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terça-feira, 11 de janeiro de 2011 Quem sou eu

Pablo Gonzalez
Um roteiro para ler Dostoiévski
Nasci e moro em São
Tive a ideia de elaborar este roteiro ao constatar o seguinte fenômeno: muitas José dos Campos (SP),
pessoas que se lançam na obra de Dostoiévski escolhem, como primeira leitura, sou escritor, tenho dois romances
publicados, participo do grupo Farol
Crime e Castigo ou Os Irmãos Karamázov, por serem os livros mais
São José e sou membro aspirante da
comentados do autor, e uma grande parte destes leitores, talvez a maioria,
AVLA (Academia Valeparaibana de
abandona o livro, sobretudo os que começam por Os Irmãos Karamázov. Além Letras e Artes).
disso, há o problema das traduções. Embora Dostoiévski já tenha encantado
Ver meu perfil completo
milhares de leitores brasileiros no século passado, somente de uns anos para
cá, com as traduções feitas diretamente do russo, estamos tendo acesso a textos
mais fiéis ao verdadeiro Dostoiévski. De modo geral, a linguagem de Minhas redes sociais

Dostoiévski não é difícil; pelo contrário, é acessível e proporciona uma leitura


rápida, mas há elementos que podem causar uma falsa impressão de picture
densidade, como, por exemplo, os nomes russos, com os seus patronímicos, as
variações e as numerosas consoantes, os diálogos quilométricos (com
frequência os personagens de Dostoiévski falam “como se estivessem lendo um
livro”), as digressões, os devaneios, os circunlóquios e os excessos (esses
excessos são importantes do ponto de vista estilístico).

É claro que começar pelos grandes romances não é nada de tão absurdo assim.
Eu mesmo comecei por Crime e Castigo, no inverno de 1999, mas essa
primeira experiência não foi muito boa. Por falta de orientação, adquiri um Meu último livro
exemplar da Editora Ediouro, com tradução de Carlos Heitor Cony. Eu gosto
muito do Cony, já li muitos de seus romances e já assisti a uma palestra sua,
que me pareceu ótima, e sempre recomendo fortemente os seus livros, mas a
sua tradução de Crime e Castigo deve ser evitada, já que é indireta (é uma
tradução de uma tradução para o francês) e, o pior de tudo, o texto não é
integral. Seguir a ordem cronológica também me parece desaconselhável, já
que, nesse caso, começaríamos com uma série de textos menos expressivos e
demoraríamos muito para chagar a Os Irmãos Karamazov.

UM ROTEIRO PARA LER DOSTOIÉVSKI


por Pablo Gonzalez

O roteiro a seguir está dirigido a pessoas que estão iniciando a sua caminhada
pela obra de Dostoiévski, mas os leitores experientes estão convidados a Meu Grupo Cultural

analisar, criticar, aprovar ou desaprovar, acrescentar informações, comentar e


dar os seus próprios conselhos aos principiantes.

1. Noites Brancas (1848) – Escolhi Noites Brancas como ponto de partida


para o nosso roteiro por três razões. Primeiro: trata-se de um romance breve
Seguidores
(muitos o classificam como novela ou conto longo), que pode ser lido
facilmente em um único dia. Segundo: o protagonista e narrador da história, Seguidores (110) Próxima
cujo nome não é mencionado em nenhum momento, tem características que
reaparecerão em personagens importantes dos grandes romances, como o
príncipe Michkin (O Idiota) e Dmítri Karamazov (Os Irmãos Karamazov), Elisa
servindo, dessa maneira, como uma pequena amostra do herói dostoievskiano.
Terceiro: logo nas primeiras páginas do livro, enquanto faz observações Van Kosta - Butterfly Back
angustiantes sobre a sua vida, o narrador caminha sem rumo pelas ruas de São
Petersburgo. Podemos ver o Rio Nievá, a Avenida Nievski, e não existe melhor
maneira de se entrar no universo de Dostoievski do que vagando por essa Esther Alcântara
cidade tão recorrente em sua obra. Noites Brancas é uma história de amor. O
enredo é simples e repleto de suspense. Depois de perambular durante três Seguir

