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Prelude to a song

Margaret Pargeter

Aconteceu tão depressa, que Alana nem teve tempo para desconfiar de que era
bom demais para ser verdade. Tinha um emprego de cantora num dos melhores hotéis de
Londres e estava instalada em uma suíte fabulosa, digna de uma rainha! Tudo isso,
porque o destino colocou Guy Mason em seu caminho e ele resolveu ajudar a garota
assustada que vinha tentar a sorte na capital. Mas o conto de fadas acabou no dia em
que ela descobriu que Guy a havia enganado desde o princípio e esperava que pagasse
por tudo aquilo. O preço? Caro demais. Ele queria ser dono da vida de Alana, possuí-la
de corpo e alma, submetendo-a, a todos os seus caprichos!

Digitalização: Desconhecida
Revisão: Samuka
Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Capítulo 1

Alana sentiu-se apreensiva. Tinha cochilado um pouco e, de repente, dois jovens


se sentaram à sua frente e começaram a olhar para ela com insolência.
— Está viajando para Londres? — perguntou um deles, percorrendo
vagarosamente seu corpo com o olhar. Depois olhou com interesse para os belos cabelos
louros, longos e brilhantes. Ela não respondeu, e ele insistiu: — Pretende ficar muito
tempo?
Como não conseguisse resposta, virou-se para o amigo e riu, debochado; depois
voltou-se novamente para a moça.
— Não fique nervosa, boneca, estamos só querendo fazer amizade. Gostaríamos
de conhecer você melhor...
A expressão de cinismo deixou-a em pânico. Levantou-se e tentou puxar a alça da
mala. Mas era pesada demais e estava presa entre a poltrona e a janela.
— Sinto muito — balbuciou, nervosa — , mas estou acompanhada.
— Pois não tinha reparado — o outro rapaz comentou, irônico. — Onde ele está?
— E fingiu olhar debaixo da mesa.
— Ele... ele vai voltar a qualquer momento — respondeu ela, com os belos olhos
azuis, muito abertos e assustados, pregados neles, enquanto se esforçava para soltar a
mala.
Nenhum dos dois fez um gesto para ajudá-la.
— Se está com... alguém — disse o que parecia mais atrevido — , por que mudar
de lugar? Se for embora, ele não vai saber onde encontrá-la, não é? Vamos... pra que
tanto orgulho? Uma garota linda como você, sozinha numa cidade grande, vai precisar de
muitos amigos, e não encontrará ninguém melhor do que nós.
— Não, muito obrigada.
O rapaz riu e se inclinou para ela, tocando seu braço com um dedo ameaçador.
— Não venha com essa pose pra cima de mim, boneca. Conheço o tipo.
O vagão estava praticamente vazio. Um velho cochilava num dos bancos, e, um
pouco mais longe, duas mulheres também cabeceavam. Então, quando Alana procurava
assustada alguma pessoa que pudesse ajudá-la, a porta do vagão se abriu e um homem
alto, moreno e forte entrou com passos largos. Carregava duas latas de cerveja e um
pacote de sanduíches. Ela teve uma reação instintiva; ficou de pé e bloqueou a
passagem.
— Ah, querido! — exclamou numa voz insegura. — Como demorou!
Os rapazes imediatamente recuaram e desapareceram do vagão. Não era de
admirar. O homem transmitia uma sensação de força e de autoridade, e tinha quase o
dobro da idade dos dois.
Ele ficou imóvel e não disse uma palavra, só erguendo uma das sobrancelhas, em
sinal de surpresa. Ela se sentiu na obrigação de dar uma explicação:
— Desculpe, mas era o senhor ou o sinal de alarme.
— Da próxima vez, tente o guarda — aconselhou, lacônico, procurando se soltar
das mãos que agarravam seu braço. — Não me incomodo de ajudar, mas geralmente há
um guarda por aí.
Ela quase perdeu o equilíbrio e ele a fez se sentar de volta na poltrona e se sentou
em frente.
— Como não me lembrei disso? — murmurou Alana.

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Ele a observava, sério, e de repente ela se sentiu atraída por aqueles olhos. Eram
cinza-escuros ou negros, não tinha bem certeza, mas, quando pousaram nela, sentiu um
forte impacto, como um choque elétrico, um arrepio no corpo e um tremor nas pernas.
O que seria aquilo?
— De qualquer maneira, obrigada pela ajuda — conseguiu afinal dizer. — Não
quero prendê-lo; agora, ficarei bem.
Mas ele não se mexeu.
— Aqueles dois garotos evidentemente deram um susto em você. Conheço esses
tipos. Depois que farejaram, não desistem fácil; é provável que voltem. Para mim, não há
problemas em fazer um pouco de companhia.
— Mas... a sua bagagem... ?
— Não tenho.
— Mas, se veio do norte, deve ter pernoitado em algum lugar — disse ela, sem
pensar. — E onde estão seus pijamas?
— Não costumo usar.
— Oh!
O homem riu, e ela ficou muito vermelha, ao perceber o rumo que a conversa
estava tomando. Não sabia o que falar em seguida. Nem ousava olhá-lo. Tinha que achar
uma maneira de se livrar dele.
— Mas será que sua esposa não vai se preocupar?
— Também não tenho esposa.
— Puxa! Gosta mesmo de viajar sem problemas!
Percebeu que ele ria novamente, apesar de não poder vê-lo. Por que não
precisava olhar para ele para confirmar suas suspeitas? Por que estava tão segura das
reações daquele homem, um completo estranho? Tinha a sensação de que ele era uma
parte de si mesma, que antes lhe faltava! Devia ser o choque de há pouco a razão de
pensar tantas bobagens. Cada coisa absurda!
— Estou contente de ver que, pelo menos, não perdeu a presença de espírito —
comentou o homem, irônico. — Mas o que há de tão fascinante numa mesinha de trem?
A observação fez com que ela erguesse imediatamente a cabeça, e, apanhada de
surpresa, seus olhos foram novamente aprisionados pelos dele.
— Azuis... — murmurou o desconhecido. — Os únicos olhos assim tão azuis que já
vi foram os de minha mãe.
— Os seus são cinza — ela se ouviu respondendo, tímida, como se estivesse em
transe.
Tinha uma vaga ideia de outras características dele, como sua altura e corpulência,
e os cabelos castanhos. Parecia ser uma pessoa controlada e fria, e ter uns trinta e cinco
anos. Não admirava que os garotos fugissem! Aquele homem era tranquilo, mas dava
uma sensação de poder e força. Tinha mãos muito fortes, e ela estremeceu ao se lembrar
de que ele a havia tocado.
— Quando era mais jovem e a minha mãe ainda estava viva, eu costumava dizer
que, se algum dia encontrasse uma moça com olhos azuis como os dela, eu casaria e
teria muitos filhos.
Alana sentiu que sua respiração ficava irregular. Será que ele estava brincando
com ela? De repente, percebeu que o desconhecido podia ser infinitamente mais perigoso
do que aqueles dois garotos. Seu olhar parecia penetrá-la, fazendo-a sentir-se vulnerável.
Ele observava, fascinado, cada curva de seu corpo. Talvez achasse que, por ser
solteiro, tinha o direito de olhar para as mulheres quanto tempo quisesse. Gostaria que
parasse com aquilo! Estava cada vez mais envergonhada e com o coração tão acelerado
que mal conseguia respirar.

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Apertou os punhos, furiosa com a própria fraqueza. Ora, como Aiana Hurst, uma
moça muito equilibrada, já com vinte anos, podia deixar sua imaginação voar daquela
maneira? Dentro de alguns minutos, o homem iria embora e ela nunca mais o veria!
— Acho que, se casar com cada moça de olhos azuis que encontrar, logo vai ter
bem mais do que uma dúzia de filhos — comentou, de mau humor.
— Não sou assim ambicioso — respondeu ele, sorrindo e desviando o olhar. — É a
primeira vez que vai a Londres?
— Não. Já estive lá com meus pais.
Algumas vezes, quando a levavam de volta para a escola e ainda tinham dinheiro,
ficavam na capital mais alguns dias. Mas não precisava contar isso a ele.
— Então, é sua primeira viagem sozinha?
— Sim.
Ele colocou uma lata de cerveja diante dela. Automaticamente, Alana a abriu.
Nesse instante, o trem deu um longo apito, em sua disparada rumo à cidade distante.
— Está de férias?
— Não. — Tomou um gole da cerveja, que estava deliciosamente gelada.
Ele a olhou, muito interessado.
— Você sempre fala tanto? — perguntou, irônico. — Se acha que estou me
metendo em sua vida, por que não me diz? — Como Alana corasse violentamente, ele
explicou: — Só quero ser amável.
Será que ele sabia ser mesmo amável? Observando melhor aquela boca, viu sinais
de prepotência e força. O queixo forte e os maxilares firmes indicavam um homem
acostumado a lutar e a vencer as batalhas. Novamente, sentiu um arrepio percorrer todo
o corpo.
— Por favor, me desculpe — pediu, embaraçada. — Não estou passeando. Bem
que gostaria, mas vou procurar emprego.
— Ah! — exclamou ele, e ela não entendeu como conseguiu colocar tanto cinismo
naquela expressão. — Então, as luzes das marquises a atraem como atraem as
mariposas?
— Não, o senhor está muito enganado. — Baixou novamente os olhos para o
tampo da mesinha. — Eu preciso.
— Mas que declaração séria! As pessoas costumam confundir as coisas. Tem
certeza de que sabe o que está fazendo?
— Oh, sim, senhor... — Como ele não lhe dissesse seu nome, ela continuou a
falar, com um tom de amargura: — Se eu pudesse arranjar emprego em outro lugar, acha
que estaria aqui?
— Que tipo de trabalho procura? — Alana ia responder, mas ele a impediu com um
gesto. — Não. Deixe ver se adivinho.
Embaraçada por ser objeto de uma observação tão intensa, ela ficou imóvel,
esperando.
— Uma voz sedutora e doce, uma aparência encantadora, delicada e aristocrática
não sugerem pobreza, mas há alguma coisa que não consigo captar...
Quando ele parou, com uma ruga vincando a testa morena, Alana tentou evitar a
especulação:
— Se não se importa, prefiro continuar sendo um mistério. E também —
acrescentou, com um sorriso inconscientemente sedutor — as mulheres gostam de ser
misteriosas.
— Mas não são para mim.
Um homem daqueles devia ser muito perseguido, pensou ela, e imediatamente
teve vontade de desafiá-lo.
— E os homens preferem ser cínicos.

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— E com que autoridade diz isso? — perguntou ele, olhando-a com uma tal
seriedade que a deixou confusa. — Você ainda não tem vinte anos.
— Acabei de fazer.
— Já nem me lembro mais... — ele começou a dizer, mas calou-se, com um sorriso
meio zombeteiro. — Aos trinta e sete, ter um pouco mais ou um pouco menos de vinte
anos é a mesma coisa. Deveria estar na universidade, que é onde eu estava com sua
idade. Mas, como não está, deve ter uma carreira artística. Acertei?
— Sou cantora — confessou, atônita com a perspicácia dele, e dando a informação
sem querer.
Se pensava que ele ia se impressionar, estava enganada. Pareceu um pouco
surpreso, mas só.
— E sabe cantar?
Mas que coragem! Os olhos azuis de Alana brilharam de raiva.
— Mas é lógico que sei! Posso não ser a melhor, mas consigo ganhar a vida
cantando.
— Por que escolheu cantar?
Ela estava começando a se irritar com aquele interrogatório.
— Não achei nada melhor.
— E perdeu tempo procurando?
Agora, não tinha mais dúvidas quanto à desaprovação dele. Mas, afinal de contas,
o que aquele homem tinha com sua vida? Em Londres, nunca mais se encontrariam.
Verdade que ele era uma pessoa muito interessante, mas nem por isso Alana ia lhe falar
a respeito de sua família. Seria uma irresponsabilidade contar seus problemas a um
estranho.
Mesmo assim, sentiu uma forte necessidade de se defender:
— Eu cantava com um grupo em Manchester, quase sempre em boates. Então, um
dos membros do grupo casou e foi para os Estados Unidos. — Achou desnecessário
explicar que esse homem era seu irmão.
— Estava apaixonada por ele?
— Mas lógico que não! — respondeu, irritada, corando violentamente.
Ele olhou com cinismo para o rosto vermelho.
— As evidências revelam o contrário. Um grupo inteiro não se desfaz só porque um
dos membros sai. Provavelmente, ele podia ser substituído; senão em seu coração, pelo
menos no conjunto.
— São coisas que acontecem — murmurou Alana, sem querer contar que, sem a
proteção de Andrew, ficara inteiramente à mercê do chefe do conjunto.
Rick Portman há muito tempo a amava e estava esperando uma oportunidade para
conquistá-la. Se não tivesse aparecido uma pessoa para salvá-la, ele a teria agarrado à
força na primeira noite em que ensaiaram sozinhos. Será que estava sempre precisando
que alguém a salvasse?
— Se não podia mais cantar em Manchester, por que não desistiu?
— Está dizendo... desistir de minha carreira?
Ela continuava com olhos baixos, fixos na mesinha do trem, entre as duas
poltronas. Como poderia explicar a um estranho que seus pais estavam velhos e viviam
num mundo de sonhos, recusando-se a aceitar o fato de que só tinham uma pequena
renda para sobreviver? O pai de Alana nunca havia sido um homem prático e sempre se
deixara dominar pelo próprio pai, que, em troca de uma obediência cega, proporcionara a
ele e à família uma vida de luxo. Quando o avô de Alana morreu, quase sem dinheiro, o
pai dela estava na idade de se aposentar, completamente sem condições de assumir o
sustento da mulher e dos filhos.
Andrew tinha se esforçado, mas, apesar de bom músico, não era brilhante e não
conseguira muito; pelo menos, não até Alana se juntar ao grupo como cantora. Desde

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então, a situação financeira deles melhorou bastante. Ela mal havia terminado os estudos,
e, em pouco tempo, começou a fazer sucesso. Sua voz não era forte, mas era agradável
e quente, e as pessoas gostavam. Principalmente os homens, encantados com seu belo
corpo e com o rosto de linhas delicadas e puras. Com o dinheiro que os dois ganhavam,
conseguiam manter os pais com relativo conforto.
Então, Andrew conheceu uma moça de Nova York, e em poucas semanas já
estavam casados. Prometeu mandar dinheiro, mas, um mês atrás, escrevera contando
que Tally estava grávida e com sérios problemas de saúde, obrigando-o a gastar com o
tratamento tudo o que ganhava. Desesperada, pois os pais tinham feito grandes dívidas
Alana decidiu tentar carreira em Londres, em vez de continuar procurando emprego em
Manchester.
— Eu podia ter mudado de profissão — ela respondeu, depois de pensar alguns
instantes — , mas nenhuma pagava o suficiente.
— Suficiente para quê?
— Para viver. E... ajudar meus pais... de vez em quando.
Os olhos cinzentos não estavam mais suaves, quando ele falou:
— A desculpa de sempre. Por que não é bastante honesta para reconhecer que
quer dinheiro para si mesma? É surpreendente como os garotos imaginam que as ruas de
Londres são pavimentadas com ouro.
— Não sou mais uma garota!
— Isso eu já vi — foi o comentário cínico.
Alguma coisa na voz dele fez com que ela erguesse o olhar, intrigada. E, quando
seus olhares se encontraram, verificou-se novamente a mesma violenta atração entre
eles. Alana sentiu os nervos a flor da pele.
— E como pretende conseguir alguma coisa em Londres. — ele perguntou,
impaciente, sem tirar os olhos dos dela. — Não entende que há centenas de moças atrás
de trabalhos como o que você quer, todas com a ilusão de se tornarem famosas? A
competição é feroz. Não percebe que o preço pode ser muito alto?
— Pelo menos, todas têm a mesma chance.
— Você não tem mesmo juízo, garota! — Deu um sorriso de superioridade. — Na
maioria das vezes, o sucesso depende do que uma moça está preparada para dar. Pelo
menos isso já deve ter percebido, não?
Alana se lembrou imediatamente de Rick Portman e corou. Se não fosse a
proteção de Andrew... Só quando o irmão partiu é que percebeu o quanto precisava dele.
— Não sou assim ingênua — reagiu, indignada — mas acho que, como uma
porção de gente, está exagerando o lado negro do mundo artístico. Em outras profissões
isso também existe. Sei o que estou fazendo e não vai acontecer nada comigo.
— Bem, sua virtude, se é que ainda a possui, não é da minha conta. Se está
disposta a dormir por aí...
— Eu não durmo por aí!
— Então, talvez esteja na hora de começar a aprender. Será que adiantaria sugerir
que fique comigo durante algumas semanas?
— Não adiantaria, não! — Alana controlou-se para não lhe dar uma bofetada. Mas,
mesmo zangada, estava com o coração batendo selvagemente e, por mais que
parecesse absurdo, tinha a intuição de que apenas retardava o inevitável.
Ele continuou com uma frieza inacreditável no rosto másculo e orgulhoso.
— Como pretende conseguir fama e fortuna, agora que teve coragem para sair de
casa?
— O primeiro passo é não ficar escutando seus desaforos. Apesar de estar
agradecida pela sua ajuda, vou procurar outro lugar para me sentar, se não quiser ir
embora.

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Ficou de pé, mas não deu um passo. Lá estavam os atrevidos, no fundo do vagão.
Alana arregalou os olhos de susto, e o homem também olhou para ver o que tinha
acontecido.
Felizmente, quando o viram, os dois fugiram.
— Vai se juntar a eles? — perguntou o desconhecido, com um sorrisinho
zombeteiro.
— Não. — Alana sentou-se outra vez, vencida. — Sinto muito ter sido tão rude. Eu
agradeceria muito, se ficasse comigo até Londres.
— Não há problema. — Pelo tom, ele parecia se divertir com a situação. — Todos
nós às vezes somos rudes. E já percebeu que também seria mais seguro se saíssemos
juntos da estação. Eles podem resolver esperar. Não acho que pretendam lhe fazer mal,
mas rapazes entediados são capazes de qualquer coisa para se divertirem um pouco.
— É um risco que tenho que correr. — Alguma coisa lhe dizia que devia fugir
daquele estranho tanto quanto dos dois rapazes. — Pegarei um táxi.
— Para onde vai?
Seu primeiro impulso foi dizer a ele para tratar da própria vida, mas sabia que não
devia. Afinal ele a salvara num momento difícil.
— Encontrarei um quarto. Talvez o motorista do táxi saiba de algum. Senão... bem,
deve haver algum balcão para informações, ou algo assim...
— Meu Deus! Você mal saiu das fraldas! Não sabe que achar um quarto em
Londres é tão difícil como encontrar ouro nas ruas? A não ser que conheça alguém...
— Não conheço — disse ela, tentando parecer tranquila, apesar de estar a ponto
de explodir em lágrimas. Em que situação mais doida estava metida, tendo que ficar ali
sentada, escutando desaforos, sem coragem de sair.
— Escute — disse ele, depois de pensar um instante — Não sei por que, acho que
é meu dever oferecer ajuda. Acho que, se não fizesse isso, ficaria com um peso na
consciência abandonando-a sozinha. Pode ser que tenha toda essa experiência de que
fala, mas tem a aparência de uma menina ingênua, e essa é sua sorte.
Alana procurou ignorar o comentário e perguntou, séria:
— Está me dizendo que poderia me conseguir um quarto?
— Por coincidência, conheço um hotel que tem boate. É um dos melhores de
Londres, e estão sempre à procura de novos talentos.
— Acho difícil de acreditar...
— Não posso obrigá-la a acreditar — ele cortou como se para ele a opinião dela
não contasse — mas deve ter achado que tinha uma chance; senão, não teria vindo para
Londres. De qualquer modo, não garanto lhe arranjar um emprego. Isso vai depender de
você. Mas, se quiser, mando um bilhete para Milo Sachs, que é o diretor de shows do
Remax. Se ele gostar de você, pode fazer um teste.
Alana engoliu em seco.
— O sr. Sachs é... é seu amigo?
— Acho que é.
— O senhor é um desses caçadores de talentos? — Podia jurar que ele havia
sorrido. Encarou-o, desconfiada. — É ou não é?
— Oficialmente, não — respondeu, muito sério agora, e ela acreditou ter se
enganado. — Mas, no seu caso, estou sendo.
Alana não sabia o que pensar. Tinha ouvido falar do Remax Hotel... quem não
tinha? Era tão famoso quanto o Ritz ou o Savoy. Certamente, eles não se interessariam
por uma cantora obscura e jovem.
— Também trabalha lá? — perguntou ela.
Ele devia estar esperando a pergunta, pois respondeu imediatamente:
— Às vezes, quando eles têm falta de pessoal.

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— Compreendo — disse ela, mas na verdade não estava compreendendo nada. —


Espero que não me ache curiosa demais — acrescentou, preocupada — mas... bem, se
eu conseguir alguma coisa, vou querer agradecer.
— E se eu pedir mais do que está preparada para dar? — perguntou aquele
homem estranho. Quando Alana ergueu os límpidos olhos azuis, assustada, ele a
acalmou: — Calma, menina. Você pode me pagar fazendo um ótimo espetáculo. Senão,
Milo vai achar que eu fiquei maluco.
Que dia mais absurdo! Nunca tinha conhecido um homem tão frio! Com a estranha
sensação de estar sonhando, Alana o viu tirar um caderninho do bolso e escrever alguma
coisa. Depois arrancou a página, dobrou em dois e escreveu o nome de Milo Sachs em
cima. Em seguida, entregou a ela.
— Quem eu digo que me mandou? — perguntou Alana, segurando o papel como
se queimasse seus dedos.
— Está tudo escrito aí. Abra e leia.
Relutante, ela abriu. Guy Mason. Só havia este nome escrito no papel!
— Isto não é um bilhete — disse ela, atônita.
— É o bastante. Ele vai saber o que fazer.
— Espero que sim.
— Estamos chegando — ele comentou, ignorando sua expressão preocupada. —
Se quiser, eu lhe arranjo um quarto.
Alana estava tão distraída, que nem tinha percebido que chegavam a Londres.
Levantou-se rapidamente.
— Não, por favor, sr. Mason. Já fez demais!
— Não costumo fazer as coisas pela metade. — Observou-a com interesse e
depois pegou a mala dela. — Ainda não me disse seu nome.
— Alana Hurst. Mas tinha me dito que não existem quartos vagos em Londres.
— Não estou sugerindo que divida um comigo... ainda não. Mas posso arranjar um
para uma ou duas noites.
Ela não estava inteiramente confiante, pois havia um brilho diferente nos olhos
dele. Se nunca o tivesse conhecido, teria que se arranjar sozinha o problema era que,
agora, sentia que estava se apoiando quase desesperadamente nele.
— Eu... eu não posso pagar muito... — disse, ansiosa por frisar sua independência
dele.
— Não se preocupe. — Acompanhou-a pela plataforma. — Se Milo gostar de você,
poderá me pagar. E, se for mesmo boa, logo arranjará algo muito mais confortável do que
o lugar para onde vou levá-la. Além disso, existem outras maneiras de pagar, mas isso
fica para mais tarde...
— Mas... — Ela ia dizer que, mesmo que ganhasse um bom salário, teria que
mandar tudo que pudesse para casa. A chance de ser aceita era tão remota, que achou
inútil explicar tudo isso. Havia outras maneiras, como o sr. Mason insinuara, mas não
queria dever nada a ninguém. Já não era bastante ruim ter que saldar as dívidas dos
pais?
Seu sobressalto cresceu, quando ele insistiu para que tomassem um táxi. Fora do
trem, ele parecia ainda mais autoritário, e isso, combinado com seu físico atlético, não
deixava a ela nenhuma chance de se rebelar.
Devia estar louca, pensou, fechando os olhos, enquanto seguiam de táxi através de
Londres. Gostaria que ele não agisse como um comprador potencial diante de um quadro.
Conhecia os sintomas porque era uma frequentadora assídua de galerias de arte.
A atitude dele e a maneira de olhá-la lembravam as de alguém que acaba de descobrir
uma obra-prima. Provavelmente estava pensando na gratidão do amigo Milo, se ele
descobrisse um talento.

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Guy Mason não interrompeu os pensamentos dela até entrarem numa rua
sossegada e pararem em frente a uma casa grande, mas simples. Uma mulher idosa
abriu a porta.
Andava apoiada numa bengala e pareceu surpresa quando viu quem era.
— Ora, viva! — exclamou, arregalando os olhos. — Há quanto tempo não aparece
por aqui, sr. Guy!
— Eu sei, Joan. Tenho andado muito ocupado. Sabe como é...
— Trabalhando duro, como sempre?
Ao ver os dois conversarem sem pressa, Alana olhou preocupada para o táxi, que
ainda esperava. Talvez aquela corrida acabasse ficando cara e, como o sr. Mason não
parecia ter muito dinheiro, a situação poderia se tornar desagradável. Estava tentando
encontrar uma maneira delicada de dizer isso, quando ele perguntou:
— Tem um quarto sobrando, Joan? Será que não pode alugar para esta mocinha?
— Apresentou-a rapidamente. — Ela não tem para onde ir.
— Não estou mais alugando, o senhor sabe — respondeu a mulher, hesitante.
— Só esta vez? — ele pediu, sorrindo para a velha. Humilhada com aquele ar
subserviente dele, Alana imediatamente reagiu e disse que procuraria outro lugar.
— Não vai fazer nada disso — falou Guy, com autoridade. Virou-se para Joan. —
Será só por uma noite; duas, no máximo.
— Nunca diria não ao senhor, sabe disso. Esse sempre foi o meu problema.
— Ótimo — ele respondeu, rindo. — E não se esqueça, nada de conversa; a srta.
Hurst precisa de um sono de beleza. — Virou-se então para ela. — Boa sorte, senhorita.
— E não demore tanto tempo para aparecer — disse Joan, enquanto ele se
afastava.
— Não vou demorar.
Alana não tinha se recuperado da surpresa, enquanto seguia a sra. Brice escada
acima, depois de pegar sua mala. Quase se beliscou para ter certeza de estar acordada.
Como saber se podia confiar em Guy Mason ou naquela mulher? Ela parecia
bondosa e honesta, mas as aparências enganam!
O quarto era agradável e tinha uma pequena cozinha ao lado.
— É quase um pequeno apartamento — disse a mulher. — Eu costumava alugá-lo,
mas meus últimos inquilinos me deram tantos problemas que resolvi desistir. No entanto,
não posso negar nada ao sr. Guy.
— É muita bondade sua. Eu detestaria incomodar a senhora. Costuma ajudar o sr.
Mason?
— Senhor o quê? Ah, sei... — A sra. Brice por um instante pareceu surpresa. —
Não. Para falar a verdade, é a primeira vez que ele me pede um favor assim.
Alana pôs a mala ao lado da cama. Gostaria de fazer mais perguntas sobre Guy
Mason, mas achou que seria uma indiscrição. Sorriu para a outra e percebeu que era
examinada com atenção
— Agora mesmo eu ia fazer um lanche — disse a mulher. — É só uma salada e
presunto, mas tenho o bastante para nós duas. Quer me fazer companhia?
Alana aceitou, agradecida. A velha sorriu maternalmente, e as duas desceram a
escada novamente.

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Capítulo 2

No dia seguinte, depois do almoço, Alana foi ao Remax Hotel, sentindo-se muito
apreensiva. Teria ido mais cedo, mas a sra. Brice aconselhou-a a esperar.
— O sr. Sachs se deita de madrugada, minha querida. Vai acabar perdendo seu
tempo.
A velha era muito amável, mas, apesar de conversar bastante, parecia não querer
falar sobre Mason. A única coisa que disse foi que tinha sido cozinheira da mãe dele.
Apesar de idosa, ainda era bastante ativa. Na véspera, tinha esquentado uma sopa
e feito um enorme bule de chá, para acompanhar a salada e o presunto. Naquela manhã,
insistiu em convidar Alana para o café e não aceitou nenhum dinheiro.
— Não, não estou ofendida, meu amor — disse ela. — Mas acertarei tudo, mais
tarde, com o sr. Mason.
Disse onde Alana poderia comprar comida até o dia seguinte, quando pretendia
encontrar outro lugar para morar permanentemente. Apesar dos protestos da mulher,
Alana trouxe um pouco de frango e algumas cerejas de presente, o que pareceu lhe
agradar bastante.
Achou facilmente o Remax Hotel, seguindo as instruções da sra, Brice. A fachada
era sólida e discreta, e o interior, realmente luxuoso.
Um pouco intimidada por causa de suas roupas simples e da capa de chuva usada,
Alana perguntou na recepção como poderia falar com o sr. Sachs, recebendo um olhar de
superioridade de uma das elegantes moças que a atenderam.
— Tem hora marcada? Ele sabe que a senhorita vem?
— Não exatamente.
— Receio que não a receba sem ter marcado uma entrevista.
— Eu... eu tenho um bilhete. — Nervosa, procurou a folha de papel dentro da
bolsa.
Entregou à moça, que hesitou um instante, mas chamou um mensageiro do hotel.
— James — disse ela, com voz aborrecida — , entregue isto ao sr. Sachs e veja se
há resposta.
Alana esperou, ansiosa. Quando o rapaz voltou, fez um gesto para que ela o
seguisse imediatamente.
— Por aqui — disse ele, parecendo um pouco agitado. Provavelmente, o sr. Sachs
estava de mau humor, pensou Alana, preocupada. Bem, se ele não a quisesse, ela
procuraria em outros lugares.
O hotel era imponente. Só aqueles tapetes deviam ter custado uma fortuna. Os
donos deviam ser milionários!
O escritório do sr. Sachs era pequeno e modesto, em comparação com os salões
de entrada, mas ela não se preocupou com isso. Tremia de medo, quando enfrentou o
poderoso diretor dos shows. Era um homem ainda jovem, de meia altura, com um ar de
estrangeiro. Quando o mensageiro fechou a porta e foi embora, ela se sentiu mais tímida
do que nunca.
— Diga-me, querida — falou o sr. Sachs, mal levantando os olhos do jornal que lia.
— Qual é sua experiência?
Ela contou brevemente, e depois explicou:
— O homem que encontrei no trem, o que me deu esta apresentação... espero que
ele não... não tenha abusado, mandando-me aqui.
O sr. Sachs largou o jornal com um riso divertido.

