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Prólogo
Capítulo 1
- Está pronta? – Cris, seu irmão mais velho parou no batente da porta.
- Tudo bem... – Levantou as mãos em sinal de rendição. – Mas saiba que isso
só irá te afundar cada vez mais.
- Que Deus é esse? – Dá de ombros. – Se ele não cura nem as crianças que
morrem de câncer e não as livra do sofrimento, por que faria algo por mim? –
Indagou.
Roger pega de seu bolso um pacotinho cheio de pó. Abana no ar para a jovem
ver.
Pelo caminho encontra algumas pessoas. Algumas abertas para suas palavras,
e outras fechadas olhando para ela com tédio.
Uma senhora simpática lhe ofereceu água, e Bella aceitou de bom grado.
Bella era tão distraída que nem notou que tinha se perdido do restante dos
jovens.
Pelo horário constatou que todos deveriam estar esperando por ela. Começou
a fazer o caminho de volta.
Ao chegar no meio do morro, avistou um rapaz alto e bem forte com uma
metralhadora em mãos.
Cautelosamente, tentou passar por ele com a cabeça baixa. No entanto, ele se
colocou a sua frente impedindo que prosseguisse.
Ela o encara, tentando esconder seu desagrado com o olhar nada contido dele
em sua direção.
Ele segurou o rosto dela, causando tremor no seu corpo. – E se eu não quiser?
– Ergueu uma sobrancelha.
- Se liga na fita mina, melhor tu pegar o beco.- Se afasta dela. Pensou que era
mais uma patricinha em busca de aventuras na comunidade. Se frustrou ao
entender que não.
- Pegar o quê?
- Não sou tomada para ser ligada. - Revirou os olhos. - Uma vida melhor ao
custo da vida dos outros? - Perguntou mesmo sabendo que estava ao lado de
um traficante, o "tal" dono do morro e que naquele momento estava
carregando uma metralhadora.
- Não aguenta ouvir verdades ou acha lindo ajudar a alimentar o vicio dessas
pessoas? – O afronta. - Não pensa em suas famílias e no sofrimento delas?
Matam muitas vezes por causa de um mísero real! Isso é desumano sim.
Ele aperta o braço dela, olhando-a furioso. Sua vontade era socar aquele
rostinho lindo, porém petulante.
- Tá ligada que não me custa nada apontar isso aqui na tua cabeça e apertar o
gatilho? – Sacode a garota. - Vaza daqui antes que eu te pipoque toda.
Ela precisava relaxar. Havia passado por fortes emoções. Não era todo dia
que afrontava um criminoso armado. Entrou na banheira repleta de sais.
Enquanto soprava as espumas, seu pensamento vagou para “ o dono do
morro”. Em como estupidamente o desafiou. Mas o que realmente
incomodava a jovem: era não conseguir tirar os olhos dele de sua mente.
Nunca tinha trocado olhares farpados de modo tão intenso como naquele dia.
Capítulo 2
- Acordo cedo ou sou simpática, porque os dois na mesma frase: não rola. –
Derrama o leite no copo e depois o cereal.
- Calma Isabella, falta pouco... É o último ano. – Sabia que a secura dela era
acarretada pelos infortúnios que sofria na escola. O que tirava o brilho da
caçula.
- Será que um dia vou deixar de parecer uma extraterrestre? - Todos olhavam
para ela como se fosse diferente dos demais; apenas uma menina esquisita
com valores esquecidos na sociedade. - E tem mais... como podem querer que
adolescentes como eu sejam estudiosos e com um bom raciocínio se nos
obrigam a levantar de madrugada, quando a mente só acorda lá pelas dez.
- Não ligue para isso. - Beija a bochecha da irmã. - Quem perde são eles:
você é incrível. - Começa a rir. - Madrugada? Só se for em Marte.
Como era rotina, o irmão a deixou na escola e fez o costumeiro trajeto para o
trabalho.
- Eu acabei derrubando meu suco nas coisas dela. – Paty se faz de inocente.
- É menti...
- Toma! – Luana, que senta ao lado, oferece algumas folhas de seu fichário.
- Obrigada!
Ela tenta fugir, no entanto, não conseguiu ser mais veloz que eles.
Dylan fica em cima da jovem e começa a colocar a mão debaixo de sua blusa.
Isabella Lira se debate sem sucesso: sente uma fraqueza imensa, a ponto de
desmaiar pela pancada que teve na cabeça. Com a vista embaçada, notou
quando Dylan foi puxado de cima dela e homens começaram a bater nele e
nos outros dois.
Mãos fortes a pegaram. Pôde sentir seu corpo aninhado. Estava fraca demais
para dizer algo ou tentar ver o rosto de quem lhe carregava; acabou deixando
seus olhos se fecharem cedendo todo o peso das pálpebras.
??
- Fica sussa. - Lhe entrega o copo com água e o comprimido – Deve estar
com fome, espero que coma macarrão sem frescuras.
Com um sorriso fraco toma o remédio e aos poucos saboreia o macarrão.
- Porque sou filha de pastor e não sou como as outras meninas de lá. – O
encara.
- Mano vai para boca que horas? - Um jovem aparentando ter uns vinte anos
entrou no quarto.
- Sim, obrigada!
Ela já se sentia melhor. Allan a guiou até o carro para levá-la para casa.
- Não ande por aquelas ruas novamente, nem sempre terá alguém por perto. –
Estaciona o carro em frente a casa de Bella.
- Eu não vou. – Afirma. - Muito obrigada pelo que fez por mim hoje.
Se olham por alguns instantes. Ele desvia suspirando.
Bella entra em casa e como esperava não havia chegado ninguém. Tomou um
banho demorado, logo após colocou uma roupa confortável e começou a
passar a matéria para o caderno novo. Ao terminar, se direcionou para o
piano que se encontrava no canto de seu quarto. Com delicadeza deslizou os
dedos pelas teclas e começou a cantar suavemente.
- Ótima ideia!
A família se deslocou para uma pizzaria que ficava no bairro. A noite estava
agradável, a lua dava seu belo show no céu estrelado.
Horas depois retornaram para a casa.
- Vou dormir, amanhã tenho que ir numa cidade vizinha cedo. – Cris esfrega
os olhos sonolento.
- E a minha carona? - O encara.
- É seu último ano. - O irmão se inclina a sua frente - O que foi agora?
- Bella, não chore. – Cris se mostra irritado - Não acredito que eles tiveram a
coragem de tocar em você ;se eu ver esses caras...
- Não vai fazer nada. - O pai se manifesta. – Filha, vamos dar um jeito nisso,
eles não vão mexer com você novamente. Eu prometo. Confia em mim?
Sem o seu consentimento " O dono do morro " entrou em sua mente e não
saiu mais.
Capítulo 3
Na favela existe uma frase que diz: “ Pra viver aqui tem que ser lobo, porque
aquele que te abraça é o mesmo que te apunhala.”
Allan não teve uma infância como as outras crianças: seus brinquedos eram
armas. Assumiu o comando do morro aos dezessete anos, após o pai ser
baleado em uma invasão e falecer.
Sua vida se resumia a perigo: um dia após o outro, curtindo a vida da melhor
forma possível.
Dona Joana deixa de lado a novela que acompanhava para observar o filho.
Allan se junta aos amigos e pede uma cerveja. Erick, Repolho, Hulk e Allan
conversam coisas triviais.
??
O dia nascia lindamente. Bella amava contemplar o sol surgir. A brisa leve
que batia em seu rosto pela manhã. Aquilo melhorava seu humor matinal.
Estava apreensiva. Como seria ir para a escola e olhar para aqueles garotos
que lhe fizeram tanto mal?
Acabou de colocar seu uniforme e desceu para o primeiro andar.
Seus pais a levaram para a escola; teriam uma longa conversa com o diretor.
- Olha aqui. - Mel entra e se achega perto dela apontando o dedo em sua
direção. - Eu não sei o que você fez, mas isso não vai ficar assim. - Diz
rispidamente.
??
Ela o cumprimentou e logo após abraçou Malu. Amava estar ao lado dos
amigos.
- Seu irmão não vai vir? - Malu pergunta. Era nítido que a jovem nutria
sentimentos fortes por Cris.
- Uma benção, é sempre bom pregar a palavra de Deus para as pessoas e acho
que temos aprendido bastante com a vida dessas pessoas tão sofridas. -
Samuel diz sincero.
- Na bíblia há uma passagem que diz: "E disse-lhes: Ide por todo o mundo,
pregai o evangelho a toda criatura." – Bella se pronuncia. -Pessoas com
tantos problemas, sofrimentos... usam as drogas como fonte de escape,
precisam saber que há uma salvação para elas; que há alguém que as ama.
- Fico feliz com a dedicação de vocês. - Diego comenta. - E tenho certeza que
Deus se alegra com isso. A evangelização a princípio seria apenas aos
domingos, mas agora terá aos sábados também.
??
- Que ninguém olhe pra você. - Cris disse ao contemplar a beleza da irmã.
“ Será que vou vê-lo? O dono dos olhos azuis mais lindos que já vi em toda
minha vida.” - A pergunta martelava em sua mente tirando seu sossego.
Capítulo 4
Isabella observa Roger; o rapaz que parecia ter uma boa condição. Ele estava
com o semblante abatido, sem falar nos olhos arroxeados.
- Eu sei... - Coça os olhos - Não me leve a mal, essa é a vida que eu tenho
escolhido todos os dias e não me vejo preparado pra largar, eu não consigo. -
Parece ser sincero.
- Tudo bem, eu vou pensar nisso. - Se levanta - Agora tenho que ir.
Bella retorna para onde Malu se encontra com uma expressão temerosa.
- Tem um cara armado que não tira os olhos de você. – Bela faz menção em
virar-se, no entanto a amiga impede. – Disfarça, por favor! - Repreende.
Disfarçadamente, a jovem escrutina o local onde ela disse que o rapaz estava
observando.
- Não tem ninguém ali. - A puxa. - Deve ter sido impressão, vamos !
- Sinto que estou derretendo. – Malu reclama se abanando com uma folha.
- Ótima ideia.
- Só podia ser o tosco do "Dono do morro". – Fez aspas ao dizer sem pensar.
- Porque... - Se aproxima dela, ficando perto demais. Ela podia sentir o hálito
quente dele contra sua pele - Eu estou mandando. - Completa.
- Sinto dizer, mas você... - Ele pega Isabella no colo e sem permissão a
coloca sentada na moto. Faz com que ela agarre sua cintura e parte para o alto
do morro com velocidade.
[..]
- Vai continuar com essa tromba? – Lhe guia até uma bela vista. O lugar é
alto demais. Assustada, fecha os olhos. - Que foi ? - Passa a mão em seu
pescoço e chega nos cabelos, soltando os fios presos. - Você é linda!
O coração dela parece querer sair pela boca. Permanece imóvel com os olhos
fechados, enquanto ele se aproxima mais e mais...e cheira o cabelo dela.
Todo corpo da jovem se estremece. Seu impulso foi de se afastar.
- Não é isso que tu quer. – Allan torna a segurar o rosto da jovem, olhando
diretamente os lábios carnudos e rosados que ansiava tomar para si.
[..]
- Eu me distraí. – Dá de ombros.
- Porque meu Deus? Porque ele não sai da minha mente. – Se pergunta
repetidas vezes.
Capítulo 5
- Diego ligou, a evangelização começa mais cedo e termina quase umas cinco
horas. - Cris avisa assim que vê sua irmã apontar.
- Você está estranha, tem certeza que não aconteceu nada? – A encara.
- Amiga, pede a Deus uma direção para que você não alimente um
sentimento e depois se machuque. – Isabella aconselha.
- Eu farei isso sim. - Abraçou-a de lado. - O Ryan não vem hoje. – Troca o
assunto.
- Por quê?
- Esse barulho vai furar meus tímpanos. – A ruiva reclamou do som diverso e
exagerado.
- Hoje está demais mesmo. - Malu concordou.
- O jumento da facção rival fez merda e veio parar aqui no morro... – Disse
rapidamente.
- E o que mais? – Perguntou sem paciência.
No exato momento que saiu da boca: contemplou a dona dos cabelos de fogo.
A jovem que atormentava seus sonhos. Ela estava sorrindo, e ele parou
admirando.
- Bora cara!! - Hulk despertou o amigo do grande transe que havia entrado.
Sua voz firme e em tom alto fez com que Bella prendesse o seu olhar no dele
por meros segundos antes que o dono do morro saísse em disparada.
Incomodado, Hulk foi na direção da jovem.
Não sabia quanto tempo havia se passado. Mas parecia ter sido longas e
duradouras horas.
- Um tiro, mas foi de raspão. - Disse um pouco rouco e com os olhos fixos
nela.
Era recíproco.
Enxergava nitidamente que ele causava sensações intensas dentro dela.
- Obrigada por...
Capítulo 6
A razão e o coração da jovem diziam coisas distintas. Encontrava-se em uma
batalha interna. Recebia o beijo cheio de intensidade e paixão. Mesmo não
sendo experiente permitiu-se saborear aquele momento. Rodeou o pescoço de
Allan com os braços, e sentiu apertar de modo possessivo sua cintura.
