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O Dono do Morro & A Filha do Pastor

Prólogo

"- Não me deixe: eu preciso de você. - A filha do pastor.

- Deixar você seria como me sentenciar a morte. - O dono do morro."

“ Seu amor me salvou... o seu amor me levou ao encontro da redenção em


Deus. "

Allan e Bella: dois mundos completamente opostos. O caminho dos jovens se


cruzam, nascendo um sentimento capaz de romper barreiras. É quando Allan
terá a difícil missão: escolher entre o amor ou a vida em que já se acostumou
a ter. Como fazer essa decisão?
Indecisão: uma simples palavra capaz de corromper a alma. E o remédio, qual
seria? Amor: palavra tão curta, sem sentido, sem razão; não é preciso
procurar palavras para explicar... simplesmente sentir e fazer com que este
sentimento tente esquecer o passado.
Para Allan, a bela Isabella era a chance de uma nova vida. A oportunidade
para se tornar um novo homem, pois se o seu futuro fosse lindo como os
olhos dela, abriria mão de qualquer coisa para estar ao seu lado. Não
importando o preço... pois de que importarão as cicatrizes se forem todas em
nome do amor?

Capítulo 1

Bella analisava seu reflexo no espelho. Seus olhos brilhavam como


esmeraldas e seu cabelo ruivo continha ondulações nas pontas. Vestia um
longo vestido preto adornado por um cinto dourado.

Aquele dia era especial: a primeira vez em que os jovens iniciavam


evangelização em uma comunidade Paulista.

- Está pronta? – Cris, seu irmão mais velho parou no batente da porta.

- Sim. – Sorriu educadamente e pegou sua bolsa.

Minutos depois se juntaram aos outros jovens. Após os cumprimentos,


Isabella ficou ao lado dos seu melhores amigos: Malu e Ryan.
Começaram a subir a rua debaixo de sol forte. O acesso não era muito fácil,
pois possuía muitos buracos. A movimentação intensa chamava a atenção;
motoqueiros subindo e descendo em alta velocidade e pessoas nas calçadas
dançando.

As meninas tinham dificuldades pois a ponta de seus saltos agarravam


constantemente nos buracos, fazendo com que perdessem o equilíbrio.

Os moradores olhavam para aquele grupo com um ponto de interrogação em


seus rostos. Afinal, trajavam roupas alinhadas e tinham um aspecto diferente.

Isabella encarou mais a frente um rapaz sentado na calçada enrolando um


cigarro. Caminhou vagarosamente em sua direção.

- Bom dia! – Disse gentil, no entanto não obteve reciprocidade. Recebeu em


troca um olhar duro. Ele vestia roupas de marca. Não parecia pertencer
àquele lugar. – Você tem família?

- Me deixa em paz garota!!! – O tom dele foi rude.

Ela queria ajudá-lo.


Mas sua frieza acanhou a jovem que tinha boas intenções.

- Tudo bem... – Levantou as mãos em sinal de rendição. – Mas saiba que isso
só irá te afundar cada vez mais.

O jovem contendo os olhos carregados de vermelhidão a encarou.

- O que têm de mais? Só vou dar um teco. – Rebateu.

Bella umedeceu os lábios e meneou a cabeça levemente.

- Esse “ teco” de hoje destrói o teu sonho de amanhã. – Fez menção, ao


seguir caminho.

- Que sonho? – Enxerga em seus olhos tristeza. – E como você poderia me


ajudar?
Com delicadeza, ela se vira e senta ao lado do rapaz.

- A palavra de Deus cura e liberta.

- Que Deus é esse? – Dá de ombros. – Se ele não cura nem as crianças que
morrem de câncer e não as livra do sofrimento, por que faria algo por mim? –
Indagou.

- Estou falando de cura espiritual. Quem somos nós para entender ou


questionar os desígnios de Deus? – Respirou fundo. - Se você quer continuar
nas drogas o problema é seu, mas se quiser se libertar encontrará forças na fé.
Entregue tua vida ao Senhor e Ele tudo fará!

Roger pega de seu bolso um pacotinho cheio de pó. Abana no ar para a jovem
ver.

- Minha vida é um fracasso!!! – Balança a cabeça. – Não conseguiria viver


sem isso.

- Deus reescreve histórias. – Retira de sua bolsa um panfleto. – Aqui tem o


endereço de nossa igreja, se um dia se sentir confortável para se achegar não
se acanhe: estaremos lá para o ajudar.
Se despede do rapaz e continua a subir o morro.

Pelo caminho encontra algumas pessoas. Algumas abertas para suas palavras,
e outras fechadas olhando para ela com tédio.

Uma senhora simpática lhe ofereceu água, e Bella aceitou de bom grado.

- Obrigada! – Entregou o copo.


- Tome cuidado menina. – Aconselha. – Não é bom andar por aqui sozinha.

Bella era tão distraída que nem notou que tinha se perdido do restante dos
jovens.

- Pode deixar. Foi um prazer dona Joana. – Educadamente se afastou.

Pelo horário constatou que todos deveriam estar esperando por ela. Começou
a fazer o caminho de volta.

Ao chegar no meio do morro, avistou um rapaz alto e bem forte com uma
metralhadora em mãos.

Cautelosamente, tentou passar por ele com a cabeça baixa. No entanto, ele se
colocou a sua frente impedindo que prosseguisse.

- Que filé!! – Mordeu os lábios analisando a ruivinha.

Ela o encara, tentando esconder seu desagrado com o olhar nada contido dele
em sua direção.

- Licença, por favor! – Pediu suavemente.

Ele segurou o rosto dela, causando tremor no seu corpo. – E se eu não quiser?
– Ergueu uma sobrancelha.

- Me solta!! – Pediu encolhendo os ombros.


- O que tu faz aqui no meu morro dama? – Pergunta.

- Evangelizando. – Observa os olhos azuis do rapaz, que pareciam um


profundo e enigmático oceano.

- Se liga na fita mina, melhor tu pegar o beco.- Se afasta dela. Pensou que era
mais uma patricinha em busca de aventuras na comunidade. Se frustrou ao
entender que não.

Bella torceu os lábios e esboçou uma expressão confusa.

- Pegar o quê?

- Te acompanho até a saída. – Bufou revirando os olhos. – Sou Allan Stuart,


dono disso aqui; e você?

- Isabella Lira. – Cruzou os braços e desceu ao lado do manda chuva da


comunidade.

Os moradores cochichavam, ao verem Allan acompanhando a jovem


riquinha.

- Não sente pena dessas pessoas ? – A jovem ousada perguntou, apontando


para alguns drogados em situação deplorável.

- Deveria ter? Eu só luto pra ter uma vida melhor, tá ligada?

- Não sou tomada para ser ligada. - Revirou os olhos. - Uma vida melhor ao
custo da vida dos outros? - Perguntou mesmo sabendo que estava ao lado de
um traficante, o "tal" dono do morro e que naquele momento estava
carregando uma metralhadora.

Só poderia ser uma louca desvairada. Mas não conseguia se conter.


- Qual é a tua garota? – Disse irritado - Essa é minha vida, minha realidade. É
assim que ganho a vida.

- O que vocês fazem: é desumano. – Dispara e apressa o passo, no entanto,


ele a alcança.

- Olha aqui... - Segura seu braço – Como ousa...

- Não aguenta ouvir verdades ou acha lindo ajudar a alimentar o vicio dessas
pessoas? – O afronta. - Não pensa em suas famílias e no sofrimento delas?
Matam muitas vezes por causa de um mísero real! Isso é desumano sim.

Ele aperta o braço dela, olhando-a furioso. Sua vontade era socar aquele
rostinho lindo, porém petulante.
- Tá ligada que não me custa nada apontar isso aqui na tua cabeça e apertar o
gatilho? – Sacode a garota. - Vaza daqui antes que eu te pipoque toda.

“ Eu não sou pipoca.” – Pensou enquanto corria desajeitada.

Se sentiu aliviada ao ver rostos conhecidos.

Era apaziguador retornar para casa.

Ela precisava relaxar. Havia passado por fortes emoções. Não era todo dia
que afrontava um criminoso armado. Entrou na banheira repleta de sais.
Enquanto soprava as espumas, seu pensamento vagou para “ o dono do
morro”. Em como estupidamente o desafiou. Mas o que realmente
incomodava a jovem: era não conseguir tirar os olhos dele de sua mente.
Nunca tinha trocado olhares farpados de modo tão intenso como naquele dia.

Capítulo 2

A semana se iniciava. E como a maior parte dela, Bella chegava na cozinha


extremamente desanimada.

- Bom dia! – O irmão a encara sorridente.

“ Como alguém podia sorrir tão cedo?” – Se perguntava.

- Bom dia. - O mau humor dela era visível.

Pegou a tigela e seu cereal favorito.

- Nada simpática você. – Brinca acostumado com o jeito estranho da irmã


pela manhã.

- Acordo cedo ou sou simpática, porque os dois na mesma frase: não rola. –
Derrama o leite no copo e depois o cereal.

- Calma Isabella, falta pouco... É o último ano. – Sabia que a secura dela era
acarretada pelos infortúnios que sofria na escola. O que tirava o brilho da
caçula.
- Será que um dia vou deixar de parecer uma extraterrestre? - Todos olhavam
para ela como se fosse diferente dos demais; apenas uma menina esquisita
com valores esquecidos na sociedade. - E tem mais... como podem querer que
adolescentes como eu sejam estudiosos e com um bom raciocínio se nos
obrigam a levantar de madrugada, quando a mente só acorda lá pelas dez.

- Não ligue para isso. - Beija a bochecha da irmã. - Quem perde são eles:
você é incrível. - Começa a rir. - Madrugada? Só se for em Marte.

Como era rotina, o irmão a deixou na escola e fez o costumeiro trajeto para o
trabalho.

O dia passou monótono. Entre aulas, implicâncias e muito tédio.

Antes de acabar o horário escolar, recebeu a seguinte mensagem de Cris: “


Hoje não vou conseguir te buscar. Foi mal! “
A jovem tinha seu lugar reservado na primeira fileira da sala de aula.

- Santinha... – Patrícia, conhecida como Paty parou frente a sua mesa,


encarando-a com desdém. Nutria inveja e ódio gratuito por Bella. - Os
deveres tão caprichados, seria uma pena eu passar e sem querer derrubar meu
suco em cima de tudo. - Vira o copo e molha todo o caderno. – Ops...
desculpa. – Sorriu sínica.

- Qual é o seu problema comigo garota? – Bella sentiu o sangue borbulhar de


raiva.

- Estressou queridinha? Vai contar ao papai Deus. – Zombou.


- O que está acontecendo aqui? - O inspetor Mauricio se aproxima sério.

- Eu acabei derrubando meu suco nas coisas dela. – Paty se faz de inocente.

- Foi isso mesmo que aconteceu Isabella? – A encara desconfiado enquanto


Paty e sua corja fuzilam Bella com os olhos.

- Foi de propósito. – Responde ao inspetor.

- É menti...

- Patrícia Albuquerque na diretoria agora! - Diz irritado.

- Isso não vai ficar assim. - Afirma e segue o inspetor.

Os olhos da ruiva se enchem de lágrimas, mas faz questão de segurar o choro.


A professora de Física entra na sala e começa passar a revisão para a prova.

- Toma! – Luana, que senta ao lado, oferece algumas folhas de seu fichário.

- Obrigada!

- Se precisar de mais é só pedir. - Diz tímida como sempre.

Depois de quase três aulas se passarem, Paty entra na sala acompanhada do


diretor e arruma suas coisas, mas antes de sair manda um olhar de : " Eu vou
me vingar".
Isabella passa o intervalo sozinha, ouvindo música e em seu mundo paralelo
afastada de todo o tumulto. A música era uma forma de escape, parecia a
levar para outra esfera.
Entediada, assistia às últimas aulas. Preguiçosa? Sinceramente: um pouco.
Mas se justificava com o tal pensamento: Adolescentes bombardeados por
idealizações e pressões, aprendiam muitas coisas que não iriam usar no
futuro.

O sinal tocava, alertando para o término do dia de aula. Bella pega as


matérias com Luana, porque o seu caderno fora molhado.

Caminha sem pressa até o centro da cidade com a intenção de comprar um


novo caderno. Tem a leve impressão de estar sendo seguida. Não deu muita
atenção: poderia ser apenas uma paranoia. Afinal, assistia muitas séries de
suspense e perseguições.
Entrou na extensa papelaria e procurou o caderno de quinze matérias. Gostou
de um específico: notas musicais estampadas na capa. Todo detalhado e
delicado.

- 29,90 $ - Diz a moça do caixa.

Já estava acostumada com o preço exagerado de certas coisas. Se um estojo


custava vinte, imagine um caderno.

Após comprar o material, foi em direção a estação. A jovem desatenta não


havia conferido o dinheiro que tinha ao certo. Por descuido, percebeu que não
teria a passagem para o metrô. Sem querer incomodar seus pais e o irmão,
resolveu ir a pé.
Caminhava na mesma medida que o sol tocava sua pele, formando gotículas
de suor.
Uma sensação estranha a fez apressar o passo.
- Não precisa correr santinha. – Ouve a voz de Dylan, irmão de Paty, e mais
dois garotos da escola.

Ela tenta fugir, no entanto, não conseguiu ser mais veloz que eles.

- Não precisa ter medo gatinha. - Iago sorri malicioso, segurando-a


fortemente.

- O que vocês querem? – Sussurrou temerosa.

- Deixa eu pensar... - Enquanto Iago a segurava; Dylan se aproxima olhando


a jovem de cima a baixo - Até que você não é de se jogar fora... - Morde os
lábios.

- Por favor... me deixa ir embora – Suplica.

Puxaram-na para uma rua estreita. Ficou desesperada ao constatar o quanto o


lugar era deserto.

- Quem vai primeiro? - Dylan pergunta sorrindo.

- Não, por favor!! – Grita.

- Cala a boca! - A empurra fazendo com que caia no chão.

A jovem sente suas forças se esgotarem.

Dylan fica em cima da jovem e começa a colocar a mão debaixo de sua blusa.
Isabella Lira se debate sem sucesso: sente uma fraqueza imensa, a ponto de
desmaiar pela pancada que teve na cabeça. Com a vista embaçada, notou
quando Dylan foi puxado de cima dela e homens começaram a bater nele e
nos outros dois.

- Uma próxima e vocês serão mortos. – Disparou uma voz carregada de


rouquidão.

Mãos fortes a pegaram. Pôde sentir seu corpo aninhado. Estava fraca demais
para dizer algo ou tentar ver o rosto de quem lhe carregava; acabou deixando
seus olhos se fecharem cedendo todo o peso das pálpebras.

??

Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado quando finalmente


recobrou a consciência. Deu um pulo assustada ao observar o cômodo
desconhecido. O sobressalto fez sua cabeça latejar de dor.
O quarto é grande e tem o cheiro maravilhoso de um perfume amadeirado.
Prende a atenção no relógio que se encontra em uma mesinha ao lado e marca
três horas da tarde.

- A bela adormecida acordou. - A porta é aberta.

Os olhares deles se cruzam. Sem sua permissão o coração bate


freneticamente. Os olhos tão azuis do rapaz a analisam por completo. Que
efeito era esse que " O dono do morro" causava na filha do pastor ?

- Onde estou? - Indagou confusa.

- Na minha casa. – Allan se assenta na cama. - Como você está?


- Com dor na cabeça. - Baixou o olhar - Foi você que me salvou daqueles
garotos?

- Eu e meu parça. – Responde. - Vou pegar um analgésico para você. - Sai do


quarto e minutos depois volta com uma bandeja contendo macarrão e suco
que parecia ser de laranja. Ao lado um copo de água e uma cartela de
remédios.

- Obrigada! – Sussurra. - Não posso nem pensar... o que teria acontecido se


você... - Lágrimas começam a rolar pelo seu rosto.

- Fica sussa. - Lhe entrega o copo com água e o comprimido – Deve estar
com fome, espero que coma macarrão sem frescuras.
Com um sorriso fraco toma o remédio e aos poucos saboreia o macarrão.

- Está uma delicia. Obrigada! – Dá um gole no suco.

- Tu conhece aqueles moleques?

- São da minha escola. – Suspira.

- E porque estavam fazendo aquilo com você?

- Porque não gostam de mim.

- E por quê? - Diz sério.

- Porque sou filha de pastor e não sou como as outras meninas de lá. – O
encara.

- Mano vai para boca que horas? - Um jovem aparentando ter uns vinte anos
entrou no quarto.

- Mais tarde Repolho.

- E aí mina está bem? – A encara.

- Sim, obrigada!

Ela já se sentia melhor. Allan a guiou até o carro para levá-la para casa.

- Aqui é sempre assim? – Quebrou o silêncio que estava instalado há alguns


minutos.

- Como? – A fita de soslaio.

- Movimentado, som alto...

- Sempre. - Responde de uma forma transparecendo não querer assunto.


O restante do trajeto é pesado. Uma cortina de silêncio fora estendida entre os
dois.

- Não ande por aquelas ruas novamente, nem sempre terá alguém por perto. –
Estaciona o carro em frente a casa de Bella.

- Eu não vou. – Afirma. - Muito obrigada pelo que fez por mim hoje.
Se olham por alguns instantes. Ele desvia suspirando.

- Tchau! - Tira o cinto e sai do carro.

- Boa noite filha do pastor. - Sorri de lado.

- Boa noite dono do morro!

Bella entra em casa e como esperava não havia chegado ninguém. Tomou um
banho demorado, logo após colocou uma roupa confortável e começou a
passar a matéria para o caderno novo. Ao terminar, se direcionou para o
piano que se encontrava no canto de seu quarto. Com delicadeza deslizou os
dedos pelas teclas e começou a cantar suavemente.

- Linda essa canção! – O pai a observava orgulhoso.

- É sim. - Se levanta e o abraça.

- Vim te chamar para um rodízio de Pizza, o que acha?

- Ótima ideia!
A família se deslocou para uma pizzaria que ficava no bairro. A noite estava
agradável, a lua dava seu belo show no céu estrelado.
Horas depois retornaram para a casa.

- Vou dormir, amanhã tenho que ir numa cidade vizinha cedo. – Cris esfrega
os olhos sonolento.
- E a minha carona? - O encara.

- Infelizmente não vai dar para te levar e nem buscar pirralha.

- Então eu não vou na aula amanhã. – Baixou a cabeça.

- O que foi querida? – A mãe afaga o cabelo da jovem.

- Eu não quero ir naquela escola. - As lágrimas começam a descer na mesma


medida que relembra o que aconteceu.

- É seu último ano. - O irmão se inclina a sua frente - O que foi agora?

Ela revela o ocorrido, deixando-os pasmos.


- Por quê não disse isso antes filha? – É abraçada pela mãe.

- Bella, não chore. – Cris se mostra irritado - Não acredito que eles tiveram a
coragem de tocar em você ;se eu ver esses caras...

- Não vai fazer nada. - O pai se manifesta. – Filha, vamos dar um jeito nisso,
eles não vão mexer com você novamente. Eu prometo. Confia em mim?

- Confio. – Deita a cabeça em seu ombro.

- E não quero você perto desse traficante. – Isaque ordena firmemente.

- Mas ele me ajudou. – Contrapõe.


- De qualquer forma quero você longe dele, entendeu?

Bella sente seu coração apertar. Respirou fundo e balançou a cabeça em


concordância.
Minutos depois se dirige ao seu quarto. Assim que se deita seus pensamentos
viajam até Allan.

- O que está acontecendo comigo? – Pensa alto.

Sem o seu consentimento " O dono do morro " entrou em sua mente e não
saiu mais.

Capítulo 3

Na favela existe uma frase que diz: “ Pra viver aqui tem que ser lobo, porque
aquele que te abraça é o mesmo que te apunhala.”
Allan não teve uma infância como as outras crianças: seus brinquedos eram
armas. Assumiu o comando do morro aos dezessete anos, após o pai ser
baleado em uma invasão e falecer.

Sua vida se resumia a perigo: um dia após o outro, curtindo a vida da melhor
forma possível.

Depois de deixar a filha do pastor em casa, retornou para o morro. Tomou um


longo banho e depois vestiu a calça jeans recém comprada e uma regata preta.
Não economizou no perfume importado. Finalizou o visual com seus
acessórios de ouro.
Desce as escadas e vê a mãe sentada no sofá, assistindo novela;
sorrateiramente se aproxima, assustando-a.
- Onde vai assim tão arrumado? - Franze a testa.

Dona Joana deixa de lado a novela que acompanhava para observar o filho.

- Dá um rolê por ai. – Foi evasivo.

- Sei... – Não escondeu seu desagrado.

- Fica sussa Dona Joana, não precisa me esperar.

Os holofotes era do comandante do morro que chegava no bar. Ofuscando


todos os outros.

- Finalmente você chegou Allan. - Lorena disparou na direção do traficante e


mordeu o lóbulo de sua orelha.

- Saca só Lorena, dá um tempo. - Se afasta dela que faz cara de indignação.

- Essa mina não desgruda de tu mano. – Hulk, seu parça desdenha.

Allan se junta aos amigos e pede uma cerveja. Erick, Repolho, Hulk e Allan
conversam coisas triviais.

- A moreninha ali não tira os olhos de tu chefe. - Repolho dá um soco de leve


no braço de Allan.

- Tudo quenga. – Solta e os amigos gargalham.


- Vai lá mano. - Hulk dá um gole em sua cerveja.

De modo sedutor, o rapaz pisca o olho em direção a morena que dança


sensualizando para Allan.

- É... até amanhã cambada. - Se levanta e vai até a mulher.

O funk soava alto no local. Ele se aproxima da morena segurando em seus


braços, trazendo-a para o lado de fora. Sem rodeios a beija ferozmente.

- Vamos para um lugar mais reservado? – Pergunta contra seus lábios.

- Claro!! – Concordou extasiada.


Allan leva a mulher para o topo do morro. Não trocou palavra alguma com
ela. Não queria saber seu nome, não fazia questão de saber nada sobre ela.
Apenas desejava suprir seus instintos. No entanto, a jovem de cabelos cor de
fogo pairou em seu pensamento. Por um momento acreditou que fosse ela em
seus braços.

- Isabella!! – Sussurrou com os olhos fechados.

- Quem é Isabella? - A morena se afasta ofendida.

??

O dia nascia lindamente. Bella amava contemplar o sol surgir. A brisa leve
que batia em seu rosto pela manhã. Aquilo melhorava seu humor matinal.
Estava apreensiva. Como seria ir para a escola e olhar para aqueles garotos
que lhe fizeram tanto mal?
Acabou de colocar seu uniforme e desceu para o primeiro andar.
Seus pais a levaram para a escola; teriam uma longa conversa com o diretor.

- Vá para sua sala; iremos a diretoria agora. – Isaque lhe abraça.

- Tudo bem. – Se despediu dele e da mãe.


Ao entrar na sala foi olhada escancaradamente pelas amigas de Paty que foi
suspensa por ter derramado suco em seu caderno. Ignorou as meninas e se
sentou.

- Bom dia Luana! – Abriu a mochila para devolver as folhas de fichário da


menina.

- Bom dia. - Sorriu timidamente. - Conseguiu copiar as matérias?

- Sim. Muito obrigada!

As primeiras aulas se passaram. No intervalo não viu Dylan e nem seus


amigos: o que a fez suspirar de alívio.

Após o sinal retornou para a sala.

- Olha aqui. - Mel entra e se achega perto dela apontando o dedo em sua
direção. - Eu não sei o que você fez, mas isso não vai ficar assim. - Diz
rispidamente.

- Isso o que? – A encara entediada.


- Não adianta se fazer de desentendida, por sua culpa o meu namorado e os
amigos dele foram expulsos da escola. - Grita.

- Ótima noticia. Quem sabe assim eles aprendem a respeitar as pessoas. – Dá


de ombros e ela vai para o seu lugar bufando.

??

Já era quase noite quando a jovem chegou a igreja.

- Bella. - Ryan sorriu ao ver a amiga.

Ela o cumprimentou e logo após abraçou Malu. Amava estar ao lado dos
amigos.

- Seu irmão não vai vir? - Malu pergunta. Era nítido que a jovem nutria
sentimentos fortes por Cris.

- Hoje não amiga. Ele ficou muito atarefado com o trabalho.

Ela cumprimenta os outros e vagarosamente sobe ao púlpito com as


tablaturas. Ao poucos sola alguns louvores no piano enquanto a igreja se
enche.
As horas passam e a reunião termina.
Diego, líder dos jovens, chama o grupo para uma conversa.
- O que vocês estão achando da evangelização? – Pergunta ao pessoal.

- Uma benção, é sempre bom pregar a palavra de Deus para as pessoas e acho
que temos aprendido bastante com a vida dessas pessoas tão sofridas. -
Samuel diz sincero.

- Quem mais quer dizer algo? - Diego insiste.

- Na bíblia há uma passagem que diz: "E disse-lhes: Ide por todo o mundo,
pregai o evangelho a toda criatura." – Bella se pronuncia. -Pessoas com
tantos problemas, sofrimentos... usam as drogas como fonte de escape,
precisam saber que há uma salvação para elas; que há alguém que as ama.

- Fico feliz com a dedicação de vocês. - Diego comenta. - E tenho certeza que
Deus se alegra com isso. A evangelização a princípio seria apenas aos
domingos, mas agora terá aos sábados também.

- Você já falou com o chefão do morro? - Ryan pergunta.

- Ele mesmo sugeriu. - Diego diz satisfeito. - Que Deus o abençoe!

??

A semana se passou lentamente. Paty infernizava Bella há todo momento.


Deixava bilhetes do tipo: “ mexeu com a pessoa ERRADA” , “ VOCÊ VAI
ME PAGAR CARO”.
Bella procurava não se abater com os comentários maldosos que ela e suas
amigas faziam. Tentava ao máximo se fazer de demente e não entrar em
discórdias. Era uma luta diária para não deixar a insegurança adentrar seu
coração.
Ela contou os dias e as horas para chegar o bendito sábado. Naquele dia em
especial se arrumava mais do que o costume. Daquela vez não cometeria o
erro de usar salto, optou por uma sandália baixa.

- Que ninguém olhe pra você. - Cris disse ao contemplar a beleza da irmã.

- Não exagere. – Revirou os olhos.

Os jovens se encontraram no lugar marcado. Foram separados em duplas.


Bella e Malu começaram a subir juntas.

- Ainda não me acostumei com esse brucutus armados aí na frente. -


Cochicha Malu.

- Não tem como se acostumar com isso.

De repente o coração de Bella se descompassa.

“ Será que vou vê-lo? O dono dos olhos azuis mais lindos que já vi em toda
minha vida.” - A pergunta martelava em sua mente tirando seu sossego.

Capítulo 4

O som estava mais alto do que o normal. A comunidade extremamente


movimentada naquele dia. Malu e Bella conversavam com as pessoas que
permitiam que elas se aproximassem. Alguns meninos só demonstravam
interesse para tentar seduzir as jovens. Não disfarçavam os olhares sem
pudor.

Isabella observa Roger; o rapaz que parecia ter uma boa condição. Ele estava
com o semblante abatido, sem falar nos olhos arroxeados.

- Eu já volto. – Deixou Malu conversando com uma senhora e se aproximou


do rapaz. - Roger ? – Se assenta ao lado dele.

- Em carne e osso. – Dá de ombros.

- Tentei falar com você essa semana. – Diz cautelosa.

- Eu sei... - Coça os olhos - Não me leve a mal, essa é a vida que eu tenho
escolhido todos os dias e não me vejo preparado pra largar, eu não consigo. -
Parece ser sincero.

- Eu entendo. - Coloca a mão em seu ombro - Mas isso não o impede de


aceitar meu convite de ir ao culto.

- Tudo bem, eu vou pensar nisso. - Se levanta - Agora tenho que ir.

Bella retorna para onde Malu se encontra com uma expressão temerosa.

- O que foi? – Estranhou. – Está ficando pálida!

- Estou com medo - Cochicha no ouvido da amiga.


- Medo? Porquê? – Pergunta confusa. – Aconteceu alguma coisa?

- Tem um cara armado que não tira os olhos de você. – Bela faz menção em
virar-se, no entanto a amiga impede. – Disfarça, por favor! - Repreende.

Disfarçadamente, a jovem escrutina o local onde ela disse que o rapaz estava
observando.

- Não tem ninguém ali. - A puxa. - Deve ter sido impressão, vamos !

Fazia exatamente uma hora que evangelizavam debaixo do sol escaldante.

- Sinto que estou derretendo. – Malu reclama se abanando com uma folha.

- Eu também. – Bella prende os cabelos em um coque frouxo. - Vamos fazer


uma parada? Tomar um suco.

- Ótima ideia.

As jovens entram no pequeno bar que estava lotado por sinal.

- O que vão querer? - Uma senhora simpática pergunta.

- Um suco de laranja. - Malu responde prontamente.

Bella, como uma boa libriana torceu o lábio indecisa.


- Pode me dizer se aqui tem algum banheiro? - Malu pergunta a senhora.

- Tem sim, ali do lado. - Aponta a esquerda.

- Obrigada! - Sorri - Já volto Bella! - Se retira.

- Eu vou querer um guaraná. – Bateu a ponta do dedo levemente no balcão.

A atendente rapidamente colocou a latinha e um canudo no balcão.


Bela começou a beber o refrigerante gelado que descia rasgando pela sua
garganta, quando alguém segurou fortemente seu braço, fazendo-a derrubar o
líquido em sua camiseta branca. Não conseguiu ver o rosto, porque foi
arrastada no meio das pessoas para fora do lugar.
Fora do montinho que havia no bar, ergueu a cabeça e encarou Allan.
Enraivecida passou a mão pela blusa novinha com uma mancha enorme.

- Só podia ser o tosco do "Dono do morro". – Fez aspas ao dizer sem pensar.

- Fica sussa mina. – Sorriu achando graça.


Ela ficava linda braba.

- Olha o que você fez? - Aponta irritada para a blusa molhada.

- Assim dá pra ter uma visão responsa. - Morde o lábio inferior.


Ela respirava fundo tentando encontrar um pingo de paciência que fosse. O
rapaz parecia roubar sua sanidade.
- O que quer? - Trincou a mandíbula, fuzilando-o com os olhos.
- Sobe na moto! - Diz sério apontando para o veículo.

- E porque eu faria isso? - Arqueia a sobrancelha.

- Porque... - Se aproxima dela, ficando perto demais. Ela podia sentir o hálito
quente dele contra sua pele - Eu estou mandando. - Completa.

- Sinto dizer, mas você... - Ele pega Isabella no colo e sem permissão a
coloca sentada na moto. Faz com que ela agarre sua cintura e parte para o alto
do morro com velocidade.

[..]

- Vai continuar com essa tromba? – Lhe guia até uma bela vista. O lugar é
alto demais. Assustada, fecha os olhos. - Que foi ? - Passa a mão em seu
pescoço e chega nos cabelos, soltando os fios presos. - Você é linda!