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— Guy tem a mania de se meter no que não é da conta dele, e sabe muito bem
que às vezes eu não gosto muito.
Que coisa estranha de se dizer! Alana estava espantada.
— Ele dava a impressão de estar acostumado a ser obedecido. — Ela acrescentou
— mas eu prefiro ser aceita por minhas qualidades. Isto é, não quero que ele influencie
seu julgamento.
— Não? — ele perguntou sarcástico.
Havia alguma coisa esquisita, pensou Alana. A afirmação seguinte foi tão ambígua
que ela se sentiu ainda mais confusa:
— Vamos ver se realmente sabe cantar; depois, conversaremos.
— Obrigada.
Ele a olhou, agora com curiosidade, e recomendou:
— Acho melhor tirar a capa. Não é importante ver sua figura, por enquanto, mas
gosto de ter uma impressão global.
— Sim, sr. Sachs. — Abriu a fivela com mãos trêmulas. Ele a deixava nervosa,
olhando-a com tanta atenção.
— Pode me chamar de Milo — disse ele, levantando-se devagar. Um pequeno
conjunto estava ensaiando, quando entraram no salão fracamente iluminado. Houve
silêncio, enquanto o sr. Sachs a apresentava. Pediu que ela escolhesse uma música e
depois pediu para que o conjunto tocasse. Esperou que ela se acalmasse e mandou que
começasse a cantar.
— Acho que, com um pouco mais de trato, você vai servir, querida. Vamos voltar
ao meu escritório, para conversarmos — convidou, assim que ela terminou a canção, e
Alana percebeu que estava surpreso.
Grata pela cooperação dos músicos, ela sorriu para eles. Pareciam ter percebido
que seu futuro estava em jogo, e tinham colaborado.
Chegando ao escritório, Milo telefonou pedindo café. Enquanto esperavam, fez
algumas perguntas.
— Você precisa de mais prática, Alana, mas tem algo especial, que me agrada.
Não tem uma voz forte, mas é agradável e surpreendentemente sexy. Digo que é
surpreendente porque você tem uma aparência muito ingênua. — Como Alana olhasse
para ele sem compreender, explicou: — Vai ter que comprar novas roupas, e o rosto e os
cabelos precisam ser tratados, também. Seus cabelos — chegou mais perto para ver
melhor — são simplesmente sensacionais! Nunca vi uma cabeleira loura tão farta. Pode
deixar tudo por minha conta.
Com a xícara de café na mão, Milo andou em volta dela, parecendo encantado.
— Não ligue para mim — disse, rindo do espanto da moça. — Fico sempre assim
agitado, quando alguma coisa sai melhor do que eu tinha imaginado.
Comentou que a vida preparava grandes surpresas, mas ela não entendeu metade
do que dizia. Só queria que a convidasse para se sentar, pois estava ficando exausta.
Nunca pensara que seria tão fácil encontrar trabalho, e agora achava que tinha
sido uma sorte conhecer Guy Mason no trem. Sabia de ótimas cantoras que ficavam
meses sem conseguir trabalho.
— Quer dizer que vai me aceitar? — perguntou, finalmente.
— Sim, srta. Hurst. Pelo menos, vamos tentar. — Milo sorriu encorajadoramente
para ela. — Mas não creio que teremos problemas. Guy é incrível para descobrir talentos!
— Acho que esta é uma das razões de... — Calou-se de repente.
— Razões de quê? — perguntou Alana, ao ver que ele estava um pouco sem jeito.
— Nada. Vamos esquecer Guy, pois temos muita coisa para combinar. Ainda é um
pouco verde, embora tenha uma boa aparência e saiba cantar.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Havia alguma coisa no ar que ela não entendia. Ele estava sendo tão vago a
respeito de Guy Mason como a sra. Brice. Mas, afinal de contas, por que precisava saber
mais sobre um homem que a tinha perturbado tanto? Se nunca mais o visse, melhor.
Finalmente, Milo mandou que se sentasse. Quando ele pegou uma folha de papel,
o telefone tocou.
— Sim? OK, OK... — Desligou, obviamente irritado com a interrupção. — Preciso
atender uma pessoa, mas não saia daí — disse, se levantado. — Volto logo.
Depois que ele saiu, Alana tentou relaxar e assimilar o incrível fato de que tinha
realmente conseguido um trabalho! Nesse instante, a porta se abriu e Guy Mason entrou.
— Oh! — murmurou ela, sentindo imediatamente a magia da véspera. Era
alarmante, pois os olhos dele brilhavam intensamente, tornando-a inteiramente
vulnerável. Ficou sem fôlego, quando o olhar dele pousou em seus lábios, e, por incrível
que parecesse, sentiu a boca vibrar, como se ele a tivesse beijado. — Tem certeza de
que pode entrar aqui? — ? perguntou, alarmada.
Guy ainda estava usando jeans, mas tinha trocado a camisa. Sua roupa nada
formal a fez pensar sobre qual seria seu trabalho.
— Vim ver o que tinha conseguido — disse ele. — Teve sorte?
Apesar de abalada e violentamente atraída por aquele homem belo e viril, ela
respondeu com o máximo de firmeza na voz:
— Acho que sim. Milo foi chamado por alguém, mas, antes de sair, ele me disse
que eu sirvo.
— Foi isso mesmo que pensei.
— Não parece muito satisfeito — comentou, percebendo que alguma coisa o
aborrecera.
Ele então se aproximou de uma foto na parede, que mostrava uma dançarina
praticamente nua.
— Gostaria de se apresentar assim?
Alana nem tinha prestado atenção à foto, mas agora seu rosto ficou muito
vermelho.
— Não, é lógico que não!
— Para uma moça que canta em boates, você parece extremamente inocente —
disse, desconfiado.
— Eu pareço o quê?
— Inocente! — repetiu, exasperado.
Chocada com a súbita mudança nele, ela se sentiu revoltada. Podia ter conseguido
um emprego para ela, mas isso não lhe dava o direito de insultá-la. Não se conheciam
nem há vinte e quatro horas!
— Pode ser que eu cante em boates, mas não costumo dormir por aí. Parece que
já lhe disse isto mesmo ontem à noite.
— Talvez eu queira ter certeza.
— Pois pode ter!
— Já pensou que, se trabalhar aqui, Milo pode exigir que use roupas parecidas
com as dessa moça?
— Eu me recusaria! — disse, orgulhosa, enquanto Guy Mason se aproximava.
— Alguns vestidos podem ser provocantes sem que você perceba. E Milo sabe ser
muito envolvente, quando é de seu interesse.
— Se está tão preocupado, não entendo por que me deu este endereço.
Os dois se mediram friamente com o olhar. Alana estava ciente da profunda
irritação dele, embora não entendesse a razão. Mas logo a irritação passou e a magia
voltou.

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Guy chegou bem perto, tão perto que ela sentia seu hálito quente. Alana ficou
assustada a ponto de ter vontade de gritar. Mas o olhar ardente daquele homem a
deixava indefesa e sem voz.
Ele colocou as mãos em seus ombros.
— Talvez eu esteja mesmo arrependido de mandá-la para cá. Antes que Milo volte,
queria convidá-la para jantar comigo hoje.
Como podia pedir que saísse com ele, depois de ter dito as coisas que acabara de
dizer?
— Acha que eu me divertiria? — perguntou Alana, friamente.
— Tenho certeza.
— Tem muita autoconfiança.
— Não tenho, não. — As mãos fortes deslizaram dos ombros para o pescoço dela;
depois, ergueram seu queixo, fazendo com que o encarasse. — Sei o que quero, o que
não é bem a mesma coisa.
Havia algo em sua voz que a assustou, mas foi o contato das mãos dele que lhe
provocou um arrepio na espinha.
— Mas não sabe o que eu quero — ela respondeu, sentindo o fôlego faltar.
— Pois posso sentir seu coração batendo — disse ele, malicioso, pondo um dedo
sobre uma veia do pescoço que pulsava loucamente. — Está sendo traída por ele...
Guy estava passando da conta! Zangada, Alana libertou-se. Acreditava que era a
raiva que a fazia tremer.
— Terei antes que pedir ao sr. Sachs — respondeu, sem perceber que já havia
capitulado. — Pode ser que ele queira que eu comece a trabalhar hoje.
— Não, Alana, ele não vai querer. Talvez, no fim de semana, mas não esta noite.
Você não pode estrear num lugar destes sem ser preparada cuidadosamente.
— Como sabe?
— É o modo habitual de se proceder, minha cara. Já vi acontecer outras vezes.
Lógico que sim, se trabalhava lá, pensou ela.
— Não confio no senhor, mas acho que não devo recusar um convite seu, pois lhe
devo muito.
— Daqui a algumas semanas, talvez não ache que me deve tanto — disse Guy
Mason, misteriosamente.
Aflita sob aquele olhar e se recusando a acreditar que seu futuro não fosse cor-de-
rosa, ela perguntou:
— Não acha melhor voltar a seu trabalho? Não gostaria que perdesse o emprego
por minha causa.
— Oh, não há perigo.
Olhou-o, intrigada.
— Deve ter um chefe muito camarada. É... uma mulher?
— Ainda não... mas, quem sabe, um dia será.
Obviamente, ele se ressentia de as mulheres cada vez mais ocuparem cargos de
destaque. Imediatamente, Alana sentiu uma forte simpatia por ele. Como devia ser difícil
para aquele homem receber ordens! Parecia tão orgulhoso!
— Quem sabe, seria melhor que também tentasse vencer na vida — disse ela,
docemente.
— É uma boa ideia. Vou buscá-la às sete, está bem?
— Espero já estar de volta. Durante o resto do dia, vou procurar um quarto para
mim.
— O que há de errado no quarto que tem agora?
— Nada. É até muito bom, mas a sra. Brice está velha, e tenho a impressão de que
estou me impondo a ela.
— Ela disse alguma coisa?

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— Não.
— Então, eu não me preocuparia em procurar outro quarto. Fique lá, por enquanto.
Se Milo achar que você serve e assinar um contrato conosco... isto é, com o hotel, vai se
mudar para cá.
As coisas estavam acontecendo depressa demais e ela começava a se sentir
zonza.
— Não sei se gostaria disso. Pode não ser sensato.
— Logo mudará de ideia, quando souber o que eu... o que Milo está preparando
para você. Seria capaz de apostar meu último tostão como não vai resistir.
Antes que Alana pudesse protestar por ver sua vida dirigida assim, Milo voltou, e
ela mordeu o lábio. Não era vingativa e tinha medo de que Guy Mason se metesse em
encrencas, se Milo soubesse que ela estava a par de coisas que não devia saber ainda.
— Alo, Guy. Estavam renovando o conhecimento? — perguntou, olhando de um
para o outro.
— De certa maneira — concordou Guy. — Vim saber o que achou dela.
— Ela nasceu ontem, mas vai ficar ótima, depois que eu der um jeito nela.
Por um instante, Alana teve a impressão de ver um brilho de irritação nos olhos de
Guy. Mas logo ele se controlou.
— Vá com calma, sim, Milo? Ela não é tão sem atrativos, como está agora.
Como aqueles dois ousavam falar essas coisas, como se não estivesse presente?
No minuto seguinte, Guy Mason tinha ido embora e Milo parecia confuso.
— Eu... espero que não pense que eu o encorajei — disse Alana.
No mesmo instante, Milo sorriu, e ela teve a impressão de que ria dela!
Naturalmente, porque Guy Mason nunca se interessaria por uma moça assim jovem e
inexperiente.
Mas, se Milo tinha achado graça, agora estava sério.
— Não está entendendo metade do que acontece, querida. Isso tudo pode causar
muitos problemas. Guy não sabe o significado de ser encorajado. Ou ele gosta ou não
gosta de uma garota. E, se gosta, ela não tem chance. Ele a toma, até se cansar dela;
depois, com o coração partido, sua carreira é que sofre. E não quero que isso aconteça
com você.
— Ele tem muitas namoradas? — perguntou Alana, deprimida.
— Não. Não digo que seja um monge, mas já faz alguns anos que não tem
nenhuma fixa. É por isso que estou preocupado com seu súbito interesse em você. Além
de tudo, não seria conveniente.
— Não acredito que o sr. Mason esteja realmente interessado numa moça como eu
— disse Alana, procurando afastar a angústia que sentia. — Mas, supondo que sim, qual
seria o inconveniente?
— Quando contrato uma cantora, quero que ela seja dedicada à sua profissão. Se
quiser ter um amante, não tenho nada contra, desde que ele não se meta em sua carreira.
— E acredita que o sr. Mason faria uma coisa dessas?
— O sr. Mason é um assunto inteiramente diferente!
Milo estava sendo muito evasivo. Alana não compreendia, e ele parecia não ter
intenção de explicar. Será que Guy Mason sabia alguma coisa sobre Milo que fazia com
que ele ficasse em seu poder?
— O que o sr. Mason faz aqui?
— Ah... várias coisas — foi a resposta vaga. — Ele percorre a cadeia de hotéis,
vendo uma coisa e outra, ajudando onde é necessário.
— Que emprego estranho! — comentou, percebendo que ele lhe escondia a
verdade e se sentindo muito irritada.
Milo parecia ansioso para mudar de assunto, e começou a falar sobre seu contrato.
Os termos eram aceitáveis e o ordenado, maior do que esperava.

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— Quando vou começar?


— Na semana que vem — respondeu, confirmando o que Guy Mason havia dito. —
Mas temos muito que fazer antes disso.
Alana olhou para ele, preocupada.
— Suponho que... Não poderia me dar um adiantamento?
— Adiantamento? De quanto?
Ela corou, muito envergonhada de pedir.
— Eu ficaria muito grata se me arranjasse quinhentas libras.
— Quinhentas libras! Tem dívidas ou quer comprar alguma coisa?
O que seria melhor? Ou o que soaria mal? Se dissesse que queria fazer compras,
ele seria capaz de recusar. Decidiu falar a verdade:
— É para pagar uma dívida.
— Compreendo. . . Bem, não sou Papai Noel. Tenho que falar com a gerência.
— Seria confidencial? — perguntou, aflita.
— Naturalmente.
Alana gostaria de contar a ele que o dinheiro era para os pais, mas, como sempre,
se calou, defendendo-se da opinião dos outros. Não era culpa deles, se não sabiam se
controlar, mas só ela e Andrew tinham pena dos dois. Os amigos viviam criticando a falta
de juízo dos velhos.
Quinhentas libras dariam para pagar as dívidas mais prementes, e Alana esperava
que Milo conseguisse o dinheiro.

A sra. Brice ficou satisfeita com as novidades e concordou em que ela conservasse
o quarto por mais algum tempo. Alana nem precisou pedir, a própria mulher ofereceu:
— Não vou dizer que me sinto só ou que preciso de dinheiro, mas você é uma
moça muito simpática, e sinto que está mais protegida a meu lado.
— O sr. Sachs gostaria que eu me mudasse para o hotel, mas prefiro ficar aqui.
Não sei com certeza se poderei decidir sozinha; se puder escolher, ficarei com a senhora.
Dividiram um bule de chá e um bolo que Alana tinha trazido, e a moça contou sobre
a audição e como todos foram gentis com ela.
Então se lembrou de que ia sair para jantar e de...que suas roupas ainda estavam
na mala, o que significava que precisaria passar um vestido.
A sra. Brice não comentou nada, quando soube que Alana ia sair com Guy Mason.
Quando desceu, às sete em ponto, ficou surpresa, ao ver que ele já estava lá,
conversando com a velha, sentado à mesa da cozinha. Não tinha ouvido a campainha da
porta.
— O sr. Guy chegou adiantado — disse a sra. Brice, sorrindo e a campainha está
estragada, lá em cima.
— Ela vai se mudar muito breve para o hotel — disse Guy.
Alana estava muito zangada, quando ele a acomodou no táxi que os esperava.
— Como pode ter tanta certeza de que vou para o hotel? Não resolvemos nada
ainda.
— Antes de sair, escutei uma conversa — explicou ele. — Vai se mudar para lá
neste fim de semana.
— Posso recusar — disse ela, fingindo uma autoconfiança que não sentia.
Guy olhou-a friamente, e Alana não compreendeu sua atitude.
— Acho que não está em posição de desobedecer — disse ele, secamente.
— O que quer dizer? — Os olhos azuis traíam toda sua apreensão. Será que Milo
tinha contado sobre o adiantamento?
— Preciso explicar? Não seria fácil conseguir outro emprego. Milo gostou de sua
voz, mas talvez nem todos gostem. Você tem sorte; poderia tentar uma dúzia de lugares e

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não conseguir nada. — Naturalmente, isso era verdade. — E também — continuou ele
sem pena — , mesmo que a sra. Brice tenha concordado em hospedá-la, já pensou o que
significa sair do trabalho de, madrugada, e encontrar algum homem à sua espera?
— Isso não vai acontecer.
— Pois acontece muitas vezes. E já pensou também no que vai gastar com táxis?
No Remax é tudo por conta da casa.
Ele tinha razão. Devia mesmo ser mais econômico viver no hotel e seria tolice
recusar casa e comida de graça, pois teria mais dinheiro para mandar para casa.
— Acho que faz sentido — concordou. — Sempre morei com meus pais e acho que
estava gostando de ser independente. — Suspirou, ao se lembrar dos pais. — Também
mora no hotel?
— Quando estou por aqui. É bem mais prático.
— Milo me disse que viaja muito.
— Milo fala demais.
— Não acho. Acho que é até simpático. Na verdade, estou adorando trabalhar para
ele.
— Desde que você se preocupe mesmo com o trabalho... Parece que Sachs já tem
noiva.
— Só pensa o pior de mim, não? Quantas vezes tenho que repetir que não estou
interessada nesse tipo de coisa?
— Não está?
— Tenho que pensar em minha carreira — disse ela, friamente.
— Naturalmente — ele comentou, com sarcasmo.
Alana não se deixou influenciar pelo mau humor de Guy. Na véspera, ele havia
sido frio e zombeteiro, mas nesse dia estava diferente. Ela não sabia mais o que pensar!
Fez um grande esforço para mudar de assunto e evitar uma discussão.
— Aonde está me levando?
— Ao lugar mais caro que encontrei. Uma moça como você merece o melhor. Se
receber menos, o homem corre o risco de não vê-la nunca mais...
— Se pedir ao motorista para parar, eu gostaria de descer — pediu, profundamente
ofendida.
— Mas o que foi que eu disse agora? — perguntou ele, fingindo inocência.
— Insinuou que eu me entregaria ao lance mais alto!
— E não? — Riu da indignação dela e, de repente, segurou-a brutalmente pelo
pulso. — Tudo bem; talvez eu esteja sendo um pouco duro com você, mas, se estiver me
fazendo de bobo, vai se arrepender!
— Não estou fazendo ninguém de bobo! — protestou Alana, tentando inutilmente
se libertar, ao mesmo tempo que se sentia cada vez mais perturbada por ele. — Mas
também acho essa conversa ridícula. Você não é meu dono!
— Ainda não — ele respondeu, sorrindo.
De que adiantava falar? Indefesa, observou quando ele levou seu pulso aos lábios
e começou a beijar a pele macia. Quando a soltou, afinal, toda a vontade de lutar tinha
desaparecido.
— Francamente, preferia que não gastasse tanto dinheiro comigo. — Alana pediu,
suave. — Eu me contentaria em ir a uma lanchonete.
— Mas eu não.
Ela achou melhor não insistir. Mesmo que não fosse rico, ele tinha uma aparência
aristocrática e arrogante. E, por mais que a irritasse, ela não pisaria mais em seu orgulho.
Quem sabe ele não tivesse mais do que se orgulhar no momento? Portanto, talvez fosse
melhor deixá-lo fazer o que quisesse. Provavelmente, ela e Guy tinham mais em comum
do que pensara a princípio...

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Mas quando olhou rapidamente para ele, com um sorriso conciliador nos lábios, o
sorriso logo desapareceu, ao sentir que a atração entre eles era cada vez maior.
Seu coração disparou e ela tentou se afastar um pouco. Precisava pensar em seu
emprego; não podia se envolver com ninguém.
Guy olhou-a, zombeteiro.
— Não precisa se encolher toda. Se eu quisesse possuir você, não seria dentro de
um táxi...
Com o rosto em brasa, ela sentiu a raiva voltar.
— Devo muito a você, mas minha gratidão não chega a tanto. Se está esperando
isso, perde seu tempo.
— Eu seria o último a tirar vantagens de sua gratidão — respondeu ele,
subitamente muito zangado. — E seria mais sensata se tomasse cuidado com o que diz.
Existe alguma coisa entre nós, e sei que está consciente disso. Não posso ainda dizer o
que é. Mas sei que há uma forte atração. E tenho certeza de que algum dia vai me
desejar tanto quanto eu a desejo... e, quem sabe, vai até implorar para que eu a ame.
O que poderia fazer, a não ser repetir o que já havia dito inúmeras vezes? Que não
era esse tipo de moça.
— Não se preocupe. Não acho que uma atração dure muito.
— Talvez. Mas não pode ser ignorada.
— Prefiro esperar e me apaixonar para toda a vida — afirmou ela. — Não quero ter
uma aventura.
— Está falando de casamento.
— Sim,
— O que me diz do incrível número de divórcios?
— Se as pessoas se casam com dúvidas como as suas, não admira que acabem
se separando. Deve-se dar uma chance a qualquer relacionamento.
— Já que é tão esperta, como acha que um homem deve agir, se quer ter uma
relação satisfatória com uma cantora de boate, mas não pretende casar com ela?
Aquilo a magoou, e ela tentou ignorar a ofensa,
— Prefiro não responder. — Ficou aliviada, ao perceber que o carro parava na
porta de um restaurante.

Capítulo 3

O restaurante onde Guy Mason a levou podia não ser o mais caro da cidade, mas
devia ser um dos mais chiques. Alana não conhecia Londres muito bem. Conhecia o Hyde
Park, o zoológico, alguns teatros, museus, poucas galerias de arte, e era tudo.
Tomaram um aperitivo no bar e levaram outro para a mesa, onde estudaram o
cardápio. Alana não conhecia metade dos pratos e teve que pedir a opinião de Guy. Ele
parecia ser um gourmet, e a refeição foi um sucesso. Ou melhor, teria sido, se Alana não
estivesse preocupada com a conta.
— Pare de se preocupar! — disse ele, quando ela recusou uma sobremesa com
morangos, frutas que estavam fora da estação. — Estou me sentindo extravagante, esta
noite, mas pode ficar sossegada, tenho bastante dinheiro.
— Pode rir, se quiser, mas, com o que estamos gastando esta noite, eu poderia
viver quinze dias!

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— Onde gasta seu dinheiro? — perguntou Guy, examinando o vestido simples que
ela usava.
Era bonito e lhe caía bem, mas não era caro. Alana sentiu o rosto em fogo. Nunca
tivera dinheiro para gastar em roupas, pois entregava todo o salário aos pais e só recebia
alguma coisa de volta para as despesas do dia-a-dia. Por isso, não conseguia nunca
economizar um pouco para comprar algo mais elegante. O vestido que usava naquela
noite tinha sido comprado numa liquidação e. comparado aos das outras mulheres, era
muito modesto.
— Posso garantir que não gasto em restaurantes de luxo — foi a resposta pouco
esclarecedora.
Guy não ia permitir que ela escapasse da pergunta com tanta facilidade. E o brilho
de aço daqueles olhos não deixava dúvidas.
— Posso calcular o preço do vestido que está usando, e você não usa joias —
disse ele, parecendo intrigado.
— Se eu usasse todas as joias que tenho — respondeu Alana, procurando levar a
pergunta para o lado da brincadeira — nem poderia entrar no táxi.
— Está querendo dizer que não tem joias?
— Quem sabe, terei, quando começar a trabalhar. Quem sabe, até vou conquistar
um cliente rico!
— É o que planeja? — perguntou ele, aparentando não ter achado graça.
— Imagino que tenho que me concentrar em meu trabalho. Primeiro, a obrigação; o
prazer vem depois.
Tinha se recusado a beber vinho, depois dos dois aperitivos, e Guy parecia agora
tenso, enchendo novamente o próprio copo. Mas Alana queria ter a mente clara, junto de
Guy Mason. Um simples olhar dele a abalava tanto, que precisava de todas as forças
para enfrentá-lo. De repente, seu olhar caiu no relógio que ele usava. Podia jurar que era
de ouro! Sua curiosidade foi mais forte do que a discrição:
— Em que você trabalha?
— Sou assistente da gerência.
— Assistente?
— Não achou que eu lavava pratos, creio.
— Não! — respondeu ela, rindo. — Mas o que faz, exatamente?
A voz dele era tão casual que ela nem pensou que Guy pudesse estar escolhendo
palavras:
— Grandes estabelecimentos, como o Remax, têm todo tipo de problemas. Para
resolver alguns deles, precisam chamar outras pessoas.
— Isso explicava suas viagens.
— Se sua curiosidade está satisfeita, do mesmo modo que o apetite, srta. Hurst,
vou pagar a conta e vamos embora.
Lá fora o ar estava agradável e frio, e logo Guy acenou para um táxi. A noite tinha
terminado e ele a levaria para casa.
— Obrigada pela noite agradável — disse ela.
— Espere até estar acabada — foi a resposta imediata.
— E não está?
— Não. Agora vamos dançar um pouco numa boate, para que você veja o que
existe em Londres.
— Oh, não sei se...
— Não tem que saber nada. Vai gostar, aposto.
"Recuse", seu instinto de mulher a advertia, enquanto o coração enviava
mensagem oposta. Cada vez mais, ela se sentia envolvida por aquele homem tão
dominador e másculo. Mas o que ele podia querer com ela? Talvez, uma aventura
passageira, pois seria ingênuo imaginar que aquele interesse durasse muito. Mas estar

18
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ciente do perigo era essencial, e não haveria nada de mais em aceitar o convite só aquela
vez.
A boate estava à meia-luz. Guy pediu as bebidas e depois segurou-lhe a mão. O
primeiro show da noite estava no meio. Uma mulher cantava, iluminada por um facho de
luz, a atenção da sala repleta dirigida para ela. Era uma bela moça, que acompanhava o
ritmo da música com leves movimentos do corpo. Imediatamente, Alana sentiu-se
deprimida, pensando que gostaria de poder escolher uma carreira menos pública.
Apreensiva, procurou os olhos de Guy, só para descobrir que ele já a olhava.
— Com medo? — perguntou, zombeteiro.
— Sim e não — respondeu, não desejando que ele percebesse a verdade. —
Afinal, eu já devia estar acostumada.
A moça terminou o show e se retirou sob aplausos calorosos. Logo a pista de
danças estava novamente cheia, e só quando a cantora parou ao lado de sua mesa Alana
percebeu que ela conhecia Guy.
— Como vai, Guy? — disse com voz sensual, pondo as mãos, com unhas longas e
vermelhas, sobre as dele. — Há quanto tempo!
— Tenho andado ocupado — respondeu, levantando a mão dela até os lábios, num
movimento rápido e galante.
Logo a moça se afastou.
— Você diz a mesma coisa a todas? — perguntou Alana, impaciente.
— Todas? — Guy olhou para seu rosto corado.
— Que tem andado ocupado.
— É uma desculpa inofensiva. Evidentemente, não com a sra. Brice. Ela é
diferente.
— Você a conhece bem? — perguntou Alana, os olhos presos à figura da cantora,
que se afastava, ingenuamente revelando o ciúme que sentia,
— Gostou dela? — desconversou Guy.
— Não dá para julgar bem, ouvindo só metade de uma música, mas parece boa.
Tem muita técnica — acrescentou, sabendo que não tinha chegado ainda a esse nível.
— Todas vocês conseguem técnica, com o tempo. Venha, vamos dançar.
Guy a levou por entre as mesas, segurando sua mão. Depois a tomou nos braços,
enquanto a orquestra começava a tocar uma música romântica, o queixo roçando nos
cabelos dourados dela.
Alana sentia-se cada vez mais atraída por ele, embora tentasse ignorar a
proximidade daquele corpo forte e másculo.
— De que tem medo? — perguntou ele, afastando-se um pouco para poder olhar
para ela. — Nunca ficou assim perto de ninguém?
Tinha estado, sim, perto de outros homens, mas nunca se sentira tão vulnerável! A
intensa atração entre eles estava escapando de seu controle, e ela percebia que não
tinha condições de reagir.
Quando tentou se afastar um pouco, percebeu que ele a segurava com tanta
firmeza que não havia fuga possível. Então, Guy começou a acariciar de leve suas costas,
descendo a mão até um pouco abaixo da cintura e forçando o corpo dela mais contra o
dele. Alana levantou os grandes olhos para ele, muito brilhantes no rosto pálido e sério.
Sentia-se indefesa e, quando os lábios dele tocaram sua testa, percebeu que suas
pernas estavam fracas. Era impossível negar a forte atração entre eles. Talvez, se
parasse de se preocupar, aquela atração diminuísse, pensou, aflita. Guy Mason era
realmente um homem especialmente atraente, é claro que não era a primeira mulher a se
impressionar. Mas havia nele uma dureza que a assustava, e não tinha nada a ver com
força física.
Ainda mantendo-a segura entre os braços, Guy deslizou pelo salão. Dançava
maravilhosamente, e, embora Alana tentasse conservar o sangue-frio, sentia que seu