O rapaz apressadinho escorregou a mão propositalmente. Tal ato fez Bella
reagir de maneira impulsiva: empurrou-o bruscamente.
- Ok. Já tive beijos melhores. – Não demonstrava seu ego abalado naquele
momento. O clima ficou pesado. Farpas sendo trocadas de forma instantânea.
- Você não faz meu tipo " Filhinha do pastor". – Seu tom foi ríspido.
- Claro que não faço. Eu tenho cérebro: o que as do seu "tipo" não têm. –
Disse rude antes de deixa-lo sozinho.
[..]
- Sim. - Se limita a responder. - Desliga esse rádio, por favor! - Malu pediu
desconfortável.
- Aconteceu algo? - Cris pergunta a irmã. - Ela parece tão estranha, algum
filho de uma égua a magoou?
- Acertou em cheio. – Bella revira os olhos. - Mas ele não é filho de uma
égua... - Começa a andar. - Porque se fosse filho de uma égua, você seria um
cavalo e eu como irmã uma eguinha. – Disse baixinho. Inaudível ao irmão.
- Pode ter certeza que com fé em Deus tudo se acerta. – Tocou seu ombro de
modo apaziguador.
Capítulo 7
O clima agradável; o sol morno aquecia de leve. Daquela forma uma nova
semana iniciava-se.
O professor de artes entrou na sala. Passou uma atividade com tema livre.
- Porquê ela é superficial e fútil: usa a beleza para conseguir as coisas, mas no
final do dia a máscara cai e a realidade a confronta. Não passa de uma menina
solitária e carente.
[..]
- Bella... Belinha. – Cris sacudia a irmã que dormia profundamente. A jovem,
após longos minutos de importuno abriu os olhos. - Esqueceu do cinema?
Não vai querer deixar Malu e Ryan esperando, não é?
- Não. – Espreguiçou-se.
- Claro que sim, iremos ver "A Escolha"... Tudo que vem do Nicholas Sparks
me fascina. – Bella comentou sobre seu ator favorito.
- A noite foi ótima, temos que fazer isso mais vezes. - Ryan abraça um por
um como despedida.
- A sós. – Bella entorta os lábios. - Meu irmão não se importa de te levar, não
é mesmo Cris?
- O seu irmão é tão lento que não imagina o que você está tentando fazer. –
Diz divertido.
Ryan, cavalheiro, abre a porta do veículo para que Bella entre. A jovem
distraída pousa o olhar pela janela e avista Allan. O rapaz parecia estar
fuzilando-a com as vistas.
O dono do morro estava lindo com uma jaqueta de couro sobre os ombros,
encima de sua moto com a postura de marrento.
Sente o carro dar partida. Observa o traficante sério demais acompanhar com
o olhar o automóvel saindo.
Não demorou muito para Ryan estacionar na frente da casa dos Lira. Bella se
despede e acena para o amigo que se vai. No instante em que vai abrir o
portão ouve o som alto de uma moto se aproximando. O coração da jovem
acelera, e de modo instantâneo se vira. Engole a seco quando a motocicleta
para na calçada. Pôde sentir o delicioso aroma do perfume do rapaz.
A respiração de Bella ficou ofegante. Parecia habitar uma centena de
borboletas em seu estômago.
Allan retira o capacete fazendo com que a jovem encontre os olhos azuis que
não saiam de sua mente.
Mas o que chama a atenção dela é a expressão carrancuda e séria que esboça
o rosto dele.
Capítulo 8
" O amor NÃO escolhe hora ou lugar. Não escolhe cor, profissão ou religião.
Ele escolhe corações.”
Bella tirava o pouco juízo que o marginal possuía. Os lábios aveludados dela
não saíam de seus pensamentos.
- Pode pá mano. - Hulk se levanta – Vou desenrolar com a mina ali. - Sorri
malicioso.
- Vai ficar aí mermo? – Repolho encara Allan que estava estranho há alguns
dias.
Estava entediado de olhar para a cara das mesmas pessoas. Disposto a mudar
os ares, foi para casa.
Se arrumou despojado, colocou o seu melhor perfume e desceu o lance de
escadas.
- Acabou de chegar e já vai sair filho? – Joana encara o rapaz.
O jovem estende a mão colocando uma mexa dos cabelos ruivos atrás da
orelha. Logo após, desliza o polegar acariciando o rosto dela.
- Por quê logo você? – Diz com a voz rouca mirando seus lábios.
- Depois nós troca ideia. - A afasta e vai até Repolho e Hulk que continuam
no local.
- Tô com cabeça não. – Enche o copo de bebida e vira tudo de uma vez.
- Qual é parça tá de chico? - Gargalha Repolho - Ou trocou de lado?
[•••]
Bella tinha medo da proporção do efeito que Allan causava nela. Tinha
vontade de sentir o abraço do rapaz, saborear o beijo novamente. No entanto,
sabia que seria um julgo desigual. Um erro que seria julgada severamente.
" Ele não é homem para você" – repete diversas vezes a si mesma...
- Como voc...
- E?
- Eu nunca contaria Cris, ela é minha melhor amiga. - Rebate - O que disse a
ela?
- O óbvio. Eu a tenho como uma irmã e nada mais. Um dia ela vai encontrar
alguém especial que vai ama-la como ela merece.
- Tem coisa pior que dizer isso a uma mulher? - O fita incrédula - O que ela
fez?
- Dizer a verdade nunca será o pior. – Contrapôs. – Enfim... ela se desculpou
e admitiu que confundiu as coisas.
- Você deve saber bem o que faz. – Se levanta e pega o celular na cômoda.
- Quem deveria estar chateado aqui sou eu, não você. - Bufa.
- Ela está bem, já disse. - Deposita um beijo suave na testa da irmã. - Boa
noite!
Bella se perguntava o motivo de algo que deveria ser fácil ser tão
complicado. Porque a mania de gostar do que não está ao alcance?
Sem demora, disca o número da amiga que atende no segundo toque.
- Me desculpe não pensei que seria assim. – Sentia culpa pela frustração da
amiga.
- E agora?
- Não sei, não quero perder a amizade dele.
- Eu sei que nada que eu falar vai ajudar a melhorar o que você está sentindo.
– Bella imaginava o peso que estava o coração da jovem.
- Acho que farei o mesmo, passa aqui em casa amanhã a tarde. – Pede. - Ele
só chega a noite, então a probabilidade de encontra-lo é nula.
- Como você quiser. - Diz com a voz triste - Será que um dia conseguirei
esquecer o Cris?
- Ei moça... você mesmo. Me diz mais uma vez que caiu e que o mundo não
gira ao seu redor; e depois de tudo percebeu que o tempo nada mais é: que
nossas escolhas. Às vezes, esse tempo corre rápido demais, você fala que
queria voltar e refazer tudo, mesmo sabendo que faria tudo do mesmo jeito,
pois é, também penso assim, e é por pensar igual que sei o que se passa. Há
mil perguntas a serem feitas e mais mil respostas para cada uma delas, mas se
tiver que dizer algo direi apenas: Deus te ama e por isso tudo vira nada. Sem
indecisões ou medo falarei que: sim, o tempo se vai rápido demais para
aqueles que amam. Ei moça, lembra que em algum lugar há um alguém que
vai te amar de um jeito único e especial. Vai andar nas ruas com suas mãos
entrelaçadas, ele vai te abraçar e nos braços dele encontrará seu lar. Ele vai te
conquistar todos os dias e te mostrar que ainda existe um sentimento puro
nesse mundo cheio de engano. – Cita um texto esquecido em sua gaveta.
Capítulo 9
- A santinha fez amiga. - Paty fica na frente de Bella com a mão pousada na
cintura.
- O que é seu está guardado querida. - Pisca o olho para a menina e sai
rebolando para seu lugar.
[..]
- Não entendo esses filmes de romance água com açúcar. - Reclama Ryan
com o semblante entediado.
- Nicholas Sparks? - Cris revira os olhos rindo. Aquilo era óbvio. A irmã não
cansava de repetir os filmes.
O celular de Cris começa a tocar e ele sorri largamente quando olhar o visor.
- Depois nos falamos. - Se retira do quarto em passos largos.
[..]
- Não sei amiga. - A abraça de lado - Melhora essa carinha por favor!
- Ele. - Aponta para trás, mas não há ninguém lá - Estava ali há poucos
minutos.
- Ela não vai comer isso. - Cris retira a taça da mão de Malu e entrega
novamente ao garçom.
- Eu quero. - Malu tenta pegar a taça, porém Cris segura suas mãos. - Volta a
atenção para a merda do seu celular e me deixa em paz. - Dispara irritada.
A palavra ciúmes estampava o rosto da jovem.
- Eu não tenho culpa de não gostar de você da mesma forma e não atingir
suas expectativas. - Diz alto e todos a volta escutam suas palavras.
[•••]
- Bella. – Cris entra eufórico no quarto da irmã que se preparava para dormir.
- Encontrei...
- Encontrou o que? - O interrompeu antes que completasse a frase.
- Ela quem? – Bella bocejou pela milésima vez. – Seja mais claro.
- Prometo que a conhecerei sem imposições. Ficarei aberta para gostar dela. –
Força um sorriso.
[•••]
- Sim amor. Estudamos juntas. – Paty disse cínica com um largo sorriso nos
lábios.
Os pais chegam e cumprimentam a menina que parecia um anjo de tanta
doçura. Bella, a passos pesados encaminhou-se para o quarto. Pegou um
travesseiro e colocou sobre o rosto, na intenção de abafar o grito de raiva que
emitiria.
- Para de ser infantil... ela falou tão bem de você agora com nossos pais. –
Rebateu demonstrando impaciência.
- Você prefere acreditar numa víbora que acabou de conhecer do que na sua
irmã? – Grita irritada e ele levanta a mão na direção de seu rosto. - Vai me
bater? – Sua voz sai carregada de decepção.
- Eu não...
- Sei que não deveria me importar, mas... - Uma voz conhecida soa atrás dela
fazendo o coração da jovem acelerar. - Porque está chorando?
- O que que tu tem? - Segura o rosto dela e seca as lágrimas salgadas que
escorrem pela pele aveludada da jovem.
- Decepção. - Baixa a cabeça - Meu irmão hoje mostrou um lado que eu não
conhecia. – Desabafa.
- Senti tua falta. – Disse baixo. Aquilo era novo até mesmo para ele. - Não
vai mais no morro?
Capítulo 10
Algumas horas depois, Bella retorna a sua casa. Na sala de estar, a família
Lira espera sua chegada de modo sério: Insatisfeitos com a desfeita que a
jovem havia feito.
- Como sai sem avisar? – Indaga sem paciência. - A namorada do seu irmão
vai achar que não é bem vinda nesta casa.
- Não me importa nenhum pouco. – Rebateu. – Da minha parte ela não é, e
nunca será bem vinda.
- Vá para o seu quarto Isabella, e pense bem nas suas atitudes. – A mãe se
manifestou.
- Me perdoa Bella, não devia ter levantado a mão para você. - Se senta na
cama. - A Patrícia é legal, vocês podem ser grandes amigas.
Ela não queria julgá-lo. Afinal, tinha beijado um criminoso. Sabia muito bem
como era se apaixonar e a inconsequência dos atos.
- A Paty pode ser linda, mas não tem conteúdo nenhum e muito menos
caráter. – Umedece os lábios. – A vida é sua, então eu não devo discordar ou
qualquer outra coisa. Se estar com ela é uma decisão que tomou, que seja
bem sucedido. Ela vai machucar seu coração, usá-lo como um objeto
descartável. Vai ferir sentimentos puros. – Engole a seco. – Mas eu realmente
espero estar errada sobre tudo.
- Não fale dela assim. - Cris se altera. – Não consegue aceitar que eu não
gosto da Malu. Prefere inventar mentiras sobre a Patrícia. Como a menina
mimada que é, está tentando destruir meu namoro por capricho.
Isabella encarou o irmão de modo sereno.
- Pense o que quiser, não faz diferença. – Não deseja discussões. – E faça um
favor: saia do quarto da menina mimada e birrenta.
[•••]
- A Patrícia vai na igreja hoje, por favor não seja deselegante com ela. – A
mãe pediu.
Fizeram o trajeto até a igreja. Após sair do carro; Bella avista os amigos
abraçados na calçada.
- Ele ainda teve a cara de pau de nos apresentar. “ Amor, essa é Malu: minha
irmãzinha de coração. Malu, essa é minha princesa”. - Imitou a voz de Cris.
- Princesa nada, está mais para a cuca!! – Revira os olhos - Acreditam que é
ela a menina que sempre me inferniza na escola?
- E teu irmão está com ela sabendo disso? - Ryan faz uma cara estranha.
[•••]
Assim que o culto foi encerrado, os três amigos saíram da igreja juntos.
- Vamos comer uma pizza e jogar boliche? – Diego, o líder dos jovens
pergunta.
- Hoje não. - Ryan responde e vai guiando Malu e Bella até seu carro.
- Talvez não deu certo, porque ele era sua metade da laranja, mas na realidade
você precise da metade de sua maça. - Ryan beija o topo de sua cabeça.
