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A mais bela de todas

Capítulo I – O dia

Ela estava sozinha em seu salão, olhando para o seu


reflexo no espelho – que a encarava de volta com bastante
apreensão. Pensava na vida, afinal, quem no mundo não parou
um momento para questionar sua vida? A ansiedade dominava
seu coração. Mas de onde vinha tudo aquilo? Casada, mãe de
duas filhas, Jéssica vivia uma fase deslumbrante, um homem
que a amava, líder na igreja, onde falava com entusiasmo,
ensinava, aconselhava, dava dicas de como viver uma vida
feliz, porém naquele dia algo estava diferente dentro dela.
Ela deveria estar feliz, mas havia alguma coisa naquele
espelho que a invadia com um terrível sentimento que ela não
conseguia explicar. Olhar distante, pensamentos vagos. Pegou
uma vassoura pra tirar pequenos fragmentos de cabelo que
ainda permaneciam imóveis naquele chão. Cabelos negros,
loiros, lisos, crespos, cada um contava uma história. Olhando
despretensiosamente para aqueles fios, escorou o queixo
sobre o cabo da vassoura e pensou: se esses fios pudessem
contar a história de suas donas, o que contariam? São
felizes? Quem preenche seus corações? Quais são seus sonhos?
Ficou ali detida por alguns fragmentos de tempo que nem se
sabe quanto tempo durou. Pegou o secador para pôr no lugar
correto e olhando no espelho, ligou-o, levou em direção aos
seus cabelos, aquele ar quente e forte jogou aqueles negros
e lisos cabelos para cima, para os lados e olhando sua imagem
no espelho, seus cabelos esvoaçando, sentiu pela primeira
vez uma sensação de liberdade. Como seria bom correr de
encontro ao vento, cabelos flutuando. Correr pelos campos,
sentindo o cheiro do mato, o doce perfume das flores
invadindo seus sentidos e levando-a para outra dimensão.
Correr. Ser livre. Um leve sorriso apareceu em seu rosto,
deixando se perceber a graciosidade daquele olhar.
Eliana, sua amiga de trabalho, tossiu para anunciar sua
presença e, em seguida, entrou apressada salão a dentro.
Atrasada como sempre, Eliana nem ao menos percebeu que
Jéssica estava presente – apenas de corpo, porém seus
pensamentos vagando para longe daquele salão. Os olhos claros
de Eliana, da cor do céu, brilhavam de contentamento. Ela
resplandecia com uma luz que parecia vir de seu interior,
iluminando-lhe a pele alva e fazendo seus cabelos dourados
como o mel reluzirem.
Jéssica sorriu debilmente quando Eliana a abraçou.
Admirava aquela garota, sua beleza, seu encanto e até sentia
uma pontinha de inveja pela forma como ela levava a vida.
Eliana parecia que não tinha problema, vivia com um sorriso
encantador no rosto. Atendia suas clientes com tamanha
cortesia, contando casos do passado, do presente e ria
despretensiosamente das histórias hilárias que ouvia naquele
salão.
Ali estava uma mulher que aparentava não conhecer a
tristeza, a desilusão amorosa, os conflitos internos, os
questionamentos acerca do certo e errado. Muito menos se
perguntar se era feliz ou não. Jéssica até ousou questionar
internamente se toda aquela alegria de Eliana era realmente
felicidade.
Jéssica examinou-se no espelho outra vez. Aquela
Jéssica do espelho olhando-a de volta, encarava-a como a
perguntar: o que há contigo? Como a dizer: conte-me o que te
aflige. Desviou o olhar por um instante, o espelho a
incomodava com tantas perguntas, como ele poderia saber?
Como ele percebeu o que apenas dentro de mim se manifestava?
Ao voltar o olhar para o espelho, ele continuava lá. Sisudo!
Quem era aquela garota que insistia em te olhar tão
fixamente que a constrangia? Não a reconhecia diante daquela
figura. Que olhos eram aqueles, cor de mel, altivos, tão
belos, mas que naquele dia expressava muito mais sentimentos
que muitas palavras jogadas ao vento. Parece que estou
descrevendo Capitu – Olhos de ressaca. Olhos que arrasta