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corpo estava se rendendo à atração poderosa que ele exercia. Quando Guy começou a
lhe acariciar os quadris, ela ficou ofegante, a ponto de perder o controle.
— Pare! — pediu, em pânico.
— Parar o quê? — murmurou ele, continuando a excitá-la.
Seu hálito quente a fez estremecer. Sem sucesso, Alana tentou se soltar daqueles
braços que a mantinham presa. Ele riu e beijou de leve seus lábios trêmulos.
— Não precisa ter medo, Alana. Se eu resolver seduzir você, não será num lugar
público.
— Tem muita autoconfiança, não tem? — Desejava que seu corpo inteiro não
vibrasse tanto e que o coração não batesse tão depressa.
Quando a música parou, ele a soltou, mas continuou a segurá-la pelo pulso.
— Acha que não deveria ter? — respondeu, bem-humorado.
— Só se usasse sua força — reagiu ela, sentindo-se protegida no meio de tanta
gente.
— Quando chegar o momento, eu ficarei surpreso, se precisar usar a força.
Sua autoconfiança a fez calar-se, e ficou tão alarmada que se recusou a dançar
novamente com ele. Guy estava se divertindo com a reação dela, mas não insistiu.
— Prefiro voltar para casa — pediu, sem coragem de encará-lo.
— Tenho que ir ao hotel ver Milo, pela manhã, e não quero perder a hora.
Sem provocá-la mais, ele a levou para casa.
Alana não dormiu bem. Teve um sono agitado e escutou um relógio batendo ao
longe as horas e meias horas. Devia ser o Big Ben, pensou, sonolenta. De repente, se
arrependeu de ter vindo a Londres, em vez de ficar em sua calma e segura Manchester.
Mas acabou reconhecendo a razão de sua insônia: Guy Mason! Era bem mais
velho do que ela, e realmente não era seu tipo. Então, por que toda aquela irresistível
atração?
Não estava apaixonada por ele, mas sabia que, se não tomasse cuidado, logo
estaria. Também sabia que havia pouca chance de ele corresponder a seus sentimentos.
Embora a tivesse convidado para sair, ela era muito jovem e sem sofisticação para
interessá-lo seriamente.
Como Guy a havia ajudado a arranjar um emprego no Remax, não podia ser
grosseira, mas precisava tentar evitá-lo. Para manter a paz de espírito, pelo menos. Logo
ele iria embora, quando outro hotel da cadeia precisasse de seus serviços, e Alana não
queria ser abandonada com o coração despedaçado. Provavelmente, ele também não
queria complicações.
Ao mesmo tempo, pensar em não vê-lo mais a deixava terrivelmente infeliz.
Sentira-se atraída desde o primeiro momento, e a atenção que ele lhe dava
constantemente só fazia com que essa atração aumentasse. Ele tinha o poder de fazê-la
vibrar, e nem a havia beijado ainda! Só uma vez, na pista de dança; mesmo assim, tão
ligeiramente, que não queria dizer nada. Por que então ansiava tanto para estar
novamente em seus braços?
Alana olhava o teto, pensando que nada daquilo tinha sentido. Não queria sentir
nada por Guy, mas, quando pensava nele viajando de um país para outro, sem um
verdadeiro lar, sentia uma imensa pena. Ele devia levar uma vida muito solitária, apesar
de ter muitos amigos. Mas um homem que fracassara talvez fosse muito orgulhoso para
pedir a uma mulher para partilhar essa vida.
Se os dois se encontrassem outra vez, deixaria claro que não esperava nada dele.
Ao mesmo tempo, deixaria claro também que não estava disponível para uma aventura
passageira.
Quando finalmente adormeceu, sonhou com Guy. Ele a abraçava, dizendo seu
nome, e seus beijos se tornavam cada vez mais apaixonados. Ela retribuía com paixão,
abraçando-o e permitindo mais intimidades do que jamais permitira a um homem.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Acordou assustada, banhada em suor, vendo que já passava das nove. Tinha que estar
no Remax às dez e meia.
Se era grave ter se atrasado quinze minutos, ninguém, a não ser ela mesma,
pareceu se importar.
— Ei, calma! — exclamou Milo, quando entrou esbaforida em seu escritório. — Não
vale a pena quebrar o pescoço, querida.
— Sinto muito ter me atrasado — desculpou-se, quase sem fôlego.
— Acontece frequentemente com cantoras — disse ele, enquanto servia café forte
e quente numa xícara e entregava para ela. Algumas nem aparecem para os ensaios.
— E você deixa?
— Às vezes.
— Não acho que tenha direito a tais privilégios, mas foi muito difícil chegar até aqui.
O metro estava cheio e errei de estação.
— Será melhor quando estiver morando no hotel.
— Acho que tem razão — disse ela, pensando na corrida que fora aquela manhã.
— Já estou tratando disso — revelou Milo, para seu espanto. Tudo parecia se
arranjar milagrosamente para ela. Olhando um pouco desconfiada para ele, Alana
perguntou:
— Você já... isto é, será que vão me emprestar aquele dinheiro? — Vendo um
brilho de ironia nos olhos dele, ficou muito vermelha. — Se eu tiver o dinheiro na mão,
posso mandar e deixar de me preocupar.
Milo abriu uma gaveta e pegou um cheque.
— Espero que sim — foi tudo o que disse, entregando-lhe o cheque.
Alana recebeu-o com as mãos tremendo, e guardou-o na bolsa, agradecendo,
envergonhada. Já tinha um envelope endereçado aos pais, junto com uma carta onde
explicava que tinha conseguido um emprego e que enviaria dinheiro regularmente para
eles. Não podia telefonar porque o telefone tinha sido cortado por falta de pagamento.
Mas enviaria a carta sem demora.
Milo a observava, curioso.
— Percebe que a gerência está depositando grande confiança em você,
adiantando todo esse dinheiro?
Olhou-o, espantada. Só tinha pensado no dinheiro como uma importância que
devia ser paga. Mas o que ele dizia era verdade, naturalmente.
— Pagarei cada penny, prometo. Gostaria também de assinar um recibo.
— Não — foi a resposta imediata. — Ninguém exigiu que desse um recibo. Mas já
pensou que isso vai mantê-la presa a nós? Se é que pensa em nos deixar.
— Também evita que me despeçam.
— Não acredito que pensemos nisso tão cedo...
Estava grata por Milo ter falado tão bem dela para a gerência a ponto de
concordarem com o empréstimo.
— Não abandonarei vocês. E pagarei tudo — tornou a prometer, e presenteou-o
com um belo sorriso. Tão belo que quase tirou o fôlego de Milo!
— Se sorrir assim para os clientes, vai conseguir pagar em pouco tempo — brincou
ele. — Vão jogar ouro e prata a seus pés.
— Dividirei com você — ela respondeu, rindo também, nem por um momento
acreditando nisso. Os dois foram então ensaiar e assim passaram o resto da manhã.
Lá pela uma da tarde, Alana estava exausta. Milo era um músico brilhante, um dos
melhores com quem tinha trabalhado. Não deixava passar nada e parecia querer que ela
aprendesse num dia tudo o que ele levara anos para aprender.
— Muito bem, queridinha — disse, finalmente. — Você é bem melhor do que
pensa; portanto, não se desespere. Estou sempre exigindo perfeição e acabo me
esquecendo de que lido com seres humanos.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Você acha que devemos ser robôs, em vez de gente — comentou um dos
músicos, com ironia. — Você é um feitor de escravos!
— Concordo — exclamou Alana, rindo, a garganta dolorida pelo esforço contínuo
daquela manhã. O ambiente de trabalho era muito agradável, e estava satisfeita com os
novos colegas.
— A sorte de vocês é que não é sempre que fico por aqui — disse Milo, os olhos
brilhando quando pousavam em Alana. O que ele estava insinuando?
Depois de alguns minutos, ela perguntou se o ensaio estava terminado e se podia
ir até o escritório dele pegar seu casaco. E também se poderia ir até o correio, colocar
uma carta. Milo concordou, mas pediu que esperasse um pouco no escritório, pois
gostaria de combinar com ela sobre o que precisava fazer à tarde.
Alana entrou no escritório e deixou a porta aberta. Não tinha andado muitos
passos, quando a porta se fechou atrás dela. Pensando que era Milo, virou-se e se
encontrou diante de Guy Mason.
— Oh, alô... Não está ocupado?
Ele parou um pouco perto demais para seu sossego e olhou-a intensamente.
— Estive escutando você na última meia hora.
— Ah... — Isto explicava a misteriosa vibração que sentira em todo o corpo, a
mesma da noite anterior. Não querendo demonstrar seu nervosismo, perguntou,
friamente: — Não tinha trabalho para fazer?
— Não esta manhã — ele respondeu, sorrindo de maneira irritante. — Sempre
gostei de me sentar na floresta e escutar o canto dos rouxinóis...
— Ouvir-me cantar numa boate escura é uma coisa completamente diferente.
— Eu disse para Milo ir com mais calma — comentou ele, examinando o rosto
cansado de Alana.
— Ele só está fazendo sua obrigação. E como é o primeiro dia acho que está
preocupado. Não devia me encorajar para sentir pena de mim mesma, sr. Mason. E
também não vejo por que Milo vá se importar com sua opinião.
Foi um tanto rude, e, quando pensou que ele ia revidar, Guy sorriu e concordou:
— Acho que tem razão...
— Seria melhor que não se interessasse tanto pelo que faço. Não deve achar que
ainda sou responsabilidade sua. Tudo parece ir muito bem e tenho certeza de que saberei
lidar com algum problema que aparecer.
— Mas que belo discurso! — ele riu, mas seus olhos brilhavam, duros como aço.
Suspirando desanimada, ela se virou para pegar seu casaco, mas Guy a alcançou
e a fez virar para ele, segurando com firmeza seus braços, os olhos percorrendo seu rosto
e parando no pescoço bem feito. Por alguns instantes, ele permaneceu imóvel,
examinando-a friamente. Depois, sem que ela tivesse tempo de reagir, beijou-a na boca.
Alana sabia que poderia recuar, mas não conseguiu se mexer. Fechou os olhos e
tentou não tremer, enquanto ele a beijava docemente, segurando-a pelo queixo e
acariciando seus seios.
Guy não usou de força, mas ela estava completamente dominada. De repente, o
beijo se tornou mais profundo, e Alana sentiu nascer violenta onda de desejo.
Desconfiava de que ele só queria provocá-la. Entretanto, na hora em que tomou
posse de seus lábios entreabertos, ela soube que faria qualquer coisa que Guy quisesse.
Um barulho os fez se separarem, um pouco antes de Milo entrar. Não pareceu
surpreso, ao ver Guy, como se fosse comum ele andar por ali.
Alana sabia que estava corada e ficou aliviada porque Milo não a olhou. Antes que
ele percebesse alguma coisa, começou a vestir o casaco. Imediatamente, Guy veio ajudá-
la, e a maneira como suas mãos a tocavam deixou-a mais corada do que nunca.
— Obrigada — agradeceu, sem jeito.

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— Vou levar Alana para almoçar — ele disse a Milo. — Quer falar com ela antes de
sairmos? — Nem tomou conhecimento do olhar curioso do outro. Ou do olhar indignado
da moça.
Parecia não ter ouvido nem uma palavra que ela havia dito! Antes que Milo
pudesse responder, ela falou, esperando que ele entendesse o que estava pensando:
— Não fiz nenhum plano para o almoço, sr. Sachs. Se quiser que eu fique...
— Oh, não, não... Só queria lhe dizer os horários de dois compromissos que tem
esta tarde. — Passou para ela um papel onde estavam anotados os nomes de um famoso
salão de beleza e de uma casa de modas. — Procure não se atrasar, srta. Hurst.
Alana se perguntou por que, subitamente, ele havia se tomado tão formal. Será que
o brilho irritado dos olhos de Guy tinha algo a ver com isso?
— É mesmo necessário? — perguntou ela. — Normalmente, eu mesma me
penteio. E tenho alguns vestidos.
— Sim, é muito necessário — respondeu Milo.
Alana abriu a bolsa para guardar o papel e, quando fez isso, o cheque que
recebera ficou à mostra. Fechou rapidamente, receosa de que Guy o visse, embora
pensasse no mesmo instante que, mesmo que o visse, ele não saberia de que se tratava
nem qual a quantia. Guardou então o papel no bolso, enquanto ele a olhava com os lábios
apertados. O incidente a fez se lembrar de que teria que se livrar dele, se quisesse
colocar a carta no correio antes de seu primeiro compromisso.
Guy guiou-a para fora da sala e depois para uma saída lateral, antes que ela
tivesse tempo de saber o que estava acontecendo.
— Não tenho tempo de almoçar com você — protestou. — Não tinha acabado de
dizer que não precisa mais ficar tomando conta de mim, como se eu fosse um bebê? E
também não vou mais permitir que gaste seu dinheiro comigo, pagando refeições
caríssimas!
— Existe alguma coisa em você que não combina — ele comentou, desconfiado.
— Será que prefere comer no hotel, onde não precisamos pagar nada?
— Não! Isto é... eu ainda nem comecei a trabalhar. Não acho que seria correto.
Mas por que não aproveita e come aqui mesmo?
Ele a olhou por um breve momento e depois sacudiu a cabeça.
— Não!
— Muito bem, então. Se não quer me largar, então eu insisto em pagar o almoço...
— Desde que não seja um saco de batatas fritas...
— Não será — ela respondeu, mordendo o lábio, o que não passou despercebido a
ele. Tinha feito rapidamente as contas; se economizasse durante o resto da semana,
poderia gastar no almoço para os dois.
— É muita generosidade sua — comentou ele. — Já ganhou algum dinheiro?
— Sim — respondeu, muito vermelha. — Embora não pretenda gastá-lo em
comida. Vi um lugar muito razoável quando estava vindo para cá. Acho que é logo virando
a esquina.
Quando disse o nome de uma cadeia de lanchonetes, Guy logo soube onde aquela
ficava e Alana desconfiou de que costumava ir lá.
— Vamos, então — concordou, resignado. — Qualquer coisa para agradar uma
mulher.
— O que quer? — perguntou.ela, quando se sentaram no restaurante popular,
numa mesinha apertada. As pernas de Guy eram compridas demais, e ele estava mal
acomodado.
A todo momento, esbarrava nas pernas dela.
— Então, o que escolheu?
— O que vai comer? — ele perguntou, interessado.

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— Só um sanduíche e café. — Estava morta de fome, mas, para que ele não
desconfiasse de que não podia gastar muito, acrescentou: — Não quero engordar.
— Não vejo razão para esse tipo de preocupação, mas quero a mesma coisa.
Tenho uma tarde difícil pela frente e talvez seja melhor trabalhar com o estômago vazio.
— Precisava ser assim tão sarcástico?
Alana foi até o balcão, onde escolheu dois sanduíches; depois pagou no caixa e
voltou com eles para a mesa.
— É muita bondade sua — disse Guy, solenemente, olhando para o sanduíche que
ela colocara à sua frente.
Existia coisa pior do que gastar um dinheiro ganho com tanto sacrifício com alguém
que parecia não apreciar? O sanduíche não era nada especial, mas também não era
mau. Ela tentou comer, e subitamente sentiu que não tinha mais apetite. Afastou o prato e
se concentrou no café.
Ficou grata a Guy porque ele não tentou conversar seriamente. Na verdade, não
disse que tinha apreciado o almoço, mas, quando terminou de comer seu sanduíche,
pegou o dela e comeu também.
Aquilo a abalou, e se lembrou de dois amantes bebendo no mesmo copo. Quando
seus olhos se encontraram, suspeitou de que ele pensava a mesma coisa, pois ficaram se
olhando em silêncio durante algum tempo. Ele só a deixou em paz quando percebeu que
estava trêmula e abalada.
— Hoje tenho um jantar de negócios, mas vou telefonar para você antes de sair
para saber se tudo correu bem durante a tarde.
— Você não é meu protetor, Guy! — protestou, usando pela primeira vez seu
primeiro nome.
— Pois não devia agir como se precisasse de um — foi a resposta imediata.
Saíram da lanchonete e pararam na calçada. — Sabe como fazer para chegar até o
Lorraine?
Como ele sabia aonde ela estava indo? Milo não mencionara nomes, só dera o
papel a ela.
— Eu pretendia perguntar a alguém.
— E como vai até lá?
— Posso andar — respondeu, irritada.
— Londres é grande demais para isso. — Acenou para um táxi e a obrigou a
entrar. Depois, apesar dos protestos dela, explicou ao motorista o caminho e deu dinheiro,
para pagar a corrida.
— Vejo você logo, querida — disse, olhando-a fixamente.
Enquanto lavavam e penteavam seus cabelos, Alana tentou manter a calma. Seus
cabelos, chegando abaixo dos ombros, fartos e saudáveis, com uma tonalidade dourada e
reflexos cor de mel causaram grande admiração. O cabeleireiro escolhido para penteá-la
era o mais importante do salão, e parecia fascinado.
— Seus cabelos são maravilhosos! E também seu rosto. Devia agradecer a Deus
por ser tão bonita!
— Sou cantora. As pessoas esperam que eu tenha uma boa aparência, mas não
me preocupo muito com isso. Prefiro nadar ou andar na chuva, em vez de perder tempo
na frente de um espelho.
Ele pareceu tão chocado com essa afirmação que ela acabou sentindo vergonha e
prometendo não manter os cabelos presos num coque como tinha feito até então, mas
deixá-los soltos.
Do salão de beleza, Alana foi até a casa de moda. Não ficava muito longe, e
chegou facilmente. Quando saiu, uma hora e meia mais tarde, era dona de meia dúzia de
belos vestidos de noite. Um ou dois, ousados demais para seu gosto, mas aparentemente
Milo já tinha explicado o que ela deveria usar. E sabia que não tinha escolha, senão se

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submeter. Descobria agora que não era fácil manter a individualidade, quando outra
pessoa pagava a conta.

Capítulo 4

Quando voltou para casa, a sra. Erice, não estava, mas Alana não se importou.
Sentou-se na cama e, para seu desespero, explodiu em lágrimas. Provavelmente, era a
tensão dos últimos dias. Não conseguiu parar. Quando se controlou, foi até o banheiro e
lavou o rosto com água fria.
Olhando-se no espelho, percebeu que tinha estragado toda a maquilagem. Pouco
se importava! Não tinha inclinação para esse tipo de vida; por que não admitir de uma
vez? Gostava de cantar, mas não gostava de ser o centro das atenções. Suspeitava de
que em Londres seria ainda pior do que em Manchester. Se não fosse por seus pais, que
precisavam tanto daquele dinheiro, abandonaria tudo.
Quando a sra. Brice voltou, olhou atentamente para ela, mas não comentou nada.
Tomaram juntas um pouco de chá, e depois Alana avisou que ia se deitar. Sem vontade
de conversar, disse que estava exausta e precisava de uma longa noite de sono. Não
falou que Guy tinha prometido ligar e, como até aquela hora ele não havia telefonado,
imaginou que tivesse esquecido.
Caiu num sono pesado e acordou sobressaltada, com uma mão fria em sua testa.
Abriu os olhos e encontrou Guy Mason à sua frente. Com um grito de susto, ela se sentou
na cama.
— Como é que veio parar aqui no meu quarto?
— Tenha calma. A culpa é de sua anfitriã. Quando telefonei, ela me disse que você
estava deprimida com alguma coisa. Estava preocupada, você parecia doente.
— Mas por que ela pensaria uma coisa dessas? — murmurou Alana, e então se
lembrou de seu rosto inchado e manchado de pintura.
— Alguma coisa saiu errada durante a tarde? — ele perguntou.
— Não.
Como não havia cadeira, Guy estava sentado na beira da cama, examinando de
perto seu rosto infeliz.
— Vamos, Alana, conte o que há. Eu precisaria ser cego para não ver que andou
se dando ao luxo de chorar.
Como ele podia dizer uma coisa dessas? Como se lágrimas fossem sim luxo, sem
o qual as mulheres poderiam viver.
— A maioria das mulheres chora, às vezes! Eu... eu tive vontade de chorar.
— Mas ainda quero saber por quê! — insistiu, irritado.
Alana começou a tirar os fios de cabelo que caíam desordenadamente em seu
rosto, inconsciente de sua beleza. Quando percebeu que estava só de camisola, puxou o
cobertor até o queixo e corou violentamente.
— Devia ter telefonado mais cedo — disse, mudando de assunto. — Assim se
pouparia o trabalho de vir até aqui.
— Não faz mal. E não telefonei antes porque o negócio que eu tinha que ver tomou
tanto tempo que me atrasei para o jantar que tinha planejado.
— De qualquer modo, você a deixou cedo — comentou Alana, olhando as horas.
Os olhos dele brilharam.
— Não foi "ela", foi "ele"...

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— Oh... — Guy, ali sentado, tão perto, era tão grande e másculo que estava com
medo de tocá-lo, nem que fosse com um dedo.
— Assustada? — perguntou ele suavemente, enquanto seus olhos examinavam as
formas delicadas que o cobertor mal encobria.
— Não! — respondeu, desejando parecer fria e controlada. Na intimidade daquele
quarto, lutava contra a mesma magia que sempre tomava conta dela, quando ele estava
por perto. Preferiu não correr o risco de encará-lo e falou, com os olhos baixos: —
Agradeço sua preocupação. Ficaria ainda mais agradecida, se agora fosse embora.
Como resposta, ele a segurou pelos ombros. Tentando manter o cobertor no lugar,
Alana perdeu o equilíbrio e acabou caindo em seus braços.
Havia uma leve zombaria na voz de Guy, ao perguntar:
— Não quer mesmo me dizer o que aconteceu de errado? Talvez até não seja
importante, mas sei que precisa de apoio.
Ela tentou se libertar, mas Guy era mais forte. Alana implorou:
— Por favor, por que não vai agora?
— Irei... quando você estiver melhor.
— Como vou poder melhorar, enquanto você estiver aqui?
— Quer que eu mostre? — perguntou ele, malicioso.
Fazendo com que ela erguesse o rosto, beijou-lhe os olhos e os lábios. Sua boca
estava fria e firme, e incrivelmente tentadora. Apesar da firme determinação de não
corresponder, ela não resistiu e logo o abraçava pelo pescoço. O beijo de Guy era tão
avassalador que parecia exigir a própria alma de Alana!
Sem que os dois soubessem como, Guy estava deitado na cama, a seu lado,
afastando as alças da camisola, que foi fazer companhia ao cobertor, na altura da cintura.
Depois, as mãos morenas de Guy subiram lentamente até os seios delicados. Ele
então se afastou um pouco e observou, encantado, aquele corpo jovem.
— Como você é linda! Parece tão pura, tão virginal! Quero você! Não consigo mais
dormir, pensando em você. Essas duas últimas noites foram um tormento. Eu nunca... —
Parou de falar e seus lábios acariciaram o pescoço de Alana e depois os bicos rosados
dos seios palpitantes. — Você também me quer? — perguntou ele, num murmúrio
apaixonado.
Ela estava totalmente dominada pela emoção, mal podendo falar. Só conseguia
ficar ali, nos braços dele, muda, os lábios trêmulos, o rosto corado, totalmente à mercê
daquelas emoções completamente novas. Tão novas que não sabia como lidar com elas.
Quando Guy a abraçou, Alana instintivamente apertou os braços em volta dele,
acariciando-o, forçando-o a beijá-la apaixonadamente mais uma vez. Naquele instante, só
o que queria era ficar o mais perto possível daquele homem!
Guy levantou então a cabeça e tocou o rosto dela com mãos pouco firmes. Aos
poucos, as carícias foram se tornando mais sensuais, e ela percebeu que ele tirava o
paletó.
Estava abraçada a ele, sem pensar em mais nada, quando foi sacudida por uma
voz!
— Sr. Guy!
A reprovação da sra. Brice neutralizou imediatamente a excitação que dominava os
dois. com a cabeça apoiada no ombro de Alana. Guy respondeu:
— Tem razão, Joan, compreendi a mensagem. Vou descer em um minuto. Mas
saia daqui agora, sim?
Quando a porta se fechou, com uma batida forte, ele fez uma careta para ela e saiu
da cama.
— Sinto muito. Devia ter me lembrado de que não estávamos sozinhos.
Envergonhada, Alana se cobriu. Tremia da cabeça aos pés.
— Por que não explicou a ela?

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— Explicar o quê? Que as minhas boas intenções foram frustradas? Que quase
tirei vantagem da situação? E você, por sua vez, poderia explicar por que tão
evidentemente queria ficar em meus braços?
— Ora, me deixe em paz! Acho que odeio você! — gritou, frustrada e zangada,
novamente sentindo vontade de chorar. Não queria nem pensar em sua reação aos beijos
dele, quanto mais discutir o assunto!
Mas o rosto de Guy subitamente se enterneceu. Levantando o queixo dela beijou-a
carinhosamente nos lábios.
— Isso é para provar que também odeio você — disse, zombeteiro. — Boa noite,
doçura. Até amanhã.

Nas duas semanas seguintes, Alana o encontrou todos os dias. Ela passava
algumas horas da tarde com Milo, ensaiando. Às vezes, a orquestra estava também, mas
quase sempre era Milo quem a acompanhava, ao piano ou com qualquer outro
instrumento. Alana estava Impressionada com seu talento e versatilidade.
Ele falava pouco de si mesmo e, quando perguntou a Guy, recebeu uma resposta
vaga:
— Milo é um bom sujeito, gosto muito dele, mas conheço pouco de sua vida
pessoal. Por que está tão curiosa?
Será que Guy estava com ciúme? Ficou envergonhada por imaginar tal coisa. Às
vezes se pegava desejando nunca tê-lo conhecido, porém, pois não sabia se ele gostava
realmente dela ou só se sentia responsável.
Todos os dias vinha escutá-la cantar, e ela imediatamente sabia quando ele
chegava, porque sentia o corpo inteiro vibrar, mesmo sem vê-lo. Era uma espécie de
telepatia, inexplicável mas real! Ter esta sensibilidade em relação a um homem podia
significar que estava gostando dele mais do que seria prudente, e isso Alana não queria,
de jeito algum! Sua vida já estava bastante complicada, para se apaixonar agora.
Ele a convidou outras vezes para jantar, mas não tentou mais beijá-la, o que a fez
imaginar que provavelmente tinha se arrependido de agir assim antes. Também não
dançaram outra vez, pois os restaurantes aonde iam não tinham orquestras e pistas de
dança. Eram lugares tranquilos e discretos, e tão modestos que ela parou de criticar sua
extravagância. Afinal, era possível que ele ganhasse um bom salário e pudesse pagar
ocasionalmente um restaurante de luxo.
Num sábado, Alana mudou-se para o hotel, mas Guy não se ofereceu para ajudá-
la. No entanto, não podia se queixar. Um táxi foi buscá-la, e não precisou carregar nem
uma mala. À sua espera, estava uma arrumadeira do hotel que a ajudou a desfazer as
malas.
— Tenho ordens para isso, senhorita. — disse a moça.
Quem teria dado uma ordem dessas? Pelo que sabia, não era costume os hotéis
tratarem suas cantoras com tantas regalias.
Depois do banho, enquanto pensava na roupa que deveria usar, Guy apareceu.
Milo a tinha aconselhado a ir assistir ao show daquela noite, mas ela ainda não havia se
pintado, pois era muito cedo.
— Não vai me convidar para entrar? — perguntou Guy, encostado ao batente.
Alana sorriu, insegura. Sabia que ele também morava no hotel, mas não sabia
onde era seu quarto.
— Como é? Não vai mesmo? — ele insistiu, divertido com a expressão de surpresa
dela.
— Mas é lógico! Isto é... não estou certa se devia.
— Me convidar para entrar? — Quando ela sacudiu a cabeça, confirmando, ele riu.
— Tem medo de que a despeçam por receber um homem no quarto?

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— Bem, eles poderiam, não é? — Estava ressentida por causa do olhar zombeteiro
dele. — O apartamento é ótimo! Quando saí da casa da sra. Brice, não podia imaginar
que receberia uma suíte assim! Tenho um quarto, um banheiro e uma saleta, tudo só para
mim! É pequeno, mas tem que concordar em que é demais para ser verdade!
Guy afastou-a do caminho, para poder finalmente entrar e fechar a porta.
— O próprio gerente me pediu para vir ver se tudo está a seu gosto. É parte de
meu serviço.
— Compreendo — disse ela, achando que tinha feito papel de tola. — Bem, então,
o caso muda de figura. Eu não sabia.
— Eu a perdoo — disse ele, rindo. — Está tudo em ordem? Está satisfeita?
— Eu seria uma idiota, se não estivesse. Se ao menos...?
— Se ao menos... o quê?
— Sei que parece tolice — falou, amarrando nervosa o cinto do robe — mas a ideia
de cantar em uma boate de Londres, cheia de gente, me dá vontade de sair correndo!
— Quando vai ser a estreia?
— Depois de amanhã. Acho que estou um pouco nervosa — acrescentou, rindo
contrafeita.
— Quem sabe, não vai precisar fazer isso para sempre.
— É o que espero.
— Mas não foi você mesma quem escolheu essa carreira? — ele perguntou,
subitamente irritado. — Se disser que não quer estrear, pode deixar que falo com Milo
para arranjar uma substituta.
— Não! — Lembrou-se dos pais e do dinheiro que precisava mandar para eles.
Não tinha saída!
— Então, deixe de fingimentos!
Alana empalideceu, mas reconheceu que estava agindo como uma criança
mimada.
— Tem razão — murmurou. — Sinto muito.
Guy olhou para o relógio.
— Se está mesmo nervosa, talvez sair daqui ajude. Tenho uma cabana nas
montanhas onde vou passar o fim de semana. Por que não vem comigo? Garanto que
não vai se arrepender.
Alana não sabia o que responder. Ele era um homem que faria qualquer mulher
perder a cabeça. Desde que entrara no quarto, ela sentia o coração bater loucamente.
Se passasse um fim de semana com ele, será que não se arrependeria? Sentia o
corpo inteiro vibrar e as pernas fracas.
— Seus pais moram lá?
— Ambos estão mortos.
— Ficaríamos sozinhos?
— Sim. — Olhou-a atentamente, adivinhando suas dúvidas. — Eu a convidei para
descansar, nada mais.
Ela sabia que não devia aceitar. Guy estava pedindo para que confiasse nele,
mas... podia-confiar em si mesma? Sua atração por ele era tão evidente! Seria quase
impossível resistir, quando estivessem sozinhos e a magia se tornasse ainda mais forte!
— É muita gentileza sua, mas prometi a Milo assistir ao show desta noite e não
posso faltar.
— Eu falo com ele, e não haverá problemas.
— E o que diria a ele? — perguntou Alana, com o rosto em fogo. — Ele ia
imaginar...
— Ora, não me diga que está com medo de falatórios! Mas não haveria nada,
garanto.
— Eu... ainda assim, não posso.

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— É uma pena.
— Sinto muito.
— Se sentisse a metade do que eu sinto, iria comigo.
Ela não gostou da ironia. Guy falava como se ela o estivesse abandonando.
Procurou ler naqueles olhos cinzentos o que ele sentia. Não havia tristeza, e, de repente,
ficou desconfiada.
— Vai levar outra pessoa? — perguntou com um sobressalto.
— Não.
A alegria de saber que ele iria sozinho se misturou com a pena, ao pensar nele em
sua pequena cabana, sem ninguém ao lado. Teve um impulso de se atirar em seus
braços e ceder. Mas a educação puritana a fez resistir.
— É evidente que gostou da minha resposta — disse ele. — Tem certeza de que
não vai mudar de ideia? — Ela sacudiu a cabeça e ele suspirou. — Tanta determinação
me assusta! Bem, então, preciso me despedir. O caminho para lá é ruim e quero chegar
antes da meia-noite. — Abraçou-a inesperadamente, puxando-a contra o corpo. — Será
que não mereço ao menos um beijo?
Como poderia recusar? Todo o corpo de Alana palpitava e o coração batia
descompassado. Fechando os olhos, beijou-o apaixonadamente. O desejo crescia dentro
dela, e, em sua inocência e ingenuidade, entregou os lábios entre abertos à paixão
daquele homem irresistível. Ele abandonou os lábios e começou a beijar seu pescoço:
depois, as orelhas, fazendo com que ela se arrepiasse toda e ficasse cada vez mais
excitada. Então, ele voltou a procurar seus lábios, tão suavemente, que Alana foi se
entregando, dócil.
Guy sabia lidar com ela, fazendo com que cada fibra de seu ser puxasse. Com a
experiência que tinha devia ter percebido que Alana estava disposta a se entregar
completamente ao desejo, anulando a própria vontade, pois bruscamente abriu seu robe.
Alana sentia-se completamente indefesa, o corpo todo queimando de desejo, enquanto
ele deslizava lentamente as mãos por suas curvas bem feitas.
Naquele instante, Guy só pensava em si mesmo, esquecido do sofrimento que
poderia causar a ela. Naquele instante, Alana estava totalmente vencida; a única coisa
que queria era obedecê-lo cegamente e saciar seus desejos, sem se importar com os
beijos violentos que chegavam a machucá-la.
Era uma luta desigual. Se Guy ainda não sabia, agora era claro o quanto estava
apaixonada por ele!
Quando pensou que Guy ia levá-la para a cama foi subitamente afastada! Teria
caído, se ele não a fizesse sentar em uma poltrona.
— Sei que não quer uma aventura e também não quero. Sei que você não teria
condições de enfrentar uma situação dessas — disse, muito tenso, enquanto ela o olhava,
atônita.
— Guy... por favor... — gemeu, desesperada.
Mas ele evitou o olhar de súplica de Alana, e logo seus olhos voltaram a mostrar
um brilho irônico. Aquele homem tinha um autocontrole inacreditável!
— Não diga mais nada, garota. Vejo você na segunda-feira.
Enquanto Alana se vestia, seus pensamentos eram amargos. Que tola tinha sido,
perdendo completamente a cabeça, enquanto ele mantinha o controle para parar quando
convinha! A referência a uma aventura havia sido muito cruel. Ele não chegara a dizer
tudo, mas ela compreendera muito bem! Guy não era contra alguns beijos, mas não
queria nada que levasse a um relacionamento mais duradouro, que lhe traria
complicações. Provavelmente, o lema de Guy Mason era "quem viaja sozinho chega mais
longe".

