Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Erika Fischer-Lichte
Universidade Livre de Berlim
1
FISCHER-LICHTE, Érika. Performance as Culture: Theatre history as cultural history (2004). Artigo
disponibilizado pelo Centro de Estudos de Teatro, Actas/ Proceedings, História do Teatro e Novas
Tecnologias. Tradução de Raimundo Vagner Leite de Oliveira. Disponível em:
https://www.yumpu.com/en/document/view/10175071/erika-fischer-lichte. Acesso em: 10/12/2017.
3. Uma performance não transmite significados pré-dados. Em vez disso, é o
performance que traz à tona os significados que surgem durante seu curso.
4. Performances são caracterizadas por sua eventualidade. O modo específico de
experiência que eles permitem é uma forma particular de experiência liminar.
2
Oração silenciosa , 4′ 33″ , 0′ 00″ , One 3 : essas são manifestações em evolução da mesma obra ou são
quatro obras distintamente diferentes. Ver também: PENA, Eder Wilker Borges. “Unsilencing” the Silence:
Unacknowledged Silent Pieces. OPUS, [s.l.], v. 26, n. 3, p. 1-26, jan. 2021. ISSN 15177017. Disponível em:
<https://www.anppom.com.br/revista/index.php/opus/article/view/opus2020c2617 >. Acesso em: 10 jun. 2023.
espaço performativo. Cada movimento de pessoas, animais, objetos, luz, cada som que
ressoa no espaço vai mudá-lo e, assim, fazer surgir espacialidade nova e diferente. O
espaço performativo não é estável, mas em permanente flutuação e mudança. É por isso
que em uma performance a espacialidade não existe, mas acontece.
Isso é ainda mais verdadeiro se considerarmos a atmosfera particular que
coconstitui o espaço performático. Como o filósofo Gernot Böhme mostrou, as
atmosferas, embora não vinculadas a um lugar específico, se derramam no espaço. Eles
não são vinculados aos objetos – ou às pessoas – dos quais/de quem parecem emanar
nem as pessoas que entram no espaço e os sentem fisicamente. Normalmente, eles são
os primeiros que apreendem o espectador/visitante, tinge-o e assim possibilita-lhe uma
experiência do espaço. Tal experiência não pode ser explicada recorrendo aos elementos
únicos no espaço – sua extensão, objetos particulares, cheiros, sons ou outro. Pois não
são eles como elementos individuais que criam a atmosfera, mas a interação entre todos
eles que, em produções teatrais costuma ser cuidadosamente calculado. Böhme define
atmosferas como "espaços na medida em que são tingidos pela presença de objetos, de
seres humanos ou de constelações ambientais. Eles são eles próprios esferas de presença
de algo, sua realidade no espaço."
O termo "esferas de presença" visa um modo particular no qual os objetos são
presente. Böhme o explica como "êxtase do objeto", como o modo pelo qual uma coisa
aparece de uma maneira particular como presente. Não só as suas cores, cheiros ou sons
são conceituados como êxtases – ou seja, as chamadas qualidades secundárias de uma
coisa –, mas também suas qualidades primárias como extensão e forma. O êxtase das
coisas resulta em que as coisas têm um efeito sobre o seu ambiente, que atraem a
atenção, até a exigem e que aparecem para quem os percebe de forma particularmente
intensa como presentes. Eles se forçam em sua atenção mostrado, atmosferas, embora
não vinculado a um determinado lugar, despeje no espaço. Eles não estão presos aos
objetos – ou às pessoas – de quem parecem emanar nem às pessoas que entram no
espaço e os sentem fisicamente. Normalmente, são os primeiros que apreendem o
espectador/visitante, tinge-o e assim possibilita-lhe uma experiência muito específica do
espaço. Tal a experiência não pode ser explicada recorrendo aos elementos isolados do
espaço – sua extensão, objetos particulares, cheiros, sons ou outros. Pois não são eles
como indivíduos elementos que criam a atmosfera, mas a interação entre todos eles que,
em produções teatrais geralmente é cuidadosamente calculado. Böhme define
atmosferas como “espaços na medida em que são tingidos pela presença de objetos, de
seres humanos ou constelações ambientais. Eles próprios são esferas de presença de
algo, sua realidade no espaço.”