tudo para dentro de si. Aquele olhar revelava angústia,
talvez uma preocupação ou quem sabe apenas distanciamento.
Percebeu que seu olhar ora tão elogiado pelo brilho, pelos
olhos de esmeralda, agora perdera sua radiação. Jéssica
deixou-se fitar e examinar. Ficou ali a demorar na
contemplação. Caro amigo leitor, aquele salão naquele
instante poderia ser meu confessionário. Confidenciaria
minhas ideias, meus intentos; arrumaria um pretexto para
mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes,
enfiados naquele olhar.
Lembrou-se de quantas vezes fora elogiada pela beleza
daquele rosto, do quanto reconhecia que era atraente, uma
mulher irresistível. Aquele jeito de menina com tantas
atitudes de mulher, agora revelava-se tão frágil. Mulher que
fez muito homem virar menino e voar nas asas da imaginação.
Que deixou marmanjo sem reação, tomado pela paixão. Naquele
dia só queria um colo. Onde estava a Jéssica? Cadê aquela
mulher espetacular? Não a reconhecia na frente daquele
espelho. Difícil até explicar.
Foi despertada daquele torpor por uma notificação do
Instagram. Pegou o celular calmamente, olhou sem muita
empolgação, era a solicitação de um seguidor: aceitar ou
recusar? Não reconhecia quem era. Resolveu abrir o perfil
daquele solicitante e passou serenamente pelas fotos, pelas
postagens até que identificou quem era. Um primo. Distante,
não apenas geograficamente, porque morava em São Paulo, mas
distante na relação. Desculpa leitor se ainda não te contei
de onde ela era – Espera Feliz – MG. Parece trocadilho? Não,
não é.
Um primo que ela nunca havia encontrado, nunca o viu.
Nunca haviam trocado uma palavra sequer. Melhor, nem sabia
de sua existência. Com uma família tão grande, o que é mais
um primo? Um primo a mais ou a menos, que diferença faria?
Solicitação aceita.
Tornou a olhar as postagens, curtiu algumas, apenas –
por cortesia. Nada ali que lhe despertasse alguma
curiosidade, nada relevante, nada de diferente, nenhuma
novidade. Um homem comum como um outro qualquer, sem nenhum
atrativo. Somente um primo que a descobriu por um acaso ou
por sorte do destino – não sei.
- Tudo bem, Jéssica? Indagou Eliana.
- Tudo. Apenas indisposta. Respondeu.
Despertou de seu devaneio para olhar para Eliana, que
olhava o Instagram do outro lado do salão. Apesar de se
recompor, de já haver certa alegria em seus olhos e coração,
Eliana sabia que a pobre criança não estava bem. Devia haver
um vazio dentro da menina, um sentimento inconsolável.
Eliana franziu a testa, sabendo que não havia nada que
pudesse fazer para substituir aquele sentimento por outro
mais animador. Como seria possível que Jéssica que amava a
vida amanhecesse tão borocoxô? E, principalmente, como ela
poderia estar tão tristonha e desanimada, alguém cuja vida
até agora havia sido, na melhor das hipóteses, uma sequência
de conquistas?
Por que nesse dia não enxergava desse jeito? Achava sua
vida medíocre, rodeada por tédio e tristeza.
Quando adolescente namorava sob o olhar vigilante de
sua mãe. A mente da Jéssica divagou ainda mais,
transportando-se para o dia em que conhecera seu namorado na
igreja de seu pai. A reputação de seu pai como exímio pastor
havia se espalhado a tal ponto, e tão respeitado, que se
sentiu no dever de honrar aquele que havia lhe ensinado sobre
a vida, sobre a ética e a moral, sobre o certo e o errado,
entre o desejar e o renunciar da carne. Entre o amor e o
desejo.
A vida não nos espera. O dever nos chama. Quanta
crueldade conosco. Não se pode nem ter um tempo pra revisitar
nossas memórias, não nos dão um tempinho nem pra curtir
nossas melancolias. O dever nos chama.
Uma cliente chega.
Foi logo avisando:
- Preciso estar no melhor de mim, quero uma produção
impecável. Tenho um encontro hoje!
Uhmmmm... fizeram todas ao mesmo tempo.

