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A lógica econômica da

globalização: por que


as corporações estão
vencendo e os
trabalhadores perdendo*
Thomas I. Palley**
Resumo

Os economistas deram pouca atenção ao papel dos modelos de negócios corpora-


tivos que mudaram a concorrência global. O entendimento destes modelos é decisivo para
o desenho de linhas de ação em resposta à globalização. Esta perspectiva conecta-se com
a economia institucionalista estadunidense do início do século 20, que focalizava a con-
corrência destrutiva. O institucionalismo influenciou profundamente o New Deal, que se
combinou à política macroeconômica keynesiana para gerar a grande prosperidade que se
seguiu à II Guerra Mundial. Esta combinação do institucionalismo com a macroeconomia
keynesiana é relevante na era da globalização, quando os mercados estão novamente
ameaçados pela concorrência destrutiva e a deflação macroeconômica.
Palavras-chave: concorrência destrutiva, globalização, institucionalismo, keynesianismo.

I. Visão geral: globalização e regimes de concorrência

As forças que impulsionam a globalização têm sido amplamente discuti-


das. Estas forças incluem as inovações tecnológicas, como a internet, menores
custos de comunicação e controle gerencial, e menores custos de transporte
associados a avanços como o transporte por containers. A política econômica
foi outro fator importante, reduzindo custos do movimento de mercadorias atra-

* Artigo apresentado no XI Encontro Nacional de Economia Política, promovido pela SEP –


Sociedade Brasileira de Economia Política, em Vitória, ES, 15 de junho de 2006.
** Economics for Democratic & Open Societies, Washington DC 20010. www.thomaspalley.com.

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vés das fronteiras por intermédio da redução de tarifas e da promoção ativa da
integração econômica global. Todavia, um fator que recebeu menos atenção é
o papel da evolução dos modelos empresariais corporativos que alteraram a
natureza da concorrência global.
Este artigo argumenta que estes modelos empresariais são decisivos para
a globalização, constituindo um meio crítico através do qual mudanças nas tec-
nologias e na política econômica foram orientados para gerar novos efeitos
econômicos. A natureza modificada da concorrência gerada por estes modelos,
por seu turno, teve impactos macroeconômicos significativos sobre os preços,
os salários e o emprego. Conseqüentemente, o entendimento da operação des-
tes modelos é essencial para o desenho de políticas que respondam aos desa-
fios postos pela globalização.
O novo modelo de negócios mudou a configuração das relações Norte-
Sul. A análise econômica convencional enfatiza as diferenças entre o Norte e o
Sul, que permanecem diferenças significativas, especialmente as que dizem
respeito aos mercados de capitais e ao poder geopolítico. No entanto, a globa-
lização também está criando uma convergência de interesses de trabalhadores
do Norte e do Sul, com os trabalhadores do sul crescentemente atingidos pelas
mesmas preocupações econômicas e políticas que os trabalhadores do Norte.
Estas preocupações são com o crescente poder das corporações e do capital.
Os trabalhadores dos EUA devem concorrer com trabalhadores de menores
salários do Brasil e do México, mas os trabalhadores brasileiros e mexicanos
devem concorrer com trabalhadores de salários muito mais baixos e politica-
mente desprovidos de direitos da China. Além disso, os trabalhadores em todos
os lugares enfrentam o risco da fuga de capital que limita as possibilidades para
políticas domésticas progressistas. O desafio posto pela globalização é criar
melhores condições econômicas para os trabalhadores em todos os lugares
sem permitir que os trabalhadores de um país sejam utilizados para fragilizar os
trabalhadores de outro.
Tal perspectiva conduz à noção de ‘regimes de concorrência’ e conecta-
se ao pensamento dos economistas institucionalistas estadunidenses do início
do século 20. Estes economistas enfatizaram a necessidade de desenhar insti-
tuições que impedissem a concorrência destrutiva e o seu pensamento subsi-
diou significativamente as inovações institucionais da era do New Deal. Estas
inovações, combinadas com a política macroeconômica keynesiana, contribuiu
para a grande prosperidade que se seguiu nos trinta anos após a II Guerra
Mundial. O artigo argumenta que uma abordagem combinada keynesiana-ins-
titucionalista à economia e à política econômica continua tendo relevância na

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era da globalização, quando os mercados são novamente ameaçados pela con-
corrência destrutiva e a deflação macroeconômica.

