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y 75774] INSTITUTO DE PLANEJAMENTO ECONOMICO E

417 4 SOCIAL memes


/ PROGRAMA NACIONAL DE PESQUISA ECONOMICA
ESO ESoMnaty

Série PNPE — 19

PENSAMENTO ECONOMICO
BRASILEIRO: O CICLO IDEOLOGICO
DO DESENVOLVIMENTISMO

RiIcARDO BIELSCHOWSKY

Rio de Janeiro
IPEA/INPES
1988
Eee

de subsidios ae consumo, que deprime a oferta e excita a demanda,


Mas esses elementos nio permitem qualquer conclusio a respeito
da posicio do autor quanto A justeza da reivindicagio politica fun.
damental «as esquerdas no inicio dos anos 60,
Ja na questiio das desigualdades regionais, Campos manifestou-se
favoravelmente a que, por motivos de cunho humanitirio — e, por-
tanto, alhcios a racionalidade econtmica — se procurasse subsidiar
o desenvolvimento das regides atrasadas, de modo a compensar a
drenagem de recursos financeiros e humanos que o desenvolvimento
das outras regides lhes impunha. ® Observe-se que, enquanto pre-
sidente do BNDE, em 1958, convidon Celso Furtado para integrar
a diretoria do Banco e foi com ¢le soliddrio em suas intencdes de
promover o desenvolvimento nordestino, antes mesmo que Furtado
fosse convidado por Kubitschek para deslanchar a Operagio Nox
deste. |
Lncerramos aqui, finalmente, a resenha sobre o pensamento de
Campos. Aos que iniciaram a leitura notando a consonincia da
visio do autor, no inicio dos anos 50, com posicdes tedricas tipica-
mente nacionalistas, ¢ que entfo surpreenderam-se com a énfase
que ele deu i estabilizagio monetdria e 4 atragdo de capital estran-
geiro a partir de meados da década, resta lembrar uma vez mais
que Campos ndo chegou a ser propriamente incoerente com seu
pensamento original. A alteragio da natureza politica dos seus textos
foi compativel com a propria transformagio da vida econ6mica e
politica brasileira ¢ com o proprio percurso do envolvimento pessoal
do autor como personagem desse processo de transformacio. Isto
ficard claro, esperamos, na Parte II do presente trabalho, onde
procuramos prender nossa histéria das idéias 2 histéria real.

IIT. 4 — O Setor Publico: Desenvolvimentismo


Nacionalista

[11.4.1 — Introducio

As transformagdes econdmicas que se seguiram no Brasil a crise


dos anos 30 introduziram wma violenta mudanga no quadro de
institui¢Bes brasileiras. A centralizagio de poder comandada por

2% Sabre a visio do autor a esse respeito, ver Campos (19535, pp. 42-4).

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Vargas gerou um conjunto de agéncias planejadoras, como o Depar- dos servigos de energia ¢ transportes, que os liberais atribufam ao
tamento Administrativo do Servigo Priblico, o Conselho Federal do congelamento de tarifas, mas que os nacionalistas avaliavam como
Comércio Exterior, o Conselho Nacional do Petréleo, o Conselho prova da necessidade de intervengiio e planejamento estatal, adicio-
Nacional de Aguas e Energia e tantas outras. Nessas instituicdes, nava argumentos i concepgio de que uma estratégia de inversoes
voltadas para a solugio de problemas de Ambito nacional, consti- estatais nesses setores tornava-se condicio indispensivel do processo
tufam-se naturalmente, por for¢a das atribui¢des, equipes de téenicos de industrializag3o.
civis ¢ militares preocupados com o problema do desenvolvimento Nos demais setores industriais, porém, o capital estrangeiro
industrial brasileivo. Homens como Barbosa Cameiro, Horta Bar- era bem-vindo pelos desenvolvimentistas nacionalistas. Esse ¢ um
bosa, Macedo Soares, Andpio Gomes e Aldo Franco formaram o ponto nem sempre compreendide pelos estudiosos da industriali-
embrifio da corrente desenvolvimentista nacionalista, que seria, nos zagio brasileira, Explica, por exemplo, como o Comandante Lucio
anos 50, ao lado dos neoliberais, a linha de pensamento de maior Meira, um desenvolvimentista nacionalista, foi o grande articulador
militincia intelectual do pais. Naquele passado origindrio, alguns do Plano de Metas no que se refere d industria automobilistica,
desenvolvimentistas nacionalistas que viriam a destacar-se nos anos trazendo ao pafs as grandes empresas internacionais. A restrigio
50 fizeram o seu aprendizado junto aos pioneiros. Foi o caso, por que fariam, nesses casos, dizia rvespeito & necessidade de controle,
exemplo, de Romulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Américo sobretudo ma questio das remessas de lucros, que consideravam
Barbosa de Oliveira ¢ Tomds P. Accioly Borges. uma séria ameaga ao equilibrio do balango de pagamentos e, por-
Os desenvolvimentistas nacionalistas defendiam, como os demais tanto, ao prosseguimento da industrializagiio.
desenvolvimentistas, a constituicio de um capitalismo industrial Em resumo, a preocupagio dos desenvolvimentistas naciona-
moderno no pafs, Tinham, como principal trago distintivo, uma listas era garantiv o processo de industrializagiio. Dessa muneira,
decidida inclinagio pela ampliagio da intervengio do Istado na tanto podiam entusiasmarse com inversdes estatais em setores que
economia, através de politicas de apoio & industrializagio, integradas, consideravam estratégicos quanto com inversdes estrangeiras em
na medida do possivel, num sistema de planejamento abrangente ¢ setores cuja implantagio pederia seguir, em sua opinifio, o curso
incluindo investimentos estatais em setores bisicos. Tratava-se de privado, sem prejuizo do processo como um todo.
um conjunto de técnicos de Grgdos do governo gue pautavam sen Ainda assim, pensavam, mesmo os investimentos privados deve-
exercicio profissional pela ideologia da industrializagio planejada riam obedecer i ordenagio de um planejamento econémico. A
como solucio histérica para o atraso da cconomia e da sociedade industria automobilistica, por exemplo, foi montada sob a orien:
brasileiras. Consideravam que a acumulagio de capital nos setores tagio do Plano de Metas, num estilo de programagio saudado pelos
estratégicos ndo podia aguardar a iniciativa e o arbitvio do capital desenvolvimentistas nacionalistas como um progresso em termos de
cstrangeiro e necessitava de controle ¢ comando interno de agentes orientacio e controle da economia brasileira. O Plano de Melas
capitalistas nacionais, Vale dizer, do Estado, jd que era consensual correspondia, contudo, em sua opinifo, a wma programagio ainda
que a debilidade do empresariado nacional inviabilizava solugdes insuficiente: n3o tinha a abrangéncia que imaginara Roberto Simon-
privadas. Eram céticos quanto is possibilidades de contribui¢io do sen e que preconizavam Américo Barbosa de Oliveira, Romulo de
capital estrangeivo na fundagfo dos alicerces da estrutura industrial Almeida, Octdvio Dias Carneiro e os demais desenvolvimentistas
a ser formada. Particularmente no que dizia respeito aos sctores nacionalistas. Foi Celso Furtado que se incumbiu de apresentar
historicamente dominados pelo grande capital estrangeiro, como a0 pais a técnica cepalina de programagio, que constituia um modelo
transporte e energia elétrica, ou por ele cobigados, como petroleo de planejamento abrangente, ao gosto dos economistas de sua cor-
e mineracio em geral, a ideologia da industrializa¢io ganhava cono- rente. Voltaremos ao assunto mais adiante.
tagdo fortemente nacionalista e estatizante. O mesmo se dava com O desenvolvimentismo nacionalista originou-se, conforme obser-
o caso de setorcs industriais basicos, em particular com a grande vamos, no periodo 1930/45. Sobreviveu, em seguida, ao liberalismo
indéstria quimica e com a siderurgia. Por exemplo, o sistematico do governo Dutra, nos anos do imediato poés-guerra, através de
boicote de Percival Farkhar is aspiracdes mineiras de implantar uma alguns nucleos de resisténcia desenvolvimentista que contrarrestaram
industria siderdrgica no pais e a recusa da U. 8. Steel ao convite 0 esvaziamento e a extingio das agéncias criadas por Vargas. Foi o
de Vargas para que investisse no Brasil integravam a memdria nacio- caso, por exemplo, da Cexim, no Banco do Brasil, onde permane-
nalista no que dizia respeito is possibilidades de se contar com o ceram Aldo Franco e Andpio Gomes, e 0 caso da Fundagio Getulio
capital estrangeiro para a industrializagio. A lentiddo da expansio Vargas, onde até 1952 Américo Barbosa de Oliveira, Accioly Borges

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e Richard Lewinsohn editaram a revista Conjuniure Econdmica. E independente e membro ativo do grupo isebiano de primeira hora,
foi, sobretudo, o caso do Departamento Econdmico da CNI, criado o “Grupo de Itatiaia”, que fez reunides periddicas em 1952 e fun-
por Roberto Simonsen em 1946 e confiado a Rémulo de Almeida. dou o Ibesp no ano seguinte. Deve-se observar, a propésito, que o
Na revista Estudos Econémicos, publicada a partir de 1950 por historiador socialista Nelson Werneck Sodré, dedicado, desde os
esse departamento, ¢ possivel discernir, nos primeiros anos, uma anos 40, a analisar a economia industrial brasileira em formacio,
oricntagio que representou uma tentativa de composicio entre as destacou-se no Iseb mais pela militdncia ideolégica na afirmacio
idéias dos desenvolvimentistas nacionalistas e os interesses do empre- do nacionalismo do que por uma dedicagio a anilises de cunho
sariado industrial da CNL Foi nesse departamento que Almeida econdmico.
€ outros nacionalistas, como Fwaldo Correia Lima e Heitor Lima
Rocha, aguardaram seu ingresso na lideranga de novas instituicdes JA fizemos mengdo a principal caracteristica distintiva da cor-
publicas que viriam a formarse nos anos 50. rente desenvolvimentista nacionalista, ou seja, a sua defesa de uma
profunda intervencio estatal na economia, através de politicas
Almeida crion, em 1951, a Assessoria Feondmica de Vargas, orientadas por um minucioso planejamento econdmico e reforcadas
formando uma equipe com Jesus Soares Pereira, Igndcio Rangel, por investimentos estalais em setores “estratégicos”. Dois outros
Otholmy Stravch e outros. Nos escritorios do Presidente da Repi-
tragos distintivos so também encontrados numa comparagio dessa
blica estavam ainda, em outros postos de assessoria, Cleantho de corrente desenvolvimentista com as demais,
Paiva Leite e Litcio Meira.
Em primeiro lugar, seus economistas faziam uma sistemdtica
Virios desses nomes compuseram, alguns anos depois, 0 quadro
dirigente € a elite técnica da principal agéncia publica desenvolvi- defesa da subordinagiao dn politica monetiria 2 politica de desen-
volvimento ccondmico. Exam, nesse ponto, aliados dos desenvolvi-
mentista do pais — 0 BNDE. Durante o governo Kubitschek, Paiva mentistas do setor privade, mas dilerenciavam-se deles no que dizia
Leite e Correia Lima participaram da diretoria do Banco, onde
respeito 4 interpretagiio do processo inflaciondrio ¢ i forma de
também esteve, em cargo provisério especial, voltado para a criagiio
da Sudene, o cepalino Celso Furtado, que em combaté-lo: introduziram e difundiram no Brasil o estruturalismo
1954 e 1955 ji tra- cepalino e, salvo raras excecbes, desconsideraram as medidas de
balhara nos escritérios do Banco, no Grupo Misto Cepal/BNDE.
curto prazo para o controle inflaciondrio — que, no caso dos desen-
O grande encontro dos desenvolvimentistas nacionalistas deu-se volvimentistas do setor privado, deveriam incluir, como vimos,
em meados dos anos 50, quando Furtado e Barbosa Oliveira fun. redugdo salarial e wibutdria. O desenvolvimentista nacionalista mais
daram o Clube dos Economistas, orgio que reuniu algumas dezenas dedicado a andlise da questdo inflaciondria foi Celso Furtado. Gomo
de técnicos nacionalistas do governo federal e alguns desenvolvi- veremos nas se¢des que se seguem, a discussdo da questdio surgiu
mentistas do setor privado. Deixou sua grande marca registrada na em seus textos como desdobramento natural da argumentacio estru-
Revista Econdmica Brasileira, que circulou entre 1955 e o inicio turalista.
dos anos G0 e foi a principal difusora das idéias cepalinas no Brasil
nesse periodo. O terceivo rago que distinguia os nacionalistas das outras cor-
rentes desenvolvimentistas era a sua inclinagio politica por medidas
Um segundo importante érgio de divulgagio das idéias desen- econdmicas de cunho social. Em sua grande maioria, os economistas
volvimentistas nacionalistas foi a revista Cadernos do Nosso Tempo, nacionalistas eram pessoas particularmente preocupadas com as con-
editada pelo Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Politica digoes de desemprego, pobreza ¢ atraso cultural da populagio bra-
(Ibesp) entre 1953 ¢ 1956. O Thesp e seu sucessor, o Iseb (Instituto sileira, e com o arcafsmo das instituicdes vigentes no pais, fosse no
Superior de Estudos Brasileiros), foram instituicdes basicas de for- campo ou no interior da administragio estatal,
mulagio ¢ difusio da ideologia nacionalista entre 195% e 1964, Nio se deve, porém, exagerar a importdncia desse aspecta do
Reunivam um grupo de destacados socidlogos, filésofos e historia-
pensamento dos nacionalistas. T'ratase de um traco menos marcante
dores, como Helio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Roland Corbisier, que a posigio que assumiam frente a guestdes monetdrias, e em
Vieira Pinte, Cindido Mendes ¢ Nelson Werneck Sodré. Na rea nada compardvel & énfase que davam i defesa da intervengio estatal
de reflexio sobre a economia brasileira, nfo tiveram, contudo, a na economia. Nas décadas de 40 e 50, a mensagem bdsica que seus
expressio do Clube dos Economistas, limitando-se a abrir espago a Lextos transmitiam limitavase, praticamente, a apontar para a indus.
divulgacio de idéias como as dos estruturalistas Ewaldo Correia Lima trializagio como processo transformador, capaz, em si mesmo, de
e Heitor Lima Rocha, A militincia intelectual mais importante
minar os alicerces conservadores da sociedade ¢ viabilizar a superaciio
nesse érgéo, por parte de economistas, coube a Rangel, pensador
da miséria, Contribuiram para isto nio somente a esperanga ¢ o
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fosse a imprecisdo da expressio —, tenham-se posicionado, naquele


