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E o melhor de tudo é que teve um final feliz... Eu o encontrei sã e salvo.

— Na verdade, foi uma grande aventura para mim também, papai. Sei que vocês vão se
espantar com o que vou dizer especialmente Hunter, mas não lamento nada do que
aconteceu. Aprendi muitas técnicas de sobrevivência. — Nunew corou, pensando nas
outras técnicas que também aprendeu.

Pa fingiu não perceber o embaraço do filho.

— Hunter não veio porque a mãe dele está doente. Mas independente disso, ele
relutou, sabe? — Pa refletiu por alguns segundos antes de continuar: — Ele não
disse nada, mas eu percebi que ele temia sua reação ao vê-lo saindo à sua procura.
Ele tem medo de você, Nunew?

Nunew riu.

— Muitos homens têm medo de outros independentes e bem-sucedidos profissionalmente.

— Muitos, meu menino, mas não todos. — Ele piscou para a filha. — O Super-homem não
me parece do tipo que se intimida facilmente.

— E não é mesmo! — Ele baixou o tom de voz. — Além de sexista e preconceituoso, ele
é teimoso!

Zee entrou na sala e encontrou pai e filho rindo.

— Com licença — ele disse, exibindo cinco belos peixes. Pa não acreditava no que
via.

— Walleyes! — ele exclamou com satisfação. — Eu não como esse tipo de peixe desde
que era criança!

— Então, aproveite hoje! Vou limpá-los e assá-los na lareira — Zee avisou. — Não
demoro.

— Mal posso esperar — Pa admitiu.

— Precisa de ajuda? — Nunew ofereceu-se.

— Não, obrigado. Fiquem à vontade.

— Imagine que comemos faisão em nosso almoço de Natal — Nunew contou. — Eu lambi os
dedos, papai. Não sobrou nada.

Zee olhou para Pa.

— Nunew cozinha muito bem. Foi ele quem depenou, limpou, temperou e assou o faisão!

Pa soltou uma gargalhada.

— Você deve ter frequentado o curso de Hunter sobre como liberar seu lado de
esposo, minha filho. — ele brincou.

Zee achou graça. Nunew não.

— Por que não mostra a casa ao seu pai enquanto preparo os peixes? — Zee sugeriu a
Nunew.

— É uma boa ideia. — Ele se levantou e estendeu a mão ao pai. — Vamos?


Pa deliciou-se com o almoço. Zee sentou-se e comeu também. Nunew espantou-se com o
apetite dele. Ele não conseguiria comer mais nada até o dia seguinte!

— Até onde você veio de carro? — Zee perguntou.

— Até o posto da Polícia Rodoviária. Os policiais foram muito prestativos.

Verificaram todos os boletins de acidentes nesta área e também entraram em contato


com o Departamento de Estradas e Rodagens para saber quais rodovias já estavam
liberadas. Não há muitos moradores na região do lago nesta época do ano, então, a
limpeza das estradas privilegia áreas mais povoadas.

— Quanto tempo você demorou do posto até aqui?

— Quase duas horas — Pa informou. — O snowmobile atolou em uma poça de neve, e eu


perdi mais de meia hora para tirá-lo dela.

— Assim que eu efetivar a compra da casa, vou providenciar uma serra elétrica e uma
lâmina de retirar neve para colocar na frente da minha caminhonete — Zee decidiu.

— Bem pensado — Pa concordou, levantando-se. — Bem, eu detesto comer e ir embora,


mas é melhor nos apressarmos, Nunew. Temos uma hora até o posto rodoviário e mais
três horas de Ludington até Grand Rapids.

— Eu não tenho roupa! — Nunew lembrou. — Meu casaco de pele está no fundo do lago e
meu tailleur está irreconhecível.

— Leve meu casaco — Zee ofereceu. — Eu não vou a lugar algum até amanhã. Estou sem
gasolina.

— Faça isso, Pa. Deixaremos seu casaco no posto rodoviário — Pa propôs. — E


deixarei gasolina suficiente para você ir até lá amanhã cedo.

Uma ruga de preocupação surgiu na fronte de Zee ao entregar o casaco a Nunew.

— Suas pernas ficarão congeladas no snowmobile.

— Vou amarrar toalhas nelas e levar uma das mantas.

Pa vestiu a roupa do snowmobile e calçou as botas.

— Não esqueça minha bolsa e a pasta — Nunew pediu ao pai.

— Elas caberão no compartimento sob o banco depois que eu tirar o galão de


gasolina. Vou completar o tanque do snowmobile e você ficará com o restante, Zee. —
Pa estendeu a mão e Zee apertou-a. — Não sei como agradecer o que fez pelo meu
filho. Todos pensam que Nunew sabe cuidar de si mesmo, mas seu velho pai sabe das
coisas. Ele ainda é um menininho.

