— Não, obrigado. Estou satisfeito. — Luck balançou a cabeça.
A última coisa que Eve queria, naquele momento, era ficar sem fazer
nada, pois isso a levaria a pensar em coisas que não devia. Apressadamen te,
embrulhou o queijo que tinha sobrado e guardou -o na cesta, comentando ao
mesmo tempo:
— E melhor guardar tudo agora, antes que todos os insetos da ilha apa -
reçam por aqui, reclamando sua parte.
Percebendo que Luck tinha se levantado, ela guardou as outras coisas
que haviam sobrado com o coração batendo forte no peito. Quando ele se
agachou a seu lado, Eve começou a ter dificuldade para respirar. O cheiro dele
parecia envolvê-la inteiramente, reforçado pelo calor do sol. De joe lhos no

Livros Florzinha - 39 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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cobertor, ela estava tão consciente daquela presença viril que seu corpo
chegou a tremer de excitação.
— A comida estava muito boa. Obrigado pelo piquenique, Eve.
Estendendo uma das mãos, Luck segurou Eve pela nuca e puxou -a para
a frente. Ao levantar a cabeça, ela observou a boca bem -feita e sensual
aproximando-se cada vez mais. Mesmo que quisesse, Eve não seria
capaz de resistir agora; fechou os olhos um segundo antes que seus lábios se
encontrassem. O beijo a fez estremecer da cabeça aos pés, mas cedo demais
Luck se afastou, deixando sua boca sequiosa pela pressão da dele.
A brevidade do beijo serviu para lembrar de que aquele era um gesto de
gratidão, tão cheio de significado quanto uma palmadinha nas costas. Se ria
tolice tentar ver nele mais do que isso. Abaixando a cabeça, ela se es forçou
para encarar o momento com tanta indiferença quanto Luck.
— Você quer pôr a cesta no barco agora? — perguntou, olhando-o com a
maior naturalidade possível.
Por um instante, os olhos azuis de Luck examinaram -na por entre as pál-
pebras semicerradas. Depois, ele sorriu e apanhou a cesta que ela lhe es -
tendia.
— Posso pôr — murmurou, ficando em pé.
Levantando-se também, Eve resistiu com esforço à vontade de observá -lo
caminhando até a lancha. Sacudiu o cobertor e dobrou -o cuidadosamente.
Sentindo-se de novo isolada, ela olhou para o interior da i lha, assustada: O som
dos passos de Luck na areia a fez voltar-se rapidamente para ele.
— Para onde será que Toby foi? — perguntou.
— Deixe o cobertor aí e vamos procurá-lo — Luck sugeriu e pegou-!he a
mão, depois que Eve colocou o cobertor no chão.
O modo natural como ele agia deu-lhe uma sensação agradável, e ela
gostou de sentir a própria mão perder-se entre os dedos fortes de Luck. Juntos,
eles foram até a trilha que Toby tinha tomado, de onde prossegui ram em fila
indiana,
— Eu vou na frente, para abrir caminho — Luck disse, lançando um olhar
para as pernas de Eve, que o short deixava quase que inteiramente
descobertas. — Não quero que essa sua pele bonita fique arranhada.
Mas, em vez de soltar-lhe a mão, como Eve esperava, ele continuou a
segurá-la, enquanto liderava a caminhada. As sombras da mata logo os en-
goliam e, respirando o ar que cheirava a resina de pinheiro, os dois prosse -
guiam pela trilha estreita, o barulho de seus passos abafado pela terra
umedecida.
Não demorou muito para eles alcançarem um pinheiro tombado, que
bloqueava a trilha com seu tronco enorme. Luck soltou a mão de Eve, es calou-o
e ficou esperando do outro lado, para ajudá -la. Com seus sapatos de lona, logo
ela conseguiu subir também, parando lá no alto para contem plar a densa
folhagem que os envolvia.
— Estou contente por esta ilha ser pequena — comentou. — Não seria
difícil alguém se perder por aqui.
— E verdade — Luck concordou. — A vegetação é bem fechada, nessas
ilhazinhas.
Suas mãos envolveram então a cintura de Eve, para ajudá -la a descer.
Ela se apoiou nos ombros dele e, quando finalmente seus pés tocaram o chão,
apenas um palmo de distância separava um do outro.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

Sob as palmas das mãos, Eve sentiu a musculatura firme dos ombros de
Luck enrijecer, ao mesmo tempo que os dedos fortes que envolviam sua cintura
aumentaram a pressão. Levantando a cabeça, ela observou o olhar azul intenso
percorrer cada centímetro de seu rosto, fazendo -a lembrar que não havia se
maquiado e que seus cabelos deviam estar despenteados pelo vento. Pouco à
vontade, Eve tentou quebrar o momento de tensão, e disse:
— Eu devia ter trazido um pente. Meus cabelos estão embaraçados.
O olhar de Luck examinou vagarosamente a massa de cabelos casta nhos,
antes de se fixar de novo no rosto dela.
— Está parecendo que você foi despenteada por um homem, enquanto
ele fazia amor com você.
Com uma das mãos. Luck empurrou os cabelos de Eve para trás, antes
de segurar-lhe a nuca. A leve carícia fez os lábios úmidos de Eve se en -
treabrirem, chamando sua atenção, e vagarosamente ele a puxou pa ra junto de
si, inclinando ao mesmo tempo a cabeça.
Toda a tensão desapareceu do corpo de Eve, quando finalmente a boca
sensual encontrou o que procurava, começando uma delicada exploração. Com
o coração batendo acelerado, ela se entregou à íntima investi gação dos lábios
firmes de Luck, que desceram por seu rosto até alcançar a área sensível em
torno de sua orelha. Sentindo-se cada vez mais fraca e atordoada, Eve agarrou-
se a ele, esforçando-se para recuperar o controle que se esvaía.
— Você faz idéia do que estou sentindo neste momento, Eve? — Luck
murmurou num tom de voz rouco e alterado.
A resposta de Eve a essa pergunta foi um murmúrio imcompreensível, o
que fez Luck apossar-se novamente de seus lábios com um ardor ainda maior
do que antes, se é que isso era possível. Levantando os braços, ela envolveu -
lhe o pescoço, adorando a sensação das mãos fortes que agora acariciavam
seus ombros nus e suas costas, pressionando com força seu corpo macio de
encontro ao dele, rijo e musculoso.
O beijo intensificava-se cada vez mais, até que Eve teve a impressão de
que não conseguiria mais aguentar o torvelinho de emoções que agitava
seu íntimo. Foi nesse momento que ela sentiu a paixão começar a abando nar
gradualmente os lábios de Luck; e terminou totalmente antes mesmo que suas
bocas se separassem por completo.
Ofegante e atordoada, abaixou a cabeça, percebendo o esforço que Luck
fazia para normalizar a respiração alterada. Enchendo os pulmões de ar, ela
lutou para dominar as próprias emoções, sem o menor sucesso.
— Desse jeito, nós não vamos achar Toby nunca — Luck disse final-
mente.
— É verdade — Eve concordou e, embaraçada, retirou as mãos do pes -
coço dele.
Ele soltou-a então, dando um passo para trás para aumentar a distância
que os separava. Olhando-o disfarçadamente, Eve tentava adivinhar como ele
esperava que ela encarasse aquele beijo. Preocupado, Luck observava a trilha
por cima do ombro. Seus olhos tinham uma expressão levemente confusa,
apesar de seus lábios estarem sorrindo, quando ele se virou para olh á-la
novamente.
— Toby não pode estar longe. A ilha é pequena demais — ele disse e,
pegando-a pela mão, recomeçou a andar pela trilha.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Vinte metros adiante, eles alcançaram a praia do outro lado da ilha e en -


contraram Toby sentado numa pedra, admirando o lago. Ele se levantou assim
que os viu.
— Já vamos embora? — perguntou, com uma displicência que não
combinava com o brilho de curiosidade em seus olhos azuis.
— Acho que já está na hora — Luck replicou.
A presença de Toby trouxe de volta a atmosfera despreocupada do início
do passeio. Eve não se sentiu mais embaraçada, apesar da incerteza que
reinava em seu íntimo, por não saber como Luck a encarava, se como uma
amiga ou como uma mulher.
Ele levou o barco até a praia que ficava em frente ao chalé dos pa is de
Eve e ajudou-a a desembarcar. Nada em suas maneiras indicava que acei taria
um convite para tomar um drinque, antes de ir embora, por isso ela disse
apenas:
— Obrigada pelo passeio- Eu gostei muito.
— O prazer foi nosso. Talvez possamos sair juntos de novo, qualquer dia
desses. — Era uma resposta amável e indefinida, que não prometia na da.
Eve não tentou disfarçar seu desapontamento, enquanto pegava a cesta
de piquenique e a camisa que não havia usado. Depois de acenar para
Toby, que esperava pelo pai no barco, virou-lhes as costas e dirigiu-se
para o chalé dos pais.
A expressão preocupada de Luck tomou-se mais intensa depois que ele
se despediu de Eve. Percorrendo o caminho que levava do lago a sua ca sa, ele
tentava lembrar a última vez em que se sentira tão vivo, quanto naqueles
momentos em que a tinha abraçado e beijado. A sensação de soli dão, que o
acompanhava há tantos anos, havia desaparecido por comple to. Preocupado
com isso, Luck mal tinha consciência da presença do filho a seu lado.
— Papai? — Toby chamou, recebendo apenas um olhar distraído como
resposta. — Por que as pessoas se beijam?
Isso fez Luck voltar repentinamente à realidade. Diminuindo os passos
para que o menino pudesse alcançá-lo, respondeu sem muita convicção:
— Porque gostam uma da outra.
Toby virou a cabecinha e olhou para o pai com ar pensativo.
— Você já beijou alguém de que não gostasse? — quis saber.
Luck percebeu logo que havia alguma coisa por trás da pergunta, mas
não deixou de respondê-la:
— Não.
— Se você só beija pessoas de quem gosta, então você deve gostar de
Eve — Toby concluiu. Percebendo o olhar penetrante e interrogativo do pai, o
garoto continuou: — Eu vi você e Eve. Eu estava voltando para ver se já estava
na hora de irmos embora, quando encontrei você s dois. Você estava tão
distraído que nem me ouviu!
— Não, eu não o ouvi — Luck admitiu com seriedade. A emoção que
havia sentido naquele momento deixara-o surdo para tudo o que acontecia em
volta, menos para os gemidos de prazer que escapavam da garganta de Eve.
Com uma estranha e vaga sensação de estar sendo infiel, disse: — E eu gosto
de Eve, sim.
— Então, por que você não casa com ela?
— Gostar não é amar. — Ele lançou um olhar irritado para o filho. —
Pensei que você já tivesse entendido que esse as sunto está encerrado.

Livros Florzinha - 42 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Mais tarde, naquela mesma noite, Toby estirou -se no chão da sala para
ver televisão, com os cotovelos apoiados numa almofada e o queixo na palma
das mãos. Durante um comercial, virou-se para falar com o pai, que tinha se
acomodado numa poltrona. Só que ele não estava mais lá.
Surpreso, o menino levantou-se e foi até a cozinha, mas lá não havia
ninguém. Ciente de que desde o passeio de barco Luck não estava agindo
normalmente, Toby resolveu ir atrás dele.
Encontrou-o no quarto, às escuras. A luz que vinha do hall iluminava
fracamente a figura sentada na cama, com os cotovelos nos joelhos e o queixo
apoiado nos punhos fechados. Confuso, Toby parou na soleira da porta por um
minuto, e só quando seus olhos fixos se acostumaram com a penumbr a é que
percebeu que o pai tinha o olhar fixo no retrato de sua mãe, que costumava
ficar em cima da mesinha-de-cabeceira.
Aproximando-se, ele colocou uma mãozinha confortadora no ombro de
Luck.
— O que foi que aconteceu, papai?
Abaixando as mãos, Luck virou a cabeça e observou o filho por alguns
segundos, antes de responder com um sorriso desanimado: — Nada,
companheiro.
— Você estava pensando na mamãe? — Toby perguntou, lançando um
olhar para o retrato da mãe,
Uma expressão estranha surgiu no rosto de Lu ck.
— Não, eu não estava. — Levantando-se, ele colocou uma das mãos no
ombro do filho e juntos os dois saíram do quarto.
Na soleira da porta, Toby virou-se para olhar mais uma vez o retrato da
loira sorridente, igual ao que tinham na casa da cidade. Depoi s, mesmo sa-
bendo que isso seria um pequeno consolo, enfiou a mãozinha na do pai e
apertou-a com ternura.
No dia seguinte, o estômago de Toby preveniu -o de que já era hora do
almoço. Entrando em casa pela porta dos fundos, ele foi até a cozinha, on de
chegou exatamente no momento em que seu pai se despedia de al guém, na
extensão telefônica que havia ali.
— Eu digo a ele. Está bem... Até logo, então — Luck disse, antes de
recolocar o fone no gancho.
Como sempre, a curiosidade de Toby levou a melhor, e ele perguntou:
— Quem era? Você vai me dizer? Aonde é que você vai? — As palavras
saíam de sua boca atropeladamente, mal lhe dando tempo para respirar.
— Seu avô mandou-lhe um abraço — Luck falou, respondendo duas
perguntas de uma só vez.
— Por que você não me deixou conversar com ele? — o menino quis
saber, desapontado.
— Porque ele estava muito ocupado. Da próxima vez, você fala com ele,
esta bem? — o pai prometeu, lançando um olhar para o relógio pendu rado na
parede da cozinha. — Já está na hora do seu almoço. O que vai
querer? Hamburgueres? Um bife com ovos? Ou prefere um pouco de
sopa?
— Hambúrgueres — Toby escolheu, sem muito interesse ou entusiasmo.
Apoiando o braço nas costas de uma cadeira, ele observou Luck tirar a carne
da geladeira e colocá-la sobre a chapa do fogão, para fritá-la. — Você vai
encontrar o vovó? Quando? Onde?

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Eu tenho que ir até Dulufh nesta sexta-feira, para uma conversa de


negócios com o seu avô. Coloque o ketchup e a mostarda na mesa.
— Aposto que você vai chamar a sra. Jackson para ficar aqui comigo
— Toby resmungou baixinho, enquanto punha a mesa.
— Você está absolutamente certo. Vou falar com ela depois do almoço.
— Oh, papai, você tem mesmo que fazer isso? Às vezes é tão difícil
aguentar a sra. Jackson!
— Já passou pela sua cabecinha que a sra. Jackson pode pensar o mes -
mo de você?
— Ela sempre acha que eu estou inventando histórias.
— E você não sabe por que, não é? — Luck comentou com secura. Toby
deixou os talheres caírem com ruído sobre a mesa, quando uma
idéia lhe ocorreu.
— Por que você não pede a Eve para ficar comigo? Se eu tenho mes mo
que ficar com alguém, prefiro que seja com Eve.
Luck hesitou, e o menino estudou sua indecisão momentânea com inte -
resse.
— Está bem — concordou finalmente. — Vou falar com ela.
— Vai telefonar para ela depois do almoço? — Toby insistiu. — Vou, sim.
Não se preocupe.
Carregando uma esteira, o vidro de loção bronzeadora e uma revista, Eve
já estava de saída, para passar a tarde na praia tomando so l, quando o telefone
tocou. Colocando tudo em cima de uma cadeira, ela levantou o fone do gancho.
— Casa dos Rowiand — disse.
— Eve? — a voz de Luck perguntou, do outro lado do fio. Estremecendo
de prazer, Eve apertou o fone com ambas as mãos, antes
de responder:
— Sou eu, sim.
— Aqui é Luck. — Ele se identificou, como se houvesse necessidade. —
Você vai estar ocupada, neste sábado?
— Não. — Ela e a mãe tinham falado sobre ir fazer compras na
cidadezinha próxima, mas sem dúvida isso podia ser adiado.
— Então, eu gostaria de lhe pedir um enorme favor. Vou ter que ir uma
reunião de negócios nesta sexta-feira, o que significa que ficarei o dia todo e
uma parte da noite fora. Toby quer saber se você poderia vir lhe fazer
companhia durante este período, em vez da mulher que eu geral mente contrato
para isto.
Disfarçando seu desapontamento, Eve concordou delicadamente:
— Vai ser um prazer, tomar conta de Toby. A que horas você quer que
eu vá para aí?
— Eu gostaria de sair bem cedo. Oito horas é cedo demais para você? —
Luck perguntou;
— Não, não é. Eu posso estar aí nesse horário.
— Obrigado, então. Toby vai ficar contente com a sua vinda. Até sex ta,
Eve.
— Até sexta, Luck.
Toby ficaria contente com sua ida, Luck tinha dito. Será que ele não fi -
caria? Com um suspiro profundo, Eve afastou-se do telefone. Era impossível
saber.