dias, o protagonista conhece uma jovem e imediatamente se apaixona. Ela


aceita se encontrar outras vezes com a condição de que ele lhe permita contar a
Recomendo:
sua trágica história. Edição brasileira recomendada: Noites Brancas, Agenda Cultural
Editora 34, tradução de Nivaldo dos Santos - 96 páginas. Andrea Vertera
Baseado Em Fatos Literários
2. Um Jogador (1867) – Como segundo passo, optei por este intrigante Bip Cultural
romance, que também foi traduzido como O Jogador, por proporcionar uma
Blogosfera Brasil
leitura rápida e leve e pertencer a uma etapa importante da vida e da produção
Carlos Santos
literária do autor. O livro é considerado altamente autobiográfico, já que
Cia Tripoloucos
Dostoiévski tinha o vício do jogo e perdeu muito dinheiro nos cassinos
europeus. Assim como em Noites Brancas, a narrativa está na primeira pessoa, Daniel Moisés
mas desta vez o protagonista tem nome, Aleksiéi Ivânovitch, e é bem mais Dear Book
complexo. A história transcorre numa cidade fictícia da Alemanha, Demora Mas Chega
Roletemburgo (uma alusão à roleta dos cassinos) e os personagens têm Eduardo José
diversas nacionalidades (russa, inglesa, alemã, francesa, polonesa...). Edição Entrementes
brasileira recomendada: Um Jogador, Editora 34, tradução de Boris Espaço do Leitor
Schnaiderman - 232 páginas.
Farol São José
Fernanda França
3. Depois de ler Noites Brancas e Um Jogador, certamente já estaremos
Fernando Scarpel
prontos para embarcar em Crime e Castigo, o primeiro grande romance do
Isildinha Prado
nosso roteiro, mas, apenas para ir intercalando romances com novelas, sugiro a
leitura de duas pequenas pérolas da última fase do escritor. São elas: A Dócil Leandro Reis
(1876) e O Sonho de Um Homem Ridículo (1877), que foram reunidas Ler, Dormir, Comer...
pela Editora 34 no livro Duas Narrativas Fantásticas. Na primeira, Livros Brasil
encontramos um comerciante bem-sucedido que tenta entender o suicídio da Lugar das Palavras
jovem esposa. Na segunda, é o narrador quem está a ponto de acabar com a Luke Edward
própria vida, mas ele adormece na poltrona, diante do revolver, e tem um Nessa News
sonho fantástico e redentor, que o conduz a um mundo perfeito, habitado por
Nova Ação Films
criaturas belas e bondosas (o tema da utopia é recorrente em
Poeta Moraes
Dostoiévski). Edição brasileira recomendada: Duas Narrativas
Produção em Cena
Fantásticas, Editora 34, tradução de Vadim Nikitin - 128 páginas.
Projeto Blablablá Positivo
4. Crime e Castigo (1866) – Classificar um romance de Dostoiévski como Projeto Novas Letras
policial é, sem dúvida, um erro, mas este livro tem vários elementos do gênero: Psicanálise e Saúde Mental
um crime terrível e premeditado, a fuga, a investigação implacável, o suspense Psychobooks
da primeira à última página. Utilizando a terceira pessoa, o autor nos coloca na Reginaldo Gomes
mente de diversos personagens. O protagonista e executor do crime (e um dos Revista Fantástica
personagens mais célebres de toda a literatura universal) é Raskólnikov, um Rita Elisa Seda
jovem orgulhoso e perturbado. A heroína é Sônia, uma garota que, diante do
Rogério Rodrigues
alcoolismo do pai e da enfermidade da mãe, é obrigada a se prostituir para
Vale em Versos
alimentar os irmãos pequenos. O detetive é o impiedoso Porfiri Pietróvitch (na
Vale Literatura
verdade, trata-se de um juiz de instrução, mas é ele quem investiga o caso,
promovendo interrogatórios que beiram a tortura psicológica). Raskólnikov Vinícius Dias
nega o crime, mas, ao mesmo tempo, sente uma necessidade de expiar a culpa; Wilson Gorj
apaixona-se pela prostituta, delira, é ajudado por um amigo que se envolve com Zenilda Lua
a sua irmã; Porfiri encontra um estranho artigo que Raskólnikov escreveu na
faculdade, quando era estudante de Direito, e esse artigo se transforma numa Arquivo do blog
pista para desvendar o crime. De acordo com o ensaísta Otto Maria Carpeaux,
conhecer Dostoiévski é como conhecer o mar. Quem estiver seguindo este ▼ 2011 (15)

roteiro e começou com Noites Brancas e Um Jogador já terá visto esse mar, ► agosto (1)

mas ler Crime e Castigo é como ser arrastado por uma onda desse mar numa ► julho (2)

terrível tempestade. A experiência é avassaladora. Nenhuma pessoa continua
► junho (1)

sendo a mesma depois de fechar este livro. Edição brasileira
► maio (3)

recomendada: Crime e Castigo, Editora 34, tradução de Paulo
Bezerra - 568 páginas. ► abril (2)