otimismo dos anos 50, mas também o fato de que as tarefas pro- momento histérico, a favor das reformas de base e da reforma
gressistas que sc apresentavam aos técnicos de governo que formavam agraria: faltou-lhes tempo para amadurecercm uma redefinicdo aca-
a corrente desenvolvimentista nacionalista estavam, a nivel de sua
atuagio profissional, inteiramente situadas no plano do que se pode
bada do projeto desenvolvimentista que incorporasse proposi¢des
chamar de viabilizagio do ‘desenvolvimento das for¢as produtivas”. concretas sobre reformas de base e questdes sociais num projeto
econdmico e social politicamente vidvel.
Na drea de relages de produgio (entre capital e trabalho), a
excecio da dedicagiio, por parte de Tomds P. Accioly Borges, a Ainda assim, aquele fol um momento em que cssas questoes
problemdtica da rcforma agriria, 0 que se observa, pelo menos até passaram a integrar a reflexdo econdmica dos desenvolvimentistas
fins dos anos 50, ¢ uma relativa omissio, que evitou, inclusive, as nacionalistas sobre a saida para a crise brasileira. Momento, portanto,
discusses sobre reajustes salariais, Nesse ponto, os nacionalistas bem distinto da déeada anterior, em que esses economistas dedica-
mantiveram somente uma discreta e vaga posicio de defesa do prin- vam-se a um projeto em que o lugar que cabia 4 reforma no nivel
cipio de elevagio do saldrio real proporcional aos aumentos da produ: da distribuigio de renda, e sobretudo da propriedade rural, era
tividade, Apenas um campo de preocupaces sociais receben propo- inteiramente secunddrio relativamente ao das preocupagbes com
sicies Teformistas relativamente abrangentes, ou seja, o das desi- investimentos voltados para a industrializagio. Nessas questdes, como
gualdades vegionais. Como se sabe, a questo foi analisada pela nas outras que caracterizam o desenvolvimentismo nacionalista, as
Assessoria Econdmica de Vargas em 1958, na ¢poca em que Romulo analises de Furtado sdo representativas dessa corrente de pensamento.
de Almeida criava o Banco do Noideste, ¢ foi revista e reforgada,
por iniciativa de Celso Furtado, nos anos de criagio da Sudene.
A “f¢” na industrializagio como via de supera¢gio da miséria
era, sem dudvida, otimista e mesmo ingénua, mas estava longe de 11.4.2 — O Pensamento de Celso Furtado
ser conservadora. Afinal, 0 amadurecimento politico da sociedade
brasileira nfo permitiu, antes do final des anos 50, a politizagio
II1.4.2.1 — Introducio
do debate desenvolvimentista ao nivel da discussio de reformas
progressistas que tangenciassem as questSes bdsicas associadas as
relagdes de producio entre classes sociais. Celso Furtado foi o grande economista da corrente desenvolvi-
Por isto, embora o ‘“reformismo’” dos desenvolvimentistas nacio- mentista de tendéncia nacionalista no Brasil. Co-autor das teses
nalistas contribuisse para diferencid-los das outras correntes de estruturalistas, aplicou-as ao caso brasileiro e divulgou-as no pais
pensamento, nfo chegou a ser fundamental para o cerne do que com grande competéncia, dando consisténcia analitica e garantindo
constitufa o elemento definidor de seu pensamento. Em outras unidade minima ao pensamento econdmico de parcela significativa
palavras, nfo constituiu elemento essencial 2 definicfio de seu projeto dos técnicos governamentais engajados no projeto de industrializacdo
bdsico, ou seja, da proposta de garantir a presenga maci¢a do Lstado brasileira. Sen félego inesgotivel e sua admirdvel capacidade de
na economia, de modo a viabilizar a superagio do subdesenvolvi- combinar criagio intelectual e esforgo execulivo, assim como sua
mento e a emancipagiio econdmica e politica através de um processo habilidade e senso de oportunidade para abrir espago As tarefas
de industrializacfo. desenvolvimentistas que propagava, explicam a enorme lideranga
No inicio dos anos 60, a conjuntura de crise comporia um que exerceu entre os economistas da época, Tornou-se, indiscurivel-
cendrio intelectual confuso em que as mensagens da corrente desen- mente, uma espécie de simbolo da esperanca desenvolvimentista
volvimentista nacionalista, para serem definidas com a incorporagio brasileira dos anos 50.
da problemdtica social, necessitavam de tempo superior ao que foi
dade pela histéria brasileira, que vedou participagao politica a esses Furtado graduouse em Diveito na Universidade do Brasil, em
economistas através do golpe militar de 1964. Foram [eitas tentativas, 1943, aps o que ingressou no quadro téenico do Dasp. Obteve
as quais nos referiremos em outra parte do trabalho, mas no essencial bolsa de estudos para douteramentp em Economia em Paris, onde
o projeto desenvolvimentista nio chegou a ser reelaborado. Pouco estudou entre 1946 e 1948. Em 1949 foi convidado, através do Dasp,
importa, nesse sentido, que os economistas nacionalistas, seguindo para transferiv-se para a recém-criada Cepal, em Santiago, onde
inclinagiio tradicionalmente progressista e reformista — que permi- trabalhou, sob a chefia de Prebisch, na elaboracio das teses cepalinas,
tiria, talvez, a denominacfio de “social-democratas de esquerda”, nfo de 1949 e 1953. Nesse tltimo ano concluia o livre 4 economia bra-

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sileira, que ¢ uma andlise estruturalista da histdria econdémica brasi- QO trabalho intelectual de Furtado, no periodo que vai até
leira. Com alguns aperfeicoamentos, subtragdes e ampliacdes, o estudo 1964, corresponde a um criativo exercicio de refinamento, aplicagio
transformou-se nos anos subseqiientes no cldssico Formagio econd- e divulgagio do pensamento estruturalista. Um proposito basico,
mica do Brasil, desde entdo uma espécie de livro-texto obrigatdrio e também uma funcio efetiva desse trabalho, foi consolidar, entre
em todas as universidades brasileiras, e certamente a obra sobre os desenvolvimentistas nacionalistas brasileiros, um entendimento
economia brasileira mais lida no Brasil e no exterior. minimamente homogéneo da problemitica do subdesenvolvimento
Em 1954 e 1955, de retorno ao pafs, chefiou o Grupo Misto do pais, e o de equipd-los com arma tedrica para combater as and-
Cepal/BNDE, onde elaborou um estudo de apoio a um programa lises e propostas das correntes adversirias. Mas no foi 56 por isto
de desenvolvimento para o perfodo 1955/62, que constitufa a pri- que Furtado tornou-se o economista mais representativo do grupo.
meira aplicacio da recém-elaborada técnica de programagio da Cepal. Essa condicio deveu-se também ao fato de que sua obra contém, de
Nesses dois anos de crise na vida politica brasileira, liderou a for- forma elaborada, as trés caracteristicas que, no seu conjunto, singu-
magio do Clube dos Economistas e da Revista Econémica Brasileira, larizam o conteudo politico do pensamento econdmico dessa corrente,
que congregava a nata dos técnicos desenvolvimentistas que serviam relativamente ds outras correntes desenvolvimentistas.
o governo federal no Rio de Janeiro. O objetivo mais ou menos Em primeiro lugar, contém uma defesa da lideranga do Estado
6bvio e explicito era contribuir para a consolidagio de uma base na promogio do desenvolvimento, através de investimentos em se-
ideoldgica para o projeto desenvolvimentista, através da participagio tores estratégicos e, sobretudo, de planejamento econdmico. Furtado,
no debate econdmico do pafs. assim como os demais economistas de sua linha de pensamento, nio
Furtado langou, em 1957 e 1958, as sementes das propostas que dispensava a contribuigfo do capital estrangeiro, desde que limitada
rapidamente se transformariam na Sudene, gragas ao resoluto apoio a setores nio-estratégicos e submetida a controles. Sua conceituacio
de Juscelino Kubitschek, que se encantara com a idéia sob a in- da questdo ¢ originada em torno da idéia de que s0 através da coor
fluéncia de um amigo comum, Cleantho de Paiva Leite, entéo diretor denagdio estatal é possivel internalizar os centres de decisio sobre
do BNDE. O projeto Operagio Nordeste (Opene) foi articulado os destinos da economia brasileira e romper com as relagdes de
no proprio BNDE, onde Furtado ocupou uma diretoria especial, submissdo ao comando tradicional dos paises desenvolvidos, ou seja,
criada para orientar o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento s6 através de decidida agfio estatal seria possivel a emancipagio
do Nordeste (GTDN), que elaborou o projeto Sudene. De 1959 ccondmica nacional. Em segundo lugar, a obra de Furtado contém a
a 1962, chefiou a Sudene em Recife, sua cidade natal. De 14 e do defesa cstruturalista da submissio da politica monetdria e cambial a
planejamento regional, transferiu-se para Brasilia e para o plane- politica de desenvolvimento, base da argumentacio nacionalista em
jamento nacional. Ocupou entio o cargo de Ministro Extraordindrio oposi¢io aos programas de estabilizagio preconizados pelo FML
de Planejamento, criado, pode-se assim dizer, para legitimar a divul- Finalmente, sua obra revela um compromisso com reformas de cunho
gagio do Plano Trienal, de cuja redagio fora incumbido pelo Pre- social. A preocupacio com essas reformas ganha espago crescente
sidente Jodo Goulart e pelo Ministro da Fazenda, San Thiago Dantas. em scus textos, iniciando-se pela defesa de tributagio progressiva,
A publica¢io do Plano, em dezembro de 1962, ja foi feita em meio a passando ao projeto de desconcentragio regional da renda (Sudenc)
uma profunda e crescente crise econdmica e politica, que rapida- c atingindo o apoio a reforma agrdria.
mente o afastaria do novo cargo e, pouco mais de um ano depois, Nossa resenha iniciase pelo exame da orientagio analitica do
da propria vida nacional. pensamento do autor e sua contribui¢iio a teoria estruturalista (que
Nesse percurso, além dos estudos de planejamento e da obra inclui sua obra de histéria econdmica brasileira, avaliada no Apén-
sobre histéria econdmica brasileira, produziu um grande ntmero de dice da presente seco). Em seguida, abordamos os trés aspectos
artigos e conferéncias e quatro livros [Furtado (1958, 1961b, 1962 e acima apontados, iniciando pela andlise do seu pensamento relativo
1964) ]. O mais importante deles é Desenvolvimento e subdesenyol- aos problemas de inflagfio ¢ balango de pagamentos, passando entdo
vimento, que reine os artigos redigidos nos anos 50, em que se ao exame de sua visio do papel do Estado e do capital estrangeiro
posiciona diante da problematica tedrica do desenvolvimento e apre- e finalizando pelo exame de sua posi¢io com relagio as questdes
senta a perspectiva tedrica estruturalista. distributivas.

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111.4.2.2 — Orientagiio Analitica renda da economia escravista exportadora era exatamente limitada
por efeito de uma combinagio de elementos que faziam com que
I111.4.2.2.1 — Observagdes Introdutdrias os impulses externos se esgotassem no interior do préprio setor
expertador; e por eutro, além desse “keynesianismo pela negativa”,
o principio ¢ empregade também de forma positiva, como, por
Furtado foi um dos principais autores da escola estruturalista.
exemplo, na argumentagio de que o advento do trabalho assalariado
Bem de acordo com o espirito da escola, seguiu A risca a atitude
na economia cafeeira representara a condigio bdsica para que o
preconizada pelo mestre Prebisch. Dele provavelmente leu, ainda
impulso externo pusesse em marcha um efeito cumulativo de ex-
sob a forma de manuscrito, em Santiago, em 1949, a passagem do
pansdo da produgdo c¢ da renda. Dito de outra forma, Furtado
“Manifesto Latino-Americano” em que exortava os jovens econo- acreditava — como, alids, bom ntimero de analistas do subdesenvol-
mistas do continente 4 independéncia teérica na tarefa de analisar vimento — que a dindmica de crescimento econdmico nos paises
as realidades latino-americanas ¢ 2 contestacgdo do “lalso senso de
periféricos era dada por pressio da demanda, diferentemente do
universalidade” que, segundo pensava, existia na teoria econdmica
modelo cldssico ou schumpeteriano.
empregada nos paises desenvolvidos [Prebisch (1949, p. 17)].
Uma outra dimensio do pensamento de Furtado, que reforga
Prebisch escreveu seus desafios num momento em que sua uma certa “aura keynesiana” em sua obra, € sen posicionamento
propria equipe, que inclufa Furtado, concebia us bases da teoria diante da questdo do planejamento, que defendia com entusiasmo,
estruturalista do desenvolvimento econdmico. Furtado participou como alids, fazinm os <demais autores cepalinos, Nesse sentido, como
da formulaciio inicial dessa teoria e deu diversas contribuicdes ao seu ¢ dbvio, 0 termo “keynesiano” lem um sentido apenas simbolico,
desenvolvimento. No desenrolar do debate publico sobre politica eco- aplicando-se com o significado de que, como os seguidores de Keynes,
ndmica e desenvolvimento, foi levado a dar substincia is teses cepa- os estruturalistas desafiavam a idéia de que 6 sistema econdmico
linas e a reformuld-las, para acionar as duas fungdes que a teoria tende a um equilibrio automatico e a eficiéncia maxima, desde que
estruturalista perfazia, ou seja, a de atacar as politicas econémicas garantida a livre movimentacio das forcas de mercado. Nessa atitude
liberais, amparadas pela teoria ccondmica convencional, e a de de desafio a teoria econdmica convencional ¢ na conclusio pela
propor medidas alternativas, de cunho desenvolvimentista. necessidade de intervengdo governamental csgotase, porém, a se
Além de estruturalista, Furtado era um keynesiano. Um keyne- melhanga. O planejamento, na perspectiva keynesiana, destinase a
siano atipico, pode-se dizer, porque, dado o seu entendimento das reconduzir o sistema econdmico i sitvagiio de pleno emprego e al
caracteristicas das economias subdesenvolvidas — insuficiéncia de preservi-lo. No estruturalismo, destinase a coordenar os esforgos de
poupanca, ao invés de cxcesso, como nas desenvolvidas —, no cabia, industrializacio, de forma a reunir condigdes para superar os obs
em geral, uma aplicagio da macroeconomia keynesiana de forma taculos estruturais que dificuttam o desenvolvimento.
idéntica a da andlise de cconomias maduras, isto é, para lidar com Faremos, na seciio seguinte, um resumo das caracterfsticas bd-
a problemdtica anticiclica. Sua famosa andlise da recuperagio bra- sicas do pensamento estruturalista do autor, através de um exame
sileira do inicio dos anos 30 pode ser considerada, nesse sentido, de suas contribuicdes a teoria cepalina do desenvolvimento econd-
uma exceciio [Furtado (1979, Cap. XXXI)]. mico. Cabe observar, a titulo introdutério, que a dedicagfio de Furtado
O keynesianismo nas obras de Furtado foi, quase sempre, de a essa tarefa ndo deriva apenas da recusa da visio estitica das
natureza distinta, correspondendo mais propriamente a uma derivagio vantagens comparativas do comércio internacional, nem tampouco
de andlise macroecondmica de inspiracdo keynesiana. Encontrava-se, apenas da recusa da interpretagio convencional de que o déficit
ademais, perfeitamente integrado com o restante da andlise estrutu- externo dos pafses latino-americanos ¢ conseqiiéncia da inflacgdo.
ralista. Consistia essencialmente no fato de que seus estudos estru- Esse foi, talvez, apenas o ponto da partida de sua rebeldia de cunho
turalistas sobre histéria econbémica brasileira e sobre economia cepalino. No caso de Furtado, a ohediéncia a4 mensagem de Prebisch
brasileira de um modo geral estavam recobertos pela nocio de que imclui uma decidida busca de toda uma teoria adequada ao enten-
o mercado interno constitui um elemento essencial de dinamizagio dimento do subsenvolvimento latino-americano. E inclui a frustra-
da produgiio e da renda. Esse principio, que guarda certa analogia ¢io de quem ndo encontrava na teoria econdémica o instrumental
com o de multiplicador, orienta a andlise do autor em dois sentidos: analftico desejado. Na verdade, Furtado era cético mesmo no que
por um lado, Furtado explica, por exemplo, como a expansio da dizia respeito 4 utilidade do instrumental tedrico disponivel para