29
Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Vestiu uma roupa simples e colocou pouca pintura, esperando passar


despercebida na boate. Jantou ligeiramente e, depois, acompanhada por Milo, foi até uma
mesa discreta.
Mas ele não pôde ficar muito tempo e a deixou sozinha. Não demorou para que a
cadeira a seu lado fosse ocupada por um homem que ela não conhecia.
— Sinto muito, mas esse lugar está reservado — disse Alana, secamente.
— Ah, Milo não vai se importar. — O homem sorriu. — Ele me conhece.
— Mas eu não. — Tinha certeza de que nunca o havia visto. Apesar de não ser
atraente como Guy, era um homem elegante e alto.
— Pois permita que eu conserte isso. Sou Fabian Marlow e sei que você é Alana
Hurst, a nova cantora.
— Como sabe tudo isso?
— Eu perguntei.
— A quem?
— Para a moça que você vai substituir. Estava conversando com ela, quando você
entrou com Milo.
— Então, sua curiosidade já está satisfeita e peço que saia daqui.
— Oh, não! — Protestou como um garoto do qual queriam tirar um doce. — Quero
saber mais. Por exemplo, como Milo descobriu você.
— Não foi ele... — Hesitou antes de continuar. Se era amigo de Milo, devia
conhecer Guy também. — Foi o sr. Mason quem me apresentou.
— Sr... Mason...? Não está falando de Guy?
— Ele mesmo — respondeu, intrigada com o leve sorriso em seus lábios. — O que
é tão engraçado?
— Nada. Sinto muito. É que nunca tinha ouvido falar dele como "sr. Mason".
— Não compreendo.
— Provavelmente não compreende, mesmo. — Alana teve a impressão de que ele
vacilava, antes de continuar. — Mason é o segundo nome de batismo de Guy, e ele o usa
de vez em quando, para não dizer quem realmente é.
Alana teve a sensação de que seu corpo se transformava num bloco de gelo.
— E quem ele é, realmente?
— Quer mesmo saber? É Guy Mason Renwick.
— E é o dono deste hotel?
— E de muitos outros, em várias partes do mundo.
Alana não conseguiu esconder o quanto estava atônita com o que acabara de
ouvir. Como Guy tivera a coragem de enganá-la assim? Tinha sido uma idiota por não
desconfiar!
Meros empregados não podiam ter tantas regalias! Um homem que só trabalhava
num hotel nunca conseguiria lhe arranjar um emprego, uma suíte, a aceitação
instantânea!
— Alana...? — falou Fabian, suavemente.
— Sinto muito. — Tentou sorrir, mas não conseguiu. — Sabe, eu fui uma tola.
Pensei que Guy... que o sr. Renwick fosse apenas um empregado.
Ele apertou sua mão fria, com simpatia.
— Não se preocupe, eu compreendo. Também costumo ficar magoado, quando me
acontece uma coisa assim. No meu primeiro emprego, eu estava falando mal do chefe
exatamente para o filho dele, que eu não conhecia. Naturalmente, fui despedido. Foi
quando me estabeleci por conta própria... e acabei ficando milionário. As coisas nunca
são tão negras como parecem. E onde Guy está, agora? — perguntou, passando os olhos
pela sala. — Sei que ele não vem muito até aqui, mas eu o tenho visto ultimamente.
— Foi passar o fim de semana em sua cabana — respondeu Alana, ainda chocada
com o que acabara de saber.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Ah! Sua cabana... E também sua viúva alegre?


— Viúva... alegre?
— A vizinha dele — explicou Fabian, que parecia disposto a responder às
perguntas de Alana com muita boa vontade. — Era casada com um amigo dele, e agora,
depois de viúva, parece que está interessada em Guy. Ele ainda está resistindo, mas já
tem trinta e sete anos e, se quiser filhos, não pode perder tempo. Violet Templeton deve
regular em idade com ele.
Por isso Guy lhe havia dito que não levaria ninguém. Já tinha Violet à sua espera!
Alana sentia-se enganada e furiosa com ele. Tão deprimida, que nem percebeu que
Fabian estava visivelmente enfeitiçado por ela, não conseguindo afastar os olhos.
A vontade dela era voltar depressa para o quarto, mas não teve coragem. Sabia
que, se ficasse sozinha, choraria o resto da noite.
Quando, afinal, se levantou e despediu, Fabian, para sua surpresa, convidou-a
para sair no dia seguinte.
— Se não tem outros compromissos — disse ele, sorrindo — podemos ir aonde
quiser.
Ela agradeceu, mas pediu que ele telefonasse no dia seguinte, para confirmar. Não
queria se envolver com outro homem e esperava que não insistisse no convite.
Mas ele pediu seu telefone, e, confusa como estava, ela cedeu, para poder se ver
livre.
Quando ele telefonou, às oito em ponto, Alana reclamou:
— Mas é muito cedo!
— Não fiquei rico dormindo até tarde.
— Não resolvi ainda — disse ela, querendo recusar.
— Ora, vamos passear um pouco!
— Está bem! — decidiu, pensando que seria difícil passar aquele dia inteiro
sozinha, se torturando. Fabian era jovem e alegre, e falava bastante. Assim, não teria
tempo para sofrer.
Se não fosse pela lembrança de Guy, o dia teria sido perfeito. Passearam por
Londres, e Alana começou a simpatizar com Fabian que a cumulava de atenções. Já
sabia que ele não era casado, mas não fez mais perguntas pessoais. Não queria que ele
pensasse que estava interessada. Ser enganada uma vez era o bastante. Não
aconteceria nunca mais!

Capítulo 5

Naquela noite, Alana estava tão cansada que dormiu demais, acordando com a
cabeça pesada. Quando Milo a encontrou, depois do almoço, perguntou, preocupado:
— Não está nervosa com a estreia de hoje, está? Não há razão para isso!
— Não, é claro que não. Tive um pouco de dor de cabeça, mas já passou.
— Espero que sim — disse ele, intrigado.
— Viu... Guy por aí? — perguntou ela, mexendo na bolsa como se procurasse
alguma coisa.
Milo fez uma pausa antes de responder:
— Não sabe que ele está fora da cidade?
— Sim. Na cabana dele.
— Provavelmente, ele se atrasou. Deve ser, porque não o vi a manhã toda.

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— Quando acha que ele estará de volta?


— Oh, não posso saber. Talvez, amanhã ou depois.
Alana teria preferido falar com ele antes de sua primeira apresentação. Sentia um
tal ressentimento que achava difícil se concentrar em outra coisa. De qualquer maneira
que pensasse no assunto, chegava à mesma conclusão, e aquilo a feria; Guy a havia
enganado e, mais do que isso, tinha feito com que se apaixonasse por ele.
Percebia agora que essa devia ter sido sua intenção, desde o começo. Ao lhe
arranjar um emprego no hotel, ele a deixara sem chance de escolher outra coisa melhor.
Se não fosse tão ingênua, desconfiaria de que ele costumava se divertir com
moças bobas iguais a ela e que guardava seu amor e respeito para uma mulher especial.
Milo orientou-a quanto ao vestido que deveria usar naquela noite, mas deixou a
escolha final a seu critério. Quando ela preferiu um dos mais simples e discretos, pareceu
satisfeito com o resultado.
— Sei que vai agradar — comentou ele, admirando-a. — Está linda e suave,
queridinha. Vá lá fora, sorria um daqueles seus sorrisos luminosos e terá todos a seus
pés!
— Acha mesmo? Para isso é preciso ter mais do que um rosto bonitinho!
— Sei que vai agradar!
Para surpresa dela, a estreia foi um sucesso! Recebeu aplausos calorosos já ao
terminar o primeiro número, a plateia exigindo mais. Alana não tinha ilusões quanto à sua
voz; sabia que o timbre era bonito, mas sem grande potência. Devia ser a leve rouquidão,
que Milo achava muito sexy, pensou. Mas quando, pela segunda vez, os aplausos
continuaram, entusiastas, começou a se sentir confiante. Milo anunciou então que ela
voltaria dali a pouco e Alana foi para os camarins.
Ao voltar, Fabian Marlow foi um dos primeiros que a esperavam para lhe dar os
parabéns. Os brilhantes olhos azuis do rapaz consolaram seu coração amargurado, e ele
lhe fez companhia durante o resto da noite. Era uma pessoa tranquila e despretensiosa;
depois da desilusão que sofrera com Guy, era a pessoa ideal.
Só falou com Guy na noite seguinte, após o espetáculo. Mas, mesmo sem vê-lo na
plateia, sentiu a habitual magia envolvê-la, e soube que ele tinha voltado. Estava sentado
sozinho a uma mesa, e ela mal olhou para ele, apesar de sentir que o coração disparava.
Guy não a seguiu até o camarim; foi procurá-la no quarto. Ela já o esperava e abriu
imediatamente a porta.
— Alô! Sentiu saudades minhas?
Mesmo que a vida dela dependesse disso, Alana não teria conseguido falar.
Atordoada, afastou-se para que ele entrasse. Guy interpretou sua emoção como alegria
por revê-lo e sorriu, confiante.
— Se for muito boazinha para mim, talvez eu a perdoe por ter me ignorado lá
embaixo.
Respirando fundo e juntando as mãos para se controlar, Alana finalmente
respondeu:
— Sinto muito, sr. Renwick. Não tinha ideia de que era isso que esperava de mim.
Ele imediatamente ficou sério e tenso. Se Alana não estivesse tão zangada, talvez
achasse graça de sua expressão de espanto.
— Quem contou a você?
— Pelo menos, você não nega — disse ela, amarga.
— Adiantaria? Mas ainda não me respondeu. Quem contou?
— Alguém no hotel. Não foi Milo — acrescentou, rapidamente. Guy não tentou se
defender. Ficou olhando-a atentamente.
— Acho que não faz nenhuma diferença — disse ele.
— Mas devia ter me contado, em vez de me deixar fazer papel de boba!
— Por que acha que eu a estava fazendo de boba?

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— E não estava?
— Não — foi a resposta fria. — Por que eu faria isso?
— Provavelmente, para se divertir. Me enganou desde o começo!
— Espere um instante! — disse ele, com um sorriso irônico. — Não foi você quem
veio para cima de mim, no trem? Não me pediu ajuda? E eu não dei?
— Não estava me referindo a isso! — gritou, cada vez mais desesperada. — Fingiu
ser outra pessoa, e fingiu ser tão pobre quanto eu. Disse que sabia onde eu poderia
conseguir um quarto. Desconfio de que a casa da sra. Brice é sua também, não é?
Ele concordou com um gesto de cabeça. Quase sem tomar fôlego, ela continuou:
— Deve ter sido a partir daí que começou a rir de mim! — Agora, ele a olhava,
impassível, e Alana deu vazão à própria dor: — Disse que tinha um amigo que trabalhava
num hotel e que poderia me arranjar um emprego, não foi? Mas, na verdade, ele era um
empregado seu, sr. Renwick, e o hotel era seu! Como explica uma atitude dessas?
— Teria aceitado o emprego, se eu dissesse a verdade? Era tão orgulhosa de sua
independência, que não chegaria a cem metros do hotel, se soubesse que o dono era eu.
— Podia ter me dado uma chance. Se tivesse se importado em explicar com calma,
eu compreenderia.
— Acha mesmo isso?
No íntimo, Alana sabia que talvez ele tivesse razão. Mas estava tão humilhada que
nada mais existia para ela, a não ser a dor que sentia no coração.
— Milo deve ter rido muito de mim, junto com não sei quantos mais!
— Milo não sabia de nada, a não ser que eu não queria que você soubesse quem
eu era.
— Mas por quê?
— Talvez eu quisesse ser amado só por mim... — disse ele, com um sorriso cínico.
— Acho melhor deixar o amor fora disso! Especialmente quando passou o fim de
semana com outra mulher!
No mesmo instante, a paciência de Guy se esgotou e ficou tão furioso quanto
Alana.
— O que mais esse seu dedicado informante contou?
"Só que pretende casar com ela!", foi o que Alana teve vontade de dizer, mas ficou
calada. Não tinha o direito de trair a confiança de Fabian. Não sabia o quanto Guy e ele
eram amigos, mas não queria estragar uma amizade falando demais.
— Nega ter passado o fim de semana com outra mulher?
— Por que eu perderia tempo negando? Tenho certeza de que ainda tem mais
queixas a fazer.
O fato de ele não negar deixou-a mais ferida, e sua reação tornou-se ainda mais
violenta:
— Parece achar que não tenho do que me queixar!
— E não tem, mesmo! Em vez de se sentir tão infeliz, por que não reconhece as
coisas boas que recebeu? Se não lhe disse meu nome inteiro, e se isso a aborrece, peço
desculpas. Mas, certamente, está exagerando o resto.
— Você disse que trabalhava aqui!
— Sim, eu disse, mulher! E realmente trabalho aqui. Talvez trabalhe mais do que
qualquer um!
— Pois bem, vou colocar as coisas de maneira diferente: você insinuou que era um
dos empregados e que não tinha dinheiro para pagar o almoço!
— Foi você que imaginou isso!
— E imagino que também arranjou para que eu tivesse esta suíte?
— E se fosse?
— Então, todos devem estar a par disso, menos eu! — Olhou desconfiada para ele:
— O que acha que estão pensando?

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— Que eu venho visitá-la todas as noites, porque meu quarto fica no fim do
corredor.
Ela abriu muito os belos olhos, horrorizada com o que ele acabara de dizer. Com
um gemido, Guy puxou-a para si.
— Mas que tempestade num copo d"água! — Afastou uma mecha de cabelo do
rosto dela e prendeu atrás da orelha. — Você estava linda, esta noite, meu bem. Não via
a hora de poder abraçá-la, e cá estamos nós, discutindo por causa de bobagens que nem
valem a pena de ser mencionadas.
Agitada, ela o empurrou, horrorizada com a profunda atração que ainda sentia por
ele. Ansiava se aconchegar em seus braços, apesar de ele considerar bobagem o fato de
ter vivido uma vida dupla em relação a ela. Enquanto lutava para se livrar, arranhou o
rosto dele com as unhas e um fio de sangue logo surgiu. Recuou, assustada com a
palidez de Guy.
— Mulherzinha geniosa!
Tremendo muito, ela respondeu, no mesmo tom:
— Odeio você! Pode ficar com seu quarto, com seu emprego! Amanhã cedo vou
embora daqui!
Ele olhou para ela, furioso, e agora já não havia mais dúvida de que a estava
levando a sério.
— Pois acho que não, srta. Hurst! Amanhã estará fora daqui, mas em outro quarto.
— Quero ir embora!
Ele sacudiu a cabeça, enquanto a olhava com tanto desprezo que o tornava quase
irreconhecível.
— Sabe por que não lhe contei quem eu era, logo que Milo a aprovou? Porque, ao
mesmo tempo que me disse que você sabia cantar, também contou que tinha pedido um
grande empréstimo, um empréstimo de quinhentas libras... para pagar dívidas.
— Ele lhe contou? — Alana sentiu o corpo gelado. Tinha se esquecido totalmente
do empréstimo!
— Gomo imagina que conseguiu todo aquele dinheiro? Eu dei aquele cheque.
— Mas... mas foi a gerência...
— Exatamente. Mas eu tinha que autorizar.
Desorientada, ela disse as palavras erradas:
— Fez isso para me manter em seu poder!
— Como pode dizer uma coisa dessas? Vai se arrepender de me acusar assim! Só
autorizei para que pudesse pagar suas dívidas, nada mais do que isso. Já faz muito
tempo que alguém não me faz de cretino, mas você conseguiu! Tinha imaginado que
estava desempregada e por isso tinha dificuldades financeiras. Só quis ajudar! Mas o fato
de dar o dinheiro a você me deixou de mãos atadas quanto a revelar quem eu era,
compreendeu? De outro modo, sei que você não aceitaria.
— Lógico que não!
— Assim, seu ódio deve ser igual ao desprezo que eu sinto por mim, por ter
tentado salvar esse pescoço interesseiro. Apesar de agora eu estar louco para vê-la pelas
costas, vai ter que ficar e devolver cada centavo. E, com os juros, vai demorar um bom
tempo. Até amanhã de manhã!
Ele bateu a porta com tal violência que quase a tirou dos gonzos. Alana sentou-se,
extenuada, escondendo o rosto nas mãos. Estava tão desnorteada que nem conseguia
chorar. Por que não se lembrara do dinheiro? Depois de descobrir a identidade de Guy,
devia ter imaginado que o dinheiro tinha vindo dele! E não era de admirar que
desconfiasse que ela queria ir embora sem combinar uma maneira de pagá-lo.
Suspirou. Um instante antes de sair, ainda o ouvira resmungar que era absurdo
achar que ele podia se divertir enganando-a. Agora que pensava no dinheiro, podia

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entender o dilema em que ele se achava. Mas o que não conseguia compreender era por
que tinha continuado a ser bom para ela.
Naturalmente, havia uma razão óbvia, mas Alana temia essa resposta, pois podia
estar enganada. Lembrou-se de que ele ia casar com outra; diante disso, era obrigada a
reconhecer que só havia uma razão: Guy Renwick queria apenas ter uma aventura
passageira com uma cantora de boate!
Seu coração dilacerado ainda procurava defendê-lo. Embora saísse regularmente
com ela, Guy não exigira mais do que alguns beijos, nem lhe prometera coisa alguma.
E agora, depois de sua reação violenta, nada mais poderia existir entre eles, nem
mesmo amizade. Apesar de ele ter dito que falaria com ela pela manhã, pensou que era
só uma maneira de falar.
Quando ele mandou chamá-la logo cedo, seu primeiro impulso foi de surpresa, mas
um raio de esperança nasceu dentro dela. Será que estava mais calmo agora do que na
véspera? Se mostrasse algum sinal de reconciliação, ela se desculparia.
Como nunca tinha estado antes no escritório dele, perguntou onde era para a
empregada que lhe trouxera o café, junto com o recado.
— Vai encontrar logo, depois da sala da gerência — respondeu a moça. — Fica no
andar térreo.
Guy avisara para que estivesse lá às onze e ela chegou cinco minutos antes. A
elegante jovem que a recebeu sorriu amavelmente e pediu que esperasse. A espera fez
com que voltasse a tremer, e seu otimismo foi diminuindo, à medida que o tempo
passava.
Guy tinha deixado claro que queria que ela ficasse até pagar o empréstimo.
Provavelmente, queria também que assinasse um recibo, para ter alguma garantia.
Quando finalmente Alana foi levada à sua presença, ela se surpreendeu, ao
encontrá-lo recostado na cadeira, os braços cruzados, impassível.
"Ele é bom nisso", pensou, com um estremecimento involuntário.
Caiu numa poltrona, as pernas tão fracas que mal a sustentavam. Ele parecia um
estranho, frio e inatingível, e ela não sabia o que dizer. Desesperada, pensou como
viveria dali para a frente sem o carinho e o apoio dele; sabia que, mesmo que não tivesse
descoberto nada, a amizade dos dois não duraria muito tempo, mas havia sido
maravilhoso até então. Sofria uma terrível sensação de perda e não se iludia alimentando
alguma esperança.
— Muito bem, srta. Hurst — disse ele, logo que ela se sentou. — Passei algum
tempo, esta manhã, verificando seus negócios e, pelo que pude verificar, está tudo em
ordem. Assinou um contrato para cantar para nós durante seis meses, a menos que a
direção decidia dispensá-la. Depois de seis meses, poderá haver uma renovação, se
ambas as partes tiverem interesse.
— Já sei tudo isso — interrompeu ela, muito pálida e abalada com a frieza dele.
— Devido à sua instabilidade emocional — ele continuou, ignorando o comentário
— chamei-a até aqui para deixar bem claro que sob nenhum pretexto pretendemos liberá-
la de seus compromissos.
Alana não tomou conhecimento do insulto, para não deixá-lo ainda mais zangado.
Finalmente, ela se inclinou para a frente e, com voz sumida, tentou se desculpar:
— Sinto muito ter dito o que disse ontem à noite, Guy...
— Sei que sente. Acharia mais apropriado que me tratasse pelo meu sobrenome,
daqui para a frente. Tenho certeza de que não será problema, pois ontem à noite parecia
estar encantada com ele.
Não ousou protestar. De que adiantaria? Naquele instante, ficou certa de que
nunca mais se entenderiam novamente, e talvez fosse melhor. Amando-o como o amava,
o mais sensato era procurar vê-lo o menos possível e não insistir numa amizade que só a
faria sofrer.

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— Como quiser, sr. Renwick — disse, altiva, tentando manter o que lhe restava de
dignidade.
— Ótimo. Agora, quanto a seu quarto, desde que deseja que nosso futuro
relacionamento seja estritamente comercial...
— Se eu tiver que ficar... isto é, como devo ficar, não me importo de continuar onde
estou. Se falei das acomodações, peço desculpas. Estou muito satisfeita lá.
— Como quiser. Mas, naturalmente, teremos que cobrar. Poderemos descontar de
seu salário.
Alana sentiu que o coração batia pesadamente dentro do peito. Também não tinha
pensado nisso!
— Quanto é?
— Acredito que poderíamos fazer uma boa redução. Digamos... cem libras por
semana?
Cem libras por semana! Alana ficou gelada. Cem libras era um pouco menos do
que ganhava por semana, e ele sabia! Como podia fazer isso? Mas ela o havia
provocado, pensou, amargurada. E Guy Renwick não costumava perdoar a quem o
ofendia. Ele agora era um estranho e pretendia continuar assim. Não havia mais nada a
fazer!
— Não tenho tanto dinheiro. Acho melhor procurar um quarto fora daqui.
— Pensei mesmo que estava um pouco acima de suas posses — comentou,
sarcástico. — Mas tenho certeza de que encontraremos algo mais em conta. Não que
tenhamos muitas acomodações modestas. Deve ter achado o preço exorbitante, mas
garanto que posso conseguir bem mais por aquela suíte.
— Tenho certeza que sim.
Os olhos dele estavam fixos em seu rosto pálido e transtornado, havia neles um
brilho de triunfo.
— Entretanto, seria muito conveniente se continuasse a morar aqui mesmo, no
hotel. Assim, vou ver se arranjo alguma coisa por volta de, digamos, vinte libras por
semana. É mais conveniente para a senhorita?
— Sim — respondeu, tentando parecer satisfeita.
Guy a olhou atentamente, e ela não confiava naquele brilho dos olhos dele.
Quando sorriu, o riso foi cruel.
— Vou providenciar para que possa comer na sala dos empregados. Se quiser,
poderá comer fora; um sanduíche em seu famoso bar virando a esquina. Mas ficará mais
barato se aceitar quarto com refeições.
Será que ela conseguiria comer e dormir novamente? Mas, já que era obrigada,
importava onde? Concordou em silêncio e se levantou, balbuciando um agradecimento.
Se ficasse ali mais um minuto, explodiria em lágrimas.
— É só o que deseja, sr. Renwick?
— Por enquanto é — respondeu, arrogante, sem se levantar para se despedir dela.
— Pode ir, agora. Mandarei chamá-la dentro de um ou dois dias, quando tiver um
documento legal sobre o empréstimo que a senhorita conseguiu de... de mim.
Por que ele não disse logo que ela queria roubar aquele dinheiro? Criatura odiosa!
Correu para se refugiar em sua suíte, mas depois pensou que, se fosse para lá, acabaria
chorando. O que precisava mesmo era ficar o mais longe possível do homem que a fizera
passar a meia hora mais humilhante de toda a sua vida!
Saiu do hotel e caminhou até um parque próximo, onde muitas pessoas
passeavam sob o sol de primavera. Encontrou finalmente um lugar sossegado e sentou-
se muito quieta, procurando recuperar o controle. A grosseria de Guy a deixara
fisicamente abalada, sem falar no estado de seu coração. Uma lágrima escorreu
lentamente pelo rosto abatido. Se Guy a visse agora, seu triunfo seria completo.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Nesse instante, alguém se sentou a seu lado. Era Fabian Marlow, a última pessoa
que esperava ver.
— Ah... como vai? — cumprimentou ela.
— Posso ajudar? — perguntou, carinhoso. — Vi quando saiu do hotel e parecia
muito abalada. Foi por isso que a segui até aqui.
— Não é nada. Estou com dor de cabeça.
— Se quiser chorar um pouco, empresto meu ombro — brincou, reparando na
lágrima que escorria pelo rosto.
Fabian era tão bom! Tinha a capacidade de reanimá-la; em sua companhia, Alana
conseguia se acalmar. Ele estava sempre interessado, mas não era indiscreto. Também
não esperava que ela fosse perfeita, como Guy! Por que Guy não podia ser parecido com
Fabian?
Mais tarde, ele a acompanhou de volta ao Remax. Tinham conversado e tomado
uma xícara de café. Alana sentia-se muito melhor e muito grata.
— Não vou poder assistir aos seus próximos shows — disse Fabian, parecendo
muito triste por isso. — Mas, quando voltar, podemos tomar um drinque juntos?
Alana concordou e os dois se despediram. Ela subiu para a suíte e encontrou as
arrumadeiras lá.
— Eu espero — disse, sorrindo, mas percebeu que as duas se entreolhavam,
embaraçadas.
— Sinto muito, srta. Hurst — falou uma delas, corando até a raiz dos cabelos — ,
mas esta suíte está vazia. Tivemos ordens de levar suas roupas para o quarto 504, no
andar de cima. Pensamos que tinha sido avisada.
— Ah, sim, naturalmente, mas eu esperava ter que fazer isso eu mesma.
Se elas tinham ou não acreditado em sua desculpa, tanto fazia. Sentia-se
completamente humilhada e amargurada. Havia concordado em se mudar, mas pensava
que Guy lhe daria alguns dias. Provavelmente, não queria que ela pensasse que ia mudar
de ideia. As duas mulheres a olhavam, desconfiadas, sem entender o que tinha
acontecido.
Alana passou da saleta ao quarto. Abriu rapidamente cada gaveta, mas tudo
estava vazio; mesmo seus pertences pessoais tinham sido levados. Como Guy podia
fazer uma coisa dessas? Vendo que as arrumadeiras continuavam a vigiá-la
disfarçadamente, sorriu e explicou:
— Estou conferindo se não ficou nada.
O quarto 504 era decente e pequeno. Lá, encontrou suas coisas, como tinham lhe
dito; só que, dessa vez, as malas ainda estavam fechadas, o que era uma indicação clara
de sua mudança de status. Um carpete já bem usado cobria o chão, e havia um guarda-
roupa, uma mesinha de cabeceira e uma cama de solteiro. Num canto, uma pia; nada de
banheiro, como na suíte. Tinha que descobrir onde ficava o banheiro. Poderia sobreviver,
naturalmente. O que a incomodava não era a simplicidade do quarto, mas os comentários
que fatalmente surgiriam por causa da mudança. Se ao menos Guy a tivesse mandado
diretamente para aquele quarto, tudo teria sido bem mais fácil para ela.
Levou algum tempo arrumando suas coisas e verificou, aborrecida, que as
mulheres não tinham tomado cuidado e que alguns de seus vestidos novos estavam
amassados.
Terminou bem depois das duas horas, e Milo a esperava às três, para o ensaio. Ele
queria que ensaiasse dois novos números.
Com todos aqueles problemas, Alana tinha se esquecido de almoçar, e agora não
havia mais tempo. Mas não fazia mal, estava sem apetite. Resolveu comer um sanduíche
fora, em vez de usar a sala dos empregados, pois, além de tudo, seria mais barato. Guy
tinha dito que cobraria um preço especial pelo quarto e refeições, que suspeitava de que,

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

mesmo assim, estaria muito acima de suas posses. Precisava economizar o máximo,
para mandar o resto para os pais.
Achou um dos novos números especialmente difícil, e Milo perdeu a paciência com
ela muitas vezes, até se dar por satisfeito. Era uma canção que falava de uma jovem
abandonada pelo amante, e Alana não queria que Milo percebesse o quanto aquela letra
a fazia sofrer, pensando em sua própria história.
Quando, afinal, começou a cantar com mais confiança, conseguindo uma boa
interpretação, Milo respirou aliviado. Mas, nesse instante, Alana viu Guy observando-a de
longe e imediatamente ficou sem voz.
— Eu... eu esqueci as palavras — mentiu, tentando disfarçar, o rosto branco feito
papel.
Guy ainda tinha coragem de assistir a seu ensaio, depois de tudo o que
acontecera! Gostaria de ter coragem para enfrentá-lo, mas não conseguiu erguer os
olhos.
— Quer recomeçar? — perguntou ela a Milo, que a olhou com atenção. — Você
almoçou, hoje? — perguntou, desconfiado.
— Tomei uma xícara de café.
— Foi o que pensei. No futuro, não fique só numa xícara de café.
Ela concordou com um gesto da cabeça, humilhada e ressentida.
Mas o que mais a preocupava era a presença de Guy; não sabia por que ele
estava lá, mas certamente não era para perdoá-la.
— Quer que eu tente outra vez? — perguntou, muito ansiosa.
— Não! — Milo passou o braço por seus ombros frágeis e, sem tomar
conhecimento de Guy, beijou-a na testa. — Mas terá que cantar melhor esta noite, ou...
eu a despeço!
Alana não resistiu e deu uma gargalhada histérica.
— O sr. Renwick se recusa terminantemente a me despedir!
Guy olhou-a, furioso, e a resposta cruel não demorou:
— Sempre posso lhe arranjar outra coisa para fazer, srta. Hurst. No serviço
doméstico, por exemplo.
Como ninguém sabia se o comentário era brincadeira ou não, Alana se apressou
em dizer:
— Prometo ter a letra na ponta da língua, esta noite, Milo. — Desculpou-se e fugiu
para o quarto, sabendo que era seguida pelo olhar implacável de Guy.
No quarto, ela se atirou na cama, pensando que tinha sido criancice provocá-lo
daquela maneira. Ela seria a única a sofrer. Estremeceu, ao se lembrar da frieza dos
olhos cinzentos, antes tão doces. Estava inteiramente nas mãos dele, por causa do
contrato que assinara e do dinheiro que pedira emprestado.

Capítulo 6

Naquela noite, quando Alana foi cantar, teve a surpresa de ver Guy sentado à sua
mesa habitual. Gostaria que ele não estivesse ali, mas depois percebeu por que estava
agindo assim: esperava que ela se desnorteasse e acabasse cometendo um erro para
poder criticá-la. E seu olhar, fixo nela o tempo todo, quase conseguiu isso. Houve um
momento em que seus olhos se encontraram e, por segundos, ela se esqueceu de cantar.

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Então, alguém passou entre eles, ou as luzes brilharam um pouco mais, e Alana
conseguiu se controlar novamente. Daí em diante, não mais olhou para ele, nem mesmo
quando terminou o número e recebeu um entusiástico aplauso.
— Estão começando a gostar de você — comentou Milo, enquanto a abraçava pela
cintura e agradecia, a seu lado, as palmas generosas. — Acreditei nisso desde o começo.
Olhando seu fundo decote e o vestido elegante, Alana corou.
— Sei do que eles gostam — comentou, seca, e Milo sorriu.
Na noite seguinte, quando não resistiu e seu olhar procurou o de Guy, ele não
estava sozinho. Havia uma mulher a seu lado, uma bela e sofisticada mulher de cabelos
ruivos. Alana arregalou os olhos e, como sentindo a força daquele olhar, ele se virou para
encará-la. Mesmo daquela distância, uma vibração intensa sacudiu seu corpo,
desesperada por não conseguir escapar à forte atração que sentia por aquele homem.
Então, a mulher falou qualquer coisa e Alana viu o sorriso encantador que Guy lhe dirigiu.
Era mais de meia-noite quando ele mandou um recado para Milo: queria que ela
fosse até sua mesa.
— Não pode dizer que estou ocupada, Milo? — perguntou, muito aflita.
— Receio que não...
Ela se aproximou de Guy e de sua bela acompanhante, com um aperto no coração,
imaginando que a ruiva fosse Violet Templeton, sua vizinha na casa de campo.
— A sra. Templeton queria conhecê-la — disse Guy, cerimoniosamente,
confirmando suas suspeitas. E acrescentou: — Na próxima vez que eu a chamar, srta.
Hurst, não leve tanto tempo.
— Apreciei muitíssimo sua interpretação, srta. Hurst — interrompeu Violet, muito
alegre. — Gosto de sua voz, ela me faz bem.
Alana murmurou algumas palavras de agradecimento. Não ajudava nada perceber
que de perto a sra. Templeton era ainda mais bela. E também amável e educada, o que a
deprimia. Era evidente que seria a esposa perfeita para Guy Mason Renwick.
Quando Guy puxou uma cadeira para que Alana se sentasse, a mulher comentou,
muito delicada:
— Está com um vestido lindíssimo!
— O que sobra do vestido — acrescentou Guy, maldosamente.
— Guy tem uma prima que sonha ser cantora — Violet disse, tentando explicar o
comentário ousado dele. — Naturalmente, até um ou dois anos atrás, era uma profissão
considerada arriscada, e o pai dela não permitiu. Ela ainda insiste em seguir essa
carreira, querido?
— Não, parece que resolveu casar e ter filhos. É melhor para ela.
— Acha mesmo isso? — perguntou Violet, os olhos apaixonados fixos nele.
— Em todo caso, eu não gostaria de ver Jane cantando assim foi o comentário
seco de Guy.
Alana sentiu o sangue lhe subir ao rosto. Ele não estava nem ao menos
procurando disfarçar os desaforos! Pois bem, não ficaria sentada ali, escutando aqueles
dois!
Nem protestaria, dizendo que cantar era uma profissão decente como qualquer
outra.
— Se me derem licença... — murmurou, antes de se levantar.
— Oh, não pode ir ainda! — pediu Violet. — Guy, querido, não falamos com ela
sobre nossa festa!
— Você pode falar — respondeu ele, os olhos fixos no rosto corado de Alana. — A
ideia foi sua.
— Guy vai dar uma festinha na semana que vem e eu pensei que seria ótimo se
você pudesse cantar para nós. Gostaria que escolhesse algumas músicas que
agradassem a um casal de noivos...