O coração dela parece querer sair pela boca. Permanece imóvel com os olhos
fechados, enquanto ele se aproxima mais e mais...e cheira o cabelo dela.
Todo corpo da jovem se estremece. Seu impulso foi de se afastar.

- Eu tenho que voltar, minha amiga deve estar preocupada. - Se atrapalha um


pouco com as palavras.

- Não é isso que tu quer. – Allan torna a segurar o rosto da jovem, olhando
diretamente os lábios carnudos e rosados que ansiava tomar para si.

- Você não pode saber o que eu quero. – Bella diz firme.


- Não precisa admitir. Seus olhos denunciam. - Diz rouco. – É notável que
uma grande conexão existe entre nós.

O rosto deles ficam próximos.


A menina trêmula sem pensar acabou dando uma joelhada no meio das
pernas de Allan. Ele se afastou no mesmo segundo com uma expressão de
dor e fúria.

- Desculpa, mas não vi outro jeito de...

- Fuleragem... - Trinca os dentes - Se liga na fita ruivinha, tu me paga.

Sem pensar duas vezes a jovem sai do alto do morro correndo.

[..]

Na entrada da comunidade encontrou Malu e Cris com expressões


preocupadas. Ela corre até eles de forma ofegante e desajeitada.

- Bella. - O irmão a abraça - Onde estava?

- Fiquei preocupada amiga. - Malu a encara seria.

- Eu me distraí. – Dá de ombros.

- Vem com a gente Malu? – Cris pergunta a amiga da irmã.

- Vou sim Cris. – Sorriu.


Bella foi diretamente para o quarto assim que chegou em casa.

- Porque meu Deus? Porque ele não sai da minha mente. – Se pergunta
repetidas vezes.

Eles eram de mundos e convicções diferentes. Depois do banho, ela


vagarosamente desceu as escadas. Reparou o clima agradável que pairava na
sala. Observou o irmão e a melhor amiga; como gostaria que Cris tivesse
sentimentos recíprocos ao de Malu.

A jovem se junta a eles no sofá e juntos assistem filme.

Capítulo 5

A luz do sol adentrava: iluminando o quarto. Bella levantou preguiçosamente


e iniciou sua higiene matinal.
O céu estava límpido. Fazia uma bela manhã de domingo.

- Bom dia. – Entrou na cozinha.

- Diego ligou, a evangelização começa mais cedo e termina quase umas cinco
horas. - Cris avisa assim que vê sua irmã apontar.

- Ok. – Encolheu os ombros desanimada.

- Aconteceu alguma coisa? – O pai perguntou analisando-a.


- Não, só estou com sono ainda. – Omitiu. Sentou-se na mesa, puxando a
caixa de cereal.

- Por um segundo pensei que você tivesse encontrado... – Não completa a


frase. O pai se referia ao criminoso.

- Não encontrei ninguém. – Pôs uma colher cheia da refeição na boca.

- Querida, come devagar. – A mãe repreendeu.

O resto da manhã passou em silêncio. Cada um em seus afazeres.


Bella se arrumava para mais um dia de evangelização. Sentia-se vagamente
desconfortável.

Alguns minutos depois se encontrou com o irmão no estacionamento.

- Você está estranha, tem certeza que não aconteceu nada? – A encara.

- Tenho Cris, só estou cansada hoje. – Forçou um fraco sorriso.

O trajeto até a comunidade foi rápido. Os jovens cumprimentavam uns aos


outros.

- Seu irmão está lindo hoje! - Malu sorria abobada.

- Ele sempre está. – Afirmou divertida.


Malu puxou a amiga para o canto.

- Enquanto você tomava banho ontem, conversamos um pouco. - Encolhe os


ombros. - Ele me vê como uma irmã mais nova. – Sua expressão continha
desapontamento.

- Amiga, pede a Deus uma direção para que você não alimente um
sentimento e depois se machuque. – Isabella aconselha.

- Eu farei isso sim. - Abraçou-a de lado. - O Ryan não vem hoje. – Troca o
assunto.

- Por quê?

- Problemas em casa. – Umedeceu os lábios. – O mesmo problema de


sempre.

- O pai dele aprontou de novo?


Ryan passava situações complicadas em casa. O pai era alcoólatra além de
viver agredindo a esposa.

- Vamos começar então, as mesmas duplas de ontem: pode ser? – Diego


chama a atenção de todos.

Bella e Malu encaravam a rua com preguiça.

- Esse barulho vai furar meus tímpanos. – A ruiva reclamou do som diverso e
exagerado.
- Hoje está demais mesmo. - Malu concordou.

A jovem se sentiu melhor aos poucos, a medida em que falava do amor de


Deus, pôde alcançar a paz interior.

Naquele momento, Allan estava com o pensamento longe. A raiva corroía o


seu ser. Não se conformava como a tal patricinha teve a petulância de rejeita-
lo.

Isabella, aquela petulante me paga, como teve coragem de me rejeitar daquela


forma?!

- No mundo da lua. – Joana dá um leve tapa no ombro do filho.

- Estou indo pra boca, qualquer coisa me liga. - Dá um beijo na bochecha da


mãe e retira-se apressado com a metralhadora em mãos.

No portão, Hulk esperava o rapaz.

- Fala brother!! - Apertou a mão do amigo.


Juntos sobem na moto e em poucos minutos chegam na boca.
No escritório, Allan fiscalizava as remessas.

- Qual foi? – Gritou ao ser interrompido.

Hulk entrou na sala tropeçando nas próprias pernas.

- O jumento da facção rival fez merda e veio parar aqui no morro... – Disse
rapidamente.
- E o que mais? – Perguntou sem paciência.

- Eles estão invadindo o morro. – Responde como se fosse óbvio. – Juntaram


o útil ao agradável. Quer desculpa melhor para afrontar nosso comando?

- Passa o rádio para repolho e Erick. – O comandante da comunidade


levantou e saiu correndo.

No exato momento que saiu da boca: contemplou a dona dos cabelos de fogo.
A jovem que atormentava seus sonhos. Ela estava sorrindo, e ele parou
admirando.

- Bora cara!! - Hulk despertou o amigo do grande transe que havia entrado.

Allan virou-se para o amigo. Com a respiração ofegante pediu algo


inesperado.
- Hulk leva ela para o esconderijo.

- Sério? – Arregalou os olhos desacreditado. – Quer me colocar de babá de


uma patricinha mimada?

- Não questione uma ordem minha. – Se altera.

Sua voz firme e em tom alto fez com que Bella prendesse o seu olhar no dele
por meros segundos antes que o dono do morro saísse em disparada.
Incomodado, Hulk foi na direção da jovem.

- Vem comigo mina. - Hulk segura seus braços.


- Não vou a lugar algum. – Rebate confusa.

- Ordens do chefe, o morro está sendo invadido. – Disse sem humor,


puxando-a morro acima.

Ele a leva ao esconderijo. Um lugar pequeno e escuro.

- Aonde você vai? – Perguntou ao vê-lo abrindo a porta, no entanto não


obteve respostas.
Sozinha naquele lugar, sentou-se no chão frio. Trêmula de medo, ao ouvir o
som de tiros se aproximando. Juntou as mãos em forma de prece. – Deus.
Proteja meu irmão, os jovens e todos moradores daqui... – Engoliu a seco. – E
o Allan, proteja-o.

Não sabia quanto tempo havia se passado. Mas parecia ter sido longas e
duradouras horas.

Se encolheu ao ouvir passos. Suspirou de alívio ao ver a figura de Allan.

- Você está bem? - Se aproxima estendendo-lhe a mão, fazendo com que se


levante.

- Já... Acabou? - Pergunta alarmada.

- Sim. Fica sussa, seus amigos estão bem. – A tranquiliza.

Os olhos dela pairaram no braço do rapaz envolto em um pano


ensanguentado.
- Você se machucou? - Tocou-lhe e uma eletricidade estranha passou entre
eles com um simples toque.

- Um tiro, mas foi de raspão. - Disse um pouco rouco e com os olhos fixos
nela.

- Dói? - Sua voz sai falha.

Era recíproco.
Enxergava nitidamente que ele causava sensações intensas dentro dela.

- Não. - Aproximou-se enquanto ela tentava em vão se afastar.

- Obrigada por...

Não a deixou terminar de falar. Com rapidez segurou a cintura dela e


enroscou as mãos nos cabelos ruivos sedosos. Tomou a boca de Bella com
desejo. A respiração dela pesa tentando se debater, porém aos poucos cede
deixando que a língua dele ultrapassasse. Seus lábios são quentes e macios
com um delicioso gosto de morango.
Aproveitou o beijo fugaz antes que a razão dela pesasse na balança.
Tinha certeza de uma coisa: A filha do pastor seria sua perdição.

Capítulo 6
A razão e o coração da jovem diziam coisas distintas. Encontrava-se em uma
batalha interna. Recebia o beijo cheio de intensidade e paixão. Mesmo não
sendo experiente permitiu-se saborear aquele momento. Rodeou o pescoço de
Allan com os braços, e sentiu apertar de modo possessivo sua cintura.
O rapaz apressadinho escorregou a mão propositalmente. Tal ato fez Bella
reagir de maneira impulsiva: empurrou-o bruscamente.

- Isso não podia acontecer... - Um nó se formava em sua garganta. - Foi um


erro desastroso.
Aquele fora seu primeiro beijo. Apesar de ter gostado, seus princípios
cristãos a fazia se sentir errada.

- Está me dizendo que meu beijo é um desastre? – A fita desacreditado.

"Não... É maravilhoso!” – Ela pensou, no entanto emitiu o contrário. – Sim. –


Deu de ombros. – Esqueça... faça de conta que esse beijo nunca aconteceu. –
Suas palavras saíam com firmeza.

- Ok. Já tive beijos melhores. – Não demonstrava seu ego abalado naquele
momento. O clima ficou pesado. Farpas sendo trocadas de forma instantânea.
- Você não faz meu tipo " Filhinha do pastor". – Seu tom foi ríspido.

- Claro que não faço. Eu tenho cérebro: o que as do seu "tipo" não têm. –
Disse rude antes de deixa-lo sozinho.

[..]

Ao avistar a irmã, Cris e Malu foram ao seu encontro.

- Você está bem? – A abraçou apertado. – Fiquei tão preocupado.


- Eu estou bem. - O apertou forte sentindo a segurança que ele lhe passava.
Malu se aproxima feliz ao ver a amiga inteira.

Os três se dirigem para a casa dos Lira.


Malu acompanha Bella até o quarto. A ruiva parece levemente angustiada.

- Fala logo! – Malu senta na ponta da cama.

- Tipo o que? – Tenta disfarçar, mas Malu a conhecia demais.

- Sabe que pode confiar em mim. – Disse demonstrando compreensão.

Sem receios, contou-a todas as vezes que esteve com Allan.

- Você gosta dele? – Malu expressava sua curiosidade.

- Não sei... difícil explicar. – Entortou os lábios. – Eu mal o conheço. –


Engole a seco. – No entanto parece que sempre o tive dentro de mim. –
Respira fundo. – Tenho vontade de estar dentro do abraço dele, como se
nossas almas tivessem se conectado. Como isso é possível?

- Amiga. - Segura a mão de Bella. - É uma situação complicada, não


mandamos no coração e nem nos sentimentos. - Suspira – Mas como sua
amiga devo aconselhá-la. É melhor se afastar de vez dele, ficar com um cara
assim te levaria a fazer uma escolha: Ele ou Deus, entende o que estou
tentando dizer?

- Sim. - Encolheu os ombros - Não temos nada haver, somos de mundos


completamente opostos.

- Querendo ou não ele já é um cara marcado por esse mundo do tráfico e


dificilmente largaria... se afaste o mais rápido possível e ore muito a Deus.

- Isso que farei. – Se joga no colchão macio.

- Eu também estou sofrendo, embora nossas situações sejam extremamente


diferentes. Eu amo seu irmão e ele me vê como uma irmãzinha mais nova. -
Desabafa. - Eu cheguei no meu limite, ao ponto de seguir em frente e matar
esse sentimento que há dentro de mim.

- Pior coisa é não saber se desiste ou continua tentando. – Bella comenta.

Se arrumaram para ir ao culto.


Bella sentou no banco de traz dando a oportunidade de Malu ficar mais perto
de Cris. Entregou o pendrive a amiga para plugar e uma música romântica
soou pelo veículo.
Cris batia a mão no volante embalado pela música e Malu totalmente em
silêncio com o pensamento longe.

- Tudo bem Malu? – O rapaz nota a tensão da jovem.

- Sim. - Se limita a responder. - Desliga esse rádio, por favor! - Malu pediu
desconfortável.

Ele a fita confuso e rapidamente desliga o rádio. Minutos depois chegam a


igreja. Em silêncio, Malu rapidamente abre a porta e se retira depressa.

- Aconteceu algo? - Cris pergunta a irmã. - Ela parece tão estranha, algum
filho de uma égua a magoou?

- Acertou em cheio. – Bella revira os olhos. - Mas ele não é filho de uma
égua... - Começa a andar. - Porque se fosse filho de uma égua, você seria um
cavalo e eu como irmã uma eguinha. – Disse baixinho. Inaudível ao irmão.

A jovem entra na igreja.

- Ryan. – Abraça o amigo por trás.

- Oi Bella. - Forçou um sorriso.


Ele continha uma expressão seria.

- Como estão as coisas em casa? - Lhe pergunta preocupada.

- Na mesma. - Encolheu os ombros - Orar é a única coisa que posso fazer.

- Pode ter certeza que com fé em Deus tudo se acerta. – Tocou seu ombro de
modo apaziguador.

Se dirige em direção ao púlpito. Senta em frente ao seu amado piano e toca


lentas melodias.
O coração da menina estava perturbado, no entanto a suavidade das notas
trazia conforto.

Capítulo 7
O clima agradável; o sol morno aquecia de leve. Daquela forma uma nova
semana iniciava-se.

Bella e Cris faziam o trajeto de rotina.

- Vamos no cinema hoje? – A ruiva com os cabelos estonteantes o encara. –


Por favor!!!

- Não resisto a seus pedidos malinha. – Balançou a cabeça positivamente.

Ela beija a bochecha do irmão e retira-se do veículo.

Se encaminha para a sala. O grupinho de sua algoz já se encontrava no local.


A jovem assenta-se e fica rabiscando algo sem importância na mesa.

- Santinha!! - A voz enjoada de Paty soou.


Bella não faz questão de se virar. Ignorou a menina evitando discussão
naquele momento.

O professor de artes entrou na sala. Passou uma atividade com tema livre.

A jovem encarou a folha ofício sem saber por onde começar.


Allan não deixava de habitar seus pensamentos. Desde que o conheceu, algo
dentro dela mudou. Após o beijo, sonhava acordada com o rapaz
constantemente.
Ela tinha talento para desenhar. Quando deu por si; naquela multidão de
traços havia feito os olhos de Allan.
No intervalo pela primeira vez juntou-se a tímida Luana. Gostou de conhecer
a jovem inteligente e meiga. As vezes se fechava em seu mundo como ela e
não permitia visitações.

- Ela ama infernizar sua vida. – Luana se refere a Patrícia.

- Não entendo o porquê. – Bella mordiscou o sanduíche.

- Talvez ela a inveje. – Disparou.


A jovem ruiva a encarou confusa.

- Porquê ela é superficial e fútil: usa a beleza para conseguir as coisas, mas no
final do dia a máscara cai e a realidade a confronta. Não passa de uma menina
solitária e carente.

- Concordo com você. – Bella umedeceu os lábios. – Não adianta estar


cercada de amizades se nenhuma for realmente verdadeira. É complicado
quando a pessoa desdobra-se para se tornar alguém difícil de ser amada. Os
outros acabam não sabendo como lidar, então tem um relacionamento raso
sem intenção de profundidade.

[..]
- Bella... Belinha. – Cris sacudia a irmã que dormia profundamente. A jovem,
após longos minutos de importuno abriu os olhos. - Esqueceu do cinema?
Não vai querer deixar Malu e Ryan esperando, não é?

- Não. – Espreguiçou-se.

- Vou te esperar na sala. Não demore! – Se retira do cômodo.

A noite estava levemente gélida. Vestiu-se com um sobretudo vermelho e


uma bota de cano alto. Seus cabelos ondulavam na ponta, complementando a
beleza de seus traços.
Alguns minutos mais tarde, os irmãos chegavam ao estacionamento do
shopping.

- Até que enfim... - Ryan faz cara de irritação.

Bella balançou a cabeça sorrindo divertida. - Demoramos? – Ergueu a


sobrancelha já sabendo a resposta.

- Não, imagina. - Malu completou.

- Perdemos o filme? - Cris os fita e eles negam - Então pronto!


Os jovens compraram lanches e se encaminharam para dentro da sala.

- Não gostei do filme que vocês escolheram. – Reclamou Malu.

- A próxima você escolhe. - Cris pisca o olho.

- Claro que sim, iremos ver "A Escolha"... Tudo que vem do Nicholas Sparks
me fascina. – Bella comentou sobre seu ator favorito.

- Lascou-se mano - Ryan bate no ombro de Cris zombeteiro.

O filme começa deixando as meninas entediadas. Bella, percebendo que a


amiga está a ponto de dormir, dá um empurrãozinho fazendo com que a
cabeça da jovem pouse no ombro de Cris.
Malu se assusta e no momento que tenta se endireitar, o rapaz a puxa e rodeia
seus braços nela. – Pode dormir. – Sussurra nos ouvidos da jovem que deixa
escapar um sorriso bobo.

- Você não presta. - Ryan cochicha no ouvido de Bella. Percebendo o que a


amiga estava tentando fazer: Juntar o irmão e a melhor amiga.

- Olha quem fala. – Sorriu dando de ombros.

O tempo parecia não passar. As cenas do longa eram entediantes. Bella se


mexia a todo instante na cadeira desconfortável. Impaciente, pega seu celular
e fica jogando.
O filme acaba para o alivio da jovem.
Cris carinhosamente acorda Malu e os quatro se encaminham para a entrada
do shopping.

- A noite foi ótima, temos que fazer isso mais vezes. - Ryan abraça um por
um como despedida.

- Me dá uma carona. – Bella encara Ryan e pisca o olho para ele.

- Por que? - Cris a fita confuso.


- Preciso falar com ele. – Mente para o irmão.

- Então vamos - Malu segura o braço de Bella.

- A sós. – Bella entorta os lábios. - Meu irmão não se importa de te levar, não
é mesmo Cris?

- Claro que não. – Responde educado.


Bella e Ryan observa Cris guiando Malu até o carro. A ruiva esboça um
sorriso satisfeito.

- O seu irmão é tão lento que não imagina o que você está tentando fazer. –
Diz divertido.

- Homens são tão divagar. – Bella caminha em direção ao carro de Ryan.

- Eu não. – Rebateu, a seguindo-a.

Ryan, cavalheiro, abre a porta do veículo para que Bella entre. A jovem
distraída pousa o olhar pela janela e avista Allan. O rapaz parecia estar
fuzilando-a com as vistas.
O dono do morro estava lindo com uma jaqueta de couro sobre os ombros,
encima de sua moto com a postura de marrento.
Sente o carro dar partida. Observa o traficante sério demais acompanhar com
o olhar o automóvel saindo.
Não demorou muito para Ryan estacionar na frente da casa dos Lira. Bella se
despede e acena para o amigo que se vai. No instante em que vai abrir o
portão ouve o som alto de uma moto se aproximando. O coração da jovem
acelera, e de modo instantâneo se vira. Engole a seco quando a motocicleta
para na calçada. Pôde sentir o delicioso aroma do perfume do rapaz.
A respiração de Bella ficou ofegante. Parecia habitar uma centena de
borboletas em seu estômago.
Allan retira o capacete fazendo com que a jovem encontre os olhos azuis que
não saiam de sua mente.

Mas o que chama a atenção dela é a expressão carrancuda e séria que esboça
o rosto dele.

Capítulo 8

" O amor NÃO escolhe hora ou lugar. Não escolhe cor, profissão ou religião.
Ele escolhe corações.”

Bella tirava o pouco juízo que o marginal possuía. Os lábios aveludados dela
não saíam de seus pensamentos.

Minutos antes de estar no bairro de alto escalão, se encontrava na


comunidade.

- Tá ligado mano? - Repolho abanou as mãos.

- Em que? - O olhava entediado.

- No bagulho pô, o Ratazana não tá pagando. – Explicava ao amigo que


parecia estar no mundo das nuvens.
- Tá de brincadeira né mano? Tô me lixando pra esse mané. - Deu um gole na
cerveja.

- Se liga chefe, ele tá de fuleram com a gente. - Repolho insiste.

- Dá um tempo pra ele, se não acertar o que deve, apaga o moleque.


Problema solucionado e para de encher linguiça.

- Pode pá mano. - Hulk se levanta – Vou desenrolar com a mina ali. - Sorri
malicioso.

- Vai ficar aí mermo? – Repolho encara Allan que estava estranho há alguns
dias.

- Qual problema Repolho? - Revira os olhos.

- Cheio de mina aqui querendo tu e tu nada: tô te estranhando.

- Capa o gato. - O bombardeia com olhar.

- Calma cara!! – Levanta as mãos em sinal de paz.

- Rapa daqui. – Dizia sem paciência.

Estava entediado de olhar para a cara das mesmas pessoas. Disposto a mudar
os ares, foi para casa.
Se arrumou despojado, colocou o seu melhor perfume e desceu o lance de
escadas.
- Acabou de chegar e já vai sair filho? – Joana encara o rapaz.

- Esfriar os neurônios, não se preocupe comigo. – Pega a chave da moto na


mesa de centro.
E foi assim que ele parou em uma lanchonete e avistou Bella com um
engomadinho, o que fez seu sangue ferver de raiva. Tinha dificuldade para
admitir a si mesmo que estava com ciúmes. Não pensou muito quando seguiu
o carro do rapaz.

Allan desce da moto analisando a ruiva de cima a baixo.


Bella abre e fecha a boca procurando palavras.

- O... que ... – Gaguejou.

- O que vim fazer aqui? - Se aproxima dela.

- Sim. - Sua voz sai falha.

- Perguntar: o que você fez comigo? - A olhava intensamente.

- Como? – Umedeceu os lábios. Franziu a testa sem entender a pergunta.

O jovem estende a mão colocando uma mexa dos cabelos ruivos atrás da
orelha. Logo após, desliza o polegar acariciando o rosto dela.

- Por quê logo você? – Diz com a voz rouca mirando seus lábios.

- Você tem que ir embora. – Bella se afasta com a respiração pesada.


A segura diminuindo a distância que havia imposto. - Diga que não me quer e
eu vou.

- Eu... quero que vá embora. - Baixa a cabeça.

- Diga olhando nos meus olhos. – Allan segura o queixo dela.

- Vai embora, por favor! – Pediu temerosa. Seu coração descompassa só de


imaginar o pai acidentalmente vendo aquela cena.
O dono do morro torna a colocar o capacete e sobe na moto. Sem dizer uma
palavra sequer, acelera e some das vistas da jovem.
Ele retorna para a comunidade extremamente nervoso. Para no bar
costumeiro.

- Oi amor. - Lorena se pendura em seu pescoço.

- Qual a boa? – Allan segura o corpo de cerveja.

- Você. - Enrosca o braço em volta do pescoço dele e beija-o.

- Depois nós troca ideia. - A afasta e vai até Repolho e Hulk que continuam
no local.

- A Lorena está filé hoje. - Hulk comenta.

- Caidinha na tua Allan. - Repolho sorri de lado.

- Tô com cabeça não. – Enche o copo de bebida e vira tudo de uma vez.
- Qual é parça tá de chico? - Gargalha Repolho - Ou trocou de lado?

- Qual foi ? - Se levanta e o segura pela gola da camisa - Tá querendo entrar


numa comigo? – Indagou alterado.

- Não, foi mal chefe. - Baixa a cabeça.

Allan solta o parceiro e encara Lorena mordendo os lábios e dançando funk


de olho nele.
“ Se a filha do pastor não quer, tem quem queira. “ – Pensou levantando-se e
partindo para cima da mulher.

[•••]

Bella tinha medo da proporção do efeito que Allan causava nela. Tinha
vontade de sentir o abraço do rapaz, saborear o beijo novamente. No entanto,
sabia que seria um julgo desigual. Um erro que seria julgada severamente.

Tomou banho com os pensamentos em Allan. Lembrando de quando se


viram pela primeira vez.

" Ele não é homem para você" – repete diversas vezes a si mesma...

Coloca o pijama e entra no quarto, onde vê seu irmão sentado de cabeça


baixa.
- Chegou agora? - Senta-se ao lado dele.

- Sim. - A fita sério - Você já sabia?

- Sabia de quê? - Demonstra confusão.

- Dos sentimentos da Malu por mim. - Suspira.

- Como voc...

- Ela me contou hoje. – A interrompe.

Bella o encara curiosa.

- E?

- E nada Isabella. - Diz seco - Deveria ter me contado ao invés de começar a


querer dar uma de cupido.

- Eu nunca contaria Cris, ela é minha melhor amiga. - Rebate - O que disse a
ela?

- O óbvio. Eu a tenho como uma irmã e nada mais. Um dia ela vai encontrar
alguém especial que vai ama-la como ela merece.

- Tem coisa pior que dizer isso a uma mulher? - O fita incrédula - O que ela
fez?
- Dizer a verdade nunca será o pior. – Contrapôs. – Enfim... ela se desculpou
e admitiu que confundiu as coisas.

- E você acreditou nisso? – Bella balançou a cabeça desacreditada.

- Não deveria? - Arqueia a sobrancelha.

- Você deve saber bem o que faz. – Se levanta e pega o celular na cômoda.

- Quem deveria estar chateado aqui sou eu, não você. - Bufa.

- Só estou preocupada com a Malu. – Explica.

- Ela está bem, já disse. - Deposita um beijo suave na testa da irmã. - Boa
noite!

Bella se perguntava o motivo de algo que deveria ser fácil ser tão
complicado. Porque a mania de gostar do que não está ao alcance?
Sem demora, disca o número da amiga que atende no segundo toque.

- Bella. - Diz com a voz arrastada.

- Me desculpe não pensei que seria assim. – Sentia culpa pela frustração da
amiga.

- Você só tentou me ajudar. Eu que cansei de guardar esse sentimento que


estava me sufocando. – Comentou pesarosa.

- E agora?
- Não sei, não quero perder a amizade dele.

- Eu sei que nada que eu falar vai ajudar a melhorar o que você está sentindo.
– Bella imaginava o peso que estava o coração da jovem.

- Por hora, vou me contentar entupindo o organismo de chocolate. – Malu


pareceu sorrir.

- Acho que farei o mesmo, passa aqui em casa amanhã a tarde. – Pede. - Ele
só chega a noite, então a probabilidade de encontra-lo é nula.

- Sendo assim eu irei. – Malu concorda.

- Chamarei o Ryan também.

- Como você quiser. - Diz com a voz triste - Será que um dia conseguirei
esquecer o Cris?

- Ei moça... você mesmo. Me diz mais uma vez que caiu e que o mundo não
gira ao seu redor; e depois de tudo percebeu que o tempo nada mais é: que
nossas escolhas. Às vezes, esse tempo corre rápido demais, você fala que
queria voltar e refazer tudo, mesmo sabendo que faria tudo do mesmo jeito,
pois é, também penso assim, e é por pensar igual que sei o que se passa. Há
mil perguntas a serem feitas e mais mil respostas para cada uma delas, mas se
tiver que dizer algo direi apenas: Deus te ama e por isso tudo vira nada. Sem
indecisões ou medo falarei que: sim, o tempo se vai rápido demais para
aqueles que amam. Ei moça, lembra que em algum lugar há um alguém que
vai te amar de um jeito único e especial. Vai andar nas ruas com suas mãos
entrelaçadas, ele vai te abraçar e nos braços dele encontrará seu lar. Ele vai te
conquistar todos os dias e te mostrar que ainda existe um sentimento puro
nesse mundo cheio de engano. – Cita um texto esquecido em sua gaveta.

- Obrigada. - Sussurra do outro lado da linha. - Eu vou esperar esse alguém.

Capítulo 9

O trânsito na segunda-feira de outono estava caótico. Tal demora no trajeto


fez com que Bella chegasse ao colégio um tanto quanto atrasada.
A jovem caminhou em direção a sala, emitiu leves batidas na porta: que logo
foi aberta.

- Licença. – Emitiu um sorriso simpático em direção ao professor de artes.

- Entra Isabella. - Abriu espaço.

Durante a aula, o professor elogia o trabalho dos alunos. Destaca o desenho


de Bella que pareceu tão realista, como se tivesse feito olhos reais pela
intensidade concentrada nas linhas.
No intervalo passou um tempo conhecendo mais Luana. Percebeu que a
jovem não era tão tímida quanto aparentava.

- A santinha fez amiga. - Paty fica na frente de Bella com a mão pousada na
cintura.

- O que quer? – A ruiva pergunta exasperada.


- Isso. – Sem educação alguma puxa o caderno de Bella, retirando o desenho.
– Lindo, não é mesmo? - Sorri divertida e começa a rasgar o desenho.

- Isso é o melhor que consegue fazer? - Arqueia a sobrancelha. – Tal


infantilidade me assusta!

- O que é seu está guardado querida. - Pisca o olho para a menina e sai
rebolando para seu lugar.

- Sucuri. - Resmunga e Luana ri.

[..]

Após um almoço regado de guloseimas e baixos nutrientes, foi para o quarto


repousar um pouco. Ás pálpebras de Bella pesavam por conta do cansaço.
Deixou que o sono tomasse conta por completo.
Despertou horas depois, com o som estridente da campainha. Esfregou os
olhos sonolentos e deu um pulo da cama ao se lembrar que os melhores
amigos passariam em sua casa naquela tarde.
Isabella, no exato momento em que abriu a porta, pulou em Malu e Ryan
emitindo um abraço carinhoso.
Juntos subiram o lance de escada e entraram no quarto da ruiva.

- Antes que eu me esqueça... o Diego mandou avisar que a evangelização vai


dar uma parada por duas semanas. - Ryan comenta assim que assenta-se na
ponta da cama.

- Por quê? – Bella pergunta sentindo o peito apertar-se.


- Pelo tiroteio da semana passada. - Malu explica. – É melhor deixar a poeira
abaixar. – Completou.

Os jovens assistem um drama romântico enquanto se entopem de doces.

- Não entendo esses filmes de romance água com açúcar. - Reclama Ryan
com o semblante entediado.

- Esse filme foi tirado do Nicholas Sparks. – A ruiva repreende-o.

- E daí? – Sorriu divertido. Afinal, era o autor preferido de sua amiga.

- Ele é um dos melhores escritores... se situa. - Malu joga uma almofada em


Ryan.

- Parece que alguém chegou... – O rapaz comenta ao ouvir um ruído no andar


de baixo.

- Será que é seu irmão? - Malu encara a amiga.


Estava sem jeito de ver Christopher. Se declarar para o garoto que roubava
sua sanidade e ganhar um: vejo você como uma irmã. Não era nada legal.