► março (5)

5. O Eterno Marido (1870) – Embora tenha a sua dose dramática, o Eterno
▼ janeiro (1)

Marido é um dos livros mais engraçados de Dostoiévski. Por essa razão, e
Um roteiro para ler Dostoiévski
também por ser curto, leve e, para alguns críticos, o texto mais bem acabado do
escritor, coloquei-o depois de Crime e Castigo no nosso roteiro. O tema central
► 2010 (11)

é a infidelidade, não a infidelidade passional, mas uma infidelidade instintiva,
intrínseca, automática. Vienltchâninov tem a impressão que está sendo seguido
Marcadores
por um homem misterioso, que parece estar por toda São Petersburgo, eles
travam conhecimento, o homem se revela o marido da sua ex-amante, que 2011 (1)
acaba de falecer. Vienltchâninov tem um sonho premonitório, surgem uma bienal do livro (1)
menina de paternidade duvidosa, uma carta escrita há vários anos pela finada e bono (1)
um segundo ex-amante da mesma. Em determinado ponto do livro, o
borges (1)
protagonista afirma que algumas mulheres parecem ter nascido para serem
dostoievski (1)
infiéis, mas que, para esse tipo de mulher, existe um tipo de homem
correspondente: o eterno marido. A trama está cheia de surpresas e o suspense dostoiévski (1)
é conduzido de modo magistral até o fim. Edição brasileira if i could live my life again (1)
recomendada: O Eterno Marido, Editora 34, tradução de Boris leitores (1)
Schnaiderman - 216 páginas. leitura (2)
literatura (1)
6. Memórias do Subsolo (1864) – Nosso roteiro continua com outro livro
literatura joseense (1)
fundamental de Dostoiévski. Trata-se de um texto obscuro, denso e
literatura russa (1)
perturbador. Se ler Crime e Castigo é conhecer as furiosas ondas do mar
dostoievskiano, ler Memórias do Subsolo é afogar-se, chegar às profundezas livros (1)
desse mar e permanecer ali por minutos que parecem atemporais, na mais roteiro (1)
completa solidão. O livro está dividido em duas partes com estruturas são josé dos campos (1)
narrativas diferentes. A primeira, que se chama “O Subsolo”, é um u2 (1)
monólogo. Na segunda parte, “A propósito da neve molhada”, há um pequeno
enredo, o homem subterrâneo abandona a escuridão, sai com os colegas do
trabalho, pelos quais ele é desprezado, e se envolve com uma prostituta, mas o
principal elemento continua sendo a voz, uma voz contundente, ressentida,
paradoxal e sinistra, uma voz que causaria uma “alegria sem limites” a
Nietzsche e revolucionaria toda a literatura, por inaugurar o uso de atmosferas
alegóricas, na ficção, para tratar de temas filosóficos e sociais. Edição
brasileira recomendada: Memórias do Subsolo, Editora 34,
tradução de Boris Schnaiderman - 148 páginas.

7. O Idiota (1869) – Trinta anos antes que Freud publicasse a Interpretação


dos Sonhos, Dostoiévski já demonstrava ser um profundo conhecedor da
psique humana, fato que pode ser constatado em toda a sua obra e,
especialmente, em O Idiota, o segundo grande romance do nosso roteiro. É o
livro ideal para escapar da solidão e da angústia de Memórias do Subsolo, pela
abundância de personagens, todos muito peculiares, e porque o protagonista, o
príncipe Míchkin, nos encherá de esperanças. Ele é um homem simples e
benevolente, que sabe perdoar, mas, por viver em uma sociedade corrompida, é
visto como um idiota. Utilizando diálogos longos e outros recursos, como a
transcrição de cartas e artigos (alterando o foco narrativo da terceira para a
primeira pessoa), o autor nos conta uma série de episódios, alguns
engraçadíssimos, que funcionam como histórias dentro da história, e um
desses episódios tem grande importância, por ser autobiográfico: os suplícios
de um condenado à morte. Devido à quantidade de personagens, é impossível
resumir o enredo. As cenas finais deste livro são inesquecíveis. Edição
brasileira recomendada: O Idiota, Editora 34, tradução de Paulo
Bezerra - 682 páginas.