II. Microeconomia: a evolução da estrutura


da concorrência global

Na medida em que fatores microeconômicos da organização dos negó-


cios foram incorporados à análise da globalização, o foco convencional dirige-
se à produção da corporação multinacional (CMN). Pode-se considerar que a
era moderna da produção multinacional inicia-se nos anos 1950, mas nesta fase
as multinacionais tendiam a produzir para mercados domésticos locais. Isto foi
evidenciado pelas operações das empresas automobilísticas como a Ford e a
General Motors na Europa e a Volkswagen no Brasil, que produziam para o
consumo doméstico.
A década de 1980 proporcionou mudanças dramáticas na natureza das
operações das CMN, com as empresas utilizando crescentemente as suas ope-
rações externas em países menos desenvolvidos com a finalidade de reexpor-
tar para os mercados do Norte. Este novo procedimento foi exemplificado pelo
Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), que promoveu a trans-
formação do México em um dos principais fornecedores de produtos manufa-
turados para o mercado dos Estados Unidos.1
A volatilidade cambial e as taxas de câmbio sub-valorizadas entre países
em desenvolvimento também contribuíram para esta mudança. Taxas de câm-
bio sub-valorizadas reduziram os custos de produção nos países sujeitos à sub-
valorização, enquanto a volatilidade cambial estimulou as empresas a diversifi-
car fontes de oferta a fim de se protegerem contra as flutuações cambiais. Com
efeito, tais considerações cambiais constituíram a inspiração subjacente ao in-
fame comentário do antigo diretor-executivo da General Electric, Jack Welch,
de que a fábrica ideal seria a que estivesse sobre uma balsa que pudesse nave-
gar entre países a fim de aproveitar-se dos custos de produção mais baixos.
É fora de dúvida que a produção industrial das CMN foi uma poderosa
força a colocar os trabalhadores industriais em concorrência internacional e
permanece um elemento decisivo no processo de globalização. O seu impacto
adverso sobre o emprego, os salários e a filiação sindical na indústria dos EUA
foi extensamente documentado (BRONFENBRENNER, 2000; BRONFEN-
BRENNER e LUCE, 2004). No entanto, concomitante a este longamente co-
nhecido impulsionador da globalização ocorreu outra revolução competitiva no
setor varejista, baseado na globalização das fontes de suprimento. Este modelo

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de suprimento global foi desenvolvido pelos hipermercados [big box discount
stores], como exemplificado pelo Wal-Mart, o mais bem sucedido aplicador do
modelo.2 O modelo apresenta duas características centrais da globalização.
Primeiro, ele proporciona preços menores aos consumidores. Segundo, cria um
ambiente concorrencial que fragiliza as condições do mercado de trabalho e a
regulação social.3
Hamilton (2005) documentou extensamente a revolução varejista dos
hipermercados [big box discount store] nos Estados Unidos. Esta revolução
ocorreu em duas fases. A fase um iniciou-se há quarenta anos quando os
hipermercados surgiram pela primeira vez na cena do varejo. A Wal-Mart foi
constituída em 1962. Estes varejistas instituíram um modelo ‘nacional’ de com-
pras que colocou os fornecedores em concorrência nacional. Assim, fornece-
dores da Califórnia foram postos em concorrência com fornecedores de Nova
Iorque. Como todos funcionavam nos Estados Unidos sob regras comuns, esta
mudança na concorrência foi largamente benéfica, gerando menores preços e
maior eficiência. Todavia, mesmo então, também houve alguns efeitos colaterais
negativos. Assim, o novo modelo nacional de concorrência também estimulou
as indústrias a migrar para o Sul, para Estados não sindicais, os assim chama-
dos estados ‘direito-ao-trabalho’, nos quais as leis estaduais do trabalho tornam
a organização de sindicatos mais difícil. Esta migração fornece um exemplo
precoce de corrida à concorrência ‘terra arrasada’, e mostra que esta tendên-
cia já estava presente no modelo mesmo quando aplicado em escala nacional.
A fase dois da revolução varejista começou nos anos 1980 quando os
hipermercados globalizaram o seu modelo de compras. Ao invés de apenas
colocar Estados como a Califórnia e Nova Iorque em concorrência um com o
outro, os hipermercadistas puseram crescentemente países em concorrência.
Assim, o México foi colocado em concorrência com os congêneres da Indoné-
sia e Sri Lanka e os produtores dos Estados Unidos foram colocados em con-
corrência com todos. A lógica econômica subjacente ao modelo é simples. En-
contre o preço global mais baixo, o chamado “preço chinês”. Em seguida tome
o “preço chinês” e exija que os fornecedores e trabalhadores dos Estados Uni-
dos o pratiquem ou percam os negócios.4
A emergência do novo modelo de suprimento global varejista teve impac-
tos econômicos enormes. Mais ainda do que a indústria multinacional, o modelo
de suprimento global do setor varejista colocou o setor industrial doméstico em
concorrência internacional. Isto porque os hipermercados como o Wal-Mart e
o K-Mart vendem uma enorme variedade de produtos, e o modelo hipermerca-
dista também se difundiu para quase todos os segmentos do varejo. Isto signi-

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fica que todo o setor industrial doméstico de bens de consumo foi efetivamente
colocado em concorrência internacional.5
Com efeito, os hipermercados fornecem uma rede de distribuição padro-
nizada para produtos manufaturados. Trinta anos atrás os fabricantes tinham
que montar individualmente as suas próprias redes de distribuição, o que toma-
va um tempo considerável. Isto se ilustra nos EUA pelo gradual desenvolvi-
mento de redes de distribuição pelas indústrias automobilísticas japonesas como
a Toyota e a Honda. Os hipermercados atualmente permitem aos fabricantes
contornar este processo, tornando possível que a penetração de importações
apareça quase da noite para o dia. Estes varejistas, portanto, tanto aceleram
quanto aprofundam o processo de globalização, fornecendo um canal para a
distribuição de uma ampla gama de produtos manufaturados.
Há várias características críticas no modelo de suprimento global do setor
varejista. Primeiro, o seu sucesso em gerar preços mais baixos significa que
assim que um varejista o adota, outros são compelidos a adotá-lo a fim de
manterem-se competitivos. Segundo, o modelo também promove a produção
multinacional porque os industriais domésticos são pressionados a transferir a
produção para o exterior a fim de manterem-se competitivos com produtores
estrangeiros. Terceiro, o modelo não apenas promove a concorrência Norte-
Sul em salários e padrões de emprego, como também promove a concorrência
Sul-Sul, uma vez que os países em desenvolvimento também são colocados em
concorrência uns com os outros.
O modelo de varejo hipermercadista surgiu primeiramente nos EUA,
mas agora se difundiu para o Sul. Por exemplo, o Wal-Mart opera no México
e no Brasil, e em 2005 expandiu a sua presença no Brasil com a aquisição de
uma cadeia de varejo, o Bom Preço. Isto significa que os setores industriais
domésticos do México e do Brasil foram agora colocados em plena concor-
rência global, e os efeitos desta concorrência irão provavelmente revelar-se
rapidamente.
Outro desenvolvimento recente diz respeito à internacionalização do su-
primento pelos industriais, sobre o que há muita discussão nos Estados Unidos.
Esta terceirização internacional pode ser encarada como uma aplicação do
modelo de suprimento global do setor varejista. Com efeito, atualmente os in-
dustriais também estão visando obter suprimentos globalmente e também estão
exigindo que os fornecedores domésticos se adéqüem ao preço chinês ou per-
cam o negócio. Este desenvolvimento foi especialmente visível na indústria de
autopeças dos EUA, e as conseqüências podem ser observadas nos gigantes
de autopeças Visteon e Delphi. Há menos de uma década estas duas compa-