- Não sei. – Bela mordeu levemente o lábio.

Malu rapidamente pousa a cabeça na perna de bela e sussurra: “ Se for ele,


estou dormindo”. A jovem de cabelos castanhos fecha os olhos contendo um
coração disparado.
Um amor não correspondido doía demais. Como se uma centena de agulhas
espetassem seu peito.
- Vocês estão aí!! - Cris apareceu na porta. Cumprimenta Ryan; enlaça a irmã
em um abraço rápido e deposita um beijo na testa de Malu que finge dormir.
A ruiva se admira pela naturalidade que a amiga disfarça. Se fosse ela, a
respiração já estaria ofegante, o peito descendo e subindo rapidamente:
denunciando a farsa.

- Acabamos de ver um filme de menininha. - Ryan zomba.

- Nicholas Sparks? - Cris revira os olhos rindo. Aquilo era óbvio. A irmã não
cansava de repetir os filmes.

- Exato. – Ryan balançou vagamente a cabeça.

O celular de Cris começa a tocar e ele sorri largamente quando olhar o visor.
- Depois nos falamos. - Se retira do quarto em passos largos.

- Já pode voltar ao normal. – Bella sacode a amiga.

- Alguém me explica o que foi isso? - Ryan encara as duas confuso.

- Homens ! - Dizem juntas.

[..]

Como naquele final de semana não haveria evangelização, os jovens se


reuniram por algumas horas e depois foram a uma pizzaria para um rodízio.
Malu se mostrava incomodada ao lado de Bella. Não parava de encarar de
soslaio Cris, que digitava diversas vezes no smartphone.
- Seu irmão não desgruda do celular. - Malu cochicha nervosa.
Além de tomar um baita fora, teria que contemplar o rapaz que amava
flertando com outra?

- Percebi. – Bella Umedece a garganta seca com um gole de refrigerante.

- Acha que ele conheceu alguém?

- Não sei amiga. - A abraça de lado - Melhora essa carinha por favor!

Cris coloca o aparelho no bolso e se junta a elas.

- Um rapaz mandou entregar isso a senhorita. - Um garçom se aproxima e


entrega uma taça de sorvete para Malu, que fica surpresa.

- Quem? - Pergunta ao garçom

- Ele. - Aponta para trás, mas não há ninguém lá - Estava ali há poucos
minutos.

- Ela não vai comer isso. - Cris retira a taça da mão de Malu e entrega
novamente ao garçom.

- E porquê não? - Malu o fita.

- Tem certeza que está me perguntando isso? - Revira os olhos.


- É só um sorvete. - Ryan se manifesta.

- Eu quero. - Malu tenta pegar a taça, porém Cris segura suas mãos. - Volta a
atenção para a merda do seu celular e me deixa em paz. - Dispara irritada.
A palavra ciúmes estampava o rosto da jovem.

- Então esse é o problema? – Cris indaga.

- Parem, por favor! – Bella tenta acalmar os ânimos.

- O sorvete é para mim; então o problema é meu. - Malu o fita intensamente.

- Eu só estou tentando te proteger Malusinha. – Cris dispara carinhosamente,


mas o efeito que causa é o contrário.

- Não me chame assim. - Diz exasperada.

O celular de Cris vibra avisando que uma nova mensagem chegou.

- O que está acontecendo com você? – O rapaz pergunta querendo entender a


atitude infantil da menina. - Eu quero minha amiga de volta.

- Ela não está disponível no momento. – Diz cautelosa.

- Eu não tenho culpa de não gostar de você da mesma forma e não atingir
suas expectativas. - Diz alto e todos a volta escutam suas palavras.

- Você é um idiota. – Malu sente seu ego pisoteado. Levanta-se e sai


correndo.
Ele ameaça ir atrás dela, no entanto, a irmã o impede.

- Eu falo com ela. – Bella prontamente se dirige em direção a amiga.

[•••]

Uma semana depois...

Os dias haviam sido monótonos. Paty continuava a infernizar a vida de Bella


no colégio. Malu e Cris aparentemente romperam a amizade que havia entre
os dois. A jovem ruiva sem querer sentia um vazio... E aquele vácuo que
existia tinha nome e sobrenome. Um tal dono do morro que invadiu sua
mente e sem permissão habita pelos cantos de sua imaginação.

- Bella. – Cris entra eufórico no quarto da irmã que se preparava para dormir.

- Sim. – Disse sonolenta.

- Tenho uma coisa para contar. - Se senta na cama.

- Ei, estou com sono. – Protestou.

- É rápido Bella. – O irmão sorria amplamente.

Ela se sentou e encarou o irmão. – Diga!

- Encontrei...
- Encontrou o que? - O interrompeu antes que completasse a frase.

- Ela é incrível, é linda... – Contava animado.

- Ela quem? – Bella bocejou pela milésima vez. – Seja mais claro.

- Eu estou namorando. – Revela com os olhos brilhando.

- Ah... – Entorta os lábios. Não sabia bem o que dizer.

- Ah? Isso que você tem a falar? – Perguntou sério.

- Legal Christopher... espero que sejam muito felizes. – Respira fundo. – Eu


admito que tinha esperanças que você e Malu se acertassem. Mas a vida é
sua, então se essa é a sua decisão, do fundo de meu coração: respeito.
- Ela vai almoçar aqui no domingo, você vai ama-la. - Afirma.

A jovem meneia a cabeça levemente.

- Prometo que a conhecerei sem imposições. Ficarei aberta para gostar dela. –
Força um sorriso.

[•••]

O domingo chegou em meio a expectativas. Os Lira estavam curiosos para


conhecer a namorada de Christopher. Bella, apesar de estar arrasada por
Malu, estava feliz pelo irmão.
- Bella, eles chegaram!! – A mãe da jovem disse da cozinha. – Atenda a
porta! – Pede.

- Ok. – Bella se levanta do sofá da sala e caminha até a entrada.

Ao abrir a porta se depara com os novos pombinhos se beijando. Assim que


notam a presença de uma terceira pessoa interrompem o beijo. A menina se
vira: deixando Isabella pálida.

- Ela é a sua namorada? – Sua voz soou incrédula.

- Vocês se conhecem? - Pergunta surpreso.

- Sim amor. Estudamos juntas. – Paty disse cínica com um largo sorriso nos
lábios.
Os pais chegam e cumprimentam a menina que parecia um anjo de tanta
doçura. Bella, a passos pesados encaminhou-se para o quarto. Pegou um
travesseiro e colocou sobre o rosto, na intenção de abafar o grito de raiva que
emitiria.

Minutos depois, o irmão entrou no quarto para chamá-la.

- Vamos almoçar agora. - Estende a mão na direção da irmã caçula.

- Sem fome. – Disse seca.

- Você prometeu dar uma oportunidade.

- No entanto eu já conheço a verdadeira Paty. – Se altera. - A sua


namoradinha é a garota que me inferniza todos os dias na escola.

- Para de ser infantil... ela falou tão bem de você agora com nossos pais. –
Rebateu demonstrando impaciência.

- Você prefere acreditar numa víbora que acabou de conhecer do que na sua
irmã? – Grita irritada e ele levanta a mão na direção de seu rosto. - Vai me
bater? – Sua voz sai carregada de decepção.

- Eu não...

- Tanto faz. – Levanta-se. Bella puxa a carteira na cabeceira e sai correndo


para longe de sua casa.
Anda pelas ruas sem rumo. Até encontrar um lugar para se assentar.

- Sei que não deveria me importar, mas... - Uma voz conhecida soa atrás dela
fazendo o coração da jovem acelerar. - Porque está chorando?

- Allan. – Se vira encontrando o lindo par de olhos azuis.


O rapaz se assenta ao seu lado parecendo compreensivo.

- O que que tu tem? - Segura o rosto dela e seca as lágrimas salgadas que
escorrem pela pele aveludada da jovem.

- Decepção. - Baixa a cabeça - Meu irmão hoje mostrou um lado que eu não
conhecia. – Desabafa.

- Como dizia o poeta: a decepção é inevitável, pode pá que tudo passa, as


coisas coisadas um dia descoisa, sacô?
- Que poeta disse isso? – Bella emitiu uma gargalhada alta.

- Quem se importa? O negócio é a poesia. – Sorriu de lado.


O sorriso dele era tão lindo que parecia lhe tirar o chão. Inegável que a dama
sentia algo forte pelo vagabundo.

- Você é engraçado. - O encara.


Allan sem receio passa seus braços pelo corpo de Bella e a abraça. Como se
ele pudesse acalmar as tempestades dentro dela.

- Senti tua falta. – Disse baixo. Aquilo era novo até mesmo para ele. - Não
vai mais no morro?

- No próximo final de semana. – Disse rouca. Sentindo os efeitos que tal


proximidade a causava.

- Acho melhor eu zarpar. - Esquiva-se da jovem e tenta se levantar, no


entanto Bella impede-o.

- Por favor, fica! – Pediu. - Só mais um pouquinho. - Ele torna a abraçar


enxergando a confiança que transmitia para ela. - Embora seja errado, eu me
sinto segura ao seu lado.

- E porque é errado? – Perguntou sério.

- Você é dono do morro, vai contra tudo o que eu acredito. – Respondeu.

Ele a embriagava de sensações com apenas um simples olhar.


- O dono do morro aqui também tem sentimentos. - Beija o topo de sua
cabeça.

Valorizava cada segundo daquele momento.


Tinha o pleno conhecimento de que não deveria sentir tais coisas. Muito
menos dar espaço para ele em sua vida, porém o coração não obedecia.
Estar dentro dos braços dele, parecia ser o melhor lugar para estar. Gostava
de ter seus pelos arrepiados, as pernas bambas, os calafrios constantes e as
borboletas no estômago.
Seria melhor se fossem sensações causadas pela fome, porém, continuaria a
se enganar?
Sem marcar data ou hora, não escolhia as pessoas ou a melhor ocasião.
Aquilo que acontecia naturalmente, só poderia ser uma coisa: O tal amor.

Capítulo 10

Algumas horas depois, Bella retorna a sua casa. Na sala de estar, a família
Lira espera sua chegada de modo sério: Insatisfeitos com a desfeita que a
jovem havia feito.

- Onde estava? – O pai encarou a filha com desagrado estampado no


semblante carrancudo.

- Esfriando a cabeça. – Ameaçou ir para o quarto, porém foi interrompida.

- Como sai sem avisar? – Indaga sem paciência. - A namorada do seu irmão
vai achar que não é bem vinda nesta casa.
- Não me importa nenhum pouco. – Rebateu. – Da minha parte ela não é, e
nunca será bem vinda.

- Vá para o seu quarto Isabella, e pense bem nas suas atitudes. – A mãe se
manifestou.

A jovem meneia a cabeça levemente. Vira-se e sobe o lance de escadas em


direção ao seu quarto. Tão logo, se joga na cama de imediato.

- Posso entrar? - Cris abre a porta minutos depois.

- Já entrou. – Diz respirando fundo.

- Me perdoa Bella, não devia ter levantado a mão para você. - Se senta na
cama. - A Patrícia é legal, vocês podem ser grandes amigas.

Bella força um sorriso. - Como você começa a namorar assim do nada?

- Não foi do nada... nos conhecemos e aconteceu.

A irmã caçula ergueu a sobrancelha curiosa.

- Você orou? – Pergunta analisando a figura do irmão confuso. - Você orou


para namorar Cristhopher?

- Não. - Revira os olhos.

Ela não queria julgá-lo. Afinal, tinha beijado um criminoso. Sabia muito bem
como era se apaixonar e a inconsequência dos atos.

- A Paty pode ser linda, mas não tem conteúdo nenhum e muito menos
caráter. – Umedece os lábios. – A vida é sua, então eu não devo discordar ou
qualquer outra coisa. Se estar com ela é uma decisão que tomou, que seja
bem sucedido. Ela vai machucar seu coração, usá-lo como um objeto
descartável. Vai ferir sentimentos puros. – Engole a seco. – Mas eu realmente
espero estar errada sobre tudo.

- Não fale dela assim. - Cris se altera. – Não consegue aceitar que eu não
gosto da Malu. Prefere inventar mentiras sobre a Patrícia. Como a menina
mimada que é, está tentando destruir meu namoro por capricho.
Isabella encarou o irmão de modo sereno.
- Pense o que quiser, não faz diferença. – Não deseja discussões. – E faça um
favor: saia do quarto da menina mimada e birrenta.

[•••]

O céu escurecia a medida em que a noite se aproximava.

- Isabella!! – O pai chamava.

O horário do culto estava próximo.

- Estou aqui. – Desceu as escadas sorrateiramente.

- A Patrícia vai na igreja hoje, por favor não seja deselegante com ela. – A
mãe pediu.
Fizeram o trajeto até a igreja. Após sair do carro; Bella avista os amigos
abraçados na calçada.

- Oi!! – Se aproxima deles vagarosamente.

- Por quê você não me contou? - A voz de Malu saiu abafada.

- Eu soube há pouco tempo. – Puxa a amiga dos braços de Ryan e a abraça. –


Ele não merece suas lágrimas. – Tenta consolar Malu.

- Já disse isso a ela. - Ryan comenta.

- Ele ainda teve a cara de pau de nos apresentar. “ Amor, essa é Malu: minha
irmãzinha de coração. Malu, essa é minha princesa”. - Imitou a voz de Cris.

- Princesa nada, está mais para a cuca!! – Revira os olhos - Acreditam que é
ela a menina que sempre me inferniza na escola?

- E teu irmão está com ela sabendo disso? - Ryan faz uma cara estranha.

- Ele não acredita que a boa moça faça isso. – Ironiza.

- Melhor entramos, como está meu rosto? – Malu pergunta tentando se


recompor.

- Só um minuto. – Bella ajeita os fios de cabelo da amiga. – Pronto, está


linda!
Os jovens entram na igreja e se assentam na fileira da frente.

- Ninguém merece. - Reclama ao ver o irmão e a cunhada, saindo de onde


estavam e se aproximando deles.

- Oi cunhadinha. - Se joga em cima de Bella e beija sua bochecha, logo após


sorri cinicamente.
A ruiva pedia internamente paciência e mais amor para amar ao próximo.

Ela percebia o desconforto de Malu. As mãos da jovem estavam trêmulas e


não parava de balançar a perna. Imaginava a desilusão: não possuir
reciprocidade e ter de ver o rapaz que gosta ao lado de outra.
Naquela noite, Bella não tocaria piano. Seria dia de rodízio do grupo de
louvor.
Quando o culto iniciou-se, a jovem pareceu esquecer o mundo a sua volta.

"Enganosa é a beleza e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor,


essa sim será louvada" (Provérbios 31:30). – Esse fora o versículo
mencionado na hora da palavra.
O pastor falou sobre buscar conhecer a vontade de Deus.

[•••]

Assim que o culto foi encerrado, os três amigos saíram da igreja juntos.

- Vamos comer uma pizza e jogar boliche? – Diego, o líder dos jovens
pergunta.
- Hoje não. - Ryan responde e vai guiando Malu e Bella até seu carro.

- O que está fazendo? – A ruiva o encara confusa.

- Livrando vocês de uma saía justa. – Responde tranquilo.

- Você é ótimo!! - Malu esboça um sorriso grato.

- Eu sei. – Rebate convencido.

Os amigos lancham, e depois caminham até um parque próximo.


Malu e Bella deitam no ombro de Ryan: que abraça as duas.

- Ás vezes eu não consigo entender... - Malu diz com a voz embargada.

- Talvez não deu certo, porque ele era sua metade da laranja, mas na realidade
você precise da metade de sua maça. - Ryan beija o topo de sua cabeça.

- Gostei dessa. - Malu levanta a cabeça e o encara.

- Ás vezes, você só não percebeu que a melhor coisa da sua vida já


aconteceu, e está ali, bem debaixo do seu nariz. Precisa se atentar aos sinais. -
Entrelaça suas mãos na dela.

As dúvidas que Bella tinha há bastante tempo haviam sido esclarecidas: Ryan
via Malu com outros olhos.
[•••]

Bella virava de um lado para outro e não conseguia dormir tranquilamente. E


desse modo a noite passou.
Com olheiras visíveis abaixo dos olhos, desceu até a cozinha.

- Bom dia Bella. - O irmão deixa o jornal de lado e a abraça.

- Bom dia! - Pega uma maça.

O trajeto estava sendo feito em completo silêncio.

- Não é esse o caminho da escola. – Bella estranhou.

- Vou buscar a Paty. – Cris disse indiferente.

Ele para em frente a uma casa grande e Paty que se encontra na calçada abre
um amplo sorriso.

- Bom dia amor. - Cris sai do carro e dá um selinho nela. - Pode sentar no
banco de trás Bella?

Sem emitir palavra alguma, Bella retira o cinto e vai para o banco de trás.

- Oi cunhadinha. - Paty entra no carro.

Como o irmão poderia confundir o modo sonso dela com doçura?


- Oi. – Disse breve.

Desconfortável: era a palavra certa para descrever o incômodo que a jovem


Lira sentia com a presença da colega de classe.
No exato momento em que Cris estaciona o carro em frente ao colégio; a
irmã sai do veículo emburrada.

- Chupou limão, é? - Luana pergunta ao ver Bella entrar na sala com a


expressão fechada.

- Antes fosse... acredita que a lambisgoia da Patrícia está namorando meu


irmão?

- Mentira? – Luana coloca a mão na boca incrédula.

- Poxa cunhadinha nem me esperou. – Paty entra na sala e fita sua algoz
debochada - O Dylan está com saudades, na verdade ele quer terminar o que
começou... - Morde o dedo. - Não vai faltar oportunidades, já que estamos
marcando um almoço entre nossas famílias.
Bella engole a seco lembrando do fatídico dia em que foi cercada por Dylan e
seus amigos.

- Patrícia Alcântara, sente-se no seu lugar. – A professora de inglês entra na


sala.

Uma semana depois...

Bella encontrava-se fadigada das implicâncias que sofria na escola. Por que
as pessoas tinham grande dificuldade para respeitar alguém com
personalidade diferente? Era chato ser perseguida pelos outros; como se fosse
errado não ser como os demais.

O sol raiou intenso naquele sábado em que os jovens retornavam a


evangelizar.

Bella subia a comunidade ao lado de seus dois amigos. Avistou Roger com o
semblante triste; o rapaz acenou para ela, que retribuiu o cumprimento.
A ruiva prendeu a atenção mais a frente. O coração dela acelerou no exato
momento em que seu olhar se cruzou ao dele. Um sorriso indevido pairou em
seus lábios, mas durou pouco ao acompanhar a cena seguinte.
- O que foi? – Malu segurou o braço da amiga com cara de paisagem.
Não foi preciso responder. Malu soube a resposta quando olhou para o lugar
que Bella encarava.

Capítulo 11

Allan, percebendo ser encarado por Bella, beija Lorena como se quisesse
engoli-la de tanta voracidade. A mão dele passa por toda extensão do corpo
da morena, que arfa de desejo.
Tal cena embrulha o estômago de Bella.

- Vamos sair daqui ... - Malu puxa a amiga para longe dali.

- Você está prendendo choro? - Ryan encara a ruiva confuso.


- Eu... – Suspira. - É uma longa história. – Se sentia uma grande e completa
idiota.

Ela não sabia explicar bem o que se passava dentro dela. Ciúmes? Visível.
No entanto, vivia a se repreender repetindo diversas vezes a mesma frase: “
eu não posso gostar dele”.
Os jovens continuavam o trajeto.

- Oi. – Bella cumprimenta a senhora que lhe ofereceu água há umas semanas
atrás.

- Olá. - Sorri. – Aceitam um suco? – Pergunta gentil.


Era costumeiro Dona Joana oferecer algo para quem se deslocava até a
comunidade para fazer o bem.

- Não queremos incomodar. - Diz Malu.

- Incomodo nenhum, acho bem bonito a atitude de vocês. – Aponta para a


direção de sua casa. – Venham comigo!

Eles foram levados até a casa grande e bonita. Diferente da arquitetura de


toda a comunidade, ali parecia ter sido bem projetada. O local não era
estranho para Bella.

- Essa casa é do Allan? – Bella pensa alto e Dona Joana se vira em direção a
ruiva.

- Sim, ele é meu filho. Você o conhece?


- Quem não conhece o dono do morro. - Ryan comenta.

- Como sabe que essa é a casa dele? - Malu a olha esquisita.

- Entrem. – A senhora percebe o clima que se formava, e o semblante sem


jeito da jovem de cabelos vermelhos.
Ela recebeu os jovens de bom grado. Ouviu atentamente as palavras deles e
tirou algumas dúvidas.

- Vamos esperar uma visita sua em nossa igreja. – Bella carinhosamente a


abraçou. – Muito obrigada pelo lanche!

- Eu que agradeço pelo tempo que disponibilizaram me falando de um amor


tão bonito. – Diz sincera.
Malu e Ryan se despendem dela.
Os três começam a fazer o retorno para o início da comunidade. No meio do
caminho era possível ver Allan com alguns homens; todos armados. Bella
passou ignorando a presença do comandante do morro.

- Isabella. - Sua voz soou firme e seca. Fitou a ruivinha com raiva.

Ela mordeu levemente o lábio inferior. Com o corpo estremecido ao ouvir sua
voz, virou-se em sua direção.

- Quero trocar uma ideia contigo. – A encara sério.

- O que quer falar com ela? - Ryan se manifesta.

- Se a Terra não girasse, existiriam menos tontos no mundo? - Disse ríspido e


os que estavam com ele soltaram algumas risadas. – Seu nome é Isabella por
acaso? – Trincou a mandíbula fuzilando o engomadinho com os olhos.
Ryan pensou em rebater, mas a amiga impediu.

- Diga! – Bella ergueu a sobrancelha.

- Chefe, aqui ta o rato. – Hulk interrompeu o momento chegando com Roger


amarrado e com a cabeça baixa.

- Está tudo bem? – A ruiva tenta tocar o jovem, mas os capangas de Allan
impedem-na.

- Pode apagar. - Allan disse sério, apontando para um de seus homens, que
começa a levar Roger.
Isabella Lira arregalou os olhos e abriu os lábios petrificada.

- Apagar? O que vai fazer com ele? – Indaga séria.

- Eu nada. - Entorta a boca - Eles vão.

- Por quê? - Pergunta com a voz falha.

- Está nos devendo os bagulhos, e a conta de quem não paga é essa. - Diz
indiferente.

- Como tem coragem ? – Bate em seu peito e ele segura sua mão.
O que ela poderia esperar dele? É claro que coisas daquele tipo eram
rotineiras. Mas ao se apaixonar, frisou outras coisas, omitindo a realidade de
quem realmente era Allan Stuart.
- Melhor irmos Bella. - Malu disse com a voz trêmula.

- Responde. – Tenta se soltar dele, porém Allan a aperta mais forte.

- É como as coisas funcionam.

- Você é um monstro. – Pisa em seu pé e o aperto fica cada vez mais forte;
fazendo com que sua pele assuma tons arroxeados em volta do pulso.

- Tu para de me afrontar assim. – A sacode.

- Não importa quem aperta o gatilho; isso não lhe torna menos assassino.

- Bella para... - Ryan a repreende. - Solte-a, por favor!

- Tá querendo ir pro mesmo plano que o play vai? – Allan vocifera.

- Ela está fora de si. - Ryan intervém – Solte-a! – Pede novamente.

- Se liga na fita Isabella, se me afrontar assim novamente: te passo para outro


plano. Sacou? – Lança um olhar frio antes de solta-la.
Ela meneia a cabeça em concordância.

Ryan segura sua mão e de Malu e caminham rapidamente.

- Está querendo morrer? – Malu a repreende - Quase surtei!!!


- Me tira daqui, por favor! – Pediu emotiva demais.

Ryan deixou Bella em casa como lhe fora pedido.

- Chegou mais cedo filha. – Sua mãe veio da cozinha com um pano de prato
nas mãos - O que foi isso? - Olha diretamente para o braço roxo da jovem.

- Eu... é...bati. – Mentiu.

- Tem que tomar mais cuidado, cadê seu irmão?

- Ficou lá mãe. Vim mais cedo porque não estou me sentindo muito bem.
Vou tomar um banho e tentar dormir um pouco. - Força um sorriso e sobe as
escadas.
Ao chegar no quarto, ela se ajoelha no chão com a cabeça baixa.
- Eu sei que sou cheia de imperfeições, repleta de falhas. – As lágrimas
rolavam pelo seu rosto. – Peço que retire esse sentimento de mim...

Sempre imaginou que encontraria em seu caminho alguém perfeito para se


amar. Afinal, esperava e se guardava para isso. Apesar de ter o conhecimento
de que pessoas perfeitas não existem, acreditava que encontraria alguém
especial. E como Allan faria parte dessa equação? Deus colocaria na vida de
uma menina que buscava intimidade com Ele dia após dia, um rapaz cuja
vida errônea poderia tirá-la dos trilhos?

[•••]
Um novo dia iniciava-se.

- Bom dia filha. – Rebeca caminhou até a menina. – Está se sentindo melhor?

- Bom dia. – Depositou um beijo suave na bochecha da mãe. – Estou sim. –


Se assenta e cumprimenta o irmão e o pai.

- Foi bom ter acordado cedo... daqui a pouco vamos conhecer os pais de
Patrícia. – Isaque toma um gole de café.

- Eles virão aqui? – Perguntou Bella entediada.

- Não Bella, vamos na casa deles. - Cris se encontrava sorridente.

- Eu não irei. – Tenta soar educada.

- Isabella!! – O pai encara a filha de modo sério.

- Ainda estou indisposta. – Odiava mentir, no entanto naquele exato momento


não teve escolha.

- Ah... - Suspira - Já deu remédio a ela Rebeca?

- Vou fazer um chá para ela Isaque. – A mulher responde.

Bella fica aliviada quando eles saem para o bendito almoço. Assenta-se
no sofá e liga a televisão. Aparece o noticiário, e a foto de Roger
estampada na tela chama sua atenção.
- O corpo de Roger Cavalcanti foi encontrado jogado em um matagal de uma
cidade vizinha. – Fica trêmula ao ouvir tais palavras. - No corpo de Roger,
havia marcas de tortura. A família Cavalcanti lamenta o ocorrido e não
quiseram se manifestar a respeito.

A jovem aperta o botão vermelho no controle remoto.


- Ele o matou... – Colocou os dedos entre os lábios.
Atônita.
O rapaz sempre lhe pareceu de família rica e influente, não estava enganada
quanto a isso. Era triste pensar que mais uma vida havia perdido nessa
batalha chamada: vicio.
Gostaria de que tivesse aceito seu convite, que de alguma forma Deus falasse
mais alto em seu coração. Mais que seus desejos carnais. Mas era como
pensava: nem todos gostariam de ir para o céu.
Para muitos, Deus e tudo relacionado a Ele: é chato e massivo. Parece
torturador dedicar cinco minutos de oração. Se na terra escolhem isolar Deus
de suas vidas, como poderiam ser felizes com o Criador na eternidade?

Capítulo 12

- Tô indo pra boca. – Allan pega sua HK21 e põe em seu ombro.

- Me acompanha hoje? – A mãe aparece na sala com os cabelos desgrenhados


e uma vassoura em mãos.

- Não sei, vou pedir ao Repolho.


Joana encara o filho de modo insistente.

- Eu quero que você me acompanhe.

- Aonde? – Allan pergunta impaciente.

- Esteja aqui ás 18 horas. - Dá as costas para o filho.

O rapaz balança a cabeça e sai em direção a moto. Em questão de poucos


minutos chega até a boca.

- Fala chefe. - Zelão e os demais cumprimentam o dono do morro.


Ele se limita a fazer um beleza com as mãos, e entra na sala onde Hulk e
Repolho estão a sua espera.

- Hoje tem descarregamento do bagulho, fiquem atentos! - Se senta na


cadeira e coloca os pés na mesa.

- Não vai com a gente? - Repolho pergunta.

- Hoje não rola. – Allan puxa um cigarro.

- Cara, a gente tá com problemas. - Hulk avisa sério.

- Qual é a parada?

- Perdendo a clientela. Essa parada desse povo da zona sul, vindo aqui para
falar aquelas baboseiras de Deus, está melando os negócios.

- A gente que está pagando o pato. - Repolho completa. – A gente tem que
fazer eles rapar o gato daqui.
Allan pareceu refletir. Quando aceitou a evangelização, foi apenas como
meio de passar uma boa imagem da comunidade. Não imaginou que sairia
perdendo no tráfico. Afinal, eles não pareciam nada convincentes.

- Deixa que eu resolvo essa treta. – Disse por fim.

[•••]

Um grande oceano estava na frente de Isabella. Ao longe, havia muita


escuridão. Entre às ondas turbulentas, enxergava alguém se debatendo...
parecendo estar preso a algo que não lhe deixava emergir por completo.

- Vá embora. - Uma voz grossa ecoava pelo lugar - Eu nunca serei bom o
suficiente, não se aproxime. – Com força era puxado para baixo e lutava para
subir e encontrar a superfície.

Receosa, vai a passos lentos ao seu encontro.

- " Deus faz que o solitário viva em família; liberta aqueles que estão presos
em grilhões; mas os rebeldes habitam em terra seca. " - Outra voz soou.

Quando ela toca os pés na água: tudo desaparece. E ela desperta do sonho.

Não iria ao colégio naquela segunda-feira porque haveria conselho de classe.


" Vem aqui depois da sua aula" . Mandou mensagem para Malu.
Se deitou desajeitada no sofá e começou a zapear os canais. Impressionada
com a falta de conteúdo bom, para em qualquer um e viaja lembrando do
rosto de Allan e suas palavras ríspidas.

[•••]

Já era a tarde quando a campainha tocou.

- Bella. – Malu abraça a amiga.

- Oi. – Esboçou um sorriso.

- Fala logo. - Abana as mãos. Não escondia a curiosidade.

- Entra primeiro, respira!! – Bella abriu espaço para a amiga entrar: logo após
fechou a porta.

A jovem ruiva fez sanduíche e ambas lancharam; depois subiram para o


quarto.

- Antes de você me contar o que está acontecendo... - Se senta na cama. -


Ontem passou no jornal o garoto que eles estavam segurando lá na favela. –
Contou.

- Eu vi. - Diz sem emoção.


- Minha colega de escola era prima dele. Disse que os pais estão se sentindo
culpados por tê-lo deixado tão solto. Apesar de tudo era um menino muito
bom pelo que disse.

- A maioria é. - Sua voz sai embargada.

- Bella. - Segura a mão da amiga - O que está acontecendo? - Fala


pausadamente.

- Eu...- Suspira. - Eu estou apaixonada por um assassino, um traficante... –


Trinca os dentes. – Eu me apaixonei pelo dono do morro. – Bella parecia
desabar quando pousou a cabeça no ombro de Malu.

- Como isso foi acontecer? – Acaricia os cabelos ruivos.

- Eu não sei. – Engole a seco. - Desde a primeira vez que nossos olhares se
cruzaram, não teve um dia sequer em que eu não tenha pensado nele... diz
alguma coisa! - Pede com o rosto banhado de lágrimas.