— Papai...

Ele se afastou rindo, deixando Zee e Nunew sozinhos na sala.

Eles se olharam.

A sofisticação de Nunew havia desaparecido com o tailleur Alfred Sung. Ele


devolvera a camisa azul e vestira o casaco de couro. Parecia uma criança assustada
toda enrolada nas toalhas e na manta.
Zee fez menção de tirar o cinto.

— Por que não veste meu jeans...

Nunew levantou a mão, detendo-o.

— De jeito nenhum! Fique você com a calça, Super-homem. — Ele tentou manter a voz
firme, mas o queixo tremeu.

Zee viu, assim como viu o brilho das lágrimas nos olhos dele.

— E um pouco tarde para isso, Nhu.

Ele começou a rir. O riso deteria as lágrimas. Queria que ele pedisse novamente
para ficar. Se as coisas fossem diferentes, ele pensou. Se eles não fossem tão
diferentes...

— Entregarei sua oferta amanhã cedo e entrarei em contato assim que tiver uma
resposta.

Zee concordou com um gesto de cabeça e acompanhou-a até a porta. Antes de subir no
snowmobile, Nunew voltou-se e acenou em despedida.

— Este foi o melhor Natal da minha vida! — ele gritou impulsivamente.

Com as mãos em concha, Zee respondeu, mas Nunew não o ouviu. O ruído do snowmobile
abafou as palavras dele.

— Segure-se — Pa ordenou. — A viagem será divertida!

Nunew sorriu e enlaçou o pai pela cintura. O gesto protegeu-o do vento e do frio e
fez com que percebesse como se sentia segura com o pai no controle da situação. Pa
era um homem corajoso, e pela família seria capaz de fazer loucuras!

Tentou não pensar em Zee, pois de nada adiantaria desejar o que não podia ter.

Ele vivera dias de sonho, mas já era hora de deixar a fantasia para trás e encarar
a realidade. E a realidade tinha o nome de Hunter.

De repente, o homem sensível e compreensivo que ele tanto admirava parecia ter
perdido o encanto. O que faria com tanta compreensão e sensibilidade se não o
amava?

Estavam namorando havia quase um ano, e, no entanto, ele nunca havia vivido com
Hunter o que tivera em apenas três dias com Zee!

Nunew fechou os olhos. Desconfiava que estivesse em apuros!

O rendimento do snowmobile foi melhor na viagem de volta. O sol desaparecera cedo e


já começava a escurecer. Por conta da queda de temperatura, a neve não estava mais
derretendo, e havia uma fina camada de gelo na superfície, o que favorecia o
desempenho do veículo.

Em menos de uma hora, eles chegaram ao posto da Polícia Rodoviária. Nunew recusou-
se a entrar.

— É Natal, não halloween — ele argumentou. Pa entendeu e não insistiu.


— Corra para a van e espere-me lá. Tire o casaco de Zee e vista minha roupa do
snowmobile. Ligue o ar-condicionado. Você ficará aquecida até chegarmos em casa.

Pa abriu a porta da van para Nunew e ajudou-o a subir.

— Vou ligar para sua mãe — disse Pa. — Tem certeza de que não quer entrar e falar
com ela? Os policiais não tiveram um minuto de descontração neste Natal... Eles
precisam rir um pouco! Nunew torceu o nariz.

— Engraçadinho! — Naquele momento, elegância era o que menos contava para ele, mas
jamais permitiria que um batalhão de policiais a visse de cueca vermelha!

— Diga à mamãe que eu a amo e peça-lhe para avisar Hunter. Ao tirar o casaco de
Zee, experimentou uma sensação de perda, não só do calor da pele de carneiro, mas
perda de segurança e de alguma coisa mais, como se fosse um elo invisível que os
mantinha unidos.

Pa pegou o casaco e entrou no posto rodoviário.

Minutos depois, voltou, engatou o trailer com o snowmobile e entrou na van,


interrompendo os pensamentos de Nunew.

— Para casa! — ele exclamou.

— Falou com a mamãe? — ela perguntou, forçando um sorriso.

— Falei. Ela ficou aliviada ao saber que estamos bem. Imagine, ela preocupada
comigo! Que bobagem!

Nunew juraria que o pai estava vibrando com a preocupação da mulher.

— Ela me obrigou a prometer que dirigiria devagar. Eu a preveni para não nos
esperar antes da nove — ele continuou.