8. Gente Pobre (1846) – Depois de se deliciar com as incríveis aventuras do


príncipe Míchkin, de O Idiota, que tal conhecer o primeiro livro de
Dostoiévski? É o que sugiro como oitava leitura no nosso roteiro. A obra foi
publicada quando o autor tinha apenas 24 anos. Normalmente, os escritores só
alcançam o reconhecimento depois de publicar vários livros, mas esse não foi o
caso de Dostoiévski. Gente Pobre foi recebido com grande entusiasmo pela
crítica e pelo público. Trata-se de um romance epistolar, isto é, uma narrativa
toda construída através de cartas: a correspondência entre Makar Diévuchkin e
Varvara Alieksiêievna. Essa forma literária não representou nada de original ou
inovador, pois já tinha sido amplamente utilizada no século XVIII (o exemplo
mais célebre é Ligações Perigosas, do escritor francês Choderlos de Laclos),
mas, em compensação, a sua maneira de abordar temas sociais foi considerada
pioneira. Edição brasileira recomendada: Gente Pobre, Editora 34,
tradução de Fátima Bianchi - 192 páginas.

9. O Crocodilo (1865) – Antes de mergulharmos nas mil páginas de Os


Irmãos Karamazov, recomendo O Crocodilo, uma engraçadíssima novela de
apenas 63 páginas, que ficou inacabada. Na edição da Editora 34, essa novela
foi reunida com Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão (1862),
cuja leitura também gostaria de inserir neste ponto do roteiro, já que se trata
de uma excelente oportunidade de conhecermos o Dostoiévski
ensaísta. Edição brasileira recomendada: O Crocodilo/Notas de
Inverno Sobre Impressões de Verão, Editora 34, tradução de Boris
Schnaiderman - 168 páginas.

10. Os Irmãos Karamásov (1879) – Assim como Dom Quixote, Hamlet, Os


Miseráveis, Em Busca do Tempo Perdido e Ulisses, Os Irmãos Karamázov é
um dos principais monumentos da história da literatura universal. É neste
romance que encontramos as frases mais conhecidas do autor, como: “Se não
existe Deus, tudo é permitido”, “Para que se possa amar um homem, é preciso
que ele se esconda”, “O demônio luta com Deus e o campo da batalha são os
corações humanos” e “Todos somos culpados por tudo”. O pai Karamásov é um
homem beberrão, irresponsável e cruel. Com a primeira esposa, teve Dmítri;
com a segunda, Ivan e Aliócha. O quarto irmão é Smierdiákov, o bastardo. A
ação principal se desenrola na vida adulta dos irmãos, que são muito diferentes
entre si. Dmítri é passional, Ivan é racional, Aliócha é espiritual e Smierdiákov
é obscuro. Dmítri disputa os amores da sedutora Grúchenhka com o pai, que,
apesar da idade, vive na farra. Ao mesmo tempo, porém, Dmítri se envolve com
Catierina, uma mulher respeitável. Aliócha é seminarista e procura desenvolver
a sua espiritualidade com o ancião Zózima, um sujeito bondoso, místico e
profético. Ivan, um niilista, é professor, leva uma vida intelectual, tem uma
queda por Catierina e não se conforma que esta prefira o seu irmão Dmítri.
Uma das passagens mais célebres do livro é a alegoria do Grande Inquisidor,
que Ivan lê para Aliócha, e na qual Cristo retorna à Terra. Dmítri, que é militar,
precisa desesperadamente de 3 mil rublos, pois pegou tal quantia emprestada
com uma das mulheres para gastá-la com a outra. A morte do ancião Zózima
causa um forte impacto em Aliócha, que, a partir disso, compreende a fraqueza
humana. Ivan se aproxima de Smierdiákov, o bastardo, que trabalha na casa
como cozinheiro, formando um curioso contraste. Acontece o parricídio: o pai
Karamásov é assassinado por um dos filhos. Qual dos quatro cometeu o crime?
Com a leitura deste livro, o último que Dostoiévski escreveu e que é, sob todos
os aspectos, uma síntese de sua obra, teremos conhecido o ponto culminante de
sua trajetória, mas, para que possamos nos considerar profundos conhecedores
de Dostoiévski, ainda precisamos ler Recordações da Casa dos Mortos e Os
Demônios. Edição brasileira recomendada: Os Irmãos Karamásov,
Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 1040 páginas.