- Eu não sei o que dizer Bella. Ele não é o cara ideal para você... sempre será
uma pessoa marcada pelo tráfico, mas quando amamos: não vemos aparência
ou status. Simplesmente acontece e o amor que não conseguimos explicar: é
o que mais dura. Poderia falar tantas coisas que você já sabe. Mas não
surtiriam efeito, pois, o sentimento ainda estará ai dentro de você. – Encara
Bella de modo sereno. - A única coisa que você deve fazer é orar a Deus e
pedir direção.

Ela deita nas pernas de Malu enquanto a mesma mexe em seus cabelos. O
que mais admirava na amiga era que sabia a hora certa de dizer algo; e
também quando deveria ficar em silêncio.
Bella se perdeu no tempo ao cochilar. Quando acordou, não encontrou a
amiga. Tropeçando nas próprias pernas, caminhou vagarosamente para o
andar de baixo. Parou no meio do lance de escadas, ao ouvir algumas vozes.

- Eu não quero te perder. - Viu Cris segurar o rosto de Malu - Não se afaste
de mim, é a única coisa que te peço. - Beija sua testa e Malu suspira.

- Tudo bem. - Força um sorriso nada sincero.

- Sua amizade é muito importante para mim. – Cris dizia terno.

- Muito feio ouvir a conversa dos outros. – Isaque para na escada e diz no
ouvido de Bella que dá um pulo assustada.

- Quer me matar? - Coloca a mão no peito. Seu rosto está pálido.

- Vá se arrumar para irmos ao culto. – O pai dá uma risada leve e desce.

[•••]

Malu e Bella foram no carro de Cris para a igreja.


A caçula fitava a paisagem pela janela em completo silêncio.

- Esta muito quieta esses dias Isabella. - Cris olha para ela de relance.

- Em boca fechada não entra mosca. – Deita a cabeça no vidro.


Os jovens chegam à igreja.
Bella observa uma senhora chegando. Ao se aproximar lhe reconhece.

- Boa noite. – Demonstra sua felicidade ao vê-la. - Que bom que veio!!

- Dei minha palavra.


Bella desvia o olhar para trás de dona Joana e sente seu coração disparar.

- Você? – Encara Allan com o semblante confuso.

Capítulo 13

- Onde tu vai mãe? – Allan a ignora por completo e encara Joana de modo
irritado.

- Aqui. - Aponta para a igreja.

- Tá de fuleragem com minha fuça? - Dispara grosso.

- Olha como fala, ainda sou sua mãe. - Repreende-o.

- Isso é treta tua né ? – Fuzila Bella com os olhos.

- Allan Stuart, por favor!! – Pede - Vou entrando. - Se afasta demonstrando


impaciência com o filho.
- Só me faltava essa, nunca que vou entrar aí. - Diz com desdém.

- Duvido que já tenha pisado em algum lugar melhor do que esse. – Bella dá
de ombros.

- Garanto que sim. - Diz por trás, perto de seu ouvido, fazendo-a se arrepiar.
Allan passa a sua frente e lhe lança um sorriso debochado.

Na mesma medida que era tosco, conseguia ser lindo.


Ela respira fundo e entra na igreja, dirigindo-se até o piano.

O culto se inicia e todos os seus pensamentos se dissipam. Ela se entrega


totalmente ao louvor.

[•••]

- Você não vai acreditar!! - Malu puxa Bella para o canto; próximo ao
bebedouro da igreja.

- O que foi?
- O tal dono do morro. – Entortou os lábios. - Ele chamou Diego para
conversar e barrou a gente de entrar na comunidade.

- Por quê? – Engole a seco.

- Não sei...
Bella balança a cabeça e passa por Malu.
- Onde vai? - Lhe puxa pelo cotovelo.

- Falar com ele. – Se esquiva.

- Não Bella, o cara é perigoso. – Tenta convencê-la.

A jovem ruiva, determinada, caminha depressa. Avista Allan indo em direção


ao carro.

- Allan. - O chama, despertando sua atenção.


O olhar deles se cruzam causando um efeito enorme. Onde havia muita raiva,
com certeza abrigava muito o amor.

- Gosta do que vê? - Sorri mordendo o lábio.

- Não. – Bella se aproxima. - Só me responde: por quê?

- Qual o assunto? – Sínico, finge não saber do que se tratava.

- Por quê não quer mais que evangelizemos no morro?


Allan coloca as mãos no bolso da calça caqui.

- A parada é a seguinte: vocês estão atrapalhando meus negócios.

- Seja mais claro. – Pede.

- Estamos perdendo os clientes por causa do discurso de vocês. Essa


evangelização está me trazendo prejuízos.
- E então você decide isso para mantê-los no vicio? – Sente as mãos dele
segurarem as suas.

- Vamos parar de encher linguiça... - Disse firme. - Eu não quero seu


grupinho lá... se descumprirem minhas ordens: vai ser bala pra todo o lado!
Pode pá? – Encarou os olhos esmeraldas da ruivinha petulante.

- Faria com a gente o mesmo que fez com o Roger e tantos outros, não é
mesmo?

- Eu não sou esse monstro que você pinta. – Passa o polegar pelo braço
aveludado de Bella. - Eu ajudo as pessoas do morro. - A encara intensamente.

- E mata as de fora. Não importa quem aperte o gatilho, de uma forma ou de


outra sempre será o culpado. Você pode ajudar seja lá quem for, porém isso
não altera nada; continua sendo um marginal arrogante.

Ele trinca os dentes e sua postura fica rígida por demais. O olhar de Allan
assume um tom escuro.

- O que está acontecendo aqui? - A voz de Joana atrás deles, faz com que
Allan se afaste de Isabella.

- Difícil imaginar que alguém como você tenha nascido dela. - Diz por fim e
vê que de alguma forma o ofendeu. - Me desculpe por isso. – Pede a Joana e
se retira dali.

[•••]
A família Lira jantava e conversavam na mesa.
- Não consigo entender até agora porque barraram a evangelização. - Cris
comenta.

- É uma pena. – Isaque saboreia o suco. - Mas não faltam lugares para
pregarem a palavra de Deus. - Completa.

- Estou sem fome. – Bella se levanta. - Boa noite para todos! – Diz gentil.

- Bella. - Cris se vira para ela. - Acorda um pouco mais cedo, vou buscar a
Patrícia amanhã.

- Não se preocupe, vou sozinha. – Fugindo de problemas, se retira


rapidamente.

Allan batia as mãos freneticamente no volante.

- Petulante, isso que aquela mina dos infernos é... – Resmungava enquanto
fazia o trajeto para casa.

- Agora pode me dizer porque discutiram? – Joana perguntou assim que


entrou na sala.
Allan retira a camisa e se joga no sofá.

- Deu chilique porque barrei eles de voltarem aqui.

- Por quê fez isso Allan? – Pergunta curiosa.


- Prejudicando o tráfico. - Boceja.

- Agora entendo o porque da última frase dela. - Suspira - Você a cada dia se
torna igual seu tio. Seu pai não ficaria orgulhoso em ver o homem que está se
tornando. – Deixa- o sozinho.
O pai de Allan foi um homem de bem. Trabalhador, jamais deixou faltar o
pão. Em uma troca de tiros, os policiais acabaram lhe acertando uma bala,
inocentemente faleceu. O tio desde então o ensinou tudo sobre o mundo do
crime e... quando morreu: Allan assumiu o posto.
A vida na comunidade não era fácil. O crime lhe concedeu uma vida melhor.
Realmente ele poderia ser o monstro que muitos pintavam. Isabella não
poupou palavras para afronta-lo. E tal ato não ficaria impune. Faria ela pedir
perdão por cada palavra desferida. .

- Repolho tá na escuta? – Pega o rádio que se comunicava com seus


capangas.

- Fala chefe. - Diz com a voz arrastada.

- Já tá virado ? – Allan perguntou imaginando a resposta.


Repolho esfregava as vistas embaçadas.

- Só... Não... Ih mano só bebi umas 3 ou foi 4... – Pousou a cabeça no balcão
do bar. Embriagado.

- Está ligado na mina ruiva, a tal de Isabella?

- Tô mano. Qual o bagulho?

- Tenho uma missão pra tu... mas não pode haver erros.
Allan explica seus planos a repolho, um tanto quanto alterado.
Ele faria a ruivinha ver quem era o “ marginal arrogante”.

Capítulo 14

O despertador soa de modo estridente. Bella tem vontade de joga-lo na


parede, no entanto se lembra que o objeto alarmante é seu celular. Ela se
levanta, prontamente se arruma e pega a mochila.

- Bom dia filha. – O pai analisa a jovem ao entrar na cozinha. - Até mais
tarde. - Pega sua maleta, deposita um beijo suave na testa da filha e se retira.
A caçula dos Lira encontrava-se com um mau humor, que era descontado na
comida. A ansiedade a corroía, esperava terminar o ensino médio o mais
rápido possível.
Encarou os ponteiros do relógio; tinha apenas vinte minutos para chegar à
escola. Apressada, toma o último gole do iogurte de morango, puxa a mochila
e sai de casa.
A rua está silenciosa, ninguém passa ali no momento...exceto o ônibus que
deveria pegar.
Bella coloca a mão no rosto, frustrada ao perder o transporte. Respira fundo,
se vendo obrigada a ir caminhando.
Tem a leve impressão de estar sendo seguida por um carro, caindo aos
pedaços por sinal, aproximando-se lentamente.

- Ah não... – Diz baixo. A medida que apressava o passo, o veículo


aumentava a velocidade. E quando caminhava devagarinho: diminuía.
Respirou aliviada quando a lata velha passa por ela fazendo um ruído
estrondoso. Mas a calmaria, novamente, lhe é retirada. Dentro do carro preto
de pintura desbotada sai um homem encapuzado. Ele vem à sua direção;
Bella pensa em correr, gritar... Mas seus pés não se movem, de seus lábios
secos nenhuma palavra consegue emitir.
O delinquente joga a mochila dela na calçada, segurando-a pelo braço
bruscamente.

- Socorrooooo!!! – Gritou rouca, desesperada e quase sem voz.


Ele tampa a boca dela.

- Sua... – Pragueja, jogando-a para dentro do carro, faz sinal para o parceiro
seguir adiante.

Bella coloca a mão sobre a boca, desconcertada... reconheceu o rapaz no


volante. Era um dos homens que andavam com Allan.

- O que querem comigo? – Mordiscou de modo aflito a unha.

- Fecha o bico ruiva!! - O rapaz retira o capuz. Desse modo, lembrou do rosto
de Hulk que estava ao seu lado na roda de capangas do dono do morro.

A jovem se afunda no banco, tampando o rosto com as mãos. Não queria tirar
conclusões precipitadas do que estava acontecendo.

[•••]

- Passa o rádio pro chefe: avisa que já estamos com o bagulho. – Hulk a puxa
para fora do carro, lhe guiando para um corredor escuro.
- Bagulho? Sério? – Diz indignada. No fundo, não levava tanto a sério tal
palhaçada.

- Tu fala pra cachorro hein. - Abre a porta do galpão e a empurra para dentro
- Fica no silêncio aí dama! – Sai e tranca o lugar.

Escuridão e um intenso odor de mofo entranha pelas narinas de Bella, que


começa a espirrar. Ela se senta no chão frio, alguns pequenos barulhos são
audíveis pelos cantos, deixando-a aflita. Sente algo encostar em sua perna:
em um sobressalto se levanta e sacode a calça.

- AHHHHHHHHH!! – Começa a gritar ao constatar que é uma barata.

- Tá de fuleragem com... – Allan não completa a frase, porque Bella, pulando


como um canguru se choca com seu corpo: ambos caem no chão.
O perfume do rapaz preencheu o lugar. Uma pequena frecha de luz, faz com
que seus olhares se encontrem. Ela se levanta enraivecida por estar naquela
espelunca.

- Aqui tem baratas. – Quebra o silêncio, encolhida em outro canto.

- Não é da minha conta. – Allan sacode a roupa, retirando a poeira.

- Por quê estou aqui?

Ele se aproxima e levanta o queixo dela. - Eu não sou o marginal arrogante?


Então... – Sorri, aparentemente se divertindo com a situação. - Vou te mostrar
quem eu sou de verdade.

- Meus pais vão procurar por mim. – Sussurrou.


- E não vão te achar. - Diz seco - Só vai sair daqui quando eu quiser.

- Vou ficar? Aqui nesse lugar cheio de micróbios? - Pergunta ríspida.

- Baixa a bola mina. - Se altera - Espero que aproveite a estadia. - Se vira


para ir embora.

- Eu tenho alergia. – Murmura.

- E eu tenho fome. – Bate a porta ao sair do galpão.

[•••]

Horas depois, se pôde ouvir um ruído na porta ao ser aberta.

- A comida ruivinha. – O rapaz entra com um prato de macarrão e um copo


de suco.

- Estou sem fome. - Baixou a cabeça.

- Precisa se alimentar gata. - Coloca a bandeja no chão, ao lado dela.

- Quem é você?

- Repolho, satisfação. - Estende a mão e ela ignora.


O cúmplice de Allan revira os olhos e sai, deixando a escuridão tomar conta
do galpão novamente.
Bella não sentia fome... Seu corpo doía e a respiração começava a falhar,
inalando constantemente o mofo que havia ali. Umedeceu a garganta com o
suco que Repolho deixara, e se deitou encolhida no chão duro e frio.
Ela se lembra da história de José, que foi jogado no poço pelos próprios
irmãos e depois foi vendido como escravo; tornou-se mais tarde governador
do Egito. Ele não reclamou, apenas confiou no Senhor. E assim que ela
deveria fazer.
Pediu a Deus que lhe desse forças para suportar o que estava por vir.

[•••]

Bella acordou horas depois, sentindo fortes dores nos músculos. A cabeça
latejava, tentou levantar-se, porém não obteve muito sucesso. Horas depois
alguém entrou no galpão; a claridade ardeu as vistas da ruiva.

- Trouxe o café. - Ouviu a voz do menino com nome de legume. - Dessa vez
coma mina, vai na fé que é tudo nos esquemas. - Diz colocando a bandeja ao
seu lado e recolhendo a da noite anterior.

- O que vão fazer comigo? - A voz de Bella soa esganiçada.

- Pode capa o gato Repolho. - Allan chega atrás dele sério.

O rapaz prontamente obedece o chefe, deixando-os sozinhos.

- Fez amigas por aqui? - Aponta para algumas baratas. Bella mantém a
cabeça baixa. - Come as paradas. – O tom dele era de ordenança.
- Não... minha garganta dói muito.

- Toma a Po** do café. - Grita sem humor.

Seu corpo estremece com o ruído raivoso que emanou de Allan. Lentamente
ela puxa o sanduíche e mordisca um pedacinho; sentindo uma imensa
dificuldade para engolir.

- O que é isso no teu engolir- Allan se aproxima e toca na bochecha onde há


algumas manchas vermelhas. - Tu tá pelando. - Suspira e põe as mãos na
cabeça – Vem!! - Estende a mão para ela com a expressão de preocupação.

Capítulo 15

Allan coloca Bella dentro de um carro preto diferente do dia anterior, e


manda um comando ao Repolho. A ruivinha acaba pousando a cabeça sobre o
ombro do chefe: que de modo natural afaga seus cabelos.

- Tua mãe vai explanar geral. – Hulk balança a cabeça, insatisfeito com a
situação.

- O que tu sugere? - Allan rebate. – Ela vai ter que ficar lá até a gente
melhorar o nosso plano.

Bella fica quieta durante todo o trajeto; apenas ouvindo as conversa


desconexa deles. Não entendia metade das gírias e expressões que usavam
naquele momento.
O carro para em frente a casa de Allan; eles esperam não haver ninguém por
ali, para fazê-la entrar sem ser vista.

- Anda Isabella! - Allan estende a mão em sua direção.

Com as pernas pesadas, coloca um pé para fora... Allan impaciente com a


lerdeza da patricinha: pega ela no colo, bufando e caminhando rapidamente.

- Já passei um rádio pro Repolho ir até a farmácia e comprar medicação pra


ela. – Diz ao Hulk enquanto coloca Bella no sofá. – Fala para ele se apressar.

- Ok chefe. – Hulk coçou a cabeça inconformado, e se retirou.

Allan liga a televisão e joga o controle remoto em cima de Bella, assustando-


a.

- Não quero ouvir um pio teu ruivinha. - Vai até a porta e a tranca, fazendo o
mesmo com as janelas.
A jovem encara uma foto sua na tela. Entorta os lábios e aperta levemente os
olhos, ao perceber que não era uma de suas melhores fotografias.

- Isabella Vilar Lira de dezessete anos: continua desaparecida. Sua mochila


foi encontrada em uma calçada há cinco minutos de casa... os policiais estão
investigando, mas ainda não possuem pistas do paradeiro da jovem.

Ela engole a seco... Pousa a mão sobre o coração, sentindo as batidas


aceleradas.
Com dificuldade se levanta, vasculhando a casa sorrateiramente… a procura
de algo que pudesse entrar em contato com a família.

- Tu perdeu alguma coisa? - Leva um susto ao ouvir a voz de Allan atrás dela.
- Eu estou nos jornais. - Se vira, fuzilando-o com os olhos esmeraldas.

- E daí? – Pergunta entediado. - Já está melhor? Quer voltar para onde


estava? – Segura o braço dela.

- Não, por favor! – Respira pesadamente. Ela não conseguia manter a postura
firme; a cada minuto que passava, mostrava o quanto estava vulnerável.

- Então fica sussa. – Solta Bella e corta o fio de um telefone nas


proximidades do corredor. - Não tente fazer gracinhas.

[•••]

O calor excessivo fazia Bella se sentir pior. Expirava diversas vezes, além de
sentir o corpo doer por completo.

- Cadê tu Repolho? - Allan grita no rádio. - Apressa o passo. - Bufa.

Ele se senta no sofá, e coloca a mão na testa da jovem: que estremece.

- Ainda está quente demais. - Se levanta. - É melhor tomar um banho para a


febre abaixar um pouco. – Vai até o quarto, separa uma blusa confortável e
uma calça de moletom para ela usar.

O dono do morro a guia até o banheiro.

- Obrigada! – Bella segura as peças de roupa e a toalha. Fica imóvel,


esperando ele "se tocar" e deixá-la sozinha.

Com um sorriso maroto nos lábios, encara a menina.

- Quer ajuda para tirar a roupa? – Lança um olhar pretensioso.


Isabella balançou a cabeça vagarosamente. – Não precisa. Estou com alergia
e não sem as mãos.
Allan deixa escapar um sorriso antes de se retirar do banheiro.
Ela entra no chuveiro com o corpo trêmulo.
Após o banho rápido, veste as roupas de Allan e sente o aroma do perfume
dele entrar em suas narinas. Aquilo lhe trouxe boas sensações.
Deixa a toalha sobre os ombros por conta da umidade de seus cabelos.

- É pra tu tomar de oito em oito horas. – Allan disse ao vê-la chegar na sala.

Sem rodeios, Bella se aproxima pegando o comprimido, e se assenta no sofá.


Allan não consegue deixar de encara-la. Lentamente, suas mãos seguram a
toalha e começam a tirar o excesso de água que tinha nos cabelos dela.

- Está com frio? - Desliza seus dedos pelo braço dela: que arrepia-se.

- Sim. – A voz doce de Bella soa falha.

O dono do morro se levanta; volta minutos depois com um casaco enorme: e


ajuda-lhe a vestir.

- Assim está melhor? - Se acomoda ao seu lado no sofá e coloca em um


filme.
- Sim. – Esboça um fraco sorriso.

- E assim? – Passa os braços ao redor dela, fazendo com que deitasse a


cabeça em seu peitoral. Ela engole a seco, sentindo uma imensidão de
sensações com tal proximidade. As batidas do coração dele se encontram tão
aceleradas quanto as dela.

Não deu tempo de ter reação. No mesmo intervalo de segundo: um ruído na


porta pôde ser ouvido.

- Filho, cheguei!! - A voz de Joana ecoa pela sala - Viu no... - Ela congela ao
ver os dois. - O que significa isso? - Sua expressão é totalmente de surpresa.

[•••]

Depois de conversar com a mãe, Allan e Joana retornam.

- Se sente bem? – A voz da mulher é carregada de preocupação.

- Um pouco. – Bella responde sem jeito.

- Vou preparar o jantar qualquer coisa é só me chamar. - Se afasta.

- O que disse a ela? – Ela encara Allan, que está vestido com uma roupa
diferente. - Para que fica andando com isso? – Aponta para a metralhadora.

- Não é dos teus entendimentos. - Dá de ombros e sai de casa.

“ Entendimentos”. – Bella franze a testa.


A menina resolve esticar um pouco as pernas. Levanta-se e vai até onde está
Joana. A senhora está sentada cortando alho. Ao perceber a presença de
Bella, faz sinal para que se assente ao seu lado.

- Me desculpe por meu filho. - Suspira - Ele não é uma pessoa ruim, tem um
bom coração... mas a vida fez com que ele se transformasse... - Ela não
termina a frase.

- Tudo bem.

- Não está tudo bem Bella, o que vai ser dele se descobrirem você aqui?

Bella concordou. Encolhida na cadeira pergunta: - Ande ele foi?

- Ah querida... pra perdição. – O ruído da faca ao cortar o alho e encostar na


mesa, era estridente. Bella enxergava o quanto a mulher a sua frente estava
aflita.
As duas jantam juntas. A ruiva elogia a comida da mãe de Allan com
sinceridade.

- Vamos providenciar uma cama para você, espero que não se importe. – Se
refere ao sofá.

- Não se preocupe.

Dona Joana entrega a ela coberta e travesseiro. Com um abraço acalentador


se despede e vai para o quarto.

Já era bem tarde quando Bella, sem sono, começou a cantarolar baixinho uma
canção. Ouve o barulho de um objeto caindo no chão. Olha em direção a
porta e vê uma sombra que lhe assunta: fazendo com que derrube a garrafa de
água no chão.

- Não queria assustar tu. - Allan diz com a voz arrastada. - Boa noite Bella. -
Clareia o caminho com o celular.

- Boa noite Allan. - Diz em um sussurro.

- Nada mal. - Se vira e seus olhares se cruzam.

- O que?

- Sua voz.

Capítulo 16

Bella havia acordado bem melhor naquela manhã; os remédios fizeram rápido
efeito. A ruiva escovava os dentes quando Allan de modo grosseiro parecia
espancar a porta.

- Tu morreu aí dentro? – Seu tom era alto.

- Já estou saindo. – Começou a enxaguar a boca.

Cruzou os braços e revirou os olhos.


- Está me atrasando. - Resmunga.

Minutos depois, Bella abre a porta e o vê escorado na parede com o


semblante emburrado. Ele entra no banheiro e sem falar nada bate a porta.

- Bom dia! - Joana faz sinal para que vá até a cozinha.

- Bom dia... - A voz de Bella sai arrastada.

- Você toma café puro? – Joana ergue a sobrancelha.

- Sim. Na verdade amo café.

- Que bom. - Sorri e a serve - Não temos muito, sei que está acostumada com
coisas melhores, mas espero que goste.

- Não se preocupe, está tudo ótimo.

[•••]

Joana vai trabalhar... Allan some de suas vistas e ela se joga no sofá
entediada.

- Estou indo pra boca. - Allan aparece cheio de colares e a metralhadora em


volta do braço. - Meus parças tão de butuca aqui. – Avisa.

- Pode deixar chefão. – A menina revira os olhos e observa o rapaz ir embora.


Ela fecha os olhos... A imagem de sua família e amigos preenchem sua
mente.

Não tinha muitas opções de entretenimento. Passou a manhã entre um cochilo


e outro.

- Bella!!!- Ouve a voz desesperada de Allan ecoar pelo cômodo.

Sobressaltada, encara o rapaz que a segura pelos braços, puxando-a


velozmente.

- Ei!! - Esfrega os olhos sonolenta - O que está fazendo?

- Você tem que sair daqui. – Encara a menina durante breves segundos. - Eles
estão aqui.

- Eles quem? - Pergunta confusa.

- Seus pai e os vermes. – Allan está com o corpo rígido e sua expressão
tensa.

Ele coloca a jovem no carro preto de vidros escuros parado em frente a sua
casa.

- Por quê não me entrega a eles?

- Não desse jeito... entregar você agora seria minha sentença. – Allan segura
a mão dela. – Eu não quero fazer mal a você, tem minha palavra que em
breve estará com sua família. Mas nesse momento preciso que seja levada
daqui.

- Tudo bem. Para onde vão me levar?

- Pro Rio. - Diz rápido - Você entende né?

- Sim. - Seus olhos marejam.

Ele era o maior culpado de toda aquela história; para Bella, no entanto, isso
não dava direito de lhe desejar mal.

- Obrigado. - Se agacha e estende a cabeça, ficando próximo a ela. Segura o


rosto de Bella, e com ternura deposita um beijo suave em sua testa. O olhar
dele é intenso e sem permissão encosta seus lábios quentes nos dela,
deixando ali um selinho com gosto de quero mais. - Te encontro lá quando
puder. – Fecha a porta.

- Cuida dela! - Pede a Repolho que concorda e dá partida com o carro.

O rapaz entra em um atalho pouco conhecido pelos outros. – Fica abaixada


ruivinha. – Pede.

- O que vai acontecer agora?

- Vai dar treta por causa da polícia, mas Allan deve fazer acordo e deixar
somente uma pessoa subir... vão procurar e não vão achar nenhum vestígio
seu.

- E se Allan me entregasse a eles? O que aconteceria?


- Estaríamos lascados, tu é gente fina... – Encara Bella de relance - Agora
entendo porque ele gosta de tu. - Ela sorri ao ouvir aquelas palavras. - Se tu
tiver com fome, nessa sacola aí do lado: tem rango. - Avisa.

- Como me descobriram lá? – Pega a sacola.

- Sua amiga comentou algo do Allan. - O policial fechamento nosso avisou a


gente.

[•••]

Quando chegaram na casa de praia estava anoitecendo.

O céu estrelado e a lua cheia produziam um charme a mais. O barulho das


ondas quebrando, a brisa fresca...

- Lindo né?

- Demais. – Respira ar puro. - De quem é? - Aponta para a casa.

- Era do tio de Allan, agora é dele. - Responde e guia Bella para dentro. -
Não deu tempo de trazer nada, então amanhã vou arranjar umas roupas para
você. – Coça a cabeça.

Repolho mostra a casa para a ruiva. Logo após, prepara um lanche enquanto
ela toma um banho.

- Parece bom. – Com fome, aponta para o sanduíche que Repolho estava
fazendo.

- Minha especialidade. - Pisca o olho.

- Por quê Repolho? – Pergunta curiosa. - Qual seu nome verdadeiro?

- Heitor. – Estende a ela um copo contendo suco. – Repolho é por causa que
quando era criança eu gostava muito.

- Entendi. – Mordisca um sanduíche. – Então pode me chamar de jujuba. –


Brinca. - O que aconteceu com o tio do Allan?

- Morreu. Ele que ensinou tudo que o Allan sabe hoje em dia.

- E a Joana? Ela não parece concordar com o jeito dele de viver. – Comenta;
o rapaz era uma companhia agradável.

- E não concorda ruivinha. Allan nem sempre foi assim; o pai dele era muito
trabalhador e sempre quis que ele tivesse uma vida diferente dos moleques do
morro, sacou?

- E o que aconteceu?

- O pai dele morreu de bala perdida em um confronto; o Zangão e o Hulk


aproveitaram isso e começaram a fazer a cabeça do Allan... então ele entrou
pro crime e quando o tio morreu, tomou o lugar dele. Sei o que você pensa
sobre nós, mas é questão de sobrevivência. Na favela não temos muitas
facilidades e então tentamos levar a vida de um jeito mais fácil.

- Tudo bem que vocês ajudam as pessoas do morro, mas contribuem para o
vício, matando as pessoas por nada.

- Como por nada ruivinha? Quem deve tem que pagar: senão como fica
nossos negócios?

- Você chama isso de negócios? Estamos falando de vidas que são tiradas.

- Você nunca vai entender. - Suspira.

- Não, nunca entenderei algo assim.

- Então... - Se levanta encarando-a. - Deixe isso claro pro Allan; ele não vai
mudar o que ele é, muito menos largar tudo por você. Me enganei, não há
futuro pra vocês. – Deixa ela sozinha na cozinha.

- Eu sei que não. – Disse baixinho. E como aquilo doía.


Tudo em Allan envolvia riscos.
Está sempre fugindo de algo, vivendo na ilegalidade...
Mas vai dizer isso ao coração.

Capítulo 17

Allan deixou que vasculhassem a comunidade para tentar encontrar Bella.


Isaque pediu para conversar com o rapaz a sós. O traficante levou o senhor
para a casa de Hulk.

- Fala aí! – Allan cruza os braços e inclina a cabeça.


Isaque se assenta. Enlaça os dedos e encara Allan com o cansaço visível pelas
olheiras que estavam abaixo de seus olhos.
- Eu não sou idiota a ponto de achar que minha filha está aqui. – O homem
engole a seco. – Esses policias não passam de conchavos seus, não é mesmo?
Caso não fossem, já estaria preso por outros crimes...
- Realmente a dama não está aqui. – O dono do morro deu de ombros
indiferente. – E se o senhor sabe disso, por que toda essa palhaçada?

O pai de Isabella respirou fundo. Não demonstrava temor em momento


algum.
- Quanto você quer em troca? – Ergueu a sobrancelha. – Diga, a quantia que
for.

Ele passou as mãos pelos fios loiros. Balançou a cabeça vagarosamente.

- Eu não estou com sua filha. – Disse com firmeza. – É verdade que tivemos
alguns atritos por causa da petulância dela comigo. Não costumo aceitar
fuleragem com minhas fuças e deixar quieto. Mas não sequestraria uma
riquinha por causa de briguinhas sem importância.

A porta se abre; ambos observam a entrada de Lorena.

- Amor. – A morena abre a porta e se joga em cima de Allan.

Ele se levanta do sofá e puxa a jovem.

- Fica a vontade para vasculhar a comunidade. Mas aqui não vai encontrar
nada, tá ligado? – Encara Isaque. – Pode pá, que está perdendo tempo com
pistas erradas.

Na companhia da morena sai para a rua.

- O que tu aprontou? – Ela sussurra em seu ouvido.

- Fecha o bico. – Rebate grosso.

- O que eu ganho pela ajuda que te dei? – Coloca a ponta do dedo indicador
nos lábios de modo sedutor.

Allan, impaciente revira os olhos.

- Ajudou em quê? – Ergue a sobrancelha. – Eu te dou uma melancia, serve?

O semblante de Lorena se transforma. A jovem fica com uma carranca


enorme.

- Eu vi você colocando a água de salsicha no carro em fuga. – Lança um


olhar desafiador. – Acho melhor pensar direitinho na minha recompensa. –
Pisca o olho e sai rebolando.

[•••]

Hulk se mostrava pensativo. Com certeza, tentava maquinar um plano.