As dúvidas que Bella tinha há bastante tempo haviam sido esclarecidas: Ryan
via Malu com outros olhos.
[•••]
Ele para em frente a uma casa grande e Paty que se encontra na calçada abre
um amplo sorriso.
- Bom dia amor. - Cris sai do carro e dá um selinho nela. - Pode sentar no
banco de trás Bella?
Sem emitir palavra alguma, Bella retira o cinto e vai para o banco de trás.
- Poxa cunhadinha nem me esperou. – Paty entra na sala e fita sua algoz
debochada - O Dylan está com saudades, na verdade ele quer terminar o que
começou... - Morde o dedo. - Não vai faltar oportunidades, já que estamos
marcando um almoço entre nossas famílias.
Bella engole a seco lembrando do fatídico dia em que foi cercada por Dylan e
seus amigos.
Bella encontrava-se fadigada das implicâncias que sofria na escola. Por que
as pessoas tinham grande dificuldade para respeitar alguém com
personalidade diferente? Era chato ser perseguida pelos outros; como se fosse
errado não ser como os demais.
Bella subia a comunidade ao lado de seus dois amigos. Avistou Roger com o
semblante triste; o rapaz acenou para ela, que retribuiu o cumprimento.
A ruiva prendeu a atenção mais a frente. O coração dela acelerou no exato
momento em que seu olhar se cruzou ao dele. Um sorriso indevido pairou em
seus lábios, mas durou pouco ao acompanhar a cena seguinte.
- O que foi? – Malu segurou o braço da amiga com cara de paisagem.
Não foi preciso responder. Malu soube a resposta quando olhou para o lugar
que Bella encarava.
Capítulo 11
Allan, percebendo ser encarado por Bella, beija Lorena como se quisesse
engoli-la de tanta voracidade. A mão dele passa por toda extensão do corpo
da morena, que arfa de desejo.
Tal cena embrulha o estômago de Bella.
- Vamos sair daqui ... - Malu puxa a amiga para longe dali.
Ela não sabia explicar bem o que se passava dentro dela. Ciúmes? Visível.
No entanto, vivia a se repreender repetindo diversas vezes a mesma frase: “
eu não posso gostar dele”.
Os jovens continuavam o trajeto.
- Oi. – Bella cumprimenta a senhora que lhe ofereceu água há umas semanas
atrás.
- Essa casa é do Allan? – Bella pensa alto e Dona Joana se vira em direção a
ruiva.
- Isabella. - Sua voz soou firme e seca. Fitou a ruivinha com raiva.
Ela mordeu levemente o lábio inferior. Com o corpo estremecido ao ouvir sua
voz, virou-se em sua direção.
- Está tudo bem? – A ruiva tenta tocar o jovem, mas os capangas de Allan
impedem-na.
- Pode apagar. - Allan disse sério, apontando para um de seus homens, que
começa a levar Roger.
Isabella Lira arregalou os olhos e abriu os lábios petrificada.
- Está nos devendo os bagulhos, e a conta de quem não paga é essa. - Diz
indiferente.
- Como tem coragem ? – Bate em seu peito e ele segura sua mão.
O que ela poderia esperar dele? É claro que coisas daquele tipo eram
rotineiras. Mas ao se apaixonar, frisou outras coisas, omitindo a realidade de
quem realmente era Allan Stuart.
- Melhor irmos Bella. - Malu disse com a voz trêmula.
- Você é um monstro. – Pisa em seu pé e o aperto fica cada vez mais forte;
fazendo com que sua pele assuma tons arroxeados em volta do pulso.
- Não importa quem aperta o gatilho; isso não lhe torna menos assassino.
- Chegou mais cedo filha. – Sua mãe veio da cozinha com um pano de prato
nas mãos - O que foi isso? - Olha diretamente para o braço roxo da jovem.
- Ficou lá mãe. Vim mais cedo porque não estou me sentindo muito bem.
Vou tomar um banho e tentar dormir um pouco. - Força um sorriso e sobe as
escadas.
Ao chegar no quarto, ela se ajoelha no chão com a cabeça baixa.
- Eu sei que sou cheia de imperfeições, repleta de falhas. – As lágrimas
rolavam pelo seu rosto. – Peço que retire esse sentimento de mim...
[•••]
Um novo dia iniciava-se.
- Bom dia filha. – Rebeca caminhou até a menina. – Está se sentindo melhor?
- Foi bom ter acordado cedo... daqui a pouco vamos conhecer os pais de
Patrícia. – Isaque toma um gole de café.
Bella fica aliviada quando eles saem para o bendito almoço. Assenta-se
no sofá e liga a televisão. Aparece o noticiário, e a foto de Roger
estampada na tela chama sua atenção.
- O corpo de Roger Cavalcanti foi encontrado jogado em um matagal de uma
cidade vizinha. – Fica trêmula ao ouvir tais palavras. - No corpo de Roger,
havia marcas de tortura. A família Cavalcanti lamenta o ocorrido e não
quiseram se manifestar a respeito.
Capítulo 12
- Tô indo pra boca. – Allan pega sua HK21 e põe em seu ombro.
- Qual é a parada?
- Perdendo a clientela. Essa parada desse povo da zona sul, vindo aqui para
falar aquelas baboseiras de Deus, está melando os negócios.
- A gente que está pagando o pato. - Repolho completa. – A gente tem que
fazer eles rapar o gato daqui.
Allan pareceu refletir. Quando aceitou a evangelização, foi apenas como
meio de passar uma boa imagem da comunidade. Não imaginou que sairia
perdendo no tráfico. Afinal, eles não pareciam nada convincentes.
[•••]
- Vá embora. - Uma voz grossa ecoava pelo lugar - Eu nunca serei bom o
suficiente, não se aproxime. – Com força era puxado para baixo e lutava para
subir e encontrar a superfície.
- " Deus faz que o solitário viva em família; liberta aqueles que estão presos
em grilhões; mas os rebeldes habitam em terra seca. " - Outra voz soou.
Quando ela toca os pés na água: tudo desaparece. E ela desperta do sonho.
[•••]
- Entra primeiro, respira!! – Bella abriu espaço para a amiga entrar: logo após
fechou a porta.
- Eu não sei. – Engole a seco. - Desde a primeira vez que nossos olhares se
cruzaram, não teve um dia sequer em que eu não tenha pensado nele... diz
alguma coisa! - Pede com o rosto banhado de lágrimas.
- Eu não sei o que dizer Bella. Ele não é o cara ideal para você... sempre será
uma pessoa marcada pelo tráfico, mas quando amamos: não vemos aparência
ou status. Simplesmente acontece e o amor que não conseguimos explicar: é
o que mais dura. Poderia falar tantas coisas que você já sabe. Mas não
surtiriam efeito, pois, o sentimento ainda estará ai dentro de você. – Encara
Bella de modo sereno. - A única coisa que você deve fazer é orar a Deus e
pedir direção.
Ela deita nas pernas de Malu enquanto a mesma mexe em seus cabelos. O
que mais admirava na amiga era que sabia a hora certa de dizer algo; e
também quando deveria ficar em silêncio.
Bella se perdeu no tempo ao cochilar. Quando acordou, não encontrou a
amiga. Tropeçando nas próprias pernas, caminhou vagarosamente para o
andar de baixo. Parou no meio do lance de escadas, ao ouvir algumas vozes.
- Eu não quero te perder. - Viu Cris segurar o rosto de Malu - Não se afaste
de mim, é a única coisa que te peço. - Beija sua testa e Malu suspira.
- Muito feio ouvir a conversa dos outros. – Isaque para na escada e diz no
ouvido de Bella que dá um pulo assustada.
[•••]
- Esta muito quieta esses dias Isabella. - Cris olha para ela de relance.
- Boa noite. – Demonstra sua felicidade ao vê-la. - Que bom que veio!!
Capítulo 13
- Onde tu vai mãe? – Allan a ignora por completo e encara Joana de modo
irritado.
- Duvido que já tenha pisado em algum lugar melhor do que esse. – Bella dá
de ombros.
- Garanto que sim. - Diz por trás, perto de seu ouvido, fazendo-a se arrepiar.
Allan passa a sua frente e lhe lança um sorriso debochado.
[•••]
- Você não vai acreditar!! - Malu puxa Bella para o canto; próximo ao
bebedouro da igreja.
- O que foi?
- O tal dono do morro. – Entortou os lábios. - Ele chamou Diego para
conversar e barrou a gente de entrar na comunidade.
- Não sei...
Bella balança a cabeça e passa por Malu.
- Onde vai? - Lhe puxa pelo cotovelo.
- Faria com a gente o mesmo que fez com o Roger e tantos outros, não é
mesmo?
- Eu não sou esse monstro que você pinta. – Passa o polegar pelo braço
aveludado de Bella. - Eu ajudo as pessoas do morro. - A encara intensamente.
Ele trinca os dentes e sua postura fica rígida por demais. O olhar de Allan
assume um tom escuro.
- O que está acontecendo aqui? - A voz de Joana atrás deles, faz com que
Allan se afaste de Isabella.
- Difícil imaginar que alguém como você tenha nascido dela. - Diz por fim e
vê que de alguma forma o ofendeu. - Me desculpe por isso. – Pede a Joana e
se retira dali.
[•••]
A família Lira jantava e conversavam na mesa.
- Não consigo entender até agora porque barraram a evangelização. - Cris
comenta.
- É uma pena. – Isaque saboreia o suco. - Mas não faltam lugares para
pregarem a palavra de Deus. - Completa.
- Estou sem fome. – Bella se levanta. - Boa noite para todos! – Diz gentil.
- Bella. - Cris se vira para ela. - Acorda um pouco mais cedo, vou buscar a
Patrícia amanhã.
- Petulante, isso que aquela mina dos infernos é... – Resmungava enquanto
fazia o trajeto para casa.
- Agora entendo o porque da última frase dela. - Suspira - Você a cada dia se
torna igual seu tio. Seu pai não ficaria orgulhoso em ver o homem que está se
tornando. – Deixa- o sozinho.
O pai de Allan foi um homem de bem. Trabalhador, jamais deixou faltar o
pão. Em uma troca de tiros, os policiais acabaram lhe acertando uma bala,
inocentemente faleceu. O tio desde então o ensinou tudo sobre o mundo do
crime e... quando morreu: Allan assumiu o posto.
A vida na comunidade não era fácil. O crime lhe concedeu uma vida melhor.
Realmente ele poderia ser o monstro que muitos pintavam. Isabella não
poupou palavras para afronta-lo. E tal ato não ficaria impune. Faria ela pedir
perdão por cada palavra desferida. .
- Só... Não... Ih mano só bebi umas 3 ou foi 4... – Pousou a cabeça no balcão
do bar. Embriagado.
- Tenho uma missão pra tu... mas não pode haver erros.
Allan explica seus planos a repolho, um tanto quanto alterado.
Ele faria a ruivinha ver quem era o “ marginal arrogante”.
Capítulo 14
- Bom dia filha. – O pai analisa a jovem ao entrar na cozinha. - Até mais
tarde. - Pega sua maleta, deposita um beijo suave na testa da filha e se retira.
A caçula dos Lira encontrava-se com um mau humor, que era descontado na
comida. A ansiedade a corroía, esperava terminar o ensino médio o mais
rápido possível.
Encarou os ponteiros do relógio; tinha apenas vinte minutos para chegar à
escola. Apressada, toma o último gole do iogurte de morango, puxa a mochila
e sai de casa.
A rua está silenciosa, ninguém passa ali no momento...exceto o ônibus que
deveria pegar.
Bella coloca a mão no rosto, frustrada ao perder o transporte. Respira fundo,
se vendo obrigada a ir caminhando.
Tem a leve impressão de estar sendo seguida por um carro, caindo aos
pedaços por sinal, aproximando-se lentamente.
- Sua... – Pragueja, jogando-a para dentro do carro, faz sinal para o parceiro
seguir adiante.
- Fecha o bico ruiva!! - O rapaz retira o capuz. Desse modo, lembrou do rosto
de Hulk que estava ao seu lado na roda de capangas do dono do morro.
A jovem se afunda no banco, tampando o rosto com as mãos. Não queria tirar
conclusões precipitadas do que estava acontecendo.
[•••]
- Passa o rádio pro chefe: avisa que já estamos com o bagulho. – Hulk a puxa
para fora do carro, lhe guiando para um corredor escuro.
- Bagulho? Sério? – Diz indignada. No fundo, não levava tanto a sério tal
palhaçada.
- Tu fala pra cachorro hein. - Abre a porta do galpão e a empurra para dentro
- Fica no silêncio aí dama! – Sai e tranca o lugar.
[•••]
- Quem é você?
[•••]
Bella acordou horas depois, sentindo fortes dores nos músculos. A cabeça
latejava, tentou levantar-se, porém não obteve muito sucesso. Horas depois
alguém entrou no galpão; a claridade ardeu as vistas da ruiva.
- Trouxe o café. - Ouviu a voz do menino com nome de legume. - Dessa vez
coma mina, vai na fé que é tudo nos esquemas. - Diz colocando a bandeja ao
seu lado e recolhendo a da noite anterior.
