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Aula 4 — A entrada do capital estrangeiro a partir de 1950

Estado e empresas transnacionais na industrialização periférica


A reversão das economias periféricas
- a reversão das economias periféricas é entendida como o processo de reversão quanto à situação
de especializada da economia, o que, em outros termos, significa dizer que a reversão das eco-
nomias periféricas é nada mais nada menos que a sua industrialização, que se consubstancia na
diversificação da atividade e, com isso, na transformação do sistema de produção
- contudo, a reversão da divisão internacional do trabalho rumo ao mercado interno não
significava a abertura de uma grande brecha, pois, guiado pela demanda de produtos fi-
nais, não se conquistaria a autonomia necessária para se pôr fim às importações de tecno-
logia e de equipamentos, que, na verdade, se fazia ainda mais premente conforme avança-
va aquele processo de industrialização
- e aí uma diferença básica com relação aos países que se industrializaram na se-
gunda metade do século XIX, escapando ao poder gravitacional da Inglaterra, e
conseguiram se transformar em sistemas nacionais autônomos:
1) nos países centrais, a estrutura produtiva foi verticalizada, o que significa
dizer que foram desenvolvidas as indústrias de base e de equipamentos,
ganhando autonomia tecnológica nos setores relevantes
2) o comércio exterior refletiu essa evolução, com aumento das ex-
portações de mercadorias elaboradas e das importações primárias ou
de baixo grau de elaboração

“O processo de ‘fechamento’ da economia periférica que significava a substituição de im-


portações era em realidade um esforço de diversificação da estrutura produtiva demasiado
grande para o nível de acumulação que podia ser alcançado. Como a demanda engendrada
pela modernização já era consideravelmente diversificada, os investimentos industriais ten-
diam a dispersar-se, sem que o tecido industrial adquirisse solidez. Muitas das economias
que mais avançaram pela via da industrialização substitutiva apresentavam estas duas carac-
terísticas aparentemente contraditórias: um muito baixo coeficiente de importação de produ-
tos manufaturados finais, portanto uma aparente autonomia no que respeita ao abastecimen-
to interno de produtos manufaturados, e uma total incapacidade para competir nos mercados
internacionais desses produtos. [Quanto] Mais avançavam pelo caminho diversificação,
mais baixa era a produtividade. O fechamento refletia não somente o declínio ou lento cres-
cimento das exportações tradicionais, mas também a incapacidade para criar novas linhas de
exportação a partir dos setores produtivos que estavam em expansão. A iniciativa dos Esta-
dos no sentido de criação de indústrias de base deu certamente maior espessura à atividade
industrial, mas de nenhuma forma modificou qualitativamente o quadro que vimos de escre-

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ver, cujas características principais eram as seguintes: a) dependência vis-à-vis da exporta-
ção de uns poucos produtos primários; b) dependência crescente com respeito à tecnologia
utilizada, mesmo quando se desenvolvia uma indústria local de equipamentos; c) demanda
demasiadamente diversificada, relativamente ao nível de acumulação alcançado, e d) não
aproveitamento pleno das possibilidades da tecnologia utilizada, em razão da dispersão dos
investimentos.” (Celso Furtado, Pequena introdução ao desenvolvimento, p. 130-131)

O impacto das empresas transnacionais


- a evolução das economias periféricas será influenciada pelas modificações estruturais que se pas-
savam nas economias centrais, superada a crise a que vimos referindo

“A reconstrução do sistema capitalista, sob a tutela dos Estados Unidos, no terceiro quartel do sécu-
lo atual, fez-se no sentido de integração dos mercados nacionais dos países centrais. Os sistemas
nacionais, cujas rivalidades conduziram aos dois conflitos mundiais, foram progressivamente des-
mantelados, passando as suas grandes empresas a estruturar-se globalmente. [...] A nova orientação
tomada pelo capitalismo privilegiou a tecnologia que se havia desenvolvido nos Estados Unidos sob
a influência de seu imenso mercado interno. E também acicatou a concentração do poder econômi-
co favorecendo as empresas com capacidade de ação global. Do ponto de vista da periferia, essas
modificações adquiriram uma grande significação, pois, enquanto o capitalismo dos sistemas nacio-
nais, tutelados por Estados rivais, era por definição nacionalista, voltado para a integração interna, o
capitalismo das grandes firmas é naturalmente cosmopolita, orientado para o livre-cambismo e a
livre transferência de recursos entre países.” (Ibidem, p. 131, grifo meu)