160

1
A RR ——

a analise do problema do desenvolvimento das prdéprias economias d) teorizacdo sobre inflacfio; e


maduras. No ultimo capitulo de A economia brasileira, por exemplo, €) teorizacio em favor da industrializa¢io, protecionismo e
apés um exame do que considerava os principais elementos consti- planejamento.
tuintes das teorias cldssica e neocldssica, da visio schumpeteriana e da
perspectiva keynesiano-estagnacionista, concluiu:
+ No caso da obra de Furtado, torna-se desnecessirio um exame
“As observacdes feitas anteriormente pdem em evidéncia em separado das questdes da teorizacio sobre inflacio e da teorizagfio
que o problema do desenvolvimento ocupou sempre um segundo em favor de uma medida favordvel a uma estratégia de planejamento,
plano na ciéncia econdmica. As atences dos economistas, até como fizemos naquela secdo, sendo suficiente considerd-las em con-
o presente, tém-se concentrado nos problemas relativos a repar- junto com a questio da visio cepalina de que a industrializagfio peri-
ticio do produto social, as flutuacbes no nivel dos precos e a férica é problemidtica. Furtado fazia andlises estruturalistas da in-
insuficiéncia periédica do gran de ocupagio da capacidade flagilo, com grande independéncia da sistematizacido do tipo que
produtiva. A andlise dcsses problemas tem levado, uma vez seria produzida por autores como Noyola Vdsquez, Sunkel e Pinto,
ou outra, algum tedrico a tecer consideragdes marginais sobre mas nio se pode dizer que o assunto tenha merecido de sua parte
o problema do crescimento a longo prazo. E de uma maneira um esforco de teorizacio semelhante ao que se verifica no caso desses
geral essas consideragBes ttm conduzido antes i formulagio de autores. Tampouco teorizou, como Prebisch, sobre termos de troca e
uma teoria da estagnacgio que do desenvolvimento” [Furtado protecionismo, e sua defesa de planejamento aparece como um coro-
(1954, p. 245): lirio da andlise da “industrializacio problemdtica”. Restringimo-nos,
por isto, no que se segue, aos trés primeiros desses pontos.
O autor nio chega a fazer considera¢des sobre a aplicabilidade a) A Caracterizagio do Subdesenvolvimento como Condigio
desse instrumental ao caso das estruturas subdesenvolvidas. Mas a da Periferia
intencdo de sua abordagem ¢ bastante clara: prende-se A sua convicgdo
sobre a necessidade de formular uma construgio tedrica prépria & Como vimos, o subdesenvolvimento, na acepgio dos textos pio-
analise do subdcsenvolvimento. E, por certo, essa a raziio que o leva a neiros de Prebisch e da Cepal, corresponde a existéncia de uma
reeditar 0 mesmo capitulo no livro Desenvolvimento e subdesenvol- estrutura econdmica heterogénea na periferia. Por forca de sua
vimento, publicado varios anos depois, e que estd organizado dc relagio com as economias desenvolvidas, coexistem nos paises peri-
forma a legitimar a teoria estruturalista de subdesenvolvimento. féricos setores modernos, dedicados essencialmente a atividades de
Vejamos, finalmente, quais as relagdes entre a obra de Furtado e exportagiio, ¢ um extenso setor de subsisténcia que opera a niveis
o quadro analitico estruturalista. de produtividade muito inferiores aos observados nos primeiros.
Em conseqiiéncia, o desenvolvimento dos pafses periféricos pode
ser entendido como um processo de homogeneiza¢io dos niveis de
II71.4.2.2.2 — O Tratamento de Elementos Fundamentais do produtividade em todo o sistema econémico. Em vista de uma abso-
Quadro Analftico Estruturalista luta insuficiéncia de expansiio dos mercados de exportagiio, tal homo-
geneiza¢io sé seria vidvel mediante um processo de industrializacdo.
Para uma avaliagio do estruturalismo de Furtado convém A obra de Furtado contém um esforco sistemdtico de refina-
tomarmos por base a sistematizagiio (feita pouco atris, no Capitulo mento dessa proposicio estruturalista central da interpretacio cepa-
II, Seco 11.3, da Introdugiio Geral) da teoria de Prebisch e da lina, feito através de um trabalho de andlise histérica. Além do
Cepal. De acordo com aquela sistematizacio hd cinco elementos estudo sobre histéria econdmica brasileira, que comentaremos mais
bésicos no enfoque cepalino: adiante, o trabalho mais expressivo nesse sentido é a série de artigos
reunidos no livro Desenvolvimento e subdesenvolvimento. O ponto
a) conceituaciio do subdesenvolvimento periférico; bdsico que recobre a andlise do autor, no livro, & a idéia de que
b) identificacdo da industrializagio esponténea, compreensio o subdesenvolvimento nfo corresponde a uma etapa histérica’ comum
de seu significado e¢ da sua dinimica basica; a todos os pafses, mas a uma condicfio especifica da periferia do sis-
c) visio da industrializagiio periférica como processo histérico tema capitalista, a um resultado histérico da evolugio da economia
sem precedentes ¢ problem4tico; mundial desde a Revolucio Industrial.

162 163
A explicagfio do autor parte da conceituagio do processo histo- densamente povoadas, com seus sistemas econémicos seculares,
rico de desenvolvimento do tipo cldssico. O subdesenvolvimento de variados tipos, mas todos de natureza pré-capitalista. O
seria um subproduto desse desenvolvimento, ou seja, uma estrutura contato das vigorosas economias capitalistas com essas regides
produtiva historicamente determinada pelo desenvolvimento do capi- de antiga colonizagio nio se fez de maneira uniforme. Em
talismo europeu. Teria, ademais, caracteristicas inteiramente distintas alguns casos; o interesse limitou-se a abertura de linhas de co-
dos sistemas econdmicos que lhe deram origem. mércio. Em outros, houve, desde o inicio, o desejo de formentar
Furtado faz uma apreciacio sobre os elementos dinfmicos bd: a producdo de matérias-primas, cuja procura crescia nos centros
sicos de desenvolvimento industrial do tipo cldssico que servem de industriais, O efeito do impacto da expansio capitalista sobre
contraponto a seu argumento de que o efeito do desenvolvimento as estruturas arcaicas variou de regifio para regifio, ao sabor
do capitalismo europeu sobre esiruturas econbmicas atrasadas resul- de circunstincias locais, do tipo de penetraciio capitalista e
tara na formacao de wma estrutura econdmica totalmente distinta, da intensidade desta. Contudo, a resultante foi quase sempre
nesses paises, relativamente aos primeivos. No desenvolvimento clis- a criagdo de estruturas hibridas, uma parte das quais tendia
sico, a evolugio tecnoldgica, que teria tornado mais ou menos homo- a comportar-se como um sistema capitalista, a outra, a manter-se
gfneo todo o sistema produtive, decorrera das condigdes historicas dentro da estrutura preexistente. Esse tipo de economia dualista
particulares, ou seja, resultara dos determinantes histéricos da tran- constitui, especificamente, o fenémeno do subdesenvolvimento
siglo do capitalismo comercial zo capitalismo industrial, e da es contemporaneo.
cassez relativa da mao-de-obra. A histéria da formaciio das estruturas O subdesenvolvimento ¢, portanto, um processo histdrico
subdesenvolvidas teria sido bem outra. auténomo, e ndo uma etapa pela qual tenham, necessariamente,
I. nesse ponto que 0 autor procede a uma caracterizagio do passado as economias que jd alcancaram grau superior de desen-
subdesenvolvimento periférico’ que corresponde a um importante volvimento” [Furtado (1961b, p. 173) 1].
refinamento da conceituagio estruturalista original. Sua formulagio
da questdo abrese com a seguinte idéia: “o advento de um nicleo Como nos textos da Cepal, o desenvolvimento é visto pot
industrial, na Europa do séeulo XVIII, provocou uma ruptura Furtado como um processo de homogeneizagio dessas estruturas
na economia mundial da época e passou a condicionar o desenvolvi- hibridas mediante o processo de industrializagio. O livro Desenvolvi-
mento econdmico subsegiiente em quase todas as regides da terra. mento e subdesenvolvimento, onde consta a andlise acima, ja é,
A ago desse poderoso nucleo dinimico passou a exercer-se em trés porém, de uma fase do desenvolvimento latino-americano em que
diregdes distintas” [Furtado (1961b, pp. 171-2) 1. . ganhara terreno a idéia mais pessimista de tendéncia 4 perpetuacio
A primeira dessas direcGes teria consistido no proprio desen- do subdesenvolvimento, mesmo em caso de profunde avanco no
volvimento industrial dos paises da Europa Ocidental, A segunda processo de industrializagio.
corresponderia ao deslocamento das fronteiras de atividade econdémica O autor retoma nesse livio a visio de Prebisch de que a indus
desses - paises. a terras ainda desocupadas, com caracteristicas seme-
trializagio periférica tende a reproduzir o padrio tecnolégico da
lhantes as da Europa. Esse teria sido o caso da Austrdlia, do Canada
inddstria desenvolvida. Enlatiza-a através da idéia de que o novo
e dos Estados Unidos, cujas economias, naquela fase, teriam sido
nucleo industrial é formado num processo de permanente compe-
“simples prolongamento da economia industrial européia”, e de ticio entrc a industria nacional e os produtores externos, o que
regides para onde a populagiio imigrante trazia “a técnica e os implica a adocio, pelos empresdrios locais, das mesmas técnicas in-
hébitos de consumo da Europa”, e onde encontrava abundincia tensivas em capital empregadas nas economias mais avangadas. A
de recursos naturais que lhe permitiam niveis de produtividade e idéia é entdo empregada como base para a afirmagio de que hd
renda bastante altos. Finalmente, a terceira linha de desenvolvi- dificuldade em alterar a estrutura ocupacional nos paises subdesen-
mento do capitalismo industrial europen resultariz na formagio das volvidos, mesmo em caso de intenso processo de industrializagdo.
estruturas econdmicas subdesenvolvidas. Convém reproduzir o argi- ‘Torna-se compreensivel, entdo, o fato de que uma economia, “onde
mento em toda sua extensio: a produgio industrial ja alcangou elevado grau de diversificaglio e
tem uma participagio no produto que pouco se distingue da obser-
“A terceira linha de expansio da economia industrial eu- vada em pafses desenvolvidos, apresente uma estrutura ocupacional
ropéia foi em direcAo
EJ
as regiBes
[=]
ja ocupadas, algumas delas tipicamente pré-capitalista, e que grande parte de sua populagio

164
esteja alheia aos beneficios do desenvolvimento” [Furtado (1961b, vale do Rio Doce e Companhia Sidertirgica Nacional, ambas estatais.
p. 185) J. O autor acrescenta, em outra passagem, que, se a SUPEracio Refere-se 4 mesma como “uma conquista de grande importincia”,
do subdesenvolvimento corresponde 2 eliminagio da disparidade por aliviar a pressio sobre o balango de pagamentos € pela fungio
que pode ser medida pela estrutura ocupacional, ¢é per- estratégica que desempenha num processo de industrializacgo.
tecnolégica,
feitamente possivel que o processo de industrializagio em paises da A atenglio do autor 4 dinfmica do processo histérico que se
periferia conserve inalterado seu gran de subdesenvolvimento. desenrolava no Brasil aparece, porém, com maior clareza, num
ensaio publicado na Revista Brasileira de Feonomia em 1950, mesmo
b) A Industria como Novo Pdlo Dinimico ano em que se divulgava o Estudo econdmica da América Latina da
Cepal. Esse texto, precursor dos estudos do autor sobre a [ormagio
Em nossa apreciagio anterior da teorin estruturalista, mencio ccondmica do Brasil, contém uma seco denominada “Crise de
namos, como segundo elemento bdsico do enfoque cepalino, sua crescimento e desenvolvimento do mercado interno”, onde o autor
anglise do processo de industrializagdo em curso, que correspondeu refere-se a crise de 1929 como marco do final de uma fase evolutiva
a uma descoberta ou a uma tomada de consciéncia de uma nova da economia brasileira, a partir da qual a massa de inversdes des-
dindmica de crescimento que se teria iniciado nos anos 30. Furtado locar-se-ia do setor exportador para setores do mercado interno.
foi provavelmente o autor cepalino mais atento a essa dindmica. Esse redirecionamento teria sido estimulado por um “impulso subs-
Na fase de langamento das teses estruturalistas, a énfase dos titutivo 4 produgio interna”, dado pela necessidade de reduzir
textos de Prebisch era que a industrializacdo representava a solugio drasticamente as importagdes, O proprio autor resume sua inter-
a que deveriam dedicar-se os paises latino-americanos para superar pretaciio a respeito dos determinantes do crescimento na nova fase:
o subdesenvolvimento, Esses textos tém o sentido geral de defesa
de um amplo projeto. E nesse sentido que Hirschman apelidou o “Dois fatores, cm sintese, atuaram de forma convergente:
ensaio de Prebisch de 1949 de “Manifesto Latino-Americano”, J4 a) a reducio do coeficiente de importacies das classes de
a essa época, distintamente, 0 que predominava nos escritos de médias e allas rendas, e §) a impossibilidade de continuarem
Furtado era uma preocupaciio algo diferente, qual seja, a de entender no mesmo ritmo as inversdes no setor de economia colonial.
a dinimica do processo de industrializacdo em pleno curso. O choque causado pela crise externa deu, assim, 4 economia
brasileira oportunidade de desenvolver seu mercado interno”
A seco do estudo econdmico da Cepal de 1949 dedicada ao [Furtado (1950, p. 28) 1.
Brasil ¢ elaborada por Furtado é um bom exemplo disso. O texto
é aberto com a seguinte afirmagio:
Essa andlise reaparecerd, no livro sobre a formagio econdémica
“O Brasil ¢é talvez o pals latino-americano onde sido encon- brasileira, como uma idéia-mestra explicativa da transi¢do para uma
tradas as mais claras manifestagdes dos fenémenos dinimicos economia industrial. Ganhard, af, o titulo de “deslocamento do
de um sistema econdmico em pleno desenvolvimento” [Cepal centro dinimico”, que se transformou numa espécie de paradigma
(1949, p. 193)]. da andlise da histéria econémica brasileira da primeira metade do
século XX.
Seguem-se entdo o registro da ocorréncia de um persistente ¢) A Industrializagio Periférica como Processo de Desenvolvi-
desequilibrio externo, dado pela disparidade entre as taxas de
mento sem Precedente Histdrico e Problemitico
crescimento da renda e da capacidade de importar, € a conclusdo
de que, “para conwrarrestar essa tendéncia no desequilibrio e ao O terceiro ponto de nossa avaliagdo anterior da teoria estru-
mesmo tempo assegurar acréscimo nas importagdes de determinados turalista dizia respeito a interpreta¢io cepalina da industrializagio
tipos de bens, o Brasil foi crescentemente obrigado a substituir periférica como um processo sem precedentes na histéria universal,
outros bens importados por bens similares de produgfio interna” € como um processo problemadtico.
[Cepal (1949, p. 196)]. Lé-se entdo a afirmagio de que a composigao Em primeiro lugar, de acordo com aquela escola, ele teria
das importagoes estava sendo alterada de modo a “satisfazer as consistido num processo de homogeneizagio dos niveis de produti-
necessidades do desenvolvimento econdmica™. vidade de cstruturas econOmicas duais formadas no perfodo de
O mesmo estudo dd também grande destaque 4 industria brasi- especializacio em atividades de exportacio. Sendo a heterogeneidade
leira de ferro e aco — entdo liderada pelas recém-criadas Companhia dessas estruturas o ponto de partida do processo, esse desenrolar-se-ia

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SR NY |
comprometido com uma escassa capacidade de poupanca, tanto mais Furtado (1961b) jd definia “‘grau de subdesenvolvimento” como
quanto maior fosse a parcela da populagio subempregada nos setores uma medida dessa heterogeneidade, dada pela relagdo entre a mio-
de subsisténcia. O problema acirrava-se pela adogdo de técnicas de-obra ocupada nos setores "‘pré-capitalistas” ¢ a forca de trabalho
intensivas em capital, o que constituia mau uso da escassa poupanca total. No mesmo texto, enfatizava a possibilidade de perpetuagio
disponivel e desperdicio do recurso abundante — trabalho. do subdesenvolvimento, mesmo em meio 3 intensa industrializaciio,
Em segundo lugar, consistiria num processo de produgio local em fungiio do uso de técnicas intensivas em capital em estruturas
de bens destinado a suprir uma sofisticada estrutura de demanda tecnoldgicas fortemente duais.
e desencacdeado por subita quebra da capacidade de importar. Dile- O problema da perpetuagio do subdesenvolvimento foi, entre
riria, assim, do desenvolvimento cldssico, em que a cstrutura da as questdes associadas 4 heterogeneidade tecnolégica, 0 que mais
demanda e a dinimica de crescimento resultavam essencialmente parecia preocupar o autor. Sua hierarquiza¢iio de preocupagdes nio
do progresso técnico e de outras condi¢Ses restritas ao processo era, alids, diferente da que se observava na maioria dos estudiosos
produtivo. A industrializacio periférica, que ja nascia atrelada a dos problemas do subdesenvolvimento. Fm primeiro plano aparecia,
um moderno padrio de demanda, caracterizava-se ainda por impor-se, como era de se esperar, a questdo da baixa capacidade de poupanca
subitamente, sobre uma estrutura produtiva pouco diversificada e dos paises atrasados. Suna posigdo com relagio a economia brasileira
com escassa integragdo vertical e horizontal. Isto implicava a neces- era, porém, otimista.
sidade de radical transformagio na estrutura produtiva através de Furtado confiava na existéncia de um amplo excedente potencial
macigos investimentos intensivos na importagio de equipamentos na economia brasileira. Seu ponto de vista, que talvez lembre mais
e matérias-primas. Nessas condigdes, a industrializa¢io substitutiva, o enfoque de Paul Baran do que o dos cstudiosos das economias
potencialmente dindmica por natureza, ficava obstaculizada pelos africanas e asidticas, era que, no caso brasileiro, que j4 teria atingido
reduzidos niveis de poupanga e por insuficiéncia da capacidade de um patamar minimo indispensdvel de produtividade, a discussio
importar. Esta insuficiéncia resultava, em primeiro lugar, da lenta sobre escasscz absoluta de poupanga deveria ser substituida pela
expansio da demanda internacional dos bens de exportagio da discussdo sobre mobilizagio da poupanca potencial. Por exemplo,
periferia e, em segundo, da deterioracio dos termos de intercimbio, num artigo de criticas as famosas conferéncias de Nurkse do Rio
que afetava também a capacidade de poupanca. de Janeiro, em 1951, em que discordou da generalizagio que o autor
O processo como um todo poderia ser visto, assim, como proble- fez do problema da “pequenez do mercado”, por considerd-la pouco
mitico. Os problemas se expressavam através de inevitdveis dese- ajustada a casos como o do Brasil, Furtado apeiou a preocupacio
quilibrios externos e desproporgdes setoriais internas — caracteristicas de Nurkse com relacio 2 formacio de capitais pela via de tributacio
estruturais que acarretavam, por sua vez, uma permanente tendéncia sobre o consumo:
a inflagio.
“Na realidade, a contribuigio mais importante do Profes-
Esses elementos nem sempre se encontravam claramente arti sor Nurkse em suas conferéncias talvez seja o modo com que
culados nos escritos dos autores estruturalistas. Correspondiam, po- relaciona a politica fiscal com a poupanca nos paises subdesen-
rém, de modo geral, ao quadro analitico bdsico das suas interpre volvidos. Embora este seja o problema central do desenvolvi-
tagdes sobre os problemas da industrializagdo periférica. Houve mento econdmico na atualidade, é ainda mal entendido. O que
momentos, inclusive, em que estiveram dispostos e combinados com falta em nossa economia ndo sdo incentivos para investir, mas
maior rigor, ou seja, em que as andlises receberam tratamento para poupar. O problema ¢ muito mais profundo do que a
formal mais acabado, como foi o caso da teorizagio sobre inflagiio. simples organizagio do mercado de capitais. Em vista dos pode-
Lntre os autores cepalinos, Furtado foi justamente wm dos que rosos estimulos ao consumo, postos em prdtica pelas economias
demonstraram maior prcocupagio cm apresentar com clareza a mais avangadas, como tdo lucidamente explica o Professor
perspectiva estruturalista. Seus escritos revelam-no permanentemente Nurkse, torna-se extremamente dificil para nossa economia, em
atento as implicagdes tedricas do emprego dos elementos acima sua presente fase de desenvolvimento, alcangar espontaneamente
descritos e consciente da necessidade de explicitar e legitimar a um elevado nivel de poupanca, Se desejamos alcancar grau
inovac¢io analitica de enfoque estruturalista. maior e mais equilibrado de desenvolvimento, devemos conceder
E esse o caso do seu tratamento da questio da “heterogeneidade prioridade mdxima ao problema da poupanga. Um pais como
tecnoldgica”’, A expressio so seria empregada a partir de meados 0 Brasil tem ampla margem potencial de poupanga, que poderia
dos anos 60 por Anibal Pinto e outros autores cepalinos, mas antes ser captada por alguma forma de poupanga -compulséria. E