— Pediu para ela avisar Hunter?

— Claro. Ela vai convidá-lo para comemorar o Natal conosco amanhã.

— Que bom!

Durante o trajeto, eles cantaram músicas de Natal. Nunew surpreendeu-se pelo pai
conhecer paródias irreverentes e maliciosas de canções natalinas e de outras
músicas populares.

Quando, finalmente, chegaram à rua em que moravam, viram que Ma acendera as luzes
decorativas.

— Pobre mamãe... ela teve um Natal solitário.

Pa olhou para aquele pisca-pisca de luzes coloridas e desligou o motor do carro.

— Ma sempre será o meu farol. — ele murmurou com emoção na voz.

Na memória de Nunew brilhou a lembrança dos pais beijando-se sob o pinheiro de


Natal. Foi uma imagem fraca, distante, efêmera como um sonho.

— Você ainda está apaixonado, mesmo depois de todos estes anos.

— Apaixonadíssimo. — Os olhos de Pa brilharam ao ver a esposa abrir a porta e


descer correndo os degraus para recebê-los.

— Graças a Deus, vocês chegaram! — Ma exclamou, abraçando os dois ao mesmo tempo. —


Você está bem, filhinho?

— Foi um susto e tanto, mamãe.

— Vamos entrando. Chega de friagem. — Ma olhou para as roupas de Nunew. — Céus, o


que aconteceu com suas roupas?

— É uma longa história, mamãe — ele respondeu, entrando em casa.

Depois de conversar rapidamente com a mãe, Nunew telefonou para Hunter.

— Tudo bem, Hunter? Sinto muito por tudo que aconteceu. Minha mãe já deve ter
explicado, não? Levei um cliente para ver uma propriedade no lago e ficamos retidos
por conta da nevasca.

— Nunew, você não precisa me pedir desculpas. Essas coisas acontecem. Eu entendi,
assim como você teria entendido se estivesse em casa para ver que faltei ao nosso
encontro.

Ele também faltara ao compromisso! Nunew sentiu-se menos culpado.

— Eu sabia que havia uma explicação lógica para sua ausência, e até comentei com
seu pai sobre isso — Hunter continuou. — E tinha certeza de que, onde quer que
estivesse, você estaria perfeitamente bem.

"Mas eu não estava bem." Nunew suspirou, tentando sufocar a decepção.

— As coisas acontecem sempre para melhor. — Hunter parecia mais preocupado em


justificar a atitude dele do que em saber o que realmente acontecera com Nunew. —
Minha mãe precisava de companhia no Natal. É triste ser viúva. Bem, querido, vamos
comemorar nosso Natal amanhã. Sua mãe me convidou.

— Será ótimo, Hunter. Espero que não neve mais. Dirija com cuidado. Até amanhã.

— Boa noite, Nunew. Não vejo a hora de vê-lo abrindo seu presente.

Nunew desligou e continuou com a mão no telefone. Realmente Hunter era o homem mais
compreensivo do mundo, jamais faria uma cena de ciúme. Era um homem maduro.

Pa entrou na sala e chamou-a para jantar.

Ma preparara sanduíches de peru e chocolate quente. Nunew deliciou-se com o pão


caseiro e o bolo de Natal recheado com passas ao rum, enquanto contava à mãe a
incrível aventura que ele vivera durante três dias.

Ao final da conversa, ele perguntou:

— Posso ficar aqui esta noite?

— E precisa perguntar? — Ma apertou a mão do filho. O sorriso largo revelava a


alegria de ter seu bebê em casa novamente.

— Estou precisando muito de um banho quente.

Ma ergueu as sobrancelhas.
— Vocês não tinham água para o banho?

— Tínhamos, mas não era quente. Tivemos que tomar banho frio. Banhos rapidíssimos!

— Vou pegar um roupão e chinelos. — Ma subiu a escada correndo. Nunew seguiu-a, mas
estava cansado demais para correr.

Quando Ma voltou à sala, abraçou Pa.

— Obrigada por ter ido tão longe para trazer nosso filho.

Pa afagou-lhe os cabelos.

— Você devia ter visto esse tal de Zee Pruk com quem ele passou os três dias. Alto,
musculoso, ombros largos... Um tanto rude, um verdadeiro brutamontes. O oposto de
Hunter. — Ele riu. — Nunew apelidou-o de Super-homem. Bem, você ouviu o que ele
disse.

— O quê?

— Que eles tomaram banhos frios!

— Ora! — Ma deu-lhe um soco.

— E sabe o que mais? — Pa insistiu.

— O quê?

— Nossa filho disse que foi o melhor Natal da vida dele!

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