- o impacto das transformações estruturais que têm lugar no centro seguem duas etapas:
1) firmas centrais participam da industrialização e consolidam posições já ocupadas anteri-
ormente ou conquistam novas – em ambas as possibilidades, as indústrias, muitas vezes
complementares das importações, enlaçam uma maior penetração e, consequentemente,
agem para aprofundar a dependência externa
2) Em uma segunda fase, essas firmas se empenharão em reabrir as economias periféricas,
mediante a diversificação de suas exportações, no quadro de uma reconstrução sobre bases
novas do sistema de divisão internacional do trabalho

- a industrialização substitutiva carrega uma contradição imanente, que é a diversificação do siste-


ma produtivo ao mesmo tempo em que não há a disponibilidade de recursos para a acumulação

- essa contradição, todavia, se resolve da seguinte maneira: concentração de renda

- ainda que o Estado corrija certos efeitos dessa tendência estrutural, dois traços não se modificam:
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1) a primazia da tecnologia do produto, o que quer dizer que a empresa que a detém possui
o maior poder de mercado, lembrando que a industrialização foi guiada pela demanda de
bens finais, na qual não correspondeu um avanço paralelo das indústrias de bens de pro-
dução
2) subutilização de capacidade produtiva, ou deseconomias de escala

- a industrialização se configura como um sistema oligopolista que, através das empresas transna-
cionais, controla os setores mais dinâmicos e se impõe às firmas locais, o que só é possível medi-
ante o supremo controle da tecnologia

Novo sistema de divisão internacional do trabalho


“As economias industriais que emergiram na periferia no quadro da substituição de importações são
o fruto de um esforço para prosseguir com a modernização em face de condições externas adversas.
Nascidas na fase de desorganização do sistema de divisão internacional do trabalho, elas continua-
rão a ‘fechar-se’ no período subsequente, no qual as economias centrais se empenham em integrar
os respectivos mercados em um espaço econômico unificado. Continuam, em consequência, a fun-
dar sua competitividade internacional na base de recursos naturais, a despeito dos avanços que re-
alizam pelos caminhos da industrialização. Contudo, com o tempo, essa situação se fará insustentá-
vel em razão dos limites do ‘fechamento’ e das novas exigências de importação e de pagamentos do
exterior criadas pela modernização orientada pelas empresas transnacionais. [...] As facilidades que
estas criam são inseparáveis da adoção de certo estilo de desenvolvimento. Este, por seu lado, re-
quererá a concentração da renda, a manutenção de baixos salários. Assim, os aumentos de produ-
tividade trazidos pela industrialização pouca ou nenhuma modificação trarão ao nível do salário
básico.” (Ibidem, p. 137, grifos meus)

“A nova divisão internacional do trabalho permite-lhes [às transnacionais] alcançar um duplo obje-
tivo: abrir espaço para a industrialização periférica no quadro da modernização – o que amplia o
espaço de utilização da técnica disponível – e reforçar a posição que ocupam no sistema capitalista,
em particular a posição frente às poderosas organizações sindicais do centro.” (Ibidem, p. 138)

- não custa lembrar: a inovação e difusão do progresso técnico só é impulsionado quando existe
uma pressão no sentido de aumentar a taxa de salários, ou seja, onde emerge uma tendência vir-
tual à escassez de mão de obra
- na periferia, é graças ao Estado que parte do excedente é canalizado para impulsionar os investi-
mentos ligados ao mercado interno dentro de um sentido social mais amplo

“Mas não imaginemos que a ação do Estado se faz em contradição com a modernização, ou se apre-
senta como uma opção a ela. A verdade é que o Estado intervém para ampliar as avenidas de uma

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industrialização que tende a perder fôlego quando apoiada apenas na modernização.” (Ibidem, p.
139)