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completamente irrealista pensar que no Brasil podemos voltar onde se encontra também o texto que melhor esclarece o que nas
a criar as formas de poupanga espontinea, tipica do século XIX. ocupa na presente segdo, isto ¢, a posicio de Furtado a respeito
O Professor Nurkse nio incide neste erro e, certamente, esta das condicoes de heterogeneidade estrutural e de reduzida diver-
¢ a melhor ligio que nos pode dar” [Furtado (1969, pp. 340-1) ]. sificagdo do aparelho produtivo nas economias subdesenvolvidas, e
os problemas correlatos da insuficiéncia de poupanca e de capacidade
Como sc vera mais adiante, Furtado criticou em diferentes para importar.
momentos o consumo supérfluo nas classes mais abastadas. E apre- Nitidamente, é o segundo desses problemas aquele que mais
sentou entio, como proposta, o bindmio elevagio da wributagio/ o preocupa, quando pensa em estruturas subdesenvolvidas com
investimentos estatais, como forma de aproveitamento do potencial suficiente potencial interno de poupanca.
de acumulagiio que, segundo pensava, era desperdigado na drea pri-
vada da economia, convertendo-se em consumo supérfluo. A passagem seguinte ¢ um bom momento de sua avaliagdo
Ainda com relagiio ao tratamento dessa questdo de poupanga,
do problema da insuficiéncia de capacidade para importar. Apds
¢ oportuna aqui uma digressio que objetiva auxiliar a compreensio observar que, na fase préindustrial, a dependéncia da formagdo
da metodologia analitica do autor. A leitura de seus textos permite de capital no comércio exterior relaciona-se com a provisio de
concluir que o mesmo considerava que a énfase na idéia de escassez poupancas, € nio com a expansio da capacidade para importar, o
absoluta de poupanga — expressa, por exemplo, na popularidade autor afirmou:
do conceito de “circulo vicioso da pobreza” — empobrecia, {reqiien-
“Na medida em que a estrutura econdmica foi alcangando
temente, a andlise da’ economia do subdesenvolvimento. E essa uma
os estagios intermédios e superiores do subdesenvolvimento, os
mensagem implicita do artigo de critica a Nurkse acima referido.
Em lugar disso, como dd a entender no préprio artigo, Furtado
termos desses problemas se modificaram. Com efeito: jd nfo era
inclina-se pela andlise histdrica das possibilidades dinfmicas de su- agora tanto pelo lado da poupancga que o processo de formagio
de capital se ligava ao setor externo ... Entretanto, essa inde-
peragdo da dependéncia ao comércio exterior, ou de superagio do
pendéncia, no (ue vespeita a criagio de poupanca, vem quase
proprio subdesenvolvimento, pela via de crescimento através do forta-
sempre acompanhada, nas fases intermédias do subdesenvolvi-
lecimento do mercado interno. Apresenta, nesse artigo, o enfoque
mento, de uma dependéncia maior para com a transformagio
analitico que nortearia todo seu trabalho sobre formagio econdmica
do Brasil: da poupanca em capital real... A experiéncia brasileira, no
passado recente, indica que, para um coeficiente de importagdes
“$e o impulso externo sofre solugio de continuidade quando dc cerca de dez por cento, correspondente ao conjunto da
ainda ¢ muito baixo o nivel médio de produtividade, é pro- economia, a participagdo das importagdes, no valor das inversdes
vdvel que o processo de desenvolvimento se interrompa. Mas, liquidas, alcanca cerca de um tergo, o que determina um coefi-
se a economia consegue atingir certos niveis de produtividade ciente mais de trés vezes superior ao médio” [Furtado (1961b,
que permitem uma formagdo liquida de capital de alguma pp. 1989) ].
monta, a importincia relativa dos impulsos externos no processo
de crescimento tenderd a diminuir. A medida que aumenta a O autor procede entdo a explicagio de como o processo de
produtividade, cresce a renda real e se diversifica a procura, industrializacgdo em paises subdesenvolvidos cria a necessidade de
0 que vai abrindo novas oportunidades de inversdo. ..” [Furtado ampliar a capacidade para importar. Montou wm exemplo numérico
(1969, p. 325)1. em que compara o impacto, sobre o coeliciente de importagdes, de
um crescimento econdmico acelerado em hipotéticas estruturas
Com efeito, o interesse bdsico de Furtado era a andlise do que
subdesenvolvidas em vias de industrializa¢io, com aquele resultante
ele préprio chamava de “mecanismo de desenvolvimento”, Nio ¢é
outra a razdo pela qual suas consideragdes metodoldgicas, expressas do crescimento igualmente acelerado, mas em estruturas econdmicas
no texto de critica a Nurkse, sdo reproduzidas na edig¢fio preliminar hipoteticamente desenvolvidas, Nestas, o coeficiente nfo teria, em
da Formagdo econdmica do Brasil — isto é, no A economia brasi- principio, porque se alterar. Nas primeiras, porém, ele tenderia
leira —, bem como na coletinea que reine o principal de sua a elevagio, acompanhando a drdstica alteragfio na composicio setorial
teorizacio sobre metodologia de anilise histérica e sobre estrutu- dos investimentos, isto ¢é, acompanhando a elevacio da parcela do
ralismo, ou seja, o livro Desenvolvimento ¢ subdesenvolvimento, investimento global que se caracteriza pela maior intensidade em

170
equipamentos e matérias-primas importadas, relativamente a inves-
“A meu ver, a causa basica da tendéncia crénica ao dese-
quilibrio inflaciondrio da economia brasileira reside em que,
timentos agricolas. A conclusdo de seu exercicio comparativo é a
seguinte: nas etapas de crescimento, a procura global se diversifica de
maneira muito mais rapida que a oferta global. Existe muito
“Dos exemplos apresentados podemos inferir que, para mais mobilidade do lade da procura que do lado da oferta.
determinada taxa de incremento do comércio mundial, ¢o ritmo
de crescimento compativel com a estabilidade interna ¢ muito Trata-se de fendmeno especifico de economia subdesenvol-
vida, que cresce rapidamente em condigdes de desenvolvimento
mais elevado nas estruturas desenvolvidas do que nas snbdesen-
volvidas. Este fato explica, por um lado, o crescimento mais espontinen, com redugio permanente de seu coeficiente de
lento das economias subdesenvolvidas, nos 1ultimos decénios;
importacdes.
_por outro, a notdria tendéncia ao descquilibrio de balango de As economias subdesenvolvidas se caracterizam pela relativa
pagamentos, observada em todos os paises subdesenvolvidos, rigidez de seu aparelho produtivo. Ao passo que em uma
que, de uma forma ou de outra, tentam intensificar o seu “economia altamente desenvolvida o aparelho produtivo apre-
crescimento’” [Furtado (19610, p. 202)1]. senta elevado gran de diversificagio, em uma economia como
a brasileira coexistem setores produtivos diversificados e flexiveis
Em seguida, contestou as interpretacdes convencionais sobre com outros rudimentares e rigidos” [Furtado (1958, pp. 69-70) 1.
desequilibrio externo, isto ¢é, as teorias que identificam suas causas
A oferta relativamente rigida contrasta com uma procura
no processo inflaciondrio. Refutou, especialmente, a idéia de que
“dotada de grande mobilidade”, que acarreta “permanente e rapida
a constincia do déficit externo em paises subdesenvolvidos corres- modificagio no aparelho produtivo”. Essa discrepincia tem efeitos
ponda a uma contrapartida da pressio permanentemente excessiva
diversos, “conforme o desenvolvimento seja ou nfo acompanhado
de investimentos sobre poupanca. Atacou, em particular, as politicas
monetdrias contracionistas que, apoiadas nessa formulagio, objetivam
por uma expansio da capacidade para importar”.
A perspectiva estruturalista do autor vem entio resumida na
conter o déficit pela via da redugfio da taxa de investimentos.
seguinte expressiva passagem:
Argumentou entdo que, em estruturas subdesenvolvidas com
amplo desemprego, é normal a ocorréncia de déficits externos dis- “Em tal situagio [de diliculdade de adaptagio dindmica
sociados da inflagdo, devido ao problema de que a capacidade para da oferta & procura), o desequilibrio inflaciondrio resulta menos
importar no se expande de acordo com as exigéncias do desen- do excesso de procura global sobre oferta, que da existéncia de
volvimento econdmico. Nesse caso, segundo o autor, ¢ necessirio {aixas de procura sem contrapartida de oferta e de faixas
programar a subsiitui¢io de importagdes, ao invés de partir-se para de olerta sem contrapartida de procura. Quando se reduz a
esquemas ortodoxos de contenido de inversdes [Furtado (19610, procura global com medidas deflaciondrias, o excedente de capa-
pp. 210-21).24 cidade produtiva aumenta rapidamente. O equilibrio enue
A idéia da dificuldade de acomodar, subitamente, uma cstru- oferta e procura coincidird, portanto, com ampla margem de
tura de oferta pouco diversificada as exigéncias de uma complexa subutilizagdo de capacidade produtiva, ¢ s6 se manterd a um
estrutura de demanda recobre, como se vé&, o raciocinio do autor ritmo de créscimento nulo ou muito reduzido. Sempre que o
sobre a problemdtica do desequilibrio externo. O mesmo se dd no sistema volte a crescer com intensidade, a tendéncia ao desequi-
caso da sua andlise da inflacio. A relagfio da inflagio com a questio lbrio novamente se apresentard” [Furtado (1958, p. 71)].
da inadequagio da estrutura produtiva vem expressa com clareza,
por exemplo, num curto ensaio de andlise da inflacio brasileira, Em seqiiéneia a essa alirmagiio, o autor conclui com o que
em que se I¢: - constitui o elemento central do projeto desenvolvimentista cepalino,
ou seja, com a proposta da programacio do desenvolvimento eco-
24 Tamubém a utilizagio do instrumento de desvalorizagio cambial deveria nbmico:
merecer, segundo Furtado, um euidido especial, em paises subdesenvolvidos. Em
primeito Wigar, porque expos a cconomin exportadorn de produtos de demanda "Se meditarmos sobre a natureza desse problema, veremos,
incldstica ao perigo da deteriovacio dos termes de intercdmbio. Segundo, «© desde logo, que o tnico meio de eliminar a tendénciaao dese-
solwetudo, porque, ao encarecer a importacio de bens de capital ¢, conseqiien-
iT of investimentos, afetd 4 taxa de corescimento da economia. Ver Furtado
quilibrio ¢ conseguir que a oferta adquira maior flexibilidade
(1961D) . e se adapte mais rapidamente a procura. Esse objetivo dificil-

172 173
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mente pocleria ser alcancado, em uma economia subdesenvolvida, Passarcmos, em seguida, as idéias desenvolvimentistas de Furtado,
em condigdes de crescimento espontineo. Por um lado, serin que foram expressas no contexto de suas andlises da economia bra-
necessrio identificar, com a devida antecipagiio, as linhas gerais sileira, tal como essa se apresentava nos anos 50 e inicio dos 60.
de modilicacio da estrutira da procura; por outro, seria preciso Ao final, concluiremos a avaliacio das caracteristicas estruturalistas
criar as condigbes para que a oferta pudesse satisfazer a uma basicas de enfoque analitico do autor, através de um exame do que
procura que cresce e se transforma rapidamente. E esse um dos constitui sua grande obra, ou seja, seu trabalho sobre Formagdo
objetivos fundamentais da programacio do desenvolvimento” econémica do Brasil,
[Furtado (1958, p. 71)].

111.4.2.3 — Furtado e as Caracteristicas Distintivas do Pensamento


Em outras palavras, a solugio para a inflagio consiste na propria Desenvolvimentista Nacionalista Brasileiro
superagio do subdesenvolvimento, e a via dessa superaciio ¢ o plane-
jamento, que figura, ele mesmo, como um instrumento hdsico de
combate a inflacfio: Armado do estruturalismo, Furtado aos poucos tornou-s¢ o inte-
lectual de destaque nas frentes de argumentagfio que, em conjunto,
“A estabilidade ¢ 0 objetivo fundamental, embora se deva permitem distinguir o desenvolvimentismo nacionalista das demais
subordinar a outro mais amplo, que ¢é o desenvolvimento. Uma correntes de pensamento que discutiam 2 economia brasileira no
inflagiio de natureza estrutural, como a brasileira, para ser cli- perfodo que estudamos, Seu estruturalismo o orientou na proposta
minada, sem prejudicar o ritmo do desenvolvimento, requer de subordinacio da politica monetdria 4 politica de desenvolvimento
cuidadosa programagio desse ultimo” [Furtado (1958, p. 71)]. c na proposta de planejamento ¢ de intervengio do Estado em
suporte id industrializagiio. Combinado ao seu entusiasmo politico
por relormas sociais — ou, talvez, sobredeterminado por esse entu-
Como reforco a idéia de programagio, o autor salienta que as
slasmo —, orientou-o também no sentido de argumentagiio por uma
caracteristicas do empresariado nacional impedem que se espere uma
solugio automdtica para o melhor distribuicio de renda, ao nivel pessoal e regional, e por
problema dos desequilibrios setoriais. uma reforma agriria. No que se segue, passamos ao exame de sua
A coexisténcia de setores “diversificados e flexiveis” com outros
posigio a respeito dessas questSes. Convém iniciarmos por aquela
“rudimentares e rigidos” seria explicada, em grande parte, pela
inexperiéncia dos empresirios nacionais, os quais “relutam em pene- que, a essa altura do presente texto, ji permite maior hrevidade,
trar nos setores novos para eles”. Tsta situagio estaria agravada isto ¢, sua visio sobre politica monetiria,
“pelo problema do controle das patentes, da dificuldade de acesso
a certos equipamentos e téenicas, do prestigio das marcas de fébricas, 111.4.2.3.1 — Subordinagdo da Politica Monetdria ¢ Politiva
do temor Ad sibita concorréncia de grupos internacionais de forte Desenvolvimentista
posiciio financeira” [Furtado (1958, p. 70)].
A conclusio a que nos leva nosso exame dos elementos estru- As paginas precedentes ji contém uma suficiente descricio da
turalistas bdsicos dos textos de Furtado é de que o autor moveu-se visio do autor sobre questdes monetdarias (e de balango de paga-
de forma admirdvel dentro do quadro analitico cepalino para a mentos) . Vimos que, como estruturalista, Furtado entendia que o
apresentagio de suas propostas desenvolvimentistas. O planejamento processo da industrializacio nas economias periféricas, pela via de
surge como indispensével para a eficiéncia da industrializacio num substituicio de importacdes, tomava de surpresa suas estruturas pro-
pais periférico, em fungiio dos problemas gerados pela sua heteroge- dutivas heterogéneas e pouco diversificadas, gerando presses de
neidade estrutural e pela rigidez e reduzida diversificagio de seu demanda sobre uma série de setores. Considerava tipica de economias
aparelho produtive. Justifica-se como solucio alternativa as politicas subdesenvolvidas uma discrepincia entre a “oferta rigida” e uma
tradicionais, de natureza predeminantemente monetaria, porque as “procura dinfmica”, que provocava uma tendéncia bdsica ao dese-
condig3es periféricas conferem a tais problemas — desemprego, déficit quilibrio monetdrio. Entendia também que as exigéncias de impor-
externo e inflagio — uma especificidade que nfo é captada na anlise tages resultantes da propria dindmica de industrializagfio periférica
convencional, especificagiio essa que, ademais, implica solugdes dc tornam o balango de pagamentos continuamente desequilibrado,
politica .econdmica igualmente especificas. sobretudo quando as exportacdes tendem a estagnar ou mesmo. a