- Será que ele acreditou em você? – Encarou Allan.
- Eu fui convincente. – Bebericou um gole de cerveja.

- Temos que fazer algo. – O amigo batia a ponta do dedo na madeira.

- Tô ligado, mas o que?

- Vamos pedir resgate... se você conseguir convencer ela a ficar calada:


saímos ilesos e com uma boa grana.

Allan balança a cabeça em concordância.

Ele gostava de Isabella. Mais do que havia imaginado. Um relacionamento


entre os dois seria regado de impossibilidades. Agiu sem pensar quando
resolveu sequestrar a filha do pastor. Manchando cada vez mais sua
reputação em relação a ela e sua família.
- Esse será nosso próximo passo. – Disse com a voz carregada de rouquidão.

[•••]

No espaço de dois dias, Allan deixou tudo no esquema no morro. Se


certificou de não estar sendo monitorado e foi em direção a praia no Rio de
Janeiro, onde Bella e Repolho se isolavam.

- Repolho, cadê ela? – Entrou na casa ansioso para vê-la.


- Fala mano, eu tô legal e você? – Revirou os olhos. – Tá na sala.

Allan balança a cabeça com um sorriso divertido nos lábios.

Sem dizer mais nada, se encaminha para a sala. Observa a ruivinha deitada no
sofá com um pote de chocolate nas mãos. A beleza de Bella lhe trazia paz de
tão escultural e angelical. Como se seus traços fossem sido esculpidos
delicadamente por um artista obcecado por detalhes. Era um conjunto
perfeito de harmonia. Os olhos esmeraldas; cabelos da cor do fogo. Ahh...
como era Bela!!!

- Dama. – Allan chamou sua atenção.


Seus olhares se cruzaram.
Bella sentiu um alívio grandioso quando o viu chegar. Sem pensar: correu em
direção aos braços fortes e acolhedor de Allan. Um abraço cheio de saudades.

Quando estava ao lado dele, sentindo o calor de seu corpo e o hálito quente
bater contra sua pele... sentir-se apaixonada por Allan Stuart, não parecia ser
errado. Por segundos apagava os rótulos, dogmas e achismos. Presava a
pessoa que ele era, admirava o lado bom que existia dentro do rapaz.

- Como foi lá? – Sua voz saiu abafada. Retornando aos poucos a realidade.

- Eles acreditaram que não está comigo. – Enrola uma mexa dos cabelos de
Bella em seu dedo.

- Com quem você conversou?

Os dois vão até o sofá: assentando-se frente a frente.


- Com seu pai. – Respirou fundo.

- Como ele está? – Seus olhos marejam.

Allan se sente um completo idiota. Ele gostaria de ter tido uma história
diferente, porque teria a oportunidade de lutar pelo coração da jovem.

- Desesperado. – Respondeu sincero. – Fica sussa. Eu vou dar um jeito nisso!

- Promete? – O encara com os olhos brilhantes.

- Em breve estará de volta a sua casa, com a sua família. – Allan deposita um
beijo em sua mão e ela acaricia seu rosto com a outra mão. Se havia uma
promessa que poderia cumprir, era aquela.

- Obrigada!! – Sussurrou.

- Não por isso. – Força um sorriso. – Você é tão linda Bella!! – Aproxima seu
rosto do dela.
Encarava os lábios rosados da ruiva com desejo.

- Será que um dia poderemos ficar juntos? – Disse Allan. Suas testas ficam
coladas uma na outra. Ambos respiram pesadamente. Bella fecha os olhos
não aguentando a intensidade do olhar de Allan.

- Você largaria tudo por mim? – O coração de Bella se descompassa.

- Sem pensar duas vezes. – Diz com o coração. Desejando ser um homem
melhor para merecer alguém tão incrível como a doce Isabella.
Ela abre os olhos vagarosamente. De modo silencioso: intensos olhares são
trocados. Sem delongas, o dono do morro toma os lábios da filha do pastor.
Suas mãos levemente acariciando os cabelos ruivos. Um beijo calmo é dado.
Os lábios se encaixam com maestria e uma mistura de emoção e sensação
passa pelos dois.

Ele não mentiu quando havia dito que largaria tudo por ela. Mas aquela não
era uma verdade absoluta. Afinal, como poderia largar tudo de uma hora para
outra? Allan já era um homem marcado pela vida do tráfico... A família dela
um dia o aceitaria? Que vida poderia dar a ela?
O rapaz sabia muito bem que Bella não ficaria nada satisfeita quando
soubesse do resgate que pediria. Ele não estava enganado; assim que a viu
teve o pleno conhecimento de que ela seria a sua perdição.
Pensativo, a abraçou fortemente.
Bella não esperava ouvir tais palavras de Allan. Aquilo encheu-a de
esperança. Se ele realmente escolhesse mudar de vida por ela, seguraria sua
mão e enfrentaria tudo ao seu lado. Não importava o que os outros fossem
pensar, estava disposta a apoiá-lo.

- Chefe. – Repolho entra na sala, interrompendo os pombinhos. – Hulk quer


trocar uma ideia contigo no telefone. – Avisa sério.

- Já estou indo. – Allan pousa os lábios rapidamente na testa de Bella e se


retira.

Capítulo 18

Um belo dia ensolarado iniciava-se. Bella entra na cozinha; no mesmo


instante Allan e Repolho, que falavam entre cochichos, se ajeitam na cadeira
e trocam de assunto.
- Bom dia. – A ruiva com os cabelos trançados se sentou em frente ao dono
do morro.

- E aí?! – Repolho ergueu uma sobrancelha como cumprimento e voltou a


bebericar o café.

Allan se limitou a conversar. Ficou pensativo enquanto sua prisioneira comia


tudo o que via pela frente.

- Vou resolver umas tretas por aí. - Repolho se levanta e faz um gesto com as
mão para Allan, que balança a cabeça positivamente.

Ele passa as mãos pelos cabelos loiros. Respira fundo e encara a menina a sua
frente.

- Está muito calor!! – Umedece os lábios. – Pega uma praia comigo?

Bella mordiscou a torrada recheada com geleia de framboesa.


- Parece até filme... um sequestro aventureiro. – Brincou.

Allan baixou a cabeça vagarosamente e esperou Bella terminar de tomar o


café da manhã em completo silêncio.
Os jovens saíram da casa de veraneio e observaram o céu límpido.
Apreciaram o cheiro que o mar exalava e o barulho relaxante da batida das
ondas.
Se sentaram na areia lado a lado.

Allan transparecia tensão. Bella gostaria de acalma-lo.


- Que foi? – Allan encarou a ruivinha que não tirava os olhos de cima dele.

- O céu está na mesma tonalidade que seus olhos. – Bella Esboçou um sorriso
tímido. - Eu gosto disso. – Revelou enquanto a vermelhidão tomava conta de
suas bochechas.

- E eu gosto de te ver corada. – Segura o rosto dela e lança olhares intensos


que são retribuídos na mesma proporção.

- Para de me olhar assim... – A voz dela saiu em um sussurro fraco.

- Assim como? – Chega mais perto de Bella.

- Como se eu fosse a melhor coisa que aconteceu na sua vida.


O coração dos pombinhos parecia querer saltar para fora.
Qualquer pessoa que acompanhasse a cena, enxergaria a eletricidade que
havia entre os dois.

- E você é. - Diz sedutor. – Como se fosse a tomada certa para o meu fio.
Isabella esboça um sorriso maroto enquanto Allan arrasta os lábios em seu
pescoço depositando beijos por toda a extensão. Sua pele formiga com o
contato tão próximo... Quando seus lábios difundem ao dele: parecia pisar
nas nuvens.
Um sentimento que não conseguia controlar.

- O que sente por mim? – Bella com dificuldade interrompeu o beijo.


Ambos com a respiração errante e pernas vacilantes.
- Você é a última pessoa que penso antes de dormir e a primeira ao acordar.
Eu não sei dizer em palavras, mas se o sentimento de querer proteger alguém,
nem que seja preciso com a minha própria vida for amor... Então, eu amo
tu.

Ela engole a seco.


Poderia ficar quieta. Não dar esperanças a ele. Afinal, a história deles nunca
seria fácil. Mas não se conteve ao olhar em seus olhos.

- Eu também te amo. – Lança um sorriso doce.

- Eu nunca vou ser o melhor pra tu, e isso me arrasa. – Diz sério.

- Isso não importa. – Coloca as mãos no rosto dele. - Você me prometeu


mudar: e eu acredito em você.

- É, eu prometi. – Allan respira fundo. Aquilo não havia sido uma promessa.
Dizer que largaria tudo por ela foi apenas na teoria: a prática tinha mais
profundidade do que palavras rasas.
Sentados na areia, conversaram sobre suas vidas. Allan contou sua história e
Bella ouviu atentamente.

- Você sente falta dele? – Se refere ao pai de Allan.

- Demais. – Diz pesaroso. - Ele sempre foi um exemplo pra mim e eu me


tornei um homem diferente do que ele havia sonhado. Meu pai queria que eu
estudasse e tivesse um futuro diferente do pessoal lá do morro. – Enchia a
mão de areia e depois a deixava escapar devagarinho entre os dedos. - Estava
sempre do lado do meu pai, todos o dias depois da aula, chegava em casa
correndo para pegar sua marmita e levar até o serviço dele. Passava a tarde
observando ele trabalhar, ajudava no que fosse preciso e depois voltava com
ele no final do expediente. – Disse com nostalgia. - O único dia em que não
pude ir, ele acabou sendo acertado por uma bala perdida. Quando ele mais
precisou de mim, eu não estava lá pra ajudar ele.

Deitou sua cabeça no ombro de Isabella enquanto acariciava suas mãos.

- Era pra ter sido assim, poderia ter acontecido algo com você. Como sua mãe
ficaria?

- Mas pelo menos eu não estaria nessa vida miserável... – Entortou os lábios.
- Antes tudo era festa, eu me divertia direto. Sempre me achei o máximo por
ter o respeito do pessoal do morro. Depois que eu te conheci vi o quão
miserável eu sou, e que nada daquilo importa. – Suspirou. – O que você fez
comigo Isabella? – A encarou. – Bagunçou minha mente... Se eu pudesse
voltar atrás...
- Talvez faria os mesmos passos de antes. O passado não importa e nem volta
mais. A única certeza que temos é do presente; esse sim vai dizer como será
seu futuro, dependendo de suas escolhas daqui adiante.
Allan havia aberto seu coração pela primeira vez a alguém. O dono do morro
e a filha do pastor, uma baita contradição. Ao seu lado: não precisa esconder
seu verdadeiro eu. Deixava a disposição de Bella seus defeitos e qualidades,
mesmo com tantas imperfeições, era olhado de igual para igual pela menina
de cabelos brilhantes.
Saber que aqueles momentos seriam breves, apertava seu peito. O traficante
estava longe de ser um bom moço. Através dele muitas vidas foram tiradas,
infligiu leis e fez muitas coisas erradas. Não podia tampar o sol com a peneira
e disfarçar a realidade com uma ilusão.
Aquela era a verdade nua e crua.
No restante do dia, Allan passou trancafiado no porão, onde a ruiva não o
encontraria.

Era madrugada quando o seu celular vibrou.


"Tô na porta mano." – Acabava de chegar mensagem de Hulk.
Com passos sorrateiros, Allan clareava o chão com a lanterna até chegar a
porta.

- Entra aí. – Abriu espaço.


O rapaz musculoso e de estatura média deixou a mochila no assoalho e se
jogou no sofá.

- Tudo certo mano, a troca vai ser feita aqui no Rio para não levantar
suspeitas sobre a gente. Já deu um jeito da mina não revelar nossas
identidades? – Hulk Indagou. Allan baixou a cabeça e coçou o queixo. O
amigo balançou a cabeça incomodado ao ver o comandante da comunidade
enrabichado pela patricinha. - Mano presta atenção... essa mina é chave de
cadeia, sei que tu arrasta um bonde pro lado dela, mas vocês juntos nunca
daria certo. Tá ligado?

- Quanto você pediu de resgate? – Não deu atenção as palavras dele.

- Duzentos e cinquenta mil. - Repolho aparece na sala e se joga no outro sofá.

- O que??? – Allan fica boquiaberto.

- Eles tem muita bufunfa mano, nem vai fazer falta. - Hulk rebate. – Queria
que eu pedisse uma caixa de palito de fósforo?

- Quando vai acontecer? – Repolho pergunta impaciente.

Isabela acordou sobressaltada naquela madrugada, após um pesadelo. Sentiu


a garganta seca e consequentemente: sede. Na cabeceira havia uma cadeira
que brilhava e dessa forma saiu do quarto iluminando o caminho. Percebeu a
luz da sala acesa; ao descer o lance de escada, reparou a presença de Hulk.
Allan percebe uma sombra na escada. Os rapazes ficam quietos ao se
depararem com Isabella esfregando os olhos.

- Hulk? –A menina estranha ao vê-lo ali. - O que ele está fazendo aqui? –
Encara Allan.

Capítulo 19

- Eu vim passar algumas tretas pro chefe. – O rapaz responde rude.


Ele não escondia o quanto desgostava de Isabella.

- Não poderia ligar? – Ergue a sobrancelha estranhando. Como se tivesse um


pisca alerta na cabeça dizendo que algo estava errado.

- Algum problema com minha presença?

- Não, nenhum. – Engole a seco e caminha para a cozinha.


O rapaz lhe transmitia medo.
Enquanto despejava água no copo, sentiu o cheiro de Allan preencher a
cozinha. As costas dela esquentaram quando ele segurou sua cintura e
afundou o rosto em seu pescoço.
- Tudo bem? – O hálito quente bateu contra a pele macia da ruiva, que fica
arrepiada de modo instantâneo.

- Tudo. – Disse bebendo água.

- Sem sono?

- Sim. – Respondeu virando-se pra ele. – E você? -

- Também estou. - Suspira - Vem, deixa eu te mostrar uma coisa. – Entrelaça


suas mãos. – Me espera aqui. – Disse, deixando-a na varanda.
Minutos depois ele retorna com uma rede pendurada nos ombros e segurando
uma caixa. Caminham alguns minutos até chegar na proximidade de alguns
coqueiros. Allan ajusta a rede e aos poucos começa a montar um objeto.
Se tratava de um telescópio. Ele procura algo no céu; minutos depois a chama
gesticulando com as mãos. Bella se abaixa um pouco para fitar as estrelas.
Admirou-se ao parecer tão próximas. Era a primeira vez que contemplava a
constelação através do objeto.

- Gostou? É a constelação Órion. – Allan mantinha as mãos pousadas na


cintura dela. - Essa constelação tem a forma de um trapézio formado por
quatro estrelas. – Explica. - A nebulosa de Órion é a minha preferida. –
Mostra à Isabella.

- Por que ela é a sua preferida? – Ajeita a postura.

- Quem sabe um dia eu conto. – Puxa a ruiva em direção a rede.


Seus braços fortes rodeiam o corpo dela. Sente paz quando a cabeça de Bella
pousa em seu peito.
- Como sabe tanto sobre as estrelas? – Pergunta curiosa.

- Tem muitas coisas sobre mim que tu não sabe. – Lança um sorriso maroto. -
Minha vó era fascinada por astronomia e me ensinou bastante coisa sobre o
céu. Seus olhos brilhavam quando olhava para as estrelas... assim como o
seu; é como se o brilho da estrela refletisse em seus olhos.

- Eu amo as estrelas. – Morde os lábios encarando o rapaz.

- E eu amo o brilho dos teus olhos. - Acaricia seu rosto - Nunca duvide do
que aconteceu com a gente, nunca duvide dos meus sentimentos... - Fecha os
olhos e lhe aperta contra si. - Me promete?

- Por que está dizendo isso?

- Só prometa.

- Eu prometo.

[•••]

Allan acordou com o som das ondas quebrando. Vislumbrou a figura de Bella
adormecida por longos minutos. Decidido a lhe trazer um belo café da
manhã, se levantou e caminhou até a casa. Na sala, encontrou os amigos com
expressões carrancudas.

- Agora eu que pergunto: tão de chico? – Brinca, mas eles continuam mudos -
Qual é a treta?
- O que tu tá pensando mano? - Hulk carrega desaprovação no semblante. -
Você e a mina no maior love.

- Não aconteceu nada. – Revira os olhos ao passar por ele.

- Vamos fazer contato com o pai dela agora. – Repolho conta, tentando
aliviar o clima.

Eles vão até a cozinha. O celular a ser usado é de geração antiga, não
podendo ser rastreado. Repolho pega um pano para abafar a voz e liga para
Isaque no viva-voz .
O barulho dos pássaros cantando desperta Bella, que se encontra deitada na
rede. A claridade faz com que seus olhos ardam. Após alguns minutos,
consegue se levantar com o corpo dolorido. Cambaleante caminhou pela areia
até chegar na casa. A porta estava aberta.
Preguiçosamente, vai para a cozinha: de onde vinham alguns ruídos.

- Já estou com o dinheiro, quando vão entregar minha filha? – Bella ouviu a
voz de seu pai. Avistou: Repolho, Hulk e Allan inclinados no balcão onde
pousava um celular antigo.
Ela se segura na parede sentindo as pernas bambas.
Sua ficha demorou, mas naquele momento caiu com força. Deslanchava
brutalmente sobre sua cabeça.
Quando a ligação é finalizada, Allan vira-se e dá de cara com a ruivinha.
- Bella? – Allan parou a sua frente com a expressão séria.

O olhar que recebeu revelava profunda decepção.


Todo homem quer ser visto como herói pela mulher que ama. Mas Allan só
poderia ser comparado a um vilão.
Capítulo 20

" A decepção muitas vezes tira a venda dos olhos; faz com que se enxergue a
vida como realmente é. "

Allan faz menção de se aproximar.

- Não, por favor... – Bella ergueu a mão impedindo.


Sem dizer uma palavra sequer, correu sem direção.
Os pés afundavam na areia na mesma medida em que o sol aquecia seu
corpo. Era como se seu coração fosse partido em vários pedacinhos.
Allan e Bella tinham vidas opostas; havia melhor aviso do que esse? Porém,
mesmo sabendo de todos os obstáculos, sua tolice fez com que ela acreditasse
nas palavras dele.
Ora, por quê ao invés dos opostos se atraírem, não poderiam simplesmente se
repelirem?
Preferiu frisar o lado bom-moço que o bad boy aparentava ter; enganar-se
avidamente por causa de um tolo coração.

Toca o pé na água com temperatura baixa: seu corpo se estremece. Sem


pensar muito, caminha para dentro do mar.
Sua visão embaça, ao ponto de não ver nada além de um borrão azul. Sente o
sal arder seu nariz e a violência das águas entrando em seu pulmão. Logo,
ouve gritos se aproximando. Braços fortes vindo ao seu encontro,
arrancando-lhe dali. A areia fofa acomoda as costas de Bella, que tosse
compulsivamente... Aos poucos se recupera. Ergue as pálpebras e escrutina o
par de olhos azuis lhe encarando com preocupação.
- Está bem? – Tenta tocar sua mão, mas ela se esquiva.

- Fi...ca lon...ge de mim! - Diz com dificuldade.

Ela enxerga uma pontinha de pesar nos olhos dele. Mas como poderia
acreditar que ele se importa? Havia escondido dela que pediu resgate para lhe
devolver a família.
Não ligou quando disse palavras bonitas, porém vazias.
Se levanta ainda atônita. Afasta todas as tentativas de aproximação da parte
dele. Até que Allan, impaciente, puxa Bella, obrigando a ruiva encarar seus
olhos. Contorna a boca aveludada dela com o polegar. Sorri com a briga
interna que causa na dondoca.
Os lábios quentes dele aquecem os dela.
Um beijo regado de desejo e desespero. Allan a segura forte, como se tivesse
medo de perde-la.
Não durou muito tempo o encaixe deles.
Bella rapidamente o empurra bruscamente. Com passos largos e pesados
entra na casa e vai diretamente para o quarto.
Se deita na cama, cobrindo o corpo da cabeça aos pés. Em seu rosto não
haviam lágrimas, mas a tristeza estampava o semblante. Encolhida, naquele
cômodo sozinha sentiu falta da família e dos amigos. Já não se sentia segura
ali. Allan conseguira quebrar sua confiança.
Descobre a cabeça quando ouve o ruído da porta sendo aberta. Observa
Repolho desajeitado caminhando em sua direção.

- Tu quer falar sobre isso? – A encara.

- Com você? – Esboça um sorriso amargurado.

- É bom botar tudo pra fora as vezes... o que tá matutando nessa cabeleira
ruiva aí?

Bella se senta e cruza as pernas.


- As vezes nossas lutas parecem em vão. A dor do hoje é tão aguda que nos
faz esquecer que haverá um amanhã. A fé alimenta nosso espírito, mas e
quando ela desaparece?

- Isso quer dizer o quê? – A encara confuso.

- Que a cada decepção é como se existisse um certificado de que nunca as


coisas vão dar certo.

- E?

- Quando pensamos em desistir, Deus sempre nos dá um novo começo. –


Umedece os lábios. - Passamos por provas e tribulações para sermos
provados e moldados por Ele, Deus tem seus propósitos e tudo que nos
acontece é para um plano bem maior. Agora me encontro mais calma e posso
pensar direito, sinto meu coração quebrado, mas sei que Ele ajuntará todos os
caquinhos e me dará um coração novo. – Respira fundo. – Eu só preciso
exercitar minha fé e não deixá-la se esvair.

- Eu gosto de tu. - Repolho segura sua mão. - Desperta o melhor do chefe,


nunca o vi tão leve como quando está você.

- Mas a vida real é mais complexa. – Bella engole a seco. – Allan e eu somos
como água e óleo...

Allan interrompe entrando no cômodo com uma bandeja nas mãos. Repolho
prontamente se retira.
- Trouxe o almoço. – Allan fica na ponta da cama. Ele espera Isabella se
pronunciar, no entanto, a menina fica calada e com a cabeça baixa. – Olha pra
mim... Precisamos conversar. – Sua voz é firme.
- Não temos nada para conversar. – Se mantém na mesma posição.

A reação dela feria o rapaz intensamente. Desejava que a ruiva gritasse,


socasse sue peito, qualquer coisa era melhor do que o silêncio.
Convencido que insistir seria em vão, resolveu sair do quarto.

Allan pega uma almofada na sala, prendendo-a no rosto... Sua vontade era
sair quebrando tudo o que via pela
frente.
- Allan. – Repolho coloca a mão no ombro do amigo ao se aproximar.

- Eu não podia ter deixado chegar a esse ponto. Não suporto pensar na ideia
de perde-la. – Se livra da almofada, bufando de raiva.

- Você terá que fazer sua escolha entre: o que é fácil ou o que é certo.
Aconselha Repolho.

- Em qualquer uma dessas opções eu termino sem ela. – Suspira.

Capítulo 21

Repolho estava cansado do clima que pairava na casa de veraneio. Ele podia
compreender profundamente o que se passava na cabeça de Allan. A história
de uma dama e um vagabundo raramente dá certo, embora na ficção um final
feliz fosse comum.

O rapaz de pele morena e estatura alta se afastava. Curtia a sensação de


afundar os pés na areia. Pendura a camiseta na cabeça e aos poucos saboreia
o biscoito de cebola. Mais a frente avistou uma jovem cheia de curvas;
cabelos longos que balançavam na altura da cintura. Seus olhos pousaram nas
poucas sardas que ornavam o rosto dela. Aquele pequeno momento de êxtase
foi interrompido quando ao morder o biscoito, pegou e mordeu
acidentalmente a própria língua.

- Aaai!!! – Disse pulando com uma perna só.


Lembrou-se da jovem esbelta que estava observando. Torceu os lábios e
engoliu a seco. Aquela seria a pior maneira de chamar a atenção, não é
mesmo?

Repolho, esboçou um sorriso fraco. Afinal, provavelmente ela não havia


flagrado seu vergonhoso momento. No entanto, aquela certeza caiu por terra
ao ouvir a voz sexy da menina.
- Está tudo bem com você?
Ele se conteve ao ter vontade de estapear-se.
- Oi. – Sua voz soou engraçada. Sua língua ainda se encontrava dolorida. –
Foi apenas um acidente. – Disse evasivo. O rapaz com apelido de legume
ajeita a postura e estende a mão em sua direção. – Satisfação, Heitor. Qual
teu nome?

- Milena. – Disse com um sorriso que desapareceu rapidamente. Repolho


sentiu o gosto de ferro tomar conta de sua boca. – Minha casa é logo ali... –
Aponta para sua esquerda. – Se você quiser posso te levar até lá para se
recompor. Talvez lavar a boca com água doce, colocar um pouco de açúcar
sobre a língua alivie seu desconforto.
O paulista balançou a cabeça vagarosamente.
- Obrigada! – Estava convicto de que a moça estava arrastando um bonde
para ele.

Milena apertou os olhos ao ouvir o “obrigada”; o rapaz era um tanto quanto


atrapalhado e engraçado.
Dentro de poucos minutos, Repolho adentrava a casa modesta da menina.

Milena trouxe uma colher contendo pouquíssimas gramas de açúcar e


entregou ao rapaz. Ele colocou na língua sobre os olhares da jovem.

- Me diga Heitor, é novo por aqui? – Ergue a sobrancelha.


Com dificuldade respondeu. – Não. – Uma tosse compulsiva atacou-lhe,
fazendo com que voasse as pedrinhas de açúcar em direção ao rosto de
Milena. – Desculpa mina... – Sentiu vontade de cavar um buraco e se enfiar.
- Não se preocupe. – Milena se levantou limpando a saliva de repolho que
parou em seu rosto.
O rapaz tinha que se redimir pela suas trapalhadas. Não era todo dia que
trombava com uma gata daquelas.
Coçou a cabeça vagarosamente e retirou a camiseta. – Tem banheiro aqui?
Milena respirou fundo. – É uma casa... Obviamente tem banheiro. – Disse em
tom divertido. – Fica na primeira porta do corredor.

Repolho enquanto caminha, bafora na palma da mão e faz uma careta ao


sentir seu próprio hálito. Entra no banheiro a procura de uma pasta de dente.
Revira o local com os olhos, no entanto não encontra. Como ira chamar a
morena no beijão com aquele bafo de cão?

- Fuleragem... – Balança a cabeça impaciente. – “ É uma casa... Obviamente


tem banheiro”. – Imitou as palavras de Milena. – Mas não tem o raio de uma
pasta de dente?! – Suspirou. No canto da prateleira vislumbrou uma escova
de dente de tamanho médio, na ponta possuía um adesivo com a imagem de
um cachorro. Entre às cerdas havia algo de tom marrom... Deu de ombros e
pegou o objeto. – Deve dá uma melhorada. – Passou um pouco de água
corrente, levando rapidamente a escova aos dentes. Logo, teve ânsia de
vômito ao sentir o gosto de merda que preencheu a sua boca. A intenção fora
melhorar, porém só fez piorar. Começou a cuspir e a enxaguar a boca sem
parar.
Saiu do banheiro com a postura descaída. Seu semblante carregava
frustração. Escutou o som de uma voz masculina e o latido de um cachorro.
- Finalmente... – Milena brincou. – Pensei que tinha descido pelo ralo.

Repolho torceu os lábios e observou o homem grandão segurando uma cadela


pequena.

- Fala aí! – O grandalhão disse sério.


- Beleza? – Fez sinal com as mãos enquanto Milena passava por ele.
A jovem retornou com a escova que repolho havia usado nas mãos. – Achei.
– Disse ao rapaz. – Vou ferver... – Estendeu a mãos acariciando o pelo da
cadela.
- Isso é mesmo preciso? – Bruno Indaga.
- É claro. – Passou por ele. – E eu vou deixar minha bebê usar a escova em
que ela fez suas necessidades? Jamais!

Naquele momento Repolho engoliu a seco. Seu estômago embrulhou no


exato momento em que soube o porquê do gosto ruim.
- Milena valeu pela ajuda... Satisfação. Bom dia pra vocês! – Saiu apressado
desejando enxaguar a boca com desinfetante, caso fosse preciso.

O rapaz chegou na casa de veraneio e começou a bochechar tudo o que via


pela frente.
Allan se encontrava atormentado. Isabella não encarava mais seus olhos. Era
bem verdade que gostaria de recomeçar, refazer seus passos. Mas se assim
fizesse, não seria mais ele. Se não fosse o dono do morro, talvez jamais teria
conhecido a jovem ruiva. Mesmo que não houvesse um futuro para eles, o
simples fato de saber quem é Isabella Lira: valia a pena

- Tá fazendo o que ? – Encarou Repolho que toda vez em que cuspia a água
fazia um barulho enorme.
- Lembra quando eu beijei o pé do Esparadrapo, porque estava sonhando com
a mina? – Allan assentiu. – Tive uma experiência parecida.

[•••]

Os dias se passavam lentamente. Isabella passava a maior parte do tempo


isolada. A dor da ilusão, naquele momento falava mais alto do que o perdão.
Tinha raiva por não conseguir odiar Allan, ódio por exaltar suas qualidades e
não se atentar com a mesma veemência para os defeitos estampados na testa
do marginal.
Aquele seria o dia da troca. Em poucas horas estaria livre daquele lugar. Hulk
passou os dias reforçando as mesmas palavras, batendo na tecla sobre não
revelar a identidade dos sequestradores.
Fizeram Bella colocar o uniforme da escola, afinal, foi com aquela roupa que
fora sequestrada. A vestimenta se encontrava suja e com mal odor.
Bagunçaram seus cabelos: aparentava ser uma mendiga.

- Vamos? – Allan se escorra no batente da porta analisando Bella, que o


ignora por completo. – Vai ser assim? Não vai nem ao menos me ouvir?

- Qual foi o preço? – Finalmente olha nos olhos de Allan.


- De que? – Aperta as sobrancelhas.

- O resgate. Quanto eu valho para você? – Sua voz soou firme.

- Não fale assim Bella , por favor! – Suas mãos alcançam o rosto da ruiva.

- Anda, me diga!! - Pediu com lágrimas pousando nos olhos.

- Duzentos e cinquenta mil. – Diz por fim.


Isabella Lira mordiscou levemente o lábio inferior e balançou a cabeça.

- Até que eu valho bem, não é? – Diz exasperada, retirando o toque dele de
sua pele. – O que pensa em fazer com o dinheiro? Ah já sei... expandir seus
negócios?

Allan queria socar a parede. Sua ideia genial de sequestro fugiu de seu
controle. O tiro saiu pela culatra.
- O que acha que eu deveria fazer? – Bufa. – Essa treta contigo foi um erro...
bagulho furado. Caramba cabelo de fogo, me desculpa... – Ela conseguia ver
sinceridade no olhar dele, no entanto, não conseguia confiar em seus
instintos.