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Na sexta-feira, o pai de Eve deixou-a na casa dos McClure alguns minu-


tos antes das oito.
— Se você precisar de alguma coisa, minha filha, telefone para nós —
ele disse, debruçando-se na janelinha do carro, depois que ela desceu. — Sua
mãe, ou mesmo eu, pode estar aqui em questão de minutos.
— Obrigada, papai. Se precisar, eu chamo vocês. — Acenando para ele,
Eve aproximou-se da casa.
Toby devia estar à espera, pois abriu a porta antes que ela a alcançasse
— Oi, Eve — ele cumprimentou, sorrindo alegremente.
— Oi, Toby.
O olhar de Eve desviou-se então para o homem alto que se aproximava.
No mesmo instante seu coração começou a bater mais forte, um sinal certo de
que suas emoções tinham se alterado. Era a primeira vez que via Luck em
roupas de trabalho, e o terno escuro e a gravata modificavam-lhe a aparência
de modo sutil, realçando a aura de masculinidade, poder e do mínio que o
envolvia.
— Você é pontual — ele comentou, sorrindo distraidamente. — Eu deixei
o número do telefone de onde vou estar anotado no caderno de ende reços
ao lado do telefone. Se houver alguma emergência, não hesite em me
chamar.
— Espero que tudo corra bem — Eve respondeu, lentando falar com a
mesma naturalidade que ele.
Depois de lhe dar mais um sorriso distraído, Luck colocou a mão na ca -
becínha do filho.
— Comporte-se, mocinho, senão Eve é capaz de lhe dar uma surra.
— Ela não faria uma coisa dessas. — Toby inclinou rapidamente a ca-
beça, para evitar a mão do pai.
— Eu não devo chegar muito tarde — Luck disse, voltando-se de novo
para Eve.
— Não se preocupe com isso. Toby e eu vamos ficar bem — ela garantiu.
— Bem, você já sabe como me localizar, se houver necessidade — ele
lembrou mais uma vez, e Eve se esforçou para esconder a dec epção que essas
palavras lhe causaram. Não havia nelas nenhum significado oculto. Eram
simplesmente o aviso seco de um pai para uma babá. — Agora, preciso ir. Vejo
vocês dois mais tarde.
— Dê um beijo no vovô por mim — Toby pediu. — Dou, sim.
Para alcançar a porta, Luck teve que passar por Eve. Inadvertidamente,
seu braço esbarrou no dela, fazendo-a estremecer. Quando tentou se controlar,
respirando fundo, ela sentiu o cheiro de sua loção pós -barba. Tão fortemente
estimulante quanto o homem que a usava. Esse aroma pareceu ficar no ar,
mesmo depois que ele já tinha saído.
Com Toby a seu lado, Eve acompanhou Luck até o carro. Quando ele deu
marcha à ré e saiu para a estrada, acenou para ele, sentindo -se definitivamente
como se fizesse parte da família; ela, a "mãe", em pé na porta com o "'filho",
acenando para o "marido", que ia para o trabalho.
Mas esse era o tipo de pensamento perigoso, que só podia ter como con -
sequência o sofrimento, e Eve tirou-o rapidamente da cabeça. Ela era apenas a
babá, mais nada!
— O que vamos fazer esta manhã? — perguntou a Toby, fixando um
sorriso alegre no rosto.

Livros Florzinha - 45 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Ele deu de ombros e jogou a cabeça para trás, lançando -lhe um olhar que
a fez lembrar-se vivamente de Luck.
— Não sei. Quer jogar beisebol comigo?
— Será que não vamos quebrar nenhuma vidraça?
— Espero que não — o garoto falou, com uma careta. — Eu tive que
dar metade do dinheiro que estava economizando para comprar uma bici -
cleta para pagar o pára-brisa novo do carro do meu pai. O papai pagou a maior
parte, porque a culpa foi principalmente dele, por ter jogado a bola alta demais.
Mas ele não estaria jogando, se não fosse por minha causa. Portanto, eu
também tive culpa.
— Entendo — Eve comentou, percebendo que pai e filho tinham um re -
lacionamento notável, diferente de todos que já vira em sua vida.
— Você quer mesmo jogar beisebol comigo? — Toby repetiu.
— Quero, sim — ela concordou, sentindo-se atraída pela idéia de fazer
um pouco de exercício. — Vá buscar sua luva e a bola.
— Eu vou trazer a luva do papai para você. Às vezes eu jogo a bola com
muita força, e a sua mão pode ficar ardendo, se não tiver proteção.
O pátio parecia o lugar, mais seguro para jogar beisebol, já que não ha via
nenhuma janela por perto para ser atingida. Quando Toby se cansou, os do is
caminharam até a beira do lago, onde ficaram jogando pedrinhas na água por
um bom tempo. Ao meio-dia, eles voltaram para casa.
— O que você quer almoçar? — Eve perguntou.
— Um sanduíche de queijo e um copo de leite gelado está bom. — Toby
não parecia muito entusiasmado com a própria sugestão.
— É isso que você come, geralmente?
— É mais fácil assim. Papai e eu não somos grande coisa, na cozinha.
— O que você acha de eu dar uma olhada na geladeira e ver se tem al go
melhor para comermos? — Eve sugeriu, certa de que o menino gostaria de um
almoço diferente, para variar.
— Acho ótimo! Mas a nossa geladeira não tem muita coisa, além de co -
mida congelada, que papai e eu costumamos esquentar à noite.
Ela viu logo que Toby estava certo, quando abriu a gela deira. As prate-
leiras estavam praticamente vazias, a não ser um litro de leite, alguns ovos, um
pacote de queijo, uma caixa de fatias de bacon e duas jarras de suco.
Observando sua expressão, ele lembrou:
— Eu disse que a nossa geladeira não tinha quase nada. O papai prepa-
ra o café da manhã, e de vez em quando faz bifes grelhados. Outras ve zes, nós
comemos fora ou preparamos jantares congelados. Sabe, comida congelada
não é ruim!
Pegando o pacotinho de queijo no fundo da geladeira, Eve perguntou:
— Você gostaria de sanduíches de queijo grelhado?
— E como!
Enquanto a grelha esquentava, ela passou em revista os armários e aca -
bou descobrindo uma lata de sopa de tomate, que diluiu com leite e aque -
ceu no fogo. Quando o almoço foi para a mesa, Toby consumiu toda sua
parte com um apetite de dar gosto.
— Puxa, estava uma delícia, Eve! — ele declarou, recostando-se na
cadeira e esfregando o estômago cheio. — Você é uma grande cozinheira!
— Fazer um sanduíche de queijo grelhado e abrir uma lata de sopa de
tomate não é exatamente cozinhar — Eve respondeu, sorrindo. — Eu estava

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pensando que nós podíamos telefonar para o meu pai e ver se ele nos le va até
a loja esta tarde, para comprarmos algumas coisinhas. Aí então eu posso
preparar para você um verdadeiro jantar. O que acha?
— Acho maravilhoso.

CAPÍTULO VI

Fazendo algumas perguntas, foi fácil para Eve descobrir quais eram os
pratos preferidos de Toby. Sendo ainda muito jovem, ele tinha gostos simples, e
o jantar daquela noite consistiu de galinha frita, pure de batatas e milho cozido.
Para sobremesa, ela preparou uma torta de morangos, que foi servida com
bastante creme chantilly.
— Acho que eu nunca comi uma comida tão gostosa na minha vida —
Toby elogiou, no fim. — Está tudo uma delícia, Eve!
— Ora, obrigada, meu senhor! — Com as mãos cheias de pratos sujos
para serem lavados, ela fez uma reverência brincalhona para o menino.
— Eu ajudo você a lavar os pratos — ele se ofereceu, pulando para fora
da cadeira. — Geralmente, o papai enxuga e eu lavo.
— Muito obrigada, mas não é preciso. — Eve já havia descoberto,
enquanto preparava a refeição, que Toby estava acostumado a fazer
tarefas domésticas. Seu senso de dever era algo realmente admirável, mas el e
ainda era muito pequeno e precisava de uma folga, de vez em quando. — Pode
tirar essa noite de folga.
— Verdade! — Ele estava abismado.
— Verdade, sim.
— Mas, de qualquer jeito, eu vou ficar aqui, para lhe fazer companhia
— Toby anunciou, puxando uma cadeira para perto da pia.
— Muito obrigada — Eve disse, jogando detergente na pia e
enchendo-a de água.
Ajoelhando-se no assento da cadeira, Toby apoiou os braços no encosto
e ficou a a observá-la.
— Sabe, seria mesmo uma maravilha ter uma mãe — comentou,
depois de alguns segundos de silêncio. — Eu já estou ficando cansado de lavar
pratos, limpar a casa e fazer todas essas coisas que as mães geralmente
fazem.
— Eu posso imaginar..:— Sorrindo, Eve começou a lavar os pratos e a
enxaguá-los na água da torneira, colocando os em seguida no escorredor, para
secar.
— Eu gostaria muito de achar um jeito de encontrar alguém para casar
com o meu pai o menino murmurou.. com um suspiro de frustração. — Eu
pensei em, pôr um anúncio no jornal, mas o papai ficou tão bravo quando soube
que eu desisti da idéia.
A primeira coisa que Eve sentiu, ouvindo as palavras do menino, foi uma
onda de inveja da mulher que, um dia, desempenharia o papel de mãe de Toby
e esposa de Luck, pois essa era uma condição que ela desejava para si
mesma. E não seria preciso muito esforço para que se apaixonasse
perdidamente por Luck. Para dizer a verdade, já estava mais do que meio
apaixonada por ele!
No entanto, esse sentimento de inveja logo a abandonou, sendo
substituído por um certo divertimento e muita simpatia pelas dificuldades que

Livros Florzinha - 47 -
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Luck devia estar tendo com o filho. A idéia do anúncio no jornal, procurando
uma esposa, devia ter lhe causado um choque!
— Um anúncio desses seria um pouco embaraçoso para o seu pai, Toby
— Eve murmurou, tentando disfarçar a vontade de rir.
— Papai também achou a mesma coisa. Foi aí que eu disse a ele que
você daria uma boa mãe, e que ele devia casar com você.
— Toby, você não pode ter feito uma coisa dessas! — Vermelha de
vergonha, ela quase deixou cair o prato que tinha nas mãos.
— Fiz, sim — Toby garantiu, com toda a inocência desse mundo. — O
que há de errado nisso? Ele gosta de você! Eu sei! Eu vi o papai beijando você.
Tentando esconder sua agitação e seu embaraço, Eve se concentrou por
uns momentos nos pratos que lavava, antes de dizer:
— O fato de um homem beijar uma mulher não significa necessariamente
que ele queira casar com ela, Toby.
— Foi isso mesmo que o papai me disse.
— O que mais o seu pai disse, quando você lhe sugeriu que casasse
comigo? — Eve perguntou, odiando-se pela própria curiosidade.
— Nada. Ele disse que o assunto estava encerrado e que não era para
eu falar disso com ninguém. Mas nós realmente precisamos de alguém para
tomar conta da gente — ele comentou, mostrando que a idéia de casamento
ainda não havia abandonado sua cabecinha. — Há muito trabalho nesta
casa, para um garoto do meu tamanho fazer, e papai é um
homem muito ocupado. Em algum lugar existe uma garota com a qual ele
vai casar. Eu só tenho que achá-la.
— Toby McCIure, eu acho que você devia deixar isso a cargo de seu
pai.
— Eu sei, mas ele não está se esforçando para achar alguém — o
garoto pretestou. — Achei que talvez eu tivesse mais sorte.
Depois que a louça foi lavada, os dois foram para a sala, ver televisão. As
nove horas, ela sugeriu a Toby que já era tempo de ele tomar um banho e ir
para a cama. O garoto acatou a sugestão sem protestos e sem tentar persuadi -
la a deixá-lo esperar acordado a volta do pai.
Cheirando a sabonete, Toby saiu do banheiro de pijama, descalço, e foi
até a sala. Jogando-se no braço da poltrona em que Eve estava sentada,
perguntou:
— Você não vai me colocar na cama?
— Claro que vou! — Sorriu, vendo o olhar suplicante do menino. Toby
era capaz de conseguir tudo o que queria, assim como o pai dele.
No quarto, Toby se acomodou na cama e esperou que Eve ajeitasse as
cobertas em cima de seu corpinho, os olhos azuis brilhando de alegria. Aquilo
era uma novidade em sua vida. Quando terminou de prender o cobe rtor sob o
colchão, ela sentou-se na beirada da cama.
— Não precisa me contar uma história — Toby disse. — Eu já estou
grande demais para isso.
— Está bem. Quer que eu deixe a luz do abajur acesa? — Eve
perguntou.
— Não.
Nesse momento, o retrato da linda loira;com brilhantes olhos verdes, que
estava em cima da mesinha-de-cabeceira, chamou a atenção de Eve. Uma vaga

Livros Florzinha - 48 -
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sensação de dor percorreu-a da cabeça aos pés, quando adivinhou a identidade


da moça sorridente da foto.
— Essa era a sua mãe? — perguntou a Toby.
— Era. O nome dela era Lisa.
— Que linda! — Eve exclamou, consciente de que Luck nunca
chamaria aquela mulher de "camundonguinho marrom". Ela era toda dourada,
fazendo lembrar a primavera e o brilho do sol! Eve desprezou -se pela onda de
ciúme que a invadiu ao constatar que jamais poderia competir com uma
mulher como aquela, nem mesmo com sua lembrança. Era uma tolice esperar
que Luck pudesse amá-la um dia.
— O papai tem um retrato igualzinho a esse no quarto dele — Toby
contou. —ele costuma falar bastante com ela... se bem que isso não tem
acontecido muito, ultimamente — acrescentou, pensativo.
— Tenho certeza de que ele a amou muito — Eve murmurou com um
sorriso, tentando esconder a dor que sentia no peito. — Mas já está mais do
que na hora de você dormir!
— Você vai me dar um beijo de boa-noite?
— Claro que vou. — Com um nó na garganta, ela se inclinou e beijou -o
na testa. Como gostaria de ter o direito de fazer aquilo todas as noites,' —
Durma bem, Toby.
— Boa noite, Eve, — Com um ar de felicidade no rostinho, o menino
acomodou-se melhor sob as cobertas, fechando os olhos.
Eve apagou a luz do abajur e saiu silenciosamente do quarto. Lágrimas
amargas marejavam-lhe os olhos. Mais do que nunca, em toda a sua vida, ela
lamentava ler nascido com um rosto comum, sem grandes atrativos.
Na sala, Eve abaixou o volume da televisão e pegou uma revista que
estava sobre a mesinha de centro. Enrodilhando -se numa poltrona, tentou se
concentrar na leitura de algum artigo, enquanto o relógio em cima da lareira
marcava silenciosamente a passagem do tempo.
Já passava de meia-noite quando Luck estacionou o Jaguar no pátio, bem
mais tarde do que previra. Desligando o motor, ele pegou a maleta e o paletó,
que tinha jogado no banco de trás. Com os primeiros botões da camisa
desabotoados e a gravata solta, fechou a porta do carro e dirigiu -se para casa.
A tensão causada pela longa viagem e o cansaço de um dia cheio de
reuniões de negócios tornavam rígidos os músculos de seus ombros e pescoç o.
Linhas de fadiga marcavam o rosto bronzeado de sol, acentuando os traços
fortes de sua expressão.
Ao se aproximar da entrada, Luck notou a janela iluminada e um sorriso
leve surgiu em sua boca. Como era bom voltar para casa e encontrar uma luz
acesa, para lhe dar boas-vindas! Abrindo a porta, ele ouviu o som abafado da
televisão. Uma onda de prazer percorreu-o da cabeça aos pés quando viu que
Eve havia esperado a sua volta, antes de ir embora.
Deixando a maleta no chão, junto à porta, Luck entrou na sala e parou.
Eve tinha adormecido na poltrona, com a revista no colo. Sorriu novamente ao
vê-la enrodilhada como um aveludado camundongo marrom. Tirando a gravata,
ele jogou-a no sofá, junto com o paletó, e foi até a televisão, para desligá -la.
O silêncio reinava no ambiente quando Luck se aproximou da poltrona
onde Eve dormia. Ele pretendia acordá-la, mas, quando se inclinou para ela,
todo o cansaço que sentia desapareceu, como num passe de mágica. Em
repouso, as feições serenas de Eve lembravam-lhe a beleza delicada de uma

