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Aula 3 — A revolução industrial substitutiva de importações no Brasil e o papel

do capital nacional

A. A transformação do modelo de desenvolvimento na América Latina


1. Características do modelo exportador
- a seguir, se relembrará brevemente o modelo de desenvolvimento “para fora” que antecedeu o
modelo de desenvolvimento por substituição de importações
- as duas principais características de uma economia primário-exportadora são:
- as exportações como “variável exógena” e principal responsável pela geração da renda na-
cional e pelo crescimento da renda nacional
- as importações como “fonte flexível de suprimento de vários tipos de bens e serviços neces-
sários ao atendimento de parte apreciável da demanda interna”

- mas estas características, em si, não singularizam uma economia periférica de nenhuma outra
economia aberta — e para distinguir uma economia periférica de uma economia central, se vai
destacar os papeis e a evolução das importações e das exportações nestas economias
- embora o setor externo também fosse o responsável pela geração e pelo crescimento da renda das
economias centrais, a maior parcela da renda não era composta pelas exportações — a esta variá-
vel exógena juntava-se o investimento autônomo acompanhado de inovações tecnológicas
- as exportações das economias periféricas, centradas em um ou dois produtos, tinham pouca ca-
pacidade para dinamizar internamente a economia — esta capacidade dependia do coeficiente de
capital da economia e do interesse do capital externo enredado nas atividades auxiliares à ativi-
dade exportadora em dinamiza a economia
- na periferia, a atividade exportadora teve capacidade para ensejar uma urbanização mais ou me-
nos intensa e uma indústria de bens de consumo de uso corrente, como tecido, calçado, vestuário,
móveis, etc. — ou seja, dado o baixo nível de produtividade destas atividades, que possuíam
efeito multiplicador e distributivo bastante reduzidos, o crescimento dependia muito fortemente
do comportamento da demanda externa por produtos primários
- enquanto que nas economias centrais as importações eram compostas, basicamente, de alimentos
e matérias-primas que não se encontrava em seus territórios, nas economias periféricas, elas co-
briam faixas inteiras de bens de consumo e quase a totalidade de bens de capital
- assim, o setor externo assume, muito fortemente, a responsabilidade pela mudança do padrão de
desenvolvimento
- o modelo primário-exportador é complementar pelas economias centrais, que impuseram uma
determinada divisão internacional do trabalho — e cada uma das posições ocupadas na divisão
internacional do trabalho corresponde, internamente a cada país, uma divisão social do trabalho

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- nos países centrais, não é possível distinguir um setor exportador de outro destinado ao consumo
interno — nos países latino-americanos, por outro lado, há uma clara divisão social do trabalho
entre as produções destinadas ao mercado externo, de alta produtividade e elevada renda, e ao
mercado interno, de baixa produtividade e baixa renda
- outro fator importante é que os setores exportadores distribuíam muito desigualmente as
suas respectivas rendas, o que acabava por não gerar maiores efeitos multiplicadores sobre a
economia como um todo

“Assim, se bem o grosso da população auferia níveis de renda muito baixos, que praticamente o co-
locava à margem dos mercados monetários, as classes de altas rendas apresentavam níveis e pa-
drões de consumo similares aos dos grandes centros europeus e em grande parte atendidos por im-
portações.” (Maria da Conceição Tavares, Auge e declínio do processo de substituição de importa-
ções no Brasil, p. 222)

2. A quebra do modelo tradicional e a passagem a um novo


- o antigo modelo econômico da América Latina foi sendo abalado por sucessivas crises do comér-
cio exterior, sendo que 1930 pode ser considerado um ponto de inflexão — a queda das exporta-
ções deprimiu muito fortemente a capacidade para importar destas economias
- a maior parte das economias da região, todavia, não entraram em queda livre, como ocorreu nas
economias centrais — aqui, o desequilíbrio externo levou os governos a defenderem os seus
mercados internos
- as medidas básicas foram:
- restrições e controle de importações
- elevação da taxa de câmbio
- compra de excedentes e financiamento de estoques

- os resultados destas medidas foram:


- defesa da renda interna e, pois…
- industrialização!

- o novo modelo de desenvolvimento que se seguiu a partir daí se pode chamar de desenvolvimen-
to “para dentro”
- logo de cara se conseguiu substituir parte dos bens que antes se importava
- num segundo momento, devido à escassez de divisas, foi necessário uma redistribuição dos fato-
res para se obter as importações de bens de capital e matérias-primas que se necessitava para dar
continuidade ao processo de substituição de importações

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→ isto é, alterou-se as variáveis dinâmicas da economia — na verdade, substituiu-se, parcialmente,
porém de maneira muito impactante, as variáveis externas pelas internas