- Isso não é o suficiente. – Engole a seco. – Não importa mais... Quando eu


sair por aquela porta voltaremos a ser apenas a filha do pastor e o dono do
morro. É bem verdade que você faz minhas pílulas dilatarem, mas isso vai
parar nem que eu tenha que arrancá-las. – Disse de modo figurado.
O líder do tráfico sentiu uma pontada de dor no peito. Respirou fundo
enquanto se desencosta da porta.
- Não será preciso... – Disse sério. – Só me verá novamente, caso queira. –
Enfia às mãos no bolso do short de malha e sai pelo corredor afora.
Ao sair da casa, Bella avistou dois rapazes que não conhecia. Havia outros
carros de vidros escuros.
- Toma ruivinha! – Repolho se aproximou com um pano fedorento. – Quando
falarmos para colocar, tu põe isso na cabeça.
Ela concorda e entra no carro.
No banco de trás sente seu corpo estremecer ao encostar de leve em Allan.
A medida que Hulk dirige, ela mexe as mãos nervosamente, sentindo o
coração acelerar. Sem sua permissão, o dono do morro pousa a mão sobre a
dela.
Os olhos de Bella enchem-se de lágrimas reprimidas. Ela encara Allan.
Ambos aflitos e com o coração partido. Naquele momento pareceu haver
apenas os dois dentro do veículo em movimento. Um guardando os traços do
outro.

- Nunca mais vamos nos ver, será desse jeito mesmo? – Allan não se permitia
mostrar sentimental, mas naquele momento olhou para a ruivinha emanando
paixão.
Ela deu um breve sorriso. – Você me usou, tudo por conta de dinheiro... mas
não faz diferença, não poderíamos dar certo. Nossas exatidões não
combinam.
- Não foi por dinheiro. – Allan tentou se justificar. – Essa foi a única solução
que achei para sair ileso dessa.
- Allan, para de arranjar desculpas para o injustificável. – Umedeceu os
lábios, baixando a cabeça. – Você fez tudo debaixo dos panos, não teve a
coragem de me revelar a verdade. Quebrou minha confiança.
- Eu amo você Bella. Olha pra mim.... – Segura o rosto dela. - Tu prometeu
que não duvidaria dos meus sentimentos.

Aquele dia quando você disse que não pensaria duas vezes em largar essa
vida por mim: você faria isso realmente? – Allan fica imóvel. Sem reação,
procurando a melhor frase a ser dita. – Já tenho a resposta. – Bella respira
fundo. – Eu preferia que tivesse me enchido de verdades e não de palavras
vazias.
O carro para... Hulk e Repolho tampam seus rostos.

- Eu não posso... – Allan cerra os punhos. – Não é tão fácil assim.

- Eu sei. – Bella encara um ponto qualquer do teto solar.


Hulk se vira para o banco carona.
- Vamos parar de palhaçada... – Diz impaciente. – Já sabe ruivinha, nada de
abrir o bico. – Reforça pela centésima vez.
Ela balança a cabeça positivamente.
Repolho sai do carro com a metralhadora em mãos.
- Adeus Allan. – A ruiva o encara poucos segundos antes de Repolho abrir a
porta traseira e colocar o pano em seu rosto.
- Até breve cabelo de fogo. – Observa Bella ser retirada do veículo.
Repolho segura Bella pela viela deserta, tropeça pelo caminho e sem querer
aperta o gatilho. Acidentalmete, a bala atravessa um cano de água.
- Os outros rapazes já devem ter pegado o resgate, vamos passar uma
mensagem para que encontrem você aqui. – Ajuda a jovem a se sentar na
calçada. – Foi um prazer te conhecer ruivinha.
- Até que você não é tão ruim legume. – Bella respode.
- Repolho. – Revirou os olhos se afastando.

Minutos que pareciam uma eternidade se passaram. Bella ficou aliviada


quando ouviu o som de sirene e avistou carros de polícia.
Foi uma imensidão de perguntas quando chegou em São Paulo. Como havia
combinado com Hulk, disse que os sequestradores passavam o tempo todo
com panos tampando o rosto; e quase ouvia suas vozes.
- Bella. – Ouviu a voz da mãe atrás de si, após dar o depoimento.
- Você está bem? – O pai, afoito, correu em sua direção. – Eles te
machucaram, filha? – Analisava a filha minuciosamente.
A jovem se limitou a poucas palavras. Curtiu o afago dos pais enquanto
caminhavam até o carro.
Ela deitou-se atrás do veículo. Suas pálpebras se encontravam pesadas. O
corpo dolorido. Desejou um longo banho e deitar em sua cama confortável.
Qual seria o melhor caminho para prosseguir depois daquele ocorrido?
As vezes perdoar é lindo, no entanto dizer adeus poderia ser muito mais belo.

Capítulo 22

“A vida segue mesmo longe de você. Todas as suas lembranças ficarão


guardadas dentro de uma caixa; talvez com os anos fique empoeirada... a
minha memória um dia pode vir a falhar. Mas espero que sempre reste
resquícios seus dentro de mim. Que recomeçar não seja apenas olhar para
trás, e sim reformular os passos antigos e rever os erros cometidos, pois se há
algo pra recomeçar: significa que há erros para consertar. “
- Minha irmã!!! – Cris correu para abraçar a caçula quando ouviu o ruído da
porta de casa sendo aberta. Poder ver e tocar Bella lhe trazia um grande
alívio.

- Senti sua falta!! - Deixa lágrimas escaparem.

- Você está bem? – O irmão a analisa por completo, caçando rastros de


violência.

- Vou ficar. – Força um sorriso. - Só preciso de um banho agora. – Engole a


seco.
O odor forte de suas roupas traziam desconforto a jovem ruiva.

- Vá para o banho, pois vou preparar uma refeição reforçada para você, meu
amor. – A mãe comenta. Seus olhos esbanjam gratidão ao ter a filha de volta.
Bella sobe para o seu quarto: tudo se encontra do mesmo jeito que havia
deixado. Separa um conjunto de moletom e caminha em direção ao banheiro.
Foi relaxante sentir a água quente bater contra sua pele. Uma sensação de
limpeza tomou conta de seu ser. Assim que termina o banho e se veste, desce
as escadas em direção ao primeiro andar.
Ela se senta no sofá, entre o pai e irmão.

- Tive tanto medo de nunca mais ver o seu rosto, minha pequena. - Isaque
mexe nos cabelos da filha.

- Eu também. – Sussurrou, contendo um aperto no peito.

Definitivamente era maravilhoso estar em casa; no entanto, só conseguia


pensar em Allan.

- Como era o lugar em que você ficou presa? O que eles falavam? - Cris
pergunta curioso.

- Eu não quero falar sobre isso. – Respira fundo. – Não nesse momento. –
Completa.

[•••]

Allan balançava a perna copiosamente a medida em que o veículo se


locomovia pela estrada.

" Aquele dia... quando você disse que não pensaria duas vezes em largar essa
vida por mim: faria isso realmente? " - A imagem e a voz de Bella habitavam
em sua mente.
O dono do morro gostaria de ter dito sim, que foi verdadeiro quando disse
aquilo. É claro, se ele pudesse largaria tudo para viver com ela. Mas naquela
equação, o “se” não cabia na conta.

- Tudo bem chefe? - Repolho analisa o amigo.

- De boa. – Responde fechando os olhos. Torcendo para que chegassem o


mais rápido possível no morro.

- Nunca vi tanta bufunfa junta. – Hulk comentou batendo no volante. Era o


único animado naquele momento.

- Já pensou no que vai fazer com a grana? - Repolho boceja cansado.

- Ainda não. – Allan soa exasperado.


Minutos depois os três chegam na comunidade. Allan, antes de entrar em
casa: joga um maço de vinte cinco mil para cada um.

- Se precisar só passar o fio. - Repolho coloca a mão no ombro de Allan. O


jovem enxerga o semblante caído do traficante. - Sabe que tu pode reverter
isso ainda, não sabe?

Allan balança a cabeça vagarosamente. – Eu sei... mas as consequências


poderiam ser desastrosas.
- Mas você é macho o suficiente pra aguentar as pancadas. – Demonstra
apoio ao amigo. – Não pense que vai arrancar esse sentimento do coração, o
amor quando chega tão avassalador assim... – Entorta os lábios. – É
inesquecível. – Completa. – Descansa mano!
Allan entra em casa deixando a mala em um lugar qualquer da sala.

- Meu filho. – Joana, que tirava um cochilo no sofá, acorda sobressaltada. –


Graças a Deus você está bem. Andei tão preocupada; tenho tanto medo de te
perder. A cada ligação meu coração acelera imaginando ouvir uma voz do
outro lado dizendo que você...
Ele se aproxima da mãe e lhe dá um abraço.
- Não pense bobagens... – Disse suavemente. – Fica tranquila, estou bem.
Joana encara os seus olhos azuis: que se encontram vazios.

- Cadê a menina? – Se refere a Isabella.

- Com os coroas dela. – Diz evasivo.

A mulher força um sorriso.


- Você fez o certo.

Allan suspira. - Não mãe, estou muito longe de fazer o certo.

- Desde que vi essa moça gostei dela: intuição de mãe. Algo me diz que ela
vai mudar sua vida por completo e para melhor.

- Ela já mudou mãe, mas não sei se foi pra melhor. – Dá de ombros. - Que
futuro teríamos? Eu sou apenas um erro na vida dela.
- Se for isso, tenha certeza que foi o melhor erro da vida dela. – Brinca com o
filho. - Pode parecer não ter solução agora, mas acredite que há. Confia em
Deus!

- Deus? Será que ele iria ouvir um assassino? – As palavras que saem de sua
boca pareciam farpas que o machucavam por dentro.
Pela primeira vez desejou não ser o temido e respeitado dono do morro.

- Se você se arrepender, ele terá prazer em te ouvir. - Diz com os olhos cheios
de lágrimas.

Allan se limita a não dizer algo a mais. Sem delongas, dá boa noite a mãe e
vai em direção ao quarto.
Repolho estaria certo? Ele poderia reverter aquela situação?
Allan, deitado de barriga para cima encarava um ponto qualquer no teto. As
perguntas martelavam em sua mente.
A ruivinha valia tanta atenção?
Ou melhor...
Ela era tão valiosa a ponto de transformá-lo em um novo homem?
E desse modo: o dono do morro dorme pensando na filha do pastor.

Capítulo 23

O sol adentrou o quarto de Bella. A jovem mal havia pregado o olho aquela
noite. Seus pensamentos lhe traiam constantemente. Só conseguia lembrar do
olhar inicial trocado com Allan, o primeiro abraço que havia sido tão
protetor. Os lábios quentes do rapaz, a voz rouca soprando em seus ouvidos.
Desde o dia em que suas vidas se cruzaram foi decretado: ele seria o seu
primeiro e verdadeiro amor.
- Minha ruiva. – Ouviu a voz de Malu antes de ser esmagada pelo seu corpo.

- Está me sufocando. – A voz de Bella saiu abafada.

- Senti tanto a sua falta!! – A jovem de cabelos castanho cumpridos exalava


alegria ao ver a amiga novamente.

- E eu a sua. – Se senta na ponta da cama.

- Não vou perguntar nada, quando estiver pronta para dizer eu vou estar aqui
para te ouvir – Malu se mostra compreensiva.

- Preciso mesmo desabafar. Vamos tomar café antes?

- Vamos! – Revira os olhos, não se aguentando de curiosidade.


Elas se juntam a Isaque e Cris.
Bella nota alguns olhares estranhos do irmão em direção a Malu, que não
percebe ou finge não ver. A ruiva se pergunta o que havia perdido nos dias
que esteve fora.
Após o café, as amigas retornam para o quarto.

- E então... foi aquele tosco que armou o sequestro, não foi? – Pergunta
diretamente.

- Sim, foi. – Ajeita superficialmente os fios ruivos desgrenhados. – Mas por


favor não conte a ninguém.

- Claro que não. – Malu a encara sincera. – Conte-me tudo!


Bella conta todos os momentos que esteve com Allan, desde o dia em que o
conheceu.

- Você deve estar se sentindo muito mal... – A amiga conclui, após ouvir a
história.

- Bastante. Me sinto traída!

- E se não tiver sido uma mentira? – Indaga.

- Então ele terá escolhido o dinheiro. Isso quer dizer que sempre vou estar em
último lugar em sua vida. – Disse triste. – Mas não quero falar mais de coisas
tristes... O que houve enquanto estive fora? – Ergue a sobrancelha.

- Seu irmão terminou com a Paty.

- O quê? – Arregala os olhos – Por quê?

- Depois do que aconteceu com você, ele pegou uma conversa dela com
Dylan. Enfim, ele chegou a conclusão de que você sempre esteve certa sobre
ela.

- Nossa...

- Eu sei. – Entorta os lábios. – Ele veio me pedir desculpas por ter se


afastado. – Malu engole a seco.

- E você?
- Disse que tudo bem, mas que era impossível as coisas voltarem a ser como
antes... na verdade já desencanei dele há muito tempo.

- E o Ryan como está? – Bella aperta os olhos sugestiva.

- Está bem. – Malu a encara confusa.

- Agora só falta me dizer que ele se declarou para…

- Se declarar? Para quem?

- Ah, deixa para lá. – A ruiva balançou a cabeça sorrindo.

Do outro lado da cidade, Allan se encaminhava para a boca.

- Hulk e Repolho vem pra cá, não me deixem esperando muito. – Passa o
rádio para eles.

Minutos depois, a porta é aberta; os amigos entram e se sentam a sua frente.

- Fala chefe, qual a treta? – Repolho diz com a voz arrastada.

- E então? – Hulk encara o chefe do tráfico.

- Vocês gastaram a grana que eu dei a vocês ontem? – Allan vai direto ao
ponto.
- Não. – Repolho fica tentando espantar um mosquito. O inseto se mantém
intacto, enquanto ele se estapeia.

- Por quê ? - Hulk pergunta sério. Querendo ver aonde aquela conversa iria
chegar.

- Porque eu quero a grana de volta, depois eu dou um jeito de compensar


vocês.

- Ficou maluco? – Hulk se levanta furioso.

- Maluco tá você de falar assim comigo. – Irritado, Allan se levanta dando


um soco na mesa.

- Por mim tudo bem, eu devolvo minha parte. – Repolho levanta as mãos pro
alto.

- Mas eu não. – Hulk grita – O que tu ta pensando em fazer? Nós te ajudamos


nesse bagulho todo.

- Eu sei Hulk. – Respira fundo, buscando no fundo de seu ser um pingo de


paciência. – Já disse que vou compensar vocês.

- Tu vai ter vinte e cinco mil pra me compensar? – Continua gritando.

Allan vai até ele e o segura pela gola de sua camisa.

- Tu vai me devolver a merda do dinheiro sim. – Esbraveja.


- Não, não vou. – Hulk empurra Allan e saca a arma apontando em sua
direção.

- Hulk, ficou maluco? – Repolho se assusta. – Presta atenção no que está


fazendo.

- Que se dane. – Dá de ombros e coloca o dedo no gatilho.

- Qual o seu problema? – Allan se demonstra irritado e surpreso com a


atitude do amigo.
Com o olhar vazio, o rapaz encara Allan.

- Tu quer ficar com a grana toda Allan? Eu tô cansado dessa merda, eu quero
ter uma vida melhor.

- Esse dinheiro não é pra mim. Abaixa a merda da arma! – Pede.

- É pra quem então? – Diz no mesmo tom.

- Hulk põe os miolos no lugar. – Repolho se levanta e tenta se aproximar,


mas ele aponta a arma para o mesmo.

- Se tu não quer ajudar, então não atrapalha. – O semblante de Hulk se


encontra inexpressivo. – Desiste dessa ruiva, volta a ser o Allan que eu
conheci. Não me faça atirar em você. – Seus olhos estavam em tons
avermelhados; visivelmente havia cheirado. O que deixava Allan com raiva.
Vivia dizendo: que era só pra vender e não consumir.

- Então atira, porque se tu não atirar eu vou pegar o dinheiro de qualquer


forma. – Allan estufa o peito, exalando afronta. – Mas é melhor você acertar
de primeira. – Avisa.

- Por favor. – Hulk pede com as mãos trêmulas. – Já não basta ter matado o
seu... – Ele para de falar.

- Já não basta o que? – O chefe do tráfico lhe fuzila com os olhos.

- Allan não!!! – Repolho leva as mãos a cabeça aflito e grita ao ver o amigo
puxar a metralhadora que estava sobre a mesa.

- Termina o que começou seu filho de uma égua. – Aponta a arma na direção
de Hulk. – Vamos, diga!!! Quem você matou??

Capítulo 24

“ Não se pode alterar as consequências do futuro. Você só pode controlar


suas escolhas no presente.”

O clima pesado se instalou no anexo. O silêncio que pairou era ensurdecedor.


Allan esperava a resposta de Hulk. Desafiava o amigo, encorajando-o a ser
homem e falar a verdade.

- Tu quer saber mesmo? – Balançou o ombro. – Eu meti uma bala na cabeça


do teu pai. – Sua voz soou indiferente. Allan e Repolho abriram e fecharam a
boca de modo petrificado. – Ah!! Como ele implorou pra não morrer. –
Complementou maldoso. Querendo esfregar na cara do chefe o mal que lhe
causou.
- Miserável!! – Allan vai para cima dele, fazendo com que derrubasse a arma
no chão.
O jovem com apelido de legume engoliu a seco. Surpreso demais para reagir.

- Por quê ?? – Allan enrosca a mão no pescoço de Hulk. - Foi o Gastão que
mandou?

- O Gastão? – Sorri cinicamente – Fui eu que passei ele pro outro plano
também. – Esboçou um sorriso de desdém. Não se preocupava mais com tudo
que poderia perder ao abrir a boca. Chutava o balde para o alto com
satisfação, despejando toda a sujeira encima do homem que tanto chamou de
amigo.

- Eu vou te matar seu bastardo! – Acerta um soco no nariz de Hulk, que em


frações de segundos começa a sangrar.

- Seu pai. – Passa a mão pelo sangue que escorre até a boca – Ele até que era
gente fina, mas eu precisava que ele morresse. Somente assim seu tio iria
fazer sua cabeça e te treinaria pro crime. E depois, quando meu plano estava
encaminhado, eu o matei com um tiro certeiro na veia do coração. E agora
você tá estragando o meu plano. – Encara o dono do morro.

- O que eu tenho haver com tudo isso? – Pergunta aos gritos.

- Com você no poder as coisas seriam melhores pra mim. – Passou a língua
pelos lábios cortados. Agora por causa de uma mina qualquer... tu quer
estragar tudo.

- Não a chame assim. – Se altera. – O que tu ganhou com tudo isso? Meu pai
nunca fez nada pra tu. – Allan engoliu a seco. O pai não merecia ter morrido
daquele jeito.
- Eu ganhei grana a mais e respeito. Eu virei o sub- dono do morro. – Diz
como se fosse óbvio.

- Você matou meu pai por causa de uma droga de titulo? – Enraivecido, Allan
vira a mesa. Tal ato causa um barulho estridente.
Repolho sente seu coração acelerar a medida em que acompanha a cena.

- Eu não vou devolver o dinheiro, vamos fingir que nada disso aqui aconteceu
e ficamos sussos. – Hulk disse por fim.

- Mas aconteceu. – Allan o encara. – Acha que vai ficar barato isso tudo que
você me contou?

- Vai fazer o quê ? Me matar? – Estufa o peito - Você nunca atirou em


ninguém Allan, eu que sempre fiz o serviço sujo. – Dispara.

- Então essa vai ser a primeira vez. – Em um gesto rápido volta a apontar a
metralhadora na direção de Hulk.

- Sabe Allan, eu te entendo. Imagino o que é querer mudar o passado, amar


alguém com a vida totalmente diferente da sua. Eu sei o que tu queria mostrar
pra ela; que ainda pode existir um futuro para os dois; mas não tem, você e
ela nunca ficarão juntos. Sacou? Ela vai seguir a vida dela... encontrar um
engomadinho qualquer. Acha que ela esperaria por tu?
O traficante respirou fundo. Com atenção fitava cada movimento do seu mais
novo inimigo.
- Não importa. – Umedece os lábios. – Porque se fosse preciso, eu esperaria
por ela a vida toda. Mesmo que fosse para passar um segundo ao lado dela,
toda renuncia valeria a pena. – Respondeu.
O som da risada de Hulk preencheu o lugar.
- Quanta doçura... chega a ser cômico.

Repolho lentamente descruzou os braços.


- Allan, abaixa a arma. – Pediu com calma. – Ele não vale a pena.

- Deixa ele. – Hulk sorri divertido – Vamos ver se ele tem coragem. – Bate
no peito. – Mas se for atirar, melhor que tu acerte.

“- Você largaria tudo por mim?


- Sem pensar duas vezes. “ – As lembranças da filha do pastor invadiram a
mente do dono do morro. “ Você me prometeu mudar, e eu acredito em
você.”
Era como travar uma batalha interna. Uma parte de Allan queria atirar no
imbecil a sua frente. Se vingar pela morte do pai, o sofrimento que sua
partida causou nele e na mãe. No entanto, a outra metade... quer se redimir.
Talvez um dia ser merecedor de Bella.

- E aí Allan? O que vai ser? – Ergueu a sobrancelha duvidando da disposição


do traficante.

Repolho balança a cabeça. Sua voz dizendo “ não” parecia como um zumbido
de um pernilongo insistente.
Na balança estava a vingança de um lado, e o amor de outro. Ambos sem
possuir certeza.

E naquela apreensão...
Allan fechou os olhos incerto e apertou o gatilho.
Capítulo 25

" Certas coisas não voltam mais... simplesmente se vão”.

Bamm!!

O som do disparo é alto...


Vagarosamente, com as mãos trêmulas, Allan abre os olhos.
A porta do escritório na boca balança, fazendo ruído na mesma medida em
que Allan deixa a metralhadora escapar de suas mãos. Ele acompanha o
amigo virado de costas, cair para trás. Com dificuldade o segura e fica de
joelhos colocando-o com cuidado no chão. Engole a seco ao ver a quantidade
de sangue que mancha a camisa do rapaz e escorre pelo piso.
- Por quê fez isso? – Pergunta aos prantos. – Essa bala era para mim, não para
você. – Seus olhos azuis enchem-se de lágrimas.

- Allan... – Repolho diz com dificuldade. – Você tem sonhos bonitos. Não
importa o que acontecer... não deixe de se redimir e levar uma vida normal. –
Sente suas forças esvanecer. – Tua ruivinha me disse que podemos ter um
novo coração...

- Eu vou pedir os manos pra me ajudar a te levar pra um hospital... -Tenta se


levantar.
Repolho segura o braço do amigo. Encara Allan enquanto sua pele
lentamente perde a cor.

- Não vai adiantar. - Faz força para manter os olhos abertos - Ele tem uma
boa pontaria. - Respira com dificuldade. - Eu vou morrer, mas pelo menos foi
por uma causa boa, pela primeira vez fiz a coisa certa. Vou morrer como um
herói.
- Tu é um herói sim mano, mas tu não vai morrer. – Allan busca passar força.
- Isso não vai ficar assim, ele vai pagar. - Promete.

- Allan. - Faz um gesto para que o amigo segure sua mão, e assim Allan o
faz. - O que é dele: a vida vai se encarregar de cobrar. - Diz com um fio de
voz. - Eu fiz isso para que tu seja feliz... eu não poderia, mas você sim. -
Fecha os olhos e volta a abri-los - Não repita a mesma história que eu. O
dinheiro está na minha casa, debaixo do colchão. Pegue e faça o que tem de
fazer.

- Isso não é uma despedida mano. - Tenta acreditar em suas próprias palavras.

- Eu vou encontrar com ela. - Derrama uma lágrima - Depois que ela se foi,
levou uma parte de mim. Será que Deus me aceita? Essa coisa de céu e
inferno existe mesmo mano?

- Acho que sim. Minha mãe me disse que quando nos arrependemos
verdadeiramente, o Homem lá de cima nos ouve e perdoa.

O aperto de mão vai ficando frouxo. As batidas do coração de Repolho


pausam, assim como a bela melodia de uma canção melancólica... deixando o
ar triste e um vazio doloroso.
Ele se vai em carne e osso, e o que fica são apenas boas e belas lembranças
no coração daqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo.

- Nãooo!! – Allan sussurrou entre lágrimas. - Meu irmão, volta pra mim!!!!
- O aperto em seu peito lhe causava desconforto ao respirar. Allan
vagarosamente Inclinou as mãos em direção aos olhos sem vida do leal
amigo e os fechou.
Minutos depois, os rapazes que ficavam na boca retornaram do almoço.
- O que aconteceu? – João, boquiaberto, perguntou ao ver Repolho estirado
no chão.

- Manda alguns homens me ajudarem aqui e os outros atrás de Hulk. – Allan


ordena.

- Ok chefe. – Prontamente acata a ordem de Allan.

Allan com a cabeça baixa ficou ao lado do corpo. Em sua mente passava
flashes e mais flashes.
Repolho, apesar de sua história triste conseguia levar a vida com bom humor.
Abandonado pelos pais quando bebê; acolhido por uma senhora da
comunidade de idade avançada, que morreu quando ele havia completado
cinco anos. Sempre de casa em casa, até que Esparadrapo, o velho gago o
encontrou e lhe ajudou. Ele havia entrado na vida do crime por não ter
perspectiva alguma de uma vida melhor. Até que se apaixonou perdidamente
por uma moça chamada: Marie. Por amor a patricinha, ele saiu do tráfico e
arranjou o emprego em um mercado. Talvez assim, os pais dela aceitassem o
namoro deles. No entanto, em uma invasão ele se viu obrigado a atirar;
infelizmente a bala foi certeira e o policial morreu. Repolho foi detido na
prisão de menores infratores. Marie foi proibida de vê-lo novamente. Depois
de meses ele ficou livre e voltou à comunidade. A jovem, sabendo da notícia
foi atrás dele, contrariando a ordem de seu pai. Humberto ficou consumido de
ódio quando soube e invadiu o morro com os amigos policiais . Entre trocas
de tiro, uma bala atingiu a cabeça de Marie, que teve morte cerebral. Repolho
não pôde ao menos se despedir. Depois de tal tragédia nunca mais foi o
mesmo. Retornou ao crime; a vida de embriaguez e riso falso. Um rosto
engraçado por fora e um coração quebrado e cheio de saudades por dentro.
Por isso o amigo havia entendido tão bem os sentimentos de Allan pela
ruivinha.
[•••]

Allan junto dos parceiros carregava o caixão onde Repolho estava. Sua
garganta se encontrava seca... um aperto avassalador no peito. Todos sabem o
quanto a vida é curta, no entanto, poucos se atentam para isso. Vivem como
se fossem viver na terra para sempre. Aquele momento fazia Allan refletir.
Ele deixou o caixão na grama, enquanto os homens preparavam a cova.

- Ele foi muito corajoso. – Joana abraçou o filho. - Agora espero que saiba
valorizar sua vida e fazer com que o ato do seu amigo não seja em vão.
Allan balançou a cabeça vagarosamente. Depositou um beijo no topo da
cabeça dela e se afastou caminhando em direção a João.

- Conseguiram pegar o Hulk? – Perguntou baixo.

- Que nada chefe, ele rapou o gato geral. Ouvi boatos que ele está no morro
rival.

- Manda uns trutas ficar de vigia. – Ordena.

Allan se fez de forte o tempo inteiro, mas no instante em que viu a terra
cobrir o caixão, deixou as lágrimas deslizarem de modo doloroso pelo rosto.
- Irmão... – Sussurrou. Uma faca afiada parecia atravessar seu coração. Ele se
ajoelhou na grama um pouco alta com a cabeça inclinada. Allan sentiu um
toque suave em seu ombro, virou-se lentamente e trocou olhares intensos
com Bella.
A ruiva o fitou com ternura, e aquilo acalentou o ser dele. Com delicadeza
Bella segura a mão dele.
- Como soube? – A voz dele soou rouca.
Bella engoliu a seco. Sentia a vontade imensa de abraça-lo.
- Sua mãe me procurou. – Responde serena. – Disse que eu faria você se
sentir um pouco melhor.

- Deveria ser eu ali... - Disse sério. - Ele me salvou... a culpa é toda minha.

- Não, você não tem culpa. – Bella passa a mão pela cintura de Allan e
encosta a cabeça em seu peito. – Eu sei de alguém que preferiu não salvar-se
para que muitos fossem salvos.

- Sabe? Quem ? – Desliza os dedos pelos fios macios da ruiva.

- Jesus. - Disse suave. - Em João está escrito "Ninguém tem maior amor do
que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.". - Completa. – Você
tem noção do quanto significa o gesto que Repolho fez? Ele realmente te
amava e o enxergava como um amigo verdadeiro.

- Tu ainda não acredita em mim né? Ainda está magoada comigo. – Fixa seus
olhos no dela.

- Não quero palavras. – Ela respira fundo. - Só me procure se um dia tiver


transformado suas palavras em atos. - Se afasta dele. - Só espero que não seja
tarde demais. – Ela se levanta e caminha em direção a Malu.

- O que vai fazer agora? - Malu enrosca seu braço no de Bella.

- Seguir minha vida. - Diz convicta. - A escolha está em minhas mãos. Então,
ir em frente é a única coisa que posso fazer. – Encara a amiga. – As pessoas
tem o péssimo costume de culpar os outros pelas suas próprias decisões.
Assim como Allan, ele ter uma história triste não justifica quem ele se tornou
na sociedade. Ninguém o forçou a ser traficante, ele quis assim. Dizer que
não teve oportunidades quando nunca as procurou...enfim, só posso fazer o
que está ao meu alcance... não posso obrigar ninguém a ser diferente por
amor a mim.

Capítulo 26

A semana passou rapidamente, Bella retornou às aulas e recebeu uma


enxurrada de matérias que havia perdido. Estava em casa, mordiscando a
ponta da unha, entediada naquele dia de extremo calor.

- Que tal um cineminha hoje? – Cris se joga no sofá onde a irmã está.

- Estou com preguiça para ver filme. – Deita a cabeça em seu ombro. – Fiquei
com cãibras no olho e nas mãos de tanto estudar.

- Então podemos comer algo e dar uma volta; chama a Malu. – Bagunçou os
cabelos dela.

- Agora está cheio de gracinha para cima dela... só observo. – Gesticula com
as mãos.

- Ela não me trata mais como antes. – Baixa o olhar – Eu fiz tudo errado.

- Você foi um completo jumento. É injusto com ela, sabe? Só porque você
descobriu que a Paty não era quem você pensava que fosse, de certo modo
agora ela serve para você. A Malu não merece ser uma opção e sim a escolha
de alguém.

- Você está certa! – Umedece os lábios.


- Eu vou ligar para ela... – Se levanta. – Só não a machuque novamente.

Era fim de tarde quando Cris passou na casa de Malu, com Bella, para buscar
a jovem. Minutos depois, saíam do estacionamento para dentro do
estabelecimento.

- Vão indo para a lanchonete que já encontro vocês. – Cris pega o celular e se
afasta.

As duas se encaminham até a lanchonete principal e observam o cardápio.

- O que ele deve estar fazendo? – A ruiva bate a ponta dos dedos na mesa de
metal.