11. Recordações da Casa dos Mortos (1862) – Há quem diga


que Recordações é uma excelente introdução para a obra madura de
Dostoiévski. Essa afirmação tem fundamento, já que aqui encontraremos a
gênese dos romances que ele escreveria depois. No
entanto, Recordações aparece em uma etapa avançada do nosso roteiro porque
acredito que a leitura deste livro se torna mais saborosa na medida em que
estamos mais familiarizados com o autor. Ou seja, recomendo o caminho
inverso: conhecer primeiro o resultado e depois a gênese. Em outras palavras,
este livro pode ser lido como uma espécie de making of dos romances maduros
de Dostoiévski. Aqui conheceremos, por exemplo, o jovem Ali, cuja pureza de
caráter provocou uma forte impressão no escritor e lhe serviria de modelo para
personagens como o príncipe Míchkin e Aliócha Karamásov. O livro não está
no catálogo da Editora 34, mas a Editora Nova Alexandria lançou uma
tradução direta do russo. A obra pode ser classificada como romance, já que o
narrador é um personagem fictício, mas, em última análise, trata-se de um
livro de memórias. Edição brasileira recomendada: Recordação da
Casa dos Mortos, Editora Nova Alexandria, tradução de Nicolau S.
Peticov - 324 páginas.

12. A Senhoria (1847) – Na verdade, depois de ler três ou quatro livros de


Dostoiévski, já é possível apreciar qualquer texto do autor, de modo que, nesta
parte final do roteiro, a ordem de leituras não tem muita importância.
Deixei Os Demônios para o final com o objetivo de fechar o roteiro com um
grande romance, mas, se o critério fosse dar prioridade aos livros essenciais, Os
Demônios teria de vir antes. De todas as formas, para os que já leram os livros
mais conhecidos do autor e estão lamentando o fato de já não terem muitas
leituras inéditas (reler é sempre uma delícia) pela frente, A Senhoria é uma
grata surpresa. Trata-se de um romance da primeira fase. Breve, experimental,
com elementos de realismo fantástico, o livro aborda um estranho caso de
amor entre Ordínov, um sonhador com "inclinação inconsciente para os
estudos", e Katierina, uma moça que vive com um velho bruxo. Edição
brasileira recomendada: A Senhoria, Editora 34, tradução de
Fátima Bianchi - 142 páginas.

13. A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes (1859) – Entre os


anos 1849 e 1859, Dostoiévski foi preso, condenado à morte, teve a pena
comutada depois de uma simulação do fuzilamento (ele chegou a ser amarrado
a um poste com os olhos vendados, achando que morreria), passou 5 anos
numa prisão na Sibéria e mais 4 cumprindo serviços forçados no exército. A
Aldeia de Stiepântchikov foi um dos primeiros livros que ele escreveu e
publicou depois dessa década tão sofrida e conturbada. O texto não tem a
mesma força que os romances da maturidade, já que Dostoiévski, a esta altura,
ainda não tinha passado pelo subsolo que ele mesmo inventaria, alguns anos
depois, mas vale pelo personagem Fomá Fomich, um dos melhores
personagens de toda a obra do escritor. Edição brasileira recomendada: A
Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes, Editora Nova
Alexandria, tradução de Nicolau S. Peticov – 320 páginas.

14. Os Demônios (1872) – Aqui Dostoiévski nos surpreende utilizando a


terceira pessoa, mas não um narrador onisciente, e sim um narrador-
personagem, que conhece a todos e é conhecido por todos, sem jamais
interferir no desencadeamento dos fatos. Um recurso muito sofisticado que ele
soube explorar de modo perfeito. A história trata de duas gerações. Na primeira
temos Stiepan e Varvara, dois viúvos que vivem uma relação paradoxal. Ele é o
preceptor do filho dela e também tem um filho, e são justamente esses filhos,
Nicolai e Piotr, que aparecem como os protagonistas da segunda geração. Os
Demônios é sem dúvida o livro mais político de Dostoiévski, que utilizou um
episódio real, o assassinato de um estudante, como ponto de partida para o
enredo. Embora as questões políticas sejam, em certa medida, anacrônicas,
este romance jamais perderá a sua relevância, já que o autor, no melhor da sua
forma, faz, como sempre, uma pintura das áreas mais recônditas da psique
humana. Dostoiévski é atemporal. Ele escreveu sobre todos nós. Edição
brasileira recomendada: Os Demônios, Editora 34, tradução de
Paulo Bezerra - 704 páginas.