- a composição do investimento é parte fundamental deste novo modelo — e o setor externo conti-
nuou a ser variável-chave do novo tipo de desenvolvimento na medida em que era dele que pro-
vinham as divisas que diversificariam a estrutura produtiva mediante a importação de equipa-
mentos e bens intermediários
- de tal modo, abria-se a possibilidade de se levar a economia ao crescimento mesmo mediante es-
tagnação ou declínio das exportações
- este modelo, contudo, não alterou o modelo exportador — isto é, este setor continuou a depender
única e exclusivamente de produções agrícolas, o que continuou a levar as economias latino-
americanas a crônicos estrangulamentos externos
- de outro modo, o que se diz é que os novos setores estavam restritos ao mercado interno, o que
também significa dizer que nada se alterou na divisão internacional do trabalho

3. Natureza e evolução do estrangulamento externo


- o estrangulamento externo se dá de dois modos:
- com caráter absoluto: “corresponde a uma capacidade para importar estancada ou declinan-
te”, o que se relaciona, em geral, com as contrações do comércio internacional típica dos
produtos primários
- caráter relativo: “se identifica com uma capacidade para importar que cresce lentamente a
um ritmo inferior ao do produto”, o que se associa às tendências de longo prazo das expor-
tações dos produtos primários

- entre 1949 a 1954, os termos de intercâmbio das exportações latino-americanas encontraram um


momento favorável — todavia, nada disso foi suficiente para recuperar o valor das exportações
num prazo que vai de 1929 a 1960
- esta tendência de estrangulamento é acompanhada pela tendência de redução da capacidade de
importar de nossas economias
- o primeiro grande período de restrições externas que se inicia logo após a crise de 1929 se locali-
za entre 1930 e o fim da Segunda Guerra Mundial — neste período, o estrangulamento foi de ca-
ráter absoluto, o que exigiu um esforço de substituição de igual gravidade, sendo que em alguns
países, como o Brasil, houve mesmo substituição de produtos intermediários e bens de capital
- no segundo período, que vai de 1945 a 1954, se verificou um crescimento dos termos de troca
que, apesar de importante, foi insuficiente para restituir ao setor externo o seu peso relativo —
em apenas alguns poucos países, como o Brasil, este período foi aproveitado para se diversificar
a estrutura produtiva, isto é, para se avançar no processo substitutivo
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- a partir de 1954, as condições externas voltaram a ser restritivas, levando a uma queda da capaci-
dade para se importar — sob estas circunstâncias, apenas Brasil e México apresentaram condi-
ções para continuar avançando em seus respectivos processos de industrialização

B — As diversas acepções do termo “substituição de importações”


“[…] o termo ‘substituição de importações’, adotado para designar o novo processo de desenvolvi-
mento dos países subdesenvolvidos, é pouco feliz porque dá a impressão de que consiste em uma
operação simples e limitada de retirar ou diminuir componentes da pauta de importações para subs-
tituí-los por produtos nacionais. Uma extensão deste critério simplista poderia levar a crer que o ob-
jetivo ‘natural’ seria eliminar todas as importações, isto é, alcançar a autarquia. Nada está tão longe
da realidade, porém quanto este desideratum. Em primeiro lugar, porque o processo de substituição
não visa diminuir o quantum de importação global; essa diminuição, quando ocorre, é imposta pelas
restrições do setor externo e não [é] desejada. Dessas restrições (absolutas ou relativas) decorre a
necessidade de produzir internamente alguns bens que antes se importavam. Por outro lado, no lu-
gar desses bens substituídos aparecem outros e à medida que o processo avança, isso acarreta um
aumento da demanda derivada por importações (de produtos intermediários e bens de capital) que
pode resultar numa maior dependência do exterior, em comparação com primeiras fases do processo
de substituição.” (Ibidem, p. 228)

- pensar a substituição de importações em termos estreitos tem as suas implicações — de tal modo,
identifica-se alguns exemplos em que a redução do componente importado não significa o esgo-
tamento do processo substitutivo:
- embora não se estivesse reduzindo nem o nível nem a participação de uma determinada im-
portação, o que poderia evidenciar a ausência de um processo substitutivo na medida em
que este componente importado seria destinado ao aumento da participação de uma produ-
ção doméstica sobre os seus similares importados
- no caso da emergência de um novo mercado, desenvolvimento no exterior, este bem especí-
fico apresentará índices constantes ou até crescentes de importação, o que não significa que
não se esteja alterando a composição da estrutura interna de produção

- ou seja, é muito importante entender que um processo de “substituição de importações” num país
latino-americano está associado tanto à presença constante de restrições externas como se mani-
festa, primordialmente, através da ampliação e da diversificação da capacidade produtiva indus-
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C — A dinâmica do processo de substituição de importações
“A nossa tese central é a de que a dinâmica do processo de desenvolvimento pela via da substituição
de importações pode atribuir-se, em síntese, a uma série de respostas aos sucessivos desafios colo-
cados pelo estrangulamento externo, através dos quais a economia vai-se tornando quantitativamen-
te menos dependente do exterior e mudando qualitativamente a natureza dessa dependência. Ao
longo desse processo, do qual resulta uma série de modificações estruturais da economia, vão-se
manifestando sucessivos aspectos da contradição básica que lhe é inerente entre as necessidades do
crescimento e da barreira que representa a capacidade para importar. Tentaremos mostrar qual a me-
cânica da superação de alguns desses aspectos, chegando à conclusão de que os problemas de natu-
reza externa e interna tendem a se avolumar de forma a frear o dinamismo desse processo.” (Ibidem,
p. 231)