A atmosfera contribui consideravelmente para a produção da espacialidade. Por
causa e pela atmosfera, que o espaço e as coisas emanam – incluindo os cheiros que
exalam e os sons que deixam ressoar –, as coisas e o espaço aparecem ao sujeito que
neles entram, sentido enfático, como presentes de maneira uniforme. Não só por se
apresentarem em seus chamados primários e qualidades secundárias; além disso, na
atmosfera, eles até invadem o corpo do sujeito perceptivo – o que, acima de tudo, é ser
experimentado com luz, cheiros e sons. Pois o espectador não se confronta com a
atmosfera, não se distancia dela; ao contrário, ele está cercado por ela, ele imerge nela.
Por causa da co-presença corporal de atores e espectadores, a corporeidade
desempenha um papel essencial nas performances. Em uma performance lidamos com o
fenomenal assim como com o corpo semiótico. Os atores aparecem em seu ser-no-
mundo corpóreo, não importa seja um ator de teatro, um político, um atleta, um xamã,
um padre, um cantor, um dançarino ou o parceiro em uma interação cotidiana normal.
De seu corpo fenomenal pode proceder uma radiação particular que os outros
participantes/espectadores sentem corporal. Em muitos casos, parece que um fluxo de
energia emana deles, que é transferido para os espectadores e os energiza por sua vez.
Em um determinada maneira e de forma particularmente intensa, o ator é vivenciado
como PRESENTE. No mesmo tempo, o espectador que é atingido por tal fluxo de
energia, experimenta-se em uma maneira particular e particularmente e intensamente
como presente.
O corpo fenomênico do ator e do espectador é o fundamento existencial de todo
tipo de performance – seja na vida cotidiana, nas artes ou em apresentações culturais.
Que é dizer que o caráter performativo da cultura não pode ser investigado
adequadamente sem recorrer à corporeidade de todos os que participam de uma
performance. Não são ideias, conceitos, significados que devem ser examinados em
primeiro lugar, a fim de trazer à tona o caráter performativo da cultura, mas os corpos
fenomenais particulares por quem e entre quem a performance é produzida – o corpo do
ator que aplicando certas técnicas e práticas consegue ocupar o espaço e em chamar a
atenção total dos espectadores sobre isso, sua presença corporal, bem como como o
corpo dos espectadores que respondem a tal experiência de presença em um modo
particular.
Nas performances, é o corpo fenomenal dos participantes, o corpo em seus
diferentes estados fisiológicos, afetivos, energéticos e motores que atuam no corpo
fenomênico dos outros e é capaz de evocar neles aspectos fisiológicos, estados afetivo,
energético e motor. Em todos esses casos, o corpo fenomenológico, muitas vezes,
aparece ao mesmo tempo que um corpo semiótico. Seja no dia a dia da interação, num
ritual ou numa representação teatral, aquele que faz o papel do espectador não apenas
sentirá o outro em sua corporeidade fenomênica, mas ao mesmo tempo colocam a
questão do que significa quando o outro abaixa a pálpebra, levanta o braço ou se move
através do espaço – ou, em qualquer caso, se tais movimentos são destinados a
significar nada mesmo.
Se até agora o corpo semiótico nas performances atraiu e recebeu muita atenção,
o corpo fenomenal de atores e espectadores raramente vinha à vista. Isso é tanto mais
surpreendente quanto o corpo fenomenal e o corpo semiótico estão indissoluvelmente
ligados entre si – o que permite pensar o corpo fenomênico sem fazer referência ao
corpo semiótico, ainda que não o contrário. Parece bastante produtivo relacionar ambos
um ao outro por meio do conceito de corporificação. Por personificação, não me refiro
ao processo de emprestar temporariamente o corpo a algo mental – uma ideia, um
conceito, um significado ou mesmo um espírito sem corpo – que precisa de um corpo
para poder se articular e ganhar aparência. Em vez disso, o termo “corporificação” visa
tais processos corporais pelos quais o corpo fenomênico se revela como um, em cada
caso, corpo particular e ao mesmo tempo significados específicos. Assim, o ator por
processos de corporeidade, produz seu corpo fenomênico de maneira muito específica,
que às vezes é experimentado como PRESENÇA e, ao mesmo tempo, produz uma
dramática figura, por exemplo, Hamlet. A PRESENÇA assim como a figura dramática
não existem além dos processos particulares de corporificação pelos quais o ator os traz
a existência na performance; em vez disso, eles são produzidos por eles.