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nhias destacaram-se das companhias-mães, Ford e General Motors, e desta
maneira foram colocadas em concorrência nacional. Em 2005 a Ford e a Ge-
neral Motors anunciaram que mudariam para um modelo de suprimento global,
deste modo colocando formalmente a Visteon e a Delphi em concorrência glo-
bal. Com a sua estrutura sindicalizada de custos salariais e de encargos mais
elevados, ambas as companhias têm enfrentado intensa concorrência de pre-
ços de fornecedores estrangeiros. Ambas eliminaram empregos nos Estados
Unidos e transferiram a produção para o México e a China, e a Delphi foi
forçada a apelar para a falência, segundo o capítulo 11, em outubro de 2005.
O setor de serviços é o próximo da fila para a aplicação do modelo de
suprimento global do setor varejista. A internet significa que produtos de servi-
ços e conhecimento, que anteriormente eram não-transacionáveis e tinham que
ser fornecidos localmente, podem agora ser transacionados e fornecidos a par-
tir de locais no exterior. Programação computadorizada básica e manutenção
de sistemas, preparação de impostos, pesquisa de investimentos financeiros e
serviços de contabilidade e arquitetura já podem ser fornecidos a partir de sítios
no exterior. Com o tempo a complexidade de produtos de serviços que podem
ser fornecidos tende a aumentar. Ademais, o bem sucedido modelo de varejo
doméstico por internet da Amazon.com sugere que mesmo o varejo está aberto
para o suprimento internacional.6
Ultimamente a estrutura alterada da concorrência internacional também
impacta o setor público. Por enquanto os empregos públicos estão protegidos
pela exigência de que o trabalho seja realizado por empregados do setor públi-
co. Todavia, a tendência emergente de terceirizar a produção dos serviços
públicos a contratantes privados domésticos significa que estes empregos po-
deriam ser terceirizados internacionalmente no futuro. Ademais, a despeito desta
proteção ao emprego, continua a haver pressões sobre o setor público. Isto se
deve ao fato de que colocar salários do setor privado em concorrência interna-
cional impõe uma pressão baixista indireta sobre os salários do setor público ao
rebaixar o salário comparativo e a receita tributária. Além disso, estas pressões
são amplificadas na medida em que a mobilidade do capital cria concorrência
tributária que rebaixa a taxa à qual a renda do capital é tributada. Isto rebaixa
mais as rendas, enquanto as famílias são resistentes a impostos mais elevados
sobre a renda do salário, uma vez que os salários antes dos impostos estão sob
pressão. Finalmente, ao nível amplo das políticas públicas, a mobilidade do in-
vestimento e da produção cria o receio de perda de empregos e crise financei-
ra. Isto eleva o custo da ação pública progressista, efetivamente estreitando o
espaço para políticas públicas progressistas.

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III. A nova microestrutura da concorrência global

A globalização madura coloca a produção multinacional e o suprimento


global em ritmo hiper-acelerado. Há dois elementos decisivos nesta matura-
ção. Primeiro, a nova era da globalização é caracterizada por capital móvel,
tecnologia móvel e métodos de produção móveis. Consequentemente, atual-
mente todos os países têm acesso a métodos de produção genericamente simi-
lares. Isto contrasta com a era anterior de livre comércio clássico, que estava
associada a movimentos de mercadorias, enquanto os fatores de produção e a
tecnologia eram relativamente imóveis entre países. A globalização madura
pode, portanto, ser visualizada como marcando o fim da era clássica do livre
comércio. Segundo, a nova era está marcada pelo acréscimo de dois bilhões de
trabalhadores ao mercado de trabalho global como resultado do fim do
isolacionismo econômico na Índia, na China e nos países do antigo bloco sovié-
tico. Este isolacionismo funcionava como uma barragem que mantinha estes
trabalhadores fora da concorrência do mercado internacional.7
As peças da estrutura microeconômica constituinte da globalização ma-
dura podem agora ser juntadas. O primeiro elemento é a natureza modificada
da concorrência. Esta mudança começou com a produção multinacional, mas
ela agora inclui o suprimento global que lança faixas muito mais amplas da
economia na concorrência internacional. O segundo elemento é a mobilidade
do capital e dos métodos de produção que foi fomentada pelas corporações
industriais multinacionais, a mudança das condições tecnológicas e as políticas
econômicas que promoveram a integração internacional das economias nacio-
nais. O terceiro elemento é o acréscimo de dois bilhões de trabalhadores ao
mercado de trabalho global como resultado da destruição da barragem do so-
cialismo.
Estes três elementos constituem um sistema altamente sinérgico que
exerce significativas e sustentadas pressões baixistas sobre salários e esta-
bilidade do emprego. A lógica econômica é a da arbitragem. Quando duas
piscinas são ligadas, o nível da água tenderá a se igualar. O teorema Stolper-
Samuelson (1941) da teoria clássica do livre comércio assinalou há muito
tempo como a fusão de uma economia rica, abundante em capital, com uma
economia pobre, abundante em trabalho, pode reduzir salários na primeira.
Esta lógica Stolper-Samuelson é tremendamente amplificada pela combina-
ção de produção multinacional, suprimento global e mobilidade de tecnologia
e métodos de produção.