1. Resposta aos desafios do desequilíbrio externo


- o início do processo concreto brasileiro se inicia nos anos 1930 — porém, desde um ponto de
vista abstrato, poderia ter ocorrido sob qualquer situação duradoura de desequilíbrio externo que
rompesse o ajuste entre demanda e produção internas
- a sua primeira fase, portanto, reside no aproveitamento da demanda, oriunda do setor exportador,
que não foi destruída e/ou foi defendida pelo governo
- as possibilidades para atender essa demanda são:
- aproveitamento da capacidade ociosa
- aumento da produção de bens e serviços que independem do setor externo/exportador,
como o são os serviços governamentais
- instalar unidades produtivas que substituem importações que não podem mais ser reali-
zadas pela ausência de divisas que se seguiu à queda da renda do setor externo

- estas duas últimas passam a dinamizar aquilo que se convencionou chamar de substituição de
importações
- ao mesmo tempo, aumentam as importações dos insumos utilizados para a produção destes mes-
mos bens, o que atinge um limite quando as divisas para importá-los se esgota — e estas são as
primeiras expressões da contradição do processo
- as novas ondas de substituição de importações tendem a comprimir importações menos essenci-
ais — e é nas superações destas contradições que reside a essência da dinâmica do processo subs-
titutivo
- conforme o tempo passa, as “barreiras externas” vão se tornando cada vez mais difíceis de serem
superadas na medida em que a elas se somam barreiras de ordem interna, como o seriam as di-
mensões do mercado e a dependência tecnológica — assim, as pautas de importação vão se tor-
nando cada vez mais rígidas
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2. As modificações na estrutura de importações e a mecânica da substituição
- nas primeiras fases de substituição, a seleção das linhas de importação ocorria à luz da facilidade
para se importar os produtos mais demandados internamente, que são os bens de consumo termi-
nados, como já se afirmou anteriormente
- conforme o processo avança, reduz-se a participação dos bens de consumo final e cresce a dos
produtos intermediários
- passadas estas primeiras etapas, tende-se a estabelecer uma estrutura de importação sem grandes
alterações relativas entre os três grandes grupos — bens de consumo, bens intermediários e bens
de capital
- isso significa que se está conseguindo substituir, simultaneamente, as três faixas de produtos —
isso, contudo, não significa que não esteja ocorrendo qualquer alteração na composição das im-
portações

“A possibilidade de manter uma certa flexibilidade na estrutura de importações, em condições de


limitação da capacidade para importar, repousa na construção, o mais rápido possível, de certos elos
da cadeia produtiva que são de importância estratégica para levar adiante o processo. Em outras pa-
lavras, a possibilidade de continuar a substituir depende do tipo de substituições previamente reali-
zadas. Se, por exemplo, se continuar substituindo apenas faixas de bens finais de consumo, a pauta
pode vir a ficar praticamente comprometida com as importações necessárias à manutenção da pro-
dução corrente, sem deixar margem suficiente para a entrada de novos produtos e, em particular,
dos bens de capital indispensáveis à expansão da capacidade produtiva. Para evitar que isso ocorra,
é indispensável que se comece bastante cedo a substituição de novas faixas, sobretudo de produtos
intermediários e bens de capital, antes que a rigidez excessiva da pauta comprometa a própria conti-
nuidade do processo.” (Ibidem, p. 234)

- uma vantagem da importação de bens intermediários é que eles não costumam exigir uma parcela
grande de divisas e, pois, não costumam ser maiores responsáveis pelo estrangulamento externo
— porém, há que se fazê-lo no momento correto, pois as etapas mais avançadas do processo
substitutivo tendem a exigir uma quantidade maior destes bens, cuja instalação demora um tempo
bastante considerável… ou seja, é preciso planejar as etapas da industrialização por substituição
de importações com o lag/tempo que demora para se tornar o projeto operacionalizado
- o mesmo se pode dizer sobre os bens de capital
- ou seja, para se evitar estrangulamentos externos, é impossível que o processo substitutivo “se dê
da base para o vértice da pirâmide produtiva, isto é, partindo dos bens de consumo menos elabo-
rados e progredindo lentamente até atingir os bens de capital.”

“É necessário […] que ‘edifício’ seja construído em vários andares simultaneamente, mudando ape-
nas o grau de concentração em cada um deles de período para período.” (Ibidem, p. 235)

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- o processo substitutivo necessita, pois, de uma planejamento que anteveja estes estrangulamen-
tos, o que só pode ser realizado pelo Estado e/ou alguns raros empresários inovadores — ou seja,
a instalação destes setores intermediários e os bens de capital, o investimento de base, tende a ser
realizada diretamente pelo Estado ou através de financiamento ao setor privado
- caso a renda do setor externo deixe de crescer e, assim, de alimentar o processo substitutivo, o
capital externo é uma alternativa a sua continuação

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