174 N 175
declinar — em quantidade e precos — por escassez de demanda prevista, para que os cortes nos dispéndios publicos viessem a re.
internacional. 23 presentar uma queda a um nivel inferior 4 referida taxa de 149,
Sua receita para contrarrestar a tendéncia ao desequilibrio mo- e para que a conten¢io de crédito tivesse sérias repercussdes re-
netdrio era, como vimos, a de praticar uma politica desenvolvimen- cessivas.
tista que tornasse flexivel a oferta. Contestava as politicas monetdrias Desse modo, o fato de as proposi¢Ses bdsicas de natureza con-
por considera-las inécuas — porque o desequilibrio se manifestaria tencionista terem estado revestidas por uma linguagem estrutura-
a cada nova fase do crescimento do sistema — e por entender que lista por vérias se¢Oes dedicadas a diagndsticos setoriais sobre pers-
as medidas recessionistas obstruem investimentos estratégicos e pro- pectivas de crescimento e de investimento, e por proposi¢des gené-
vocam sobrecapacidade na significativa parcela da economia que ricas de cunho reformista (reforma agriria, inclusive), nfio elimina
nfo sofre de rigidez de oferta. Em suma, sua posigio fundamental a natureza basica do texto: independentemente da vontade de Fur-
era a de que as preocupagdes com estabilidade, embora importantes, tado, o Plano Trienal tornou-se, essencialmente, um instrumento
devem ficar subordinadas ao objetivo maior, isto ¢, ao desenvalvi- recessionista.
mento econdmico. Dado o cardter estrutural da inflagio, a férmula
para obterse alguma estabilidade sem prejuizo de desenvolvimento Isto niio significa, porém, que o Plano Trienal represente uma
seria, segundo o autor, uma cuidadosa programacao. quebra na coeréncia de Furtado, relativamente 4s andlises anteriores.
Ao longo de toda a década de 50, Furtado reafirmou e apri- A contengio de crédito e de despesas pihblicas vem recoberta de
ressalvas de que a redugio da pressio inflaciondria estd planejada
morou o ponte de vista estruturalista, assumindo a lideranga dos
economistas nacionalistas na argumentacio contra as posi¢des con- de modo a nio comprometer o crescimento da economia. E, con-
sideradas contracionistas, No inicio dos anos 60, quando foi levado
trastando com a decisdo de, entre as medidas objetivando o equilibrio
a redigir um plano de contencio da inflacfio [Brasil, Presidéncia da
orcamentdrio publico, cortar as despesas do governo — que nio
estdo discriminadas, a nfo ser no tocante 4 intengdo de reduzir sub-
Republica (1963) ], foi obrigado a conciliar o discurso desenvol-
sidios ao trigo e ao petréleo—, o texto procura demonstrar, ainda
vimentista ¢ estruturalista com propostas de natureza contencionista.
Premido pela delicadeza politica de redigir wm programa de go- que ndo seja perfeitamente claro a respeito, a intengfio de elevar
verno conciliador de imensos interesses conflitantes, em meio a crise
as despesas de investimentos, reduzindo apenas as de consumo. O
politica e a inflacio galopante de fins de 1962, quando foi convo. Plano Trienal apresenta, também, a defesa da revisdo ¢ atualizacio
cado por Jofio Goulart para o Ministério do Planejamento, que
do sistema tributdrio, visando tornd-lo compativel com a atual estru-
entdo se criava, ¢ desconhecendo que a economia estava entrando
tura econdmica brasileira, bem como a defesa da “necessidade de
em fase recessiva, Furtado elaborou um plano que se propunha a utilizar a tributa¢io como instrumento de desenvolvimento econd-
dificil tarefa de conciliar trés dimensdes do planejamento: a esta- mico, tornando possivel, através dela, orientar os investimentos se-
hilizacdo monetdria, a continuidade dos investimentos e¢ do cres-
gundo os intcresses da economia nacional” [Brasil, Presidéncia da
cimento e as reformas institucionais. Com vistas estabilizagio dos Republica (1963, p. 194) ].
precos, o Plano Trienal previu uma queda da inflacfio,
em 1963, Além disso, se, em termos de proposicdes concretas, o texto
Para o nivel de 25%, através de dois expedientes bisicos: contengdo contrastava com o temor a recessio que os estruturalistas vinham
do crédito e contengio do déficit publico, incluindo corte de cerca apresentando, preservava-se também, a nivel da andlise econdmica, a
de 269%, nos dispéndios publicos previstos na Lei Orcamentdria de orientacio estruturalista. Isto pode ser visto, por exemplo, no se-
1963 — prevendo-se, assim, manté-los em nivel compativel com a guinte diagnéstico da inflaco:
taxa histdrica de participagio no PIB (cerca de 149,). O Plano era,
por isto, na prética, perigosamente contracionista: bastaria que, no “A insuficiéncia crénica da capacidade para importar, exi-
decotrer de 1963, se frustrasse, como se frustrou, a queda de pregos gindo permanentes modificagdes estruturais na oferta interna,
como requisito para o desenvelvimente, constituiu-se em foco
primdrio de pressdo inflaciondria, a qual resultou ainda maior
20 autor veconhecia, nfio obstante, que, no caso brasileiro, a politica de em razio do esforco para transferir renda em favor do setor
controles flsicos de importagio e a taxa cambial fixa, praticada entre 1046 e
1953, “torneufaram] anticconbmica grande parte da atividade produtiva para ex- exporiador, independentemente de que se considerem essas
portagiio”, acartetando peda de meveado internacional para os produtes bra- transferéncias simples corregiio dos efeitos da politica cambial
sileiros. [ver Furtado (1958, p. 23). dos anos imediatamente anteriores ou atenuac¢io da carga fiscal

176 177

E
que havia sido imposta aquele setor,
Possivelmente aquela 111.4.2.3.2 — O Papel do Estado e¢ a Questio
transferéncia terd sido a causa princ do Capital
ipal da recuperagiio, ainda Estrangeiro
que moderada, do ‘quantum’ das exportacdes, :
em boa
mas foi feita,
parte, com sacrificio do setor fiscal, pois as diferencas
de cAmbio chegaram a ser importante fonte de recursos para Furtado acreditava que o sucesso da industrializacio brasileira
Tesouro e foram climinadas
o dependia fortemente do controle que os agentes nacionais pudes:
sem qualquer
da compensa: medi
téria. O déficit do Tesouro Nacional const sem ter sobre as decises fundamentais 4 economia do pais. Pensava,
ituiu, conjuntamente
com o comportamento do setor exter
no, o principal fator de
por isso, ser indispensivel uma ampla participagio estatal na cap-
desequilibrio no wltimo decénio” [Brasi tagio € alocagiio de recursos, através de um sistema de planejamento
l, Presidéncia da Repu-
blica (1963, pp. 38-9)7]. abrangente e de pesados investimentos estatais. Considerava tam-
bém necessirio um controle do capital estrangeiro.
Faltava evidentemente ao governo Jo#o Goulart Custou, porém, a expressar claramente seus pontos de vista. A
a fora politica énfase na necessidade de investimentos estatais ficou por muito
para a reforma fiscal que constituiria condigiio
indispensavel A pro- tempo a cargo de outros nacionalistas que tinham idéntica visio
posta de crescimento com estabilidade que,
so do Plano, ne discur desenvolvimentista, como Romulo de Almeida, Jesus Soares Pereira
declarou-se desejar, sem, contudo, mostrar-se
como se atingir o cres- e Américo Barbosa de Oliveira. £ provavel que entre as razdes que
cimento. Meses antes de redigir o Plano Triena
l, j4 em 1962, Furtado o levaram a optar pela discrigio, no tratamento da polémica ques-
escrevia: tio, encontre-se sua intima relagio com a Cepal, organismo inter-
nacional que enfatizava continuamente a necessidade de colabora-
“Se queremos efetivamente enfrentar o problema cio do capital estrangeiro no processo do desenvolvimento latino.
da infla-
¢do, deveremos fazé-lo mediante uma reforma fiscal americano. Furtado esperou até 1962 para esclarecer sua posigio.
-administra-
tiva em profundidade e nio tumultuando a
agdo do setor Afirmou entdo considerar enganosa a concepeio de que o desen-
publico através de um ineficaz plano de econo volvimento brasileiro carece de entrada de poupanga externa, lem-
mias ou sobres-
saltando a economia privada com inconseqiientes brando que “a entrada de capitais externos significa a criagiio de
medidas no
setor bancdrio” [Furtado (1962, p. 46) 1. um fluxe permanente de renda de dentro para fora do pais”, Afir-
mou também que “para que possamos auferir os auténticos bene-
Ainda sem o peso politico do cargo que viria ficios do capital estrangeiro — aqueles derivados do influxo da
a ocupar, o autor tecnologia em permanente renovacio — necessitamos de uma politica
sentia -se livre, nesse livro, para expressar sua visio politica do disciplinadora da entrada desses capitais”. E postulou, de forma
problema:
expressiva, a posigio nacionalista da corrente de desenvolvimentistas
“0 fato de que o Parlamento nio capacite a da drea estatal: .
administracio
para coletar os impostos de que necessita,
¢ ao mesmo tempo “0 desenvolvimento industrial firmado no mercado inter-
amplie todos os dias os gastos do governo em
funcio do desen- no tornou possivel um grau crescente de autonomia no plano
volvimento, traduz claramente a grande
contradicio que existe das decisdes que comandam a vida econdmica nacional. Essa
presentemente na vida politica nacional. autonomia poderia haver sido cortada, caso os setores bdsicos
Existe a consciéncia
clara de que o desenvolvimento deve ser da atividade econdmica houvessem sido subordinados, desde o
postulado como obje-
tivo supremo de toda politica econdmica, inicio, aos grupos
e por isso se votam concorrentes que dominam o mercado inter-
as verbas e os planos de obras, Mas, como nacional. Entretanto, acertadas e oportunas decisdes dotaram
o Parlamento repre
Seta apenas uma fragio da opinido piibli 0 pais de autonomia em setores que, por sua posigiio estratégica,
ca nacional — aquela
fconomicamente mais bem armada para condicionam o processo do desenvolvimento econdmico nacio-
vencer nas cleigoes,
dentro do sistema eleitoral vigente —, o inves nal, tais como a siderurgia e a industria petrolifera. A conjuga-
timento piblico ¢
financiado nfo com o esforgo daqueles que se benef ¢do destes dois fatores — deslocamento do setor dindmico das
iciam dos exportagdes de produtos primdrios para os investimentos indus-
frutos do desenvolvimento, e sim com
o sacrificio daqueles que
ndo ttm acesso a esses {rutos” [Furtado triais, € a autonomia de alguns setores hisicos da produciio in-
(1962, p. 48)]. dustrial — criou condi¢des para que os centros de decisoes de
178
179
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maior transcedéucia no plano econdmico fossem conquistados
e No contraste entre os dois documentos, elaborados precisa-
postos a servico de uma politica de desenvolvimento nacion
al” mente no mesmo momento histérico — a publicacio do estudo de
[Furtado (1962, pp. 111-2)].
Furtado e Botti antecedeu de poucos meses a elaboragio do Plano
de Metas, que o utilizou como fonte de informacdes —, sobressal
Um enunciade tio claro como esse custou a ser feito pelo autor a relevincia que a Cepal dava 4 aglo estatal como capaz de com-
mas ¢ coerente com sua visio, anteriormente expressa, sobre o pro- pensar, em todas as dreas da economia, as insuficiéncias da sina.
cesso de desenvolvimento brasileiro. Furtado manifestou, em toda lizagio do mercado 4 alocagio de recursos, relativamente ao que
sua obra, confianga no Estado como agente capaz de garantir o Campos preconizava e pds em prética através do Plano de Metas.
desenvolvimento autosustentade”. Como os demais cepalines, po-
rém, dava
Como vimos na segio anterior, o planejamento *‘seccional” cor-
énfase relativamente menor i questio do investimento
estatal frente ao problema de garantir, através do planej responde a localizacio de alguns setores que constituem “pontos de
amento, efi- estrangulamento” e/ou “pontos de germinacio” da economia e i
ciéncia no processo de industrializagiio.
definicio de objetivos setoriais, de modo que o Estado, através de
O patrono da concepgio de planejamento no Brasil foi, como uma série de mecanismos, promova uma politica econdmica visando
se sabe, Roberto Simonsen. Apos a sua morte, em 1947, virias per- garantiv as taxas de investimento necessarias. Estas, porém, sio
sonalidades desenvolvimentistas — como Romulo calculadas de forma relativamente independente de projecdes glo-
de Almeida ¢
Américo Barbosa de Oliveira — incumbiranise bais e de estimativas das demandas intersetoriais da economia. Ja
do
de de- traballio
fesa do planejamento no pais. Furtado, porém, conferiu o método da Cepal, utilizado por Furtade, pretende-se muito mais
& questio
uma legitimidade ndo aleancada anteriormente, abrangente. O objetivo subjacente aos trabalhos do 6rgioe ¢ o pla-
Em primeiro lugar, transformou a proposta de nejamento global da economia. Parte-se de uma meta macroeco-
planejamento
num coroldrio das andlises de desequilfbrios estrut noémica de crescimento, predefinida de acordo com o levantamento
irais da economia
brasileira, Toda a sua obra do periodo que estamos examinando das possibilidades de expansdo do sistema como um todo e calculada
inclusive o seu Formagito econdmica —
do Brasil — corresponde a uma com base em estimativas da relagio capital/produto, da taxa de
vasta ¢ coerente argumentaciio convergente ao princi poupanca, e nos termos de troca. As projegdes setoriais sdo entdo
pio de que a
superagio do subdesenvolvimento requer uma decidida fcitas de acordo com as taxas de crescimento previstas e levando em
intervencio
planificadora por parte do Estado, consideragio a dindmica da procura final e das relagBes intersetoriais.
Segundo, ¢ niio menos importante, foi o autor Lste método constitui, como ¢é dbvio, a contrapartida técnica
estudo cepalino aplicado no Brasil, como subsidio do principal
a seu plane da proposta cepalina de planejamento integral. Os desenvolvimen-
econdmico [Grupo Misto Cepal/BNDE (19574) J. O estudo jamento tistas nacionalistas em geral, e os cepalinos em particular, conside-
integra
0s esforgos correspondentes 4 segunda ctapa de trabal ravam sinceramente este tipo de planejamento perfeitamente com-
hos da Cepal
isto ¢, dquela que se seguiu, por volta de 1952/58, pativel com a hegemonia da iniciativa privada, e insistiam nesse
4 fase ploneira
tm que o 6rgdo havia consolidndo sua base conceitual ponto para evitar ataques conservadores. Este nfo ¢ o lugar ade-
em apoio 4
estratégia de industrializagio como via de superagio quado para discutirmos a factibilidade de planejamentos do tipo
volvimento. A metodologin bisica dos trabalhos do subdesen-
de planejamento cepalino para economias de mercado. O que queremos destacar
foi apresentada na Quinta Seco da Comissio Lcond
América Latina, no Rio de Janeiro, em
mica para a aqui é o fato de que, na concep¢io de Furtado e dos desenvolvi-
1853, ocasiio em que se mentistas nacionalistas brasileiros, o Estado nos paises subdesenvol-
definiu também a constituicio do Grupo Misto
Cepal/BNDE em vidos deveria ter um papel central no processo de investimentos da
que Furtado e Regino Botli realizaram o referido
estudo. 26 "Esta economia como um todo, bem além da orientagio parcial contida,
metodologia situase na linha de “planejamento
integral” da Cepal por exemplo, no Plano de Metas, O estudo de Furtado foi, no
¢ contrasta com a metodologia que viria a ser
adotada, duranie 0 debate intelectual e ideoldgico dos anos 50 em torno das guestdes
governo Kubitschek, no Plano de Meias, basead
o na concepgiio de da presenga do Fstado na economia, um valioso instrumento de for-
Roberto Campos de planejamento do tipo “secci
onal” ou “setorial”. talecimentio da corrente descnvolvimentista nacionalista, porque teve
a fungio de transformagiio da retdrica cepalina de planejamento
ih 28 0 | trabalho1 apresentado 3 Quinta Segiio
¢do ds
visdes ¢ foi publicado em portugués [ver Grupo da Cepal recebeu algumas rc- em um primeiro documento brasileiro de subsidio 3 pritica do
Mista Cepal/BNDE." (19581) IE planejamento que o drgio preconizava.
180
181

