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Um roteiro
de
Vinicius Piedade
REPÓRTER
Hoje, 12 de dezembro de 2023,
aconteceu uma tragédia, Maya, uma
mulher de 62 anos, residente na cidade
do Guarujá, foi encontrada morta após
um incêndio causado por uma explosão
em sua própria casa. O filho, que
morava com ela, havia saído de casa e
esquecido uma das bocas do fogão
acesas, pois estava cozinhando. Por
isso, tudo indica que a explosão tenha
sido causada por um vazamento de gás.
O caso ainda será investigado mais a
fundo pelas autoridades.
HUGO (V.O)
Há muito tempo tenho me sentido uma
merda. É como se nada fazer sentido
fosse o único sentido de todas as
coisas. Se eu pudesse voltar no tempo,
provavelmente dormiria no enterro na
minha mãe.
HUGO
Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
SÍNDICO
Tudo bem, eu acho... Podemos conversar
por um instante?
HUGO
Claro.
SÍNDICO
Poderia abrir a porta, então?
HUGO
Me desculpa. Não costumo receber muita
gente aqui... Acabo estranhando
visitas.
SÍNDICO
Eu imagino... Bem, vou direto ao
assunto, eu sei que você está passando
por um momento difícil. Ninguém supera
uma perda dessas do dia pra noite,
como eu ja tinha te falado antes.
Enfim, ja fazem 2 meses dessa
situação, e eu preciso que você me
pague pelo menos uma parcela do
aluguel, pra me ajudar.
HUGO
Eu sei... Estou tentando, preciso
terminar o meu livro...
SÍNDICO
(Interrompendo)
Porque você não procura por alguma
vaga de emprego por aí? É mais
garantido pelo menos... E outra, você
não tem nenhum parente que possa te
ajudar no momento?
HUGO
Não! Sou filho único, e não tenho
nenhum parente próximo daqui. Estou
completamente sozinho. Mas obrigado
pelo favor de me deixar ficar nesse
apartamento por enquanto.
SÍNDICO
Bom... Acho que posso te manter aqui
por mais um tempo, daqui a um mês
voltamos a conversar.
FADE OUT
FADE IN
HUGO (V.O)
E mais uma vez, acordei assim. Sem
esperança e ânimo. Me perguntando se
as coisas tem algum sentido pra mim.
Agora, além de sofrer, terei que
largar a escrita pra não acabar
debaixo de uma ponte. Bom... talvez
seja mais digno do que viver assim.
Talvez eu deva ir para os bosques e
viver deliberadamente.
CORTE PARA:
MAYA
Amor? O que aconteceu? Você teve outro
pesadelo?
HUGO
Eu...Eu não sei... Tô meio confuso.
Maya abraça Hugo. Maya levanta e puxa Hugo pra fora da cama.
MAYA
Vem, vamos tomar café.
HUGO
Café... café é bom.
HUGO
Eu preciso usar o banheiro, já volto.
MAYA
Amor, fica de olho no horário, assim
você não se atrasa.
HUGO
Atrasar? Pra onde?...
MAYA
Você não está bem hoje mesmo. Você tem
uma reunião com aquela editora super
famosa por conta do seu livro, lembra?
HUGO
Ah, é verdade, eu quase me esqueci.
Mas vou remarcar, quero tirar o dia
pra ficar aqui com você. Eu não quero
que nada disso acabe.
MAYA
Eu te amo. Mas não tem nada acabando,
só começando. E a reunião é
importante, você sabe disso. Eu vou
ficar aqui, assim que você chegar a
gente vai ter muito pra comemorar.
HUGO (V.O)
Depois desse sonho, algo começou a
mudar em mim. Alguma coisa despertou
uma chama que queria arder dentro do
meu peito. Depois de muito tempo
mergulhado nos meus mais obscuros
sentimentos, como se já tivesse
morrido, só esperando o dia da minha
partida, a partir de hoje, voltarei a
viver.
HUGO (V.O)
De repente, as cores daquela aquarela,
que tinham sido apagadas pela chuva,
voltaram a ganhar vida e ficaram ainda
mais vívidas. Eu tinha a gana de
voltar a explorar todas as minhas
circunstâncias, até porque se eu não
salvar isso, quem me salvaria?
HUGO (V.O)
Vários dias se passaram, e no decorrer
deles, eu me questionava, questionava
até mesmo tudo que eu ja havia
estudado antes. Passei a querer
entender como meus sonhos podiam falar
tão bem da minha realidade e dos meus
sentimentos. Percebi que a consciência
das coisas sonhadas, não tinha nada a
ver com a minha inconsciência. Aquela
garota, eu ainda estou tentando
entender, como posso te-la sonhado sem
nunca te-la visto. Talvez eu fosse tão
desligado que não percebi que possa
ser alguém que eu já tivesse
encontrado numa fila de supermercado.
Passei a pensar nela dia e noite, como
se fosse algum tipo de alucinação.
