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UM CONTO NADA DE FADAS

O fio de cabelo teimava em cair, ela fez um coque no alto da cabeça, mas aquele
fio de cabelo insistia em desprender-se. Por uma ou duas vezes, soltou todo o cabelo e
voltou a refazer o coque.
Suspira ao se olhar no espelho, pois lá estava ele caindo pela sua bochecha. Num
impulso descontrolado, puxou uma tesoura, aproximou do cabelo. Fixou o olhar no reflexo
e foi assim que se viu, sabia que o fio, era apenas um fio, e que nada mudaria se ela o
cortasse. Continuaria sendo a mesma garota, que teria um fio de cabelo a menos. Ao
enxergar seu interior, soube que tudo uma hora passa, seja uma felicidade plena ou uma
dor profunda. E o modo como vai absorver as energias dos momentos, amadurece,
emudece ou fortalece quem você é e quem você será.
A força não está em mostrar-se forte, mas em como enfrentar as situações e em
como demonstrá-las ao universo. Sorrir diante de um sofrimento, entregar-se às
felicidades.
Juliete era seu nome, cabelos longos e encaracolados, pele branca como o leite.
Lembrava o conto infantil, Branca de Neve, pois era de uma beleza digna de contos de
fadas. Onde passava, enfeitiçava. Era moradora daquela cidadezinha desde que nascera,
todos sentiam a necessidade de zelar por ela. Ela, por sua vez, sempre gentil, havia
reciprocidade.
O tempo passou, de menina virou moça e logo uma bela mulher. Os jovens
suspiravam por sua beleza, mas foram educados para não desejá-la, eram como irmãos e
deviam protegê-la. Nem entre as mulheres havia sentimentos ruins, tratavam-se com
respeito e admiração. Juliete fazia por merecer, sua beleza ia aquém do físico, isso a
tornava a pessoa mais querida da cidade.
Por trás de toda a perfeição de sua vida, algo a deixava vulnerável, tinha todo o
amor que podi querer. Será? Bem, era jovem, bela, carismática, porém sentia uma dor
invisível. Não compreendia o que passava consigo. Respirava, a cada milésimo de
segundo, o peso, algo incompreensível pelo seu ser. Sentia-se só, em meio a uma
comunidade que tinha olhos apenas para ela, ela sorria, mas seu interior gritava
desesperado. Pensou em ir para outra cidade, precisava buscar o que lhe faltava, curar o
que lhe corroía.
Em um dia frio de junho, às 6 horas da manhã, ela se foi, pegou uma mochila,
colocou suas roupas, sua coragem. Amarrou, bem ao fundo, sua vontade de gritar e saiu.
Não disse nada a ninguém, nem uma carta ou bilhete deixou. Se alguém soubesse o que
ela pretendia, é provável que não permitissem ou a convencessem do contrário. Deste
modo, caminhou pela única estrada de saída da cidade, não se permitiu olhar para trás.
Talvez a coragem não fosse tanta e a fizesse recuar. Engoliu o choro, segurou as
lágrimas. Já na autoestrada, pediu carona. Logo conseguiu. Quem não daria carona para
a perfeição em beleza?
Um frio percorreu o seu estômago ao subir a escada do caminhão vermelho. Olhou
em direção a sua cidade. A primeira lágrima escorreu. Escondeu-se em seu capuz.
Precisava ser forte, buscava por algo e ali não estava, ela sabia.
A porta do caminhão foi travada, Juliete não esboça reação alguma, logo uma mão
agarra a sua perna. A moça paralisou, nunca ninguém a tratou de tal modo. Um riso
macabro ecoou... Ela emudeceu. Não foi criada para situações difíceis, acredito que
nunca soube o que era medo, e provavelmente, emoções além das que buscava a
espreitavam.
Faço uma pausa, queria não narrar o que passou... dizer que nunca aconteceu...
ou que como o conto de fadas, ela encontrou bons homens. Homens normais, não
precisava se quer serem anões e trabalharem em uma mina. Quanta decepção! Recuso-
me a ser realista, sou o narrador, faço a arte da literatura! Tal qual , devo agir como tal.
Espera? Eu criei a história da Juliete, fi-la como imaginei, beleza e bondade. Por que
perdi o caminho, ela poderia ter vivido sempre em sua cidadezinha feliz...
Talvez eu devesse ser jornalista, já que terei que narrar algo tão realístico no
cotidiano feminino. Dúvidas rondam meus pensamentos.
Caro leitor, a porta travou e o som horrível da voz daquele homem era tudo que
nossa personagem ouviu, por pouco tempo, poderia dizer minutos. Desmaiou. Ao sair da
redoma em que viveu toda sua vida, defrontou-se com uma realidade inimaginável.
Passou por sua cabeça o desejo de tudo ser apenas um sonho, daqueles ruins, que às
vezes, nos despertam à noite.
Fico devaneando, será que ela teve consciência pelo que sofreu, ou o desmaiar foi
mais que um choque, foi a fuga da vida. Sinceramente, não desejo para qualquer ser-
humano passar o trauma que a jovem Juliete viveu. Sim, viveu! É contraditório, injusto,
revoltante...mas esses foram os últimos momentos dela. O mais triste era saber que
nunca mais ninguém a veria, tornou-se apenas uma lembrança, da qual ninguém sabia
como acabou, apenas sumiu. Até hoje, naquela cidadezinha, muitos se perguntam se ela
realmente existiu ou se era um mero conto de fadas.

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