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Resumo: A criação improvisada pode ser “zona borrosa” mesmo no campo investigativo de
uma “ciência da representação teatral”. A improvisação performativa na arte de Étienne
Decroux, mesmo vivenciada dentro de um caminho técnico com formalização de
repertórios distintos, também expressa traços fugidios da expressividade do performador.
Como dizer desta “maneira” decrouxiana de improvisar? Como criar diálogos com outras
experiências no campo da improvisação cênica? Improvisar com a arte decrouxiana é
revelar um saber específico em uma expressividade de linguagem cênica fronteiriça. Uma
expressão como ela, “borrosa” ou não, necessita de ciências "afetivas" para ser percebida.
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Com a imagem da “reconstrução com as próprias mãos” enfatizo o caráter de artesania na arte de Decroux.
Cf. MENDONÇA, 2010.
que sua arte ofereceu em seu tempo, tanto na forma corporal quanto em sua intensidade
de vida e expressão. Talvez somente ele.
De todo modo, conversemos um pouco sobre sua maneira. Manière é uma
palavra que possui uma presença significativa no vocabulário decrouxiano podendo ser
considerada uma importante noção artística sua. A palavra “maneira” traz um sentido de
modo e método em que alguma coisa é realizada, ou mesmo fabricada artesanalmente na
arte mímica corporal, seja na experiência da improvisação, seja nas composições
finalizadas. Com Decroux, a “maneira” fortalece uma referência ética importante, proposta
por ele, na relação entre o agir e o pensar, buscando revelar uma qualidade desse
pensamento forjada em um “esforço” e em uma “artificialização” do movimento, mas sem
impor a ela uma finalidade enquanto ação. Mesmo assim, para Decroux, “maneiras” são
“ações produtivas” (DECROUX, 1994: 145). Diz ele:
A maneira de fazer vale mais que fazer [...] Olhe como o mimo se inclina
para pegar uma flor. É isso que importa, pois isso revela algo que nós nos
beneficiamos em saber e não no fato de que uma flor que estava antes no
campo está agora na lapela (DECROUX, 1994: 159) (Grifos meus).
O percurso do ato, o processo do fazer, “valendo mais que fazer”, revela uma
noção de produtividade que transcende a composição de signos legíveis na ação do ator
que possam se referir a um sentido pragmático para a realização da ação, mesmo que
possa ser essa uma ação plena de autenticidade. A ação com a arte de Decroux sinaliza a
possibilidade de desvio de seu sentido e de uma indeterminação em si mesma, e também
da transformação do ator em performador que foca sua experiência artística mais na ação
que necessariamente em um jogo de ilusão. Ainda que Decroux contemple em sua arte, em
suas figurações mímicas corporais, distintas “maneiras” de ação-percurso, elas existem
como caminho. São “ações presentes”. Presença do ator que libera um potencial de
experimentação na via improvisada. Para Jean-Pierre Ryngaert “presença” é:
“Por que, pintor, figurar-me uma face/ e sujeitar uma deusa do vazio?” (...)
no texto de Carlito, essa contigüidade espacial, e essa dinâmica de
negações por um lado, recusam a identificação e o retrato como gran finale,
e mantém lacunar o objeto-em fuga, em eco, de toda a perseguição,
complexificam, por outro, nesse processo, o exercício de figuração, que, de
ação direcionada, definitória, em mão única, se converte em um jogo em
que planos descontínuos se produzem e contradizem em um campo
relacional contrastivo. A isso é que talvez se possa chamar aí de teatro.
Nada que se reduza a um conjunto de personae poéticas. Nada que
realmente se aproxime do entendimento convencional do drama, baseado
em diálogos intersubjetivos, figuras empaticamente bem definidas, histórias,
com começo e fim, urdidas como sequências de momentos voltados
teleologicamente para formas diversas de clímax. Nada cuja apreensão
exija imediata exteriorização, encenação, locução. E, no entanto, trata-se
de algo que envolve formas de ver e ouvir, como disse John Cage, numa
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das muitas definições de teatro ensaiadas por ele . Mas não apenas visão e
escuta. Ou as contradições possíveis entre as imagens óticas e visuais.
Mas algo que demandaria uma “situação de circo”, diria o compositor,
especificando, em seguida, que se tratava, na verdade, de criar uma
situação em que se pudesse contar com uma “pluralidade de centros”
(SUSSEKIND, 2008: 64) (Grifos meus).
O teatro será digno deste nome apenas quando o que age recusar obedecer
ao que escreve. Primeiro é necessário improvisar sem mesmo saber sobre o
que, e assim encontrar um tema seguidamente, agir para pensar. [...]
Decroux não nos dava um tema de partida. Citava um poeta, contava uma
lembrança, evocava um momento da vida ou ainda cantava um fragmento
de canção, em seguida dizia: “vá fazer algo”. [...] Ele adorava a essência das
coisas, não a sua explicação, não é por acaso que sua forma literária
favorita era a poesia (SOUM, 2009: 22-23) (Grifos meus).
A ação revelava a atriz em sua intensidade. Não para ser “deusa do vazio”.
Mas, antes de tudo, para ser e fazer. E a improvisação poderia ser jogo com a presença
dela, uma improvisação performativa.
Eu não pergunto: “para que isso serve?” As coisas que são interessantes
sobre a terra são as que não servem para nada. [...] Eu sou um militante
dessa coisa e preciso ter militantes. Mas, os militantes não são feitos para
enriquecer. [...] Os militantes são necessários. E a questão de saber “para
que serve?” não me interessa, ela me choca (DECROUX, 2003: 72-73).
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É importante lembrar que John Cage, em 1965, conversou sobre teatro com Richard Schechner e Michael
Kirby, realizando uma entrevista que foi publicada na Revista The Drama Rewiew (KIRBY, Michael e Richard
Schechner: An Interview with John Cage, in: Schechner, Richard - Michael Kirby (eds.): TDR (Tulane Drama
Review), Vol. 10, No. 2 (special issue), 1965 Winter, 50-72.
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Orientação dada a Yves Lebreton quando esse era seu aprendiz. Revista Teatar
http://www.teatroduemondi.it/po/indexpo.html , 2002. Acesso em 03/05/2008.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARLSON, Marvin. Performance. Unha introdución crítica. Trad. Manuel F. Vieites. Vigo:
Ed. Galáxia, 2005.
_____. L’Interview imaginaire ou Les ‘dits’ d’Étienne Decroux. In: Étienne Decroux, mime
corporel. Textes, études et témoignages. PÉZIN, Patrick (org). Saint-Jean-de-Védas:
L´Entretemps éditions, 2003. P. 55-209.
_____ (b). Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. In: Sala Preta,
Revista de Artes Cênicas, nº 8. São Paulo: Departamento de Artes Cênicas, ECA/USP,
2008. P. 191 a 210.
REVISTA l’Art du Théâtre. Ódio ao teatro. (Trad. Didática Ângela Leite Lopes). Nº 4, Paris:
Actes Sud/Théâtre National de Chaillot, primavera, 1986. P. 12-14.