Livros Florzinha - 49 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

Madona... ou de uma bela adormecida, esperando para ser acordada com um


beijo.
Inclinando-se mais, Luck apoiou ambas as mãos nos braços da poltrona.
A presença de Eve parecia lhe dar novas forças, fazendo -o sentir-se vivo
novamente. Devagarinho, ele foi se abaixando até tocar os lábios macios com a
boca. A princípio, eles não responderam à pressão de seu beijo, mas depois
Luck sentiu um leve movimento. Uma onda crescente de emoção percorreu -o
então, despertando em seu íntimo uma dolorosa ans iedade.
Eve se mexeu, começando a acordar, e ele se afastou um pouco, embora
continuasse inclinado sobre ela. O desejo de tom a-la nos braços e levá-la para
seu quarto, onde poderia dar livre vazão aos sentimentos que o atormentavam,
era grande demais.
Vagarosamente, as pálpebras de Eve foram se abrindo, e ele observou
com interesse a luz do reconhecimento surgir nos olhos dela. O brilho de prazer
que iluminou então o rosto meigo foi tão intenso que o deixou emocionado.
— Você voltou — Eve murmurou suavemente, com alegria,
— Voltei — Luck respondeu com voz rouca, com a estranha sensação de
que tinha mesmo voltado para casa.
Num minuto, ele estava vendo claramente a luz de boas -vindas nos olhos
dela. e no minuto seguinte já não havia mais nada. Repentinament e consciente
da realidade, Eve disfarçou seus sentimentos e abaixou a cabeça, vagamente
inquieta.
— Eu devo ter adormecido sem perceber! — disse passando uma das
mãos pelo rosto.
Um pouco irritado pela atitude indiferente que Eve assumiu logo que
acordou por completo, Luck endireitou o corpo, afastando -se dela fisicamente,
assim como ela se afastara dele em espírito. A expressão de mágoa que surgiu
por um breve momento nos olhos castanhos não lhe passou despercebida. Mais
uma vez. ele lamentou o momento em que a chamara de "camundonguinho
marrom". A natureza sensível de Eve havia dado a essas palavras um sentido
ofensivo, quando na verdade sua intenção tinha sido apenas fazer com ela uma
brincadeira afetuosa. Sentada na poltrona, Eve observava atentamente a s
feições de Luck,
que expressavam um desgosto intenso. A impressão de que ele a tinha
beijado não a abandonava, embora tudo pudesse ter sido apenas um sonho.
— Que horas são? — perguntou, friccionando o pescoço que doía, por
ter dormido em má posição.
— Quase uma. — Sua resposta foi seca. — Sinto ter chegado tão tarde.
— Não tem importância. — Eve sorriu para ele, sem deixar que seus
olhos se encontrassem,
— Você não precisava esperar por mim aqui sentada. Podia ter se
deitado no sofá — ele comentou, num tom de voz que mais parecia uma crítica.
— Eu não pretendia dormir. Estava lendo e... acabei adormecendo sem
perceber.
— Vou dar uma olhada em Toby, e depois levo você para casa.
Luck desapareceu no hall escuro, enquanto Eve se leva ntava
da
poltrona. Notando a gravata e o paletó no sofá, quando foi pegar a bolsa.
ela lembrou o quanto ele estava bonito no momento em que abrira os
olhos e o vira inclinado sobre a poltrona. Era impossível que Luck não

Livros Florzinha - 50 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

tivesse percebido a onda de amor que a assaltava, então. Não havia


outra
explicação para o modo seco com que ele passou a tratá -la daí em
diante.
Na verdade estava com medo de que ela começasse a persegui -lo, e
resolveu cortar o mal pela raiz. Mas quanto a isso, ele não precisava se
preocupar. Nunca mais deixaria transparecer nada que
pudesse embaraça-lo.
Quando Luck voltou para a sala, Eve já tinha se con trolado e apresentava
um ar calmo e despreocupado. Mas não houve nenhum sinal de aprovação no
olhar que ele lhe lançou.
— Pronta?
— Estou. — Decidida a não se deixar afetar pela tremenda aura de
virilidade que o envolvia, Eve olhou para o outro lado. — Toby está bem?
— Dormindo a sono solto. Ele vai ficar bem, sozinho, ató eu voltar.
— Naturalmente — ela murmurou, dirigindo-se para a porta.
Lá fora, a lua cheia banhava tudo com seus raios prateados, e o céu
estava todo estrelado. Uma brisa suave soprava por entre os pinheiros, que
espalhavam no ar o seu perfume. Eve ficou parada ao lado do carro, enquanto
Luck abria a porta para ela.
— A noite está linda, não é mesmo? — acabou dizendo, por puro
nervosismo. O ambiente estava romântico demais para sua tranquilidade.
— Está, sim — Luck concordou, e esperou ela entrar para fechar a porta.
Eve observou-o dar a volta no carro e sentar-se no banco do motorista.
Sua proximidade deixava-a com os nervos à flor da pele, tornando o silêncio
entre eles intolerável.
— Como foi de negócios? — ela perguntou, só para falar alguma coisa.
— Bem. Toby deu-lhe muito trabalho?
— Não, nenhum — Eve garantiu.
Aquela hora da noite, a estrada estava praticamente vazia, e não
demoraria muito para chegarem ao chalé dos pais dela.
— O que foi que vocês fizeram?
— Nós jogamos beisebol... e não quebramos nenhuma vidraça — ela
brincou, fingindo uma despreocupação que não sentia.
— Você teve mais sorte do que eu. — Luck comentou divertido,
lançando-lhe um rápido olhar.
— É que nós escolhemos com muito cuidado o lugar para jogar — Eve
explicou, já mais à vontade.
Quando chegaram ao chalé, uma parte dela lamentou a rapidez com que
tinham ido, mas a outra parte sentiu-se aliviada.
— Espero que seus pais não tenham ficado preocupados por sua causa
— Luck comentou, quando parou o carro e viu a luz da varanda dos Rowland
acesa.
— Não creio. Eles já aceitaram o fato de que agora sou uma garota
crescida.
Deixando o motor ligado, Luck colocou o carro em ponto morto e v irou-se
para olhá-la.
— Quanto eu lhe devo, por ter ficado com Toby?
Eve se enrijeceu ao ouvir as palavras dele, oferecendo -se para pagar por
seus serviços.

Livros Florzinha - 51 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Nada — respondeu.
— Eu não estava com a intenção de arranjar uma babá de graça, quando
lhe pedi para ficar com Toby. Se você não pudesse ir, eu teria que pagar a uma
outra pessoa — Luck argumentou.
— Por favor, não me peça para por um preço nisso — ela falou,
detestando a idéia de ser paga por uma coisa que tinha feito com tanta alegria.
— Considere tudo como um favor prestado por um vizinho a outro.
— Está bem — ele concordou com relutância. — Não vou discutir com
você.
— Obrigada. — Eve procurou então a maçaneta para abrir a porta, mas
foi impedida pela mão dele, que a tocou no braço.
Quase contra a vontade, ela se voltou para olhá -lo. O luar dava um
aspecto de bronze aos traços do rosto másculo, aumentando sua força de
atração. Um desejo impossível de ser ignorado tomou conta de Eve, e só com
muito esforço ela conseguiu se controlar e encará -lo com naturalidade.
— Obrigado por ficar com Toby — Luck disse. Sua voz tinha um tom
baixo e perturbador.
— Não foi nada — ela respondeu num murmúrio, afetada demais pela
proximidade e pelo toque dele para falar normalmente.
Foi impossível também se afastar quando a cabeça de Luck inclinou -se
em direção a sua. Tremula, ela se submeteu ao domínio daqueles lábios
exigentes, esquecida de todas as decisões que havia tomado. Quando as mãos
dele envolveram seu corpo, logo abaixo dos seios, puxando -a em silêncio para
mais perto, Eve não resistiu. Tudo o que queria era satisfazer a fome que o
consumia. Com o sangue pulsando violentamente nas veias, entreabriu os
lábios, deixando Luck saborear sem reservas o mel de sua boca.
Gemidos roucos escapavam da garganta de Eve, provocados pelo desejo
que Luck despertava em seu íntimo. Naquele momento, ele era tudo para ela.
Suas emoções não passavam de simples joguete nas mãos dele. A sensação
daqueles músculos rijos de encontro a seu corpo excitava -a de um modo
incrível, deixando-a quase alucinada. A mistura de cheiros que ele emanava —
tabaco, loção pós-barba e um aroma másculo e próprio — enchia-lhe os
pulmões, atordoando-a. E o gosto de Luck estava em sua boca!
O mundo girava loucamente a sua volta, mas Eve não ligava para isso, já
que podia agarrar-se a Luck. Beijá-lo era ao mesmo tempo uma delícia e um
tormento. E apesar de todo o sofrimento que amá -lo podia causar, parecia ser
esse, inevitavelmente, seu destino.
Luck afastou os lábios dos dela e passou-os de leve pela face macia,
numa carícia deliciosa. Seus dedos enterraram -se nos sedosos cabelos
castanhos, como se ele quisesse manter a cab eça de Eve totalmente
imóvel, e sua voz tinha um tom rouco ao murmurar em sua orelha:
— Obrigado por ter esperado por mim, Eve. Já faz tanto tempo que
ninguém faz isso... Não dá para lhe explicar a sensação que isso me deu!
— Luck, eu... — Mas ela teve medo de continuar, e se interrompeu
bruscamente.
Logo em seguida os lábios dele se apossaram novamente dos dela, e não
havia mais necessidade de dizer nada. Dessa vez o beijo foi curto, mas Eve
teve o consolo de ver que foi com muita relutância que Luck se afastou.
— Tenho que ir embora. Toby está sozinho — ele disse, como se
precisasse dar uma explicação.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Eu sei. Boa noite. — Ela saiu do carro sem que Luck fizesse o menor
gesto para deté-la.
— Boa noite, Eve.
Ela tinha a impressão de que flutuava pelo ar quando se encaminhou até
a varanda. Sentindo o tempo todo que Luck estava esperando que ela entrasse
para ir embora, abriu a porta e acenou para ele. Mas só quando as lanternas
traseiras do carro desapareceram na escuridão foi que entrou no chalé.
Seria tão fácii dar um significado mais sério aos beijos dele!
Desesperadamente, Eve tentou se prevenir contra falsas esperanças. Pensar
no retrato da falecida esposa de Luck ajudou bastante, e enquanto se
preparava para dormir ela se censurou por ter sido tão tola a ponto de se
apaixonar por ele. Mas era muito difícil alguém ouvir as próprias reprimendas,
quando se sentia tão bem!
Não havia mais luzes acesas na casa, para lhe dar as boas -vindas,
quando Luck entrou novamente. Sem se dar ao trabalho de acendê -las, ele se
dirigiu no escuro para o quarto.
— Papai? — a vozinha sonolenta de Toby chamou.
— O que é, filho? — ele perguntou, parando na porta do quarto do
menino.
— Você foi levar Eve para casa?
— Fui, sim. Estou acabando de voltar. Você está bem?
— Estou. E o vovô, como vai?
— Ele está ótimo — Luck garantiu. — Mas é melhor você voltar a dormir,
Toby. Já é muito tarde. Nós podemos conversar amanhã.
— Está bem, papai — Toby replicou, bocejando. — Boa noite.
— Boa noite, filho.
Luck esperou até o menino ficar em silêncio antes de seguir para seu
quarto. O luar que entrava pela janela iluminava tudo, permitindo -lhe
trocar de roupa sem precisar acender as luzes. Desabotoando a camisa,
ele tirou-a e jogou-a sobre uma cadeira, e depois fez o mesmo com a calça.
Os sapatos ele guardou no armário, sentando-se depois na beirada da
cama. Um raio de luar batia diretamente sobre a foto na mesinha -de-cabeceira
e Luck inclinou-se para a frente, para vê-la melhor.
— O que nós tivemos foi bom, Lisa — murmurou —, mas já acabou há
tanto tempo!
Um sorriso leve e divertido surgiu em sua boca.
— Por que será que estou com esta estranha impressão de que você não
vai se importar, se eu me apaixonar por outra pessoa?
Mas a moça sorridente do retrato não lhe deu nenhuma resposta; já fazia
muito tempo que ela não dava. As imagens do passado não mais perseguiam
Luck. E ele não se sentia nem um pouco culpado por causa disso.

CAPÍTULO VII

O sol da tarde queimava sem clemência a pele lambu sada de Eve, e ela
mudou de posição, reclinando-se na cadeira de praia. Óculos escuros
protegiam seus olhos da luminosidade do dia, e as alças do maio vermelho
estavam abaixadas, para que seus ombros pudessem se bronzear por igual.
Depois de mais alguns minutos aguentando o sol implacável, Eve sentou -
se e, segurando com uma das mãos a parte do maio que lhe cobria os seios,

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inclinou-se para a frente e pegou o copo de chá gelado que estava no chão, ao
lado da cadeira. Um bom gole de bebida a refrescou momenta neamente,
fazendo-a adiar por mais alguns minutos o mergulho que vinha desejando há
quase uma hora, mas que até agora não tivera energia suficiente para realizar.
A porta de tela da sala rangeu nas dobradiças, e Eve virou a cabeça para
trás, no exato momento em que sua mãe apareceu na varanda.
Ao ver a filha, a sra. Rowland sorriu.
— Ah, você está aí! — disse. — Eu já estava pronta para dar uma corrida
até o lago. Telefone para você.
— Para mim? Quem é? — Luck McClure.
Eve quase esqueceu que estava com as alças do maio soltas, quando se
sentou abruptamente. Um arrepio de excitação percorreu -lhe o corpo, da
cabeça aos pés, ao ouvir a resposta da mãe.
— Diga-lhe que já vou atender.
Seus dedos pareciam não ter mais vida, só servindo para atrapalhar,
quando apressadamente ela tentou recolocar as alças do maio no lugar. As
sandálias de tiras de couro também se recusavam a cooperar, e só depois de
várias tentativas Eve conseguiu calçá-las.
Fazia pouco tempo que a sra. Rowland havia entrado, depois de dar o
recado a Luck, mas Eve já estava com medo de que ele se cansasse de
esperar e desligasse o telefone. Por isso, assim que acabou de se arrumar,
dirigiu-se correndo para o chalé.
O fone estava fora do gancho, e ela agarrou-o com ansiedade, sem se
importar com os olhares que seus pais lhe lançaram.
— Alô! — Estava ofegante, por causa da corrida que tinha dado e da
excitação sem limites que sentia, e que não estava conseguindo controlar.
— Eve? Você parece cansada. O que foi que houve? — a voz de Luck
perguntou, do outro lado do fio.
Uma onda de alívio a invadiu ao ver que ele não tinha desligado, — É que
eu estava lá fora, e vim correndo — respondeu, fazendo um esforço para
controlar a respiração alterada. — Sua mãe me disse mesmo que você devia
estar nadando no lago.
— Não — Eve explicou —, eu estava aqui em frente, tomando sol no
pátio.
— Com um biquini minúsculo, aposto — Luck murmurou.
— Para dizer a verdade, eu estava com um maio inteiriço, bastante
respeitável.
— Eu já deveria ter adivinhado! — Sua voz tinha um tom divertido.
Mas essa resposta magoou a natureza sensível de Eve. Ela sabia
exatamente o que Luck devia estar pensando. Um camundongo marrom só
poderia escolher um maio inteiriço para usar. Afinal, esses animaizinhos não
são criaturas muito corajosas, mesmo.
— Por que você está me telefonando, Luck?
Na certa ele queria que ela ficasse com Toby novamente. Era mesmo
uma vantagem e tanto, ter uma babá que podia ser paga com beijos. E depois
de seu comportamento na noite anterior, o que ele poderia pen sar?
— Estou telefonando para convidá-la para jantar conosco esta noite. Já
que você não aceitou um centavo de pagamento por ter tomado conta de Toby,
eu achei que talvez não recusasse um convite para jantar.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Se ele a tivesse convidado simplesmente para jantar, sem acrescentar


toda aquela explicação ao convite, Eve provavelmente teria aceitado mais do
que depressa. Mas, daquele jeito, era impossível.
— Eu já lhe disse, ontem à noite, para encarar tudo como um simples
favor prestado por um vizinho a outro. Eu não queria, e continuo não querendo,
nada em troca. Não precisa se sentir obrigado a me convidar para jantar.
— Eu não estou fazendo este convite por dever — Luck declarou, com
tolerância. — Toby e eu queremos realmente que você venha jantar
conosco esta noite.
— Muito obrigada, mas eu... — Eve começou a recusar
delicadamente, levada pelo orgulho, mas ele a interrompeu.
— Antes de recusar nosso convite, é melhor você ficar sabendo dos
termos em que ele está sendo feito. — Sua voz tinha um ligeiro traço de
zombaria.
— Que termos? — ela perguntou com curiosidade, franzindo a testa.
— Desde que se levantou, hoje de manhã, Toby não fa la em outra coisa
a não ser na maravilhosa cozinheira que você é — Luck disse. — Como já faz
muito tempo que não como uma refeição feita em casa, eu decidi convidá -la
para vir jantar hoje aqui e descobrir, de uma vez por todas, se Toby tem razão.
A implicação das palavras de Luck deixou Eve um pouco surpresa, além
de ligeiramente divertida.
— Você está querendo me dizer que me convidou para jantar na
esperança de que eu fizesse a comida?
— Só uma parte dela — ele garantiu. — Comprei algumas bistecas, e me
encarrego de prepará-las. O resto do menu eu deixo a seu cargo.
— Você tem coragem, Luck McClure! — Eve comentou, sem
conseguir evitar uma risada.
— Então, o que me diz? Está combinado? Você vem jantar conosco esta
noite?
— A que horas? — ela quis saber, sorrindo abertamente.
— Eu passo por aí às seis horas, para pegá-la. Está bem assim?
— Está ótimo. Estarei pronta.
— Então, até as seis! — Luck desligou o telefone.
Ainda sorrindo, Eve colocou o fone no gancho e virou -se de frente para os
pais, surpreendendo o olhar divertido que eles trocaram.
— Pelo que entendi, você vai jantar com Luck — o sr. Rowiand
comentou, com um sorriso. — Vocês têm se visto bastante ultimamente, não é?
Talvez já esteja na hora de eu ter uma conversinha com ele, para descobrir
quais são suas intenções...
Seu pai estava apenas brincando, e Eve reagiu do mesmo modo. — Não
se atreva, papai! — ela avisou, fazendo com que ele soltasse uma gostosa
gargalhada.
Como tinha resolvido adquirir uma nova imagem, para se livrar de
qualquer semelhança com um camundonguinho marrom, Eve escolheu
com cuidado a roupa que ia usar naquela noite. Depois de pensar um
pouco, decidiu pôr uma blusa de seda, sem mangas e enfeitada com rendas,
que abotoava na frente, e uma calça comprida azul-clara.
Exatamente às seis horas, Luck estacionou o Jaguar no pátio em frent e
ao chalé. Eve, que já estava pronta e esperando, correu para fora antes que o