- Fez amigas por aqui? - Aponta para algumas baratas. Bella mantém a
cabeça baixa. - Come as paradas. – O tom dele era de ordenança.
- Não... minha garganta dói muito.
Seu corpo estremece com o ruído raivoso que emanou de Allan. Lentamente
ela puxa o sanduíche e mordisca um pedacinho; sentindo uma imensa
dificuldade para engolir.
Capítulo 15
- Tua mãe vai explanar geral. – Hulk balança a cabeça, insatisfeito com a
situação.
- O que tu sugere? - Allan rebate. – Ela vai ter que ficar lá até a gente
melhorar o nosso plano.
- Não quero ouvir um pio teu ruivinha. - Vai até a porta e a tranca, fazendo o
mesmo com as janelas.
A jovem encara uma foto sua na tela. Entorta os lábios e aperta levemente os
olhos, ao perceber que não era uma de suas melhores fotografias.
- Tu perdeu alguma coisa? - Leva um susto ao ouvir a voz de Allan atrás dela.
- Eu estou nos jornais. - Se vira, fuzilando-o com os olhos esmeraldas.
- Não, por favor! – Respira pesadamente. Ela não conseguia manter a postura
firme; a cada minuto que passava, mostrava o quanto estava vulnerável.
[•••]
O calor excessivo fazia Bella se sentir pior. Expirava diversas vezes, além de
sentir o corpo doer por completo.
- É pra tu tomar de oito em oito horas. – Allan disse ao vê-la chegar na sala.
- Está com frio? - Desliza seus dedos pelo braço dela: que arrepia-se.
- Filho, cheguei!! - A voz de Joana ecoa pela sala - Viu no... - Ela congela ao
ver os dois. - O que significa isso? - Sua expressão é totalmente de surpresa.
[•••]
- O que disse a ela? – Ela encara Allan, que está vestido com uma roupa
diferente. - Para que fica andando com isso? – Aponta para a metralhadora.
- Me desculpe por meu filho. - Suspira - Ele não é uma pessoa ruim, tem um
bom coração... mas a vida fez com que ele se transformasse... - Ela não
termina a frase.
- Tudo bem.
- Não está tudo bem Bella, o que vai ser dele se descobrirem você aqui?
- Vamos providenciar uma cama para você, espero que não se importe. – Se
refere ao sofá.
- Não se preocupe.
Já era bem tarde quando Bella, sem sono, começou a cantarolar baixinho uma
canção. Ouve o barulho de um objeto caindo no chão. Olha em direção a
porta e vê uma sombra que lhe assunta: fazendo com que derrube a garrafa de
água no chão.
- Não queria assustar tu. - Allan diz com a voz arrastada. - Boa noite Bella. -
Clareia o caminho com o celular.
- O que?
- Sua voz.
Capítulo 16
Bella havia acordado bem melhor naquela manhã; os remédios fizeram rápido
efeito. A ruiva escovava os dentes quando Allan de modo grosseiro parecia
espancar a porta.
- Que bom. - Sorri e a serve - Não temos muito, sei que está acostumada com
coisas melhores, mas espero que goste.
[•••]
Joana vai trabalhar... Allan some de suas vistas e ela se joga no sofá
entediada.
- Você tem que sair daqui. – Encara a menina durante breves segundos. - Eles
estão aqui.
- Seus pai e os vermes. – Allan está com o corpo rígido e sua expressão
tensa.
Ele coloca a jovem no carro preto de vidros escuros parado em frente a sua
casa.
- Não desse jeito... entregar você agora seria minha sentença. – Allan segura
a mão dela. – Eu não quero fazer mal a você, tem minha palavra que em
breve estará com sua família. Mas nesse momento preciso que seja levada
daqui.
Ele era o maior culpado de toda aquela história; para Bella, no entanto, isso
não dava direito de lhe desejar mal.
- Vai dar treta por causa da polícia, mas Allan deve fazer acordo e deixar
somente uma pessoa subir... vão procurar e não vão achar nenhum vestígio
seu.
[•••]
- Lindo né?
- Era do tio de Allan, agora é dele. - Responde e guia Bella para dentro. -
Não deu tempo de trazer nada, então amanhã vou arranjar umas roupas para
você. – Coça a cabeça.
Repolho mostra a casa para a ruiva. Logo após, prepara um lanche enquanto
ela toma um banho.
- Parece bom. – Com fome, aponta para o sanduíche que Repolho estava
fazendo.
- Heitor. – Estende a ela um copo contendo suco. – Repolho é por causa que
quando era criança eu gostava muito.
- Morreu. Ele que ensinou tudo que o Allan sabe hoje em dia.
- E a Joana? Ela não parece concordar com o jeito dele de viver. – Comenta;
o rapaz era uma companhia agradável.
- E não concorda ruivinha. Allan nem sempre foi assim; o pai dele era muito
trabalhador e sempre quis que ele tivesse uma vida diferente dos moleques do
morro, sacou?
- E o que aconteceu?
- Tudo bem que vocês ajudam as pessoas do morro, mas contribuem para o
vício, matando as pessoas por nada.
- Como por nada ruivinha? Quem deve tem que pagar: senão como fica
nossos negócios?
- Você chama isso de negócios? Estamos falando de vidas que são tiradas.
- Então... - Se levanta encarando-a. - Deixe isso claro pro Allan; ele não vai
mudar o que ele é, muito menos largar tudo por você. Me enganei, não há
futuro pra vocês. – Deixa ela sozinha na cozinha.
Capítulo 17
- Eu não estou com sua filha. – Disse com firmeza. – É verdade que tivemos
alguns atritos por causa da petulância dela comigo. Não costumo aceitar
fuleragem com minhas fuças e deixar quieto. Mas não sequestraria uma
riquinha por causa de briguinhas sem importância.
- Fica a vontade para vasculhar a comunidade. Mas aqui não vai encontrar
nada, tá ligado? – Encara Isaque. – Pode pá, que está perdendo tempo com
pistas erradas.
- O que eu ganho pela ajuda que te dei? – Coloca a ponta do dedo indicador
nos lábios de modo sedutor.
[•••]
[•••]
Sem dizer mais nada, se encaminha para a sala. Observa a ruivinha deitada no
sofá com um pote de chocolate nas mãos. A beleza de Bella lhe trazia paz de
tão escultural e angelical. Como se seus traços fossem sido esculpidos
delicadamente por um artista obcecado por detalhes. Era um conjunto
perfeito de harmonia. Os olhos esmeraldas; cabelos da cor do fogo. Ahh...
como era Bela!!!
Quando estava ao lado dele, sentindo o calor de seu corpo e o hálito quente
bater contra sua pele... sentir-se apaixonada por Allan Stuart, não parecia ser
errado. Por segundos apagava os rótulos, dogmas e achismos. Presava a
pessoa que ele era, admirava o lado bom que existia dentro do rapaz.
- Como foi lá? – Sua voz saiu abafada. Retornando aos poucos a realidade.
- Eles acreditaram que não está comigo. – Enrola uma mexa dos cabelos de
Bella em seu dedo.
Allan se sente um completo idiota. Ele gostaria de ter tido uma história
diferente, porque teria a oportunidade de lutar pelo coração da jovem.
- Em breve estará de volta a sua casa, com a sua família. – Allan deposita um
beijo em sua mão e ela acaricia seu rosto com a outra mão. Se havia uma
promessa que poderia cumprir, era aquela.
- Obrigada!! – Sussurrou.
- Não por isso. – Força um sorriso. – Você é tão linda Bella!! – Aproxima seu
rosto do dela.
Encarava os lábios rosados da ruiva com desejo.
- Será que um dia poderemos ficar juntos? – Disse Allan. Suas testas ficam
coladas uma na outra. Ambos respiram pesadamente. Bella fecha os olhos
não aguentando a intensidade do olhar de Allan.
- Sem pensar duas vezes. – Diz com o coração. Desejando ser um homem
melhor para merecer alguém tão incrível como a doce Isabella.
Ela abre os olhos vagarosamente. De modo silencioso: intensos olhares são
trocados. Sem delongas, o dono do morro toma os lábios da filha do pastor.
Suas mãos levemente acariciando os cabelos ruivos. Um beijo calmo é dado.
Os lábios se encaixam com maestria e uma mistura de emoção e sensação
passa pelos dois.
Ele não mentiu quando havia dito que largaria tudo por ela. Mas aquela não
era uma verdade absoluta. Afinal, como poderia largar tudo de uma hora para
outra? Allan já era um homem marcado pela vida do tráfico... A família dela
um dia o aceitaria? Que vida poderia dar a ela?
O rapaz sabia muito bem que Bella não ficaria nada satisfeita quando
soubesse do resgate que pediria. Ele não estava enganado; assim que a viu
teve o pleno conhecimento de que ela seria a sua perdição.
Pensativo, a abraçou fortemente.
Bella não esperava ouvir tais palavras de Allan. Aquilo encheu-a de
esperança. Se ele realmente escolhesse mudar de vida por ela, seguraria sua
mão e enfrentaria tudo ao seu lado. Não importava o que os outros fossem
pensar, estava disposta a apoiá-lo.
Capítulo 18
- Vou resolver umas tretas por aí. - Repolho se levanta e faz um gesto com as
mão para Allan, que balança a cabeça positivamente.
Ele passa as mãos pelos cabelos loiros. Respira fundo e encara a menina a sua
frente.
- O céu está na mesma tonalidade que seus olhos. – Bella Esboçou um sorriso
tímido. - Eu gosto disso. – Revelou enquanto a vermelhidão tomava conta de
suas bochechas.
- E você é. - Diz sedutor. – Como se fosse a tomada certa para o meu fio.
Isabella esboça um sorriso maroto enquanto Allan arrasta os lábios em seu
pescoço depositando beijos por toda a extensão. Sua pele formiga com o
contato tão próximo... Quando seus lábios difundem ao dele: parecia pisar
nas nuvens.
Um sentimento que não conseguia controlar.
- Eu nunca vou ser o melhor pra tu, e isso me arrasa. – Diz sério.
- É, eu prometi. – Allan respira fundo. Aquilo não havia sido uma promessa.
Dizer que largaria tudo por ela foi apenas na teoria: a prática tinha mais
profundidade do que palavras rasas.
Sentados na areia, conversaram sobre suas vidas. Allan contou sua história e
Bella ouviu atentamente.
- Era pra ter sido assim, poderia ter acontecido algo com você. Como sua mãe
ficaria?
- Mas pelo menos eu não estaria nessa vida miserável... – Entortou os lábios.
- Antes tudo era festa, eu me divertia direto. Sempre me achei o máximo por
ter o respeito do pessoal do morro. Depois que eu te conheci vi o quão
miserável eu sou, e que nada daquilo importa. – Suspirou. – O que você fez
comigo Isabella? – A encarou. – Bagunçou minha mente... Se eu pudesse
voltar atrás...
- Talvez faria os mesmos passos de antes. O passado não importa e nem volta
mais. A única certeza que temos é do presente; esse sim vai dizer como será
seu futuro, dependendo de suas escolhas daqui adiante.
Allan havia aberto seu coração pela primeira vez a alguém. O dono do morro
e a filha do pastor, uma baita contradição. Ao seu lado: não precisa esconder
seu verdadeiro eu. Deixava a disposição de Bella seus defeitos e qualidades,
mesmo com tantas imperfeições, era olhado de igual para igual pela menina
de cabelos brilhantes.
Saber que aqueles momentos seriam breves, apertava seu peito. O traficante
estava longe de ser um bom moço. Através dele muitas vidas foram tiradas,
infligiu leis e fez muitas coisas erradas. Não podia tampar o sol com a peneira
e disfarçar a realidade com uma ilusão.
Aquela era a verdade nua e crua.
No restante do dia, Allan passou trancafiado no porão, onde a ruiva não o
encontraria.
- Tudo certo mano, a troca vai ser feita aqui no Rio para não levantar
suspeitas sobre a gente. Já deu um jeito da mina não revelar nossas
identidades? – Hulk Indagou. Allan baixou a cabeça e coçou o queixo. O
amigo balançou a cabeça incomodado ao ver o comandante da comunidade
enrabichado pela patricinha. - Mano presta atenção... essa mina é chave de
cadeia, sei que tu arrasta um bonde pro lado dela, mas vocês juntos nunca
daria certo. Tá ligado?
- Eles tem muita bufunfa mano, nem vai fazer falta. - Hulk rebate. – Queria
que eu pedisse uma caixa de palito de fósforo?
- Hulk? –A menina estranha ao vê-lo ali. - O que ele está fazendo aqui? –
Encara Allan.
Capítulo 19
- Sem sono?
- Tem muitas coisas sobre mim que tu não sabe. – Lança um sorriso maroto. -
Minha vó era fascinada por astronomia e me ensinou bastante coisa sobre o
céu. Seus olhos brilhavam quando olhava para as estrelas... assim como o
seu; é como se o brilho da estrela refletisse em seus olhos.
- E eu amo o brilho dos teus olhos. - Acaricia seu rosto - Nunca duvide do
que aconteceu com a gente, nunca duvide dos meus sentimentos... - Fecha os
olhos e lhe aperta contra si. - Me promete?
- Só prometa.
- Eu prometo.