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Uma terceira contribuigio relevante de Furtado para a difusio entre concentragio de renda e crescimento econdmico, precursoras
€ consolidagdo do conceito de planejamento no Brasil diz respeito a das teses posteriores a 1964; terceiro, a partir de 1957, h4 a discussiio
seu trabalho relative ao Nordeste Drasileito. Sua andlise do plane- sobre o problema das desigualdades regionais, ligada a defesa de
jamento regional, formulada nos iltimos anos da década de 59, j4 uma solucdo para a questdo nordestina; e, quarto, encontra-se todo
continha, de forma explicita, a inclinagdo reformista que pautaria um posicionamento em apoio a realizacio de wma reforma agraria,
a coloragiio politica de seus textos na década subseqiiente. Dada a
Convém observar, contudo, de passagem a um breve comen-
relagio do tema com as questdes distributivas, é adequado abordd-lo
tario sobre essas questdes, que elas ndo tém a importincia analitica
Na segiio seguinte, que trata da visio do autor sobre essas questdes.
que os problemas distributivos teriam na obra do autor posterior a
. O esforo de Furtado no sentido da implantagio de uma pra- 1964. A partir dai, tanto em sua fase estagnacionista como na pds-
tica de planejamento no pais foi premiado pelo convite a ele for- estagnacionista, 0 peso maior de sua argumentagiio iria residir na
mulado por Goulart e San Thiago Dantas, em 1962, para o cargo idéia de que a reestruturagiio agraria e a redistribuic¢io de renda
de Ministro Extraordindrio de Planejamento, que entio se criava, sdo reformas indispensdveis para a reorientagio do proprio estilo
Infelizmente, o resultado tinico da curta passagem de Furtado pelo de desenvolvimento das forgas produtivas brasileiras. HA, na obra
ministério foi seu Plano Trienal — que, como vimos anteriormente, anterior a 1964, elementos que prenunciam essa argumentacio, mas
constitui muito mais um documento politico inspirado pela con- as preocupagdes do autor ainda nfo estavam basicamente orientadas
juntura da crise ¢ uma declaragiio de principios desenvolvimentistas por tal problemitica.
e reformistas tentativamente conciliadores com proposicies que po-
diam conduzir & recessio, do que propriamente um trabalho de pla- O problema de dotar o Estado dos meios financeiros que jul-
nejamento minimamente capaz de orientar um esforco conjugado gava necessarios para a tarefa desenvolvimentista foi, desde os pri-
de inversdes no sistema econdmico. A crise politica e seu desfecho meiros textos de Furtado, uma preocupacio dominante. Furtado
impediram que, sob a orientagiio de Furtado, o trabalho do considerava que as classes dominantes brasileiras nio tinham men-
planeja- talidade empresarial. Isto ja fora tema de um texto do autor onde
mento econdmico alcangasse no pais a relevincia preconizada pelos
desenvolvimentistas nacionalistas. se assinalava que a mentalidade de lucro [dcil, historicamente enrai-
zada no empresariado brasileiro, constituia um obsticulo bdsico ao
desenvolvimento nacional [Furtado (1950)]. A traducio dessa po-
II1.4.2.3.3 — As Questoes Distributivas sicio em termos de captagio de recursos para financiamento do
desenvolvimento era, naturalmente, a defesa da elevagio da tribu-
A obra intelectual e executiva de Furtado nos anos 50 e inicio tacdo, para que se carreasse a poupanga potencial da economia
dos 60 ja continha uma forte preocupagio com os problemas sociais, brasileira para o agente capitalista dindmico: o Estado. Essa defesa
e inclinava-se crescentemente pela defesa de reformas. Refletia, po- encontra-se, por exemplo, no texto de critica as conferéncias brasi-
rém, 0 pensamento de um intelectual que acreditava que o processo leiras de Ragnar Nurkse, acima mencionado, onde Furtado elogiou
de industrializagio constituisse a grande solugiio para os problemas nesse autor “o modo com que relaciona politica fiscal com poupanga
sociais bdsicos ¢, além nos paises subdesenvolvidos”, e afirmou que “um pafs como o Brasil
disso, de um servidor publico que tinha uma
carrera aberta a ascensiio politica no interior do Estado — entidade tem ampla margem potencial de poupanga compulséria”. No éstudo
indispensivel, segundo o projeto de sua corrente, para a realizaciio elaborado para o Grupo Misto Cepal/BNDE, em 1954/55, assinalou
da industrializagdo. Predominou, por essa razio, em seu pensamento, que teria havido uma concentragio de renda no periodo 1947/53,
como no dos demais desenvolvimentistas
acompanhada de um “excepcional impulso” de consumo do setor
nacionalistas, a defesa de
ls de politica econdmica “capitalista-empresario”. E afirmou:
relativas ao desenvolvimento in.
ustrial.
“Supde-se correntemente que, dado o elevado coeficiente
Ainda assim, quatro questdes distributivas basicas sdo discutidas de poupanga marginal dos grupos de altas rendas, essa concen-
em sua obra anterior a 1964: primeiro, e desde cedo, h4 a proposta tracdo € um eliciente mecanismo propulsor de acumulacio nas
de redistribuigdo de renda awavés de tributacgio sobre as classes etapas de rdpida elevagio de renda. A experiéncia estaria in-
ricas, de forma a ampliar a poupanca nacional e os investimentos dicando, entretanto, que o comportamento dos grupos de altas
estatais; segundo, e [ortemente associadas 3 discussio sobre
aco rendas pode ser idéntico ao das classes populares, nivelando-se
fiscal, encontram-se, ainda nos anos 50, observagGes sobre a relagio o coeficiente de poupanga marginal com o coeficiente médio. . .
182 183

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A inoperdncia do referido mecanismo de acumulacio espon- “fragiio da opinido publica nacional” — a mais rica —, recusava-se
tinea torna indispensivel a ago fiscal, se se pretende apro- a votar ampliagdo da tributagiio. Como resultado, dizia, os investi-
veitar as etapas favordvels para acclerar o processo acumula- mentos publicos acabavam sendo financiados por inflacdo, e reali-
tivo. Dado um baixo coeficiente de poupanga dos grupos de zavam-se ‘nio com esforco daqueles que se beneficiam dos frutos
rendas elevadas, se nio operar firmemente o setor piblico, como do desenvolvimento, e sim com sacrificio daqueles que nfo tém
instrumento de acumulagio, o ritmo de crescimento terd que acesso a esses frutos”.2” A recomendacfio do autor para superagio
ser reduzido, Demais, se os estimulos ao consumo operam com da crise do inicio dos anos 60 foi assim expressa de forma objetiva:
a mesma efetividade entre todos os grupos sociais, a concentra
gio de renda passa a operar principalmente como um mecanismo “Se tivéssemos de sintetizar em poucas palavras os pontos
oe de consumo” [Grupo Misto Gepal/BNDE (19574, essenciais das tenses estruturais de nossa economia no presente,
Pe <3) | diriamos que estas decorrem da limitada capacidade de res-
posta do setor agririo aos estimulos econdmicos que se mani-
O texto de Furtado foi criticado por Jofio Paulo de A. Ma. festam através do mecanismo dos pregos e da forma anti-social
galhdes, da CNI, com o argumento de que os estudos existentes como se financia o grande esforco de investimento realizado
mostram ser impossivel que o coeficiente de poupanga marginal da através do setor publico. Assim, do ponto de vista econbmico,
classe rica seja igual ou inferior ao das classes populares, como as reformas de base somente terdo eficdcia se efetivamente
afirmara Furtado, e que, além disso, este estava subestimando a alcancarem estes dois objetivos minimos: dotar o pafs de uma
capacidade empresarial do setor privado brasileiro [Magalhdes agricultura capaz de responder ao estfmulo de uma procura
(1955, pp. 44-6)]. Furtado replicou, afirmando que Magalhdes tinha crescente pela absorgfio de técnica e de capitais ¢ niio pela ele-
razio sobre a questio dos coeficientes de poupanca apenas no que vagio dos pregos e da remuneracdo relativa dos grupos para-
dizia respeito aos comportamentos de longo prazo, mas que, nos sitdrios, €¢ dotar o governo de um instrumento fiscal que o
curto e médio prazos, podiam acorrer oscilagies de sentido contrdrio, capacite a financiar seus investimentos crescentcs com recursos
como a que vinha de se passar no caso brasileiro recente. Sobre a recolhidos naqueles setores que efetivamente estio sendo bene-
questdio do papel do sector privado, afirmou: ficiados pelo desenvolvimento que ¢ fruto do trabalho de toda
a coletividade” [Furtado (1962, p. 45)].
_ “Reconhecer a necessidade de agiio [fiscal — como o [az
alidgs Almeida Magalhdes — ndo implica pessimismo com res. A reflexdo sobre a relagio entre distribui¢do de renda e cres-
peito ao papel que o setor privado deve desempenhar no de- cimento econdmico, que viria a tornar-se central no pensamento de
senvolvimento. A agio fiscal pode ter como objetivo central Furtado apds 1964, foi ensaiada, na fase anterior da obra do autor,
estimular a iniciativa privada, criar condigdes favoriveis ao seu de forma essencialmente atrelada a discussio sobre a questo da tri-
fortalecimento etc. Afirma o critico que o Grupo Misto niio butagio. Em diversos textos dos anos 50 argumentava que a tri-
aponta outro meio para incrementar a taxa de poupanga se. butagiio, e nfo a concentracio de rendas, ¢ que poderia fun-
ndo o acréscimo da percentagem dos investimentos no conjunto cionar no Brasil como mecanismo de intensificagio da poupanga e
das despesas publics. Ora, esse acréscimo pode ser um meio,
dos investimentos. Retornou uma vez mais & questio sob o prisma
como o foi no caso da criagio do Banco Nacional do Desen.
volvimento Econémico, de suprir o setor privado com fundos da andlise da acfo fiscal, em conferéncia que pronunciou no curso
de que carece em razio de sua baixa taxa de poupanca” [Fur Cepal/BNDE /Capes/Iseb, em 1957. Apenas, ao invés da preocupagio
tado (1955, p. 101)]. com a questo do financiamento das inversOes estatais, a atengio de
Furtado voltou-sc entdo para a questio de relagdo entre tributagio,
concentragio de rendas e¢ orientagio dos investimentos na economia.
As dificuldades da luta no interior do Estado por recursos para
financiar as tarefas desenvolvimentistas, em meio inflagio ¢ a O autor recomendou que se conjugassem impostos sobre a im-
ameacas constantes 10s gastos publicos, refletiu-se numa crescente portacio de bens de luxo com impostos sobre a produgio interna
politizagio dessa problemdtica, nos textos de desses bens, de modo a desestimular seu consumo. Assinalou, porém,
Furtado, acompa-
nhando, de resto, o clima politico do pais. Come vimos, Furtado
queixar-se-ia, em 1962, do reacionarismo do Congresso, que, como 27 Citado acima, nesta secfo.