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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pai tivesse a chance de levar avante sua ameaça de ter "uma conversinha" com
Luck.
Toby, que estava no banco de trás, assobiou como um adulto quando a
viu. Eve corou intensamente. Não tinha imaginado que roupas de estilo e cores
diferentes das que normalmente usava pudessem alterar tanto sua aparência, a
ponto de chamar a atenção de um garoto de oito anos.
Sentando-se ao lado de Luck, ela teve que aguentar o olhar cheio de
admiração com que ele a examinou vagarosamente, da cabeça aos pés.
— Nada mau — ele murmurou finalmente.
Elogios da parte dele eram uma coisa que ela ainda não sabia aceitar
com naturalidade, e, para tentar disfarçar seu embaraço, corrigiu:
— O que você está querendo dizer é que não está mau para um
camundongo marrom, não é?
— Não, você não é mais um camundonguinho marrom. Agora, é u m
camundonguinho azul — Luck declarou, lançando um olhar para a calça que ela
vestia, antes de verificar o tráfego e sair pa ra a estrada.
— O papai já lhe disse que vamos ter bistecas esta noite? — Toby
perguntou, inclínando-se por cima do encosto do banco dianteiro.
— Já, sim.
— Como é que você gosta de bistecas? — Luck quis saber.
— No ponto,
— Pois eu pensei que você fosse do tipo que gosta de sangue!
Luck tirou os olhos da estrada o tempo suficiente para lançar um olhar
zombeteiro. Sua insinuação de que ela tinha uma natureza passional só serviu
para torná-la ainda mais consciente de sua presença.
— Nós também gostamos das nossas assim, não é, papai? — Toby
disse, sem perceber o significado oculto da conversa.
— E, sim — Luck concordou, sorrindo.
— Mas a gente precisa tomar conta dele, Eve — Toby continuou —,
senão ele acaba queimando tudo.
— Agora, espere um pouco — Luck protestou. — Quem é o
cozinheiro aqui?
— Eve — o garoto respondeu sem hesitar, o que fez seu pai soltar uma
gostosa gargalhada.
— Ponto para você, filho — ele disse, diminuindo a velocidade do carro,
pois já estavam se aproximando da casa.
Os preparativos para o jantar acabaram se tomando um acontecimento de
família. Luck acendeu a churrasqueira no quintal e pôs as bistecas no fogo,
enquanto Toby arrumava a mesa e ajudava Eve. Ela fez um arroz de forno e
uma salada mista, para acompanhar as bistecas. Com os morangos que tinham
sobrado da noite anterior e mais algumas frutas que encontrou na geladeira,
preparou uma salada de frutas.
Quando eles se sentaram à mesa para jantar, parecia não haver o mínimo
defeito em nada. Eve não sabia se a comida estava mesmo boa ou se era a
companhia deles que fazia tudo ter um gosto tão bom. De qualquer modo,
nenhum dos três deixou de comer até o fim o que tinha colocado no prato.
— Eu não lhe disse que Eve era uma cozinheira maravilhosa? — Toby
perguntou no final da refeição, quando Luck e Eve já estavam se servindo de
café.
— Disse, sim — ele concordou. — E tinha razão!

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— Seu pai também merece um pouco de crédito pelo jantar — Eve


comentou. — Eu não sei como ficou a sua bisteca, mas a minha estava perfeita!
— Obrigado! — Luck fez uma ligeira reverência com a cabeça,
aceitando o cumprimento. Mechas brilhantes de seus cabelos castanhos
caíram-lhe na testa, aumentando seu poder de atração.
— A minha também estava boa — Toby admitiu. — Mas o comentário
que fez em seguida desmentiu seu elogio: — Se bem que tudo o que você fez
foi ficar olhando para elas, para evitar que queimassem. Quem fez todo o resto
foi Eve.
— E de um modo excelente! — Luck não discutiu a constatação do filho.
Seus olhos de um azul magnético procuravam Eve, fixando-se nela. — Não há
duvida de que você sabe qual é o caminho que conduz ao coração de um
homem!
Esse comentário alterou totalmente o estado emocional de Eve, deixando -
a embaraçadíssima. Tentanto disfarsar, ela abaixou os olhos e se ocupou em
recolher os pratos de sobremesa, que ainda não tinham sido levados para a
cozinha.
— Não se preocupe com esses pratos — Luck disse na mesma hora. —
Vamos deixar todos eles de molho na pia, por enquanto.
— De jeito nenhum. — Sua voz tinha uma nota de nervosismo que
traía sua perturbação íntima. — Lavar essa louça não vai levar mais do
que alguns minutos.
— Neste caso, Toby e eu vamos ajudar — ele declarou com ar
decidido, levantando-se da cadeira em que estava sentado. — Você tira a mesa
e coloca toda a louça na pia, Toby lava e eu enxugo. Está bem assim?
Eve teve a impressão de que tudo foi feito num tempo recorde. Quando
ela terminou de limpar o fogão, a mesa e o chão, Toby e Luck já estavam
acabando de lavar e enxugar a louça.
Depois disso, os três foram para a sala, conversar um pouco.
— Por que nós não acendemos o fogo na lareira, papai? — Toby
perguntou, após alguns minutos de conversa.
— Nós estamos no versão, filho — Luck lembrou, sorrindo com
indulgência.
— Eu sei, mas seria gostoso. Poderíamos até assar
alguns marshnallows.
— Não é possível que você ainda esteja com fome, Toby! — Eve
comentou, rindo.
— Eu não estou, mas ainda tem lugar no meu estômago
para marskmalhws — ele replicou.
Percebendo que o garoto sentia mais prazer em assar os marshfnallows
do que em comê-los, Eve pediu também:
— Deixe, Luck!
— Está vendo, papai? Até Eve está com vontade de comer
marshmaltows. — Toby exclamou, já mais seguro de sua vitória. — Deixe, vá!
Podemos fazer um fogo bem baixinho.
— Está bem— Luck concordou. — Mas vamos acender um fogo baixo.
Enquanto Toby corria até a cozinha para pegar um pacote
de marshmalhws e o garfo longo, próprio para assá-los, Luck acendeu o fogo.
Quando a lenha começou a crepitar, os três se sentaram no chão, formando um
semicírculo na frente da lareira.

Livros Florzinha - 57 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Toby começou a assar os marshmallows, passando -os para o pai e Eve


na medida que ficavam prontos. Metade do pacote já tinha sido consumido
quando ele finalmente se cansou da brincadeira. Todos se levantaram então,
para lavar as mãos, mas voltaram logo para seus lugares junto à lareira,
atraídos pelo brilho do fogo que se apagava.
Um silêncio cheio de tranquilidade tomou conta da sala, quebrado
apenas pelo estalar da madeira que queimava. Lá fora já era noite
fechada, e ali só as chamas mortiças iluminavam o ambiente. Sentado à
moda índia entre o pai e Eve, Toby não conseguiu disfarçar o bocejo.
— Nossa, como estou cansado — ele declarou. — Acho que vou para
acama.
Uma ligeira expressão de surpresa surgiu no rosto de Luck ao ver o filho
se oferecer voluntariamente para ir para a cama. Um arrepio de excitação
percorreu o corpo de Eve, quando ela percebeu que ia ficar a sós com o homem
que ultimamente ocupava todos os seus pensamentos.
— É, acho que já está mesmo na hora de você ir dormir — Luck
comentou, enquanto Toby se levantava com evidente ar de cansaço.
— Está, sim. Obrigado por ter feito o jantar desta noite — ele disse
olhando para Eve. — Estava uma delícia!
— Não foi nada — ela respondeu, sorrindo.
— Boa noite, então.
— Boa noite, Toby.
— Daqui a pouco eu vou ver você — Luck prometeu.
— Não precisa. Pode ficar com Eve — Toby falou, virando-se um pouco
de lado, para que e!a não visse o olhar de censura que dirigiu ao pai. Mas Eve
ouviu-o sussurrar: — Eu já sou grande o suficiente para ir para a cama sozinho.
Não me embarace na frente dela.
Um sorriso breve e divertido iluminou as feições de Luck ao escutar a
advertência do filho.
— Para a cama, mocinho! — Deu um tapinha afetuoso no traseiro do
garoto.
Depois que Toby se foi, Luck se virou para Eve, envolvendo -a com um
olhar íntimo e afetuoso. Até aquele momento, os dois tinham estado
completamente descontraídos, mas sem a presença do menino Eve percebeu
que aquela sensação estava começando a desaparecer. O silêncio que antes
lhe parecera tão agradável e aconchegante, transformou -se em algo pesado e
embaraçoso.
Eve nunca foi muito chegada a conversar banalidades, mas naquele
momento ela percebeu que a situação exigia isso.
— Toby é um garoto e tanto — comentou, tentando quebrar a tensão
criada pelo silêncio.
— Infelizmente, ele amadureceu antes do tempo. — Seus lábios
abriram-se num sorriso um tanto triste, que não escondia um traço de
resignação.
— Não creio que ele tenha sofrido muito por causa disso — ela
replicou: Toby lhe dava mesmo a impressão de ter conseguido estabelecer
um bom equilíbrio entre sua mentalidade infantil e seu senso
de responsabilidade.
— É, creio que não.

Livros Florzinha - 58 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

Luck virou-se para o fogo e perdeu-se em pensamentos, corria os olhos


fixos nas minúsculas chamas amarelas que consumiam a madeira.
Eve não conseguiu pensar em mais nada para dizer, e o silêncio entre
eles se acentuou. Tinha certeza de que Luck estava pensando na esposa,
provavel mente recordando momentos felizes que os dois haviam partilhado.
Nenhum som vinha agora do quarto de Toby, e a tensão começou a
tomar conta do corpo dela. Suas pernas já tinham adormecido, por causa da
posição em que estava sentada, mas Eve não quis se mexer, com medo de
chamar a atenção de Luck. Não queria que ele olhasse para ela e a
comparasse com a linda loira da foto.
Mas ele não demorou muito para voltar à realidade e perceber que não
estava sozinho.
— Este fogo está se tornando hipnótico — disse, explicando seu
alheamento.
— Está, sim.
Eve fingiu que também tinha estado fascinada pelas chamas, quando a
única coisa capaz de fasciná-la, ali naquela sala, era exatamente ele. Luck fez
um gesto, como se fosse se levantar, mas logo parou.
— Será que ainda tem café na cafeteira?
— Tem sim. — Rapidamente, ela ficou em pé. — Vou esquentar um
pouco para você. Não vai levar mais que um minuto.
— Não, pode deixar que eu vou.
Mas o protesto de Luck não foi muito convincente. Era óbvio que ele
queria ser persuadido a ficar onde estava.
— De jeito nenhum! — Eve insistiu. — Já faz tanto tempo que estou
sentada que minhas pernas estão começando a formigar. Preciso mesmo me
movimentar um pouco.
O que era verdade, embora seu motivo principal para querer sair dali
fosse uma necessidade tremenda de ficar sozinha. O amor não correspondido
que sentia por ele transformava suas emoções num verdadeiro caos, e ela
precisava de um pouco de solidão para recuperar a paz de espirito.
— Está bem. — Luck não insistiu mais, deixando-se ficar junto ao fogo.
— Se você quer...
Eve se dirigiu para a cozinha, e o fato de estar em movimento ,
esquentando o café e pegando duas xícaras para eles, ajudou -a muito a
recuperar o controle sobre si mesma. No entanto, não conseguia esquecer que,
um dia, outra mulher havia esquentado café e dado um beijo de boa noite em
Toby, como ela mesma tinha feito na noite anterior. Esse último pensamento
levou-a a resolver ir dar uma olhadinha no menino, para ver se estava tudo
bem.
No exato momento em que ela entrou no hall, vinda da cozinha, Luck
também surgiu ali, vindo da sala. Com uma leve sensação de culpa. Eve parou.
— Eu ia ver se Toby está bem — explicou, sorrindo meio sem graça.
A expressão sorridente que apareceu então no rosto de L uck cativou-a
completamente com seu charme irresistível.
— Era o que eu também ia fazer — ele replicou, levantando
interrogativamente uma das sobrancelhas escuras. — O que acha de irmos
juntos?
Sem esperar pela resposta de Eve, Luck passou um dos braços pela
cintura dela e conduziu-a pelo hall escuro até o quarto do filho.

Livros Florzinha - 59 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

A sensação de andar assim, abraçada a ele, era boa demais para Eve
protestar. Ela estava começando a se mostrar satisfeita com migalhas de
atenção, uma coisa que nunca pensara que seu orgulho fosse permitir.
A porta do quarto de Toby estava aberta e eles pararam na soleira, lado a
lado. Na penumbra, dava para ver o rostinho adormecido do menino, irradiando
inocência. Seus cabelos escuros caíam-lhe sobre a testa, como se fossem a
aba de um boné, e Eve sentiu uma onda profunda de amor por aquela criança
invadir-lhe o coração.
— Essa é a única hora em que ele fica quieto — Luck comentou
baixinho.
Sorrindo de leve, Eve virou-se para olhá-lo. Ela entendia o que ele queria
dizer. Toby estava sempre falando, fazendo ou planejando alguma
coisa.
Quando seus olhares se encontraram, em silencioso en tendimento, uma
expressão terna e cativante surgiu no rosto de Luck. Havia carinho no modo
como seus olhos azuis examinaram as feições de Eve, fazendo o coração dela
disparar.
Ele se inclinou então para a frente, roçando -lhe os lábios num beijo leve,
que a deixou emocionada e ansiando por mais. Mas escondeu bem o desejo
que crescia em seu íntimo, não permitindo que nada transparecesse.
Afinal, nada na atitude de Luck mostrava interesse por seus desejos e
necessidades, e Eve não possuía a agressividade e a segurança
necessárias para levar avante um jogo daquele tipo.
— Será que o café ainda está quente? — ele perguntou num murmúrio,
sem afastar muito o rosto do deia.
— Acho que sim — Eve sussurrou, certa de que não teria forças para
falar num tom de voz normal, mesmo que quisesse.
Nenhum dos dois viu Toby abrir cautelosamente um dos olhos, nem
reparou no sorriso satisfeito que entreabriu sua boquinha, quando deixaram o
quarto dele para ir para a cozinha.
Luck levou as xícaras de café para a sala. Passando p elo sofá e pelas
poltronas, ele sentou-se novamente no chão, em frente da lareira. Estendendo
então uma das mãos, puxou para junto de si duas das almofadas que ficavam
em cima do sofá. convidando Eve, com um gesto, para se acomodar sobre elas.
Ela se sentou numa delas e pegou a xícara que ele lhe estendia.
— Toby gosta muito de você, Eve — Luck comentou, observando-a com
o canto dos olhos.
— Eu também gosto muito dele — ela admitiu.
— Toby e eu estamos levando vida de solteiro há muito tempo — ele
disse, continuando a observá-la. — Às vezes, eu acho que temos nos , saído
bem. — Luck interrompeu-se por um breve segundo. — Mas esta noite eu
percebi que estamos perdendo uma infinidade de coisas. Foi bom você ter
vindo jantar conosco.
— Fiquei contente por você ter me convidado — Eve replicou,
adivinhando a solidão que se escondia por trás do comentário dele.
As palavras e atitudes de Luck mostravam que ele gostava dela, que até
mesmo a considerava uma mulher razoavelmente atraente. Eve sabia que devia
se contentar com isso, mas uma parte de sua mente queria que ele pudesse se
apaixonar loucamente por ela, desejando-a acima de todas as outras mulheres
do mundo.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