[•••]
Allan acordou com o som das ondas quebrando. Vislumbrou a figura de Bella
adormecida por longos minutos. Decidido a lhe trazer um belo café da
manhã, se levantou e caminhou até a casa. Na sala, encontrou os amigos com
expressões carrancudas.
- Agora eu que pergunto: tão de chico? – Brinca, mas eles continuam mudos -
Qual é a treta?
- O que tu tá pensando mano? - Hulk carrega desaprovação no semblante. -
Você e a mina no maior love.
- Vamos fazer contato com o pai dela agora. – Repolho conta, tentando
aliviar o clima.
Eles vão até a cozinha. O celular a ser usado é de geração antiga, não
podendo ser rastreado. Repolho pega um pano para abafar a voz e liga para
Isaque no viva-voz .
O barulho dos pássaros cantando desperta Bella, que se encontra deitada na
rede. A claridade faz com que seus olhos ardam. Após alguns minutos,
consegue se levantar com o corpo dolorido. Cambaleante caminhou pela areia
até chegar na casa. A porta estava aberta.
Preguiçosamente, vai para a cozinha: de onde vinham alguns ruídos.
- Já estou com o dinheiro, quando vão entregar minha filha? – Bella ouviu a
voz de seu pai. Avistou: Repolho, Hulk e Allan inclinados no balcão onde
pousava um celular antigo.
Ela se segura na parede sentindo as pernas bambas.
Sua ficha demorou, mas naquele momento caiu com força. Deslanchava
brutalmente sobre sua cabeça.
Quando a ligação é finalizada, Allan vira-se e dá de cara com a ruivinha.
- Bella? – Allan parou a sua frente com a expressão séria.
" A decepção muitas vezes tira a venda dos olhos; faz com que se enxergue a
vida como realmente é. "
Ela enxerga uma pontinha de pesar nos olhos dele. Mas como poderia
acreditar que ele se importa? Havia escondido dela que pediu resgate para lhe
devolver a família.
Não ligou quando disse palavras bonitas, porém vazias.
Se levanta ainda atônita. Afasta todas as tentativas de aproximação da parte
dele. Até que Allan, impaciente, puxa Bella, obrigando a ruiva encarar seus
olhos. Contorna a boca aveludada dela com o polegar. Sorri com a briga
interna que causa na dondoca.
Os lábios quentes dele aquecem os dela.
Um beijo regado de desejo e desespero. Allan a segura forte, como se tivesse
medo de perde-la.
Não durou muito tempo o encaixe deles.
Bella rapidamente o empurra bruscamente. Com passos largos e pesados
entra na casa e vai diretamente para o quarto.
Se deita na cama, cobrindo o corpo da cabeça aos pés. Em seu rosto não
haviam lágrimas, mas a tristeza estampava o semblante. Encolhida, naquele
cômodo sozinha sentiu falta da família e dos amigos. Já não se sentia segura
ali. Allan conseguira quebrar sua confiança.
Descobre a cabeça quando ouve o ruído da porta sendo aberta. Observa
Repolho desajeitado caminhando em sua direção.
- É bom botar tudo pra fora as vezes... o que tá matutando nessa cabeleira
ruiva aí?
- E?
- Mas a vida real é mais complexa. – Bella engole a seco. – Allan e eu somos
como água e óleo...
Allan interrompe entrando no cômodo com uma bandeja nas mãos. Repolho
prontamente se retira.
- Trouxe o almoço. – Allan fica na ponta da cama. Ele espera Isabella se
pronunciar, no entanto, a menina fica calada e com a cabeça baixa. – Olha pra
mim... Precisamos conversar. – Sua voz é firme.
- Não temos nada para conversar. – Se mantém na mesma posição.
Allan pega uma almofada na sala, prendendo-a no rosto... Sua vontade era
sair quebrando tudo o que via pela
frente.
- Allan. – Repolho coloca a mão no ombro do amigo ao se aproximar.
- Eu não podia ter deixado chegar a esse ponto. Não suporto pensar na ideia
de perde-la. – Se livra da almofada, bufando de raiva.
- Você terá que fazer sua escolha entre: o que é fácil ou o que é certo.
Aconselha Repolho.
Capítulo 21
Repolho estava cansado do clima que pairava na casa de veraneio. Ele podia
compreender profundamente o que se passava na cabeça de Allan. A história
de uma dama e um vagabundo raramente dá certo, embora na ficção um final
feliz fosse comum.
- Tá fazendo o que ? – Encarou Repolho que toda vez em que cuspia a água
fazia um barulho enorme.
- Lembra quando eu beijei o pé do Esparadrapo, porque estava sonhando com
a mina? – Allan assentiu. – Tive uma experiência parecida.
[•••]
- Não fale assim Bella , por favor! – Suas mãos alcançam o rosto da ruiva.
- Até que eu valho bem, não é? – Diz exasperada, retirando o toque dele de
sua pele. – O que pensa em fazer com o dinheiro? Ah já sei... expandir seus
negócios?
Allan queria socar a parede. Sua ideia genial de sequestro fugiu de seu
controle. O tiro saiu pela culatra.
- O que acha que eu deveria fazer? – Bufa. – Essa treta contigo foi um erro...
bagulho furado. Caramba cabelo de fogo, me desculpa... – Ela conseguia ver
sinceridade no olhar dele, no entanto, não conseguia confiar em seus
instintos.
- Nunca mais vamos nos ver, será desse jeito mesmo? – Allan não se permitia
mostrar sentimental, mas naquele momento olhou para a ruivinha emanando
paixão.
Ela deu um breve sorriso. – Você me usou, tudo por conta de dinheiro... mas
não faz diferença, não poderíamos dar certo. Nossas exatidões não
combinam.
- Não foi por dinheiro. – Allan tentou se justificar. – Essa foi a única solução
que achei para sair ileso dessa.
- Allan, para de arranjar desculpas para o injustificável. – Umedeceu os
lábios, baixando a cabeça. – Você fez tudo debaixo dos panos, não teve a
coragem de me revelar a verdade. Quebrou minha confiança.
- Eu amo você Bella. Olha pra mim.... – Segura o rosto dela. - Tu prometeu
que não duvidaria dos meus sentimentos.
Aquele dia quando você disse que não pensaria duas vezes em largar essa
vida por mim: você faria isso realmente? – Allan fica imóvel. Sem reação,
procurando a melhor frase a ser dita. – Já tenho a resposta. – Bella respira
fundo. – Eu preferia que tivesse me enchido de verdades e não de palavras
vazias.
O carro para... Hulk e Repolho tampam seus rostos.
Capítulo 22
- Vá para o banho, pois vou preparar uma refeição reforçada para você, meu
amor. – A mãe comenta. Seus olhos esbanjam gratidão ao ter a filha de volta.
Bella sobe para o seu quarto: tudo se encontra do mesmo jeito que havia
deixado. Separa um conjunto de moletom e caminha em direção ao banheiro.
Foi relaxante sentir a água quente bater contra sua pele. Uma sensação de
limpeza tomou conta de seu ser. Assim que termina o banho e se veste, desce
as escadas em direção ao primeiro andar.
Ela se senta no sofá, entre o pai e irmão.
- Tive tanto medo de nunca mais ver o seu rosto, minha pequena. - Isaque
mexe nos cabelos da filha.
- Como era o lugar em que você ficou presa? O que eles falavam? - Cris
pergunta curioso.
- Eu não quero falar sobre isso. – Respira fundo. – Não nesse momento. –
Completa.
[•••]
" Aquele dia... quando você disse que não pensaria duas vezes em largar essa
vida por mim: faria isso realmente? " - A imagem e a voz de Bella habitavam
em sua mente.
O dono do morro gostaria de ter dito sim, que foi verdadeiro quando disse
aquilo. É claro, se ele pudesse largaria tudo para viver com ela. Mas naquela
equação, o “se” não cabia na conta.
- Desde que vi essa moça gostei dela: intuição de mãe. Algo me diz que ela
vai mudar sua vida por completo e para melhor.
- Ela já mudou mãe, mas não sei se foi pra melhor. – Dá de ombros. - Que
futuro teríamos? Eu sou apenas um erro na vida dela.
- Se for isso, tenha certeza que foi o melhor erro da vida dela. – Brinca com o
filho. - Pode parecer não ter solução agora, mas acredite que há. Confia em
Deus!
- Deus? Será que ele iria ouvir um assassino? – As palavras que saem de sua
boca pareciam farpas que o machucavam por dentro.
Pela primeira vez desejou não ser o temido e respeitado dono do morro.
- Se você se arrepender, ele terá prazer em te ouvir. - Diz com os olhos cheios
de lágrimas.
Allan se limita a não dizer algo a mais. Sem delongas, dá boa noite a mãe e
vai em direção ao quarto.
Repolho estaria certo? Ele poderia reverter aquela situação?
Allan, deitado de barriga para cima encarava um ponto qualquer no teto. As
perguntas martelavam em sua mente.
A ruivinha valia tanta atenção?
Ou melhor...
Ela era tão valiosa a ponto de transformá-lo em um novo homem?
E desse modo: o dono do morro dorme pensando na filha do pastor.
Capítulo 23
O sol adentrou o quarto de Bella. A jovem mal havia pregado o olho aquela
noite. Seus pensamentos lhe traiam constantemente. Só conseguia lembrar do
olhar inicial trocado com Allan, o primeiro abraço que havia sido tão
protetor. Os lábios quentes do rapaz, a voz rouca soprando em seus ouvidos.
Desde o dia em que suas vidas se cruzaram foi decretado: ele seria o seu
primeiro e verdadeiro amor.
- Minha ruiva. – Ouviu a voz de Malu antes de ser esmagada pelo seu corpo.
- Não vou perguntar nada, quando estiver pronta para dizer eu vou estar aqui
para te ouvir – Malu se mostra compreensiva.
- E então... foi aquele tosco que armou o sequestro, não foi? – Pergunta
diretamente.
- Você deve estar se sentindo muito mal... – A amiga conclui, após ouvir a
história.
- Então ele terá escolhido o dinheiro. Isso quer dizer que sempre vou estar em
último lugar em sua vida. – Disse triste. – Mas não quero falar mais de coisas
tristes... O que houve enquanto estive fora? – Ergue a sobrancelha.
- Depois do que aconteceu com você, ele pegou uma conversa dela com
Dylan. Enfim, ele chegou a conclusão de que você sempre esteve certa sobre
ela.
- Nossa...
- E você?
- Disse que tudo bem, mas que era impossível as coisas voltarem a ser como
antes... na verdade já desencanei dele há muito tempo.
- Hulk e Repolho vem pra cá, não me deixem esperando muito. – Passa o
rádio para eles.
- Vocês gastaram a grana que eu dei a vocês ontem? – Allan vai direto ao
ponto.
- Não. – Repolho fica tentando espantar um mosquito. O inseto se mantém
intacto, enquanto ele se estapeia.
- Por quê ? - Hulk pergunta sério. Querendo ver aonde aquela conversa iria
chegar.
- Por mim tudo bem, eu devolvo minha parte. – Repolho levanta as mãos pro
alto.
- Tu quer ficar com a grana toda Allan? Eu tô cansado dessa merda, eu quero
ter uma vida melhor.
- Por favor. – Hulk pede com as mãos trêmulas. – Já não basta ter matado o
seu... – Ele para de falar.
- Allan não!!! – Repolho leva as mãos a cabeça aflito e grita ao ver o amigo
puxar a metralhadora que estava sobre a mesa.
- Termina o que começou seu filho de uma égua. – Aponta a arma na direção
de Hulk. – Vamos, diga!!! Quem você matou??
Capítulo 24
- Por quê ?? – Allan enrosca a mão no pescoço de Hulk. - Foi o Gastão que
mandou?
- O Gastão? – Sorri cinicamente – Fui eu que passei ele pro outro plano
também. – Esboçou um sorriso de desdém. Não se preocupava mais com tudo
que poderia perder ao abrir a boca. Chutava o balde para o alto com
satisfação, despejando toda a sujeira encima do homem que tanto chamou de
amigo.
- Seu pai. – Passa a mão pelo sangue que escorre até a boca – Ele até que era
gente fina, mas eu precisava que ele morresse. Somente assim seu tio iria
fazer sua cabeça e te treinaria pro crime. E depois, quando meu plano estava
encaminhado, eu o matei com um tiro certeiro na veia do coração. E agora
você tá estragando o meu plano. – Encara o dono do morro.
- Com você no poder as coisas seriam melhores pra mim. – Passou a língua
pelos lábios cortados. Agora por causa de uma mina qualquer... tu quer
estragar tudo.
- Não a chame assim. – Se altera. – O que tu ganhou com tudo isso? Meu pai
nunca fez nada pra tu. – Allan engoliu a seco. O pai não merecia ter morrido
daquele jeito.
- Eu ganhei grana a mais e respeito. Eu virei o sub- dono do morro. – Diz
como se fosse óbvio.
- Você matou meu pai por causa de uma droga de titulo? – Enraivecido, Allan
vira a mesa. Tal ato causa um barulho estridente.
Repolho sente seu coração acelerar a medida em que acompanha a cena.