O que é característico do jogo do ator pode ser aplicado a todos os tipos de
performers e suas ações em outros gêneros de performance. Mesmo aqueles que usam
seu corpo fenomenal de uma maneira particular trazem, ao mesmo tempo, assim,
significados específicos – sejam eles uma figura dramática ou qualquer tipo de
identidade, um 'papel' social ou uma ordem simbólica. Todos esses tipos de significados
estão fundamentados no corpo fenomenal, não existem ao lado ou além dele. O que
chamamos de PRESENÇA em um ator, em um político líder, num xamã ou no
sacerdote podemos chamar também de carisma. Mas isso abre bastante para outro
debate.
Terceiro argumento: uma performance não transmite significados pré-dados.
Em vez de, é a performance, que traz à tona os significados que surgem durante seu
curso.
Por muito tempo, os estudiosos partiram do pressuposto de que as performances
servem ao propósito de transmitir significados pré-dados específicos. Partiu-se da
premissa de que a performance de um texto dramático transmite os significados fixados
nele ou em uma determinada interpretação do mesmo; que em um festival da corte do
século 17 um determinado pré-dado programa alegórico foi realizado, ou que festivais
políticos e outros eventos performáticos de massa devem ser consideradas como
representação do poder de um indivíduo como o de Alexandre, o Grande, Augusto, Luís
XIV, Napoleão, Mussolini, Stalin ou Hitler.
Caso os dois primeiros argumentos pareçam consistentes, tal opinião não pode
mais ser realizada. Pois, por um lado, existem os elementos imprevistos e não
planejados surgindo na interação entre atores e espectadores durante a performance, que
irá perturbar o programa pré-determinado. E por outro, focando a atenção em a presença
particular de corpos fenomênicos, êxtases de coisas e atmosferas, distraí-lo de corpos
semióticos, objetos e espaços etc. e, assim, ir contra o procedimento de tal interpretação.
Pelo contrário, é a performance que produz significados. Nesse sentido, os significados
que surgem na e durante a performance, devem ser consideradas emergentes.
Perceber o corpo, as coisas e o espaço em sua presença específica, não significa
percebê-los como sem sentido. Em vez disso, diz, para perceber todos esses fenômenos
como algo. Não se trata aqui de um estímulo inespecífico, de meros dados sensoriais,
mas com uma percepção de algo como algo. Na minha percepção as coisas aparecem
em sua fenomenalidade particular. Eles significam aquilo como eles aparecem. Sua
auto-referencialidade, portanto, não deve ser descrita como a mediação de um
significado pré-dado, nem como uma desmantização, mas como um processo de um
tipo muito particular de produção de significado. Este processo é realizado como a
percepção de um fenômeno em sua materialidade particular, em seu ser fenomenal.
Perceber e gerar significado, aqui, são realizadas no e pelo mesmo ato. O significado é
produzido por e no ato de perceber. Em outras palavras: não há algo que primeiro
percebamos e ao qual então – em um ato de interpretação – atribuímos o significado de
outra coisa.
Em vez disso, perceber algo como algo é realizado ao mesmo tempo que um
processo de produzir seu significado como esse ser fenomenal particular. Com tal modo
de percepção, um muito diferente anda de mãos dadas. Primeiro o elemento aparente é
percebido em e como seu ser fenomenal. No momento em que a atenção dissolve seu
foco do elemento percebido como tal e começa a se extraviar, o elemento aparece como
uma espécie de significante ao qual as mais diversas associações referem-se a seus
significados como imagens, ideias, memórias, emoções, pensamentos etc. questionável
se tais associações surgem seguindo regras particulares e, portanto, previsivelmente. Em
vez disso, deve-se supor que eles descem sobre a percepção do assunto, mais ou menos
por acaso, mesmo que posteriormente explicável. Eles parecem não estar em disposição
do destinatário. Eles simplesmente emergem.
Tal oscilação da percepção entre focalizar o fenômeno como auto-referencial e
nas associações que ele pode desencadear, chamarei de ordem de presença. Dele eu
distingo outro tipo de percepção e significado produção, ou seja, a ordem da
representação. Perceber o corpo do ator em sua corporalidade o ser-no-mundo
fundamenta a ordem da presença. Para percebê-lo como um sinal, pois uma figura
dramática ou outra ordem simbólica estabelece a ordem da representação. Isto exige
relacionar qualquer elemento percebido à figura dramática ou à ordem simbólica,
respectivamente. Enquanto a primeira ordem produz sentido como o ser fenomênico do
percebido – o que não exclui que tal significado seja capaz de evocar outros
significados que não estão diretamente ligados aos fenômenos percebidos como em uma
cadeia de associações – a segunda ordem traz significados que, em sua soma total,
constituem o drama figura ou outra ordem simbólica.