- Ele está voltando... e nossa: que visão do paraíso!! – Malu olha


maravilhada.
Curiosa, Bella se vira para acompanhar o olhar de Malu. Observa o irmão se
aproximando com um rapaz alto de cabelos encaracolados. Corpo atlético e
olhos castanhos.

- Hector; essa é minha irmã Isabella. – Cris apresenta o amigo, que de modo
cavalheiro segura a mão da ruiva; olhando-a intensamente deposita um beijo
no dorso de sua pele. – E essa é Malu, nossa amiga. – Ele cumprimenta Malu
e se assenta com eles.

- Seu irmão me contou o que houve, fico feliz em vê-la bem. – Hector analisa
Bella. – Com todo respeito, você é muito mais linda do que nas fotos!

- Obrigada! – Agradece o elogio, levemente sem graça.

- Hector é meu colega de faculdade. – Cris explica – É novo na cidade.

- De onde você veio? – Malu o encara.

- Juiz de fora. – Responde educado.

Os jovens fazem seus pedidos. Depois de muitas conversas triviais e


comilança, se encaminham para a pista de kart que fica no último andar do
shopping.
Eles competem entre si em cada volta, a adrenalina consumia os jovens. Malu
errava os pedais: quando devia diminuir apertava o acelerador e trombava
com os muros de pneus. Cada batida deixava um hematoma diferente em sua
pele, através do macacão que usavam na pista.
Meia hora depois, saíam dos carrinhos retirando o capacete. O suor
estampado em todos eles e um sorriso largo.

- Parei com a Bella... – Malu dizia ofegante com uma careta no rosto. – Podia
ter deixado a gente ganhar a corrida pelo menos uma vez.

- Ela só ganhou porque quis ser cavalheiro e deixei. – Hector brinca.

- Seu mentiroso!! – Bella o empurra de leve. – Ganhei porque sou


competitiva, e modéstia a parte, melhor que vocês. – Beijou o ombro com
falso desdém.
O clima naquela noite estava fresco. Cris contava piadas e todos riam...
exceto a jovem de cabelos cor de fogo. Era só lembrar de Allan que qualquer
sorriso murchava. Não havia tido notícias dele. Perguntas do tipo: “ O que
está fazendo?” “ Desistiu de mim?” pairavam em sua mente.
Como poderia sorrir por inteiro quando sua outra metade estava tão longe
dela? Assim que se sentia: parecia faltar pedaços, quando estava distante do
rapaz de olhos azuis da cor do oceano.

Capítulo 27

Não era possível vencer a dor que o silêncio causava. A comunidade inteira
permanecia de luto. Allan sentia muita falta do seu fiel amigo. O dono do
morro segurava nas mãos a parte do dinheiro de repolho; exatamente no
mesmo lugar em que seu parça estava antes de partir. Vasculhou a casa de
Hulk e não encontrou um mísero real.
Fontes haviam revelado que o traidor estava no morro rival. Allan ordenou
dois de seus parceiros para ficarem vigiando Bella; sabia o quanto Hulk era
vingativo. Com certeza planejava tocar em seu ponto fraco, e naquele caso
era a ruivinha.
Engoliu a seco enquanto cerrava os punhos.
Gostaria de ver o sorriso dela, os olhos esmeraldas, e acariciar aqueles
cabelos tão cheirosos. Desejava abraçá-la e não soltar mais. No entanto, não
poderia realizar esse desejo. Não naquele momento.
Na comunidade haviam muitas pessoas honestas, trabalhadoras. Allan não
podia ser egoísta e colocar tudo em perigo. Deveria proteger sua mãe e os
outros moradores. Se abdicasse, Hulk tomaria o poder com violência.

- Mano, o maluco que trocar umas ideias contigo. – João aparece na porta do
escritório.
- Ma...ma...luco é tu. – Allan ouve a voz arrastada de Esparadrapo.

- Pode deixar entrar.


Segundos depois, Esparadrapo entra carregando um boneco inflável, vestido
com as roupas de Repolho.

- Allan. - Ele se senta a sua frente e puxa outra cadeira para pôr o boneco.

- Fala ai Esparadrapo, qual a treta?

- Tu não vai cumprimentar nosso amigo? – Franze a testa enrugada.

- Que amigo?

- Des...desculpa ele, Repolhinho. - Passa a mão no rosto do boneco.

- Repolhinho? Que merda é essa cara? – Balança a cabeça impaciente.

- Não fala assim na fre...frente dele.

Allan o encara sem humor.


- O que veio fazer aqui? – Seu tom é frio.

- Vai vi...vingar a morte do nosso amigo, né? – Nos olhos do velho havia
tristeza.

Esparadrapo foi quem acolheu Repolho há muito anos. Tinha ele como um
filho.
- Eu vou. - Se levanta e caminha até o gago. - Hulk vai pagar por isso, pelo
bem de todos aqui ele tem que morrer. – Diz convicto.

- Viu Repolhinho ? - Olha pro boneco.

- Agora vai!! – Aponta para a porta. – E não o chame assim. Sabe muito bem
que ele odiava palavras no diminutivo. – Comenta nostálgico.

- Eu só que...quero que a morte dele se...seja vin...vingada.

- E vai ser! – Allan disse sério.

[•••]

Allan chamou Erick e João até o escritório. Pousou a mão sobre a mesa e os
encarou.

- Eu preciso saber quem está comigo. Confio só em vocês dois!

- E pode contar mermo mano. - Erick vira sua bebida de uma vez - O negócio
é ter um plano e quando o Hulk atacar, pegamos ele. Mas pra isso temos que
deixar ele agir.

- Seja mais claro. – Allan pede.

- Se liga na fita, ele vai tentar armar pra te pegar. E qual a melhor forma dele
fazer isso? Pegando tua mina.
- Está sugerindo que eu deixe ela nas mãos dele?

- Não vai acontecer nada com ela mano, porque vamos ter um plano. – João
se manifesta.

- E se acontecer? Não posso arriscar a vida dela por nada. – Recua e se


assenta.

- Como por nada? Geral aqui corre perigo se aquele rato assumir o comando.

- Qual seria o plano? – Allan cruza os bravos e olha atentamente para Erick.

- Tenho um parça infiltrado lá, oferecemos dinheiro e ele passa informações


pra gente. Vamos saber o dia e a hora que Hulk vai tentar pegar a ruivinha e
então... – Dá de ombros.

O plano era bom, porém altamente arriscado. Só que era a única possibilidade
de conseguir pegar Hulk. E aquilo seria melhor do que não ter nada
planejado.

- E então? Fechou ou não? - Erick estende a mão.

[•••]

Enquanto Allan pensava melhor em como proceder, sua amada estava com o
semblante sério.

- Tudo bem? - Hector a encara. - Ficou quieta de repente.


- Tudo. - Forçou um sorriso - Só estou cansada!

Cris olha para o relógio. – Está ficando tarde. – Melhor a gente ir, amanhã o
dia vai ser cheio. – Encara a irmã. - Bella, se importa do Hector te levar?
Queria ter uma conversa com a Malu. - Cris sussurra em seu ouvido.

- Ah Cris. – Reclama.

- É sério, por favor! - Suplica com o olhar.

- Tudo bem! – Diz por fim.


Sem jeito, entra no carro nada sutil do rapaz.

O trajeto foi em completo silêncio, o que ela agradecia internamente!

- Entregue. - Diz ao parar o carro em frente a casa dos Lira.

- Obrigada! – Retira o cinto.

- Foi muito agradável. - Se vira e a encara. - Espero que a gente saia outras
vezes.

- Com certeza. – Força simpatia, deslizando a mão para abrir a porta.

- Adoraria te conhecer melhor. - Diz galante e passa seu polegar no rosto


dela, com o olhar fixo em seus lábios.
- Eu... eu tenho que ir. – Diz rápida e sai do carro.

Sem olhar para trás, entra em casa. Vai diretamente até seu quarto.
Toma uma ducha e depois se deita. Abraçou seu próprio corpo enquanto
procura em vão o cheiro de Allan. Tinha vontade de sair correndo para os
braços dele. Sonhava todas as noites com ele, vindo ao seu encontro e
dizendo : Estou pronto para você. Mas os dias passavam e com eles a
ausência e o silêncio de Allan pareciam refletir uma escolha.
O que sentia por ele tinha uma profundidade enorme. Um sentimento que
poderia ser chamado de amor.

- Eu queria dizer a ele tantas coisas, tenho estado tão só com ele nos meus
pensamentos, em meus sonhos... Preciso saber onde está, o que está fazendo,
se em algum momento pensa em nós ou se existe alguém além de mim que
prende os seus pensamentos.

Quem somos nós para questionar o designo de Deus, se é sabido que Ele é
quem direciona a nossa vida. Digo isso a propósito dele ter surgido em minha
vida dessa forma e ter preenchido um espaço enorme dentro do meu coração.-
Pensa alto.
Vira-se de uma lado para o outro tentando encontrar o sono.

Já era madrugada e continuava acordada.


Ouviu um ruído baixo vindo de sua janela. Cautelosamente se levantou, o
coração em erupção... Ascendeu a luz do abajur e viu pedrinhas batendo
contra o vidro. De modo sutil puxa a cortina e vagarosamente abre a janela.
Apesar da escuridão lá fora, reconhece quem está ali... e ver quem é faz
estremecer todo seu corpo.

Capítulo 28
Malu havia crescido com Bella e Ryan. Cris era o mais velho, no entanto
sempre esteve próximo deles. A jovem de feição doce cresceu admirando o
irmão de sua melhor amiga. Não conseguia vê-lo com outros olhos.

Ela observava Cris, que com destreza movia o volante. Seus pensamentos
davam voltas e mais voltas.

Talvez todo o amor que sentiu há tantos anos, fosse algo platônico. Uma
espécie de desejo inalcançável. Cris sempre foi rodeado de meninas, e ela
sabia que dificilmente teria a atenção dele para ela. É chato e doloroso
quando a pessoa amada não lhe vê do mesmo jeito… quando não existe
reciprocidade.

Seu coração partiu em vários pedacinhos e seu mundo pareceu desabar


quando descobriu que ele estava namorando. Parecia um relacionamento
sério: Cris radiante de felicidade. E Malu, se sentiu tão triste... Alguns dizem
que quando se ama alguém: desejamos a felicidade da pessoa, mesmo que
não seja ao seu lado. Porém, na teoria é bem mais fácil do que a prática.

Pela primeira vez enxergou Cris como um bobão. Afinal, Bella contou sobre
as implicâncias de Paty na escola e mesmo assim o irmão não acreditou.
Tapou os olhos, deu as costas para quem sempre esteve com ele. Foi
grosseiro, pediu desculpas: porém tarde. Ela aceitou porque não conseguia
guardar mágoas.

Que culpa ele tinha de não gostar dela?


Foram semanas vantajosas. O fora que a jogou para escanteio, a zona de “
Friend zone“, fez a jovem amadurecer. Teve a oportunidade de se valorizar,
enxergar que merecia mais do que migalhas. Estava irritada, porque
nitidamente Cris havia se
Arrependido.

Quando caiu na real e viu que a namorada perfeita não era nada daquilo,
resolveu investir na amiga de sua irmã.
Malu gostaria de esquecer tudo, passar uma borracha e dar uma chance a ele.
Afinal, era isso que sonhava todas as noites. No entanto, não queria ser opção
de ninguém. Desejava ser a escolha.
Buscava um amigo que sentasse ao seu lado e falasse de várias coisas.
Alguém para dividir seus sonhos e medos. Compartilhar planos, planejar o
futuro, andar de mãos dadas pela cidade. Coisas simples que fazem toda a
diferença. Não queria um namorado para mudar o status de relacionamento,
mas sim o amor para mudar sua vida.

- Será que podemos conversar? – Cris estaciona o carro. Encara Malu em


seus devaneios. Passou o trajeto praticamente calada, apenas com os olhos
fixos nele.
- Claro! – Diz retirando o cinto.
Ambos saem do carro e caminham até uma pequena praça que tinha ali.
Malu se assenta no banco de metal; Cris a acompanha.

- Malu eu sei que fui um estúpido com você. – A encara com sinceridade. –
Eu já pedi desculpas e pedirei quantas vezes for necessário. – Pousa a mão
sobre a dela. Seu olhar é intenso. – Se eu pudesse voltar atrás...

- Mas não pode Cris. – O interrompe. – E se pudesse, talvez faria as mesmas


coisas.

- Me dê a chance para me redimir com você. – Umedece os lábios. – Seja


minha namorada..

- Eu não mereço ser tapa buraco na sua vida. – Deixa uma lágrima escapar.
Sua garganta arde. – Você só me quer, porque não deseja ficar sozinho. Se
não soubesse a verdadeira face da Patrícia e nada disso tivesse acontecido...
você estaria a essa hora me pedindo em namoro? Seja sincero comigo.

- Não dá para saber. – Diz por fim – Eu demorei, mas acordei! – Toca
levemente a bochecha dela. – Você sempre me encantou com seu sorriso
doce, com esse olhar de um brilho tão intenso que me lembra as estrelas.
Você sempre esteve ao meu lado: e só eu não vi. – Baixa a cabeça.

- Cris... – Malu coloca a mão sobre o peito dele.

- Faz tão pouco tempo... – Entorta os lábios. – Você não pode ter deixado de
me amar tão rápido. Por favor Malu, eu te adoro. – Aproxima seus rostos.

Ela engole a seco. Respira fundo enquanto se perde nos olhos tão lindos dele.
Talvez sua decisão não fosse das melhores, mas poderia conviver com muitas
coisas, menos sem reciprocidade.

- Eu não quero ser adorada. – Sua voz sai embargada – Eu quero ser o
primeiro pensamento quando acordar, o último quando estiver dormindo. Eu
quero ser olhada de um jeito único e especial e que se seus olhos falassem,
diriam: Caramba, como eu tenho sorte. – Dá de ombros enquanto derrama
lágrimas. – Eu preciso ser amada, menos que isso não me é suficiente. –
Balança a cabeça vagarosamente. Se levanta e sai correndo.

Entra em casa com o rosto vermelho. Seu pai a observa chegar cabisbaixa.
- O que foi filha? – Deixa o controle da tv de lado e a encara.
Malu força um pequeno sorriso.
- Eu vou ficar bem! – Mandou um beijo em sua direção e foi para o quarto.

Ela se deitou no sofá que ficava no cantinho do cômodo. Pegou o celular e


discou o número de Bella, que só dava caixa postal. Logo após, recorre a
Ryan.

- Oi pequena. – Ouve a voz arrastada do amigo.

- Te acordei? – Morde o lábio levemente.

- Não. – Ela sorri sabendo que ele abriu um sorriso. – O que foi? Estava
chorando?

- Sim. – Fecha os olhos tentando segurar as lágrimas que insistem em cair.

- O que aconteceu? – Seu tom é de preocupação.

- Eu acabei com qualquer chance que eu tinha com o Cris. Será que um dia
encontrarei a tampa da minha panela?

Do outro lado da linha, Ryan se virou retirando o excesso da coberta.


- Talvez você seja uma frigideira. – Tentou fazê-la se sentir melhor. – Malu,
você precisa olhar bem a sua volta. As vezes a pessoa certa está bem a sua
frente, debaixo do seu nariz, mas você está ocupada demais olhando para os
lados.

- Você acha? – Malu boceja.


- Tenho certeza. Em algum lugar: há alguém que deixaria de sorrir para ver
seu sorriso, que é feliz só de saber que você existe. Alguém desejando tanto
um abraço seu. Não tenha dúvida, que em algum lugar exista alguém pronto
para te amar!

- E onde está esse alguém? – Pergunta sonolenta.

- O mais perto que você imagina. – Ryan apertou os olhos e entortou os


lábios.

Não foi dito nenhuma palavra depois, só escutavam a respiração um do outro.


Antes que Malu pegasse no sono teve a impressão de ouvir as seguintes
palavras: - Esse alguém sou eu!

Capítulo 29

Bella permanecia com os olhos arregalados. Fez menção em fechar a janela,


no entanto a voz do rapaz fez com que ela parasse.

- Não fuja, por favor! – Diz em tom baixinho, mas audível.

- O que você quer? – Engole a seco, sentindo um aperto no peito.

- Desce aí, a parada é séria. – Encarou ao redor.

- Não, eu...
- O Allan não está legal. – Tentou dar alguma justificativa que a fizesse
descer. – Aconteceu uma treta lá no morro e ele se feriu, o chefe só chama
pelo seu nome.

- Eu já estou indo. – Sem pensar duas vezes, Bella puxa a calça e o casaco de
moletom. Não faz ruídos ao descer até o primeiro andar.
O rapaz que a esperava esteve no dia do resgate, foi um dos parceiros de
Allan que ajudou naquele dia.
Estava aflita, suas mãos tremiam e seu coração disparava. Uma dor preenchia
seu peito só de pensar na possibilidade de perder Allan.
O jovem de cabelos que batiam na altura do ombro, abriu a porta do carro.

- O que aconteceu? Como ele se feriu? – Bella entra no veículo.

- Ah...é... ele. – Se atrapalha e a olha de relance – Invadiram o morro, foi


isso.

- E ele está muito ferido? - Entrelaçou as mãos de modo nervoso.

Antes que respondesse, o celular dele toca.

- Já estou com o bagulho, fica susso!! – Disse com a voz arrastada.

Ele parece ouvir algumas coisas antes de jogar o celular no banco ao lado.

- Espero que esse bagulho que você se referiu, não seja eu. – Bella disse
exasperada.
[•••]

A escuridão e o cansaço não permitem Bella constatar de fato o trajeto que o


carro fazia. Deu por si quando saiu do carro. Estranhou as casas e a rua mais
estreita.

- Esse não é o morro... – Encara o homem cujo nome não tinha ideia.

- Não, não é. – Segura o braço da ruiva bruscamente e lhe arrasta para uma
espécie de galpão.
Bella é empurrada para dentro do lugar vazio e com odor fétido. Dois homens
de expressões duras se aproximam. A seguram e amarram suas mãos. Ela
tenta se debater, mas é em vão. O aperto da corda é forte, logo marcam sua
pele . Tenta gritar, porém, uma meia é colocada em sua boca. Depois, jogam
a jovem para o lado como se fosse uma sacola de lixo.

Ela sente dor na coluna ao cair desajeitadamente. Encolhida no chão frio, faz
força até se livrar do tecido de algodão que preenchia sua boca. Com muita
dificuldade, consegue cuspir a meia.
Minutos depois um estrondo se pode ouvir. Passos se aproximam, a grande
porta enferrujada range.
Bella abre os olhos com dificuldade.

- Hulk? – Aperta firmemente os olhos.

- O próprio. – Esboçou um sorriso frio. – Espero que goste dos aposentos. –


Se abaixa, ficando próximo a ela.

- Porque está fazendo isso? – Sussurra.


- Porque eu quero afetar o Allan. Então, torça para ele realmente gostar de tu.
– A encara. – Até que você é gente boa ruivinha, mas atrapalhou meus
planos.

- Eu não fiz nada. – Baixa o olhar.

- Fez sim, fez ele se apaixonar. Agora alguém tem que pagar o preço!

Bella tentou respirar profundamente. A poeira intensa fez com que espirros
fossem expelidos.

- O que vai fazer comigo? – Disse com dificuldade.

- Por enquanto nada. – Deu de ombros. – Minha treta é com ele. Já pensei em
muitas formas de tortura-lo. – Seus olhos brilham de prazer.

Como alguém poderia sentir prazer em fazer mal às pessoas? Sorrir diante de
tal sofrimento alheio? Ela se perguntava.

- Ele que botou tua vida em risco, ta ligada? Ele quis ser mais esperto que eu;
vamos ver como vai agir quando ver que o plano dele foi pro buraco. – Hulk
prosseguiu.

- Ele não faria isso. – Rebateu.

- Não? É tão inocente Isabella! – Se senta deixando as pernas esticadas – Ele


vai vim atrás de tu e vai ser aí que vou pega-lo.
- Por quê? Vocês eram amigos. – Seus olhos se encontram. – O Repolho não
merecia; tudo isso por dinheiro?

- Éramos amigos, até você entrar na história. – Sua voz é carregada de ódio. –
Acha mesmo que foi eu que matei o Repolho? – Arqueia a sobrancelha.

- Se não foi você, quem seria? – Indaga.

- Tinha três pessoas naquele escritório. – Pisca o olho para ela.

- Ele não faria.... – Começa a ver tudo embaçado, até que só enxerga um
grande borrão e nada mais...
Hulk observava a ruiva, a causadora de discórdia. Ela levou Allan a perdição.
Sempre esteve satisfeito em ser o sub dono na comunidade. Conseguiu muita
grana, Allan sempre facilitou tudo para ele. Mas então, toda a cumplicidade
foi para o ralo. De repente a patricinha da zona Sul arrebatou os sentidos do
traficante. Parecia até a história de um filme, mas se dependesse dele teria um
encerramento infeliz.
Ele esteve quieto no morro rival, esperando a poeira abaixar. Criava suas
estratégias para passar Allan para o outro plano, porém um contato dele
passou o fio que Allan estava planejando uma emboscada. Foi obrigado a
adiantar seus planos e frustrar os de Allan.
Deixaria Bella no cárcere bons dias, não faria contato com Allan para deixá-
lo se roer de preocupação. E só depois, um parça seu iria direto no cego
apaixonado. Allan faria de tudo para salvar sua amada e nessa hora: é a vez
de Hulk pegar e estourar seus miolos.

- Tem certeza do que está fazendo? – Ph se aproxima com um cigarro em


mãos.

- Sim mano, vai dar certo! – Se levanta.


- Não quero problema pra mim. Nunca gostei de ninguém daquele morro. No
entanto, Allan nunca me causou problemas.

- Fica susso, o plano é certo. – Diz convicto. – Em breve Allan vai estar
fazendo companhia pro Repolho.

Capítulo 30

Era bem cedo quando Joana sacudiu de modo insistente o filho.

Allan bufou, apertando forte o travesseiro. Vencido pelo incomodo de ser


balançado, virou-se e sonolento abriu os olhos.

- Qual foi mãe? – Sua voz é carregada de rouquidão.

Joana o encarava com a expressão séria.

- Tem visita. – Disse baixo.

Allan suspirou. Após revirar os olhos demonstrando impaciência, encarou a


mãe.

- Quem é tão importante para me acordar tão cedo?

- Malu e Ryan, disseram que são amigos da Isabella.


No exato momento em que ouviu o nome de Bella, deu um salto da cama.
Assim que ele entrou na sala, a amiga de Bella se levantou com os braços
cruzados e olhos furiosos.

- Cadê ela? – Perguntou alterada.

- Bom dia, tudo bem? – Allan foi sarcástico. – O que foi?

- Não seja cínico. Cadê ela??

- Melhor tu baixar a bola. – Diz irritado – Cadê quem?

- A Isabella. – Ryan responde.

Allan umedece os lábios. Sua expressão muda da água para o vinho.

- Como assim? Me explica o que houve. – Encarou os dois atentamente.


Malu torna a se sentar no sofá e baixa a cabeça.

- Ela deveria estar em casa... – Se não foi você, então quem a pegou? – A
jovem suspira.

Allan balança a cabeça. Ele sabia muito bem a resposta daquela pergunta.

- Hulk. – Disse curto.


Rapidamente passou o fio para João e Erick irem até sua casa.

- Qual seria o motivo dele fazer isso? – Malu encara Allan.

- Pra me atingir mina. – Deu de ombros.


Joana senta ao lado do filho. Ambos esperam alguns minutos até os parceiros
de confiança do traficante chegarem.

- Não tenho uma notícia muito boa pra te dar chefe. – Foi a primeira coisa
que Erick disse ao entrar na sala.

- Eu sei, o Hulk pegou a Bella. – Allan o cortou.

- É mais que isso mano. – João suspira. – Lembra que eu disse que tinha um
infiltrado lá no outro morro? Então... apagaram ele. O mais certo é que tem
um traidor no nosso meio, alguém está passando informações a Hulk. – Erick
explica.

- Cacete!! – Allan soca o estofado do sofá.

- Não vamos poder confiar em ninguém. Teremos que agir sozinhos. – João
se encosta na porta.

- Será nós três contra todos eles. – Erick se senta.

- Eu nunca peguei em uma arma, mas eu quero ajudar vocês. – Ryan se


manifesta – Posso falar com Cris: ele também vai querer ajudar a salvar a
irmã.

- Ele toparia? Isso não vai poder sair daqui e cair nos ouvidos da polícia:
muito menos do traidor. – Allan encara o engomadinho.

- Vamos conversar com ele. – Malu afirma.


Allan respirou fundo. Com os punhos cerrados. Desejava socar a cara de
Hulk.
- Ele está se achando esperto... conhecemos o babaca de longa data. Vai dar
um tempo achando que está te torturando mano e enquanto isso a gente arma
um plano. Só que para os outros você vai ter que fingir que está sofrendo. –
Erick morde de leve o palito que se encontra entre os dentes. – Hulk é tão
previsível!

- Demais! – Allan concorda.

Joana se demonstra reflexiva. – E qual vai ser o plano? – Pergunta e todos os


olhares se voltam para ela.

- Primeiro temos que ganhar a confiança do Hulk, poder andar no morro sem
suspeitas e descobrir onde ela está sendo mantida presa. – Allan responde
inquieto. – Precisamos de alguém que Hulk não conheça, uma pessoa que
possa se passar de usuário para ter livre acesso lá.

- Tem um amigo novo do irmão da Bella na cidade, ele se chama Hector . –


Malu diz esperançosa – Não custa tentar. Talvez ele possa se interessar em
ajudar.

- Então pra todos os efeitos vocês dois estão aqui porque desconfiam que eu
peguei a Bella. – Allan encara os jovens. – Tomem cuidado para não serem
vistos com esse tal de Heitor. Hoje mesmo dê um jeito de falar com eles; e se
concordarem: me liguem. – Rasga um pedaço de jornal e coloca o número de
seu celular, logo após entrega a Ryan.

- Ela ama você, sei que fará de tudo para resgata-la. – Inesperadamente, Malu
abraça Allan antes de ir embora.

- Ama? Como sabe? – Pergunta surpreso.


- Ela me contou tudo sobre vocês. Foi desesperador, mas também um alívio
saber que não foi você que a levou de sua casa. – Força um sorriso. Se vira e
aos poucos some de suas vistas.
Allan fecha a porta e fica alguns segundos parado, fitando o nada.

- Ah meu filho. – Joana coloca a mão sobre o ombro largo dele. – Isso é tão
perigoso!

- Eu sei mãe, mas não posso deixa-la nas mãos dele. – Aperta fortemente os
olhos.
Ele não queria demonstrar fraqueza. Mas era visível que havia ficado
balançando com aquela situação.

- Vou pedir muito a Deus para protege-la e também a você. – Joana segura o
rosto do filho. – Eu espero do fundo do meu coração que tudo isso acabe, isso
não é vida Allan. Eu quero viver para poder ver você ter um emprego digno,
para ver você formar uma família.

- Estou tão longe de ser quem você sonhou. – Dá de ombros.

- Eu te carreguei nove meses Allan, o conheço mais que você mesmo. – Uma
lágrima escorre por seu rosto e ele a seca. – Você está no caminho certo, eu
sei. Você está perto de ser quem eu sonhei, apesar disso as coisas ainda serão
difíceis. Só peço que não desista e saiba fazer suas escolhas no presente, pois
elas que dirão qual será o seu futuro.

[•••]

O dono do morro chega na boca com cara de poucos amigos, espumando de


raiva. Afinal, deveria ser desse modo que o traidor o veria. Como se estivesse
desesperado, transmitindo a Hulk uma imagem de fracasso. Deixando ele
pensar que estava ganhando. Aquele era o jogo!
Estrategicamente, Allan reúne todos os parceiros no escritório. Com os pés
sobre a mesa e a expressão carrancuda encara um por um.

- A treta é o seguinte: o Hulk pegou algo que é meu e eu quero de volta. Ele
vai tentar entrar em contanto e quero vocês de orelhas em pé, entenderam? –
Sua voz é firme. – Fiquem no posto esperando meu sinal; quando for a hora,
vamos pra cima dele com tudo. Agora podem sair!
Eles saem da sala; Rafael, o mais alto deles é o único que fica.

- Senta aí mano. – Aponta a cadeira para ele.

- É a mina? Aquela do resgate no Rio? – O branquelo pergunta.

- A própria. – Allan analisa os gestos do homem a sua frente.

- Gosta dela? Faria tudo pra salva-la? – Mostra curiosidade. – Quer dizer,
uma garota vale tanto a pena assim?

Allan dá corda. Poderia ser ele o traidor, ou talvez não. Mas na dúvida tenta
parecer verdadeiro.

- Eu daria minha vida pela dela. – Foi sincero. Se tivesse que entrar na frente
da ruivinha e levar um tiro em seu lugar, faria sem titubear.

- Deve estar destruído...

- Destruído é pra gente fraca. – O interrompe. – Estou fervilhando de ódio. –


Respira fundo. – Espero que ele não demore para fazer contato, preciso saber
se ela está bem... – Solta no ar propositalmente. Hulk demorando, daria
tempo deles efetuarem o contragolpe.

Capítulo 31

Allan saiu da boca mais cedo. Foi para casa esfriar a cabeça. Sentado no sofá
da sala, recorda os doces momentos que viveu ao lado de Bella. A saudade
desmedida invade seu peito.
O toque estridente do celular faz com que o rapaz desperte de seus devaneios.

- Allan? – Ouve a voz de Malu do outro lado da linha.

- Sim. Diga!

- Conversamos com o Cris. No começo ele chiou um pouco, queria


comunicar a polícia. Mas explicamos a situação a ele: que acabou
concordando. Já falamos com o Hector e ele topou se passar por usuário.

- Beleza. – Allan sentiu alívio. Quanto mais ajuda tivesse seria melhor.

- Vou botar no viva voz e você passa os comandos a ele. – Malu pousou o
celular na mesa de centro para que os outros ouvissem.

- Pode falar. – Allan ouve a voz que deveria ser de Hector.

- Então mano... primeiro valeu aí! A parada é a seguinte: você tem que ir no
morro com pretexto de comprar drogas, fazer amizades com alguns dos
traficantes. Acha que pode?
- Posso. O que mais?

- Em algumas conversas pode deixar escapar que gostaria de se vingar de um


traficante do morro rival. Mas sem tocar em nomes. Em algum momento
Hulk vai saber quem você odeia tanto e então falará de mim.

Hector balançou a cabeça. Com o corpo levemente inclinado perguntou: - E


qual seria o motivo de tanto rancor?

Allan entorta os lábios.

- Vingança. Diz que peguei uma mina tua. O Hulk é burro, distraído. Se
ganhar a confiança dele, mostrar que é um cliente vantajoso, ele vai contar
onde Bella está. Tenho certeza disso!

- Tudo bem. – Hector se esticou, logo após encostou-se no estofado do sofá.

- E qualquer coisa liga pra esse número aqui que quase ninguém tem.
Entendeu tudo?

- Entendi.

Allan refletiu sobre algo que ninguém havia parado para pensar. Os pais de
Bella.