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IV. Conseqüências macroeconômicas da
concorrência global em transformação

As condições microeconômicas modificadas da concorrência associadas


à globalização têm significativas implicações macroeconômicas. Uma primeira
implicação diz respeito à desigualdade de renda, que aumentou em quase todos
os países (MILANOVIC, 2005). Nos EUA este aumento ocorreu em duas
fases. Durante as décadas de 1980 e 1990 a relação salários-lucros permane-
ceu amplamente inalterada, mas a desigualdade na renda familiar aumentou,
sugerindo mudanças na distribuição salarial favorável aos trabalhadores geren-
ciais de rendas elevadas. Isto foi seguido, depois de 2000, por um significativo
aumento na participação dos lucros.8
Uma segunda implicação diz respeito à estrutura da demanda global. O
novo modelo de suprimento global estimula as companhias estadunidenses a
transferir a produção para o exterior e reexportar para os EUA. Nos países em
desenvolvimento há uma persistente pressão baixista sobre os salários, que é
necessária para reter competitividade internacional, mas também contém a
demanda doméstica e a emergência de uma grande classe média. Conseqüen-
temente, estes países são forçados a apoiar-se no crescimento industrial impul-
sionado pelas exportações, através do qual vendem aos mercados dos EUA e
de outros países desenvolvidos ao invés de desenvolver os mercados de consu-
mo domésticos.
Estes desenvolvimentos criam perigos macroeconômicos significativos.
No interior dos Estados Unidos a piora da distribuição da renda coloca proble-
mas de longo prazo para a manutenção de um nível de demanda agregada
capaz de gerar pleno emprego. No nível internacional, a extensa dependência
do crescimento impulsionado pelas exportações contribuiu para uma economia
globalmente desequilibrada na qual os países em desenvolvimento dependem
do mercado estadunidense. Este desequilíbrio reflete-se no enorme déficit co-
mercial dos EUA. O perigo é que se a economia dos EUA desacelera, toda a
economia global desacelerará também.
Embora a nova estrutura concorrencial microeconômica global tenha con-
tribuído para preços baixos ao consumidor, que beneficiaram os consumidores
do Norte, ela também transformou desfavoravelmente a estrutura de geração
de renda e demanda agregada. No Norte tem havido uma gradual rarefação da
classe média. No Sul, uma condição de excesso de trabalho combinada à con-
corrência Sul-Sul pelos mercados exportadores do Norte retardou o cresci-

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mento dos salários no Sul, que poderia fornecer o fundamento futuro para a
demanda agregada global. Com a oferta global crescendo como resultado do
crescimento impulsionado pelas exportações, esta configuração carrega o ris-
co de pressões deflacionárias globais.9
Até o momento estes desenvolvimentos macroeconômicos adversos fo-
ram contidos por mercados de capitais ondulantes e bolhas de preços de imó-
veis, e pelo maior do acesso ao crédito ao consumidor. Nos EUA, em particu-
lar, estes desenvolvimentos possibilitaram às famílias manter o gasto de consumo,
sustentando deste modo a demanda agregada global. No entanto, nem razões
dívida/renda crescentes, nem inflação de preços de ativos significativamente
acima da taxa geral de inflação são sustentáveis. Isto sugere que estas tendên-
cias deverão desacelerar ou mesmo reverter-se, e quando isto ocorrer a eco-
nomia global poderá sofrer uma recessão severa devido ao acúmulo de
desequilíbrios financeiros e demanda agregada inadequada. Além disto, a recu-
peração desta recessão poderia revelar-se difícil, devido a grandes excedentes
de dívidas e estruturas de geração de renda e demanda permanentemente
atrofiadas.

V. Redescobrindo a economia dos anos 1930

Diz a propaganda que o atual modelo de globalização traz baixos preços


ao consumidor. Todavia, ele proporciona preços baixos ao elevado custo de
fragilizar a estrutura de geração de renda e demanda. As condições econômi-
cas atuais mostram sinais da década de 1920, uma década marcada por um
boom movido a crédito nos EUA e uma estagnação relativa no resto do mundo.
Enquanto isso, a desigualdade de renda e riqueza nos EUA retornou aos níveis
prevalecentes nos anos 1920. Isto indica a possibilidade de uma nova era de
estagnação econômica global, que no pior cenário poderia repetir problemas
semelhantes aos que afligiram a economia global nos anos 1930.
Os problemas da era da Depressão foram resolvidos após a II Guerra
Mundial pela aplicação de novas idéias econômicas desenvolvidas nos anos
1930. Estas idéias continuam relevantes na era da globalização. Infelizmente o
sucesso econômico dos trinta anos após a II Guerra Mundial contribuiu para a
crença de que o problema econômico havia sido resolvido permanentemente e
que as políticas e as instituições adotadas após a Depressão já não eram neces-
sárias. Como resultado, houve uma gradual eliminação do pensamento forjado
na Depressão, e a teoria econômica lentamente recuou para a economia da era
pré-Depressão. Levados por esta onda, os formuladores de política econômica