Durante uma performance, nossa percepção oscila entre as duas ordens de
percepção. No momento em que passa de um para o outro, surge uma ruptura, acontece
a descontinuidade. Um estado de instabilidade surge. Ele coloca a percepção do sujeito
entre as duas ordens, transfere-o para um estado entre e entre, para um estado de
liminaridade: Cada mudança, cada instabilidade provoca a dinâmica do processo de
percepção para tomar outro rumo. Quanto mais frequentemente ocorre uma mudança,
mais frequentemente o sujeito que percebe começa a vagar entre dois mundos, entre
duas ordens de percepção. Cada vez mais ele se dá conta de sua incapacidade de
provocar, orientar e controlar os turnos. Ele/ela pode tentar intencionalmente ajustar sua
percepção de novo - para a ordem de presença ou à ordem de representação. Muito em
breve, porém, ele/ela tome consciência de que a mudança ocorrerá mesmo que não seja
sua intenção, que ela acontecerá, acontece com ela/ele, que ela/ele entra em um estado
entre as duas ordens sem querer ou poder impedi-lo. Nesse momento, o espectador
experimenta sua própria percepção como emergente, como retirado de sua vontade e
controle, mas ainda assim, como conscientemente realizado. Isso quer dizer que a
mudança chama a atenção do sujeito que percebe para o processo de percepção, bem
como à sua dinâmica particular. No momento da mudança, o processo da própria
percepção torna-se conspícua, desta forma, consciente e em si mesma objeto de
percepção. O sujeito que percebe passa a se perceber como sujeito que percebe, o que
produz novos significados, que, por sua vez, geram outros significados e assim por
diante. Essa forma, o processo de percepção continuamente toma outro rumo. O que
será percebido e quais significados serão produzidos, parece cada vez menos previsível.
O sujeito que percebe toma consciência de que os significados não lhe são transmitidos,
mas que é ele mesmo que os produz e que poderia ter gerado significados bem
diferentes, se a mudança de uma ordem para outra tivesse acontecido mais cedo ou mais
tarde ou mais ou menos frequentemente.
Quarto argumento: Performances são caracterizadas por sua eventualidade. O
modo específico de experiência que eles permitem é uma forma particular de
experiência liminar.
A fim de compreender adequadamente as performances, elas não devem ser
consideradas obras da arte, mas como eventos. Uma vez que uma performance surge
por meio da interação entre atores e espectadores, uma vez que se manifesta em e por
meio de um processo, é impossível rotulá-lo como obra. Pois quando o processo
autopoiético chega ao fim, a performance não é dada como seu resultado; em vez disso,
até mesmo performance veio para um fim. Ele se foi e está irremediavelmente perdido.
Ele existe apenas como e no processo de realização; existe apenas como um evento.
A performance como evento – bem diferente da mise-en-scène – é não
recorrente e não deve ser repetido. É impossível que exatamente a mesma constelação
entre atores e espectadores aparecerá mais uma vez. As respostas dos espectadores e
seus efeitos sobre os atores e outros espectadores serão diferentes a cada desempenho.
Uma performance deve ser entendida como um evento também no sentido de que
nenhum participante terá controle total sobre isso, que acontece com eles - e, em
particular, aos espectadores. Isso vale não apenas no que diz respeito às conseqüências
do corpo co-presença de atores e espectadores, mas também no que diz respeito à
presença particular em quais os fenômenos aparecem, bem como para a emergência dos
significados. Como tem sido explicada sobre a mudança de percepção, ela também recai
sobre o sujeito que percebe e o transfere para um estado intermediário e intermediário,
para um estado de instabilidade.
Além disso, o evento particular das performances é caracterizado por um
estranho colapso de oposições. Os participantes de uma experiência performática como
sujeitos que co-determinam seu curso são, ao mesmo tempo, determinado por ela. Eles
vivem através da performance como uma estética tanto quanto social, mesmo um
processo político, em cujo curso as relações são negociadas, as lutas de poder lutadas, as
comunidades se constroem e se dissolvem. Sua percepção segue a ordem de presença,
mas também da representação. Ou seja: O que, tradicionalmente no Ocidente culturas, é
tida como uma oposição que é apreendida por pares de conceitos dicotômicos tais
como: sujeito autônomo vs. sujeito determinado por outros; arte versus social
realidade/política; presença vs. representação, em performances é experimentado não no
modo de um ou outro, mas de um também. A oposição desmorona, as dicotomias
parecem se dissolver.