- Eu não vou devolver o dinheiro, vamos fingir que nada disso aqui aconteceu
e ficamos sussos. – Hulk disse por fim.
- Mas aconteceu. – Allan o encara. – Acha que vai ficar barato isso tudo que
você me contou?
- Então essa vai ser a primeira vez. – Em um gesto rápido volta a apontar a
metralhadora na direção de Hulk.
- Deixa ele. – Hulk sorri divertido – Vamos ver se ele tem coragem. – Bate
no peito. – Mas se for atirar, melhor que tu acerte.
Repolho balança a cabeça. Sua voz dizendo “ não” parecia como um zumbido
de um pernilongo insistente.
Na balança estava a vingança de um lado, e o amor de outro. Ambos sem
possuir certeza.
E naquela apreensão...
Allan fechou os olhos incerto e apertou o gatilho.
Capítulo 25
Bamm!!
- Allan... – Repolho diz com dificuldade. – Você tem sonhos bonitos. Não
importa o que acontecer... não deixe de se redimir e levar uma vida normal. –
Sente suas forças esvanecer. – Tua ruivinha me disse que podemos ter um
novo coração...
- Não vai adiantar. - Faz força para manter os olhos abertos - Ele tem uma
boa pontaria. - Respira com dificuldade. - Eu vou morrer, mas pelo menos foi
por uma causa boa, pela primeira vez fiz a coisa certa. Vou morrer como um
herói.
- Tu é um herói sim mano, mas tu não vai morrer. – Allan busca passar força.
- Isso não vai ficar assim, ele vai pagar. - Promete.
- Allan. - Faz um gesto para que o amigo segure sua mão, e assim Allan o
faz. - O que é dele: a vida vai se encarregar de cobrar. - Diz com um fio de
voz. - Eu fiz isso para que tu seja feliz... eu não poderia, mas você sim. -
Fecha os olhos e volta a abri-los - Não repita a mesma história que eu. O
dinheiro está na minha casa, debaixo do colchão. Pegue e faça o que tem de
fazer.
- Isso não é uma despedida mano. - Tenta acreditar em suas próprias palavras.
- Eu vou encontrar com ela. - Derrama uma lágrima - Depois que ela se foi,
levou uma parte de mim. Será que Deus me aceita? Essa coisa de céu e
inferno existe mesmo mano?
- Acho que sim. Minha mãe me disse que quando nos arrependemos
verdadeiramente, o Homem lá de cima nos ouve e perdoa.
- Nãooo!! – Allan sussurrou entre lágrimas. - Meu irmão, volta pra mim!!!!
- O aperto em seu peito lhe causava desconforto ao respirar. Allan
vagarosamente Inclinou as mãos em direção aos olhos sem vida do leal
amigo e os fechou.
Minutos depois, os rapazes que ficavam na boca retornaram do almoço.
- O que aconteceu? – João, boquiaberto, perguntou ao ver Repolho estirado
no chão.
Allan com a cabeça baixa ficou ao lado do corpo. Em sua mente passava
flashes e mais flashes.
Repolho, apesar de sua história triste conseguia levar a vida com bom humor.
Abandonado pelos pais quando bebê; acolhido por uma senhora da
comunidade de idade avançada, que morreu quando ele havia completado
cinco anos. Sempre de casa em casa, até que Esparadrapo, o velho gago o
encontrou e lhe ajudou. Ele havia entrado na vida do crime por não ter
perspectiva alguma de uma vida melhor. Até que se apaixonou perdidamente
por uma moça chamada: Marie. Por amor a patricinha, ele saiu do tráfico e
arranjou o emprego em um mercado. Talvez assim, os pais dela aceitassem o
namoro deles. No entanto, em uma invasão ele se viu obrigado a atirar;
infelizmente a bala foi certeira e o policial morreu. Repolho foi detido na
prisão de menores infratores. Marie foi proibida de vê-lo novamente. Depois
de meses ele ficou livre e voltou à comunidade. A jovem, sabendo da notícia
foi atrás dele, contrariando a ordem de seu pai. Humberto ficou consumido de
ódio quando soube e invadiu o morro com os amigos policiais . Entre trocas
de tiro, uma bala atingiu a cabeça de Marie, que teve morte cerebral. Repolho
não pôde ao menos se despedir. Depois de tal tragédia nunca mais foi o
mesmo. Retornou ao crime; a vida de embriaguez e riso falso. Um rosto
engraçado por fora e um coração quebrado e cheio de saudades por dentro.
Por isso o amigo havia entendido tão bem os sentimentos de Allan pela
ruivinha.
[•••]
Allan junto dos parceiros carregava o caixão onde Repolho estava. Sua
garganta se encontrava seca... um aperto avassalador no peito. Todos sabem o
quanto a vida é curta, no entanto, poucos se atentam para isso. Vivem como
se fossem viver na terra para sempre. Aquele momento fazia Allan refletir.
Ele deixou o caixão na grama, enquanto os homens preparavam a cova.
- Ele foi muito corajoso. – Joana abraçou o filho. - Agora espero que saiba
valorizar sua vida e fazer com que o ato do seu amigo não seja em vão.
Allan balançou a cabeça vagarosamente. Depositou um beijo no topo da
cabeça dela e se afastou caminhando em direção a João.
- Que nada chefe, ele rapou o gato geral. Ouvi boatos que ele está no morro
rival.
Allan se fez de forte o tempo inteiro, mas no instante em que viu a terra
cobrir o caixão, deixou as lágrimas deslizarem de modo doloroso pelo rosto.
- Irmão... – Sussurrou. Uma faca afiada parecia atravessar seu coração. Ele se
ajoelhou na grama um pouco alta com a cabeça inclinada. Allan sentiu um
toque suave em seu ombro, virou-se lentamente e trocou olhares intensos
com Bella.
A ruiva o fitou com ternura, e aquilo acalentou o ser dele. Com delicadeza
Bella segura a mão dele.
- Como soube? – A voz dele soou rouca.
Bella engoliu a seco. Sentia a vontade imensa de abraça-lo.
- Sua mãe me procurou. – Responde serena. – Disse que eu faria você se
sentir um pouco melhor.
- Deveria ser eu ali... - Disse sério. - Ele me salvou... a culpa é toda minha.
- Não, você não tem culpa. – Bella passa a mão pela cintura de Allan e
encosta a cabeça em seu peito. – Eu sei de alguém que preferiu não salvar-se
para que muitos fossem salvos.
- Jesus. - Disse suave. - Em João está escrito "Ninguém tem maior amor do
que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.". - Completa. – Você
tem noção do quanto significa o gesto que Repolho fez? Ele realmente te
amava e o enxergava como um amigo verdadeiro.
- Tu ainda não acredita em mim né? Ainda está magoada comigo. – Fixa seus
olhos no dela.
- Seguir minha vida. - Diz convicta. - A escolha está em minhas mãos. Então,
ir em frente é a única coisa que posso fazer. – Encara a amiga. – As pessoas
tem o péssimo costume de culpar os outros pelas suas próprias decisões.
Assim como Allan, ele ter uma história triste não justifica quem ele se tornou
na sociedade. Ninguém o forçou a ser traficante, ele quis assim. Dizer que
não teve oportunidades quando nunca as procurou...enfim, só posso fazer o
que está ao meu alcance... não posso obrigar ninguém a ser diferente por
amor a mim.
Capítulo 26
- Que tal um cineminha hoje? – Cris se joga no sofá onde a irmã está.
- Estou com preguiça para ver filme. – Deita a cabeça em seu ombro. – Fiquei
com cãibras no olho e nas mãos de tanto estudar.
- Então podemos comer algo e dar uma volta; chama a Malu. – Bagunçou os
cabelos dela.
- Agora está cheio de gracinha para cima dela... só observo. – Gesticula com
as mãos.
- Ela não me trata mais como antes. – Baixa o olhar – Eu fiz tudo errado.
- Você foi um completo jumento. É injusto com ela, sabe? Só porque você
descobriu que a Paty não era quem você pensava que fosse, de certo modo
agora ela serve para você. A Malu não merece ser uma opção e sim a escolha
de alguém.
Era fim de tarde quando Cris passou na casa de Malu, com Bella, para buscar
a jovem. Minutos depois, saíam do estacionamento para dentro do
estabelecimento.
- Vão indo para a lanchonete que já encontro vocês. – Cris pega o celular e se
afasta.
- O que ele deve estar fazendo? – A ruiva bate a ponta dos dedos na mesa de
metal.
- Hector; essa é minha irmã Isabella. – Cris apresenta o amigo, que de modo
cavalheiro segura a mão da ruiva; olhando-a intensamente deposita um beijo
no dorso de sua pele. – E essa é Malu, nossa amiga. – Ele cumprimenta Malu
e se assenta com eles.
- Seu irmão me contou o que houve, fico feliz em vê-la bem. – Hector analisa
Bella. – Com todo respeito, você é muito mais linda do que nas fotos!
- Parei com a Bella... – Malu dizia ofegante com uma careta no rosto. – Podia
ter deixado a gente ganhar a corrida pelo menos uma vez.
Capítulo 27
Não era possível vencer a dor que o silêncio causava. A comunidade inteira
permanecia de luto. Allan sentia muita falta do seu fiel amigo. O dono do
morro segurava nas mãos a parte do dinheiro de repolho; exatamente no
mesmo lugar em que seu parça estava antes de partir. Vasculhou a casa de
Hulk e não encontrou um mísero real.
Fontes haviam revelado que o traidor estava no morro rival. Allan ordenou
dois de seus parceiros para ficarem vigiando Bella; sabia o quanto Hulk era
vingativo. Com certeza planejava tocar em seu ponto fraco, e naquele caso
era a ruivinha.
Engoliu a seco enquanto cerrava os punhos.
Gostaria de ver o sorriso dela, os olhos esmeraldas, e acariciar aqueles
cabelos tão cheirosos. Desejava abraçá-la e não soltar mais. No entanto, não
poderia realizar esse desejo. Não naquele momento.
Na comunidade haviam muitas pessoas honestas, trabalhadoras. Allan não
podia ser egoísta e colocar tudo em perigo. Deveria proteger sua mãe e os
outros moradores. Se abdicasse, Hulk tomaria o poder com violência.
- Mano, o maluco que trocar umas ideias contigo. – João aparece na porta do
escritório.
- Ma...ma...luco é tu. – Allan ouve a voz arrastada de Esparadrapo.
- Allan. - Ele se senta a sua frente e puxa outra cadeira para pôr o boneco.
- Que amigo?
- Vai vi...vingar a morte do nosso amigo, né? – Nos olhos do velho havia
tristeza.
Esparadrapo foi quem acolheu Repolho há muito anos. Tinha ele como um
filho.
- Eu vou. - Se levanta e caminha até o gago. - Hulk vai pagar por isso, pelo
bem de todos aqui ele tem que morrer. – Diz convicto.
- Agora vai!! – Aponta para a porta. – E não o chame assim. Sabe muito bem
que ele odiava palavras no diminutivo. – Comenta nostálgico.
[•••]
Allan chamou Erick e João até o escritório. Pousou a mão sobre a mesa e os
encarou.
- E pode contar mermo mano. - Erick vira sua bebida de uma vez - O negócio
é ter um plano e quando o Hulk atacar, pegamos ele. Mas pra isso temos que
deixar ele agir.
- Se liga na fita, ele vai tentar armar pra te pegar. E qual a melhor forma dele
fazer isso? Pegando tua mina.
- Está sugerindo que eu deixe ela nas mãos dele?
- Não vai acontecer nada com ela mano, porque vamos ter um plano. – João
se manifesta.
- Como por nada? Geral aqui corre perigo se aquele rato assumir o comando.
- Qual seria o plano? – Allan cruza os bravos e olha atentamente para Erick.
O plano era bom, porém altamente arriscado. Só que era a única possibilidade
de conseguir pegar Hulk. E aquilo seria melhor do que não ter nada
planejado.
[•••]
Enquanto Allan pensava melhor em como proceder, sua amada estava com o
semblante sério.
Cris olha para o relógio. – Está ficando tarde. – Melhor a gente ir, amanhã o
dia vai ser cheio. – Encara a irmã. - Bella, se importa do Hector te levar?
Queria ter uma conversa com a Malu. - Cris sussurra em seu ouvido.
- Ah Cris. – Reclama.
- Foi muito agradável. - Se vira e a encara. - Espero que a gente saia outras
vezes.
Sem olhar para trás, entra em casa. Vai diretamente até seu quarto.
Toma uma ducha e depois se deita. Abraçou seu próprio corpo enquanto
procura em vão o cheiro de Allan. Tinha vontade de sair correndo para os
braços dele. Sonhava todas as noites com ele, vindo ao seu encontro e
dizendo : Estou pronto para você. Mas os dias passavam e com eles a
ausência e o silêncio de Allan pareciam refletir uma escolha.
O que sentia por ele tinha uma profundidade enorme. Um sentimento que
poderia ser chamado de amor.
- Eu queria dizer a ele tantas coisas, tenho estado tão só com ele nos meus
pensamentos, em meus sonhos... Preciso saber onde está, o que está fazendo,
se em algum momento pensa em nós ou se existe alguém além de mim que
prende os seus pensamentos.