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criaram uma variante moderna da economia da era pré-Depressão sob o título
de globalização.
Uma contribuição duradoura dos anos 1930 está associada ao economis-
ta britânico John Maynard Keynes, que identificou a importância da demanda
agregada para a determinação do nível do emprego e do produto. No modelo
keynesiano, o desemprego pode resultar do gasto insuficiente dos domicílios e
das empresas. Na melhor das hipóteses, os mercados livres são lentos na cor-
reção destas condições e, na pior, podem cair na armadilha de desemprego
elevado permanente.
Keynes reconheceu que o sistema de preços não gera automaticamente
uma demanda suficiente e o que funciona em mercados individuais não funcio-
na automaticamente na economia como um todo. Nos mercados individuais,
preços mais baixos tornam uma mercadoria mais barata em termos relativos e
por este meio fornecem um incentivo para o desvio do gasto de outros itens.
Isto, no entanto, não funciona para a economia como um todo porque todos os
preços estão caindo. Com efeito, o processo pode mesmo operar ao inverso,
porque preços em queda aumentam o peso do serviço das dívidas das empre-
sas e domicílios devedores, deste modo reduzindo potencialmente a demanda
total e provocando a falência do sistema bancário. Conseqüentemente há razão
para a intervenção da política econômica a fim de estabilizar a demanda por
intermédio de políticas monetária (taxa de juros) e fiscal (orçamento público).10
Uma segunda contribuição intelectual vital da era da Depressão veio dos
economistas institucionalistas estadunidenses, que enfatizaram a importância
da natureza da concorrência. Os principais membros desta escola de pensa-
mento foram John Commons, Thorsten Veblen e Wesley Mitchell. Enquanto
Keynes instituiu o campo da macroeconomia, que focalizava as conseqüências
da insuficiência da demanda agregada, os institucionalistas focalizaram as fra-
gilidades microeconômicas do sistema. Commons (1909, 68-69), em particular,
assinalou o problema da concorrência destrutiva, que ele denominou a ‘ameaça
concorrencial’.11 Isto ecoa o conceito atual de ‘race to the bottom’.* Os insti-
tucionalistas não questionaram a noção de que a busca do lucro e do interesse
próprio constituíam os principais motivos para a ação econômica. Todavia, re-
conheceram que a sua busca poderia conduzir a resultados sociais sub-ótimos.
O que parece maximizar o bem-estar econômico de uma perspectiva individual

*
A expressão ‘race to the bottom’ não possui tradução consagrada para o português, referindo-se
à disputa entre países pela atração de investimentos externos via desmantelamento dos sistemas
nacionais de regulamentação, resultando em aumento da pobreza (N.T.).

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pode ser sub-ótimo uma vez que se leve em consideração a interação concor-
rencial das ações individuais.
Esta análise institucionalista conduz à noção dos “regimes concorrenciais”,
com alguns regimes sendo melhores que outros em termos da maximização do
bem-estar societal. Quando combinado ao keynesianismo, o problema da polí-
tica institucionalista é desenhar instituições maximizadoras do bem-estar social
que correspondam à necessidade keynesiana de fluxos robustos e estáveis de
demanda e renda, ao mesmo tempo preservando os incentivos para a ação
econômica produtiva. Esta é a lógica econômica subjacente à regulação que
evite flutuações excessivas de preços, à regulação impeditiva do monopólio e
da exploração que comprometem a base de renda e gasto. Vistos desta pers-
pectiva, os institucionalistas forneceram um novo pensamento microeconômico
compatível com a macroeconomia keynesiana.
O New Deal da década de 1930 incorporou muito da política instituciona-
lista. Novas leis instituíram o salário mínimo, a semana de quarenta horas, o
direito ao pagamento de horas extras e o direito de sindicalização. Estas leis
trabalhistas elevaram os salários e melhoraram a distribuição da renda, contri-
buindo, deste modo, para a criação de mercados de consumo de massas está-
veis. Elas também complementaram leis de segurança de produtos de consu-
mo, que haviam sido aprovadas na era Progressiva anterior. Paralelamente,
novas leis regulamentando os mercados financeiros por intermédio da Securities
and Exchange Comission complementaram a regulamentação do sistema
bancário pela Reserva Federal, contribuindo para o aperfeiçoamento dos mer-
cados de capitais, que alocavam o capital mais eficientemente. Em conjunto
estas mudanças instituíram um “regime concorrencial” que evitou a concorrên-
cia destrutiva, geraram uma distribuição de renda “Henry Ford” na qual traba-
lhadores podiam comprar o que produziam, e evitaram tendências deflacionis-
tas desestabilizadores do mercado. Combinadas às políticas keynesianas de
estabilização monetária e fiscal, elas criaram a grande prosperidade da era
pós-II Guerra Mundial.
No entanto, ao mesmo tempo em que estas políticas estavam sendo colo-
cadas em prática, as idéias institucionalistas estavam sendo excluídas das salas
de aula e dos livros-texto. Enquanto o keynesianismo conquistou um lugar na
corrente dominante após a II Guerra Mundial, o institucionalismo nunca conse-
guiu fazê-lo. Os conservadores sempre se opuseram às tendências igualitaristas
e democráticas do institucionalismo. Além disto, o foco institucionalista aponta-
va para as profundas fragilidades microeconômicas do capitalismo (embora
para objetivos de aperfeiçoamento do capitalismo), foco que era inaceitável na