No momento em que isso acontecer, no momento em que um pode ser também o
outro, nossa atenção é atraída pela passagem de um estado a outro, pela instabilidade
que, por sua vez, é experimentado como um evento. O espaço entre os opostos, um
intervalo abre. O "entre e entre", torna-se assim uma categoria privilegiada. Ele aponta
para o limiar entre os espaços, ao estado de liminaridade, em que a performance
transfere todos aqueles que dela participam.
Uma vez que tais pares de conceitos dicotômicos não servem apenas como
ferramentas para a descrição e cognição do mundo, mas também como reguladores de
nossas ações e comportamento, sua desestabilização não só resulta em uma
desestabilização de nossa percepção do mundo, a nós mesmos e aos outros, mas
também no estilhaçamento das regras e normas que orientam nosso comportamento.
Dos pares de conceitos podem ser deduzidos diferentes enquadramentos como "Isto é
teatro/arte" ou "Esta é uma situação social ou política". Tais enquadramentos implicam
premissas para um comportamento adequado em uma situação que eles abrangem. Ao
deixar colidir quadros opostos ou apenas diferentes, permitindo, assim, valores
diferentes, parcialmente até completamente opostos e afirma estar lado a lado, de modo
que todos são válidos, bem como se anulam, as performances criam situações liminares.
Eles transferem o espectador entre todas essas regras, normas, ordens, eles os
transferem para uma crise.
Ou seja: a performance transfere o espectador para um estado que aliena-o de
sua vida cotidiana, das normas e regras nela válidas, sem, no entanto, mostrar-lhe
maneiras de encontrar uma reorientação. Tal estado pode ser experimentado tanto como
um prazer quanto como um tormento. A transformação, o sujeito nele sofre, podem ser
os mais diversos. Principalmente, serão transformações temporárias, que duram apenas
um período de tempo limitado na performance. Estas incluem alterações dos estados
fisiológicos, afetivos, energéticos e motores do corpo, mas também nele percebeu
mudanças de status como aquelas do status de espectador para o de ator ou a construção
de uma comunidade entre atores e espectadores ou apenas entre os espectadores. Tais
mudanças ocorrem durante a performance e são perceptíveis; depois no final da
performance, no entanto, eles geralmente não continuam. Só podem ser discutidos e
decididos em relação a casos individuais, se a experiência de desestabilização da
percepção da realidade, de si e dos outros, a perda de normas válidas e regras realmente
leva a uma reorientação do respectivo indivíduo e, nesse sentido, a uma transformação
contínua e mais duradoura. Também pode ser o caso que deixando o espaço da
performance, o espectador descarta sua desestabilização temporária como sem sentido e
infundada e tenta retornar à sua percepção anterior da realidade, eu e os outros – ou que
mesmo após o término do espetáculo permanece por um bom tempo em estado de
desorientação e muito mais tarde, por meio de reflexões, chega a uma reorientação ou
retorna aos seus antigos valores e padrões de comportamento. Seja qual for o caso, ele
passou por uma experiência liminar enquanto participava da performance.
No caso de performances artísticas, chamamos essa experiência liminar de
experiência estética, no caso de rituais de experiência ritualística. A experiência pela
qual performances dos mais diversos tipos participam3, geralmente é uma experiência
liminar. No entanto, somos capazes de discernir entre a experiência liminar enquanto
experiência estética e como experiência ritualística. A experiência ritualística é
caracterizada por dois critérios não válidos para a experiência estética: irreversibilidade
e aceitação social. No entanto, embora a experiência estética não resulte em uma
mudança socialmente aceita de status ou identidade, pode muito bem causar nos
participantes individuais uma mudança de sua percepção da realidade, de si mesmo e
dos outros. Isso vale não apenas para os artistas envolvidos, mas também para os
3
No texto original o termo que aparece é allow, que significa permitir. Mas ao traduzir com o referido
termo e seus sinônimos (de maior incidência como permitir e conceder), a frase fica sem sentido. Por isso
o termo “participar/participam” foi escolhido.
espectadores. Nesse sentido, o acontecimento da performance pode resultar em uma
transformação dos participantes, que é capaz de durar até o final da performance.
Conclusões