184 185
que nido acreditava que a tributagio indireta fosse um meio eficaz essa redistribuiciio. Todavia, hd fatores institucionais que podem
de reduzir 0 consumo em favor de poupanga e investimento: impedir ou pelo menos entorpecet o desenvolvimento, atuando
no sentido de manter a concentragio de renda. Em alguns
“Os impostos indiretos internos, portanto, deverdo com- paises da América Latina o regime de propriedade da terra é
plementar os de importagio. Consegue-se, assim, reduzir o mer- reconhecidamente um desses fatores institucionais. A concentra-
cado de certos bens suntudrios e desestimular os investimentos ¢io da renda resultante da concentragfio da propriedade de terra
nesse setor. Contudo, nfo é esse 0 modo de atacar o cerne do é prejudicial ao desenvolvimento porque propicia o surgimento
problema. Se os grupos de renda superior desejam mantcr de estruturas sociais desligadas do processo produtivo e incli-
certos padres de consumo, elevar os precos de certos bens de nadas a altos padres de consumo” [Furtado (1958, p. 49)].
consumo significa, por um lado, reduzir ainda mais sua pou.
panga e, por outro, desviar o sen consumo de uns setores para
outros. Nido podendo comprar automdveis de luxo, porque se Nessa conferéncia, a questdo da reforma agraria ainda foi objeto
dificulta a sua importacio, certos grupos de consumidores ten- de simples mengio. A época em que ministrava o curso, Furtado
dem a aplicar mais em apartamentos de Juxo ou amiudam as comegava, porém, a desenvolver um trabalho que serviria, nos anos
viagens de turismo ao exterior. subseqiientes, como importante instrumento politico de intensifi-
A
cagiio do debate sobre a reforma agrdria na sociedade brasileira, ou
medula do problema estd em evitar que o desenvolvi- seja, o trabalho de criagio da Sudene.
mento acarrete concentragiio da renda ou pelo menos que um
A Operagio Nordeste foi apresentada como o programa de
alto nivel de lucros implique elevado nivel de distribuicio de
dividendos. Trata-se, portanto, de utilizar a politica fiscal para reestruturacio da economia nordestina que buscaria compensar ©
obter menor concentragio na distribuigio da renda pessoal, grande atraso da renda na regifio, relativamente i do Centro-Sul
mesmo quando nio seja possivel conseguir menos desigual dis-
do pais. J4 Rémulo de Almeida tinha dado a receita fundamental,
tribuigo da propriedade” quando crion, anos antes, o Banco do Nordeste: substituir o tradi-
[Furtado (1958, p. 49)].
cional assistencialismo das obras contra as secas por wma politica de
Furtado associava, como se vé, concentragfio fixacio de atividades condizentes com as especificidades da regido.
de renda a nivel
de pessoal, 4 redugdio da formagio da poupanga: A época da criagio do Banco, o tema da disparidade regional foi
tratado por Hans Singer e pelo proprio Almeida de forma andloga
“Ao contrdrio do que geralmente se imaging, a concentragio 4 que a Cepal vinha usando para comparar as desigualdades inter-
da renda ndo ¢ meio eficaz de aumentar a taxa de poupanga, nacionais [Singer (1962) e Banco do Nordeste do Brasil (1953)].
E verdade que uma brusca concentragfio da renda repercute Diziam, em primeiro lugar, haver uma produtividade mais baixa
positivamente na taxa de poupanca. Todavia, esse efeito posi- nas atividades no Nordeste — Singer estimou uma renda nordestina
tivo terd duragiio limitada ¢ o resultado final poderd ser nega- equivalente a 1/3 da renda de Sio Paulo — e que a atuacio se
tivo, Uma grande concentragio de renda cria, em todas as socie- agravava em fungio de um lento ritmo de crescimento, bem inferior
dades, ampla camada social de ociosos ou semi-ociosos, com ao das dreas mais desenvolvidas. Segundo, afirmavam que a regido
efeitos diretos e indiretos altamente negativos nos hibitos de sofria uma “drenagem” em seus recursos, que estariam fluindo em
consumo..." [Furtado (1958, p. 47)1]. direcio ao Centro-Sul. Uma das vias seria a de deterioracdo dos
termos de troca frente ao Centro-Sul. O mecanismo operava, segundo
O autor faz, em outra passagem, a observagio que prenuncia esses autores, através da politica cambial, que a partir de 1947
as teses que defenderia a partir do inicio dos anos 60: vinha sobrevalorizando o cruzeiro e penalizando as exportagSes nor-
destinas, sem que a regido pudesse realizar um montante de importa-
"Esti estatisticamente demonstrado que o desenvolvimento ¢des de baixo custo em valor igual ao de suas exportacdes, porque
implica desconcentragio na distribuicio da renda. Admitese a politica seletiva de importagdes favorecia ao Centro-Sul, por suas
mesmo que seria impossivel lograr o nivel da renda ‘per capita maiores condi¢des para a industrializagdo.
dos Estados Unidos, da Suécia ou da Australia com uma estru- Alguns anos apds, economistas do Banco do Nordeste identifi-
tura de distribui¢io da renda como a que prevalece no Brasil. caram também uma deterioracio nos termos de intercimbio internos
Nio h4 duvida alguma que o desenvolvimento exige e provoca ao pais, nas trocas do Nordeste com o Centro-Sul. Singer e Almeida,
BE is. a
€m seus textos pioneiros, haviam opontado
de drenagens de recursos. Uma delas seria ainda Para outras formas penetrando no sertfio. A verdade, porém, €é que, apds 50 anos
destinos para o Centr
o fluxo de capitais nor. de lutas contra as secas, continuamos sem saber qual o tipo de
o-Sul, atraidos pelas
economias externas exis-
tentes na regido mais descnvolvida do economia que pode subsistir na caatinga.
pais. Outra seria a regressi.
vidade do sistema fiscal, que, ao incid Nido obstante se tenha realizado, nos primeiros decénios
ir fortemente sobre as 23 or-
tagoes, estaria onerando relativamente deste século, notivel esforco no sentido de alcancar melhor
mais o Nordeste, devin a
seu maior coeliciente de abertura conhecimento da regifio, prevaleceu entre os dirigentes dos 6rgfios
externa. A compensa fo ara
esses fatores adversos seria uma polit responsiveis, quase sempre engenheiros competentes, o principio
ica governamental de Fixe %o
de capitais na regido, através da am de que o grande problema do Nordeste é a limitagio da disponi-
pliagdao de crédito, da cria Fo de
cconomias externas, da implantagio bilidade de dgua. Daf a concentragiic de esforgos no represa-
de uma reforma fiscal eli
minasse a regressividade apontada mento da dgua. Ora, hoje sabemos que a escassez de 4gua ¢é
e instituisse um sistema de in :
livos ¢ de uma politica de garantia de apenas um dos componentes do problema. Sabemos que se cho-
importacdes, : 54
Furtado incorporou todos esses elem vesse o dobro a regido possivelmente ainda seria mais pobre — a
da problemitica nordestina. A Oper entos em sug abordagem erosdo tudo destruiria, inclusive a caatinga. O componente solo
agiio Nordeste foi iniciada 5 é igualmente fundamental. Este € que muitas vezes dificulta ou
um amplo diagnéstico realizado
pelo Grupo de Trabalho in encarece extremamente o uso da dgua. Explica-se, assim, que te-
Desenvolvimento do Nordeste
[GTDN (1959) 1 que SERGE os io
supo
rte bisico para a definigio das divet nhamos avangado tanto na acumula¢do de dgua e tio pouco no
i cans rp
rizes da Sudene (0) GTDN seu aproveitamento econdmico” [Furtado (1960, p. 42) 1.
feito Singer e Almeida, tanto
nos ives de renda e nas taxas de cres as disparidades
a de. recursos para cimento, ¢ O problema principal a resolver na regido semi-drida seria, por-
o Centro-Sul, aprofundando as andliscy
‘mas. Nao foi esta, contude, a grande desses tanto, seu melhor aproveitamento econdmico:
grupo coordenado por Furtado, virtude do wabalho do
mas a apresentacio de uma sist “Em sintese: sendo pobre a base agricola da economia do
da problemdtica econdmimica da yegifi émica
2 ‘egido, acompanhad a Nordeste, devemos envidar esfor¢os para ampliar essa base,
das grandes linhas de agiip, #8 inicd
' i Eat conhecendo melhor os recursos naturais da regiao. $6 mediante
As andlises de Furtado part persistente estudo do meio, do desenvolvimento de técnicas
iam freqiientemente de uma criti
a radigio assistencialista de coni c agricolas adaptadas as regides tropicais, teria sido possivel criar
bate ds secas, O autor argmvacatava
entdo que também se sobreest no Nordeste condigdes para formacio de uma economia de
imava g importincia do roblema
das secas, relativamente as dificuld alta produtividade. Ao invés de procurar conhecer melhor
ades econédmicas da regiio nas
todo. Além disso, dizia, estar-se-i um o meio, de desenvolver técnicas de producfio préprias, limitamo-
a dando um ratamento equivoca
a0 proprio combate is secas, Segu d nos a (ranspiantar solugdes. Particularmente nos iltimos dois de-
ndo Furtado, a icity, de gua
deveria
: Ser encaracda como 0 situ;
stluacio
Ci | perm olmene,te,vy a Se
ser d ey ida men
cénios acentuou-se a tendéncia ao abandono dos estudos de base,
te
cnte
no imbito da aco oficial no Nordeste” [Furtado (1960, p. 42) ].
4
Ainda nfo se pensou em criar
er ~
Como solugio complemeniar a economia da regifio semi-drida,
Explora-se de modo rudimentar uma economia da caatinga
o algodiomocéd ¢ al suma s Furtado preconizava a implantagio de uma politica migratéria, atra-
outras xerdfilas. Mus a caatinga vés de um deslocamento da fronteira agricola:
encerra
lidades e pode proporcionar forragens ainda miitas passibi
seca, Alguns idealistas (ém procurado arbéreas, vesistentes 3 “Uma economia de mais alta produtividade, na caatinga,
tudos introduzindo plantas ex6ticas, contornar a falta de & nio serd compativel com uma grande densidade demografica.
como a algarobu, i =e) Assim, a reorganizagio da economia da caatinga criard exceden-
on Gre=ul I tes populacionais que deverdio ser absorvidos alhures. Daf a
Eee ow pie ce noriela. os diver
.
Ea sos documentos elaborados sob necessidade de incorporar novas terras ao Nordeste, de deslocar
CK 2 i Onpara a politica econ a
émica nordesting, como foi o
(1959) e dos textos de planejam caso do sua fronteira agricola” [Furtade (1960, p. 44).
‘esu
aormo po ento da
das 10
diret
05 rizes
8 refo rmis
reform i tas adotadas pela Sudene enco Sudene. Um bom
ntra-se em Castro O aproveitamento econdmico da regifio semi-drida e o deslo-
camento de sua mio-de-obra excedente eram duas das quatro linhas
188
189
E
EE i e. saa
- Pai que compunham as diretrizes da Sudene, A época de Tur-
ado. As outras duas correspondiam deste. 3 Em defesa dessa reforma nio faltou, em reforco ao argu-
i grand
e wansformacio estru
tural programada pela Sudene para mento econdémico principal — barateamento da mio-de-obra —,
a regifio: a tndbstristiza do &
. Sesiliagio da produgio de alimen quem levantasse o argumento de que a mesma permitiria uma ele-
delas, Furtado explicou, na linha tipicamenttos, A respeito da seit sit
e cepalina; vacdo da produtividade agricola condizente com a necessidade de
PRESS
ir Ao dar énfase ao problema da ina
ff“ A o amplia¢io do mercado para os produtos industriais da regifo, 3
a mentos, o que desejamos ¢ conc dequada produgio de
1

entrar a atencio em duas Furtado considerava a reforma agraria uma condi¢do indispen-
diregtes hisicas: a necessidade de savel A solucfio do problema da expansio da oferta de alimentos no
industrializar o Nordeste a
i dcipmlie graze, na Freie Nordeste, mas essa visio ndo se estendia ao caso do Centro-Sul com
semi-drida, uma economia mais
ad: a0 meio. : O problema da: industri
com transparente simplicid: ade: aliz
ializaci
acs o apre a mesma énfase. Dispunha-se, afinal, de dados que mostravam que
uma economia = as a produgdo brasileira de alimentos estava se expandindo e ndo
susceptivel de ; aproveitame nto agri
€scaassso, e que JA alcancou
cola ¢ lator ¢ rela rela
N ttiva
Rment
T correspondia, por isso, a um ponto de estrangulamento — diferindo,
: um certo grau de densidade por exemplo, do caso chileno. A associagio que Furtado [azia entre
grifica, encontra na industri demry
o-
alizacio a forma normal il reforma agriria e ampliacio da oferta agricola era, por isso, algo
desenvolvimento econémico” ach : en
dastria (1959, p. 188)]. mico” [Confederagio Nacional da In- menos dramitica. A estrutura agraria era vista como uma dificuldade
ou limitagio do processo global de desenvolvimento, mas no como
barreira estrutural.
Ps rile seria Sndicts indispen
So k allzagao, porq savel ao sucesso da in A argumentacio de Furtado, nos textos anteriores a 1964, pode
) ue: a elevagioio
banos nordestinos ameacava elim do cust 0 de vida i n 0s ¢
inar o grande {ator de compett ; ser resumida da seguinte maneira: a) o arcafsmo da estrutura fun-
tivid ad € dd i 11 eg a0
il € fir nte ao Cen tro Sul, 15to
didria e a apropria¢io e o uso improdutivo do excedente rural
é, 0 custo da mao =uc-
de
pelos grandes proprietarios latifundidrios impediam a introdugio
= O auto
det err i dividi NOT do progresso técnico e a elevagdo da produtividade no campo; b)
a uesé drveas: a zona tmida,
2 Lin ; F nie ao cultivo da cana-de-acti que conseqiientemente, impediam que o mundo rural se incorporasse
cujaJ , ativ
fide em idad
a e | prin car: ao desenvolvimento e o fortalecesse, obstruiam a ampliagio do exce-
is cipal Craer, a pecu dria
cudr i ; e o0 sertd
ia; WertioE
Lem 60 zona
, ou semi-i dente e sua transferéncia, via queda de pregos, aos outros setores,
110 era o principal cultivo, Ri
a4ol Iprimeira regiii o, yurum pro pr gra3 ma de mantinham os saldrios reais baixos e a renda concentrada e difi-
de modern
do a ! izaiacdo
to c
by = 2 Que pai os latifundigrios que nido i
cultivo d cultavam a ampliac¢do do mercado interno para produtos industriais;
i pa 5 o segu isse m fiony
de Eu terras parva fins de
— eats SSeAmEndan una produgio de alimentos
ampla reforma da estrutura 30 Um bom momento dessa discussio foi 0 Scmindrio para o Desenvolvi-
Blois tiesas so terras ocup agréria
t adas pelos lati find
autu ioss pecuaristas,
ndio
: 6 slips con
Eo onom
ned ia camponesa,sa, até i de:
mento
patrocinio
do Nordeste
da CNI.
realizade
Nesse
em
semindvio,
Garanhuns,
José Arthur
Pernambuco,
Rios apresenton
em 1959,
uma
sob
tese,
o

capital)
) ate entientoi o dedi
dedi cada ao y eul-
©, consen
» ts
em condigoes de abso
Solu amplamente aceita, sobre a necessidade de veforma da estrutura agrivia. A
lut s esca
¢
ssez 7 de tervas (e de Igreja, na pessoa do Bispo Eugénio Salles, endossou-a, como também o fez o
i cmente, de baixissimag
a
mente, para a zona lutivi i organizador do semindrio, o diretor-geral da CNI, Jacy Montenegro Magalhaes.
ona F semisemi-f
t-dr
-aririd:
ida recomendon » ir
¢do da producio is condigies COMOe vimoi s, :uma
So adap-
CAE Nesse semindrio, Furtado adoton uma pesicio cautelosa, preferindo enfatizar a
ecoldgicas da caatinga, 2 hap
necessidade de dotar a regio de um planejamento integral. Entre os economistas
- nd A da linha desenvolvimentista nacionalista, ficou por conta de Thomas Pompeu
e i] a Se .
c 200
nordesti3na apresentada em torne Accioly Borges a defesa mais enfitica da reforma agyivia. Borges foi co-autor
Pa i 0 > udene€: reforcou, , com 1 ext raordind o das propostas reformistis do Conselho Nacional de Polftica Agrévia, drgio
g tacdo, a discussio sobre a questdo indri
ria forrca de ar-X crindo por Vargas e responsivel, na primeira metade dos amos 50, pela nica
da reforma agrdriy no Nor- discussio de alguma envergadura sobre a questio da alteragio do principio
constitucional sobre desapropriacio, que, exigindo pagamento em dinheiro, in-
28 Essa visio aparecc em div viabilizava qualquer reforma agriria [ver Confederagio Nacional da Inddstria
1958 € 1964. Uma hoa andlise do Ersos text 0s de Furtado e da Suden (1959) 1.
aE e, entre
€ncontra-se em Carvalho (1978, de Furtado sobre a questio agrdr
pPp- 60-107) ia 81 Ver discurso do Dr. Jacy Magalhies, Diretor-Geral da CNI em 1959,
em Confederacio Nacional da Inddstria (1959, vol. I, p. 179),
190
191

ee
€; ¢) ) <P sen
repre 5: tavam, ademais,i uma forma de
prese
rvagio do consumo 3,
upérf
55 ] uo, em detrimento do Cons
5 umo | essenci
cial > orien
i t ando TO
II.4.3 — Apéndice — A Obra-Prima do Estruturalisme
cesso de formagio o pro-
da estrutura industrial
num sentido perverso
Brasileiro: Formagcdo Econdémica do Brasil
oy = resto, a discussfio do
problema esteve associada ‘} questio
0 Jus ica boiling pass
agem seguinte, por exemplo, 11I.4.3.1 — Introdugio
© que o autor fez sobre os custo 5 SOC iai é de uma
10 processo de desenvolvimento y i i;
I endo sobre uma
squad eis ls Formacao econdémica do Brasil, de Celso Furtado, é a grande
forte base de concentragio de rencas:
obra da literatura econémica brasileira do periodo que estamos exa-
minando. Correspondeu a um trabalho de consolidagio da consciéncia
PTpk wg
his SomEnte no que respeita 4 concenty, acdo de renda o desenvolvimentista brasileira, que ele fundamentou com uma bem
vem apresentando aspectos socials
— 8 vos. Com efeito, 4 causa do anacronisme d;extrema constituida argumentagio histérica. Publicada em primeira versio
= com o titulo A economia brasileira, foi também um momento de
ammeanme
ograna,
ento esse desenvolvimento
relativo
X H
da renda provocou, ’ em muita S$ poe
pa § avango na abordagem estruturalista [Furtado (1954) 1.
dy terra, premiandlo a he
parasitarios” [Furtado (1962, p 14) ] s grupos Para entender o significado da inovagio que a obra contém, é
necessdrio ter em conta que, no inicio dos anos 50, a referida abor-
A ry ~of get e {Sl
dagem apresentava-se ainda duplamente vulnerdvel: em primeiro
reformas
igs but lugar, o quadro analitlico estruturalista encontrava-se imperfeita-
Hautton
enE s eo nirani SEO
va, i sfor
a tran
5 el 2 ie
Ha e o iy
macd instituci du mente delineado e a argumentaciio pecava por certa assistematicidade,
politica do pals, sem o gia 0 que tornava a proposta cepalina de andlise alternativa as teorias
forme, ita pe
on revolucionirios que convencionais dificil de ser compreendida e aceita; e, em segundo,
i Si desembocariam em
BL 2 boriais sob a {dgide de
A nfo classes socials, grupos era indispensdvel a essa proposta a demonstragio de que a evolugio
ch ssl uturas produtivas”
= ibutacts tor : - classes [Furtado (1962, p- 31) 1 histérica dos paises que em meados do século XX continuavam
ricas no que dizia respeito subdesenvolvidos era, nccessariamente, distinta daquela dos paises
& heme I ; a inanciamento do 3 elevacio
desenvolvimento, a corru desenvolvidos. Apenas assim se podia legitimar a idéia de que suas
4 admimistrativa e o andi Fo
cronismo da estrutura estruturas econdmicas e a problemidtica de sua transformagio eram
nao poderiam cont
in 1 lar a Ser endo: dita
5 sados pela repa CSCNLACAO
C: P Do li Lie gre também distintas, a ponto de exigir uma criteriosa adaptag¢io da teoria
corrente e mesmo um esforgo proprio de teorizagio.
——L con nygn
a FIndignagio
A — da juventude dianite dese O livro de Furtado constitui uma resposta a essa dupla vulne-
rabilidade: em primeiro lugar, porque, embora nio seja seu objetivo
empreiteiros
Botta pm ils ind neo representantes do povo eleitos pelos
om publicas, teorizar sobre a abordagem estruturalista, a clareza do texto automa-
af estd gn alianca da el sre ticamente refor¢a a mensagem tedrica que a Cepal vinha transmi-
qs ay psi as Copumentarss produzindo parlamentares
tindo aos economistas latino-americanos; e, em segundo, e mais im-
i “rao sobreviver se forem mstruny
de seus financiadores”
3 i [Furtado (1962 p15] j entos ddceis1 portante, porque Furtado fornecia o estudo histérico decisivo para
a legitimagio da referida abordagem, pelo menos no que se refere
Antes de 1964, Furtado ao caso brasileiro.
ainda ndo elabor" ara as and Um bom exemplo de como a obra preenchia a lacuna bidsica
a distribuiciio de renda lises em que
e de propried ade figura os da proposi¢io estruturalista ¢ dado pela dificuldade em responder
nantes da dindimica do riam como determi-
ere:scimento eq nomico. Os limites do pre adequadamente a uma inquietante pergunta, comum na época e
trabal
os nahotiimposedeLud
m que acompanhiemo sente
= s o percurso intelectual sugerida pelos préprios elementos dispersos nos textos da fase pioneira
kdl sis. a 8olpe do
militar de 1964, que, emb da Cepal, ou seja: "Por que razdes ter-se-ia a estrutura econdmica
onnisty, nio conseguiu ora frustrand
destruir 0 entusiasmo dos paises latino-americanos tornado tio distinta daquela que se
generosidade
a e a criativi
vidade desse A 5 observava em outros paises jovens, como os Estados Unidos?”
desenvolvimentista py ] :
brasileivo RFwiice mre Ao aceitar o desafio de responder a esse tipo de questdo, apro-
do a
fundando-se no estudo da histéria econdmica do Brasil, Furtado
192