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Noivos? Então Fabian tinha dito a verdade! Alana empalideceu, mas conseguiu
manter o sangue-frio. Esse último choque era ainda maior do que os outros, e de repente
percebeu que Violet a olhava atentamente.
— Claro que Guy vai providenciar para que tenha a noite livre, se é por isso que
está hesitando.
— Não será problema — respondeu Guy, com ironia na voz. — Tenho certeza de
que a srta. Hurst não vai nos decepcionar.
Não, lógico que não. Não tinha a intenção de ir à festa de noivado daqueles dois,
mas concordou porque não aguentava ficar ali nem mais um minuto. Depois inventaria
alguma desculpa, nem que fosse uma laringite! Se a intenção de Guy era destruir todos
os seus sonhos, tinha conseguido plenamente!
Na tarde seguinte, enquanto ela estava descansando, ele foi procurá-la. Alana não
tinha descido para o ensaio porque Milo ia entrevistar outra cantora e lhe deu folga. Milo
sempre procurava ter uma ou duas cantoras de reserva, para chamar numa emergência.
Acabara de tomar um banho de chuveiro e estava deitada, sonolenta, quando Guy
entrou. Ela não fora nem avisada! Num instante, o quarto estava tranquilo e, no outro, lá
estava ele, à sua frente.
— Como conseguiu entrar? — perguntou, sentando-se na cama.
— Tenho uma chave mestra.
— Pois não a use outra vez! — gritou Alana, fechando o roupão e passando os
dedos pelos cabelos em desordem.
Que homem desprezível! Como podia ser tão grosseiro, tão insensível? E já que
estava ali, por que não dizia o que queria e ia embora? Estava preparada, pois tinha
certeza de que não era nada agradável. Sentiu-se presa sob aquele olhar cínico, que
zombava de suas tentativas inúteis de proteger o corpo trêmulo.
— Por que está tão irritada?
— Não acha que tenho motivos? — protestou, enquanto ele examinava cada curva
de seu corpo.
— Se eu fosse você, não falaria desse jeito. Não pode se dar a esse luxo.
Como um homem conseguia ser tão odioso?
— O que quer?
Ele fechou a porta.
— Como proprietário do hotel, talvez eu tenha vindo para saber se está satisfeita
com o novo quarto.
— Gosto mais dele quando você não está aqui dentro.
— Verdade? Pelo menos admite que faço alguma diferença.
Apesar de furiosa, Alan a sentia o coração batendo por ele, e decidiu que precisava
fazer qualquer coisa para se ver livre, em vez de tentar enfrentá-lo. Custasse o que
custasse, Guy nunca devia saber o quanto ela ainda o amava!
— É lógico que você não se deu ao trabalho de vir até aqui só para se assegurar
de meu conforto.
— Não é tão difícil assim. De elevador, não levo nem um minuto. Meu quarto fica
exatamente aqui embaixo.
Alana piscou, confusa. Aquilo seria uma ameaça? Continuou muda, sem condições
de falar.
— Trouxe o papel para que assine, mas não há pressa.
Havia toda a pressa do mundo!
— Assinarei agora mesmo!
Com as mãos cruzadas nervosamente à frente do corpo, Alana o viu olhar para a
mesinha de cabeceira, onde ela havia posto uma lata de leite em pó e alguns biscoitos.
O hotel fornecia saquinhos de chá e uma chaleira, e assim ela poderia tomar o café
da manhã ali mesmo.

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— Não está comendo no hotel? Por quê?


— Porque gosto de sair — respondeu, arrogante.
Ele se virou para olhar melhor para ela.
— Você chegou, hoje, em companhia de Fabian Marlow. Não sabia que se
conheciam.
— Muitos homens falam comigo, sr. Renwick. Isso acontece com cantoras de
boate.
Ele pareceu não se abalar com a resposta desaforada, mas seu olhar estava
gelado.
— Já percebi que você atrai muita gente.
— Não está me acusando de procurar, deliberadamente, atrair os homens, está, sr.
Renwick?
— Aquele vestido que usava ontem à noite, srta. Hurst, era indecente e sugestivo.
Quando lhe demos liberdade de escolher suas roupas, pensei que tivesse mais discrição.
Lembrando-se do olhar dele na véspera, quando ela se sentara à mesa, Alana
sentiu uma onda de revolta.
— Pode ter pensado que me deu liberdade de escolher, mas, na verdade, não tive
nenhuma!
— Então volte à loja amanhã e escolha outras roupas. Não permito que meus
empregados andem por aí quase nus!
— Algumas de suas hóspedes não andam mais vestidas!
— Não estou me referindo a minhas hóspedes. Elas podem usar o diabo que
quiserem, e tudo bem! Mas não você! Portanto, faça o que estou mandando!
Alana desviou o olhar. Nunca conseguiria entender aquele homem! As outras
cantoras que trabalhavam para Milo usavam roupas bem mais provocantes, e aquilo
nunca havia criado problemas! Naturalmente, desde a discussão que tinham tido, Guy
não perdia a oportunidade de humilhá-la. Estava óbvio que era isso mesmo que pretendia
agora.
Não passava de um sádico!
— Vou pensar no assunto — respondeu, fria. Depois, tentando se livrar dele,
perguntou: — A sra. Templeton não está à sua espera?
— Ela não é minha dona.
— Admito que a coleira e a corrente não estão visíveis, mas tenho certeza de que
ela não gostaria de saber que está aqui.
— Ora, Violet não se importa com minhas diversões inconsequentes.
Alana não podia aguentar mais tantos insultos.
— Eu não seria uma aventura sua nem por todo o dinheiro do mundo!
— Não mesmo, srta. Hurst?
Com um risinho cínico, Guy se aproximou. Quando a cama se curvou ao peso dele,
Alana o encarou, calada e sem ação. A insolência daquele homem era inacreditável!
Mas ela se vingaria, pensou, furiosa. Só que, de repente, a velha magia surgiu,
deixando-a indefesa e desesperada. Nem que levasse cem anos, jurou a si mesma,
provaria a ele que não o amava!
Guy a observava atentamente, e afinal seu olhar parou nos lábios rosados, que
tremiam um pouco. Não era possível que estivesse pensando em beijá-la! Ele era um
demônio!
Queria feri-la ainda mais!
Não tinha sentido que, apesar de tudo, ela desejasse sentir os lábios dele! Reuniu
todas as forças para resistir. Em hipótese alguma deveria ceder e deixá-lo perceber o
quanto ansiava por ele.
Guy roçou os lábios nos dela, mas não esperou pela reação. Só esperou que
entreabrisse a boca para protestar, e então ele pressionou mais forte. Imediatamente ela

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se sentiu invadir pela magia, e, sem que soubesse o que acontecia, ele a tinha feito se
recostar e estava deitado a seu lado, beijando-lhe e abrindo seu roupão.
A cabeça de Alana rodava, e o coração disparava. Como ele conseguia sempre
provocar nela uma onda tão forte de emoção e desejo, fazendo com que todo o resto
deixasse de ter importância?! Carinhosamente, ela o abraçou, um gesto que dizia mais do
que qualquer palavra. Tentou falar, mas o coração batia tão forte que mal conseguia
respirar. Se antes já estava com medo das próprias emoções, agora nem queria pensar
nelas.
Aquilo ainda durou algum tempo, ele beijando apaixonadamente seus lábios,
enquanto as defesas de Alana iam caindo uma a uma. Guy não tentou esconder seu
louco desejo, e ela acabou totalmente vencida. De repente, percebeu que não poderia
negar nada a ele. Devia tê-lo ferido profundamente com suas acusações histéricas, em
vez de procurar esclarecer tudo com serenidade. Afinal de contas, ela não o amava?
— Guy, será que não pode me perdoar por tudo o que eu disse na outra noite? Se
gosta de mim, provarei o quanto me arrependi.
— Gostar de você! — repetiu, como se as palavras dela o tivessem feito voltar à
realidade. Rudemente, ele a empurrou. — Parece que se supervaloriza. Acha que eu me
apaixonaria por uma mulher como você?
— Guy! — Ficou lívida.
— Não perca seu tempo! — Os olhos cinzentos brilhavam febrilmente. — Você usa
todos os truques, não? Mas não quero mulheres da sua laia, e nunca vou querer!
Ela se encolheu, o sangue latejando nas têmporas, mal a deixando escutar
qualquer coisa, mas teve a impressão de que ele praguejou que realmente devia estar
completamente louco para se envolver com uma prostituta tão barata. Abotoou a camisa e
a pôs para dentro da calça, e parou olhando para ela. Mas durou só um momento, pois,
xingando-a mais uma vez, deu meia volta e foi embora.
Já bastante infeliz com o que tinha acontecido, Alana recebeu mais um golpe no
dia seguinte. Seus pais mandaram uma carta pedindo mais dinheiro e explicando que
estavam pensando em vender a casa.
Assim, logo teriam condições de pagar a ela; entretanto, o corretor achava difícil
venderem rapidamente uma propriedade tão grande e o banco não concedia mais
empréstimos.
Era essencial que Alan lhes enviasse algum dinheiro para poderem sobreviver. Se
não tivessem gastado tanto com a educação dos filhos, agora teriam algumas economias,
escrevia a mãe. Além disso, acrescentava que "todos sabem como cantoras ganham
bem".
Alana rasgou a carta em pedacinhos e jogou-a na cesta de papéis. O que podia
fazer agora? A mãe achava que ela estava ganhando uma fortuna e podia salvá-los dos
credores. O corretor e o gerente do banco tinham razão: por aqueles tempos, quem
queria uma casa com dez quartos?
No limite do desespero, encheu a chaleira para fazer um chá, enquanto pensava
em uma solução. Mas, antes de a água ferver, a secretária de Guy ligou dizendo que ele
queria vê-la imediatamente. Com um suspiro desanimado, Alana desligou e olhou as
horas. Era cedo ainda. Sabia por que ele a estava chamando, mas não precisava ir tão
depressa. Depois da carta da mãe, não tinha forças para enfrentar Guy naquela manhã.
Chegou ao escritório dele um pouco depois das nove.
— Esqueceu de assinar o que combinamos ontem — ele disse, logo que entrou.
— O senhor não me deu o documento, sr. Renwick — respondeu, procurando
parecer tranquila e odiando o coração que batia loucamente, cada vez que olhava para
ele.
— Eu me deixei envolver, mas não acontecerá novamente.

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— Fico satisfeita. — Enfrentou-o, conseguindo até sorrir. — Agora, por favor, me


dê o documento, que eu assinarei. Depois podemos esquecer tudo.
Em sua ansiedade para esconder o sofrimento, ela exagerou. O rosto de Guy
mostrou todo o furor que sentia.
— A senhorita parece não ter nenhuma moral! Depois que pagar o que deve,
poderá esquecer; não antes! Usou o dinheiro para pagar dívidas?
— Sim — respondeu, baixando os olhos.
— Que tipo de dívidas? Posso saber?
— Não... Isto é, sinto muito, o senhor não tem o direito! — O medo tornou a
resposta mais agressiva do que ela pretendia que fosse. Gostaria de confessar que o
dinheiro era para os pais, mas não ousava. — Não posso...
Mas Guy pareceu não perceber sua infelicidade. Levantou-se e parou diante dela,
dominando-a com sua altura.
— Algumas vezes, as pessoas me deixam atônito. Rastejam quando querem
alguma coisa, mas logo que conseguem, agem como se tivessem feito um favor em
aceitar!
— Talvez seja uma reação natural. Nunca é fácil pedir alguma coisa. Odiei ter
pedido emprestado esse dinheiro!
— Não se preocupe, nunca mais vou lhe emprestar nada.
— Nem eu pedirei!
— Nem pedirá a mais ninguém!
— O senhor não manda na minha vida!
— Ainda não.
Antes que ela pensasse numa resposta para uma afirmação tão absurda, a
secretária chamou pelo interfone.
— Sim? Está bem, srta. Smith. Diga a ela para esperar um instante, que não
demoro.
Nem bem tinha desligado, a porta se abriu e Violet Templeton entrou.
— Peço desculpas, querido. Não sabia que tinha alguém aqui dentro. Sua
secretária realmente me disse que estava ocupado, mas todas as boas secretárias dizem
isso.
Pensei que estava só trabalhando.
— Tudo bem, Violet. A srta. Hurst estava mesmo de saída.
Depois de olhar rapidamente para ele, Alana se levantou para ir embora. O quadro
dos dois juntos continuava diante de seus olhos torturados. Guy tinha mudado de
expressão imediatamente. Agora, parecia mais alegre.
Mas nem mesmo ele podia ocupar todos os seus pensamentos, naquela manhã.
Alana estava preocupada com o novo empréstimo que a mãe pedia e não podia mais
apelar para Guy. Voltava para o quarto, desanimada, quando subitamente se lembrou de
Fabian Marlow!
Sem querer pensar se estava certo o que fazia, pegou papel e caneta. Recorreria a
Fabian! Ele não havia dito a ela uma vez que era milionário? Se fosse mesmo, não se
importaria de emprestar mil libras. Prometeria devolver o mais depressa possível.
Mesmo querendo que tudo não passasse de um negócio puramente comercial, ela
releu a carta com profundo desgosto. Se a mãe imaginasse o que aquela falta de
responsabilidade estava lhe custando, em embaraços e humilhações, talvez nunca
recorresse a ela. Se ao menos Andrew estivesse por perto para aconselhá-la sobre a
melhor coisa a fazer...
Mas Andrew estava nos Estados Unidos. E tinha problemas sérios com a saúde da
esposa. Ela não podia permitir que os pais acabassem presos por dívida. Não importava o
quanto sofresse, desde que eles ficassem protegidos. Logo que a casa fosse vendida,

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teria uma conversa séria com os dois, explicando que estava recebendo um salário
modesto e que precisavam pagar a Guy e Fabian.
Colocou a carta num envelope e a levou até a recepção, pedindo a uma das moças
para entregá-la ao sr. Marlow. Resolvera agir assim, em vez de pedir diretamente, porque,
se ele não quisesse dar o empréstimo, seria mais fácil recusar por escrito do que
pessoalmente.
Ao se afastar, não viu que Guy a observava da porta de seu escritório, nem que
tinha lido o nome do destinatário e uma ruga profunda vincava sua testa.
Menos de meia hora depois, Fabian pediu que ela fosse até sua suíte. Ficou
surpresa por ele ter recebido a carta tão depressa, mas era um alívio não precisar esperar
muito tempo pela resposta.
A suíte de Fabian era uma prova de que ele não havia mentido quanto ao dinheiro
que dizia ter. Alana quase perdeu o fôlego ao ver o luxo que o cercava, mas estava tão
obcecada por seus problemas que nada mais a interessava.
Fabian levou-a até a enorme sala de estar e a convidou a se sentar. Alana olhou
para ele, mas o rapaz não parecia reprovar o que ela havia feito.
— Muito bonito — comentou ela, olhando em volta e sabendo muito bem que
aquele comentário era absurdo. — Mora aqui?
— Fico nos Estados Unidos a maior parte do tempo. É mais fácil ficar em hotel,
quando venho para cá.
— Ah... — Teve a impressão de que ia desmaiar e fechou os olhos.
— Alana, meu bem, acalme-se... Recebi sua carta. Está muito preocupada? É
realmente uma coisa pouco comum, mas garanto que não há razão para ficar tão
desesperada.
— Não gosto de lhe pedir dinheiro, Fabian, Só desejo um empréstimo; mesmo
assim, não achei fácil fazer um pedido desses pessoalmente. Não lhe pediria um centavo,
se não tivesse certeza de poder pagar com juros dentro de, no máximo, dois meses.
Ele se levantou, mas somente para servir uma bebida para ela.
— Beba. Está precisando. — Enquanto ela obedecia, confusa, ele esvaziou seu
copo — Eu também estava precisando.
— Se está preocupado com os pagamentos, quero explicar que vou...
— Não é nada disso. Não estou ligando para o dinheiro. Pode ficar com tudo, não
quero de volta. Mas quero você!
— Oh, não! — levantou-se assustada.
— Por favor, querida! — disse ele, também ficando de pé. — Não é o que está
pensando. Não quero ter um caso com você. Quero que seja minha esposa.
— Quer... casar comigo?
— Eu a amo! E acho que podemos ser muito felizes, juntos.
As pernas de Alana cederam, obrigando-a a se sentar novamente. Isso não podia
estar acontecendo! Fabian era agradável, gostava muito dele, mas tinha certeza de nunca
ter lhe dado motivo algum para achar que queria mais do que amizade. Ficou ainda mais
atônita, quando ele continuou:
— Acho que devo lhe contar que estava noivo de outra garota. Pelo menos,
devíamos anunciar nosso casamento, mas foi quando conheci você e descobri que não
podia continuar com ela. Liguei para ela há uns cinco minutos, para dizer o que sentia.
Alana protestou, em pânico:
— Mas nem tinha falado comigo! Devia ter esperado!
— Não importa. Mesmo que você não me queira, não sirvo para ela. Além disso,
ela reagiu com tal histeria que duvido que me perdoe.
Alana sentia que ela, sim, estava à beira de um colapso nervoso.
— Você é um bobo, Fabian! — gritou, desesperada. — Como sabe que me ama?
Muitos homens se apaixonam por cantoras, e a maioria das vezes não é um amor real.

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Debaixo de todo o brilho, somos todas moças comuns. Eu, pelo menos, sou comum —
acrescentou, aflita.
— Agora, não há nada de artificial em você — ele teimou. — Tenho certeza de que
não está usando uma gota de maquilagem. E essas roupas! Não têm nada de sofisticada.
Mesmo assim, é a coisinha mais linda que já vi!
Desesperada com o exagero dele, Alana sentia-se cada vez mais desesperada.
Tinha certeza de que Fabian estava apenas obcecado por ela e que logo recuperaria o
juízo, mas o que devia fazer para convencê-lo disso? E a pobre noiva, como devia estar
sofrendo!
— Não posso acreditar que tenha terminado seu noivado de um modo tão
insensível!
— Acredite ou não, é a verdade, e proponho um negócio a você: case comigo e
terá todo o dinheiro que quiser, senão não receberá nada!
Alana tremia da cabeça aos pés. Não era preciso ser muito esperta para ter uma
ideia do caráter de Fabian. Ganhara milhões e acreditava que eles poderiam comprar
tudo o que desejasse. Mas parecia também ser uma pessoa muito infeliz. Seus olhos
estavam atormentados, quando a encarou, e ela receou que realmente estivesse
apaixonado.
— Tenho que pensar, antes de responder — disse, evasiva. O que realmente
pretendia era descobrir outra maneira de conseguir o dinheiro. Nunca poderia aceitar o
pedido de Fabian, pois ainda estava apaixonada por Guy. Só aceitaria se não tivesse
outra saída. Mesmo assim, não sabia se teria condições de aguentar.
Minutos depois, Alana saiu do hotel para dar uma volta. Embora vagasse pela
cidade a tarde toda, não tinha encontrado uma solução até as três horas. Nenhuma firma
respeitável estava disposta a adiantar uma tal quantia sem garantias, e as outras
cobravam juros exorbitantes.
Parou para tomar um café. Nunca poderia aceitar o pedido de casamento de
Fabian; isso estava fora de cogitação. E precisava encontrá-lo o mais depressa possível
para dar sua resposta. Talvez devesse ter dito mais claramente a ele que não o amava,
sem lhe dar nenhuma esperança.
Já eram quase quatro horas, quando voltou ao hotel. Logo ao entrar, foi chamada
pela recepcionista. Havia um recado urgente de Milo, que queria vê-la imediatamente.
Ansiosa, Alana foi direto ao escritório dele. Falaria mais tarde com Fabian.
Quando entrou, Milo estava falando ao telefone, mas, logo que a viu, desligou e
mandou que se sentasse. Alana teve a impressão de que ele estava se comportando
estranhamente, pois olhou para ela e depois tornou a olhar, passando a mão pela nuca.
Parecia que queria dizer alguma coisa, mas não sabia por onde começar.
— O que aconteceu? — perguntou, alarmada — O sr. Renwick já quer me despedir
ou coisa assim?
— Não, nada disso. Pelo menos, não é bem assim.
— Você me mandou um recado de que tinha uma coisa urgente para me dizer.
Portanto, quero que diga logo o que é. Nada pode ser pior do que ficar aqui sentada,
tentando adivinhar!
— Tem razão e peço que me desculpe, mas é muito difícil encontrar palavras para
avisá-la...
— Avisar do quê? Milo, pelo amor de Deus, o que está acontecendo?
— Guy saiu do hotel há uma hora, parecendo uma fera!
— É mesmo? — Alana não sabia o que isso tinha a ver com ela. Na última vez que
o vira, ele parecia muito satisfeito, em companhia da sra. Templeton. — Está insinuando
que eu tenho algo a ver com o humor dele?

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Capítulo 7

— Tem se encontrado sempre com Fabian Marlow? — perguntou Milo,


visivelmente preocupado.
Onde ele queria chegar?, pensou Alana, preocupada.
— Bem... não, propriamente, me encontrado com ele. Não no sentido em que está
insinuando. Tomei uns drinques com ele, na boate, e almoçamos juntos. E, uma vez,
quando nos encontramos por acaso, ele me pagou um café, mas foi só.
— Guy acredita que vocês têm se encontrado.
— Milo! Se não me disser o que está acontecendo, acho que vou gritar!
— Está bem, vou contar.
Nos minutos seguintes, enquanto escutava, horrorizada, as explicações dele, Alana
desejou não ter insistido tanto.
— Guy recebeu um telefonema dos futuros sogros do sr. Marlow, ou dos ex futuros
sogros. Pelo jeito, o sr. Marlow acabara de falar com a noiva, que também é prima em
segundo grau de Guy, rompendo o noivado e explicando que estava apaixonado por outra
moça: você! Parece que a garota começou a gritar desesperada, ameaçando se matar.
Antes que pudessem fazer qualquer coisa, correu para o carro e saiu em alta velocidade,
provocando um acidente e se machucando muito. Não sei o que Guy disse aos pais dela,
mas, depois que desligou, foi à procura do sr. Marlow, contar o que tinha acontecido.
Infelizmente, lá ele encontrou uma carta sua para Fabian. Guy não me disse o que havia
nela, mas o que estava escrito o deixou furioso!
— Continue — Alana pediu, num sussurro.
Quando viu a palidez dela, Milo fez uma pausa. No entanto, Alana precisava saber
o resto. A moça ainda estaria viva? Milo continuou:
— Não estou gostando disso. Parece que Guy pediu explicações ao sr, Marlow
sobre sua carta e ele começou a berrar, dizendo que pretendia casar com você. Quando
Guy lhe falou sobre o acidente com a noiva, levou um choque e pediu que o levasse até o
hospital. Mas ainda insistia em que amava você. Assim, depois de acomodar Fabian em
seu carro, Guy veio rapidamente me ver.
— Mas para quê?
— Guy e eu nos conhecemos desde crianças. Raramente ele me faz confidências,
mas receio que, mesmo que a moça esteja bem, pretende processar você por causa do
dinheiro que deve a ele e vai difamar você a tal ponto, que ninguém mais vai querer
contratá-la e nem Fabian mesmo vai querer ouvir falar em você.
Os olhos de Alana ficaram cheios de lágrimas. Sentia um profundo desespero, não
só por causa da própria segurança, mas porque Guy pensava tão mal dela. Talvez
merecesse isso. Devia estar louca, ao pedir o dinheiro a Fabian.
— E acha que ele pode mesmo fazer tudo isso? — perguntou, com voz trêmula.
— Não tenho certeza, queridinha — respondeu Milo, quase tão abalado quanto ela
— mas eu me surpreenderia, se ele não tentasse. Já o viu alguma vez muito zangado?
— Eu o vi zangado.
— Mas, quando fica muito zangado... — Milo mordeu o lábio. — Está furioso, isto
eu garanto. Parece que tinha planejado dar uma festa de noivado.
— Mas eu não pretendia casar com Fabian! Foi só... — Alana calou-se, relutante
em discutir o que tinha realmente acontecido; mas ele parecia já saber o bastante. — O
que vou fazer, agora?

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— Primeiro, é melhor beber isto. — Milo colocou um copo em sua mão. — Você
sofreu um choque.
Alana estremeceu. Fabian tinha dito a mesma coisa há algumas horas. Tomou um
gole do conhaque e pôs o copo de lado. Sentia-se péssima, e o quarto inteiro parecia
girar. Pensar no furor de Guy a deixava ainda pior!
— Alana, querida, não sei o que houve, mas acho que não merece o castigo que
Guy pretende lhe dar. Ele me pediu para ficar de olho em você até que voltasse, e
provavelmente vai me matar, se descobrir que lhe ofereci ajuda, mas simplesmente não
posso ficar parado, vendo-o destruir uma pessoa. E é o que eu acredito que ele vai fazer
com você.
Alana sentia-se uma pedra de gelo. Se tivesse ao menos calma para pensar! Teria
que ficar e enfrentar Guy, mas realmente não sabia como se defender. Guy era inteligente
e poderia acusá-la de muitas coisas. Era até capaz de acabar na prisão, antes dos pais!
— Gostaria de desaparecer por algumas semanas? — ouviu Milo perguntar, para
sua surpresa.
— Desaparecer? — repetiu, com os belos olhos azuis fixos nele.
— Exatamente. Escute, meu bem, meu irmão mais velho dirige um hotel na ilha
italiana de Íschia. Fica perto de Capri, na baía de Nápoles. Parece que uma de suas
cantoras foi embora, ou está para ir. Elas sempre estão abandonando os empregos. Logo
que acaba a novidade de cantar no Mediterrâneo, vão embora. Por uma coincidência
incrível, logo depois de Guy sair, ele telefonou para mim, perguntando se eu tinha alguém
para mandar. Sabendo o que já sabia, pensei logo em você. De fato, eu disse a ele para
não se preocupar, porque tinha alguém em vista. Cheguei até a ligar para o aeroporto e
reservar uma passagem. Naturalmente, sempre posso cancelar — apressou-se em
acrescentar.
Alana sentiu uma vaga suspeita. Alguma coisa em tudo aquilo não fazia sentido.
— Tem certeza? Estou começando a duvidar dessas oportunidades súbitas com a
saída das cantoras... Quando cheguei a Londres, Guy me disse que havia uma vaga aqui.
— E havia, mesmo. Mas uma vaga numa grande cidade é muito mais fácil de
preencher do que numa ilha remota. Na verdade, existem sempre moças que vêm e vão,
mas isso não é problema. E você realmente me agradou. Guy não a enganou nesse
ponto! Tenho certeza de que também agradará a meu irmão Pascal. Além disso, estará
prestando a ele um grande favor, mesmo que fique lá só por umas duas semanas. Eu a
aconselharia a ficar até Guy se acalmar e Fabian voltar ao juízo normal; mas isso,
naturalmente, dependerá de você.
Era uma decisão muito séria para se tomar tão apressadamente, mas Alana não
tinha outra saída.
— E o que dirá a Guy? Ele não vai culpar você?
— Direi que você foi embora e que não consegui evitar.
— Acha que ele acreditará?
— Não terá outra saída. Não digo que ele desista de encontrá-la, mas duvido de
que se lembre de ir procurá-la em Íschia.
Alana fechou os olhos, tentando aclarar as ideias. Na verdade, era sensato sair dali
e sabia que podia confiar em Milo. Ele não a mandaria para qualquer perigo.
Gostava dela e estava disposto a mentir por ela. Seus olhos se encheram de
lágrimas.
— Acho que tenho que ir embora — murmurou. — O que mais posso fazer?
Ele ficou muito vermelho e desviou o olhar, e Alana achou que estava embaraçado.
— Antes, tenho que telefonar para minha mãe. Oh! Esqueci! Eles estão sem
telefone, agora. É melhor escrever.
— Seus pais ainda estão vivos? — perguntou Milo, entregando-lhe papel e caneta.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Estão — respondeu, como sempre evitando falar neles, com receio de que
alguém descobrisse que eram os responsáveis pelas dívidas que ela precisava sempre
pagar. — Tenho que ser rápida.
— Receio que sim.
Alana sentou-se a tensão evidente em cada traço do belo rosto. Só conseguia
pensar na moça ferida e na fúria de Guy. Entretanto, o que mais a magoava era o
desprezo que ele devia estar sentindo por ela. Achava-se uma covarde por não ficar e
enfrentá-lo. Mas, depois de ter lido a carta em que ela pedia dinheiro a Fabian, Guy nunca
mais poderia perdoá-la.
— Quando devo partir?
— Logo — respondeu Milo. — Se seu passaporte estiver em ordem, poderá partir
dentro de duas horas. Eu a levarei ao aeroporto, assim que fizer as malas. Tudo está
pago; portanto, não se preocupe com isso. Prometo que ficará em segurança. Termine
sua carta e eu a mandarei, enquanto faz as malas.