Capítulo II - Nasce uma conexão

Naquela noite, ele sentou-se em sua sala de estudo, que


também era sua biblioteca, espiando pela janela o céu
salpicado de estrelas. Por que estaria pensando nela naquela
noite? Ele especulou, enquanto olhava para as estrelas,
imaginando como seria sua voz. Ali na escuridão daquele
quarto, percebeu o ritmo de seu coração, batia em compasso
de um bolero. Eram movimentos suaves e lentos, trazendo
sensualidade e romantismo.
Não compreendia o porquê aquela imagem não saía de seu
pensamento. Fechava os olhos, não sabia se era pra querer
esquecer ou para senti-la dentro de si. Sentiu culpa naquele
instante. Como eu pude fixar o rosto da minha prima na minha
alma?
Como conter todo aquele sentimento diferente que
nascera? Não me contive. Abri o Instagram, localizei Jéssica.
Olhava suas postagens com tamanha reverência.
Minuciosamente. Cada foto. Cada detalhe. Cada expressão
corporal. Nada passava indiferente aos meus olhos e a minha
avaliação.
Curtia suas postagens, não – apenas por cortesia. Não!
Não era cortesia. Era devoção.
Diante de mim, abriu-se um diário em que as histórias
eu mesmo contava.
Fotos de todos os tipos. Em família, família que eu
tinha uma vaga lembrança da minha infância. Irmãos. Pais,
que a muito tempo não os via. Filhas. Tão nova, nem parece
que tem filhos. Ministrações na igreja - Quanto talento - eu
pensei.
À medida que passava foto por foto, algo crescia dentro
de mim. Algo de encantador havia naquele olhar. Aqueles olhos
pareciam que me contemplavam. Olhar provocativo. Olhar
sedutor. Não podia mais parar. Aliás, não conseguia mais
parar de admirar tamanha beleza. Estava fascinado com tamanho
magnetismo com ela me prendia. Permanecia imóvel. Somente
meus pensamentos voavam livres pelos submundos dos desejos.
Percebi sua profissão. Fazia jus ao seu trabalho.
Trabalhar com beleza. Fazer com outros se sintam belos.
Cuidar para realçar o que de mais belo há em cada um. Aquela
que era a referência de beleza.
Notei que era canhota. Minha intuição estava certa. Diz
a ciência que canhotos são mais inteligentes. Dizem que os
canhotos são mais criativos e geniais nas suas tarefas e
atividades. Têm também mais dons artísticos na música e em
outras artes e destacam-se muito no desporto sobretudo em
atividades de 1 contra 1, como o boxe, o ténis ou o judô. Em
meu mundo, ela era sensível, pessoas que têm habilidades
para música desenvolvem sensibilidades. Ama com intensidade,
sente mais profundamente o mundo ao seu redor, se integra
com mais ardor. Possui sentidos mais apurados. Pelo menos no
meu subconsciente estava desvendando aquela que me fazia
tarde da noite estar acordado.
- Como é belo seu sorriso – Murmurava.
Não sei se alguém ouviu.
- Que expressão facial maravilhosa.
- Que lábios deliciosos. Lábios carnudos.
Meu pensamento foi pra longe de onde estava.
- Que boca linda, sensual. Boca maliciosa.
Naquela noite revisitei em meus sonhos seus encantos.
O álbum, seu book, sua sessão de fotos, nos mais
diversos modelitos. Cada foto era passada aos meus olhos com
o mais perceptível detalhe, nada passou desapercebido aos
meus sentidos. Ela de calça, torneando seu belo corpo. Ela
de saia, que belas pernas, que coxas grossas, quão lindas.
Ela de vestido. Ela com jeito menina, com estilo adolescente,
com semblante de mulher. Com ar atraente. Com aparência
charmosa. Com aspecto travessa.
Assim era ela: bonita, encantadora, sedutora, devassa,
lasciva, envolvente.
Minha culpa só aumentava. Eu ia acrescendo mais remorso
ao meu crime.
Como pude ter tais pensamentos sobre minha prima? Como
pude deixar que esses desejos invadissem meu ser?
Ela era casada. Vi as fotos dela com seu marido. Em mim
veio uma mistura de sentimentos. Culpa, inveja e ciúmes.
Culpa, por ser casada e minha prima. Que sentimento horrível.
Inveja: aquele desejo ardente de ter o que é do outro. Não
pude me conter ao refletir que alguém tinha o privilégio de
tê-la em seus braços; de se deliciar naqueles lábios; sentir
aquelas mãos macias; o sabor de seus beijos; sentir seu doce
cheiro; de se aquecer em seus abraços; de se envolver em
seus seios; o privilégio de tê-la exclusivamente só pra si,
sentindo seu hálito quente com gosto de framboesa.
Algumas pessoas têm sorte na vida e no amor.
Cobicei ardentemente.
- Perdoa-me, meu Deus!
O ciúme me consumia. Saber que alguém a possuía. Eu
estava em um estado emocional, provocado pela exclusividade
desse sentimento, da dedicação e do cuidado dela com outro.
Me senti um crápula.