No entanto, como dizia o velho e sábio ditado popular, era tolice desejar a
lua, quando não se podia alcançá-la. O melhor mesmo era se contentar com o
que tinha.
— O que estou tentando lhe dizer, Eve, é que encontrar você foi uma das
melhores coisas que podia nos acontecer.
Luck parecia decidido a convencê-la de algo, embora Eve não tivesse
certeza do quê. Mas ela não pôde deixar de reparar no modo como ele sempre
usava o pronome "nós" na conversa, e nunca o pronome "eu". Luck não
conseguia pensar em si mesmo, separado do filho. Era sempre o
efeito que ela causava sobre "eles", jamais sobre "ele". Abaixan do a
cabeça, Eve fixou o olhar na xícara que tinha nas mãos.
— Eu estou me explicando mal, não estou? — Sua voz continha uma
nota de auto zombaria.
— Não sei, porque ainda não descobri o que você está tentando me
explicar — Eve tentou falar espontaneamente. No entanto, foi incapaz de
levantar os olhos para ele.
— É simples. — Segurando-lhe o queixo com firmeza. Luck obrigou-a a
olhar para ele. — Eu quero beijar você. Senti vontade de fazer isso a noite
inteira, mas não tive nenhuma oportunidade. Por is so, eu estava tentando criar
uma.
Eve sentiu o coração acelerar ao ver o desejo que brilhava no fundo dos
olhos azuis. Finalmente ele havia usado o pronome "eu", lançando suas
emoções num verdadeiro redemoinho e deixando -a quase fora de si com a
promessa contida naquelas palavras.
Sem ligar para o fato de estar agindo de modo deliberado, Luck tirou a
xícara de café das mãos de Eve e colocou-a no chão, ao lado da dele.
Eve estava totalmente abismada, imaginando como é que ele podia
proceder com tanta calma. Só de pensar no que estava para acontecer, ela
tremia da cabeça aos pés! E sua vontade de ser abraçada e beijada por ele
estava se tomando tão intensa que provavelmente, dentro em pouco, não seria
mais capaz de escondê-la.
Quando as mãos de Luck se fecharam em tomo de seus braços, puxando-
a para junto dele, Eve não resistiu e abandonou -se inteiramente ao desejo que
a consumia. O fogo na lareira estava se apagando, mas o fogo que queimava
em seu íntimo havia se transformado numa verdadeira fogueira, que exig ia
satisfação.
As mãos fortes de Luck enterraram-se na massa de cabelos castanhos,
forçando a cabeça de Eve para trás e mantendo -a nessa posição, enquanto
seus lábios cobriam-lhe o rosto de beijos, detendo-se finalmente na boca
tremula.
Os braços dela envolveram então a cintura de Luck, e o contato com
aquele corpo musculoso, tão rijo, firme e viril excitou -a ainda mais. Uma névoa
de sensualidade dominou sua mente, afastando de sua cabeça todos os
pensamentos de cautela. A mão dele percorrendo -lhe as costas, acariciando-a
e puxando-a para mais perto, despertava em seu íntimo sensações
enlouquecedoras. Arqueando o corpo, Eve colou os seios no peito forte, mas
não foi suficiente. Ela queria mais, muito mais!
Quando Luck afinal desprendeu os lábios dos seus e começou- a
mordiscar de leve sua orelha, acariciando com a ponta da língua o ponto
sensível logo abaixo do lóbulo, Eve não conseguiu mais se controlar. A

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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intensidade da paixão que sentia era tão grande que sua respiração, ofegante e
truncada exigia que todos os desejos fossem saciados.
— Já faz tanto tempo que eu preciso disso, Eve — Luck murmurou com
voz rouca, o calor de sua respiração queimando -lhe a pele. — Eu tenho me
sentido tão vazio. Ajude-me a acabar com essa sensação de vazio, Eve, ajude -
me!
Mas não havia necessidade desse pedido. O vazio no íntimo de Ev e tinha
sido tão grande quanto o de Luck, e seus lábios entreabertos j a, procuravam
ansiosamente os dele mal essas palavrras acabaram de ser pronunciadas.
Luck correspondeu plenamente, empurrando-a cada vez mais para trás
até conseguir fazê-la escorregar da almofada para o chão carpetado.
Poucos segundos depois os dois estavam deitados no tapete, o corpo
musculoso de Luck pressionando o de Eve de tal modo que ambo s pareciam
ter se fundido num só. Não tendo mais necessidade de segurá-la,
as mãos dele estavam agora livres para explorar as curvas macias, que se
ofereciam às suas carícias.
Quando Luck mudou ligeiramente de posição, um botão de sua camisa
prendeu-se na renda da blusa de Eve. Ele praguejou baixinho, tão descontente
com isso quanto ela. Impacientemente, seus dedos tentaram soltá -lo, roçando
sem querer nos seios rijos. Uma onda violenta de desejo assolou o corpo de
Eve, fazendo-a prender a respiração.
A reação dela não passou despercebida. Assim que conseguiu se livrar
do empecilho, Luck cobriu o seio de Eve com a mão enorme, tendo o prazer de
ouvir um soluço de satisfação escapar-lhe dos lábios. Ele beijou-lhe então a
garganta, procurando com a língua os pontos sensíveis do pescoço dela.
Com os olhos fechados, para melhor sentir e guardar na memória as
sensações delirantes de prazer que a assolavam, Eve acariciou os
músculos tensos dos ombros dele.
Mas Luck ainda não estava satisfeito, e seus dedos, depois de
desabotoarem com incrível habilidade a blusa de Eve, insinuaram -se por baixo
do tecido, libertando-lhe os seios.
Se antes Eve estava excitada, ela agora era a verdadeira imagem do
desejo. Sua ansiedade tornou-se quase insuportável quando os lábios dele
desceram por seu colo e se fixaram na curva macia de seu seio. A perna
musculosa prendia suas coxas de encontro ao chão, e ela sentiu toda a
vibração daquele corpo dominado pelo desejo.
Uma estranha sensação, misturada de prazer e dor, s urgiu em seu íntimo
quando a boca deslizou pela carne macia de seu seio, apossando -se finalmente
do bico intumescido e rosado. Por dentro, Eve se debatia, alucinada.
— Eu pensei que só as pessoas casadas pudessem fazer isso, papai.

CAPÍTULO VIII

A voz de Toby acabou subitamente com a louca magia do momento,


fazendo Luck e Eve gelarem. Os dedos dela se enterraram em pânico nos
braços fortes que a envolviam quando seus olhos deram com a figurinha vestida
de pijama displicentemente inclinada sobre o encosto do sofá.
Luck reagiu prontamente. Usando o próprio corpo como um escudo para
proteger a semi nudez de Eve, ele puxou mais do que depressa a blusa de seda

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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para o lugar, cobrindo-lhe os seios. Suas feições enérgicas e duras eram a


imagem da raiva, quando ele virou a cabeça para encarar o filho.
— Que diabo você está fazendo fora da cama? — perguntou, e sua voz
tinha um tom áspero que deixou o menino surpreso.
— Eu acordei com sede, e resolvi ir até a cozinha tomar um copo de
água — Toby explicou, nem um pouco perturbado pela cena íntima que havia
interrompido. Ao que parecia, ele ainda não percebera o
constrangimento que estava causando. — Mas explique: como é que você e
Eve estavam fazendo aquilo, se não são casados?
— Você tem dois segundos para voltar para a sua cama — Luck avisou
—, ou não vai conseguir se sentar durante um mês inteiro!
— Mas eu só estava querendo saber... — Toby começou a protestar, sem
entender a razão da zanga do pai.
— Já para a cama! — Luck rosnou, erguendo um joelho como se fosse
levantar e cumprir a ameaça que fizera.
Toby virou-lhe as costas e saiu na direção do hall, resmungando para si
mesmo:
— Você mesmo é que vive me dizendo para fazer perguntas, quando eu
não entender alguma coisa. Não sei por que está gritando comigo agora, já que
eu fiz exatamente o que você mandou.
— Vá para o seu quarto e fique lá! — Luck mandou, num tom de voz que
não admitia protestos.
A resposta de Toby foi um suspiro alto e resignado. No instante em que
ele desapareceu no hall, Luck se sentou e passou uma das mãos por entre os
cabelos, lançando em seguida um olhar de desculpas para o rosto vermelho de
Eve. Imitando-o, ela se sentou rapidamente, e quase morta de vergonha virou -
se um pouco de lado, para abotoar a blusa.
— Sinto muito, Eve — Luck murmurou, com um suspiro profundo.
— Não foi culpa sua — ela respondeu embaraçada, tentando se
arrumar.
Eve ainda não sabia o que mais a embaraçava: se o que Toby tinha visto
ou o que ele poderia ter visto, se tivesse chegado alguns minutos depois.
Afinal, ela havia se descontrolado por completo, perdendo totalmente o senso
da realidade.
— Eu vou ter uma conversa séria com Toby! — Sua voz vibrava de
irritação.
— Você não deve ficar bravo com ele.
Apesar da situação difícil e constrangedora em que Toby a tinha
colocado, Eve defendeu o garoto, pois o considerava inocente.
Assim que conseguiu dar à sua aparência um ar de normalidade, ela se
levantou. Luck imitou-a na mesma hora, colocando-se a seu lado. Mas Eve
ainda estava muito embaraçada para encará-lo de frente, e seu olhar fixava-se
em vários pontos, menos no rosto dele.
— Toby não fez por mal — ela insistiu, tentando quebrar o
constrangimento da situação.
— Eu não teria tanta certeza disso — Luck murmurou, mais para si
mesmo, lançando um olhar duro na direção do quarto do filho.
Mas logo em seguida ele voltou toda a atenção para Eve. Ela se enrijeceu
quando sentiu a mão firme pousar em seu ombro. Parte do desejo que ardia em

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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seu íntimo ainda não havia acabado, e a última coisa que ela queria, naquele
momento, era perder novamente o controle da
situação.
— Eve... — Luck começou baixinho, num tom de voz que traía, sem
disfarces, o mesmo desejo que ela estava sentindo.
Certa de que seria loucura ouvir o que ele pretendia dizer, Eve
interrompeu-o rapidamente:
— Acho que é melhor você me levar para casa, Luck.
Mesmo sem olhar para ele, Eve sentiu sua hesitação e estremeceu
intimamente, com medo de ser obrigada a resistir caso Luc k decidisse tentar
persuadi-la a mudar de idéia. No fundo, ela sabia que não teria força de
vontade suficiente para aguentar uma longa luta.
— Está bem, eu vou levar você para casa — ele concordou com uma
certa má vontade, tirando a mão do ombro dela.
— Acho que é o melhor — Eve insistiu com voz fraca.
— Naturalmente. Havia uma tensão em seu modo de falar, — Dê-me um
minuto, para dizer a Toby onde vou.
— Está bem.
Assim que ficou sozinha, Eve começou a tremer de um modo
incontrolável. Ela sabia que o amava, mas até aquela noite não tinha noção da
profundidade de seus sentimentos. Nos braços dele, todos os seus
preconceitos morais haviam desaparecido, sem deixar o menor vestígio. E o
pior era saber que provavelmente faria tudo de novo, caso tivesse a
oportunidade.
Quando Luck entrou no quarto de Toby, o menino olhou -o com um ar
profundamente ofendido. A vontade de agarra -lo pelos ombros e sacudi-lo até
cansar ainda era grande em Luck, e foi só apelando para toda sua força de
vontade que ele conseguiu se controlar.
— Eu vou levar Eve para casa. — A raiva dava a seu tom de voz uma
certa aspereza. Quando eu voltar, nós dois vamos ter uma conversinha.
— Está bem — Toby concordou, no mesmo tom. — Mas eu não vejo
razão para você estar tão zangado.
— Não diga mais nem uma palavra — Luck avisou —, ou vamos ter essa
conversa agora mesmo!
Toby comprimiu os lábios numa linha fina, mostrando o ressentimento que
as palavras do pai despertavam nele, mas não disse nada.
Dando meia-volta, Luck saiu do quarto abruptamente. Sua raiva vinha
principalmente da vontade que tinha de proteger Eve. Essa vontade havia
nascido com força em seu íntimo no momento em que Toby os surpreendera,
fazendo-o esconder a nudez dos seios dela com o próprio corpo. E fora essa
mesma vontade que o tinha levado a falar com tanta aspereza ao filho, alguns
segundos mais tarde.
Quando se juntou novamente a Eve, Luck percebeu logo que ela havia se
fechado mais ainda, protegendo-se dentro da concha criada por sua timidez e
insegurança.
No entanto, ele ainda se lembrava do modo desinibido como Eve tinha
correspondido a suas caricias, e ansiava por viver tudo aquilo novamente. Mas
depois do modo como seu próprio filho a havia constrangido, Luck não se sentia
com coragem para forçá-la a repetir a experiência. Seria muito egoísmo da sua
parte.

Livros Florzinha - 64 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

Sem dizer nada, Eve se virou e caminhou para a porta, evitando o olhar
dele. Luck não teve outra escolha, a não ser segui -la. Por um breve
momento, uma expressão de desespero surgiu em seu rosto, mas foi logo
apagada. Sentimentos profundos e conflitantes lutavam em seu íntimo, e o mais
forte de todos era a vontade intensa de corrigir os danos que pudessem ter sido
causados na natureza sensível de Eve.
O ambiente permaneceu tenso durante toda a viagem até o chalé dos
pais dela. Sentada rigidamente no banco do passageiro, Eve não tirou os olhos
da estrada. Luck tentou iniciar uma conversa por duas ou três vezes, mas as
respostas dela foram tão curtas e secas que ele acabou por desistir.
Eve não tinha coragem de relaxar a guarda por um segundo que fosse,
porque estava com medo de deixar transparecer seus verdadeiros sentimentos.
Graças a Deus, era adulta o suficiente para saber que um homem podia querer
fazer amor com uma mulher sem estar apaixonado por ela.
Luck parou o Jaguar atrás do carro do sr. Rowland. Dessa vez ele
desligou o motor, desceu e deu a volta para abrir a porta para Eve. Em seguida,
acompanhou-a em silêncio até a varanda.
— Boa noite, Luck.
Tudo o que ela queria, naquele momento, era se refugiar no chalé o m ais
depressa possível. Mas Luck não prefendia deixá -la escapar assim; segurando-
a pelo cotovelo, disse:
— Eu não vou permitir que você entre, enquanto estiver se sentindo
desse jeito.
— Mas eu estou bem — Eve mentiu.
Com uma expressão extremamente séria no rosto, ele segurou-lhe o
queixo.
— Eu não quero que a atitude de Toby estrague o significado daquele
momento para nós.
— Não tem importância —:ela disse, tentando fugir do assunto.
— Tem, sim. Para mim, tem muita importância.
— Por favor... —Eve pediu, não querendo falar sobre aquilo. Mas ele não
a deixou escapar.
— Eu não me sinto envergonhado por querer fazer amor com você, Eve.
E também não quero que você se sinta.
A franqueza dele aliviou toda a tensão que a dominava. Depois de ter
evitado seus olhos por tanto tempo, ela finalmente o encarou. Luck
correspondeu com um olhar firme e sério.
— Está bem? — ele insistiu.
— Está.
Luck beijou-a afetuosamente, com imensa ternura, como se estivesse
querendo selar um acordo entre eles.
— Você e eu vamos conversar sobre este assunto com mais calma,
amanhã — ele disse, levantando a cabeça. — Agora, eu vou voltar para casa e
explicar algumas coisinhas para Toby.
— Está bem.
Eve não sabia ao certo sobre o que ele queria conversar, e essa
insegurança transpareceu em sua voz. Luck percebeu, e hesitou um pouco
antes de soltá-la.
— Boa noite, Eve.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Boa noite — ela murmurou com voz suave, observando-o descer os


degraus da varanda e caminhar para o Jaguar.
Chegando em casa, Luck foi direto para o quarto do fi lho, acendendo a
luz ao entrar, Toby sentou-se na cama e arrumou com exagerado cuidado os
travesseiros um em cima do outro, antes de se recostar neles. Quando Luck se
aproximou mais, ele cruzou os braços sobre o peito, com ar de resignada
tolerância.
— Sente, papai — ele disse. — Acho que já é hora de esclarecermos
esse mal-entendido entre nos.
Dessa vez, Luck não achou graça na atitude pseudo -adulta do filho, e
teve que se dominar para não deixar transparecer a irritação que as palavras do
menino lhe causaram,
— Eu vou sentar — ele declarou —, e vou lhe dizer algumas
coisinhas! E você vai ouvir de bico calado. Entendeu, Toby?
— Entendi — Toby concordou, com uma expressão de exagerada
paciência no rosto.
— Você tem noção do quanto embaraçou Eve? — Luck sentou-se na
beirada da cama.
— Puxa, papai, como você ficou bravo quando me viu, ali na sala! — O
garoto fez uma cara admirada.
— Quem vai falar aqui sou eu, Toby. Você só vai me ouvir — Luck
repetiu. Depois de observar o filho com irrita ção por alguns segundos,
continuou: — O fato de você ter entrado na sala, quando entrou, não foi tão
ruim assim. O problema, Toby, foi você ter ficado lá!
— Eu só queria descobrir o que estava acontecendo — Toby explicou,
com ar de inocência.
— O que estava acontecendo lá não era da sua conta! Você tem qu e
aprender que existem certas horas em que duas pessoas precisam ficar
sozinhas, sem a companhia de terceiros.
— Mas você me disse que isso só acontece quando as pessoas são
casadas! — Um ligeiro brilho de malícia surgiu em seus olhos, traindo sua
suposta ingenuidade.
— Isso agora não vem ao caso! — Irritadíssimo, Luck comprimiu os
lábios. — O que eu quero que você entenda é que fez uma coisa errada, e que
agora deve um pedido de desculpas a Eve.
— O que você e Eve estavam fazendo era errado? — o menino
perguntou, incapaz de resistir à curiosidade que sentia.
— Toby!
Havia um tom ameaçador na voz de Luck, que mostrou a Toby que seria
mais prudente não insistir.
— Está bem — ele exclamou, ajeitando melhor os travesseiros. — Eu
vou pedir desculpas a Eve. Mas se você gosta de Eve e quer fazer com ela
coisas que só duas pessoas casadas fazem, por que não a pede em
casamento?
— Toby! — Luck repreendeu de novo, franzindo a testa. Mas o garoto
não se deixou intimidar.
— Por que você não a pede em casamento? Eu gostaria muito de ter uma
mãe como Eve.
— Gostaria, é? Pois depois do que você fez esta noite, não creio que ela
queira ser sua mãe, mesmo que eu lhe peça de joe lhos!