OS LIVROS QUE AINDA NÃO LI, TEXTOS SEM TRADUÇÃO


E CONTOS POUCO CONHECIDOS

Uma das minhas grandes alegrias é que ainda tenho alguns Dostoiévskis para
ler. Não sei em que posição esses livros entrariam em meu roteiro, talvez eu
seja obrigado a refazê-lo, futuramente. Alguns, como Humilhados e Ofendidos,
O Adolescente, Nietotchka Niezvanova e o conto Bóbok já estão disponíveis em
nosso idioma (os dois últimos já estão em minha estante), mas há textos como
O Duplo e O Sonho do Tio que, pelo que sei, nunca foram traduzidos, a não ser,
talvez, na Obra Completa de Fiódor Dostoiévski, da Editora Nova Aguilar, uma
coleção de quatro volumes que custa aproximadamente R$ 600,00 e não tem
tradução direta do russo. Em relação a O Adolescente, gostaria de manifestar a
profunda decepção que tive no ano passado. Quando soube que a Editora
Companhia das Letras lançaria uma tradução desse livro, fiquei extremamente
feliz. Depois, no entanto, um pouco antes que o livro chegasse às livrarias,
descobri que se tratava de uma adaptação, feita por Diego Rodrigues. Isso
significa que o texto não é integral. Não comprei o livro. Prefiro continuar
esperando (será que a Editora 34 vai nos salvar?). Uma adaptação talvez torne
o livro mais vendável, mais atrativo para o público em geral, já que o deixa
menos volumoso e consequentemente mais barato, mas é um desrespeito para
com os verdadeiros apreciadores de Dostoiévski no Brasil. A última observação
é que há muito tempo li uma novela chamada Uma História Lamentável,
numa edição de bolso da Editora Paz e Terra, mas não a incluí no roteiro
porque não me lembro absolutamente nada da história e perdi esse livro.
Obrigado a todos por ler! Não deixem de fazer comentários e sintam-se à
vontade para estabelecer contato, cadastrando-se como seguidores do blog ou
através das redes sociais.

BIBLIOGRAFIA DE DOSTOIÉVSKI

1846 - Gente Pobre


1846 - O Duplo
1847 - A Senhoria
1848 - Noites Brancas
1849 - Nietotchka Niezvanova
1859 - O Sonho do Tio
1859 - A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes
1861 - Humilhados e Ofendidos
1862 - Recordações da Casa dos Mortos
1862 - Uma História Lamentável
1863 - Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão
1864 - Memórias do Subsolo
1865 - O Crocodilo
1866 - Crime e Castigo
1867 - O Jogador
1869 - O Idiota
1870 - O Eterno Marido
1872 - Os Demônios
1873 - Diário de Um Escritor
1873 - Bóbok
1875 - O Adolescente
1876 - O Mujique Marei
1876 - A Dócil
1877 - Sonho de um Homem Ridículo
1879 - Os Irmãos Karamasov

Postado por Pablo Gonzalez às 10:21

Marcadores: dostoievski, dostoiévski, leitura, literatura russa, roteiro

83 comentários:

Unknown 11 de janeiro de 2011 às 15:37


Meu caro Pablo,
Tive, no meu trabalho, contato com alguns russos da sibéria, onde eles me
contaram diversas histórias de seus antepassados naquela região, então resolvi
ler Recordações da Casa dos Mortos, fiquei fascinado apesar de ser o primeiro
livro de DOSTOIÉVSKI que li.
Abraço,

Júlio Sansoni.

Responder

Unknown 12 de janeiro de 2011 às 12:58

Pelo pouco que conheço esse roteiro parece bom. Obrigado pelas dicas sobre as
traduções, o trabalho desses tradutores é realmente louvável!
Responder

Pablo Gonzalez 13 de janeiro de 2011 às 03:44

Júlio: a vida na Sibéria deve ser bem diferente... Esse contato que você teve
com os russos deve ter enriquecido bastante a sua leitura de Recordações da
Casa dos Mortos!

Carlos: esses tradutores como o Paulo Bezerra e o Boris Schaiderman são


verdadeiros heróis por realizar esse trabalho árduo!

Obrigado pelos comentários!


Responder

Unknown 14 de janeiro de 2011 às 05:51

Este comentário foi removido pelo autor.

Responder

Unknown 14 de janeiro de 2011 às 05:54


Muito interessante seu roteiro! Engraçado que eu comecei a ler justamente Os
irmãos Karamázov e isso quando eu tinha 15 anos. Me parece que comigo
aconteceu totalmente o oposto, porque foi a partir desse livro que eu passei a
adorar Dostoiévski!

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