Capítulo III – Que surpresa agradável

Nos dias seguintes à descoberta da minha prima, minha


vida foi inundada de luz. Era como se eu tivesse renascido
ou despertado para o mundo dos sentimentos.
Olhava para suas postagens, admirado, dia a pós dia.
Comentava com palavras como: bela, linda, maravilhosa.
Reagia com coração. Beijo. Sempre pensando qual palavra ou
expressão poderia irradiar o que pensava a seu respeito.
- Queria falar com você, queria te perguntar uma coisa.
Recebi sua mensagem.
Aquilo não podia ser real. Será que estava sonhando ou
será que ela mandou a mensagem para a pessoa errada?
Sem pensar duas vezes, respondi que ela poderia
perguntar o que quisesse. Nossas conversas se desenrolaram
em torno de relacionamentos. Falou sobre seu relacionamento,
confidenciou sentimentos. Confidenciei-lhes os meus. Cada
palavra sua era como esculpida em meu coração sua imagem,
suas características. Passei a compreender suas vontades e
seus desejos.
- Primo, como você é encantador, como sua voz é gostosa!
Meu Deus! Como desejei que aquelas palavras fossem
sinceras. Que não fossem apenas um elogio qualquer.
Com o decorrer do tempo, e depois de muitas mensagens,
parecia que ela era tudo o que o eu desejava.
Falamos durante todo aquele dia e trocamos altos papos.
Jéssica era sedutora como só ela sabia ser, a forma de falar,
as palavras certas nos momentos certos, nem sei explicar.
Era alguém que você conversa dois minutos e quando vê, já
está revelando as coisas mais secretas sobre a sua vida.
Minha vida começou a parecer um sonho: iluminada,
etérea, de tirar o fôlego.
E quando ela me disse sobre seu admirador... santo Deus!
Foi um turbilhão de sentimentos. Quem era aquele cara? Quem
era ele pra ousar pôr os olhos na minha garota? Como ele
pôde desejar aquele corpo? Pude pensar em possibilidades.
Aquele olhar penetrante era irresistível.
Dias atrás escrevi um texto em que falava sobre o
proibido é irresistível. Não sei até que ponto isso é
verdade, mas o certo é que ela me é irresistível, ela me é
o fruto proibido.

Alzemir Silva

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