Livros Florzinha - 66 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Uma expressão mista de culpa e arrependimento surgiu no rostinho de


Toby.
— Ela ficou muito aborrecida com o que eu fiz? — ele perguntou,
preocupado.
— Ficou, sim. — Luck não fez nenhum esforço para tentar diminuir a
culpa do filho.
— Talvez Eve aceite seu pedido de casamento, depois que eu lhe pedir
desculpas. O que você acha?
— O que eu acho é que amanhã de manhã, sem falta, você vai pedir
desculpas a Eve.
— E depois você vai pedi-la em casamento? — Havia ansiedade em
suas palavras.
— Eu não me lembro de ter lhe dito que queria casar com Eve. Não me
lembro nem mesmo de ter sugerido isso — Luck replicou.
— Mas você quer, não quer?
— Nós vamos falar sobre isso outra hora. — Ele evitou uma resposta
direta. — Esta noite quero que você pense bem no que vai dizer a Eve.
amanhã.
— E você vai pensar a respeito de casar com ela?
Mesmo vendo Luck se levantar, Toby não quis dar o assunto por
encerrado. Deitando-se melhor e puxando as cobertas até o queixo, ele não
tirava os olhos do pai, à espera de uma resposta.
— Está bem, vou pensar sobre isso — Luck concedeu, finalmente.
— Boa noite, papai. — Havia um tom de satisfação em sua voz.
— Boa noite.
Meneando a cabeça com ar distraído, Luck saiu do quarto do filho. Depois
de verificar se o fogo estava realmente apagado na lareira da sala, foi para o
próprio quarto. Lá, parando na frente da mesinha -de-cabeceira, pegou o retrato
da esposa e examinou-o com atenção, por um longo tempo.
— Você sabe que eu continuo a amar você — ele disse para a loira da
foto. — E sabe também que o que nós tivemos eu não vou esquecer nunca.
Mas o amor que eu sinto por Eve é mais forte... Você teria gostado dela, se a
conhecesse.
Luck continuou a segurar o retrato por mais alguns minutos, dizendo
mentalmente adeus ao passado e às maravilhosas lembranças q ue tinha de sua
vida com Lisa. Depois, com profunda ternura, colocou -o dentro de uma das
gavetas do armário. Ele nunca acreditara que pudesse se apaixonar por outra
mulher, mas era isso o que tinha acontecido. Da primeira vez, era um rapaz;
agora, seu amor era o de um homem adulto. Fechando a gaveta com decisão,
Luck teve certeza de que se iniciava uma nova etapa de sua vida.
Equilibrando precariamente uma bandeja redonda numa de suas mãos,
Toby abriu o mais silenciosamente possível a porta do quarto do pai . O
movimento fez com que um pouco do suco de laranja se derramasse, mas o
menino conseguiu, por um milagre, evitar que o mesmo acontecesse com o
café. Segurando de novo a bandeja com as duas mãos, ele se dirigiu para a
cama onde Luck dormia a sono solto.
No momento em que se aproximou da mesinha-de-cabeceira, Toby
percebeu que alguma coisa estava diferente. Não demorou muito para descobrir
que o retrato da mãe havia sumido do lugar onde sempre estivera. Lentamente,
seus lábios começaram a se curvar, até que um sorriso de orelha a orelha

Livros Florzinha - 67 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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iluminou seu rostinho. Com os olhos brilhando de satisfação, ele virou -se para o
pai.
— Já está na hora de sair da cama, papai.
Toby sacudiu com força o ombro bronzeado de Luck, que se mexeu com
relutância e abriu os olhos ainda vermelhos de sono. Mas ele os fechou
rapidamente de novo, quando viu o filho.
— Vamos, papai! — o garoto chamou mais uma vez, cutucando-o com
insistência. — Acorde! Já são sete e meia. Eu trouxe um copo de suco de
laranja e uma xícara de café para você.
Luck abriu novamente os sonolentos olhos azuis e sentou -se na cama,
com evidente dificuldade. Toby estendeu-lhe o copo de suco e subiu na cama,
sentando-se com as pernas cruzadas sobre as cobertas.
Depois de beber todo o suco, Luck colocou o copo sobr e a bandeja, que
Toby tinha deixado em cima da mesinha-de-cabeceira, e pegou o maço de
cigarros e o isqueiro que estavam ao lado,
— Você está me parecendo muito bem disposto esta manhã!
Havia um ligeiro traço de inveja na voz grossa de sono de Luck ao faz er
esse comentário. Sem tirar os olhos do filho, ele acendeu um cigarro e soprou a
fumaça azulada para o alto.
— Já faz algum tempo que estou acordado — Toby contou. — Fiz o café,
comi meu prato de flocos de milho com leite gelado e lavei toda a
louça que usei.
Luck pegou a xícara de café que estava na bandeja e tomou um gole.
— Depois de ontem à noite, acho que é melhor você passar a bater na
porta do quarto dos outros, antes de entrar.
— Você está dizendo isso porque não quer que eu embarace Eve quando
ela mudar para cá, depois que vocês se casarem? — Toby perguntou.
— É...
A resposta afirmativa saiu dos lábios de Luck antes que ele percebesse o
que estava admitindo. No entanto, a consciência do que tinha dito logo o
atingiu, fazendo-o acordar por completo.
— Você resolveu se casar com Eve! — Toby exclamou rindo,
felicíssimo.
— Espere um pouco, mocinho — ele disse, mas já não dava mais para
negar sua declaração anterior. — O fato de eu ter decidido pedir Eve em
casamento não significa que ela concorde em casar comigo.
— Eu sei — o garoto respondeu, ainda sorrindo de orelha a orelha. —
Ela pode querer ou não aceitar seu pedido de casamento. Quando é que você
vai falar com ela?
— Antes de eu falar com ela, você vai ter que lhe pedir descu lpas por
ontem à noite — Luck lembrou. — Você não vai se livrar disso.
— Eu posso fazer isso hoje de manhã, exatamente como planejamos
ontem — Toby falou, pensando animadamente na estratégia daquele dia.
— E depois que eu pedir desculpas a Eve, você a pe de em casamento.
Certo?
— Não, Toby — Luck respondeu, meneando a cabeça. — Não é assim
que vai ser. Nós vamos até a casa de Eve e você vai lhe pedir descu lpas. Só
isso!
— Ah, papai! — o garoto protestou. — Você vai pedir Eve em
casamento de qualquer jeito. Porque não esta manhã?

Livros Florzinha - 68 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

— Porque um homem não pede a uma mulher para ser sua esposa com
um garoto de oito anos por perto, escutando cada palavra que ele diz — Luck
explicou, ligeiramente exasperado.
— Então, quando é que você vai falar com ela? — Toby já estava ficando
impaciente.
— Eu vou convidar Eve para jantar comigo esta noite. Mas você vai ficar
em casa. E eu vou pedir à sra. Jackson para lhe fazer companhia.
— A sra. Jackson? — o garoto repetiu, com uma careta de desgosto.
— Mas por que ela tem que vir ficar comigo?
— Nós já conversamos a respeito disso — Luck lembrou. — Você não vai
ficar sozinho!
— Mas, afinal, por que é que você tem que ir jan tar fora com Eve? Por
que ela não pode vir jantar aqui, como ontem à noite? Eu prometo deixar v ocês
dois sozinhos e não escutar atrás da porta.
Com um profundo suspiro de resignação, Luck levantou os olhos para o
teto.
— Como é que eu posso fazer você entender? — Luck refletiu em voz
alta, antes de tentar explicar: — Quando uma mulher recebe um pedido de
casamento, ela tem o direito de esperar que esse pedido venha
acompanhado de alguns toques de romantismo, como vinho, luz de velas e
flores. Não se pode trazê-la para dentro de casa, fazer com que cozinhe o
jantar, tire a mesa e lave os pratos, para depois pedi-la em casamento! É
simplesmente impossível!
— Isto que você está falando me parece um monte de bobagens — Toby
resmungou. — Tenho certeza de que Eve não se importaria se você a pedisse
simplesmente em casamento, sem fazer nada disso.
— O fato de ela se importar, ou não, não faz diferença para mim —
Luck declarou, esmagando o cigarro ainda pela metade no cinzeiro. —
Agora, fora da minha cama! Eu quero me vestir.
— Para ir até a casa de Eve?
— Não a esta hora da manhã. Nós vamos esperar até mais tarde.
— Mas hoje é domingo! Pode ser que ela resolva ir até a igreja, mais
tarde.
— Então, acho melhor irmos até a casa dela logo depois do almoço.
— Oh, papai!
Desapontado, Toby pulou para fora da cama e saiu do quarto arrastan do
os pés.
Já era meio-dia quando Eve e os pais voltaram para o chalé, depois de
assistirem à missa. O almoço estava pronto, no forno, e eles logo se sentaram
para comer. Mais ou menos à uma hora toda a louça estava lavada e Eve foi
para o quarto, trocar de roupa.
— Eve... — O chamado da sra. Rowland foi acompanhado por uma leve
batida na porta. — Seu pai e eu vamos dar um passeio de barco, no lago. Quer
vir conosco?
Subindo o zíper da calça jeans, Eve foi até a porta e abriu -a.
— Não, obrigada, mamãe. Eu vou ficar, para ver se termino um livro
que comecei a ler.
Eve não mencionou que havia a possibilidade de Luck aparecer para vê -
la, naquela tarde. Eles não tinham combinado nada ao se despedirem, mas ela
preferia que os pais não ficassem sabendo que era por isso que

Livros Florzinha - 69 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

não queria sair.


— Eve vem conosco, querida? — o sr. Rowland perguntou, da sala.
— Não. Eve prefere ficar em casa, para acabar de ler um livro que
começou.
— Aposto que ela está esperando por Luck McClure — ele comentou
com ar de brincalhão, fazendo a filha corar.
— Não ligue para o que seu pai diz. — A sra. Rowland sorriu
compreensivamente para Eve — Ele só está lembrando o modo como eu
inventava mil e uma desculpas para ficar em casa, quando estávamos
namorando. Tinha medo de que ele aparecesse numa hora em que eu não
estivesse. .— Ela deu alguns passos na direção da porta. — Nós provavelmente
só vamos voltar no fim da tarde, filha.
— Está bem. Divirtam-se!
— Você também, querida — a sra. Rowland desejou, piscando o olho
com malícia.

CAPÍTULO IX

Jogado no banco ao lado do motorista, Toby tinha uma expressão de


desespero no rosto.
— Puxa, como eu queria que a sra. Jackson tivesse outro compromisso
para esta noite!
Era a sexta vez que ele repetia essa f rase, desde que Luck tinha
telefonado para pedir à sra. Jackson que lhe fizesse companhia naquela noite.
— Mas ela não tem e vai ficar com você — Luck declarou, tirando os
olhos da estrada por um breve momen to para lançar um olhar de
advertência ao filho. — É bom você se convencer de que não há nada que
possa fazer para mudar isso.
Toby ficou em silêncio por alguns segundos, depois disse, tentando uma
nova tática:
— Já pensou no quanto essa história toda vai lhe custar, papai? Você vai
ter que pagar não só à sra. Jackson como também o jantar de Eve. Com o
dinheiro que você vai gastar esta noite, eu teria mais que o suficiente para
comprar a minha bicicleta nova! Tudo ficaria bem mais barato se você seguisse
o meu conselho e convidasse Eve para ir jantar lá em casa.
— Eu não quero mais ouvir nenhuma palavra a este respeito, Toby!
Os dois tinham discutido o assunto quase a manhã inteira, e a paciência
de Luck já estava no fim.
— Então, eu não tenho o direito de dizer nada sobre o que penso? — O
garoto argumentou. — Afinal de contas, Eve vai ser a minha mãe!
— Eu não falaria nisso, se fosse você — o pai avisou. — Você ainda não
pediu desculpas a Eve por ontem à noite. Pode ser que ela não queira ser a
mãe de um menino que não respeita os momen tos privados de outras pessoas.
— Mas eu vou pedir desculpas a ela — Toby argumentou. — Eve vai
entender! Afinal, eu não passo de um garotinho.
— Às vezes, eu chego a duvidar disso — Luck murmurou baixinho, mais
para si mesmo.
Tirando os cubos de gelo do congelador, Eve levou-os até a pia e colocou
um punhado no copo de chá que havia preparado. O restante ela recolocou no
congelador, para ser usado mais tarde. Depois, abriu a torneira para lavar as

Livros Florzinha - 70 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

mãos, e o ruído da água correndo impediu-a de ouvir o barulho do carro


estacionando no pátio.
Foi só quando estava enxaguando as mãos que Eve ouviu as portas do
carro baterem, lá fora. Com o coração aos pulos, ela se virou abruptamente,,
esquecida do copo de chá em cima da pia. Seu cotovelo bateu em cheio nele,
derrubando a bebida e espalhando cubos de gelo para todos os lados.
— Droga! — ela xingou baixinho, pegando o copo e colocando -o a salvo
dentro da pia.
Apressadamente, Eve tirou algumas toalhas de papel do rolo preso na
parede e abaixou-se para enxugar o chão. Seu pulso, que já estava acelerado,
acelerou-se ainda mais ao ouvir o som de passos aproximando -se da porta do
chalé. Ela tentou acabar logo com o que estava fazendo, mas a pressa só a
atrapalhou, fazendo-a demorar mais.
A batida fez a porta de tela chacoalhar nas dobradiças. Com as mãos em
concha para aparar as gotas de água que pudessem cair, Eve carregou as
ensopadas toalhas de papel para a pia.
— Já estou indo! — gritou afobada, jogando tudo dentro da lixeira.
Um rápido olhar para a porta de tela foi suficiente para ela reconhecer a
figura familiar de Luck. Enxugando novamente as mãos, Eve passou os dedos
pelos brilhantes cabelos, tentando ajeitá-los um pouco.
Um arrepio de prazer percorreu-lhe o corpo, quando ela se dirigiu
apressadamente para a porta. Num movimento reflexo e inconsciente, suas
mãos arrumaram a faixa vermelha que tinha na cin tura, servindo de cinto para o
jeans.
Eve só percebeu a figura menor, ao lado da silhueta de Luck, quando já
estava bem próxima da porta. Então, ele tinha trazido Toby junto! Não que isso
lhe importasse. Mas Luck havia insinuado que gostaria de fa lar com ela a sós,
naquele dia, e a presença do menino não lhes daria oportunidade para isso.
Além do mais, havia a embaraçosa cena do dia anterior para ser
discutida, e, sendo tímida por natureza, Eve não gostaria de falar sobre
esse assunto na frente de Toby.
— Oi — ela cumprimentou através da tela, enquanto destrancava a porta.
Seu sorriso tinha um traço de nervosismo, até o momento em que seus olhos se
encontraram com o olhar azul de Luck, tão cheio de calor e ternura. Quase que
imediatamente uma onda de felicidade começou a crescer em seu íntimo. —
Desculpem a demora, mas é que eu estava enxugando o chá que derramei no
chão da cozinha.
— Tudo bem — Luck garantiu. — Não tivemos que esperar tanto tempo.
O brilho de admiração que surgiu nos olhos de Luck, quando percorreram
vagarosamente o rosto e o corpo dela, deu a Eve mais confiança em si mesma.
Era evidente que ele estava gostando do que via, mesmo ela não s endo do tipo
capaz de virar a cabeça dos homens.
— Oi, Toby!
Eve conseguiu sorrir para o garoto com uma certa naturalidade, quando
ele entrou no chalé com o pai.
— Oi!
Toby parecia um pouco mais sossegado que o normal, como se sua
cabecinha estivesse ocupada com outros assuntos, apesar de seus brilhantes
olhos azuis continuarem tão espertos quanto antes.

