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Arte

A PARCERIA
CORTEZ/LUCCHETTI

Por Rubens F. Lucchetti

Tudo começou com a revista Seleções de Terror, da Editora Outubro, de São Paulo. Ela
publicava as histórias em quadrinhos do Conde Drácula.
O que me encantava nas histórias em quadrinhos era o estilo dos desenhos do Nico
Rosso. Eu apreciava seu jogo de claro-escuro, seus personagens e sua aldeias, sempre
mergulhadas em sombras.
Comecei, então, a sonhar em ter uma de minhas histórias em quadrinhos desenhada
pelo mestre italiano. Isso era apenas um sonho, pois um contato com o Nico seria difícil: eu
residia no interior, e ele morava em São Paulo.
Mas como sempre fui uma pessoa persistente e que acreditava na realização dos sonhos, num
dia qualquer de 1962, mandei alguns argumentos para a Editora Outubro, a fim de serem
apreciados pelos seus diretores. Esperava que, caso aprovados fossem adaptados pelo Hélio
Porto, que era então o principal roteirista da editora, e desenhados pelo Nico Rosso. Fiquei
aguardando ansioso por uma resposta, enquanto ia comprando todos os meses a revista
Seleções de Terror. Sonhava encontrar num dos números, como complemento, uma de minhas
histórias. A frustração começou a apoderar-se de mim. Quando já estava quase conformado,
recebi pelo correio um pacote- pacote enviado pela Editora Outubro - contendo dez
exemplares de um livro de bolso intitulado Noite Diabólica (Contos Macabros). Esse pequeno
volume inaugurava a Série de Terror da Coleção Super Bolso; e continha as dezoito histórias e
uma poesia que eu havia enviado à editora e num texto da Quarta capa, os editores
prometiam: "Nesta coleção desfilarão os maiores nomes da literatura do terror e mistério".
Eu achava que aquelas histórias não eram indicadas para figurar um livro que dava
início a uma coleção que prometia tanto. Eram simples argumentos. Algum tempo depois,
fiquei sabendo que Hélio Porto gostara tanto de meus textos que resolvera publicá-los como
eu os havia escrito. Entretanto, se eu não ficara satisfeito com a forma de aproveitamento
desses textos, fui recompensado com a capa e as ilustrações do livro. Elas foram feitas por um
mestre da arte do desenho: Jayme Cortez, que era um dos diretores da Outubro.
Eu já conhecia o Cortez de nome, pelas capas das revistas de histórias em
quadrinhos da Editora La Selva: Contos de Terror, Sobrenatural e Terror Negro. Essas capas são
pequenas obras-primas do gênero e, na minha opinião, não foram superadas até hoje por
nenhuma publicação brasileira ou estrangeira.
Foi a partir daí que deixei minha timidez de lado e comecei a visitar regularmente o
Cortez. Primeiro, na Outubro; depois, na McCann Erickson, onde ele era diretor de criação
para Cinema Comercial. Foi graças a essa amizade que ele me convidou para o lançamento do
seu livro A Técnica do Desenho, cuja produção acompanhei na gráfica de Salvador Bentivegna.
Nessas ocasiões, tive a oportunidade de ouvir as longas e entusiásticas explanações do grande
mestre a respeito do gênero que o apaixonava: o Terror.
O lançamento de A Técnica do Desenho ocorreu em 3 de dezembro de 1965, às 19

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horas, na Livraria Celeiro, da qual o Cortez era sócio e funcionava na sofisticada Galeria
Nações Unidas, na avenida Paulista. Lembro-me desses detalhes porque guardo até hoje com
muito carinho o convite que ele me mandou com a mensagem "não falte”, escrita de próprio
punho. Além do mais, essa noite seria mesmo inesquecível para mim, pois foi quando
conheci o Nico Rosso. Mas como diria Rudyard Kipling: “this is another story”.
Meus encontros com o Cortez passaram a ser mais freqüentes, quando um ano
depois me mudei para São Paulo. Nesses encontros, tratávamos principalmente de um
projeto que começou a tomar vulto, o de um grande livro de Terror, nos moldes de A Técnica
do Desenho, com textos meus e ilustrações do Cortez.
A idéia do Cortez para esse livro era a de trabalhar página por página, ou seja, cada
página seria diferente das outras, tanto no que se referia à paginação do texto como no que diz
respeito às ilustrações. "Será um livro ambicioso como jamais foi feito", dizia-me ele com seu
sotaque aportuguesado.
Entreguei-lhe o mais rápido possível alguns originais e, de quando em quando,
cobrava-o, querendo saber sobre o nosso projeto. E o Cortez sempre se desculpando: "Este é
o trabalho que eu quero fazer com muito carinho".
O tempo passou e mudei-me para o Rio de Janeiro, deixando com dor no coração
minha querida São Paulo. Entretanto, essa mudança era imperiosa: meu amigo Jaime
Rodrigues oferecia-me o cargo de editor de publicações especiais da Editora Bruguera, da
qual ele era o editor geral. Foi na Bruguera que, num certo dia de 1978, o Cortez me telefonou
para pedir que eu mandasse com urgência uma foto "Val Lewtoniana"1. Mandei a foto e
alguns meses depois recebia o álbum O Grande Livro do Terror, organizado pelo Cortez e
publicado pela editora Argos.
Para minha surpresa, esse álbum publicava um conto meu, "O Segredo do Dr. Roger
Blackhill", com ilustrações do Cortez. E, no telefonema que ele me deu dias depois, o Cortez
dise-me: "Lucchetti, essa é uma pequena amostra do que será o nosso grande livro de
Terror".
Infelizmente esse foi o último conto que ele ilustrou dos cinco que eu lhe enviei.
Meu último encontro com o Jayme Cortez aconteceu em 1982, na Editora Savério
Fittipaldi, quando eu apresentava um projeto para uma série Sherlock Holmes. E o último
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trabalho que fiz com ele foi Drácula , em 1987, que, assim como os três volumes de Sherlock
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Holmes , tem capas e ilustrações suas.
Devo destacar ainda que tive o prazer de ter Jayme Cortez como ator num dos filmes
que roteirizei para José Mojica Marins: Delírios de um Anormal (1977).

1-Ele estava se referindo a Val Lewton, o


produtor de uma série de filmes de terror
para RKO. Produzidos nos anos quarenta,
esses filmes revelaram diretores como
Jacques Tourner e Robert Wise.
2-Drácula (recontado a partir de uma
tradução de Marco Aurélio Lucchetti),
São Paulo, Editorial Cunha, 1987.
3-Sherlock Holmes (edição crítica e __________________________
comentada a partir de traduções de
Marco Aurélio Lucchetti), São Paulo,
Editora Savério Fittipaldi, 1983. *Rubens F. Lucchetti é escritor e roteirista.

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