- dado que o salário é mantido estável, a elevação da produtividade, que é o que define o nível do
excedente, limita o alcance da industrialização, restrita, portanto, aos bens finais que determinam
a modernização da economia
- devido à restrição do mercado, as opções de canalização do excedente econômico, que
pode ser direcionado para o desenvolvimento das forças produtivas – acumulação – ou
para a diversificação da produção – criação de mercado –, se cairá fatalmente na queda da
produtividade e, consequentemente, na queda do excedente, evidenciando a inevitabilida-
de do reforço da estrutura de dominação centro-periferia quando a industrialização é con-
duzida pelas transnacionais

“a solução definitiva somente poderia vir das exportações industriais, vale dizer, no quadro de um
novo sistema de divisão internacional do trabalho.” (Ibidem, p. 140)

A ordem econômica internacional


Integração das economias centrais
- a Ordem Econômica Internacional (OEI), hierarquizada, opera como um sistema econômico glo-
bal, no qual se integram em graus e formas diversos todas as economias nacionais, sendo que as
economias que possuem maior produtividade absorvem a maior parte do excedente deste sistema
mundial

“Como todo sistema de normas, a OEI é a expressão exterior de relações de força, de uma estrutura
de poder, a qual, por sua vez, se projeta na miríade de atividades econômicas inscritas na divisão
internacional do trabalho. Destarte, modificar a OEI significa, de uma ou outra forma, reestruturar
essas atividades tanto ao nível da localização da produção como no que respeita à apropriação do
excedente. [...] Em contraste com o período anterior, em que o marco nacional definia o plano de
racionalidade das decisões ordenadoras das economias centrais capitalistas, a nova fase, que se pôde
chamar de pós-nacional, se caracterizaria por uma interdependência crescente dessas economias e
pela homogeneização dos níveis de produtividade e renda.” (Ibidem, p. 142)

“Se se pretende captar a lógica da atual OEI é necessário inseri-la no quadro da evolução do capita-
lismo na fase de integração dos mercados dos países centrais. Alguns traços do processo histórico
que a produziu merecem referência particular. Primo: o desmantelamento das barreiras protecionis-
tas ocorrido nos últimos decênios decorreu, essencialmente, de negociações entre economias cen-
trais e estimulou a complementaridade entre essas economias. Favoreceu-se, assim, o intercâmbio
de produtos manufaturados entre países dotados de sistemas industriais altamente diversificados,

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relegando-se a segundo plano o intercâmbio com países de indústria incipiente. Teve-se em vista
abrir espaço para as indústrias na vanguarda tecnológica e para economias de escala. Secundo: o
estilo tecnológico que se impôs por toda parte traduz as condições específicas do desenvolvimento
da economia norte-americana, marcado pelo fácil acesso a abundantes recursos naturais, pela con-
cepção privatista da propriedade das fontes dos recursos não renováveis, pela organização de gran-
des empresas capacitadas para atuar num espaço continental, pela escassez relativa de mão de obra,
elevados salários e padrões de consumo altamente diversificados.” (Ibidem, p. 142-143)

O quadro global
“A aceleração do crescimento nos segmentos retardados do centro, ou seja, a homogeneização
deste, tornou mais nítida a linha demarcatória entre centro e periferia. O caráter capital-in-
tensive da tecnologia que se impôs por toda parte, como consequência dessa homogeneização,
colocou a periferia em face da disjuntiva seguinte: instalar-se em tecnologias cada vez mais
obsoletas no plano internacional ou enveredar por uma tecnologia que acentuaria dentro de
cada país a heterogeneidade estrutural, agravando as desigualdades.” (Ibidem, p. 144)
- a OEI, que tem na alta produtividade e no desenvolvimento tecnológico das economias centrais
um de seus aspectos fundamentais, exacerba as disparidades no mundo

“Mas as raízes da crise que se manifestou na OEI durante a primeira metade dos 70 convém busca-
la na própria lógica interna desta última. Portanto é para o funcionamento do centro da economia
capitalista que nos devemos voltar.” (Ibidem, p. 146)

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