A ilha parecia linda, mas Alana estava abalada demais para se interessar por
qualquer coisa. Tinha voado diretamente para Roma e, de lá, para Nápoles, onde passara
a noite. Depois, voara para Íschia.
Um carro estava à sua espera, e a levou para o hotel, num local chamado Lacco
Ameno.
Só queria esquecer. O dia anterior tinha sido o pior de toda sua vida. Começando
pela carta da mãe, pedindo que conseguisse urgentemente algum dinheiro, e terminando
num desastre total! Quando deixara a Inglaterra, estava tão abalada e confusa que não
podia nem julgar se estava agindo corretamente. Mesmo agora, ainda não tinha certeza.
Mas sabia que, se a noiva de Fabian morresse, nunca mais se perdoaria. Fez com que
Milo prometesse telefonar dando notícias da moça, e ficava rezando o tempo todo,
implorando a Deus para que a salvasse.
O Remma Hotel estava situado numa bela praia. Alana tinha visto o mar de
relance, quando o motorista parara o carro nos fundos. Tinha visto também duas piscinas
nos jardins.
O Remma era evidentemente um hotel de primeira classe, todo pintado de branco,
cercado por uma vegetação luxuriante, onde o verde se misturava às cores brilhantes das
flores. Se estivesse ali em férias, teria adorado, embora soubesse muito bem que nunca
teria dinheiro para pagar tanto luxo.
Foi levada até o gerente pelo motorista, que a tratava com grande consideração.
Mais tarde lhe ocorreu que durante toda a viagem tinha sido cercada de atenções.
Milo reservara lugar para ela num hotel em Nápoles, e havia um motorista à sua
espera para levá-la até o aeroporto de Capodichino naquela manhã, esperando até que
ela tivesse embarcado. Podia ser só imaginação, mas tinha a impressão de estar sendo
vigiada o tempo todo!
Enquanto se dirigiam ao escritório do gerente, achou que as pessoas se voltavam
para olhá-la. Provavelmente, os hóspedes pensavam que era alguém muito importante,
acompanhada por aquele motorista uniformizado.
O irmão de Milo não se parecia com ele. Era mais alto, mais magro e mais
elegante. Mas seus olhos eram tão bondosos como os dele. Logo que ela entrou, veio a
seu encontro, com as mãos estendidas e um caloroso sorriso nos lábios.
— Como vai, srta. Hurst? Espero que tenha feito uma boa viagem.
— Foi inesperada, mas tudo correu muito bem.
— Ótimo.
Observou-a com interesse e ela sentiu que corava, coisa que a deixava irritada. Em
sua carreira, isso às vezes era constrangedor! Pascal Sachs estava somente pesando

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

suas possibilidades; então, por que tinha a impressão de que ele a examinava com um
interesse acima do normal?
— Milo me disse que precisava urgentemente de uma cantora. — disse ela,
quando o silêncio se prolongou demais.
— Ah, sim. E como vai meu irmão?
— Esperando vê-lo dentro de poucas semanas — respondeu, dando o recado de
Milo. — Ele vai muito bem.
— Que bom ouvir isso! — Pascal sorriu. — Eu o vejo menos do que gostaria.
Agora, vou mandar que a levem até seu quarto. Mais tarde, quero que conheça minha
esposa e minha filha.
— Muito obrigada. — Era bom ter companhia feminina, para variar. Mas somente
quando chegou ao quarto é que percebeu que o irmão de Milo não havia dito que deveria
começar a trabalhar.
Olhou em volta, pensando que provavelmente ele estava lhe dando tempo para
descansar. Parou diante do espelho. Estava pálida, com olheiras profundas. Com certeza,
Pascal achara que precisava dormir um pouco, antes de ensaiar.
O quarto era agradável, mas já tinha aprendido a não dar muita importância a
coisas assim, que podiam ser tiradas de um momento para outro. Abriu uma porta e
descobriu um pequeno banheiro. Apesar de estar ansiosa por um banho, resolveu antes
desfazer as malas. Os vestidos longos deviam ser pendurados imediatamente. Queria
estar com a roupa em ordem no instante em que Pascal Sachs a chamasse para
trabalhar. Depois de arrumar os vestidos, percebeu, assustada, que, na pressa de
embarcar, tinha se esquecido de trazer roupas para outras ocasiões. Só havia colocado
na mala algumas saias de algodão e blusas.
Será que seu salário seria pago logo?, pensou, mordendo o lábio. Infelizmente,
tinha mandado para os pais todo o dinheiro extra. Fora algumas libras que Milo lhe dera
na hora do embarque, não tinha mais nada!
Sentindo que estava se tornando mórbida, Alana tentou esquecer os problemas. O
quarto era sossegado e tranquilo, mas isso não ajudava. Temia sair e se desencontrar do
sr. Sachs, se ele mandasse chamá-la para conversarem. Mas ninguém apareceu o resto
da manhã.
O almoço foi servido em seu apartamento, à uma da tarde, por uma criada italiana
que não falava quase nada de inglês.
— Grazie — disse Alana, sorrindo, sem saber se a pronúncia era correta, e
acrescentou: — Molto gentile! — Eram palavras tiradas de um pequeno dicionário de
bolso que Milo lhe dera, mas a moça sorriu e sacudiu a cabeça sem compreender seu
italiano.
O almoço estava delicioso. Pena que não tinha apetite. A única coisa que lhe
interessava era saber se a noiva de Fabian estava fora de perigo. Além disso, a fúria e o
desprezo de Guy eram uma preocupação constante. Gostaria de não amá-lo tanto. Nunca
pensara que se apaixonar pudesse causar tanto sofrimento!
Enquanto olhava para o melão com presunto, em seu quarto, imaginava se
esperavam que fizesse as refeições ali mesmo ou se devia comer com o pessoal do hotel
ou com os hóspedes. No momento, apreciava o isolamento, mas não sabia se suportaria
isso o tempo todo. Agitada, foi até a janela, de onde podia ver o mar, de um belo e
profundo azul, e algumas pequenas praias de areia branca. Se ao menos conseguisse
relaxar!, pensou, abafando um soluço, e não continuasse a se sentir ameaçada!
Quando a empregada voltou para buscar os pratos, Alana perguntou se podia ver o
gerente. Já tinham se passado muitas horas e temia que tivessem se esquecido dela. Não
podiam achar que precisava de tanto descanso assim!
Mas o gerente tinha ido até Porto d'lschia, a cidade mais importante da ilha,
explicou a moça, num péssimo inglês. Não sabia quando voltaria.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Frustrada por ter que ficar sozinha novamente, Alana teve ímpetos de sair e
descobrir se aquilo era verdade ou não. A moça não a enganaria de propósito, mas podia
não estar bem informada. Depois, achou mais sensato tomar uma ducha e se deitar um
pouco. Apesar de cansada, estava nervosa demais para dormir, mas talvez o repouso lhe
fizesse bem.
Horas mais tarde, foi acordada por alguém que batia a sua porta. As batidas
pareciam urgentes, e ela correu para abrir a porta. Era uma criada.
A moça explicou que ela devia ir até a suíte número 100 e que esperaria para levá-
la até lá. Alana lavou rapidamente o rosto e escolheu uma saia de algodão florido e uma
blusa leve. Fez uma maquilagem leve para esconder a palidez e escovou os cabelos. Não
podia perder tempo, deixando o gerente esperar.
Acompanhando a criada, Alana novamente se impressionou com o luxo do hotel.
Esperava ter mais sorte ali do que no Remax. Estava aflita porque não tinha recebido
nenhuma notícia de Milo e resolveu falar com o irmão que esperava um telefonema dele.
Num hotel daquele tamanho, era fácil um recado ser extraviado.
A moça levou-a para o que era obviamente a ala particular. O quarto de Alana era
calmo, mas ali não se ouvia barulho algum. A criada parou diante de uma porta, tocou a
campainha e depois se afastou, deixando-a sozinha e surpresa. Ainda estava olhando a
outra se afastar, quando a porta se abriu. Mesmo sem ver, teve uma sensação violenta e
muito familiar. Guy Renwick estava diante dela, os olhos cinzentos mais frios do que
nunca.
— Oh, não! — murmurou Alana. De repente, viu tudo negro à sua frente. Tentou se
manter consciente, mas a última coisa que percebeu foi que alguém a amparava,
segurando-a junto ao corpo.
Quando voltou a si, estava deitada num sofá e Guy molhava seus lábios com
conhaque. Levantava a cabeça dela, apoiada em seu braço: embora não a machucasse,
seu braço estava longe de ser carinhoso.
— Não vá desmaiar outra vez. Não vou acreditar em outro desmaio.
Olhou para ele, atônita, afastando o conhaque. Estava ficando farta de homens que
tentavam obrigá-la a beber conhaque! Primeiro, Fabian; depois, Milo; e agora, Guy.
E todos mais interessados em enganá-la do que em protegê-la. A decepção com
Milo tinha sido a pior, pois era evidente que havia dito a Guy onde encontrá-la.
— Nunca pensei que Milo me traísse! Realmente acreditava que era meu amigo.
— Ele só estava obedecendo ordens.
— Ordens? — repetiu, chocada. — Está querendo dizer que disse a ele para me
mandar para cá?
— Era mais fácil do que sequestrar, e mais digno para você — explicou ele,
retirando o braço e ficando de pé. Examinou-a com insolência, da cabeça aos pés.
Alana sentou-se. Seu pulso não estava mais tão acelerado, e ergueu os olhos para
ele.
— Pode ter me enganado e me trazido para cá, mas não vou ficar! Não pode me
obrigar. Falarei com o gerente... se é que ele é mesmo o gerente e o irmão de Milo.
— É ambas as coisas, mas é também meu empregado. Este hotel me pertence.
Portanto, minha cara, não poderá contar com Pascal.
Alana se levantou, furiosa, a revolta suplementando a força que dois dias de jejum
tinham tirado dela.
— Eu seria capaz de matar você!
— A noiva de Fabian não foi bastante? — ele perguntou, com evidente desprezo.
Alana vacilou, o rosto se tornando muito pálido.
— Como está ela? Ela... ela não...?
— Não, ela não morreu. E logo ficará boa, apesar do desespero que passou por
sua causa.

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As palavras dele a magoaram, mas ela reagiu:


— Estou contente de saber. Senti muito o acidente que ela sofreu.
— Sempre arrependida depois de o mal estar feito.
— Posso explicar. Não tive culpa! Se Milo não me assustasse tanto, eu teria ficado
em Londres e explicaria a você.
Subitamente, Guy explodiu:
— Não tente fingir inocência pra cima de mim, srta. Hurst! Não dá mais certo. Logo
que me viu, achou que eu era trouxa, e talvez eu fosse mesmo, porque devia ter
percebido quem era você. Se eu tivesse algum juízo, teria dado o fora. Não estava
procurando emprego; queria mesmo era um idiota para explorar. Primeiro, arrancou
quinhentas libras de mim; depois tentou arrancar o dobro de Fabian. Só imagino o que
planejava para o próximo! Acho que preciso lhe dar uma lição de que nunca mais se
esqueça.
— Está enganado! — ela protestou, os lábios lívidos. — Só pedi um empréstimo.
Estava disposta a pagar tanto a você quanto a Fabian!
— Prefiro não perder tempo discutindo isso. Se fosse só comigo, eu permitiria que
ficasse em Londres, para enfrentar as consequências, mas não podia deixar que
continuasse perto de Fabian. Ele e minha prima estavam muito felizes, antes de você
aparecer, e vão se entender outra vez. Se quer pescar um milionário, terá que ser bem
longe de lá.
— Mas não quero casar com Fabian! — ela reagiu, com voz alterada, sabendo que
ele não acreditaria. — Não acredita mesmo em mim?
— Nunca, nem num milhão de anos! E acha que devo ter compaixão, quando não
a teve por minha prima? Sabia do próximo casamento de Fabian, porque ele mesmo lhe
contou; ainda assim, deixou que rompesse o noivado sem uma palavra para impedir.
Mesmo se estivesse apaixonada por ele, o que não acredito, existe uma coisa chamada
honra!
— Não foi assim — ela protestou, sua voz se resumindo a um sussurro. Mas como
podia convencê-lo, sem condenar seus pais?
— Então, como foi? — desafiou-a Guy, os olhos cinzentos cortantes como aço.
— Acho que eu devia ter sido mais clara com Fabian, mas eu... eu tinha uma
grande preocupação.
— Que aparentemente não pode ser revelada...
Ela concordou, movendo lentamente a cabeça, esmagada pelo desespero.
— Perdeu a língua? — ele perguntou, sarcástico, — Pois vai realmente perder a
vontade de falar, depois que eu terminar de dizer o que pretendo. Vai desejar nunca ter
nascido, srta. Hurst. E providenciarei para que nunca mais um homem decente queira
você!
Aquilo era demais.
— Você é um homem muito mesquinho! — gritou, sua mão voando no ar e caindo
pesadamente no rosto moreno.
Imediatamente, ele agarrou um punhado de seus cabelos e a puxou violentamente.
A dor a fez gemer, mas logo os lábios dele esmagavam violentamente os dela, enquanto
apertava com os dedos a carne sensível.
Só quando os joelhos dela começaram a dobrar, ele a soltou, a respiração irregular
como a de Alana. Ela teve o impulso de esbofeteá-lo novamente, mas o medo a impediu.
Ofegante, olhou para ele, odiando-o como nunca pensara poder odiar.
Seus lábios estavam cortados e doloridos, mas conseguiu falar:
— Deve reconhecer que não podemos nunca mais ter nada a ver um com o outro.
Se eu prometer não voltar a Londres, me deixará partir?
— Não! — Observou-a sem nenhuma emoção. — Não confio mais em você!
— Mas não pode me manter prisioneira!

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— Não, mas, se tentar fugir, vai se arrepender. Poderia mandar prendê-la sob
acusação de fraude, É uma cantora que está começando a ser conhecida e os jornais
adorariam um escândalo.
— Não pode estar falando sério!
— Tente me provocar!
Enquanto ela, em silêncio, se conscientizava do que lhe estava acontecendo, ele a
olhava, intrigado.
— Para que queria esse dinheiro que tentou tirar de Fabian?
— Nada em particular.
— Mil libras é um bocado de dinheiro. Devia ter alguma coisa em mente.
— Roupas, talvez... Mas não consegui nada; portanto, que importa isso?
— O que importa é saber a verdade. E vou descobrir, nem que leve meses!
Meses? Ela arregalou os olhos azuis, que, apesar de tudo, pareciam tão puros.
Guy a havia enganado e levado até ali. O irmão de Milo não precisava de cantora
nenhuma.
Por isso ficara tão embaraçado, quando ela falara no assunto.
— Tenho que arranjar um trabalho — disse Alana,
— Poderá ser minha assistente — foi a resposta pronta. — Ia falar sobre isso.
Porque, afinal, você ainda tem que pagar o que deve, e não vai mais cantar.
Alana olhou para ele, sem acreditar.
— Mas como poderei trabalhar se não cantar? Não sou secretária.
— Não preciso de secretária. Quando precisar, poderei usar a de Pascal. Mas
preciso de uma assistente pessoal. E quando não precisar de você, deverá ficar em seu
quarto e o mais invisível que puder. Se eu a encontrar conversando com alguém, no hotel,
posso arranjar uma prisão bem menos agradável. Tenho uma ilha onde me refugio,
quando quero ficar sozinho. Pode acreditar em mim; não iria gostar de ir para lá.
Por que ele achava que ela não gostaria? Parecia um paraíso, em comparação
com o que teria que enfrentar naquele hotel.
— O sr. Sachs me disse que ia me apresentar à esposa e à filha. Posso conversar
com elas?
— Vou pensar.
Alana sentia-se profundamente infeliz, ao pensar nas longas horas que teria que
passar sozinha. Tinha a impressão de viver um pesadelo. Era difícil reconhecer naquele
estranho cruel e frio o homem amável e risonho que um dia conhecera.
— E as refeições? — perguntou ela.
Ignorando as lágrimas em seus olhos, ele respondeu:
— Vai tomar café e almoçar no quarto, mas poderá jantar num dos salões.
Mandarei reservar uma mesa para você, onde eu possa ver o que está fazendo.
Nenhum convite para jantar com ele.
— Obrigada — murmurou, procurando se controlar. — Exatamente, quais serão
minhas obrigações?
Ele permaneceu um longo tempo em silêncio, que ela não tentou quebrar.
— Dar recados, tomar notas. A parte social da vida, aqui, pode, às vezes ser bem
complicada. Terá que providenciar para que tudo corra bem quanto a mim. Não quero de
repente descobrir que convidei duas mulheres para jantar na mesma noite, ou me
comprometi para um programa quando já tinha combinado outra coisa.
— Entendo. — Baixou os olhos, para que ele não visse sua angústia. Não sabia se
Guy falava sério, mas estava profundamente magoada. Como poderiam trabalhar juntos,
se havia tanta amargura entre eles?
— Começará amanhã, às nove — disse ele, e, com um movimento de cabeça,
Alana se retirou.

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Conseguiu sair de cabeça erguida, mas, ao chegar ao quarto, a coragem a


abandonou. Chorou desconsoladamente. Mal podia acreditar que aquilo estava mesmo
acontecendo com ela! O confronto inesperado com aquele homem tinha sido uma
experiência cruel. E, além de Guy, ainda havia a decepção com Milo! Sentia-se
profundamente magoada, ao pensar que ele também a enganara; apesar de que,
recordando o que tinha acontecido, era evidente que estava muito abalado por ser
obrigado a agir assim. Lembrava-se de que evitava encará-la.
Não podia culpá-lo. As provas eram todas contra ela, e Guy devia ter sido muito
convincente. Se não fosse tão crédula, perceberia que havia algo muito errado em tudo
aquilo. Chegara até a ter uma leve suspeita! Não, não podia mesmo condenar Guy e Milo,
pois os dois estavam convencidos de que faziam a coisa certa. Mesmo que seus pais
vendessem a casa, não havia maneira de compensar o sofrimento que inadvertidamente
causara à noiva de Fabian. Talvez, se ficasse ali como Guy queria, os dois reatassem o
noivado, pensou, esperançosa.

Capítulo 8

Os dias seguintes foram os mais desgastantes da vida de Alana. Começou a


trabalhar para Guy e ele anunciou que ela era sua assistente pessoal. Isso atraía olhares
curiosos, mas o que Alana achou mais humilhante foi descobrir que ele havia dito a
Pascal que a ambição secreta dela era ser cantora, mas que não tinha tido sucesso
quando ele lhe dera uma chance, no Remax.
— Ela tem mais talento para o que faz agora — explicou ele, quando Pascal
mencionou o assunto.
— Também a achei fechada demais para esse tipo de carreira. Falta-lhe um pouco
de autoconfiança, para ser uma cantora de boate.
— Exatamente — concordou Guy, com um sorriso cínico. Só Alana viu o brilho frio
em seus olhos cinzentos.
Desejando ser indiferente ao fascínio que ele exercia sobre ela, Alana desviou o
olhar. Sentia-se trêmula e desamparada e queria odiá-lo, mas não conseguia.
Pascal percebeu e confundiu sua tensão com vergonha, e comentou, risonho:
— Não ligue, srta. Hurst. É mais fácil ser aceita numa carreira convencional.
Apesar de admiradas, nossas cantoras, tão atraentes, muitas vezes têm que enfrentar
desconfiança e suspeitas.
Alana sorriu para ele, ignorando a expressão divertida de Guy.
— Tenho certeza de que elas não merecem sempre tantas suspeitas — respondeu.
— É verdade — concordou o gerente. — A maioria delas são moças comuns e
decentes, como é seu caso, só tentando ganhar a vida honestamente.
— Se todas fossem assim... — comentou Guy.
Alana corou com a óbvia indireta. Será que ele nunca a perdoaria? Nesse instante,
Pascal foi chamado ao telefone.
— Minha esposa e minha filha estão ansiosas para conhecê-la, srta. Hurst — disse,
ao voltar. — Que tal jantarmos juntos, hoje, Ouy?
— Seria ótimo, mas não sei quanto à srta. Hurst. Ela sempre prefere fazer as
refeições sozinhas. É uma esquisitice, mas eu a respeito.
A revolta de Alana foi tão grande que ela se esqueceu da recomendação dele.
Como ousava impedi-la de aceitar um convite tão inocente?

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— Receio que o sr. Renwick não me conheça muito bem. Ficaria encantada em
conhecer sua esposa e filha, sr. Sachs. E adoraria jantar com vocês.
Evitou falar com Guy durante o resto da tarde, e, para sua surpresa, ele não
mandou chamá-la. Esperava pelo menos uma severa reprimenda, depois de desafiá-lo
tão abertamente. Quando ele saiu, durante algumas horas, deixando-a por conta própria,
Alana logo desconfiou de que estava preparando alguma vingança.
Ao se preparar para o jantar, subitamente percebeu que teria que usar um dos
vestidos longos que ela usava nos shows do Remax, pois não tinha nenhum outro
vestido.
Experimentou cada um, escolhendo finalmente o que lhe pareceu mais discreto.
Mas, mesmo esse, era muito decotado, e ela se olhou no espelho, preocupada. Ainda
estava muito branca, pois não tinha tido tempo de se bronzear, e os cabelos fartos e
longos caíam pelos ombros. Mas não havia nela nada que sugerisse algo pecaminoso e
que Guy insistia em ver. Se não fosse pelo vestido azul, que realçava suas curvas, seria
bem mais discreta do que a maioria das moças de sua idade. E ninguém podia dizer que
usava a beleza física para chamar atenção.
Encontrou Guy conversando com algumas pessoas com quem aparentemente ia
jantar. Quando notou seu vestido, ela o viu mudar de expressão e olhá-la com
desconfiança.
Não podia explicar agora, diante de seus amigos, que não tinha outra roupa para
usar.
Pascal também estava presente, acompanhado de uma mulher miúda e morena,
que apresentou como sua esposa. A filha, chamada Paula, também era morena e muito
bonita.
Alana simpatizou com as duas imediatamente e conversaram até a hora do jantar.
Guy, apesar de não perdê-la de vista, não falou com ela.
Parecia muito interessado em uma mulher alta e elegante, que lembrava
vagamente a sra. Templeton, e com quem conversou durante todo o jantar. Paula contou
que ela se chamava Ellice Lane e que tinha casado três vezes. Estava livre novamente,
talvez à procura do quarto marido.
Parecia que Guy tinha um fraco por viúvas e divorciadas, pensou Alana, vendo-o
tão entretido com a mulher. Por que aquilo ainda a fazia sofrer tanto? Inesperadamente,
ele se virou, surpreendendo seu olhar infeliz, e Alana teve a impressão de ver um brilho
de vitória nos olhos frios.
Além do gerente, a família e a sra. Lane, havia mais quatro pessoas à mesa, todas
aparentemente velhos amigos de Guy, mas que não interessaram Alana. Mesmo quando
um rapaz da sua idade tentou chamar sua atenção, ela não saiu da atitude reservada que
Guy tinha exigido. Era evidente que o rapaz sentia-se atraído, mas o fato de certamente
ser rico a fez se retrair, pois Guy poderia acusá-la de tentar fisgar outro milionário.
Depois do jantar, quando Guy sugeriu que todos fossem até a adega-discoteca, ela
tentou recusar. Talvez houvesse lá uma cantora e Guy tivesse a cruel intenção de mostrar
a ela o que estava perdendo. Mas ele insistiu em que fosse e Alana não teve forças para
lutar.
A adega, construída especialmente para abrigar uma discoteca, era muito original e
diferente. Ficava num subsolo, mas aí terminava a semelhança com uma adega de
verdade. A iluminação era bem difusa e as mesas formavam um semicírculo em torno da
pista de dança. Estavam todas ocupadas, mas naturalmente havia uma reservada para o
dono e seus convidados, e logo todos se sentaram. Alana esperava que não
percebessem sua amargura, que aumentou ao assistir ao ótimo show apresentado.
Pensava numa desculpa para se retirar, quando, surpreendentemente, Guy a
convidou para dançar.
— Não perca seu tempo recusando — falou baixinho, enquanto a fazia se levantar.

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Já tinha dançado uma vez com ele e não queria arriscar novamente, mas o que
podia fazer? Quando se voltou para enfrentar aqueles olhos implacáveis, seu coração
começou a bater com força e sentiu a respiração mais difícil. com esforço, conseguiu
manter o controle.
— Não sei por que quer dançar comigo, se me despreza tanto.
— Não acha que estranhariam, se eu não dançasse pelo menos uma vez com
minha assistente pessoal?
Irritada com a ironia, Alana desviou o olhar.
— Pois acho que ninguém perceberia. Não acredito que essas pessoas perderiam
tempo se preocupando comigo.
— Não acho que você seja tão insignificante assim. Pelo menos, na aparência...
Bem, ela havia provocado uma resposta assim. Queria insultá-lo também, mas não
tinha mais energia para lutar.
— Posso ir para meu quarto, depois desta dança? — pediu, os belos olhos azuis
mostrando toda a tensão que sentia.
Guy puxou-a mais para perto, como se não aguentasse mais ver aquele rosto
suplicante, e ela foi obrigada a apoiar a cabeça em seu peito forte. No mesmo instante,
uma onda de prazer invadiu seu corpo, enquanto a mão dele, quente, tocava sua coxa
nua.
Guy murmurou qualquer coisa que ela não entendeu, mas que aparentemente era
um "sim" a seu pedido. Não tinha certeza e não queria perguntar, pois rodavam pelo salão
ao som da música ritmada. A pista estava apinhada, mas ainda havia espaço para dançar
e Guy era um perito. Alana seguia seus passos instintivamente, e ele a apertou mais
ainda. Num dado momento, deslizou sensualmente as mãos pelas costas dela, forçando-
a a pressionar o ventre contra o corpo dele.
Tentou se afastar, mas Guy a manteve presa. Não havia nada que pudesse fazer,
se não quisesse provocar um escândalo. Alana tinha consciência dos olhares
interessados sobre os dois, enquanto seu amor e sua atração por ele cresciam com todo
aquele estímulo. Mas também havia ódio em seu coração, porque sabia o que Guy queria
que os outros pensassem.
— Por favor! — implorou, afinal, ao perceber que seu corpo inteiro vibrava de
desejo por ele. — Por favor, Guy, me deixe ir embora!
— Não vai implorar? — sussurrou em seu ouvido, provocando arrepios.
Alana mal podia respirar direito, e ele se divertia com isso.
— Se você quiser, eu imploro. Esse é um de seus métodos de vingança?
Ele não afrouxava o abraço.
— Está ficando mais inteligente a cada minuto — respondeu, os olhos cinzentos
agora quase negros, brilhando, febris. — Como descobriu?
— Não foi difícil. Mas não aguento mais. Posso ir para meu quarto?
— Ainda não! — Subitamente, soltou-a, como se a brincadeira de repente o
estivesse cansando. — vou convidar o casal Adamson e a sra. Lane para minha suíte e
quero que vá para servir as bebidas.
— Quer que eu vá como sua anfitriã?
— Não. Quero que vá como minha empregada.
Esse foi o esquema durante o resto da semana. Guy a tratava exatamente como
uma criada. Podia não ser aparente para os outros, as pessoas em geral a considerando
mais do que uma secretária que simplesmente condescendia em prestar pequenos
serviços quando não tinha outras coisas a fazer. Estranhamente, Guy parecia encorajar
essa impressão, pois de vez em quando lhe pedia para datilografar algumas cartas. E, se
ela demorava, ele não reclamava. Algumas vezes, Alana desconfiava de que era o
empenho com que ela se esforçava para apresentar um serviço sofrível que dava a ele

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

esse prazer sádico. Também o fato de estar mais magra e abatida parecia dar a ele um
prazer extra, pois cada vez arranjava mais coisas para ela fazer.
Era impressionante, pensou Alana, uma noite em que jantava em sua mesa
solitária, como Guy descobria serviços para lhe dar, com tantos empregados à sua volta.
O dia inteiro, das nove da manhã até tarde da noite, ele aparecia com tarefas, muitas das
coisas podiam ser resolvidas com um simples telefonema da parte dele. Chegou mesmo a
emprestá-la à sua amiga, a sra. Lane, para lhe fazer companhia nas compras. Como era
evidente que Guy fazia parte dos planos futuros da mulher, Alana passou uma tarde bem
desagradável.
Naquela noite, ele estava jantando com a sra. Lane a uma mesa não muito
distante. Por isso, Alana não podia deixar de olhar para eles, de vez em quando.
Tentando justamente evitar isso, tinha perguntado a ele a que horas pretendia jantar.
Olhou-a rapidamente e respondeu que tinha combinado com a sra. Lane às nove e meia.
Mas eram só às oito com certeza, mentira de propósito, para torturá-la ainda mais.
Por quê? Alana tinha vontade de chorar de desespero. Não queria olhar para Guy,
mas seus olhos não lhe obedeciam. Ele e a sra. Lane formavam um belo par.
Subitamente, seus olhos encontraram os de Guy, que apertou os lábios,
contrariado e ameaçador.
Ron Adamson tinha convidado Alana para tomar alguma coisa depois do jantar,
mas ela resolveu voltar para o quarto. Não estava com disposição de conversar com um
rapaz de sua idade. Até que poderiam se divertir muito, juntos, e, se fosse esperta, Guy
nem perceberia, pois estava com Ellice Lane e não podia prestar atenção a ela o tempo
todo.
Nas duas noites anteriores, quando Alana saiu um instante para o terraço, ele a
seguiu e a acusou de tentar se misturar aos hóspedes, o que era uma injustiça. Tudo o
que queria era passear sob o céu estrelado, mas nem adiantava explicar. E aprendera por
experiência própria que também não adiantava tentar se rebelar, pois ele sempre vencia.
Guy tinha a pior opinião a seu respeito e não estava disposto a mudar-de ideia.
Foi para o quarto, mas não conseguiu dormir. Acabou se levantando, angustiada.
Precisava fugir daquela depressão terrível, escapar da prisão. Como gostaria de dar um
mergulho na piscina! Mas não tinha maio nem dinheiro para comprar um. Estava vestindo
o jeans, quando se lembrou de que naquela mesma tarde Guy e Ellice Lane tinham ido
nadar numa das piscinas e ele a obrigara a ir junto. Ao sair da piscina, a mulher dera o
biquíni molhado para Alana estender para secar. Era evidente que a sra. Lane a tratava
como uma criada, e Guy não fazia nada para impedir isso.
Lembrou-se dele, usando uma sunga, o corpo moreno e molhado, perturbador e
irresistível, impassível e arrogante, assistindo a mais aquela humilhação. Ela havia
pegado o biquíni sem reagir e o colocara para secar.
Bem, usaria o biquíni da sra. Lane e daria um mergulho, mesmo se arriscando a
provocar o furor de Guy.
A calcinha ficou um pouco larga, e o sutiã, um pouco apertado, mas Alana decidiu
usar assim mesmo. Ainda bem que já passava da meia-noite, e não era provável que
alguém a visse.
Sabia que os hóspedes que preferiam nadar à noite sempre escolhiam a piscina
mais próxima do hotel. A terceira delas, um pouco mais afastada, geralmente ficava vazia.
O lugar era discreto, cercado de vegetação e árvores. As cabines dos chuveiros
estavam trancadas, àquela hora, e Alana levou um enorme susto, quando, ao tirar
rapidamente a blusa e a calça jeans, alguém pulou na água com grande estardalhaço.
— Apanhei você! — gritou Ron Adamson, alegremente.
— Você é louco! Quase me matou de susto!
— Você é moça demais para isso. Gente jovem como nós não tem essas coisas.
— Como sabe? E não foi nada engraçado — protestou, mas ele não se convenceu.

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— Você está rindo, boneca!