- Só uma coisa... onde os Lira ficam nessa história toda?

Cris pela primeira vez se manifestou durante a ligação.


- Cuidarei disso. – Garante. – Vou saber argumentar para que meu pai não
tente acionar oficiais.

[•••]

Uma semana se passou... Foram dias difíceis sem muitas informações. Os


pais de Isabella viviam novamente a agonia de não ter a filha em casa. Allan
queria enfiar os pés pelas mãos, agora por puro impulso. Mas se via de braços
atados.
Ele andava pela rua quando viu Esparadrapo sentado na calçada. Entediado,
senta ao lado do velho.

- Fala Esparadrapo. – Toca no ombro dele.

- Allan! – Esboça um pequeno sorriso. – Não vai dar oi para o


no....No...Nosso Repolinho. – Aponta pro boneco inflável.

Allan balança a cabeça. Cada um lidava com a dor do seu modo.

- Fala mano, faz muita falta aqui... – Disse nostálgico ao lembrar do amigo.

- Ih a Pi...pi...ri...guete da Lorena vindo.


Allan avista a morena mostrando suas curvas dentro de um vestido justo e
curto. Continha um sorriso largo nos lábios. Se aproximou enrolando uma
mecha de seu cabelo tingido, no dedo indicador.

- Que bom ver você. – Inclina o corpo e tenta roubar um beijo de Allan que
se esquiva. – Que foi hein, Allan? Trocou de lado? – Ergue a sobrancelha.

- Não enche Lore. – Diz impaciente.


- Vai ca...çar teu rumo. – Esparadrapo a empurra de leve.

- Qual foi velho? – Revira os olhos.

- Vá piriguetar em outro lu...lugar.

- Vai deixar ele falar assim comigo Allan? – Faz beicinho enquanto Allan
tenta prender o riso.
O traficante sente o celular vibrar no bolso de sua calça. Sem delongas se
levanta e sai quieto.

- Qual foi? – Atende Hector.

- Consegui, vou passar por mensagem. – É evasivo e desliga.

Allan passa mensagem a Erick e João. Se tudo desse certo, em breve teria a
ruivinha em seus braços.

[•••]

Bella não fazia ideia de quantos dias haviam se passado. Estava em seu
limite. O corpo dolorido constantemente, a alergia atacando dia após dia.
Uma falta de ar que ardia os pulmões. A comida fria e sem gosto que era
obrigada a comer. De longe, nunca viveu dias tão ruins como aqueles.
Clamava a Deus pedindo para que aquilo chegasse ao fim. Que tudo ficasse
bem novamente. A saudade de sua família e amigos corroía seu ser... a
preocupação com Allan rondava sua mente.
Toda tarde, Hulk passava no cativeiro. Sentava perto dela e contava a história
de sua amizade com Allan, a época que se davam bem.
O ranger da porta trazia uma breve fagulha de luz solar. Ficou de olhos
fechados enquanto ouvia passos.

- Aqui está o bagulho que eu te falei. – Hulk disse. – Ela é nossa ponte pra
chegar no Allan.

- Pensa em fazer contato quando? – Uma voz conhecida soou. Pelo cansaço
não conseguiu associar a voz ao rosto.

- Breve, muito breve! – Comentou. – Vou pegar a refeição dela, já volto!


Segundos depois, a pessoa se aproximou devagarinho. Bella sentiu um toque
suave no braço.

- Bella. – A chamou baixo. Quase inaudível. Ela abriu os olhos lentamente e


se deparou com o amigo do irmão. Subitamente franziu a testa. – Não diz
nada, o Allan vai te tirar daqui ainda hoje. – Explica. – Fica ligada a qualquer
sinal que eu te der. – Hulk entra e fica parado encarando os dois. – Até que a
mina é gata. – Hector se levanta e disfarça.

- Não faz meu tipo. – Hulk diz com desdém. Deixa a bandeja no chão; com
um sorrisinho maroto nós lábios. – Mas se tu quiser, pode ficar com ela
quando passarmos o Allan.

- Idiota. – Bella resmunga.

- Me chamou de que? – Se agacha e segura o rosto dela com a expressão


irritada.
- De idiota. I-D-I-O-T-A.

Rapidamente a mão dele vai de encontro ao rosto dela. O soar de um tapa que
deixa sua bochecha avermelhada. Ela sente os olhos arderem pelas lágrimas
que vem a tona.

- Eu não sou o frouxo do Allan, se liga antes de falar comigo assim. – Bufa
cerrando os dentes. – Vamos, chegou teu pedido. – Encara rapidamente o
visor do celular.

Bella chora deitada naquele chão desnivelado. Empurra a comida com os pés,
fazendo cair a comida toda na superfície suja. A maré de acontecimentos
ruins começaram quando conheceu Allan. Mas não se arrependia de ter
tomado toda sua atenção. Preferia passar aquilo quantas vezes fosse preciso,
porque o fato de o amar aquecia seu coração. Jamais se arrependeria de ter
olhado para ele, de ter se perdido em seus olhos envolventes.
O abraço dele a passava conforto, uma espécie de segurança. A voz rouca, as
frases desconexas cheias de palavras erradas, o jeito marrento. A forma como
ele se mostrava preocupado com ela, como demonstrava carinho apenas com
um simples olhar. Ela só desejava que no final de tantas provações, pudesse
gozar de alegria ao lado dele.
Fecha os olhos e lembra de um momento em particular.

“ – O céu está na mesma tonalidade que seus olhos. Eu gosto disso. – Baixou
a cabeça sentindo as bochechas corarem.

- E eu gosto de ver tu corada. – Segurava o rosto dela enquanto trocavam


intensos olhares.

- Para de me olhar assim. – Bella pedia envergonhada.


- Assim como? – Chega mais perto a medida em que acaricia a bochecha da
ruivinha.

- Como se eu fosse a melhor coisa que aconteceu na sua vida.

- E você é. – Disse com seriedade. “

Capítulo 32

Allan chega em casa e rapidamente troca de roupa. Coloca um boné de aba


reta e óculos escuros.
Minutos depois, seus dois comparsas chegam até ele.

- Trouxe as armas chefe. – João abre a mochila mostrando.

- Hector falou que hoje vai ter uma festa de arromba no morro rival, festa do
chefe de lá. Isso vai facilitar demais nossa chegada. – Allan comenta
enquanto pega uma arma e coloca em sua cintura.

Erick como sempre está com um palito entre os dentes. Vestido com uma
blusa cinza desgastada e uma calça jeans levemente amarrotada.

- Já marquei com Ryan e o Cris em uma rua deserta daqui; vamos nos
encontrar lá e trocamos de carro. – Erick avisa – Não pode dar nada errado.

- Eu sei mano, um erro e vai tudo por água a baixo. – Allan se vira notando a
presença de sua mãe.
A expressão de Joana é nitidamente séria e de muita preocupação.
- Tia Joana. – João e Erick a cumprimentam.

- Oi. – Força um sorriso – Posso falar com você meu filho? – Encara Allan
que balança a cabeça positivamente. Para o que está fazendo e segue a mãe
até o seu quarto.

- Para que essas armas Allan? – Indaga com os olhos fixos nele.

- Descobri onde a Bella está. – Segura a mão da mãe tentando passar


tranquilidade.

- E por que as armas? – Seus olhos enchem-se de lágrimas.

- Eu não posso subir o morro rival desarmado mãe. – Passa o dorso da mão
na bochecha dela, secando a umidade de seu choro.

- Eu temo pela sua vida, você é a única coisa que eu tenho que posso chamar
de família. – Diz com a voz embargada. – Eu não quero ter que enterrar meu
filho, ainda mais tão novo.

- Isso não vai acontecer!!! – A abraça fortemente.

- Por favor meu filho, volta, volta para mim! – Suplica .


Ver a mãe daquela forma cortava seu coração. Ela nunca aprovou a vida que
ele levava, no entanto jamais deu as costas para ele. Sempre esteve ali.
Geralmente o crime possui dois caminhos certeiros: cadeia ou morte. Essas
eram as palavras de Joana e de seu falecido pai. Causava a sensação de temor
toda vez que saía de casa, pois sua mãe sempre pensava na possibilidade dele
não voltar vivo.
Allan beija suavemente o topo de sua cabeça e sai sem olhar para trás.

Com todo o armamento necessário sai de casa em busca de sua amada.

[•••]

Os três chegam à rua em que combinaram com os outros. Minutos depois, um


carro estaciona e sai de dentro dele Ryan e Cris.

- Tudo certo? – Ryan pergunta – Esse é o Cris!!

- Satisfação mano. – Erick aperta sua mão, logo após João.

- Você que é o Allan? – Encara o traficante com dureza.

- Eu mesmo. – Não se intimida com o olhar do irmão de Bella.

- Quando me contaram... minha vontade foi te esganar. – Se aproxima de


Allan. – Apesar de tudo, você gosta mesmo da minha irmã?

- Não, é mais que isso. Eu amo a Bella! – Dia sincero.


Cris estende a mão em direção a Allan que aperta.

- Fico mais aliviado. Agora tenho certeza de que vai fazer tudo que estiver ao
alcance para salva-la.

- Eu vou!! – Afirma convicto. Ele faria tudo pela sua ruivinha.


- Se liga!! – Erick desperta a atenção deles. – Vocês dois vão ficar de olhos
bem abertos na esquina antes da entrada do morro. Se tudo de certo o plano
irá correr bem rápido, e é só pisar fundo no acelerador. – Explica a Ryan e
Cris.

- Como vocês vão chegar ao lugar? Eles não vão reconhecer a gente? – Cris
pergunta.

- É um risco que vamos ter que correr. – Allan abre a porta do carro – Seria
arriscado demais pedir isso a vocês, imagino que não saibam manejar uma
arma.

- Não mesmo. – Ryan concorda.


Em carros separados seguem até o morro rival.
Já era noite e as ruas estavam escuras. Como havia festa, apenas dois homens
ficavam de vigia. João e Erick se aproximaram e de surpresa deram uma
coronhada neles; os arrastaram rapidamente até um beco.
Allan se junta a eles.

- E vou indo na frente pra te dar cobertura. – Erick avisa.


Começam a subir o local de cabeça baixa. O volume da caixa de som ecoava
pela extensão da rua. Poucas pessoas passavam ali, a maior porcentagem
participava da comemoração.
Allan pega o papel com o desenho do endereço que Hector havia passado e
vai guiando Erick e João pelo caminho.
Ao certo, andaram uns quinze minutos. Mais a frente, havia um galpão
abandonado; Allan aponta para o local.

- Espera aqui. – João pede e vai na frente com Erick.


A adrenalina faz o coração do rapaz palpitar mais forte. Cada vez ficava mais
perto de Bella: sentia isso.
Minutos depois, João aparece e faz sinal para o chefe com as mãos. Ele
caminha até eles e dão a volta no galpão. Só havia um brutamonte vigiando o
lugar. Allan com um soco certeiro apagou o grandão.

- Toma. – João entrega a chave que estava no bolso do vigia. – Não demora!!
Allan coloca a chave na maçaneta e logo destranca a porta enferrujada. Com
a lanterna do celular, dá passos para dentro.
No meio, avista o corpo de Bella no chão. Lentamente agacha ficando perto
dela.

- Bella. – Passa a mão em seus cabelos.

- Allan? – Diz baixinho com os olhos fechados.

- Sim, sou eu.

Ela abre os olhos devagarinho.


- Isso é um sonho?
Allan toca a pele fria e trêmula dela. – Não! – Sussurra.
Observa os cabelos oleosos dela, o rosto inchado e vermelho. As olheiras
abaixo de seus olhos. O cheiro de suor dentro de suas roupas sujas. Mas ainda
assim era ela, a menina de seus olhos. A dona dos cabelos de fogo que
arrebatou seu coração.
- Ele fez isso? – Acaricia com o polegar o arroxeado em sua bochecha. A
raiva crescendo dentro dele.

- Sim. – Engole a seco. - Estava com saudades de ouvir sua voz!


Allan cola seus rostos de modo carinhoso. Com o olhar preso no dela.
- Eu te amo filha do pastor! – Disse com toda a sinceridade que havia dentro
de si.

- Eu te amo dono do morro! – Ela esboçou um sorriso.


Sem poder demorar mais tempo, desamarra os pés e as mãos dela.
- Precisamos sair daqui! – Allan tenta levanta-la.
- Aii!! – Grunhiu de dor. – Não vou conseguir... – Esfrega vagarosamente as
costas que doem.

- Chamaríamos muita atenção se te levasse no colo. – Suspira. – Ah que se


dane! – A pega do chão cuidadosamente.
O sentimento apaziguador se esvai quando a voz de Hulk ecoa.

- Ora, ora se não é o Allan.- Bella se encolhe assustada no colo dele. – Sabia
que que tu iria vir resgatar a princesinha indefesa.
Allan Stuart se vira e encara Hulk friamente.

- Admito que tu é esperto, me enganou direitinho. – Sorri cinicamente – Só


digo uma coisa, alguém vai sair daqui morto!!
Allan solta Bella, deixando-a sentada no chão e vai em direção ao bastardo.

Capítulo 33

Allan estufou o peito. Cerrou os punhos e trincou os dentes.


- Deixa a Bella fora disso e vamos resolver as coisas de homem pra homem.
- E perder o melhor? – Hulk reveza seu olhar de Allan para Bella. - Quer
levar sua mina daqui? Então vai ter que me matar! – Desafiou.
Allan retira a arma da cintura e aponta para Hulk. – Eu não me importo em
atirar em um verme como você!
O traidor abre os braços. Um sorriso divertido pairava em seus lábios.
- Machão. – Desdenhou. - Então mata, não vai ser a primeira vez que tira a
vida de um amigo.

- Tu nunca foi meu amigo!! – Allan aumenta o tom de voz.

- E o Repolho? Ele era?

- Não dê ouvidos a ele Allan. - Bella diz pede. A intensão de Hulk era apenas
deixar ele desestabilizado.

- Qual foi? Só estou falando a verdade. Foi muito fácil pôr a culpa da morte
dele em mim né Allan? – Hulk ergue a sobrancelha cabeluda.

- Não sei do que está falando.

- Você matou o Repolho. - Dá dois passos a frente - Você fechou os olhos


antes de apertar o gatilho, se lembra?

- Não, não fui eu!!


Allan engole a seco. Mantendo o controle sobre a arma. Seria tão mais fácil
simplesmente apertar o gatilho...

- Ele não achou que tu fosse disparar, entrou na tua frente pra tentar tirar a
arma de sua mão, e tu Allan, matou seu pobre e fiel amigo. – Suas palavras
eram venenosas.
- Não... – Ele umedece os lábios. – Ele entrou na minha frente para me salvar.
– Rebateu.
Ouvir aquilo era como um soco em seu estômago. Ele não poderia ter matado
o homem que chamava de irmão. Hulk conseguia o que queria, deixava Allan
distraído. Rapidamente lança a perna em direção ao antigo chefe fazendo com
que a arma caia no chão, e Allan se ajoelhe com falta de ar pelo golpe
certeiro.

- Ah Allan eu realmente gostava de tu. - Dá de ombros, pegando a arma. -


Pena ter um fim assim. – Mas vamos lutar que nem homens!!

- Como quiser. – Allan se levanta e fica ereto.


Ambos se encaram.
Hulk foi para cima dele com tudo, acertando um soco em seu olho direito.
Allan fingiu cambalear um pouco e quando o rival veio novamente: agarrou
seu braço e colocou entre suas pernas. Sabendo o que fazia, dominava os
movimentos com firmeza. Finalmente projeta o quadril, elevando o cotovelo
de Hulk e mantendo o punho dele sob seu domínio. Forçou a articulação com
o golpe, destruindo os ligamentos até às cartilagens. Em poucas palavras,
efetuou uma chave de braço.
Logo após, levantou o rapaz pelo pescoço. Hulk gemeu de dor; toda sua
valentia caia por terra. Allan o solta, e o corpo dele tromba no chão.

- Chega Allan, vamos embora. – Bella disse com a voz abafada. A expressão
assustada.
Allan se encontrou em uma batalha: ir embora ou dar um final naquilo?

- Fecha os olhos e tente tampar o ouvido. – Encara a ruiva com pesar.

O traficante torna a segurar a arma. Lentamente aponta na direção da cabeça


de Hulk que agoniza de dor.
Não queria sujar suas mãos, muito menos fazer aquilo na frente de Bella.
Porém, naquele momento não poderia pensar muito. Hulk era vingativo,
jamais desistiria até acabar com Allan.
Sem pensar muito aperta o gatilho, com os olhos fixos no dele.
Acompanha o último suspiro de vida.
Vagarosamente coloca a arma na cintura e se aproxima de Bella.
- Agora está tudo bem! – Tenta segurar a mão da ruiva que se esquiva.
Ele viu em seus olhos medo. E ser visto daquela forma dilaceração seu peito.
A segura no colo, quieta, imóvel. Rapidamente se afasta do morro. Na
esquina vislumbra o carro de Cris. Abre a porta e coloca Bella no banco.

- Me perdoa. – Diz em seu ouvido antes de sumir de suas vistas.


Encontra João e Erick no outro veículo, e juntos vão para a comunidade.

[•••]

Bella deitou a cabeça no ombro de Ryan enquanto o veículo se locomovia.


Allan havia pedido para que ela fechasse os olhos, mas não conseguiu.
Acompanhou a cena fria dele apertando o gatilho. A cabeça de Hulk como se
explodisse, o sangue intenso escorrendo pelo rosto. Os olhos esbugalhados e
sem vida.
Foi um choque duro ver o homem que ama agindo como um assassino.
Apertou fortemente os olhos, deseja do esquecer as cenas que atormentavam
sua mente.
Não demorou muito para chegar em casa. Com ajuda do irmão entrou na sala,
seus pais correram para lhe abraçar. O que a fez gemer de dor.
Sua mãe preparou um banho relaxante para ela, Malu a ajudou se secar e
colocar uma roupa agradável.
Sente alívio ao se deitar em um colchão fofo, após dias no chão duro. Parecia
não haver mais lágrimas para serem derramadas. Sem nenhuma certeza sobre
o futuro, sobre ela e Allan.
Malu pega a bandeja na mesinha e coloca sobre a cama.
- Come um pouquinho! – Enche o copo c vitamina de morango. – Odeio vê-la
triste! – Entortou os lábios.

- Será que um dia vou conseguir ser feliz? – Bella segurou uma torrada com
geleia de framboesa.

- Claro que vai, Deus escreve certo por linhas certas amiga! Não se entristeça,
esse não é o fim. Há tanta coisa para viver!

- Como pode saber? – Encolhe os ombros.

- Por isso. – Lhe entrega um papel dobrado.

- O que é isso? – Pergunta confusa.

- Abra e leia! – Esboça um sorriso.

" Isso não é um adeus, apenas um até logo. Sou um homem de sorte de ter um
par de esmeraldas que me olham com amor, a dona dos cabelos mais lindos
que já vi. Minha vó dizia assim: quando encontrar o amor, não o deixe
escapar, porque será como um morto. Te amar me fez renascer! Ps: Seu
dono do morro. "

Capítulo 34
Algumas coisas não podiam ser desfeitas.
Allan passou o trajeto reflexivo. Assim que o carro parou em frente a sua
casa, virou-se revezando seu olhar entre João e Erick.
- Na minha ausência vocês serão os caras de minha confiança que irão ficar
no comando da comunidade.

- Como assim mano? - João encara o chefe com a confusão estampada em


seu semblante.

- Vai ficar fora? - Erick também não entende.

Allan toca o ombro de ambos.


- Obrigado por tudo! – Abre a porta do veículo. – Não sei quanto tempo
ficarei longe, mas sei que todos aqui estarão em boas mãos.
O dono do morro se despede dos amigos e se encaminha para dentro de casa.
É recebido com um caloroso abraço. Joana finalmente podia respirar aliviada.
- Eu tive tanto medo de que não voltasse!! – Beija o rosto do filho.

Ele esboça um sorriso e encara a mãe.

- Mas não vou ficar muito tempo aqui.

- Vai aonde? – Indaga com a sobrancelha erguida. De modo instantâneo


coloca a mão sobre a cintura.

- Fazer a coisa certa. – Passa por ela e vai em direção ao quarto.


Pega a mala onde há exatos duzentos e cinquenta mil. Puxa de debaixo do
colchão uma boa quantia e volta para sala.

- Está tão estranho Allan... – Joana se aproxima. – O que vai fazer?

- Me redimir, mas não como um covarde. – Umedece os lábios. – Tomei


tantas decisões erradas, vivi na ilegalidade, há marcas irreparáveis dentro de
mim. Eu só quero deitar minha cabeça no travesseiro com a consciência
limpa. Ficar livre de tanta culpa e tanto sangue derramado.

- Filho. – Joana passa a mão docemente pelo rosto dele. - Deus ainda tem
algo maravilhoso para teu futuro, você ainda vai ser muito feliz!

- Isso é pra você. – Entrega a ela um envelope com dinheiro. – Nesses anos
que estarei fora cuide de você, abra o restaurante que sempre desejou.

- Eu estou muito orgulhosa de você. – Sua voz sai embargada, o rosto


banhado por lágrimas.

- Preciso ir! – Allan deposita um beijo suave na testa da mãe.

Entre tantos caminhos, ele escolheu o amor. Não importava quantos anos de
sua vida perderia pagando por seus erros. Mesmo que no final não ficasse
com a linda Isabella. Valia a pena e seria um ato grandioso. A jovem de
cabelos de fogo sempre lembraria que alguém lhe amou tanto a ponto de se
entregar. Que o seu amor foi capaz de causar um sentimento chamado de:
redenção.
Ele poderia mostrar seu amor por outras vias, não precisava ser tão rígido
consigo mesmo. No entanto, não se sentiria livre por completo.
Minutos depois estava na entrada da casa que nunca entrou. Batidas dadas na
porta com coragem.
- Allan? – Cris aparece surpreso.

- Seu pai está? – Allan aperta fortemente a maleta em suas mãos.

- Sim, entra! - Abre espaço e leva o rapaz até a sala. - Vou chamá-lo.

Longos minutos depois, Isaque se aproxima. Com as mãos no bolso da casa,


a testa levemente franzida. Uma expressão dura e olhos repreensivos.

- O que faz aqui? – Sua voz é dura como uma pedra.

Allan o encarou. Vagarosamente estendeu a mala na direção do chefe de


família.
- Quero pedir desculpas pelo transtorno que causei... – Diz sincero. – Isso é
seu. - Isaque pega a maleta, abre e vê todo o dinheiro que deu no resgate de
sua filha. – Eu amo sua filha... de um jeito torto, eu sei, mas estou tentando
ser melhor. Eu não fiz tudo isso por dinheiro.

- Você devolver o dinheiro não muda as coisas, você continua sendo dono do
morro e... – Ele é interrompido.

- Não sou mais, abri mão de tudo para talvez ter uma chance de futuro com
sua filha. – Allan respira fundo. - Eu vou pagar por meus crimes.

- Allan? Isso é sério? – Isabella desce o lance de escadas afoita.


Ele esboça um sorriso verdadeiro ao contempla-la dentro de um vestido
vermelho que realçava seus cabelos. Os olhos esmeraldas dela brilhavam
como estrelas. Seu coração se aqueceu ao sentir o perfume adocicado que
emanava dela. Quando ela correu diretamente para seus braços e pôde sentir
o calor de seu corpo, teve certeza que havia feito a escolha certa.

- Eu vou fazer isso, porque um dia uma ruiva entrou no meu caminho e me
fez enxergar que a vida pode ser melhor.

A abraçou apertado. Gravando em sua memória cada toque, os mínimos


detalhes. Se pudesse congelaria o tempo naquele exato momento, poderia
passar o restante de seus dias daquela forma... enlaçado a ela.
Bella deixa escapar algumas lágrimas. Alan, encosta de leve seus nos dela.

- Eu te amo tanto que dói. – Ela sussurra envolvendo seus braços ao redor do
pescoço dele.

- Eu também. – Afunda o rosto nós fios ruivos que pareciam seda. - Posso te
pedir uma coisa?

- Claro!

- Procure sempre minha mãe para saber como ela está... sua companhia vai
lhe fazer bem.

- Eu prometo, vou estar sempre com ela. Sabe que eu vou te esperar não é? –
O encara.

- Não quero estragar mais sua vida. – Allan engole a seco.

- Você trouxe brilho a ela. – Bella rebateu. – Eu te esperaria a vida toda se


fosse necessário.

- Que um dia eu consiga ser o teu perfeito mesmo sendo tão imperfeito. – O
rapaz deposita um beijo suave no dorso da mão de sua dama. – Até mais
minha ruivinha!

- Até!! – Bella diz, antes de puxa-lo e selar seus lábios. Um beijo doce, cheio
de promessas para um futuro.

Com muita dificuldade Allan se afasta.

- Porque a Nebulosa de Órion é sua preferida? – Pergunta lembrando da


conversa que teve quando esteve no rio.

O rapaz esboçou um sorriso encantador.

- Minha vó dizia que quando se observava Órion nascer durante o amanhecer,


era um sinal que o verão havia chegado. A Nebulosa de Órion é fácil de ser
achada a olho nu, pois é a mais brilhante. Eu tinha o costume de conversar
com Deus a olhando. Talvez pelo brilho intenso que pintava no o céu... assim
como toda vez que olho em seus olhos.

Bella torna a se aproximar. Entrelaça suas mãos.


Ambos se encarando emocionados.

- Eu não queria que você passasse por isso... – Diz com lágrimas deslizando
pela pele.

- É necessário. – Allan seca suas lágrimas. – Ficarei bem! Não se preocupe


comigo, foque em você! – Pede. – Não se veja obrigada a esperar por mim...
apenas viva um dia de cada vez. Mas jamais esqueça, aonde estiver... eu
sempre vou amar você! – Distribui beijos lentos pela extensão de seu
pescoço.
As mãos dela abraçam ele, trazendo cada vez mais para perto de seu corpo.
Ela era sua, assim como ele era totalmente dela!
Encerra o momento com um beijo demorado, antes de se afastar
definitivamente.
Sem olhar para trás saiu pela porta. Disposto a se entregar e ajustar as contas
com a justiça. Tinha certeza que sua decisão lhe traria bons resultados no
futuro.

Epílogo

Trinta anos foi a sentença do juiz... quando Allan ouviu suas palavras e o soar
do martelo sentiu como se o mundo desabasse em sua cabeça.
Seriam três décadas prisioneiro.
Como poderia ter esperança no mundo lá fora?
Quando chegou na penitenciária, foi difícil se acostumar. Até que depois de
uns meses foi para uma cela onde haviam dois homens. Um era o senhor José
que roubou o banco para conseguir dinheiro para a operação de sua filha e o
outro se chamava Marcos, usuário de drogas que surtou e tirou a vida da
esposa e dois filhos.
Durante os meses, fizera amizade com o carcereiro. Um homem evangélico
que sempre que conseguia falava um pouco sobre Deus.
Allan teve alguns atenuantes ao ajudar a polícia com alguns casos de tráfico,
além de seu bom comportamento. Estudou dentro da prisão, completou o
ensino médio e iniciou a faculdade de Direito. Seu desempenho a cada ano
fazia com que sua pena diminuísse consideravelmente.
O conhecimento entrou em sua vida como uma grande fronteira. Era como se
não estivesse atrás das grades quando estudava. A esperança outrora perdida,
voltava a florescer em seu coração.
Os programas sociais e de recuperação no sistema que muitas vezes falhava
trazia pessoas de volta a vida. Preparavam eles para a sociedade.
Ele proibiu as visitas. Não gostaria que a mãe lhe visse ali, com a roupa
cinza, com os cabelos cortados. A marca de algemas em seus pulsos. O único
que podia entrar para visitá-lo e levar as coisas que ele precisava era o velho
Esparadrapo. O gago deixava Allan a par dos acontecimentos.
O rapaz ficou feliz em saber que virou exemplo na comunidade, sobre as
ongs que foram construídas, os projetos, as quadras para incentivar o esporte.
Falou também do restaurante de Joana que é sempre muito movimentado.
A saudade todos os dias apertava. A dor da ausência, da solidão. Bella
sempre habitava em seus pensamentos.
Cinco anos haviam se passado...
Dias, meses longos.
Ajustavam sua tornozeleira eletrônica, em breve estaria parcialmente livre.
Ele pega seus pertences, veste a roupa que Esparadrapo lhe trouxe na última
visita.
Se olhou no espelho, analisa o quanto havia amadurecido. Agora com vinte e
nove anos, sem saber ao certo o que lhe esperava lá fora. Mas confiando que
realmente Deus tinha o melhor.

- Allan. – Rodrigo, o carcereiro se aproxima. - Estou feliz em te ver saindo


daqui, pode ter sido ruim em muitos momentos ,no entanto, foi um
aprendizado. – O encara. - Filho não importa o que te espera lá fora. Se nada
for como você esperava, não turbe seu coração e não se arrependa achando
que tudo que passou foi em vão. Não se esqueça nunca de onde Deus te tirou,
sei que há um futuro grandioso te esperando.

- Amém. – Segura a mão do senhor que tanto lhe ajudou. - Obrigado por
tudo!
- Não agradeça, eu fiz por você o que eu gostaria que fizessem por mim ou
por um filho meu.
Allan se despede e é guiado para fora do presídio. O coração palpitando, as
mãos suadas... nervosismo e ansiedade percorrendo cada parte de seu corpo.
O guarda abre o portão.
Ele lentamente sai e respira fundo. O sol toca seu rosto que se ergue com os
braços abertos. A sensação de liberdade o consome.
Uma brisa suave passa por ele; devagarinho se vira e vislumbra cabelos cor
de fogo que brilhavam com a luz do sol.
Seus olhos se encontram e se prendem como imãs.
Observa a mulher linda que caminhava em sua direção. Com ar de
maturidade, corpo com belas curvas.
A jovem deixa a bolsa cair no chão, com lágrimas nós olhos corre ao seu
encontro.
Um abraço forte, nostálgico, cheio de saudades.
Ambos apreciam a presença um do outro. Se apertam, se beijam, se olham.
Allan gira sua amada no ar com seus rostos colados.

- Eu pensei que...
Ela o interrompe.

- Eu nunca desistiria de você. - Se afasta e o encara com carinho.


Joana se aproxima lentamente, extasiada de emoção em ver o filho
novamente. Allan puxa a mãe e lhe abraça de modo caloroso.
Minutos depois, os três caminham em direção ao carro.
Allan entrelaça suas mão na de Bella e repetia o gesto de um beijo suave em
seu pulso. Ela sorria e olhava para ele como se fosse tudo o que havia pedido
a Deus.
Recomeçar.
Era a palavra exata naquele momento da vida de Allan. Sabia muito bem que
havia um caminho a percorrer, batalhas a serem vencidas. Mas não temia,
aprendeu a deixar sua vida nas mãos de Deus!

- Eu disse que você seria minha perdição. – Allan encara os olhos da


ruivinha. – Mas você foi minha salvação!

Até logo!
Nos encontramos no livro 2!

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