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era da Guerra Fria, que se recusava a reconhecer qualquer parte da crítica
comunista. Conseqüentemente, o institucionalismo tinha sido largamente expul-
so das salas de aulas e dos livros-texto no início dos anos 1960, o que significa
que havia sido expulso de discussões de política econômica e das câmaras
legislativas no início dos anos 1980. Salas de aula e livros-texto são os meios
através dos quais as idéias são difundidas e são os meios através do qual a
academia recebe o reconhecimento de poderosas personalidades públicas.
A globalização colocou em evidência novamente o espectro da concor-
rência destrutiva, apontando para a necessidade do ressurgimento do pensa-
mento institucionalista. No entanto, este pensamento é esterilizado pelo para-
digma neoclássico de flexibilidade microeconômica subjacente à macroeconomia
atual. Isto é motivo de enorme preocupação prática e política. Ao nível prático,
a globalização pode tropeçar na ausência de reformas de política pública de
corte institucionalista. Ao nível político, políticos progressistas bem intenciona-
dos serão incapazes de resolver os problemas da globalização, colocando em
risco de irrelevância os movimentos sociais democráticos. Nos anos 1930 a
economia não estava à altura do desafio da Grande Depressão, o que exigiu
uma nova economia. O mesmo vale para a globalização e a economia atual.

VI. Políticas keynesiano-institucionalistas para a globalização

O institucionalismo do New Deal englobava um conjunto de políticas pú-


blicas, refletindo o fato de que não havia uma bala de prata* para resolver os
problemas econômicos do capitalismo da era da Depressão. O mesmo aplica-
se aos problemas da globalização, que também exigirão um conjunto de políti-
cas para reconstruir um novo regime de concorrência aceitável.
A constituição de mercados de trabalho socialmente ótimos era um pro-
blema central da era do New Deal e é novamente um problema central na era
da globalização. O novo modelo empresarial de suprimento global efetivamente
criou um mercado de trabalho internacional que requer padrões internacionais
de trabalho. O desafio neste caso é duplo. Primeiro, os países devem concor-
dar sobre os padrões e estes padrões devem ser consistentes com regulamen-
tações bem constituídas dos mercados de trabalho domésticos. Segundo, tal
como na Depressão, os sindicatos permanecem uma parte integral da solução,
na medida em que eles corrigem falhas de mercado associadas a desequilíbrios

* A ‘bala de prata’ (silver bullet) é uma metáfora que designa a existência de uma solução simples
e infalível para um problema extremamente difícil (NT).

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de poder. Além do mais, eles o fazem de um modo descentralizado através da
negociação por setor e por firma que pode vincular os salários à produtividade.
Em relação aos EUA, isto significa que é necessária uma reforma da legisla-
ção trabalhista a fim de assegurar que os trabalhadores tenham um efetivo
direito a organizar-se.12
Também há necessidade de arranjos para impedir a lenta erosão das ba-
ses tributárias que emergem da concorrência tributária internacional. Esta con-
corrência mostra países reduzindo taxas tributárias a fim de subtrair investi-
mentos de outros países e pode resultar em sistemas tributários com estruturas
deficientes que coletam receitas insuficientes e sobrecarregam contribuintes
imóveis. O mesmo problema pode também existir no interior dos países quando
há diferentes jurisdições tributárias.
Um problema estrutural semelhante aplica-se às taxas de câmbio. Neste
caso, países podem ser motivados a depreciar as suas taxas de câmbio a fim de
reduzir o preço internacional das suas exportações e assegurar uma vantagem
competitiva nos mercados internacionais. Esta depreciação competitiva é uma
forma de concorrência desleal que fragiliza alocações eficientes de produção.
Impedir isto requer uma nova arquitetura financeira internacional determinante
dos ordenamentos cambiais e que desencoraje os fluxos desestabilizadores do
capital financeiro.
Impedir a concorrência internacional destrutiva é um desafio à política
pública colocado pelo novo ambiente. Um segundo desafio é aperfeiçoar afir-
mativamente a competitividade nacional. A este respeito uma política ampla-
mente aceita é aumentar o investimento em educação que eleva a produtivida-
de do trabalhador. Também há necessidade de assistência aos desempregados
e políticas ativas de mercado de trabalho que ajudem trabalhadores deslocados
a enfrentar perdas de renda e a obter treinamento que os prepare para futuros
empregos produtivos. Nos EUA há especial necessidade de enfrentar o proble-
ma de seguro-saúde, que atualmente é um custo do emprego porque os prê-
mios são vinculados ao nível de emprego. Isto é exemplificado pela General
Motors, onde o custo de cada automóvel inclui 1.500 dólares de custos de
seguro-saúde dos trabalhadores. Os custos de seguro-saúde devem ser desvin-
culados dos empregos e isto sugere um plano nacional de saúde financiado pela
receita fiscal geral. A assistência à saúde e a seguridade social devem ser
desvinculadas dos empregos. Nos EUA ambos são atualmente custos do em-
prego e estes custos estimulam tanto a transferência de empregos para o exte-
rior ou a eliminação destes benefícios a fim de reter competitividade internacio-
nal. Vincular estes benefícios aos empregos sempre foi a segunda melhor

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alternativa, mas uma cobertura razoável podia ser obtida quando os sindicatos
eram fortes e as economias não eram integradas internacionalmente. Agora
que nenhuma destas condições existe, é necessário que estes benefícios sejam
desvinculados dos empregos a fim de que deixem de ser um custo do emprego
que desestimula o mesmo.