CORTA PARA:
Hugo entra no elevador. Hugo se depara mais uma vez com Maya
no elevador. Maya segura o livro "Crime e Castigo" em mãos.
HUGO
Dostoievski... E ainda por cima com um
dos meus favoritos.
MAYA
Olha... Eu tava até cansada, mas só de
saber que alguém além de mim aqui,
gosta de Dostoievski. Já me deixa mais
animada. Mas você conhece outros né?
Não só esse.
HUGO
Bom... "O Sonho de um Homem Ridículo"
mudou muita coisa na minha vida. É
como ir do céu ao inferno.
HUGO
Ei, não sei como você está hoje, se
está muito ocupada, mas... Porque que
a gente não senta um pouco lá fora,
pra conversar mais sobre literatura.
MAYA
Tudo bem... Eu só preciso subir e
tomar um banho e depois a gente se
encontra aqui embaixo, pode ser?
HUGO
Pode sim... Mas... qual o seu nome
mesmo?
MAYA
Maya. E o seu?
Hugo se surpreende.
HUGO
Hugo...
HUGO
Opa, como vai? Tudo bem com você?
SÍNDICO
Comigo tudo ótimo, eu vim aqui te
perguntar, como está se saindo no
emprego novo?
HUGO
Voltando à vida normal aos poucos.
CORTA PARA:
FADE OUT
FADE IN
HUGO (V.O)
De forma muito estranha, tudo que
acontecia, era muito positivo, cada
ação que eu tomava. Mesmo que eu
repetisse todas as coisas, aprendi que
não se pode entrar no mesmo rio duas
vezes. Então tudo pra mim era de uma
felicidade e novidade imensa. Por isso
mesmo, decidi aproveitar a boa fase
chamar aquela garota Maya para jantar.
Seu nome e trejeitos certamente não
sairam da minha cabeça.
CORTA PARA:
FADE OUT
FADE IN
HUGO
Eu sempre me senti inseguro a respeito
dos meus sentimentos, e também das
minhas atitudes. É difícil ouvir o
nosso coração as vezes.
MAYA
Eu também sempre fui muito confusa,
você quis dizer que é meio confuso
também né?
HUGO
(refletindo)
Posso dizer que sim.
MAYA
As vezes a gente fica procurando
respostas onde não deve. Talvez a
resposta esteja ali do nosso lado.
HUGO
Nem sempre nos livros. Certo?
FADE OUT
FADE IN
HUGO
Lembra da conversa que nós tivemos no
restaurante?
MAYA
Claro que lembro! Foi muito importante
pra mim.
HUGO
Escrevi um poema... Por causa da nossa
conversa... Doce menina frágil, que me
leva com a dança; com a habilidade de
ser ágil, sendo mais adulta que
criança. Acalma o teu coração; jogue
os pensamentos no vão; lembre-se das
preces antigas que sempre foram tuas
amigas. Deita em meu peito, escuta com
calma os batimentos que buscam
entendimentos das dúvidas confusas do
meu leito. Obedece minha intuição,
junta a minha e a tua confusão,
sussurra em meu ouvido e diz: Não é
preciso muito para ser feliz! Deixa
deixar de me consumir nessa busca
incessável do perfeito. Fala que posso
do efêmero rir, e então buscar
abandonar o que já foi feito.
CORTA PARA:
Hugo e Maya se arrumam para sair. Hugo começa a ter uma crise
de pânico. Maya tenta acalmar Hugo. Uma sequência de
encontros dos dois juntos é mostrada. Os dois leem livros
juntos, se beijam, dançam, comem, fumam, se divertem.
HUGO (V.O)
Desde então, eu e Maya vivemos muitas
coisas juntos. Eu achava impossível
encontrar alguém que tivesse tanto a
ver comigo, alguém que soubesse me
ouvir e entender tanto quanto ela. Mas
enfim, encontrei. E aquilo me fazia
muito bem.
HUGO
Eu tô apaixonado por você! Eu amo cada
detalhe teu. Eu amo de como seus olhos
doces me olham. Eu amo o jeito que seu
cabelo balança contra o vento. Eu amo
sua boca, os detalhes da sua boca.
Nossa...
MAYA
(Interrompendo e rindo)
Tudo isso? Precisa ser tanto assim?
Será que eu não merecia menos?
HUGO
Eu não consigo te explicar. É tão
intenso. Parece até desenhado de tão
forte. Sei lá, sabe? Não sei... Parece
sonho!
MAYA
(rindo)
Você que é um sonho. Quase tão
perfeito quanto aqueles de padaria.
HUGO (V.O)
De todas as coisas feitas entre eu e
ela, agora só faltava uma. Estava na
hora de oficializar o nosso
compromisso. Eu faria isso na noite
seguinte.
CORTA PARA:
HUGO (V.O)
Eu estava muito nervoso naquela noite,
com a falsa ilusão de tentar reduzir
as expectativas, até porque elas nos
levam para o amanhã e nos fazem perder
o presente. De toda forma, queria que
o amanhã chegasse e fosse positivo.
CORTA PARA:
FIM