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

— Entrem — ela convidou.— Eu estava acabando de fazer uma jarra de


chá gelado. Vocês querem um pouco?
Luck já ia recusar, quando Toby passou à sua frente e aceitou:
— Eu quero, sim.
— Quer alguns biscoitos também?
— De chocolate? — Toby perguntou com os olhos arregalados. Quando
Eve confirmou, ele aceitou mais do que depressa: — Claro que sim!
— O que foi que você disse? — Luck interferiu, forçando o filho a mostrar
alguma educação.
— Quero sim, obrigado — o menino corrigiu. Mas depois
acrescentou, franzindo a testa: — Era isso mesmo que eu tinha que dizer ou
era "Quero sim, por favor"?
— De qualquer jeito está certo — Eve assegurou-lhe, sorrindo
afetuosamente. Levantando os olhos para Luck, repetiu a pergunta: — Você
também quer um copo de chá gelado e alguns biscoitos de choco late?
— Eu vou aceitar só o chá — ele replicou, disfarçando um certo
embaraço.
Os dois foram com ela até a cozinha. Toby apoiou -se na pia para
observá-la, mas Luck preferiu ficar afastado e encostou -se na porta, acendendo
um cigarro.
Extremamente consciente da proximidade de Luck, Eve foi obrigada a
virar-lhe as costas, deixando-o fora de seu raio de visão, para conseguir se
concentrar. Era como se seu corpo fosse um radar, preparado para detectar os
mínimos movimentos de Luck McClure.
Depois de conseguir o milagre de encher três copos de chá sem derramar
uma só gota, ela devolveu a jarra à geladeira. Pegando em seguida a lata onde
guardava os biscoitos de chocolate, tirou três deles e colocou -os num pratinho,
virando-se para entregá-los a Toby.
— Para você, Toby — Eve disse, esforçando-se para falar com
naturalidade.
— Espere um pouco — Luck interferiu, segurando o ombro do filho para
impedi-lo de pegar o pratinho. — Antes de começar a comer esses biscoitos,
Toby precisa lhe dizer uma coisa, Eve. Não é, Toby? — Havia uma nota de
advertência em sua voz, quando Luck se dirigiu ao menino.
Com um profundo suspiro de resignação. Toby abaixou a mão que já
tinha estendido na direção dos biscoitos.
— É, sim — admitiu, levantando os enormes olhos azuis para Eve. — Eu
queria que me desculpasse por ter encabulado você on tem à noite, Eve. Eu não
tinha intenção de fazer isso.
— Eu sei que não tinha — ela respondeu, corando de leve ao ouvi-lo
mencionar o incidente da noite anterior.
— Papai me explicou que a gente deve respeitar a privacidade dos
outros — Toby continuou. — Eu errei, entrando na sala e ficando lá, sem dizer
nada a vocês. Estou muito arrependido do que fiz. Eve. De verdade! Mas eu só
queria descobrir o que estava acontecendo. Nunca tive intenção de embaraçar
você.
Toby possuía a curiosidade natural de qualque r criança naquela idade.
Eve sempre soube que ele não tinha intenção de fazer nada de mal, quando
entrou na sala, na noite anterior, e foi fácil para ela aceitar as desculpas do
garoto. Além disso, ele não parecia nem um pouco chocado com o que havia

Livros Florzinha - 72 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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presenciado, o que reforçava sua convicção de que o que tinha acontecido


entre ela e Luck era algo natural e certo.
— Está tudo bem, Toby — Eve assegurou-lhe. — E o melhor, agora, é
nós esquecermos tudo isso.
Os olhos azuis do menino se arregalaram, assumindo uma expressão
esperançosa.
— Quer dizer que você não está louca da vida comigo, por causa do que
fiz?
— Não, de jeito nenhum.
Jogando a cabeça para trás, num gesto de desafio, Toby se virou para
olhar o pai.
— Está vendo? Eu não disse que Eve não ia ficar brava comigo?
— Disse, sim — Luck admitiu. — Mas, mesmo assim, ela merecia um
pedido de desculpas de sua parte.
— Agora você vai pedir a ela para casar com você, sem... — Ele não
conseguiu terminar de dizer o que pretendia, pois Luck tapou -lhe a boca com
uma das mãos, abafando o resto da frase.
Estremecendo como se seu corpo tivesse recebido um fulminante choque
elétrico, Eve levantou os olhos rapidamente para o rosto de Luck. Mas as
feições másculas e simpáticas dele só revelavam impaciência e descon forto, o
que confirmou suas suspeitas de que Toby não fazia a menor idéia do que
estava falando. Muito pálida, ela percebeu que tinha saído de uma situação
desagradável para cair em outra pior ainda.
— Toby, eu estou com vontade de esganar você! — Luck murmurou
zangado, tirando a mão de cima da boca do garoto. — Não se atreva a dizer
nem mais uma palavra!
— Mas...
— Cale a boca! — Luck o interrompeu, ordenando em seguida: — Pegue
os seus biscoitos e o copo de chá e vá lá para fora. Eu não quero ouvir um pio
de você, enquanto eu não o chamar de volta!
— Está bem — o menino resmungou, pegando os biscoitos e o copo de
chá que Eve tinha colocado sobre a pia, com me do de derramar tudo.
— Eu quero que você fique lá fora e só volte quando eu chamar,
entendeu? Não esqueça o que você me prometeu, Toby — Luck advertiu.
— Está bem, papai — ele concordou, caminhando para a porta de tela.
Eve não tirou os olhos de Luck, enquanto ele apagava o toco do cigarro
num cinzeiro que tinha trazido da sala. Havia uma certa tristeza na linha
fina formada pelos lábios provocantes, e um pedido de desculpas brilhava no
fundo dos olhos azuis, quando Luck finalmente levantou a cabeça para enca ra-
la.
O silêncio que os envolvia foi quebrado pelo barulho da porta de tela se
fechando atrás de Toby.
— Acho que meu filho é mesmo um "linguarudo" — Luck comentou.
Uma onda de dor assaltou o coração de Eve. Tentando não demonstrar
sua angústia, ela se virou e agarrou a beirada da pia com ambas as mãos.
Apelando para todas as forças que ainda lhe restavam, conseguiu recuperar um
pouco do autocontrole e da postura que havia perdido ao ouvir as palavras
dele.
— Não se preocupe com isso, Luck — declarou, fingindo
despreocupação. — Eu sei que Toby é uma criança e que não devo levar a

Livros Florzinha - 73 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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sério o que ele diz. Portanto, não pense que estou esperando um pedido de
casamento da sua parte.
O pulso de Eve se acelerou quando Luck se aproximou e parou junto
dela. As mãos fortes e grandes pousaram de leve sobre seus ombros
bronzeados, fazendo uma onda de desejo percorrer-lhe o corpo de alto a baixo.
Com um estremecimento involuntário, ela percebeu, naquele momento, que
jamais seria capaz de resistir ao toque dele.
— Por que não? — Luck murmurou, muito próximo dela. Eve fingiu que
não estava entendendo.
— Por que não o quê? — perguntou com voz trémula.
— Já que Toby deixou escapar o segredo, eu posso muito bem pedir que
se case comigo agora, em vez de esperar até a noite — ele replicou.
Ela se virou um pouco, olhando-o por cima do ombro. Luck não podia
estar falando sério! No entanto, a expressão de seu olhar parecia confirmar o
que ele tinha dito. Mas não, não podia ser verdade!
— Luck, você não tem que fazer isso — Eve murmurou, dando a ele a
chance de recuar. Ela o amava demais para pre ndê-lo a um pedido de
casamento feito sem amor.
Luck deu um sorriso leve e indolente, o que tornou ainda mais irresistível
seu charme masculino.
— Eu sei que não tenho.
— Então... —ela começou, hesitante.
— Eu quero que você seja minha esposa — Luck disse, tentando deixar
claro que estava falando sério. Sua proposta não era nenhuma brincadeira
inconsequente. — E Toby quer que você seja mãe dele. Se bem que não possa
culpá-la, se não estiver se sentindo muito animada para exercer esse papel. Ele
fala quando deveria ficar de boca fechada, vê coisas que não são para ele ver e
conhece assuntos sobre os quais outros meninos da mesma idade não têm a
menor idéia. Terminar de criá-lo não vai ser fácil.
— Eu não me importo — Eve murmurou bem baixinho, começando a
acreditar que seu sonho mais louco estava se tornando realidade.
— É melhor você ter certeza sobre isso. — Luck virou-a de frente para ele
e deslizou as mãos pelas costas dela, puxando-a para mais perto. — Nós não
nos conhecemos há muito tempo e eu não que ro que você tome uma decisão
precipitada. Quero que pense bem, antes de me dar uma resposta. Posso
esperar o tempo que for necessário.
Eve apoiou as mãos no peito dele, sentindo o calor do corpo musculoso
através do tecido fino da camisa. As batidas fortes do coração de Luck lhe
deram a certeza de que não estava sonhando. Era tudo realidade!
— Não é isso. — Só nesse momento Eve percebeu que ainda não tinha
dito uma palavra que indicasse que ela aceitava o pedido de casamento dele.
—Eu gostaria muito de casar com você...
Segurando-lhe o queixo, Luck inclinou a cabeça dela para trás.
— Será que eu ouvi um "mas" no fim dessa sua fra se, ou foi
imaginação minha. — ele perguntou.
— Não, você está imaginando coisas. — Mas ela sabia que não seria
capaz de enganá-lo. O "mas" estava lá, apesar de silencioso. — É que foi tudo
tão rápido! Eu não consigo pensar numa razão para você querer casar comigo
— admitiu finalmente.
— Eu quero casar com você pela razão mais comum: eu amo você, Eve.

Livros Florzinha - 74 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

Eve sentiu um nó se formar na garganta. Nunca tinha percebido o quanto


aquelas palavras poderiam ser bonitas, até Luck pronunciá -las. Uma expressão
de incrédula alegria surgiu em seus olhos castanhos, marejados de lágrimas de
felicidade.
— Eu também amo você — declarou, numa voz sufocada pela emoção.
A boca de Luck colou-se então à dela, demonstrando a inutilidade de
mais palavras. As mãos de Eve deslizavam pelo pescoço vigoroso,
mergulhando os dedos nos cabelos escuros, ao mesmo tempo em que ele a
envolvia com os braços fortes, esmagando-a de encontro ao peito.
Ainda aturdida com a idéia de que Luck a desejava, Eve sentia-se
enlouquecer de alegria. Com seus beijos possessivos, ele parecia querer provar
que a amava, confirmando suas palavras de alguns segundos atrás.
Quando finalmente os lábios de Eve se entregaram aos dele, Luck
percebeu que a havia convencido, e espalhou uma chuva de beijos curtos e
carinhosos por todo o rosto dela. Os olhos, as sobrancelhas, as faces, o nariz,
o queixo, a testa, nada escapou de sua ardente explosão. No fim, ela estava
tão emocionada que mal conseguia respirar.
Inundada de amor, Eve tinha a impressão de que ia explodir de
felicidade. Seu coração batia forte no peito, e seu prazer era tão grande
que chegava a doer. As mãos dele, percorrendo vagarosamente seus ombros,
costas e quadris, aqueciam-lhe a pele e despertavam em seu íntimo uma febre
deliciosa de desejo. Ela se entregava totalmente. Seu corpo, sua alma e tudo o
mais que ele quisesse: orgulho, dignidade, respeito próprio eram dele. Só dele!
Estremecendo de leve, Luck levantou a cabeça para estudar o rosto de
Eve.
— Eu pensei que fosse levar mais tempo para convencê -la a casar
comigo — admitiu com voz rouca, as pupilas brilhantes de desejo.
— Dificilmente — respondeu, sorrindo. Há muito tempo Eve já sabia que
era dele, e que bastaria ele querer para ela se entregar.
Com uma das mãos, Luck envolveu-lhe o rosto. Virando um pouco a
cabeça. Eve pressionou os lábios de encontro ao pulso dele. Na mesma hora os
dedos fortes começaram a explorar-lhe as feições iluminadas pelo amor, indo
desde a maçã do rosto até o contorno delicado dos lábios.
— Naquela noite que nos encontramos do lado de fora do bar, eu percebi
que não queria que você fosse embora — Luck murmurou. — Mas jamais
sonhei que acabaria, um dia, casando com você.
Apesar de seu primeiro encontro ainda estar vivo e ocupar um lugar
especial na memória de Eve, ela preferia que ele não o tivesse mencionado.
Era doído lembrar que havia sido comparada a um camundonguinho marrom!
Tentando afastar essa triste recordação da mente, Eve fechou os olhos
com força.
— Eu pensei que você tivesse sido criada pela minha imaginação — Luck
continuou, deslizando ao mesmo tempo uma das mãos para o pescoço de
Eve. Delicadamente, ele começou a acariciar a pele macia da garganta dela,
com o polegar. — Até que finalmente a reconheci naquela tarde chuvosa,
quando você foi até a minha casa. para ajudar Toby a fazer biscoitos. Imagine,
você estava ali, na minha própria casa!
— Eu me lembro — ela admitiu baixinho, não muito entusiasmada com o
assunto.

Livros Florzinha - 75 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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Luck respirou fundo e soltou vagarosamente o ar dos pulmões, antes de


acrescentar:
— Sabe, naquela época eu já estava começando a acreditar que nunca
mais seria capaz de gostar de outra mulher. Aí, eu conheci você.
Instantaneamente, surgiu na mente de Eve a imagem da foto da primeira
esposa dele. Uma dolorosa onda de ciúme assaltou -a ao pensar
que não seria a primeira mulher na vida de Luck. Mas ela o amava tan to
que se contentaria alegremente em ser a segunda, desde que pudesse passar o
resto da vida ao lado dele.
— Já faz tempo que Toby quer que eu case de novo — Luck contou. —
Ele chegou mesmo a escolher você, antes de mim. E eu sou obrigado a
reconhecer que o gosto do meu filho é realmente fora de série!
Eve sorriu de leve.
— Ele ainda está lá fora... e provavelmente morrendo de curiosidade.
— Deixe! — O braço forte apertou um pouquinho mais a cintura de Eve.
— É o que ele merece!
Mas logo depois Luck soltou um suspiro resignado, dizendo a
contragosto:
— Acho melhor nós o chamarmos, para lhe dar a notícia. Se bem que
acho que não vai ser novidade para ele. Toby es tava certo de que você
aceitaria o meu pedido de casamento.
— E tinha razão. — Eve não conseguia tirar os olhos do rosto atraente e
másculo de Luck.
— Uma coisa eu lhe garanto: ele não vai nos deixar esquecer isso, por
um longo tempo. Você sabe disso, não sabe?
— Sei, sim. —Ela sorriu,
— Vamos chamá-lo, então.
Enquanto a guiava para fora da cozinha, ele passou o braço pela cintura
de Eve, pressionando o corpo dela de encontro ao seu. Foi um gesto terno e
dominador, que a deixou encantada.
Ao sair da casa, os dois encontraram Toby sentado nos degraus da
varanda, esperando pacientemente. Assim que os viu, ele se levantou de um
salto e se aproximou. Seu olhar brilhante e ansioso tentava decifrar a
expressão de um e do outro.
— Ela disse "sim"? — ele perguntou ao pai, prendendo a respiração.
— O que faz você pensar que eu perguntei a ela? — Luck respondeu,
mantendo o suspense para castigá-lo mais um pouquinho.
Toby lançou um olhar ansioso para Eve, que estava se esforçando para
não rir.
— Você perguntou, não perguntou? — Novamente, ele se dirigia ao pai.
— Perguntei, sim. — Com pena do filho, Luck resolveu contor tudo de
uma vez: — E Eve aceitou o meu pedido de casamento.
— Viva! — o menino gritou com alegria, dando saltos no ar. — Eu
sabia que ela aceitaria! Eu disse a você que não seria preciso esperar até
hoje à noite, não disse?
Virando-se para Eve, Luck explicou:
— Eu ia fazer tudo direitinho. Já tinha planejado levar você para jantar
fora, com flores, luz de velas e champanhe. E depois de amolecer você com
todo esse tratamento especial, eu pretendia pedi -la em casamento.
Infelizmente, o linguarudo do meu filho estragou tudo.

Livros Florzinha - 76 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Agora, você não precisa fazer nada disso — Toby comentou. — E eu


não tenho que ficar com a sra. Jaekson. Eve pode ir até a nossa casa esta noite
e nós podemos jantar todos juntos.
— Não, Eve não pode ir até a nossa casa esta noite — Luck declarou,
meneando a cabeça.
Surpreso, o menino levantou os olhos para ele.
— Porque não?
— Porque eu vou levá-la para jantar fora, exatamente como planejei. E a
sra. Jaekson vai ficar com você, exatamente como tínhamos combinado.
— Mas, papai...
— Não tem mas nem menos mas, Toby. Eu vou ter que partilhar Eve com
você muitas vezes, no futuro. Mas na primeira noite do nosso noivado
pretendo tê-la só para mim! — Luck declarou.
— Eu prometo que fico no meu quarto, bem quietinho — Toby
insistiu.
— Não é a mesma coisa. — Virando-se para Eve, ele perguntou: — Você
aceita o meu convite para jantar fora esta noite, se eu lhe prometer que não vai
ter que fazer a comida?
— Aceito, sim.
Eve aceitaria de qualquer jeito, mesmo que tivesse que cozinhar tudo!
— Então eu passo por aqui mais ou menos às sete horas. Quero falar
com seus pais, também. — Percebendo que ainda não havia marcado uma data
para o casamento, Luck disse, sorrindo: — Ainda não lhe perguntei para daqui
a quantos dias você quer que eu marque o nosso cas amento, não é?
O modo como Luck falou "para daqui a quantos dias"', e não
simplesmente "para quando", mostrava com clareza sua impaciência, e deixou
Eve de respiração suspensa. Por um segundo ela não fez mais do que o lhar
para ele, o rosto iluminado de amor.
— Quanto mais cedo, melhor. Você não acha? sugeriu, com uma certa
timidez.
— Acho, sim — Luck respondeu com firmeza e sem hesitar,
inclinando a cabeça para beijá-la de novo.
O que começou como um simples toque de lábios, transformou -se num
beijo apaixonado. Sentindo as pernas enfraquecerem, Eve apoiou -se mais no
corpo de Luck, deixando que ele a sustentasse com sua força. Mas antes que a
paixão pudesse aumentar-, eles foram interrompidos e lembrados de que não
estavam sozinhos.
— Eu gostaria muito que vocês me dissessem uma coisa — Toby disse.
— O quê? — Luck perguntou distraidamente, mais interessado em
observar os lábios macios de Eve.
— Eu vou ter que deixar vocês dois sozinhos, toda vez que começarem a
se beijar?
— Todas as vezes, não. Por quê? — Com esforço, Luck desviou os olhos
do rosto de Eve e lançou um olhar curioso para o fiiho.
— Porque se eu tiver que fazer isso, acho que vou passar a maior parte
do meu tempo isolado — Toby explicou, com um suspiro. — E eu realmente
estava com esperanças de que nós três pudéssemos ficar juntos, como uma
familia de verdade.
— Nós vamos ser uma família de verdade — Eve garantiu-lhe. — E você
não vai passar a maior parte do seu tempo isolado.