VII. Economia política: a política da resposta da política pública

A globalização complica enormemente o problema da política pública e


também complica a política da resposta. A economia política foi construída,
historicamente, em torno da oposição entre capital e trabalho, com firmas e
trabalhadores em confronto sobre a divisão do bolo econômico. Nesta constru-
ção o trabalho é geralmente representado como um interesse monolítico, mas a
realidade é que o trabalho sempre sofreu com divisões internas – por raça, por
status ocupacional e ao longo de diversas outras falsas linhas. A globalização
neoliberal acentuou de diversos modos estas divisões em detrimento do traba-
lho e em benefício do capital.
Uma destas falsas linhas opõe os trabalhadores a eles mesmos: como os
trabalhadores também são consumidores, eles enfrentam uma oposição entre o
desejo por maiores salários e o desejo por menores preços. Historicamente
esta divisão de identidade foi explorada para opor os trabalhadores sindicaliza-
dos aos não sindicalizados, com os advogados anti-trabalho acusando os traba-
lhadores sindicalizados de causar preços mais elevados. A globalização, com as
suas promessas de preços sempre mais baixos, amplifica a oposição entre os
interesses das pessoas como trabalhadores e seus interesses como consumido-
res. Preços baixos efetivamente trazem benefícios, mas eles devem ser con-
frontados com o impacto da globalização sobre os salários, as condições de
trabalho e o equilíbrio do poder político.
A globalização também afeta a economia desigualmente, golpeando pri-
meiro alguns setores e outros só mais tarde. O processo pode ser entendido em
termos dos ponteiros de um relógio. Na primeira hora está o setor de vestuário,
na hora dois o setor têxtil, na três o setor siderúrgico, na seis o setor automobi-
lístico. Os trabalhadores do setor de vestuário são os primeiros a terem os seus
empregos movidos para esferas de menores salários; ao mesmo tempo, no
entanto, todos os outros trabalhadores obtêm reduções de preços. Em seguida,
o processo golpeia os trabalhadores do setor têxtil às duas horas. Ao mesmo
tempo os trabalhadores a partir da hora três obtêm reduções de preços, o mes-
mo ocorrendo com os trabalhadores da primeira hora. A cada movimento dos

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ponteiros do relógio os trabalhadores golpeados estão isolados. Deste modo a
globalização move-se seguindo os ponteiros do relógio com o trabalho perma-
nentemente dividido.
O setor industrial foi o primeiro a experimentar este processo, mas as
inovações tecnológicas associadas à internet estão colocando na linha de fogo
também os trabalhadores dos serviços e do conhecimento. Modelos de negó-
cios on-line estão tornando vulneráveis mesmo os trabalhadores do varejo,
como evidenciado pela Amazon.com, que abriu um centro de apoio ao cliente e
dois centros de desenvolvimento tecnológico na Índia. O problema é que cada
vez que os ponteiros do relógio da globalização se movem para diante, os traba-
lhadores se dividem: a situação da maioria melhora levemente enquanto a de
uns poucos piora muito.
A globalização também impacta no capital, criando uma divisão entre as
maiores firmas, internacionalizadas, e as menores firmas, que permanecem
focalizadas nacionalmente. As corporações multinacionais maiores que se
globalizaram beneficiam-se de importações mais baratas produzidas nas suas
fábricas no exterior. Em contrapartida, as menores empresas, que permane-
cem focalizadas nacionalmente em termos de vendas, produção e suprimento
de insumos, são ameaçadas por importações. Esta divisão foi trazida para o
centro das atenções nos EUA com o debate sobre o déficit comercial e o dólar
sobrevalorizado. Em décadas anteriores a indústria estadunidense como um
todo opôs-se aos déficits comerciais e à manutenção de um dólar sobrevalorizado
devido ao impacto adverso de importações crescentes. Neste momento a in-
dústria estadunidense está dividida, com as corporações multinacionais apoian-
do um dólar sobrevalorizado e os industriais domésticos menores opondo-se a ele.
Esta divisão abre a possibilidade de uma nova aliança entre o trabalho e
os industriais e empresas que permanecem baseadas nacionalmente. Nos EUA
esta é uma aliança potencialmente poderosa, uma vez que há aproximadamen-
te 7 milhões de empresas com vendas inferiores a US$ 10 milhões, contra
apenas 200.000 com vendas superiores a US$ 10 milhões. Todavia, esta alian-
ça sempre será instável, uma vez que o inerente conflito trabalho-capital sobre
a distribuição da renda sempre pode voltar a se impor. Com efeito, este padrão
já está evidente nos EUA na política interna da Associação Nacional dos In-
dustriais, cujos membros dividiram-se significativamente em relação ao dólar
sobrevalorizado. Como um meio de enfrentar esta divisão, o grupo está promo-
vendo uma agenda doméstica de “competitividade” destinada a enfraquecer a
regulamentação, reduzir a responsabilidade legal das corporações e rebaixar os
encargos sociais dos trabalhadores – uma agenda destinada a atrair os dois
campos, mas às expensas dos trabalhadores.