Quem somos nós para questionar o designo de Deus, se é sabido que Ele é
quem direciona a nossa vida. Digo isso a propósito dele ter surgido em minha
vida dessa forma e ter preenchido um espaço enorme dentro do meu coração.-
Pensa alto.
Vira-se de uma lado para o outro tentando encontrar o sono.
Capítulo 28
Malu havia crescido com Bella e Ryan. Cris era o mais velho, no entanto
sempre esteve próximo deles. A jovem de feição doce cresceu admirando o
irmão de sua melhor amiga. Não conseguia vê-lo com outros olhos.
Ela observava Cris, que com destreza movia o volante. Seus pensamentos
davam voltas e mais voltas.
Talvez todo o amor que sentiu há tantos anos, fosse algo platônico. Uma
espécie de desejo inalcançável. Cris sempre foi rodeado de meninas, e ela
sabia que dificilmente teria a atenção dele para ela. É chato e doloroso
quando a pessoa amada não lhe vê do mesmo jeito… quando não existe
reciprocidade.
Pela primeira vez enxergou Cris como um bobão. Afinal, Bella contou sobre
as implicâncias de Paty na escola e mesmo assim o irmão não acreditou.
Tapou os olhos, deu as costas para quem sempre esteve com ele. Foi
grosseiro, pediu desculpas: porém tarde. Ela aceitou porque não conseguia
guardar mágoas.
Quando caiu na real e viu que a namorada perfeita não era nada daquilo,
resolveu investir na amiga de sua irmã.
Malu gostaria de esquecer tudo, passar uma borracha e dar uma chance a ele.
Afinal, era isso que sonhava todas as noites. No entanto, não queria ser opção
de ninguém. Desejava ser a escolha.
Buscava um amigo que sentasse ao seu lado e falasse de várias coisas.
Alguém para dividir seus sonhos e medos. Compartilhar planos, planejar o
futuro, andar de mãos dadas pela cidade. Coisas simples que fazem toda a
diferença. Não queria um namorado para mudar o status de relacionamento,
mas sim o amor para mudar sua vida.
- Malu eu sei que fui um estúpido com você. – A encara com sinceridade. –
Eu já pedi desculpas e pedirei quantas vezes for necessário. – Pousa a mão
sobre a dela. Seu olhar é intenso. – Se eu pudesse voltar atrás...
- Eu não mereço ser tapa buraco na sua vida. – Deixa uma lágrima escapar.
Sua garganta arde. – Você só me quer, porque não deseja ficar sozinho. Se
não soubesse a verdadeira face da Patrícia e nada disso tivesse acontecido...
você estaria a essa hora me pedindo em namoro? Seja sincero comigo.
- Não dá para saber. – Diz por fim – Eu demorei, mas acordei! – Toca
levemente a bochecha dela. – Você sempre me encantou com seu sorriso
doce, com esse olhar de um brilho tão intenso que me lembra as estrelas.
Você sempre esteve ao meu lado: e só eu não vi. – Baixa a cabeça.
- Faz tão pouco tempo... – Entorta os lábios. – Você não pode ter deixado de
me amar tão rápido. Por favor Malu, eu te adoro. – Aproxima seus rostos.
Ela engole a seco. Respira fundo enquanto se perde nos olhos tão lindos dele.
Talvez sua decisão não fosse das melhores, mas poderia conviver com muitas
coisas, menos sem reciprocidade.
- Eu não quero ser adorada. – Sua voz sai embargada – Eu quero ser o
primeiro pensamento quando acordar, o último quando estiver dormindo. Eu
quero ser olhada de um jeito único e especial e que se seus olhos falassem,
diriam: Caramba, como eu tenho sorte. – Dá de ombros enquanto derrama
lágrimas. – Eu preciso ser amada, menos que isso não me é suficiente. –
Balança a cabeça vagarosamente. Se levanta e sai correndo.
Entra em casa com o rosto vermelho. Seu pai a observa chegar cabisbaixa.
- O que foi filha? – Deixa o controle da tv de lado e a encara.
Malu força um pequeno sorriso.
- Eu vou ficar bem! – Mandou um beijo em sua direção e foi para o quarto.
- Não. – Ela sorri sabendo que ele abriu um sorriso. – O que foi? Estava
chorando?
- Eu acabei com qualquer chance que eu tinha com o Cris. Será que um dia
encontrarei a tampa da minha panela?
Capítulo 29
- Não, eu...
- O Allan não está legal. – Tentou dar alguma justificativa que a fizesse
descer. – Aconteceu uma treta lá no morro e ele se feriu, o chefe só chama
pelo seu nome.
- Eu já estou indo. – Sem pensar duas vezes, Bella puxa a calça e o casaco de
moletom. Não faz ruídos ao descer até o primeiro andar.
O rapaz que a esperava esteve no dia do resgate, foi um dos parceiros de
Allan que ajudou naquele dia.
Estava aflita, suas mãos tremiam e seu coração disparava. Uma dor preenchia
seu peito só de pensar na possibilidade de perder Allan.
O jovem de cabelos que batiam na altura do ombro, abriu a porta do carro.
Ele parece ouvir algumas coisas antes de jogar o celular no banco ao lado.
- Espero que esse bagulho que você se referiu, não seja eu. – Bella disse
exasperada.
[•••]
- Esse não é o morro... – Encara o homem cujo nome não tinha ideia.
- Não, não é. – Segura o braço da ruiva bruscamente e lhe arrasta para uma
espécie de galpão.
Bella é empurrada para dentro do lugar vazio e com odor fétido. Dois homens
de expressões duras se aproximam. A seguram e amarram suas mãos. Ela
tenta se debater, mas é em vão. O aperto da corda é forte, logo marcam sua
pele . Tenta gritar, porém, uma meia é colocada em sua boca. Depois, jogam
a jovem para o lado como se fosse uma sacola de lixo.
Ela sente dor na coluna ao cair desajeitadamente. Encolhida no chão frio, faz
força até se livrar do tecido de algodão que preenchia sua boca. Com muita
dificuldade, consegue cuspir a meia.
Minutos depois um estrondo se pode ouvir. Passos se aproximam, a grande
porta enferrujada range.
Bella abre os olhos com dificuldade.
- Fez sim, fez ele se apaixonar. Agora alguém tem que pagar o preço!
Bella tentou respirar profundamente. A poeira intensa fez com que espirros
fossem expelidos.
- Por enquanto nada. – Deu de ombros. – Minha treta é com ele. Já pensei em
muitas formas de tortura-lo. – Seus olhos brilham de prazer.
Como alguém poderia sentir prazer em fazer mal às pessoas? Sorrir diante de
tal sofrimento alheio? Ela se perguntava.
- Ele que botou tua vida em risco, ta ligada? Ele quis ser mais esperto que eu;
vamos ver como vai agir quando ver que o plano dele foi pro buraco. – Hulk
prosseguiu.
- Éramos amigos, até você entrar na história. – Sua voz é carregada de ódio. –
Acha mesmo que foi eu que matei o Repolho? – Arqueia a sobrancelha.
- Ele não faria.... – Começa a ver tudo embaçado, até que só enxerga um
grande borrão e nada mais...
Hulk observava a ruiva, a causadora de discórdia. Ela levou Allan a perdição.
Sempre esteve satisfeito em ser o sub dono na comunidade. Conseguiu muita
grana, Allan sempre facilitou tudo para ele. Mas então, toda a cumplicidade
foi para o ralo. De repente a patricinha da zona Sul arrebatou os sentidos do
traficante. Parecia até a história de um filme, mas se dependesse dele teria um
encerramento infeliz.
Ele esteve quieto no morro rival, esperando a poeira abaixar. Criava suas
estratégias para passar Allan para o outro plano, porém um contato dele
passou o fio que Allan estava planejando uma emboscada. Foi obrigado a
adiantar seus planos e frustrar os de Allan.
Deixaria Bella no cárcere bons dias, não faria contato com Allan para deixá-
lo se roer de preocupação. E só depois, um parça seu iria direto no cego
apaixonado. Allan faria de tudo para salvar sua amada e nessa hora: é a vez
de Hulk pegar e estourar seus miolos.
- Fica susso, o plano é certo. – Diz convicto. – Em breve Allan vai estar
fazendo companhia pro Repolho.
Capítulo 30
- Ela deveria estar em casa... – Se não foi você, então quem a pegou? – A
jovem suspira.
Allan balança a cabeça. Ele sabia muito bem a resposta daquela pergunta.
- Não tenho uma notícia muito boa pra te dar chefe. – Foi a primeira coisa
que Erick disse ao entrar na sala.
- É mais que isso mano. – João suspira. – Lembra que eu disse que tinha um
infiltrado lá no outro morro? Então... apagaram ele. O mais certo é que tem
um traidor no nosso meio, alguém está passando informações a Hulk. – Erick
explica.
- Não vamos poder confiar em ninguém. Teremos que agir sozinhos. – João
se encosta na porta.
- Ele toparia? Isso não vai poder sair daqui e cair nos ouvidos da polícia:
muito menos do traidor. – Allan encara o engomadinho.
- Primeiro temos que ganhar a confiança do Hulk, poder andar no morro sem
suspeitas e descobrir onde ela está sendo mantida presa. – Allan responde
inquieto. – Precisamos de alguém que Hulk não conheça, uma pessoa que
possa se passar de usuário para ter livre acesso lá.
- Então pra todos os efeitos vocês dois estão aqui porque desconfiam que eu
peguei a Bella. – Allan encara os jovens. – Tomem cuidado para não serem
vistos com esse tal de Heitor. Hoje mesmo dê um jeito de falar com eles; e se
concordarem: me liguem. – Rasga um pedaço de jornal e coloca o número de
seu celular, logo após entrega a Ryan.
- Ela ama você, sei que fará de tudo para resgata-la. – Inesperadamente, Malu
abraça Allan antes de ir embora.
- Ah meu filho. – Joana coloca a mão sobre o ombro largo dele. – Isso é tão
perigoso!
- Eu sei mãe, mas não posso deixa-la nas mãos dele. – Aperta fortemente os
olhos.
Ele não queria demonstrar fraqueza. Mas era visível que havia ficado
balançando com aquela situação.
- Vou pedir muito a Deus para protege-la e também a você. – Joana segura o
rosto do filho. – Eu espero do fundo do meu coração que tudo isso acabe, isso
não é vida Allan. Eu quero viver para poder ver você ter um emprego digno,
para ver você formar uma família.
- Eu te carreguei nove meses Allan, o conheço mais que você mesmo. – Uma
lágrima escorre por seu rosto e ele a seca. – Você está no caminho certo, eu
sei. Você está perto de ser quem eu sonhei, apesar disso as coisas ainda serão
difíceis. Só peço que não desista e saiba fazer suas escolhas no presente, pois
elas que dirão qual será o seu futuro.
[•••]
- A treta é o seguinte: o Hulk pegou algo que é meu e eu quero de volta. Ele
vai tentar entrar em contanto e quero vocês de orelhas em pé, entenderam? –
Sua voz é firme. – Fiquem no posto esperando meu sinal; quando for a hora,
vamos pra cima dele com tudo. Agora podem sair!
Eles saem da sala; Rafael, o mais alto deles é o único que fica.
- Gosta dela? Faria tudo pra salva-la? – Mostra curiosidade. – Quer dizer,
uma garota vale tanto a pena assim?
Allan dá corda. Poderia ser ele o traidor, ou talvez não. Mas na dúvida tenta
parecer verdadeiro.
- Eu daria minha vida pela dela. – Foi sincero. Se tivesse que entrar na frente
da ruivinha e levar um tiro em seu lugar, faria sem titubear.
Capítulo 31
Allan saiu da boca mais cedo. Foi para casa esfriar a cabeça. Sentado no sofá
da sala, recorda os doces momentos que viveu ao lado de Bella. A saudade
desmedida invade seu peito.
O toque estridente do celular faz com que o rapaz desperte de seus devaneios.
- Sim. Diga!
- Beleza. – Allan sentiu alívio. Quanto mais ajuda tivesse seria melhor.
- Vou botar no viva voz e você passa os comandos a ele. – Malu pousou o
celular na mesa de centro para que os outros ouvissem.
- Então mano... primeiro valeu aí! A parada é a seguinte: você tem que ir no
morro com pretexto de comprar drogas, fazer amizades com alguns dos
traficantes. Acha que pode?
- Posso. O que mais?
- Vingança. Diz que peguei uma mina tua. O Hulk é burro, distraído. Se
ganhar a confiança dele, mostrar que é um cliente vantajoso, ele vai contar
onde Bella está. Tenho certeza disso!
- E qualquer coisa liga pra esse número aqui que quase ninguém tem.
Entendeu tudo?
- Entendi.
Allan refletiu sobre algo que ninguém havia parado para pensar. Os pais de
Bella.
[•••]
- Fala mano, faz muita falta aqui... – Disse nostálgico ao lembrar do amigo.
- Que bom ver você. – Inclina o corpo e tenta roubar um beijo de Allan que
se esquiva. – Que foi hein, Allan? Trocou de lado? – Ergue a sobrancelha.