— Isso não prova nada.
— Prova que gosta de minha companhia. E sabe de uma coisa? Eu não sabia com
certeza se você sabia sorrir...
Pela primeira vez desde que chegara, Alana sentia-se bem. Era bom ter alguém
com quem conversar, mas como podia, se Guy a vigiava o tempo todo e vivia fazendo
ameaças?
Será que devia conversar com ele e exigir um pouco mais de liberdade? Naquele
mesmo dia, tinha sabido que a noiva de Fabian já havia saído do hospital, praticamente
boa. Quando perguntou se ela e Fabian tinham reatado o noivado, Guy a olhou, irritado, e
disse que sim e que não permitiria que fosse rompido novamente. A suspeita ainda
existia, mas, como a moça estava salva, Alana já não se sentia tão infeliz.
Tentando esquecer as preocupações, perguntou a Ron há quanto tempo estava
nadando.
— Há uma hora. Tenho um convite para uma festa na praia, mas não gostaria de ir
sozinho.
— Uma festa na praia? Mas já passa da meia-noite!
— E daí? Você parece uma velha!
Quem poderia resistir a uma provocação daquelas? Tentando provar que não era
nada disso, Alana deu um mergulho na piscina. A água estava morna, e ela teve uma
deliciosa sensação de liberdade, enquanto nadou, durante a meia hora seguinte, em
companhia de Ron.
Já estavam saindo, e ele se dizendo exausto e com sono, quando perceberam que
alguém os observava. Imediatamente, Alana reconheceu o homem alto e arrogante,
parado do outro lado da piscina: Guy Renwick!
Um estremecimento de medo a percorreu toda, mas ela o enfrentou com coragem:
— Alô! Pensou que a prisioneira tinha fugido?
Ele pareceu se surpreender com o tom insolente, mas ficou calado, os olhos
brilhando intensamente.
— Sinto muito, não vimos o senhor — disse Ron, respeitoso, pois aquele homem
era amigo de seus pais. — Alana e eu estávamos muito distraídos um com o outro.
— Muito distraídos? — repetiu Guy, segurando o braço dela, como se a ajudasse a
sair da piscina.
— Estávamos jogando bola — explicou Ron, embaraçado, ao perceber que algo
preocupava Guy.
Alana ficou séria, sentindo a pressão dos dedos em seu braço e achando
desnecessário Ron explicar que estavam jogando bola na piscina e que, sem querer, ela
tinha ido cair no telhado dos vestiários. Dissessem o que dissessem, Guy não acreditaria
num jogo inocente.
— Não sabe que já é muito tarde? — perguntou ele a Ron.
— Por volta da uma da madrugada. Não é tarde para nós, os jovens. Mas já
estávamos saindo. Vamos, Alana?
— Eu acompanho a srta. Hurst — interrompeu Guy, que estava se contendo com
dificuldade.
— Tem certeza? — Ron perguntou, olhando de um para o outro.
— Sou o patrão da srta. Hurst e tenho que discutir alguns assuntos com ela.
Ron percebeu que havia perdido. Com um gesto de impotência, despediu-se e foi
embora.
Logo que ele se afastou, Alana se virou furiosa para Guy:
— Não precisava ter sido tão grosseiro com ele. É um bom rapaz e não estava
fazendo nada de errado.
— Não acho que ele estivesse. Era você que estava!

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— Mas eu não tentei fugir! — ela protestou, revoltada.


— Mas, quem sabe, não tentou convencer alguém a ajudá-la, num outro dia? Não
me diga que não gostaria de ir embora.
— Mas é lógico que gostaria! — Ah, se ele soubesse que seu maior sofrimento era
amá-lo sem esperança! — Disse a Ron que tinha um assunto para tratar comigo. O que
é?
— Nada que não possa esperar. — Olhou-a fixamente dos pés à cabeça. —
Conheço esse biquíni.
Alana sentiu o rosto em fogo, mas resolveu ser franca.
— É da sra. Lane. Peguei emprestado.
— Sem pedir a ela? Acha que é mais bonito do que o seu? Alana não suportava
mais o olhar de Guy observando cada centímetro de seu corpo.
— Se quer mesmo saber — explodiu, impulsiva — não tenho nem maio nem
biquíni. Pelo menos, o único que tenho está em minha casa, em Manchester, e não tenho
dinheiro para comprar um novo.
— Não tem dinheiro? — perguntou, desconfiado.
— Não, até você me pagar.
— Certamente, deixou Londres com tanta pressa que chegou a se esquecer da
coisa mais importante de sua vida.
Sem se importar em explicar, ela perguntou, muito nervosa:
— Agora que já sabe, posso voltar para meu quarto? Preciso tomar uma ducha
quente.
— É melhor tomar banho aqui mesmo. Se acha que vou deixar que os porteiros a
vejam passar com esse biquíni indecente, está muito enganada!
— Vim de jeans e camiseta, posso vestir por cima do biquíni.
— Como? Está muito molhada.
— As cabines estão trancadas.
— Tenho uma chave — Guy explicou, afastando uma mecha de cabelos
encharcados do rosto dela. — Às vezes venho até aqui para trocar de roupa e nadar no
mar. Era o que eu ia fazer há pouco.
— Se abrir uma das cabines para mim, será um favor — ela respondeu, friamente.
— E não quero atrapalhar seu divertimento.
— Mudei de ideia: vou esperar por você.
O que ela podia fazer? Seria realmente muito melhor se pudesse tirar o biquíni
molhado.
— Está bem.
Guy abriu a porta com dificuldade, pois a fechadura estava enferrujada, o que o
deixou irritado, e descontou em Alana.
— Mas que diabo você e Adamson estavam fazendo na piscina?
— Nós realmente estávamos jogando bola. Caiu mesmo em cima do telhado.
— Não nasci ontem!
— Ninguém duvida disso! — ela exclamou, insolente, mas logo recuou, ao ver a
reação dele. — E também não é da sua conta o que estávamos fazendo. De qualquer
modo, era mais inocente do que o que faz com a sra. Lane!
Foi um erro provocá-lo. Quando finalmente a porta cedeu, ele subitamente pegou
Alana nos braços e a levou para dentro. Ainda apertando-a selvagemente contra o corpo,
ele fechou a porta com um pontapé.
— Agora, srta. Insolência, vamos ver se é mesmo boa neste tipo de jogo!
Ela entrou em pânico.
— Por favor, me desculpe, Guy! Me solte agora!
— Ainda não. Acho que mereço um pouco de seu precioso tempo. É muito
generosa com os outros.

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— Se sou, você também é com as outras mulheres! Fica se exibindo com elas e
espera que eu...
— Espero que você... o quê?
— Espera que eu me comporte como uma freira, até que resolva me querer!
— Ah! Então já recebeu a mensagem! Está enganada quanto às outras mulheres,
mas certíssima sobre o fato de eu desejar você!
Alana estava tonta e seu coração parecia dar cambalhotas, dentro do peito.
Subitamente Guy começou a beijá-la. A princípio, sua boca era sedutora e suave,
acalmando os tumultuados pensamentos e a instintiva rejeição dela. Aos poucos,
envolvida pela magia de seus beijos, a vontade de lutar a abandonou e, quase sem
perceber, abraçou-o.
Guy teve uma resposta imediata, aumentando a pressão dos braços e obrigando-a
a colar o corpo ao dele. Alana entreabriu os lábios, oferecendo a boca macia. Sem saber
como, ela se viu deitada num banco, o corpo forte e pesado de Guy esmagando-a, as
carícias cada vez mais íntimas. Agora, não implorava mais para que a deixasse ir embora,
e sua própria reação a assustava. Vencida, só desejava que ele ficasse cada vez mais
próximo, e logo começou a acariciar o peito cabeludo, por baixo da camisa.
Num movimento brusco, ele arrancou a camisa e mudou as posições, fazendo com
que Alana ficasse por cima dele. Depois, desamarrou a tira do sutiã do biquíni e jogou-o
longe. Agora não havia nada que os separasse.
— Guy! — ela protestou, sem forças para reagir.
— Não fale!
— Eu... — começou a dizer, mas não pôde continuar. Estava totalmente dominada
pela paixão tantas vezes reprimida. Sua respiração, cada vez mais difícil, revelava a
excitação que também tomava conta dela.
A mão dele deslizou até os seios palpitantes. Ergueu-a um pouco pela cintura, e
ela sentiu sua boca quente, nos bicos rosados. Deixou-se beijar, louca de prazer, o corpo
latejando de desejo, colado ao dele.
Novamente, Guy trocou de posição com ela e voltou a beijar-lhe a boca, com uma
paixão desenfreada. De repente, alguém bateu à porta.
— Tem alguém aí? — o guarda perguntou, desconfiado.
Guy soltou uma praga e ficou de pé. Alana ouviu o guarda explicar que tinha visto
alguém por perto das cabines e Guy respondeu que tinha ido nadar e que estava trocando
de roupa, mas não acendera a luz para não chamar a atenção.
O homem pediu desculpas e se afastou.
Já de pé, Alana disse que não queria tomar banho e que preferia ir embora. Vestiu
depressa o jeans e a blusa. Estava trêmula e agitada, sem coragem de encarar Guy.
— Eu acompanho você — disse ele. — Há uma entrada lateral particular.
Não fez mais nenhum comentário sobre o que tinha se passado. Provavelmente,
esses encontros românticos eram comuns em sua vida. Tão abalada que mal podia se
aguentar de pé, Alana o seguiu. Tudo estava tranquilo, lá fora. Guy evitou os caminhos
mais iluminados, amparando-a, quando ela tropeçou.
— Parece que não teve ocasião de conhecer os jardins — comentou.
— Não por minha culpa — foi a resposta ácida.
— Não conhece muito a ilha, conhece?
— Não. — Alana procurou se desvencilhar dele. Estava agradecida pela ajuda,
mas assustada com a emoção que sentia com sua proximidade.
— É linda e maior do que Capri. — Depois, como se lesse seu pensamento,
acrescentou: — Isso não durará para sempre, sabe? Poderá voltar a cantar.
— Depois do que disse a Pascal?
— Ninguém sabe disso em Londres.
Alana olhou para ele, sem compreender.

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— Mas você falou que ia fazer tudo o que estivesse a seu alcance para que nunca
mais ninguém me contratasse como cantora! Milo me disse!
— Isso veremos!
E entraram no hotel.

Capítulo 9

Alana quase confessou que não pretendia continuar a carreira de cantora, depois
que os negócios de seus pais estivessem em ordem. Mas não acreditava que Guy
estivesse interessado. Logo que partisse, ele a esqueceria e não se abalaria, se ela
resolvesse vender amendoim nas esquinas! Estava completamente abalada com o que
tinha acontecido entre eles na cabine. Já se sentira atraída por ele, mas nessa noite a
atração havia chegado ao auge. Entretanto, o fato de Guy ter-se afastado como se nada
tivesse acontecido era uma prova evidente de que pouco se importava com ela.
No dia seguinte, antes do almoço, Alana telefonou para Milo, para saber se a noiva
de Fabian estava realmente fora de perigo. Quando ele confirmou, ela agradeceu e
desligou, não querendo causar-lhe mais embaraços. Logo depois do telefonema, pensou
se não teria sido muito apressada; Guy ficaria furioso, se descobrisse que tinha duvidado
de sua informação.
Guy voltara a tratá-la com indiferença, e ainda lhe dava ordens como antes, mas
havia um pouco mais de bondade em seus olhos. E uma tensão que a intrigava. Depois
do almoço, ele a confundiu ainda mais, convidando-a para visitar Porto d'íschia. Aceitou,
apesar de um pouco apreensiva, e se divertiu muito.
Porto d'íschia era uma cidade encantadora, com casas de teto chato, no estilo do
Oriente Médio, se equilibrando nos terrenos íngremes à beira-mar. A maioria dos hotéis
de luxo ficava lá, mas eram tão bem planejados que não prejudicavam a estética da
cidade.
Alana ficou encantada com as ruelas estreitas, que frequentemente tinham
degraus, de tão inclinadas, e com o castelo do século XV.
Lamentou não ter tempo para visitar o pequeno museu ou as fontes de água
mineral, algumas delas chegando a altas temperaturas, segundo informação de Guy.
Naquela noite, ele jantou sozinho e logo sumiu no escritório de Pascal. Quando
Ellice Lane cruzou com ele no salão, Guy não parou para falar com ela, limitando-se a um
breve cumprimento.
Naquela noite, Alana dormiu melhor do que em todas as outras noites e, na manhã
seguinte, foi acordada por uma batida insistente na porta. Ainda sonolenta, enfiou o
roupão e, afastando os cabelos do rosto, abriu, encontrando Guy na soleira.
— O que? — Calou-se, ao ver quem era. Ele nunca mais tinha vindo a seu quarto.
Quando queria falar com ela, sempre mandava um criado buscá-la. Mas o que a deixou
atônita não foi sua presença ali, mas seu rosto novamente rígido e acusador. — O que
aconteceu? — ela conseguiu perguntar, afinal.
— Ligou para Londres?
— Milo lhe contou? — Agora compreendia!
— Claro.
— Tenho que me lembrar de que os homens são solidários entre si mesmos sem
nenhuma necessidade.

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— Não pense que Milo me informa de coisas triviais. Se você não tivesse ligado
também para Fabian, duvido de que eu ficasse sabendo.
— Fabian? — repetiu, espantada. — Espere um pouco! O que foi que disse? Disse
que eu liguei para Fabian?
— Por favor — interrompeu Guy, empurrando-a para dentro e fechando a porta. —
Não quero mais saber de suas mentiras. Milo me ligou para informar que Fabian deixou a
Inglaterra ontem à noite e está vindo para cá. E você é a única pessoa que pode ter
contado a ele onde está. Vai chegar a qualquer momento.
— Mas não falei com ele!
— Cale a boca!
Desesperada, ela fechou os olhos, tentando pensar. Depois, olhou aflita para ele.
— Não vai mesmo acreditar em mim, mas acha que provaria alguma coisa, se eu
lhe dissesse que gostaria de me esconder dele?
— Oh, não! Não me venha com cenas dramáticas. Não torne as coisas piores do
que já estão! Os empregados sabem que você está aqui, e Fabian não é nenhum tolo. Se
fizer algumas perguntas, vai logo descobrir tudo.
— Se eu prometesse...
Novamente ele a interrompeu.
— Promessas! Suas promessas não me convencem! Não, a única solução é tirar
você daqui. Arrume a mala o mais depressa que puder.
Não fazia muito tempo que tinha escutado aquelas mesmas palavras! Estaria
ficando louca? Não, quem estava louco era Guy, se esperava que ela fugisse
eternamente!
— Escute! — gritou, exasperada. — Se Fabian está mesmo vindo para cá para
declarar seu amor por mim, ele não serve para sua prima ou para qualquer outra pessoa!
Por que não pensa nisso, em vez de se preocupar em me esconder dele?
— Acha que não perguntei isso a mim mesmo, srta. Hurst? Por que um homem
desejaria um relacionamento permanente com uma mulher tão desprezível como você? A
resposta é que, enquanto ele estiver dominado por essa fascinação, tenho que conservar
você bem longe. Acredito que Fabian voltará ao juízo normal dentro de algum tempo e
pretendo dar a ele essa chance. Vou levar você daqui, mas dentro de um ou dois dias
poderá voltar e falar com ele. Agora se apresse e comece a se vestir, a menos que queira
que eu faça isso por você.
— Guy! Não pode reconsiderar?
— Não!
— Mas para onde está pensando em me levar? — perguntou aflita.
— Vai descobrir logo.
Provavelmente de volta a Londres, pensou, enquanto recolhia suas coisas. Quando
ele recomendou que levasse tudo, pensou estar confirmada sua suspeita. De qualquer
modo, seria uma perda de tempo insistir com ele para que lhe dissesse para onde iriam.
Talvez ele até tivesse razão: ele devia pelo menos isso à noiva de Fabian, já que não
tinha meios de remediar o mal que havia causado. Foram de automóvel até Porto
d'Ischía, onde tinham passado, na véspera, um dia tão feliz. Lá, Guy a levou para uma
lancha. Alana achou estranho que ele a guardasse num ancoradouro particular, longe do
hotel.
— Por que não a deixa no hotel?
— Não venho para a ilha muitas vezes — explicou ele, enquanto se preparava para
partirem. — E um barco precisa de atenção constante. Um amigo toma conta para mim.
Podia ser que ele não fosse sempre para lá, mas era evidente que tinha prática em
navegação. Em poucos minutos, viajavam velozmente pela água, rumo ao mar aberto. O
ar da manhã estava fresco, e ela respirava encantada. Aos poucos, Íschia sumiu no
horizonte. Será que algum dia voltaria para lá?

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Era uma bela ilha e bem que gostaria de tê-la conhecido melhor.
— Não teria sido mais rápido se voássemos até Nápoles? — perguntou, pois as
horas se passavam e não via terra.
— Não estamos indo para lá.
A revelação pegou-a de surpresa. Voltou para ele os olhos azuis.
— Então, aonde vamos?
— Para a ilha de que já lhe falei.
— Pensei que fosse brincadeira. Tem mesmo uma ilha?
— Não é uma coisa assim rara. Existem ilhas que são até bem baratas. Tenho
outra no mar Egeu.
— Na Grécia? Não me interessa quantas ilhas tem — disse, impaciente. — Não
quero ir a nenhuma delas com você!
— Não, mesmo?
Ela se recusou a se considerar vencida.
— Mas é claro que Fabian vai desconfiar.
— Não vai, não.
— Pascal não contará a ele?
— Não — respondeu Guy, movendo a cabeça morena. — Não tenha essa
esperança.
— Por que não? Por que a família Sachs é tão leal a você? Ele olhava atentamente
para a frente e respondeu, distraído:
— É simples de explicar: a família deles trabalhou para a minha por algumas
gerações. Nós fomos criados juntos.
— E ainda trabalham para você.
— Na maior parte do tempo. Não precisa ter pena deles. Estão muito bem de vida.
Todos têm ações de minha companhia e são livres para fazerem o próprio horário. Milo
costuma passar alguns meses, todos os anos, em Roma, com um tio que é professor de
música.
Ela devia ter imaginado. Por isso eram tão solidários. Se queria ajuda, não era com
eles que a conseguiria. Por enquanto, tinha que fingir estar vencida e procurar uma
maneira de escapar depois.
— Quantas pessoas moram na ilha? — perguntou, pensando em pedir auxílio para
uma delas.
— Nenhuma.
— Quer... quer dizer que ficaremos só nós dois?
Agora, estava seriamente assustada. O que aconteceria com os dois sozinhos
numa ilha? Mesmo quando Guy não a tocava, ela sentia uma atração magnética por ele,
e sabia que ele sentia o mesmo! Mesmo que não o visse, bastava que olhasse para ela, e
se sentia envolvida por uma vibração inconfundível! Nunca sentira isso antes, com
homem nenhum! Não seria fácil se esquecer dele, quando tivessem que se separar
definitivamente.
— Sim, estaremos só nós dois — Guy confirmou, insolente. — Se não tem mais
perguntas, gostaria que me fizesse um café.
Alana obedeceu, sem protestar.
A ilha era realmente deserta. Até chegar, ela ainda teve esperança de que não
fosse assim, mas logo verificou que Guy tinha dito a verdade.
A cabana não era tão primitiva como ele dissera, mas bem simples. Alana imaginou
que fossem duas casas de pedra recuperadas por algum arquiteto com muito senso
estético.
Havia dois bons quartos, uma sala e uma cozinha. Cada quarto tinha uma cama e
uma cômoda, e no banheiro não havia água quente. A água vinha de uma nascente na
montanha, atrás da casa, e, embora fosse pura e agradável de beber, era muito fria.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Como Guy pareceu estar se divertindo, ao preveni-la sobre a falta de água quente,
Alana fingiu não dar importância ao fato. Sabia que, no estado de espírito em que ele se
encontrava, qualquer desconforto que ela passasse lhe daria uma grande satisfação.
Na sala havia algumas cadeiras de madeira, confortáveis e sólidas, mas nenhum
tapete ou cortina. A cozinha tinha uma pia de pedra, duas cadeiras e uma mesa. O fogão
era a óleo e não havia eletricidade.
— O que usa para iluminação? — perguntou, quando, depois de mostrar a casa
toda, ele a olhou cinicamente, esperando um protesto que não veio.
— Lampiões.
— Não gostei nada que tivesse me obrigado a vir para cá — disse ela, procurando
manter o autocontrole — mas acho o lugar lindo. Seria capaz até de me apaixonar por
ele. Não sou tão velha que me abale com um pouco de desconforto.
— Muito bem! — Pareceu um pouco surpreso.
— O que vamos comer? Não estou com fome, mas acredito que você queira
almoçar.
— Quero, sim. Trouxe alguns mantimentos no barco. Essa tarde, pescarei alguma
coisa para o jantar.
Quando Guy voltou do barco carregando duas caixas, ela já tinha encontrado uma
frigideira e uma chaleira, mas era tudo.
— Receio que tenha que se arranjar só com isso — disse ele. — Se eu deixasse
comida e coisas por aqui, os navegantes que às vezes passam poderiam ser tentados.
— Passa muita gente pela ilha? — ela perguntou, tentando dissimular a
impaciência da voz.
— É fácil adivinhar o que vai na sua cabeça. Se tem esperanças de ser resgatada,
esqueça. Estamos longe das rotas normais e esta ilha é pequena demais para atrair a
atenção.
Alana achou melhor se preocupar com os mantimentos que ele despejara na mesa:
cereais, leite em pó, café, algumas latas.
— Sei que não é muita coisa — reconheceu Guy — mas partimos com muita
pressa e não queria levantar suspeitas, carregando muita coisa das despensas.
Será que ele tinha que se lembrar sempre de todos os detalhes?
— Não estava preocupada com isso. Não costumo comer muito. Os olhos
cinzentos brilharam.
— Você emagreceu bastante. Quem sabe, o ar daqui lhe fará bem. Está muito
abatida.
— Muito obrigada! — ela exclamou, revoltada, o rosto corado. — Será que não tem
nada a ver com o fato de você me obrigar a trabalhar demais, essas duas semanas?
Guy ficou pensativo.
— Talvez eu devesse ter levado você para minha ilha grega. Lá, meus empregados
a engordariam bem depressa.
— Não está pensando em me vender para algum sheik árabe, está?
— Eu estava pensando mais em meu próprio prazer — foi a resposta cruel. Sem
dizer mais nada, ele deu meia volta e saiu.
Mesmo com tão poucos recursos, Alana conseguiu fazer uma refeição decente.
Enquanto trabalhava na cozinha, Guy abriu as janelas da casa e voltou ao barco para
buscar mais coisas, inclusive lençóis e cobertores.
Comeram em silêncio e depois ele disse que ia sair para pescar. Quando Alana
perguntou por que não podia ir com ele, respondeu que ela falava demais e ia assustar os
peixes.
Na realidade, ela não desejava ir. Só tinha feito a sugestão para ver a reação dele,
mas ficou magoada por ser recusada.

63
Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Quando Guy saiu, Alana limpou a cozinha e fez as camas. Já que estava
prisioneira ali, pelo menos queria algum conforto. Guy sem dúvida, se divertiria, se ela
pegasse uma cadeira e se sentasse na praia, à noite, em vez de ir para a cama. E
também não acreditava que ele a molestasse. Tinha uma opinião tão má sobre ela, que
com certeza não ia querer se envolver seriamente.
Acalorada e suada pelo esforço, olhou o mar lá fora e teve vontade de dar um
mergulho. O banheiro, com a enorme banheira de ferro e a água gelada, não a atraía.
Não tinha biquíni, mas poderia nadar de calcinha e sutiã, que eram até mais
decentes do que um biquíni.
Pegou uma toalha e tomou a direção oposta ao lugar onde Guy estava. A ilha era
bonita, sem ser espetacular. Não havia praias com areia, somente algumas cheias de
pedregulhos, não servindo, portanto, para que os banhistas se deitassem ao sol. Essa
talvez fosse a razão de permanecer deserta.
Alana tirou a roupa e mergulhou. Guy estava pescando do outro lado; portanto, não
havia perigo de vê-la. Revigorada, resolveu nadar além da arrebentação.
Já estava pensando em voltar, quando escutou Guy gritando da praia. Levantou o
braço e acenou para ele, mas lembrou-se de que estava somente de calcinha e sutiã e
decidiu esperar até que ele fosse embora, para sair da água. Não gostaria que a visse
assim.
Quando olhou novamente e ele não estava mais lá, começou a nadar para a praia,
mas com cuidado, pois tinha medo de que ele voltasse. Estava tão distraída, observando
o alto da colina, onde Guy tinha aparecido, que não o percebeu nadando para ela, a não
ser quando já estava bem perto. Sem aviso, ele a agarrou e, ordenando que não
resistisse, começou a levá-la para a praia, como se a estivesse salvando.
Alana custou a perceber que realmente pensava que ela estava se afogando e
tinha vindo em seu socorro. Quando tentou explicar que estava bem, ele a ignorou.
Chegando à praia, ele a fez se deitar e começou a tentar tirar a água de seus
pulmões.
— Eu... eu não estava com problemas! — ela insistiu, com a boca cheia de areia,
pois as mãos vigorosas a pressionavam com força. Desesperada porque ele parecia não
ouvir, Alana gritou: — Por favor, Guy, quer me deixar em paz?
Ele parou bruscamente e virou-a de costas. Estava pálido e tenso.
— Como, não estava com problemas?
Antes de responder, Alana engoliu em seco, sem fôlego.
— Resolvi nadar e, quando me chamou, acenei para você.
— Mas que idiotice! Pensei que estava pedindo socorro. Principalmente ao ver que
você não saía do lugar!
— Foi um mal-entendido — disse ela, notando a fúria nos olhos dele. — Não tentei
enganar você de propósito!
— Sei lá... Algumas mulheres fazem qualquer coisa para se divertirem um pouco.
— E acha mesmo que a maneira como me tirou do mar e o que fez depois foram
uma diversão? — perguntou, irritada, enquanto ele afastava o corpo forte.
— Há gosto pra tudo!
Não adiantava discutir com ele! Já tinha formado sua opinião sobre ela há muito
tempo, e nada do que dissesse o faria mudar. De repente, Alana se lembrou de como
estava vestida. Aquela noite na cabine lhe voltou à mente, com tudo o que acontecera
entre os dois. Como não queria que aquilo se repetisse, tentou se controlar e pediu, com
voz seca e impessoal:
— Ficaria muito agradecida se pegasse a toalha para mim. Deixei atrás daquela
pedra.
Sua indiferença, em vez de fazer a raiva dele diminuir, teve efeito contrário:
— Não estava por acaso tentando se afogar, estava?

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Mas é claro que não! Nem todos usam o suicídio como meio de escapar dos
problemas, como sua priminha Jane!
Logo que falou, soube que tinha agido muito mal. Gostaria de pedir desculpas e
explicar que não pretendia ofender ninguém, mas percebeu que ele estava tão zangado
que o melhor era ela se calar.
Guy levantou-a do chão, segurando-a pelos braços e sacudindo-a brutalmente.
Alana o olhava sem voz, enfrentando a fúria repentina que o dominou.
Ainda com os joelhos de cada lado do corpo dela, não permitindo que escapasse,
ele baixou os lábios frios e com gosto de sal sobre os dela, e a violência do beijo obrigou
sua cabeça a se inclinar para trás. Depois, Guy se afastou e olhou-a como um inimigo que
avaliasse a posição do adversário. Provavelmente achava que a melhor maneira de
castigá-la era humilhá-la fisicamente.
A princípio, Alana tentara reagir, mas aos poucos tinha se deixado dominar pela
velha magia. Guy arrancou brutalmente seu sutiã e puxou-a para junto do peito. Alana
sabia que tinha perdido a batalha. Incapaz de esconder a força de seu amor, abraçou-o
ternamente e, por um breve momento, pensou que ele a aceitava, finalmente.
Seu coração batia com violência e o corpo inteiro ardia, quando Guy a beijou com
paixão, apertando-a num abraço íntimo e enlouquecedor.
Então, com uma exclamação abafada, ele se desvencilhou e se afastou, indo
buscar a toalha, que trouxe e jogou na areia.
— Vista-se. E espero que não invente mais brincadeiras no mar.
Alguns minutos depois, já vestida, Alana o seguiu de volta à casa, abalada e ferida
com o que acabara de acontecer. Estava tão magoada que não viu onde pisava e acabou
tropeçando, mas ele não veio ampará-la.
Na mesa da cozinha estavam quatro peixes de bom tamanho.
— Sabe cozinhar?
— Não tenho certeza — respondeu, notando a instantânea irritação de Guy com
sua resposta. Não podia dizer a ele como ficava pasma ao ver que, depois do que
acontecera entre eles há poucos instantes, estivesse preocupado em cozinhar peixes! Era
uma prova de que ela representava muito pouco.
— Mais tarde tratarei deles — disse, passando por ele e indo se refugiar em seu
quarto, antes que desmoronasse ali mesmo.
Depois de ter tirado a água salgada dos cabelos, ela voltou à cozinha para cuidar
do jantar. Assou os peixes, abriu latas de batatas e ervilhas e usou os temperos prontos
para dar gosto aos pratos. Olhou apreensiva para o armário. Não tinham estoque para
mais do que dois dias.
Se Guy apreciou o jantar, ela não soube, pois ele não comentou nada, o que a
deixou magoada. Talvez ele achasse que era sua culpa ter que estar ali, mas também
devia reconhecer que era difícil conseguir um bom resultado com tão poucos meios.
Parecia tão cansado que ela não se importou por não se oferecer para ajudá-la a arrumar
a cozinha. Em vez disso, foi para a varanda, onde batia um luar prateado.
Depois que terminou a limpeza, Alana fez café e encheu duas canecas, levando
uma para ele.
— Gostaria que eu lhe fizesse companhia? — perguntou, docemente.
— Para quê? Pareço estar precisando de companhia? Está se oferecendo para me
confortar com mais alguns beijos? Tem esperança de que o luar me faça esquecer os
outros beijos que trocou com os homens que passaram por sua vida? Só um idiota como
Fabian se envolveria com você!
Ela pousou o café com cuidado. Estava tão ferida com as ofensas que se sentia fria
como uma estátua de gelo.
— Foi você quem me beijou sempre; tanto antes quanto depois de começar a me
odiar.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Eu estava só me divertindo, nada mais. O que acha que eu poderia querer com
uma sem-vergonha como você?
Ficou muito pálida, e tinha certeza de que ele podia ver como estava transtornada,
pois olhava fixamente para ela.
— Pensei que estava começando a gostar de mim... — murmurou.
— Você o quê? Eu tive uma pequena atração física, só isso.
— Com as mulheres não existe uma coisa sem a outra — Alana respondeu,
baixinho, quase como se falasse para si mesma.
— Com quem pensa que está lidando, menina? — A voz dele estava carregada de
ódio e desprezo. — Algumas mulheres ganham a vida assim.
Alana ficou muito vermelha.
— Pois eu não ia querer nada com você, mesmo que me pa... — Calou-se, sem
forças para continuar.
— Pagasse? Se eu pagasse? Por que não tem a coragem de dizer? Sou tão rico
quanto Fabian, e sabe disso. Quanto ia me cobrar pelos serviços, naquela noite, na
cabine? E não venha me dizer que não pretendia ir em frente, porque cada fibra de seu
corpo estava vibrando. Não admira que Fabian tenha se sentido loucamente atraído. Você
é capaz de fazer um santo perder a cabeça!
— Você pretendia me seduzir? — perguntou, trêmula.
— Quem estava seduzindo a quem? Eu seria um idiota, se não reconhecesse que
desejava você, mas saber que estou sendo envolvido de uma maneira calculista não é
coisa que me excita especialmente.
— Entendo — respondeu Alana, os olhos cheios de lágrimas, subitamente não lhe
importando mais que ele visse o profundo desespero que a dominava.
— E pode engolir essas lágrimas. Já estou muito velho para me deixar enganar por
esse tipo de cena.
— Sinto muito. — Sentia-se morta por dentro e, de algum modo, contente por ele
ter dito aquelas palavras cruéis. — Tem que ser cruel para, afinal, fazer um bem — mais
uma vez murmurou, quase para si mesma.
— Mas que diabo está dizendo agora?
— Nada — respondeu ela, os olhos muito abertos e tristes, o rosto inexpressivo. —
Pensei que amava você, mas agora realmente não sinto nada. Você matou todo o amor
que eu sentia!
Ele apertou os lábios com força e as mãos se crisparam tanto que acabou
quebrando a caneca de louça.
— Que bom! — falou entre dentes, olhando os cacos espalhados a seus pés. —
Agora que já se livrou de mim, espero que me livre de sua presença.
Na manhã seguinte, Alana acordou sentindo o cheiro agradável de bacon e café, e
se espreguiçou, tentando dormir novamente. Mas de repente se lembrou de onde estava
e se sentou na cama, assustada.
Tinha custado a dormir, na noite anterior, e se perguntava se Guy teria tido o
mesmo problema. Sabendo que não conseguiria mais relaxar, levantou-se, lavou o rosto e
se vestiu. Depois foi para a cozinha, onde encontrou Guy tomando café e comendo uma
torrada. Ele já tinha se servido de bacon, mas havia mais na frigideira.
Estava com a mesma expressão fechada da véspera e vestia um short de algodão
e uma camisa desabotoada. A vista do peito forte e cabeludo fez com que o pulso de
Alana acelerasse e as mãos ficassem úmidas.
— Ia levar seu café, antes de partir — disse ele. — Enquanto eu estiver fora, vou
tirar o querosene do fogão. Não quero que tente se matar. Tem bastante fruta e
sanduíches para você comer até minha volta.
Alana arregalou os olhos, espantada. O que ele estava querendo dizer?
— Aonde você vai? Não me diga que vai me deixar aqui sozinha! Vou com você.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Não, não será possível.