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A solidariedade sempre foi uma questão chave para o avanço político e
econômico do povo trabalhador, e é uma questão chave para controlar a políti-
ca da globalização. Desenvolver uma interpretação coerente sobre a economia
da globalização neoliberal, em torno da qual o povo trabalhador possa aglutinar-
se, é um ingrediente chave para a solidariedade. É por isto que a economia é
tão importante politicamente. Os economistas elaboram interpretações sobre o
que está ocorrendo na economia e há necessidade de uma interpretação alter-
nativa à que é fornecida pela economia neoliberal. Uma perspectiva institucio-
nalista-keynesiana fornece esta alternativa.
Entender como a globalização divide o trabalho pode ajudar a contrapor
profundas tendências culturais ao individualismo, assim como outros divisores
históricos como, por exemplo, o racismo. Entretanto, como se isto não fosse
suficientemente difícil, a globalização cria outros desafios. As soluções políti-
cas nacionais que funcionaram no passado não são adequadas para controlar a
concorrência internacional. Isto significa que a barreira da solidariedade é ain-
da mais elevada porque a solidariedade internacional é necessária para apoiar
as novas formas de regulamentação econômica internacional, como os padrões
de trabalho, os padrões ambientais, os controles de capital, a coordenação cambial
e a harmonização tributária.

(Traduzido do inglês por Claus Germer)

Abstract

Economists have paid little attention to the role of corporate business models
that have changed global competition. Understanding these models is central to designing
policy responses to globalization. Such a perspective links with early 20th century
American institutionalist economics, which focused on destructive competition.
Institutionalism deeply informed the New Deal, which combined with Keynesian
macroeconomic policy to generate the great prosperity ensuing after World War II. This
combination of institutionalism and Keynesian macroeconomics is relevant in the era of
globalization when markets are again threatened by destructive competition and
macroeconomic deflation.
Keywords: Destructive competition, globalization, institutionalism, Keynesianism.

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___________. Asset Accumulation and Economic Activity. Chicago: Chicago University
Press, 1980.

Notas
1
Esta mudança da prática das CMN coincide com a mudança do desenvolvimento baseado na
substituição de importações para o desenvolvimento impulsionado por exportações.
2
O artigo clássico sobre terceirização global e cadeias de oferta é de Gereffi (1994).
3
No caso do Wal-Mart há outros fatores associados à sua cultura empresarial e suas práticas
empregatícias. Estas se caracterizam pela profunda hostilidade aos sindicatos, indisposição em
pagar auxílios-saúde, disposição para envolver-se em concorrência tributária entre jurisdições
locais a fim de obter isenções tributárias, e uma disposição geral ... o sistema de proteção pública
e social. Por esta razão o Wal-Mart exerce pressões retrógradas sobre a economia tanto interna
quanto externamente.
4
O Wal-Mart exemplifica o novo modelo, 70% das suas mercadorias são importadas da China e
é responsável por 1/8 do déficit comercial dos EUA com a China (US$ 18 bilhões). Se fosse um
país, ele seria o oitavo maior parceiro comercial da China. (Robert Scott, Economic Policy Institute,
Washington DC.)
5
O Wal-Mart teve um impacto adicional através das suas práticas desleais de emprego. Estas
práticas reduzem seus custos internos, forçando outros varejistas a também mover-se em uma
direção desleal. Deste modo o Wal-Mart é uma fonte de concorrência desleal tanto de ‘dentro’
quanto de ‘fora’ do sistema.
6
McCarthy (2004) documenta a crescente vulnerabilidade dos serviços à externalização do
suprimento.
7
Freeman (2004) documenta o aumento da oferta global de trabalho resultante do fim do socialis-
mo. Entretanto, ele sustenta que o livre comércio clássico, baseado nas vantagens comparativas,
ainda subsiste. Conseqüentemente, as perdas salariais decorrentes do aumento da oferta de
trabalho podem ser compensadas pelo crescimento da produtividade resultante do rearranjo da
produção global de acordo com o princípio das vantagens comparativas.
8
O aumento da desigualdade global de renda, entre e dentro de países, é documentado por
Milanovic (2005). O aumento da desigualdade da renda familiar nos EUA é documentado por
Mishel et al. (2005). Krugman (1995) atribui 10% do crescimento da desigualdade salarial nos
EUA nas décadas de 1970 e 1980 ao comércio. Cline (1997) atribui 37% do crescimento ao
comércio. Palley (1999) examina a desigualdade de renda em geral usando o índice de Gini da renda
familiar dos EUA e relata que 24% do aumento da desigualdade entre 1980 e 1997 é diretamente
atribuível à maior abertura, o que se eleva a 34% se o efeito negativo do comércio sobre a
densidade sindical for levada em consideração. Kletzer (2001) documentou as perdas salariais
diretas dos que estão efetivamente perdendo seus empregos devido ao comércio.
9
Os riscos deflacionários globais do desenvolvimento impulsionado por exportações são explo-
rados em Palley (2003) e Blecker e Razmi (2005).
10
Tobin (1975, 1980) e Palley (1999) examinaram porque uma deflação generalizada nos preços
pode tornar-se instável.
11
A relevância da análise de Commons para o entendimento da globalização é explorada por
Atkinson (1997).
12
Padrões ambientais internacionais também serão necessários para evitar que países utilizem
regulamentações ambientais frágeis como meio de assegurar vantagem competitiva internacional.

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