Livros Florzinha - 77 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

— Eve tem razão, filho. — Estendendoo braço, Luck passou-o pelos


ombros do menino e puxou-o para junto deles. — Parte do nosso plano era
arranjar uma mãe para você, não era?
— Era, sim! — Toby deu um sorriso de orelha a orelha.
Os três passaram o resto da tarde juntos, em parte para acabar com as
preocupações de Toby quanto a sua posição na nova familia que estavam
formando, e em parte porque Luck e Eve gostavam da companhia do menino e
queriam incluí-lo em seu relacionamento.
Eve sabia que estava imaginando coisas, mas naquele dia o sol parecia
brilhar com mais força e o ar tinha um cheiro mais agradável e refrescante do
que nunca!
Seus pais não voltaram do passeio de barco em tempo para ver Toby e
Luck, antes de eles irem embora, e ela teve algumas horas para ficar sozinha e
pensar em tudo o que havia acontecido.
E foi depois de refletir bem sobre o pedido de casamento e o que tinha
sido dito, que Eve finalmente saiu do mundo de sonhos em que estava e voltou
a colocar os pés no chão. Luck tinha lhe pedido para se casar com ele por
muitas razões. Ele lhe dissera que a amava, e não havia motivos para duvidar
de suas palavras. A seu próprio modo, ele devia realmente amá -la, embora não
tanto quanto ela o amava.
Outra razão para Luck tê-la pedido em casamento era Toby. O menino
precisava de uma mãe, e gostava dela. Eve não tinha dúvidas de que esse fato
havia influenciado, e muito, a decisão final de Luck.
Além do mais, ela sempre soubera que ele era um homem solitário, que
queria a companhia de uma mulher. E isso não só no sentido físico, pois para
Luck não devia ser difícil arranjar um relacionamento baseado apenas em
atração sexual, sem maiores consequências.
Naquela noite, do lado de fora do bar, ele havia dito que queria conversar
com ela, que ela era uma garota com a qual um homem podia conversar. Lu ck
precisava disso numa mulher, do mesmo modo que Eve sempre sentira a
necessidade de ser capaz de dialogar com a pessoa com a qual fosse casar,
um dia. Portanto, uma das razões para aquele pedido de
casamento tinha que ser o desejo que Luck sentia de ter um pouco de
companheirismo. .
Outro motivo era a vida de solteiro que ele e Toby estavam levando. Os
dois sentiam falta de alguém para limpar a casa e cozinhar, e seria realmente
conveniente ter uma pessoa à disposição para fazer isso por eles, durante,
vinte e quatro horas por dia. Limpar e cozinhar fariam parte do novo papel que
ia exercer; embora naturalmente fosse ter a ajuda de Luck e Toby, de vez em
quando.
No fundo, não havia nada de errado com as razões dele. Nenhuma delas
era ruim. Para dizer a verdade, muita gente começava um casamento baseado
em motivos menos sólidos que os deles.
Foram esses pensamentos que tiraram Eve de seu mundo cor-de-rosa,
forçando-a a enfrentar a realidade de seu futuro com Luck. Ele queria casar
com uma mulher compreensiva e prática, não com uma romântica de cabeça na
lua. E o melhor era ela se convencer disso, definitivamente.
No entanto, nada alterava o significado especial daquela noite. Eles ainda
iam jantar fora, para comemorar seu noivado, e Eve escolheu com o maior
cuidado a roupa que usaria, caprichando no penteado e na maquilagem. O

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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resultado, mesmo para seus olhos críticos, não foi mau. A cor rosa do vestido
era um pouco apagada, mas o corte elegante realçava as linhas de sua figura
esbelta, e seus cabelos castanhos e brilhantes emolduravam-lhe o rosto
iluminado pela felicidade, causando um bonito efeito.
Como prometera, Luck chegou pontualmente às sete horas, trazendo um
buque de rosas vermelhas para ela. Eve não tinha dito nada aos pais sobre o
pedido de casamento, preferindo esperar a chegada de Luck para juntos darem
a eles a notícia.
Os dois ficaram muito contentes com a novidade, principalmente a sra.
Rowland, que havia perdido as esperanças de ver a filha arranjar um homem
que a agradasse. O sr. Rowland ficou orgulhoso com o gesto fora de moda de
Luck, que lhe pediu a mão de Eve em casamento, e deu sua permissão sem
titubear.
Mais ou menos as sete e meia, depois de comemorarem devidamente o
noivado, Eve e Luck saíram para ir ao restaurante. Com a mão apoiada n o
assento do carro e envolta carinhosamente pela dele, Eve percebeu, mais uma
vez, o quanto era difícil conservar os pés no chão, quando estava ao lado de
Luck.
— Feliz? — ele perguntou de repente.
— Muito.
Isso ela podia dizer sem a menor dúvida, mesmo sabendo das razões que
o tinham levado a pedi-la em casamento.
— Eu estava pensando que poderíamos ir até Duluth amanhã — Luck
continuou. — Vou comprar o seu anel de noivado, e quero ter certeza de que
você vai gostar dele. Portanto, é melhor nós irmos es colher um, juntos. Está
bem assim, para você?
— Está ótimo.
— Além disso, eu gostaria de apresentar você a meu pai, enquanto
estivermos lá. O que acha de jantarmos com ele?
— Seria ótimo. E eu estou com muita vontade de conhecê -lo.
— Você vai gostar dele — Luck comentou, sorrindo para ela. — Ele
também vai gostar de você. Quanto a isso, não tenho a menor dúvida.
— Espero que você tenha razão.
Mas, no fundo, Eve tinha medo de que o sr. McCiure a comparasse com a
primeira esposa do filho e imaginasse o qu e Luck via "'naquela feiosa".
Provavelmente todos os amigos deles, que tinham conhecido Lisa, iam fazer a
mesma pergunta. E ela não podia culpá-los por isso.
— Você se importa se Toby for conosco, amanhã? — Luck perguntou,
enquanto diminuía a velocidade do carro para entrar no estacionamento do
restaurante que havia escolhido.
— Claro que não! — Eve garantiu. — Se nós não o levarmos, ele
provavelmente vai se convencer de que não é querido, e eu não quero isso.
— Foi o que eu pensei, também. — Ele estacionou o Jaguar entre dois
outros carros.
Descendo, Luck deu a volta e abriu a porta para Eve, ajudando -a a sair.
Durante alguns momentos ele continuou parado onde estava, segurando a mão
dela e sorrindo com ternura.
— Eu já lhe disse que você está um encanto, esta noite? — perguntou
finalmente, com suavidade.
— Não, mas muito obrigada.

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Eve sorriu para ele, imaginando ao mesmo tempo se Luck não estaria
sendo apenas bondoso e delicado. Talvez aquele fosse um jeito agradável de
ele lhe dizer que estava o melhor possível, para alguém com uma aparência tão
comum.
Inclinando a cabeça, Luck encostou os lábios nos dela. O beijo não durou
muito, mas serviu para que Eve recuperasse a confiança em seu
afeto. No entanto, ela duvidava que aquele breve toque o
tivesse perturbado tanto quanto a perturbara.
Em seguida, ele a escoltou até a porta do restaurante, com a mão
firmemente apoiada em suas costas. Lá dentro, o maítre os conduziu até uma
mesa para dois, localizada num canto isolado c aconchegante.
— Eu não lhe prometi luz de velas?
Com um gesto, Luck indicou a vela que queimava dentro de um copo alto,
de cor âmbar, quando eles se sentaram em cadeiras colocadas frente a frente.
— Prometeu, sim — Eve concordou, com um sorriso. — Mas você se
esqueceu de mencionar que também teríamos música suave, de fundo.
Ela estava se referindo aos sons abafados de uma música romântica que
um aparelho de som espalhava pelo ambiente.
— Eu guardei segredo disso, para lhe fazer uma surpresa final. — Ele
sorriu, divertido.
Uma garçonete jovem e muito atraente aproximou -se então da mesa
deles. De cabelos loiros e olhos azuis, ela era a própria imagem da mulher
sexy, sem parecer vulgar. Seu sorriso alegre foi dirigido aos dois, mas Eve não
conseguiu deixar de notar que havia algo mais do que um simples interesse
profissional no modo como ela olhou para Luck.
— Vocês gostariam de tomar alguma coisa, antes do jantar? — a
garota perguntou, sem deixar de sorrir.
— Gostaríamos, sim. Você poderia nos trazer uma g arrafa de
champanhe? — Luck pediu, correspondendo ao sorriso.
Se Luck não tivesse notado a evidente beleza da loira, Eve teria
verificado a temperatura dele, para ver se não estava doente. No entanto,
quando ele reparou na moça, ela se sentiu magoada. Is so não fazia o menor
sentido, e foi só apelando para todas as suas forças que Eve conseguiu evitar
que seu rosto expressivo revelasse as emoções conflitantes que a assaltavam.
A garçonete saiu e voltou logo depois com uma garrafa de champanhe.
Depois de abri-la, ela colocou um pouquinho num copo, para Luck
experimentar. Quando ele manifestou sua aprovação, a garota terminou de
servi-los.
Depois que ela se foi, Luck ergueu o corpo e fez um brinde:
— À mulher que é o amor da minha vida, e que logo será minha esposa.
Foi um brinde tocante, mas Eve sabia que era exagerado. Luck havia
lhe prometido uma noite romântica e estava fazendo o possível para
cumprir a promessa. No entanto, ela preferia que seu relacionamento
permanecesse honesto e não fosse estragado po r falsos cumprimentos.
— Isso foi muito bonito, Luck — Eve reconheceu —, mas não era
necessário.
Ele ergueu interrogativamente as sobrancelhas, ao ouvir o comentário.
— Não? Por que não?

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A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
Julia no. 156

— Porque... — Ela deu de ombros com um pouco de nervosismo. —Bem,


eu não espero que você finja que está loucamente apaixonado por mim. Não há
necessidade de você fazer discursos românticos, por minha causa.
— Sei... — A expressão de seu rosto endureceu, apesar de ele estar
sorrindo. — E o fato de eu não estar loucamente apaixonado por você não a
incomoda? — Havia um tom de desafio na pergunta.
— Eu já aceitei isso — Eve garantiu. Ela não queria que ele fizesse o
papel de noivo apaixonado sem se sentir assim.
— Fico contente em saber — ele murmurou secamente, fazendo um
gesto para a garçonete lhes trazer o cardápio. — Pelo que ouvi dizer, a
especialidade deste restaurante é peixe.
A conversa durante o jantar girou em torno de assuntos impessoais. A
comida estava uma delícia, mas Eve sentia uma certa tensão no ambiente.
Luck tinha adotado uma atitude agradável e encantadora, mas de vez em
quando, quando ele a olhava, ela ficava apreensiva. Luck sempre fora capaz de
perturbá-la fisicamente, mas aquilo era diferente. Era quase como se ele
estivesse zangado, apesar de sua aparência não dar a menor indicação disso.
A segunda xícara de café já havia sido servida, depois da sobremesa,
quando Luck sugeriu que era hora de irem embora. Eve, que ainda não tinha
descoberto o motivo da inquietação que sentia, aceitou a decisão dele sem
hesitar.
Em silêncio, os dois saíram do restaurante e cruzaram o pátio do
estacionamento. Luck ajudou-a a entrar no carro e depois deu a volta,
acomodando-se atrás da direçâo. No entanto, ele não fez o menor gesto para
dar a partida no Jaguar.
— Aconteceu alguma coisa? — Eve perguntou, começando a ficar
preocupada.
— Parece que sim — Luck concordou, virando-se um pouco no
assento para olhar para ela,
— O que foi?
Eve não sabia se ele estava se referindo a algum problema com o carro,
ou com eles.
— Você — Luck respondeu com simplicidade.
— O que foi que eu fiz? — surpresa, ela se afastou um pouco,
encostando-se na porta do Jaguar.
— De onde é que você tirou essa idéia ridícula de que não estou
loucamente apaixonado por você?
— Bem, você não está — Eve declarou, tentando se defender. Mas
acrescentou logo em seguida, ao sentir o olhar penetrante que ele lhe dirigia: —
Eu acredito nas suas palavras, quando você diz que me ama, mas...
— É muita bondade sua — Luck comentou com secura. — E já que eu
não a pedi em casamento por estar apaixonado, daria para você me explicar
por que, então, eu fiz isso? Aposto que tem alguma coisa a ver com Toby.
— Por que você está me fazendo essa pergunta? — Eve replicou. —
Você sabe, tão bem quanto eu, quais os motivos que o levaram a me pedir em
casamento.
— Provavelmente melhor até, já que os motivos são meus. — Ele apoiou
o braço ao longo do encosto do banco, dando a impressão de estar bem mais
relaxado. — Mesmo assim, eu gostaria de ouvir você me dizer quais são eles.

Livros Florzinha - 81 -
A felicidade bate à porta (With little luck) Janet Dailey
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— Eu posso lhe oferecer algumas das coisas que estão faltando em sua
vida — Eve começou embaraçada, sem saber ao certo por que ele estava
exigindo aquilo. A menos que fosse para ter certeza de que e la havia entendido
tudo direitinho.
— Tais como? — Luck quis saber, forçando-a a dar uma resposta mais
detalhada.
— Você precisa de uma mãe para o seu filho, de alguém para tomar
conta da casa, cozinhar, cuidar de você e estar por perto, quando você sentir
necessidade de ter uma companhia... — Nesse ponto ela se
interrompeu, hesitante.
— Você se esqueceu de mencionar "parceira de cama" — ele
lembrou, com frieza.
— Isso, também — Eve concordou.
— Fico contente. Por um minuto, cheguei a pensar que
estava
arrumando uma empregada de tempo integral, em vez de uma esposa. —
Dessa vez, a raiva era evidente em sua voz.
— Eu... eu não estou entendendo.
— Sua tola! Só existe uma razão pela qual eu a pedi em casamento: eu a
amo e não quero viver sem você! — Luck falou com aspereza.
— Mas Toby...
— Eu não fiz um trabalho tão ruim assim, criando Toby sozinho. E se ele
se arranjou muito bem sem mãe até agora, pode continuar desse jeito o resto
da vida. Acredite em mim, Eve! Eu fico contente por vo cês gostarem um
do outro, mas estou apaixonado por você e não ligaria a mínima se Toby a
odiasse!
— Mas eu pensei...
Eve tentou novamente falar sobre o que tinha pensado, mas foi
interrompida mais uma vez por Luck:
— Quanto a cozinhar e limpar, eu poderia ter contratado uma
empregada para isso. Eu sei que você não fez perguntas sobre a minha
situação financeira, mas eu poderia bem arcar com esta despesa, se quisesse.
— Você admitiu que se sentia sozinho — ela aproveitou para dizer
depressa, quando ele fez uma pausa. — "Naquela noite, do lado de fora do bar,
você admitiu que sua casa era um lugar solitário!
— E verdade — Luck reconheceu, — Mas, Eve, um homem pode viver
na mesma casa com uma centena de mulheres e se sentir solitário, se nenhuma
delas for a companheira certa para çle.
— Por favor, Luck... — Eve virou a cabeça para o outro lado, com medo
de ser convencida por ele. — Eu sei o quanto você amou a sua primeira
esposa.
— Eu amei Lisa — Luck disse, acentuando as palavras —, mas isso foi
no passado, Eve. Eu realmente amei minha esposa, mas agora é você que eu
amo. É completamente diferente!
— Eu sei que é — ela murmurou, sentindo uma dor aguda no coração.
— Sabe mesmo? — Luck soltou um profundo suspiro, antes de
estender as mãos e segurar Eve pelos ombros, forçando -a a se virar para ele.
— Eu amei Lisa como um rapaz ama. Mas não sou mais a mesma pessoa. Eu
mudei. Amadureci. Eu agora sou um homem adulto, e quero e amo você como

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só um homem pode querer e amar uma mulher: com loucura, de um modo


profundo e total!
— Luck! — Ela prendeu a respiração, começando a acreditar que seu
sonho mais caro havia de fato se tornado realidade.
— Venha cá. — Sorrindo, ele a puxou para junto de si. — Quero provar
meus sentimentos a você.
Eve não teve tempo para pronunciar uma só palavra de protesto, pois os
lábios de Luck se apossaram dos seus com amor e desejo. Depois, abandonou -
se nos braços do homem que a amava.

FIM

Livros Florzinha - 83 -

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