Guy olhou-a tão intensamente que ela estremeceu. Havia algo muito diferente nele,
naquela manhã, que ela não entendia. Uma amargura profunda, que não percebera
antes.
Devia ser imaginação, pensou, desesperada. Era necessário ter nervos de aço
para fazer o que ele estava fazendo com ela.
— Já que não quer mesmo me levar, pode ao menos me dizer aonde vai?
— Vou voltar a Íschia — respondeu, deixando-a atônita.
— Mas acabamos de chegar de lá!
— E daí? Tenho que voltar para verificar o que Fabian está pretendendo fazer. E
se vamos ficar aqui mais tempo, tenho que trazer mais provisões.
— Mais provisões? Mas será que ninguém vai imaginar que eu devo estar com
você?
Guy olhou-a friamente.
— Não é a primeira vez que um homem e uma mulher vêm sozinhos para um lugar
desses.
— Você... você já trouxe outras mulheres para cá?
— Não! E espero que sua visita termine em breve. Esta é uma das razões por que
tenho que ir a Íschia hoje.

Capítulo 10

Deprimida, Alana via Guy se afastar lentamente da ilha. Ele ficaria fora somente
algumas horas, segundo tinha dito, e no caminho chamaria um casal que morava numa
ilha vizinha e que às vezes trabalhava para ele, para lhe fazer companhia até sua volta.
O casal chegou logo, mas não falava uma palavra em inglês, e assim Alana não
pôde convencê-los a ajudarem-na a fugir. Ou talvez fingissem não entender, pensou;
amargurada. Apenas sorriam para ela, enquanto consertavam a rede de pescar. Nem
mesmo seus nomes ela sabia. Praticamente a ignoraram e, quando viram que Guy
voltava, pularam para seu barquinho e foram embora.
Alana não se lembrava de ter passado um dia mais longo! O tempo se arrastava e
parecia não passar. Guy chegou um pouco depois das sete, e não estava sozinho. Havia
um homem com ele. Mesmo de longe, percebeu que não era Fabian. O homem era mais
louro, tão louro quanto ela. Uma exclamação emocionada escapou de seus lábios ao
reconhecer o irmão.
Não saberia dizer como atravessou a praia; só que tinha corrido desabaladamenfe
para ele e se atirado em seus braços.
— Andrew! — exclamou, engolindo um soluço. — Oh, Andrew! Nem posso
acreditar!
— Sinto tanto, minha querida — disse ele, enquanto ela apoiava o rosto molhado
de lágrimas em seu ombro. Guy os observava. — Ninguém me contou o que estava
acontecendo. Eu não fazia ideia do que os velhos estavam inventando! Levei um susto
danado, quando soube que você tinha desaparecido.
Ainda apoiada no braço do irmão e o segurando com força, como se ele pudesse
sumir de repente, Alana olhou embaraçada para Guy.
— Andrew, gostaria de falar com você em particular.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Não há necessidade. O sr. Renwick conhece todos os fatos. Se tivesse contado


tudo a ele desde o começo, evitaria muitos sofrimentos.
— Você... você contou... tudo a ele? — perguntou, claramente surpresa e olhando
diretamente para Guy, pela primeira vez.
Ele enfrentou seu olhar, mas o rosto estava inexpressivo.
— Sim, eu sei de tudo. Sei para que você queria o dinheiro que tentou emprestar
de Fabian, mas ainda há algumas coisas que não compreendo.
— Nem eu. Você me disse que Fabian tinha vindo para cá, mas, no lugar dele, foi
Andrew quem chegou. E, da mesma maneira que seria impossível para Fabian descobrir
onde eu estava, também seria impossível para Andrew!
— Não. Foi tudo coincidência — o irmão explicou. — Quando mamãe me disse
onde você estava, fiquei alarmado, mas não tanto quanto fiquei ao saber que tinha
mandado um cheque de quinhentas libras para ela! Depois disso, fiz o possível para voltar
a Londres e descobrir o que estava acontecendo com você. Fui até o Remax e dei um
escândalo na recepção, me recusando a acreditar que ninguém sabia onde estava. Foi
então que esse tal Fabian apareceu. A princípio, pensei que era alguém que tinha vindo
me expulsar dali, mas ele me disse que conhecia você, que também estava à sua procura
e que desconfiava de onde poderia encontrá-la.
— Você veio para Íschia com Fabian?
— Vim. E pensamos ter-nos enganado, até vermos Guy chegar, esta manhã.
— Mas Fabian não veio com você até aqui! Não compreendo...
— Não — disse Andrew, sorrindo. — Ele só queria pedir desculpas pelas
encrencas em que meteu você e ter certeza de que estava bem. Disse que, em vez de
procurar descobrir por que você precisava de dinheiro, tinha perdido a cabeça e tentado
chantagear. Mas recuperou o juízo quando pensou que a noiva corria perigo de vida e,
desde então, está à sua procura, para esclarecer tudo. Não sabia que o sr. Renwick
pensava que procurava você por motivos completamente diferentes e, por isso, a
escondeu aqui.
— E ele voltou para a Inglaterra?
— Sim. Desde que tudo ficou esclarecido, resolveu voltar e esperar por você em
Londres.
— E como estão papai e mamãe? Eles ainda devem precisar de pinheiro. O que
vai acontecer com eles, Andrew?
— Bem que mereciam que acontecesse alguma coisa séria, pois praticamente a
forçaram a agir assim, além de a fazerem jurar não contar nada a ninguém!
— Não acredito que eles percebem o que acontece à sua volta — comentou Alana.
— Sabe como são confusos e inexperientes. Não esperavam aumentar tanto assim suas
dívidas.
— Bem, de agora em diante, vou tomar conta das despesas deles — prometeu
Andrew. — Tally está bem melhor de saúde, depois de ter ficado em perigo de vida por
algum tempo, e vamos voltar a morar na Inglaterra. Recebi uma ótima oferta da tevê e
seria um idiota se não aceitasse. Até já temos um apartamento em vista, em Manchester,
se não resolver morar mesmo em Londres.
— Mas que maravilha! — Alana sorriu, sentindo que sua carga de responsabilidade
estava sendo aliviada. — Tenho certeza de que logo eles vão conseguir vender a casa e
não terão mais problemas de dinheiro.
— A casa já foi vendida. Uma grande instituição se interessou por ela e a mesma
imobiliária já encontrou para eles um belo chalé. Depois de pagas todas as dívidas, vai
sobrar uma quantia que dará para viverem confortavelmente. Portanto, pode voltar para
casa quanto quiser, minha querida. O sr. Renwick será pago com juros, e, como você
nunca teve vontade de seguir a carreira de cantora, poderá estudar o que quiser.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Gostaria agora de falar com sua irmã a sós — disse Guy, aproveitando que
Alana estava surpresa demais para falar. – Talvez você possa ir subindo até a casa e
colocar a chaleira no fogo, Andrew.
— Sem problemas, Guy.
Alana fez menção de ir atrás do irmão, mas Guy a impediu.
— Por favor — disse ele, segurando sua mão. — Não vai demorar muito.
Ela nunca pensara que ele fosse capaz de implorar por alguma coisa, mas era o
que parecia prestes a fazer Por que queria falar com ela sozinho? A surpresa de ver
Andrew tinha sido tão grande, que a deixara sem reação, mas agora começava a tremer.
Não sabia se aguentaria muito tempo mais. Entretanto, deixou-se levar por Guy, sem
protestar.
Depois de caminharem alguns passos em silêncio, ele parou. De onde estavam,
Andrew podia vê-los facilmente, e Alana percebeu que, embora quisesse conversar com
ela em particular, Guy não queria se isolar completamente.
— Também tenho que pedir desculpas, como Fabian — começou a dizer, soltando
a mão dela e desviando os olhos do rosto aflito de Alana. — Talvez eu não tenha toda a
culpa, mas sei que tirei conclusões muito apressadas. Tanto sobre você quanto em
relação ao dinheiro que pediu.
Ela continuou imóvel, olhando para ele. O rosto de Guy era uma máscara
impassível, e a voz, tão fria, que Alana mal acreditava no que os lábios diziam. Mas, se
tinha alguma dúvida, ele se encarregou de dissipá-la:
— Depois que Fabian apareceu em cena, tive certeza de que você era o tipo de
mulher que faria qualquer coisa por dinheiro.
— Não posso culpá-lo — respondeu, tentando parecer despreocupada. — Como
disse, não foi só por sua culpa que teve essa impressão. Eu estava presa a um juramento
que tinha feito a meus pais, mas poderia ter dito a você mais do que disse. Acontece que
não tinha certeza sobre o que era a melhor coisa a fazer. Depois, tudo se precipitou e
achei que era tarde demais para tentar explicar.
— Mas, na verdade, fui realmente injusto com você. E não só isso! Mesmo depois
que estive com você naquela cabine e descobri que nunca tinha estado antes com um
homem, ainda insisti em acreditar que estava atrás de dinheiro.
Alana corou. Mesmo se condenando, isso não queria dizer que ele gostava dela.
Parecia um estranho! E tinha perdido todo o interesse por ela, ao perceber que era uma
moça sem experiência. O incidente na praia, na véspera, tinha sido só uma maneira de
desabafar sua irritação. Teve a impressão de que ele estava embaraçado e estremeceu.
— Por favor, não se preocupe mais com tudo isso. Foi tanto culpa minha quanto
sua — disse ela, sentindo que o havia perdido. — Na verdade, não foi feito nenhum mal, e
eu esquecerei tudo.
— Será capaz? Então, não há mais nada para ser dito. A não ser que espero que
me perdoe pelo modo vergonhoso como a tratei em mais de uma ocasião.
Será que ele tinha que desenterrar tudo aquilo? E como podia pedir seu perdão e
ser ao mesmo tempo tão áspero com ela? Reunindo as últimas forças para salvar seu
orgulho, Alana insistiu:
— Por favor, não pense mais em nada do que aconteceu. Eu lhe garanto que não
pensarei.
Notando uma certa impaciência nele, ela o encarou, mas seu rosto ainda estava
impenetrável. De repente, Guy apertou os lábios.
— Droga! — exclamou. Alana sentiu uma louca esperança nascer dentro dela, mas
ele logo recuperou o controle. — Não vamos agora ficar sentimentais, pelo amor de Deus!
Já estou farto!
Essas palavras tiveram o efeito de uma bofetada em Alana. Quando se afastou,
ferida, a exasperação de Guy aumentou.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Vamos embora daqui — disse, agarrando seu braço. — Se não voltarmos logo,
seu irmão vai pensar que sequestrei você de novo.
A noite não foi muito alegre, e, logo depois de comerem, Alana disse que estava
cansada e que ia para a cama. Durante a refeição, Guy e Andrew conversaram,
principalmente sobre negócios, mas ela não conseguiu pensar em nada para dizer, o
coração pesando dolorosamente no peito.
Na cama, chorou até adormecer, e na manhã seguinte seus olhos estavam
vermelhos e inchados, mas ninguém pareceu notar. Se por acaso seu olhar cruzava com
o de Guy, ele desviava imediatamente.
Partiram para Íschia bem cedo, e de Íschia voaram para Nápoles, a mesma viagem
que Alana tinha feito duas semanas atrás. Até o último momento, ela esperou por uma
palavra de Guy, mas ele não falou em vê-la novamente. Tinha mesmo se enganado, ao
imaginar que ele sentira amor, algum dia, pensou, recebendo um adeus seco e
indiferente.
— Se eu fosse você, me esqueceria desse episódio — aconselhou Andrew, vendo
seu rosto pálido, ao chegarem a Manchester. — Guy Renwick é um bom sujeito, mas
acho mais sensato tentar esquecê-lo.
— Logo que chegar em casa, vou me sentir melhor — Alana disse, procurando
acalmá-lo.
— Terá muito que fazer. — Andrew sorriu, mas ainda estava um pouco preocupado
com ela. — Você parecia tão ansiosa, na ilha, que eu não quis explicar que a venda da
casa só foi resolvida na semana passada e os velhos ainda não se mudaram. Terá um
trabalho enorme pela frente.
— Oh, Andrew, nem tinha me preocupado mais com eles! — disse, sentindo-se
culpada, pois só pensava em Guy. E também, só agora começava a atingi-la o fato de ter
que abandonar a casa onde havia passado toda a vida. Mas o impacto não foi tão forte,
pois, infelizmente, nada mais importava tanto para ela quanto a perda de Guy.
— Não se preocupe com o trabalho — Andrew estava dizendo. — vou ajudar no
que puder. Tally não tem condições de fazer nenhum serviço pesado por causa do bebê,
mas quer colaborar no que puder.

Nas semanas seguintes, Alana não teve tempo de pensar, atordoada com a carga
de trabalho. Tinham que se desfazer de muitos móveis, e ela precisou providenciar a
venda, pois não havia lugar para tudo na casa nova, que ficava perto da antiga e era
muito agradável, com um belo jardim. Para surpresa de Alana, o pai imediatamente tomou
o jardim sob sua responsabilidade. O gramado era enorme e havia ainda uma horta e
uma estufa.
Enquanto o observavam cortando a grama, tão satisfeito, sua mãe comentou que
ele sempre gostara de jardinagem, mas que o pai não achava digno que um cavalheiro
fizesse esse tipo de serviço e preferia pagar um jardineiro para a família.
— Bem, isso prova que nunca é tarde — disse Alana, sorrindo.
— Sim — concordou Margery Hurst. — Tudo parece estar dando mais certo do que
eu imaginava.
Seus pais esperavam impacientes pela chegada do primeiro neto, Andrew tinha
encontrado um apartamento perto dali, no andar térreo de uma casa vitoriana, com um
belo quintal para o bebê. Tally estava se dando maravilhosamente com os sogros.
Um mês e meio depois, Alana respirou fundo, pensando que tudo caminhava bem
para a família, menos para ela. Nunca mais ouviu falar de Guy e, em vez de esquecê-lo,
tinha a impressão de que cada vez o amava mais. Trabalhava quase até a exaustão e
procurava afastá-lo do pensamento, mas não adiantava. A imagem dele permanecia

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nítida em sua mente, e pensar que passaria o resto da vida sem ele a enchia de
desespero.
Naquela tarde, ela foi visitar pela última vez a casa velha. Ainda estavam com a
chave porque a venda dos móveis tinha sido no local, mas no dia seguinte seria entregue
aos novos donos. Fora alguns móveis que ninguém queria, a casa estava vazia e, de
certo modo, se tornara opressiva. Arrependida de ter vindo, Alana descia a escada
quando a campainha tocou.
Era estranho escutar o som da campainha numa casa vazia. Desceu correndo os
últimos degraus, pois a campainha continuava a tocar, com uma impaciência que a fez
estremecer.
Só conhecia uma pessoa capaz de agir assim! Não! Não podia ser Guy! Ele nem
sabia onde ela morava. Irritada por não conseguir esquecê-lo, abriu a porta.
— Oh, não! — exclamou, incrédula.
Os olhos azuis se abriram espantados, ao encontrarem os dele. Quantas vezes já
encontrara Guy assim, à sua porta? Na casa da sra. Brice, no hotel de Londres, em
Íschia, sempre autoritário, exigindo que o deixasse entrar. Era como se visse uma reprise,
e tinha a vaga impressão de estar sonhando.
Os dois se entreolharam durante um momento.
— Posso entrar? — perguntou ele, sorrindo.
— Queria me ver? — ela perguntou, depois de algum tempo.
— Sim. — Os olhos de Guy brilhavam tão febrilmente, que começaram a assustá-
la. A magia que a envolvia, sempre que o encontrava, voltou com força, e Alana sentiu
medo.
— Para quê?
— Não quero discutir aqui na porta.
— Parece que já me deu essa resposta antes — ela comentou, um tanto revoltada.
— Não pretendo perder mais tempo. — Afastou-a para o lado, entrou e fechou a
porta, antes que ela percebesse o que estava acontecendo.
Logo Alana não teve mais dúvidas quanto ao motivo da visita, pois ele a prendeu
nos braços e a beijou tão apaixonadamente que a chama do desejo imediatamente
explodiu nela.
— Alana... — murmurou, rouco. — Não sabe como senti saudade! Pretendia me
afastar por seis meses, mas seis semanas foram o máximo que aguentei! Estava quase
louco, não conseguia me concentrar em nada!
Ainda completamente zonza, ela levantou os olhos para ele. Realmente estava
pálido e abatido, a expressão revelando toda a angústia que tinha passado.
— Nunca pensei que veria você novamente! Como sabia onde me encontrar?
Antes de responder, ele a apertou mais.
— Andrew me deu o endereço novo. Fui até lá e seus pais me disseram que você
estava aqui. — Olhou-a novamente, com ternura. — Não achou que eu a deixaria ir, sem
saber seu endereço, achou? Estive constantemente em contato com seu irmão, para
saber sobre você.
— Andrew não me disse nada — protestou zangada por ter sofrido todo aquele
tempo, inutilmente.
— Fui eu que pedi a ele, porque achava que você tinha o direito de pensar em tudo
com mais calma. Sabia que sentia alguma coisa por mim, mas não sabia se era um
entusiasmo passageiro. As semanas que passamos juntos dificilmente poderiam ser
consideradas normais.
— Pensei que você tinha perdido o interesse por mim.
Ele sorriu, mas logo seus olhos se apertaram, em dúvida.
— Não sentiu saudade? Pensei que sim, logo que vi como tinha emagrecido, mas
talvez haja outras razões. A mudança e todo o trabalho que teve, por exemplo.

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— Tive realmente muito trabalho — respondeu, cautelosa. Talvez ele tivesse


sentido saudade, mas isso não significava que a amasse.
Guy, sempre tão autoconfiante, parecia agora inseguro.
— Então, posso ter me enganado sobre seus sentimentos?
— Talvez — respondeu Alana, secamente.
— Então, perdi a viagem! — Falou com tal emoção, que ela o olhou melhor, e só
então notou as rugas mais profundas no rosto e os fios brancos nas têmporas.
— Guy! Você esteve doente?
— Sim. Estive doente de desejo por você, e não sei se liga um pouquinho para
mim.
Novamente, esmagou os lábios dela. Sentindo que ele estava realmente
transtornado, Alana estremeceu. De repente, ele a levantou nos braços e levou-a até um
sofá de brocado, sem parar de beijá-la. Lá, acomodou-se nas almofadas e se deitou a seu
lado, abraçando-a como se tivesse medo de que ela fugisse. A cada momento, a paixão
entre eles se tornava mais evidente e mais avassaladora.
Alana tinha tentado manter a situação sob controle, pois não sabia com certeza
quais os verdadeiros sentimentos de Guy, antes de confessar todo o profundo amor que
sentia por ele. Mas seu desejo era tão violento que foi tudo inútil. Sem reservas, ela se
entregou, o corpo jovem dócil em seus braços.
Devagar, ele lhe desabotoou a blusa e a jogou longe, fazendo o mesmo com o
sutiã de renda. Depois, acariciou-lhe os seios, enquanto os beijos se tornavam cada vez
mais prolongados.
Sem confiar em si mesmo, nem mais um instante, ele recuou, murmurando,
desesperado:
— Eu quero você! Eu desejo você!
— Só... me deseja? — Alana perguntou, decepcionada, os olhos cheios de
lágrimas, voltando à terra depois de ter quase chegado ao paraíso. Tentou se vestir, mas
ele não deixou, segurando suas mãos.
— Desejo, amor... Qual a diferença? Se amor é desejar uma mulher até a loucura,
a ponto de não se conseguir viver sem ela, então eu a amo. Mas o desejo é parte do
amor. O que seria de um sem o outro?
— Tem certeza?
— Se tenho certeza? Tem que ser amor! Que outro nome pode ter? Esse desejo
ardente por uma única mulher, noite e dia. Desejo de estar com ela na doença e na
saúde. Ser capaz de imaginá-la velha e saber que esse amor não morrerá com os anos!
Alana ouvia aquelas palavras muda de emoção. Não sabia que aos poucos o
sofrimento que ensombrava seus olhos ia desaparecendo, dando lugar a um brilho
radiante.
E aqueles belos olhos contaram a ele tudo o que queria saber.
— Diga! — pediu Guy, a voz dominada pela emoção.
— É preciso? — ela sussurrou, os lábios bem perto dos dele, o fogo da paixão
correndo em suas veias. Queria tocar seu rosto, mas ele ainda prendia suas mãos com
força e ela só podia expressar o que sentia através do olhar.
— Não brinque comigo — ele avisou, o corpo tenso, precisando desesperadamente
ouvir a confirmação do que já sabia.
— Oh, Guy! Eu o amo há tanto tempo! Tem sido um verdadeiro tormento. Aquela
última noite na ilha, quando você me tratou como uma estranha, pensei que nunca mais
seria feliz na vida! Eu queria dizer que o amava, mas você estava tão terrivelmente
distante que não tive coragem! Também na viagem de volta, você continuou indiferente, e
por isso eu me convenci de que não sentia mesmo nada por mim!
— Nem me lembre disso! Eu queria explicar tanta coisa, mas não podia. Se
começasse a falar, não conseguiria deixá-la partir. Eu a tratava como outra pessoa

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qualquer, quando só o que queria era ficar de joelhos e implorar que não me deixasse.
Levei o maior choque da vida, quando soube da verdade, em Íschia, mas acho que, bem
lá no íntimo, já sabia! Se tivesse sido honesto, eu tentaria investigar suas explicações
nada convincentes. — Sorriu, envergonhado. — Acho que usei o fato de você pedir
dinheiro emprestado como uma barreira para não me envolver mais seriamente, pois já
me sentia terrivelmente atraído.
— Não foi culpa sua. Depois do que eu fiz, só tinha que pensar o pior de mim.
— Mas eu não devia ter acreditado nisso! Quando encontrei você naquele trem,
achei que era uma mocinha inocente e indefesa. Mas não foi por isso que me senti
atraído. No mesmo instante em que olhei para você, uma magia me envolveu, uma coisa
que nunca tinha acontecido antes. Tentei ignorá-la, mas cada vez aumentava mais! Não
conseguia entender o que se passava comigo; depois, desisti. Mas sabia que estava
sendo atraído para alguma coisa e que perdia o controle de meus sentimentos. Na hora
em que chegamos em Londres, eu só pensava numa coisa: tinha que ter certeza de que a
veria novamente.
Alana se lembrava bem daquela noite.
— Você costuma andar sempre de trem? Depois que descobri quem era realmente,
sempre tive vontade de perguntar isto.
— Não — respondeu Guy, acariciando sem parar os longos cabelos louros e os
ombros brancos e frágeis. — Estava procurando lugares bons para construir hotéis, e
viajava de carro. As pesquisas iniciais eu mesmo gosto de fazer, e de carro é a melhor
maneira, pois posso examinar as áreas que me interessam com bastante calma. Mas meu
carro enguiçou e, em vez de alugar outro ou pegar um avião, preferi usar o trem, pois
estava perto de uma estação.
— Ainda acho que você devia ter me dito a verdade sobre sua identidade — falou,
séria.
Ele sorriu.
— Sei, meu amor, mas você parecia uma garota muito obstinada. Juro que não
achei fácil enganá-la, mas estava convencido de que, se soubesse quem eu era, poderia
achar que eu só queria sair com você para me divertir um pouco e se recusar a aceitar
meus convites. Percebi logo o quanto era orgulhosa.
— Mas, àquela altura, faria diferença se eu não quisesse sair com você?
O sorriso desapareceu do rosto dele.
— Não brinque, Alana, não gosto disso! — Olhou-a com a louca paixão que sentia,
não tentando esconder mais nada. — Tente compreender! Eu estava me apaixonando, o
que não acreditava que me aconteceria, algum dia, e estava disposto a recorrer a
qualquer coisa que me desse certeza de que você não escaparia de mim.
— Foi por isso que me ofereceu o emprego no Remax?
— Foi. E quando Milo me disse que você cantava muito bem, eu acreditei no
destino!
— E o que faria, se eu não soubesse cantar?
— Encontraria alguma coisa ou sequestraria você. Qualquer coisa, menos deixar
que saísse de minha vida!
— Mas só me conhecia há poucas horas! Eu nunca imaginaria!
— Não queria que imaginasse — ele falou, muito sério. — Mas, quando a levei
para jantar e a beijei, deve ter desconfiado.
Ela corou e confessou:
— Acho que eu estava tão preocupada em esconder meus sentimentos, que não
pensei nos seus. Tudo parecia acontecer tão depressa, que achei que você só queria
uma coisa de mim: sexo!

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

— Isso eu também queria — ele confirmou, malicioso, enquanto se inclinava para


lhe beijar os seios novamente. — Tinha um ciúme feroz de cada homem que olhava para
você. Quando cantava, eu via o desejo nos olhos deles e os detestava!
— Não acredito que os odiasse tanto quanto eu odiava a sra. Temton — ela
confessou, com um tremor involuntário.
— Violet? — ele perguntou, subitamente satisfeito ao perceber o ciúme na voz
dela. — Verdade, meu amor? Nunca houve nada entre nós. Eu não tinha a menor ideia de
que ela vinha a Londres, ou que fosse comentar sobre a festa de noivado que eu
pretendia dar para Jane. Fabian me disse que foi ele quem lhe contou que eu tinha
passado o fim de semana com ela, na cabana, mas não era verdade. Quando você me
acusou de ser mulherengo, fiquei tão zangado que não consegui me explicar.
— Se eu pudesse fazer tudo novamente — disse Alana, olhando para ele com
carinho — não cometeria os mesmos erros.
— Nem eu. Estava com muita pressa, mas tinha certeza de que você acabaria se
apaixonando por mim. Depois, quando ficou tão furiosa por eu enganá-la sobre meu
nome, desconfiei de que o amor que eu pensava estar nascendo entre nós era só fruto de
minha imaginação, e que era melhor esquecer. Desconfio de que você feriu meu orgulho,
menina, e eu pensava ter me livrado de você. . .
Alana não se conteve mais e as lágrimas surgiram. Mas, vendo a expressão
preocupada de Guy, ela começou a rir e chorar ao mesmo tempo.
— Estava me lembrando de como estava miseravelmente infeliz. Sei que naquela
noite eu disse uma porção de coisas que não sentia, mas estava tão desesperada por
amar tanto você, que não media mais as palavras! Depois, quando foi tão malvado para
mim, eu só queria morrer.
— Perdoe-me — pediu, beijando-a nos lábios novamente. — Era um orgulho ferido.
Eu queria fazer você sofrer, mas, como viu, não conseguia me afastar. Estava a ponto de
esquecer meu orgulho e confessar francamente meu amor, quando descobri a história do
empréstimo de Fabian. Achei que era demais! Jane ficou inconsolável e, pelo bem dela...
pelo meu... eu tinha que me livrar de você. Íschia pareceu uma boa ideia. Se a tivesse
simplesmente despedido, você poderia se encontrar novamente com Fabian.
— Então, com a ajuda de Milo, deu um jeito de me mandar embora.
— Quase precisei obrigar Milo a fazer aquilo, porque ele não queria trair você —
Guy admitiu, cheio de remorso. — Acho que até agora ele ainda não me perdoou. Parece
estranho, não acha? Milo acreditou em você o tempo todo, enquanto eu, que a amava,
duvidei.
— Talvez por isso mesmo — disse Alana, os olhos fixos no homem que adorava.
— Descobri por mim mesma que o amor pode deixar uma pessoa insegura e cheia de
dúvidas. Mas por que você foi atrás de mim, em Íschia?
— Porque, depois que você partiu, pensei que talvez não fosse uma boa ideia
mandá-la para lá. Havia sempre o perigo de Fabian descobrir onde estava e ir atrás. Por
isso, eu me convenci de que tinha de ir e ficar de olho em você. E de que precisava lhe
dar uma lição! Ê evidente que só estava enganando a mim mesmo; pretendia transformar
sua vida num inferno, mas acabei sofrendo mais ainda. Eu me agarrei a Lane, para fugir
de você, mas acho que ela acabou desconfiando. E o erro mais grave foi levá-la até
minha ilha. Depois de pensar que você estava se afogando e daqueles beijos que
trocamos, eu soube que não poderia mais ficar lá. Se ficasse, não resistiria a você.
— Eu pensei que você me odiava — disse Alana, baixando os olhos para que ele
não visse a dor que aquela lembrança lhe causava.
— Mas agora sabe o quanto a amo! Minha adorada! — Levantando o queixo de
Alana, percebeu que seus lábios tremiam. — Se falar sobre isso a faz sofrer tanto, vamos
mudar de assunto. Tenho uma pergunta para lhe fazer: quando quer casar comigo?
— Quando você quiser — foi a resposta imediata.

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Bianca 166 - Melodia Imortal - Margaret Pargeter

Os olhos cinzentos de Guy brilharam intensamente, até que a paixão os tornou


negros.
— Amanhã? Já fiz todos os preparativos, nestas últimas semanas. Foi a única
coisa que me manteve são: a esperança de que você concordasse em casar comigo.
Gostaria de casar hoje mesmo, mas, por causa de sua família, eu me conformarei em
esperar mais doze horas.
Quando ela sorriu feliz para ele, Guy puxou-a apaixonadamente, cobrindo-a de
beijos. Alana se aconchegou mais, enquanto ele acariciava seu corpo inteiro, fazendo-a
vibrar de desejo. Qualquer pensamento coerente a abandonou, quando Guy começou a
beijar seu queixo, seu pescoço, seus seios. Sentia as batidas surdas do coração dele
misturando-se às de seu coração.
De repente, ele afastou.
— Se não pararmos agora, será tarde demais — disse, torturado.
— Que mal haveria... se nos amássemos agora? — ela perguntou, transbordante
de amor.
— Nenhum para mim. Mas para você, sim. E é por isso que prefiro renunciar, para
não correr nenhum risco.
— Então, até amanhã — ela suspirou.
— Combinado, minha adorada — concordou Guy, os olhos ainda cheios de desejo,
fazendo com que o coração de Alana disparasse novamente. — Espero que não pretenda
continuar com sua carreira de cantora, ou outra qualquer, depois que casarmos.
— Não quer que eu trabalhe?
— Não! Depois de nosso casamento, quero que só deseje a mim e a meus filhos.
Ela estremeceu, mas respondeu no mesmo tom brincalhão que ele acabava de
usar:
— Será um emprego de tempo integral, cavalheiro?
— Tempo integral e para a vida toda. Mas garanto que será muito bem
recompensada!
Os olhos azuis que ele havia amado desde o primeiro instante estavam radiantes
de felicidade. Subitamente, ela se atirou nos braços dele e escondeu o rosto em seu
ombro.
— Só quero seu amor, nada mais!
— Então, vou me esforçar para que receba o bastante... Começou a beijá-la
novamente. — Mas quero que me pague com juros, minha adorada. Tenho certeza de
que nunca se arrependerá!
Alana corou, ao ver a paixão substituir o brilho zombeteiro nos olhos dele.
— Eu sei — murmurou, finalmente feliz.

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