- Vai deixar ele falar assim comigo Allan? – Faz beicinho enquanto Allan
tenta prender o riso.
O traficante sente o celular vibrar no bolso de sua calça. Sem delongas se
levanta e sai quieto.
Allan passa mensagem a Erick e João. Se tudo desse certo, em breve teria a
ruivinha em seus braços.
[•••]
Bella não fazia ideia de quantos dias haviam se passado. Estava em seu
limite. O corpo dolorido constantemente, a alergia atacando dia após dia.
Uma falta de ar que ardia os pulmões. A comida fria e sem gosto que era
obrigada a comer. De longe, nunca viveu dias tão ruins como aqueles.
Clamava a Deus pedindo para que aquilo chegasse ao fim. Que tudo ficasse
bem novamente. A saudade de sua família e amigos corroía seu ser... a
preocupação com Allan rondava sua mente.
Toda tarde, Hulk passava no cativeiro. Sentava perto dela e contava a história
de sua amizade com Allan, a época que se davam bem.
O ranger da porta trazia uma breve fagulha de luz solar. Ficou de olhos
fechados enquanto ouvia passos.
- Aqui está o bagulho que eu te falei. – Hulk disse. – Ela é nossa ponte pra
chegar no Allan.
- Pensa em fazer contato quando? – Uma voz conhecida soou. Pelo cansaço
não conseguiu associar a voz ao rosto.
- Não faz meu tipo. – Hulk diz com desdém. Deixa a bandeja no chão; com
um sorrisinho maroto nós lábios. – Mas se tu quiser, pode ficar com ela
quando passarmos o Allan.
Rapidamente a mão dele vai de encontro ao rosto dela. O soar de um tapa que
deixa sua bochecha avermelhada. Ela sente os olhos arderem pelas lágrimas
que vem a tona.
- Eu não sou o frouxo do Allan, se liga antes de falar comigo assim. – Bufa
cerrando os dentes. – Vamos, chegou teu pedido. – Encara rapidamente o
visor do celular.
Bella chora deitada naquele chão desnivelado. Empurra a comida com os pés,
fazendo cair a comida toda na superfície suja. A maré de acontecimentos
ruins começaram quando conheceu Allan. Mas não se arrependia de ter
tomado toda sua atenção. Preferia passar aquilo quantas vezes fosse preciso,
porque o fato de o amar aquecia seu coração. Jamais se arrependeria de ter
olhado para ele, de ter se perdido em seus olhos envolventes.
O abraço dele a passava conforto, uma espécie de segurança. A voz rouca, as
frases desconexas cheias de palavras erradas, o jeito marrento. A forma como
ele se mostrava preocupado com ela, como demonstrava carinho apenas com
um simples olhar. Ela só desejava que no final de tantas provações, pudesse
gozar de alegria ao lado dele.
Fecha os olhos e lembra de um momento em particular.
“ – O céu está na mesma tonalidade que seus olhos. Eu gosto disso. – Baixou
a cabeça sentindo as bochechas corarem.
Capítulo 32
- Hector falou que hoje vai ter uma festa de arromba no morro rival, festa do
chefe de lá. Isso vai facilitar demais nossa chegada. – Allan comenta
enquanto pega uma arma e coloca em sua cintura.
Erick como sempre está com um palito entre os dentes. Vestido com uma
blusa cinza desgastada e uma calça jeans levemente amarrotada.
- Já marquei com Ryan e o Cris em uma rua deserta daqui; vamos nos
encontrar lá e trocamos de carro. – Erick avisa – Não pode dar nada errado.
- Eu sei mano, um erro e vai tudo por água a baixo. – Allan se vira notando a
presença de sua mãe.
A expressão de Joana é nitidamente séria e de muita preocupação.
- Tia Joana. – João e Erick a cumprimentam.
- Oi. – Força um sorriso – Posso falar com você meu filho? – Encara Allan
que balança a cabeça positivamente. Para o que está fazendo e segue a mãe
até o seu quarto.
- Para que essas armas Allan? – Indaga com os olhos fixos nele.
- Eu não posso subir o morro rival desarmado mãe. – Passa o dorso da mão
na bochecha dela, secando a umidade de seu choro.
- Eu temo pela sua vida, você é a única coisa que eu tenho que posso chamar
de família. – Diz com a voz embargada. – Eu não quero ter que enterrar meu
filho, ainda mais tão novo.
[•••]
- Fico mais aliviado. Agora tenho certeza de que vai fazer tudo que estiver ao
alcance para salva-la.
- Como vocês vão chegar ao lugar? Eles não vão reconhecer a gente? – Cris
pergunta.
- É um risco que vamos ter que correr. – Allan abre a porta do carro – Seria
arriscado demais pedir isso a vocês, imagino que não saibam manejar uma
arma.
- Toma. – João entrega a chave que estava no bolso do vigia. – Não demora!!
Allan coloca a chave na maçaneta e logo destranca a porta enferrujada. Com
a lanterna do celular, dá passos para dentro.
No meio, avista o corpo de Bella no chão. Lentamente agacha ficando perto
dela.
- Ora, ora se não é o Allan.- Bella se encolhe assustada no colo dele. – Sabia
que que tu iria vir resgatar a princesinha indefesa.
Allan Stuart se vira e encara Hulk friamente.
Capítulo 33
- Não dê ouvidos a ele Allan. - Bella diz pede. A intensão de Hulk era apenas
deixar ele desestabilizado.
- Qual foi? Só estou falando a verdade. Foi muito fácil pôr a culpa da morte
dele em mim né Allan? – Hulk ergue a sobrancelha cabeluda.
- Ele não achou que tu fosse disparar, entrou na tua frente pra tentar tirar a
arma de sua mão, e tu Allan, matou seu pobre e fiel amigo. – Suas palavras
eram venenosas.
- Não... – Ele umedece os lábios. – Ele entrou na minha frente para me salvar.
– Rebateu.
Ouvir aquilo era como um soco em seu estômago. Ele não poderia ter matado
o homem que chamava de irmão. Hulk conseguia o que queria, deixava Allan
distraído. Rapidamente lança a perna em direção ao antigo chefe fazendo com
que a arma caia no chão, e Allan se ajoelhe com falta de ar pelo golpe
certeiro.
- Chega Allan, vamos embora. – Bella disse com a voz abafada. A expressão
assustada.
Allan se encontrou em uma batalha: ir embora ou dar um final naquilo?
[•••]
- Será que um dia vou conseguir ser feliz? – Bella segurou uma torrada com
geleia de framboesa.
- Claro que vai, Deus escreve certo por linhas certas amiga! Não se entristeça,
esse não é o fim. Há tanta coisa para viver!
" Isso não é um adeus, apenas um até logo. Sou um homem de sorte de ter um
par de esmeraldas que me olham com amor, a dona dos cabelos mais lindos
que já vi. Minha vó dizia assim: quando encontrar o amor, não o deixe
escapar, porque será como um morto. Te amar me fez renascer! Ps: Seu
dono do morro. "
Capítulo 34
Algumas coisas não podiam ser desfeitas.
Allan passou o trajeto reflexivo. Assim que o carro parou em frente a sua
casa, virou-se revezando seu olhar entre João e Erick.
- Na minha ausência vocês serão os caras de minha confiança que irão ficar
no comando da comunidade.
- Filho. – Joana passa a mão docemente pelo rosto dele. - Deus ainda tem
algo maravilhoso para teu futuro, você ainda vai ser muito feliz!
- Isso é pra você. – Entrega a ela um envelope com dinheiro. – Nesses anos
que estarei fora cuide de você, abra o restaurante que sempre desejou.
Entre tantos caminhos, ele escolheu o amor. Não importava quantos anos de
sua vida perderia pagando por seus erros. Mesmo que no final não ficasse
com a linda Isabella. Valia a pena e seria um ato grandioso. A jovem de
cabelos de fogo sempre lembraria que alguém lhe amou tanto a ponto de se
entregar. Que o seu amor foi capaz de causar um sentimento chamado de:
redenção.
Ele poderia mostrar seu amor por outras vias, não precisava ser tão rígido
consigo mesmo. No entanto, não se sentiria livre por completo.
Minutos depois estava na entrada da casa que nunca entrou. Batidas dadas na
porta com coragem.
- Allan? – Cris aparece surpreso.
- Sim, entra! - Abre espaço e leva o rapaz até a sala. - Vou chamá-lo.
- Você devolver o dinheiro não muda as coisas, você continua sendo dono do
morro e... – Ele é interrompido.
- Não sou mais, abri mão de tudo para talvez ter uma chance de futuro com
sua filha. – Allan respira fundo. - Eu vou pagar por meus crimes.
- Eu vou fazer isso, porque um dia uma ruiva entrou no meu caminho e me
fez enxergar que a vida pode ser melhor.
- Eu te amo tanto que dói. – Ela sussurra envolvendo seus braços ao redor do
pescoço dele.
- Eu também. – Afunda o rosto nós fios ruivos que pareciam seda. - Posso te
pedir uma coisa?
- Claro!
- Procure sempre minha mãe para saber como ela está... sua companhia vai
lhe fazer bem.
- Eu prometo, vou estar sempre com ela. Sabe que eu vou te esperar não é? –
O encara.
- Que um dia eu consiga ser o teu perfeito mesmo sendo tão imperfeito. – O
rapaz deposita um beijo suave no dorso da mão de sua dama. – Até mais
minha ruivinha!
- Até!! – Bella diz, antes de puxa-lo e selar seus lábios. Um beijo doce, cheio
de promessas para um futuro.
- Eu não queria que você passasse por isso... – Diz com lágrimas deslizando
pela pele.
Epílogo
Trinta anos foi a sentença do juiz... quando Allan ouviu suas palavras e o soar
do martelo sentiu como se o mundo desabasse em sua cabeça.
Seriam três décadas prisioneiro.
Como poderia ter esperança no mundo lá fora?
Quando chegou na penitenciária, foi difícil se acostumar. Até que depois de
uns meses foi para uma cela onde haviam dois homens. Um era o senhor José
que roubou o banco para conseguir dinheiro para a operação de sua filha e o
outro se chamava Marcos, usuário de drogas que surtou e tirou a vida da
esposa e dois filhos.
Durante os meses, fizera amizade com o carcereiro. Um homem evangélico
que sempre que conseguia falava um pouco sobre Deus.
Allan teve alguns atenuantes ao ajudar a polícia com alguns casos de tráfico,
além de seu bom comportamento. Estudou dentro da prisão, completou o
ensino médio e iniciou a faculdade de Direito. Seu desempenho a cada ano
fazia com que sua pena diminuísse consideravelmente.
O conhecimento entrou em sua vida como uma grande fronteira. Era como se
não estivesse atrás das grades quando estudava. A esperança outrora perdida,
voltava a florescer em seu coração.
Os programas sociais e de recuperação no sistema que muitas vezes falhava
trazia pessoas de volta a vida. Preparavam eles para a sociedade.
Ele proibiu as visitas. Não gostaria que a mãe lhe visse ali, com a roupa
cinza, com os cabelos cortados. A marca de algemas em seus pulsos. O único
que podia entrar para visitá-lo e levar as coisas que ele precisava era o velho
Esparadrapo. O gago deixava Allan a par dos acontecimentos.
O rapaz ficou feliz em saber que virou exemplo na comunidade, sobre as
ongs que foram construídas, os projetos, as quadras para incentivar o esporte.
Falou também do restaurante de Joana que é sempre muito movimentado.
A saudade todos os dias apertava. A dor da ausência, da solidão. Bella
sempre habitava em seus pensamentos.
Cinco anos haviam se passado...
Dias, meses longos.
Ajustavam sua tornozeleira eletrônica, em breve estaria parcialmente livre.
Ele pega seus pertences, veste a roupa que Esparadrapo lhe trouxe na última
visita.
Se olhou no espelho, analisa o quanto havia amadurecido. Agora com vinte e
nove anos, sem saber ao certo o que lhe esperava lá fora. Mas confiando que
realmente Deus tinha o melhor.
- Amém. – Segura a mão do senhor que tanto lhe ajudou. - Obrigado por
tudo!
- Não agradeça, eu fiz por você o que eu gostaria que fizessem por mim ou
por um filho meu.
Allan se despede e é guiado para fora do presídio. O coração palpitando, as
mãos suadas... nervosismo e ansiedade percorrendo cada parte de seu corpo.
O guarda abre o portão.
Ele lentamente sai e respira fundo. O sol toca seu rosto que se ergue com os
braços abertos. A sensação de liberdade o consome.
Uma brisa suave passa por ele; devagarinho se vira e vislumbra cabelos cor
de fogo que brilhavam com a luz do sol.
Seus olhos se encontram e se prendem como imãs.
Observa a mulher linda que caminhava em sua direção. Com ar de
maturidade, corpo com belas curvas.
A jovem deixa a bolsa cair no chão, com lágrimas nós olhos corre ao seu
encontro.
Um abraço forte, nostálgico, cheio de saudades.
Ambos apreciam a presença um do outro. Se apertam, se beijam, se olham.
Allan gira sua amada no ar com seus rostos colados.
- Eu pensei que...
Ela o interrompe.
Até logo!
Nos encontramos no livro 2!