| 193


alcan¢ou um resultado duplamente feliz: em
ma resposta a essa e outras indagagdes primeiro lugar, "deu mestras da andlise posterior, como a de ‘‘deslocamento do centro
basicas, através de uma dindmico” e a de “concentragiio de renda nas fases de prosperidade
abrangente explicacio estruturalista da forma
gdo econémica do pais; e socializagdio das perdas nas fases de depressio”.
+ em segundo, ao fazé-lo, conferiu definitiva
dagem no Brasil e, mais ainda, criou uma legitimidade 2 abor-
metodologia estruturalista Essa ultima ¢ explicada como resultado da pressio baixista
de andlise da histéria de pafses periféricos, desve sobre os saldrios reais em todas as fases do ciclo econdmico. Na
analitico da abordagem estruturalista ndando um alcance
que causou admiracio aos alta, a abundincia de mao-de-obra permitiria a apropriagio de um
proprios economistas da escola cepalina, excedente crescente por uma reduzida parcela da populagio. Na
¢
_ Nio foi outro o reconhecimento que a obra fase de depressio, o prejuizo causado ao setor exportador e ao
mais destacados membros da Cepal, Noyola obteve de um dos Estado pela baixa de pregos da exportagio seria transferido 4 massa
Vasquez, ainda a partir compradora, através da desvalorizagio cambial.
de sua versio de 1954, isto é, de A economia
brasileira:
E curioso assinalar que, nesse texto de 1950, Furtado pds grande
"Em muito poucos casos poder-se-d énfase numa conclusio, a que chegou a partir dessa andlise, que
de madureza _e de independéncia alca apreciar melhor o gray deve ter feito o deleite de economistas conservadores como Eugénio
ncado pelo pEnsmehts
econdmico latino-americano, como nesse Gudin. Afirmou o autor que tais caracteristicas da economia brasi-
mio ¢ s6 muito valiosa por sua penetranlivro. A obra de Furtado leira teriam feito suvgir “um espirito de elevados lucros que passard
econdmica do Brasil, mas, sobretudo,
te andlise da historia
por sua contribuicio meto da agricultura & industria”. Explicou que predominava na industria
dolégica. Tratase de uma sintese um espirito protecionista exagerado, que inclufa proibicio de impor-
feliz
conscicneia histérica, O afi cartesiano de légica comes e tagio de equipamentos para enfrentar crises, ao invés de um esforgo
leva o autor a reduzir a modelos da precisio e clareza
de grande simplicidade a de elevagio de produtividade.
estrutura e o funcionamento dos siste
tempo, sua segura visio historia mas econdmicos. Ao mesmo J4 no livio A economia brasileira, porém, Furtado abandonaria
o conduz a situar esses modelos esse tipo de argumentagio. Mais ainda, abandonaria toda a abor-
€m sua perspectiva adequada”
[Visquez (1955) I: dagem A qual a2 mesma estava associada no texto de 1950, ou seja,
a de énfase na existéncia de um empresariado dinimico como
: A obra deve ser vista, na verdade, obstaculo ao desenvolvimento, expressa, por exemplo, pela seguinte
muito mais como um ensaio
de Interpretacio histérico-analitica passagem:
de orientagio estruturalista e
¢ynesiana do que uma pesquisa histé
rica em grande profundidade
Como o préprio autor afirma na intr “Os lucros excessivamente elevados, a socializagio das per-
Ser ldo-somente um esbogo do proce odugio, “o livro pretende das, o controle parcial das atividades agroexportadoras por
sso histdrico de formagiio da grupos financeiros estrangeiros, o elevado preco do dinheiro
€conomia brasileira”, cuja preocupagio
perspectiva a mais ampla possivel ag central seria descortinar uma € a debilidade do mercado interno — todos esses fatores con-
primeiro contato em forma ordenada leitor desejoso de “tomar un correrdo para retardar a formacio no pais de um auténtico
do pais”. O objeto teria sido “sim com os problemas econdmi : espirito de empresa, condigio bdsica do desenvolvimento de
plesmente a anilise dos sxienssos uma economia capitalista” [Furtado (1950, p. 25)].
econdmicos e nio a reconstituicio
dos eventos histdricos # 5 io
por tds desse processo’’.
ce i A mengdo a questdo de inexisténcia de um empresariado nacio-
A publicagéio do livro exerceu uma infl
lidade brasileira até hoje sem simil uéncia sobre a intelectua- nal dindmico persistiria a partir daf, na obra de Furtado, apenas
ar na literatura de ciéncias sociais como refor¢o A sua sistemdtica defesa de uma participagio crescente
es Brasil, Isso nos obriga a um exam
Antes de fazélo, sio convenientes e detalhado do seu contetido do Estado nas tarefas desenvolvimentistas. Mas deixaria de figurar,
algumas observagoes prévias a nas suas andlises historicas, como fator de realce na explicagio da
respeito dos estudos de Furtado sobr
e histéria econémica Brasileira formagio da estrutura subdesenvolvida da economia brasileira. Esta
que finalmente yesultaram ria Form
agio ccondmica do Brasil. 3 passou a ser analisada pelo autor em torno dos mecanismos de
= iA primeiras consideragées do determinagio da renda nacional nos “ciclos” da cana-deaglicar,
autor sobre a histéria econdmica
fo cira gPargeey num artigo mineragio e café, e na fase mais recente da industrializagio. E a
publicado na Revista Brasileira
omia [Furtado (1950)], do qual de incluir, em primeiro plano, as questdes de composigio de emprego,
j4 constam algumas idéias
distribui¢io de renda e formacio de mercado interno.
194
nl i No rut Deslistre ja contém o arranjo
: Istorica que figuraria no trabalho
conceitual respeito da expansdo da produgiio ¢ da renda e-dos desequilibrios
Formagdo econdmica d0 Brasil.i.
i gerados no processo pressupde a caracterizagdo da formacio eco-
tém també rr i Con
C
metadolédo gica, ndo includ a neste \lti fan. a 4 ndémica até fins do século XIX, realizada na parte anterior.
ili mo, que corr
coreesponiode oe
exer1cicio de identificacio daqu i lo que o autor consiRe dera
aqui No restante dessa se¢io faz-se uma apreciagio do conteido das
ggorias i | fundamentais
: do Pprocesso ; histé ble duas partes da obra, com o objetivo de realcar a contribui¢io ao
histdririco de crescim
Teenento
’ ”,* Ness
Nase
Xerc icio encontrase estruturalismo que a mesma contém.
o £ a base conceitual de um
erizagio da industriRs
alizaciio ; :
classica, publicad
breve ensaio de carac-
Observe-se, preliminarmente, que a interpretagio do autor
incluldo no livro Desenvol o em 1955 ¢ depois
vimento assenta-se basicamente sobre trés linhas de argumentagio que encon-
finalmente, um capitulo sobre 2 e subdesenvolvimento. E contém ;
“formulagio tedrica do problema travam-se bastante difusas nos textos anteriores, mas que se revezam
do desenvolvimento eco nami c Q 3 que
1 «© am bém viria a ser
ser inc 1 uido
de forma perfeitamente integrada no percurso do texto final. Uma
delas consiste num feliz artificio de confronto do subdesenvolvimento
- Formagio econdmica do Brasil brasileiro com o desenvolvimento norte-americano, a que o autor é
corresponde ao A economia bra
i eira, destituido desses capitulos levado por sua preocupagio em esclarecer os determinantes histéricos
mais abstratos, modificado em
> gumas partes e acrescido de algu da formagiio de distintas estruturas econdmicas na ‘‘periferia do
ns capitulos. Entre um e outro
an a publicoun vm outro texto [Furtado capitalismo europeu”. A segunda, reveladora da inclinagio keyne-
ica
a modilicagio importante em (1956) 7], em que a
relaci40 ao prime siana do pensamento do autor, compreende a determinacio dos
exclusdo dos capitulos m etodoldgicos imei
iro,
ro além d
i e Peo n obstidculos & expansio da renda, a formagio do mercado interno
do ertermo “economiaa ; ¢ colonial”
ial” por . “eco
teri é : ituicriche
h e a diversificacdo da estrutura produtiva ao longo dos diversos
c nomiaBR deEnen pendedia
nte”, By itna carac
Eto-
terizagio da economia subdesenvolv periodos da histéria brasileira. A terceira delas é determinada pela
de produtes primérios. ida especializada em exporta tl
preocupagio estruturalista com a gestio da heterogeneidade da
dois ail feta [3 Fad i. economia brasileira. Consiste na identificagio da formag¢do de uma
l 0 INES Mo que os outros
ngsgea 5 Hnais da Parte
| IV, referentes $ 4 * economiai de ampla economia de subsisténcia, anterior ao ciclo do café, mas que
aniclo para o trabalho assalariado”, sobreviveria ao mesmo.
e nos capitulos da Parte V
mq ¢ 0 autor analisa o colapso da O primeiro desses elementos expositivos estd apresentado essen-
economia cafeeira e a transicio
para a cconomia industrial. Mas cialmente em dois momentos do livro. Nos seus primeiros capitulos,
¢ consideravelmente mais apro-
: a én todos os capltulos anteriores, figura como parte integrante da andlise sobre os fundamentos eco-
: ala que fa suporte 4 caracterizag que sio precisamente
io da estrutura brasileira como ndmicos da ocupagdo territorial. A explicagio do éxito da colonizagio
senvolvida e & andlise dos problema portuguesa baseada na exploragio comercial da cana-de-agtficar, no
s que lhe sido especificos.
século XVI e inicio do XVII, e de sua decadéncia posterior, é feita
I1 i.4 .3. 2 — A Andlise da F /ormacio
em conjunto com a andlise do tipo de colonizagio empreendida nas
ca da LE strutur.
tura Subdesenvolvida Antilhas e na América do Norte. Nessa explicacio o autor oferece
o ponto de partida para sua andlise posterior sobre os contrastes
_ Eera. noses propdsitos ¢ nio entre as economias norte-americana e brasileira no século XIX.
obstante a perfeita validade (la Furtado argumenta que o tipo de atividade econdmica preva-
BANIZACA0 que o prdprio autor
deu ao livro, é Wtil dividi-lo, de
> au em duas grandes partes. Uma delas lecente na América do Norte até o século XVII era compativel
se dos rime apitules,$ ou seja, ; aqueles com a pequena propriedade de base familiar ¢ desvinculada do
sobre ocupagiio territorial ¢ eco que versam compromisso de remuneracio de vultosos capitais. O resultado teria
nomias escravistas Aqneaiciry e
ip, € 0s 10 primeiros capitulos mi- sido a formagio de comunidades "com caracterfsticas totalmente
da Parte IV do livro, referentes distintas das que predominavam nas prdsperas colonias agricolas
ransicao para o wtraballio assalari
ado. O autor dedica-se, nesse
Ee to u , nagio da estruturara subd de exportagio: a produtividade média era inferior, mas também o
asileira. Na ours, composta dos subdesenvolvida
i eram a concentiagio de renda e a parcela da renda revertida em
capitulos subseqiientes, passa 3
2. beneficio de capitais forineos’. O desfecho da comparagio entre
chnto
especifica, na fase durea da expansdo que ocorrert nessa estrutu Ta
:
os dois tipos de colonizacio é feito através do confronto entre as
cafeeira e na fase de transi. colonias inglesas das Antilhas e da América do Norte, ¢ consiste
A argumentagiio af apresentada
a em dois argumentos: em primeiro lugar, o de que, “ao contrdrio
196
197
do que ocorri a nas colénias de grandes plantagdes, em
substancial dos gastos de consumo estava concentrad que parte tagio de algoddo, O sucesso da economia norte-americana devia-se
a mms: vedurids ainda, segundo o autor, 4 formagio de uma corrente de capitais
classe de proprietdrios e se satisfazia com import
do Norte dos EUA os gastos de consumo se distribufaagGes, nas col6nias advindos da Inglaterra. Ao mesmo tempo em que ampliava a
da populaciy, Fanca m pelo conjunt acumulagiio de capital, esse afluxo de recursos compensava 0s délicits
Rann grande o mercado de objets de ex1ernos que nem mesmo o sucesso das exportagées permitia evitar,
u um [Furtado (1979, p. 31)]; e, em s Em resumo, de acordo com Furtado, *o desenvolvimento dos LUA,
a essas diferencas de Struturs. cohabit ee
de corresponder grandes disparidades do compo RL em fins do século XVIII e primeira metade do XIX, constitui um
rtamento dos grupos capitulo integrante do desenvolvimento da propria economia euro-
sociais dominantes nos dois tipos de coldnias”,
0s grupos dominantes ligavamse a grupos financ Nas epottidota; péia"”.
e consideravam a colonia como parte da grand eiros da metrépole Ao Brasil, além da auséncia de mercado interno, de base técnica
e empresa mn e empresarial ¢ de uma classe de dirigentes dinfimica, faltavam esses
= Inglaterra. Nas colonias setentrionais, as classe
avam
s dirigentes guar- externos bdsicos, Bem ao contrdrio, o que se registra na
ampla autonemia com relacio A metrd
estimulos
de ser um fator de fundamental importancia parapole, 0 que “teria primeira metade do século XIX ¢ um estancamento nas exportagdes
da colénia, pois significava que nela havia drgdos o desenvolviment brasileiras. Resultava daf que o préprio nivel interno de consumo
mnterpretar seus verdadeiros interesses e politicos capazes de entrava em declinio, o que impedia a expansio de uma indistria
nio
concorréncias do centro econémico dominante” apenas de retlet : téxtil, em si ja dificultada pela queda nos pregos dos produtos
. a ingleses e pelo boicote inglés 4 exportagio de mdquinas, Além disso,
Seg Muli Xrgomensacio é retomada nos Capitulos 18
ya e 19, a capacidade para importar tornava-se minima, com o que um
Slew rasta €conomias norte-americana e brasileira
ole ge fomento A industrializacio significaria simplesmente “tentar o im-
: Int cpendencias: para a economia brasileira,
gle ;2 tase excepcionalmente ruim, de contragio mesmessa possivel num pais totalmente carente de base técnica”.
i renda nacional; e, para a norte-americana,
o A comparacio entre as historias das economias norte-americana
trializagio ¢ de extraordindrio dinamismo. uma fase de ind e brasileira constitui um artificio expositivo habilmente empregado
Segundo = pelo autor para reforcar a caracterizagio da formacdo da estrutura
Furtado, constitui equivoco supor que econdémica subdesenvolvida no Brasil. Mas a caracterizagiio repousa,
bdsica para tio distintas performances tenha uma ca
Rojities protecionista na Brasil, semel sido a austncia de fina essencialmente, sobre os dois outros procedimentos metodolégicos
hante A norte:americana, a que nos referimos, ou seja, a descricio dos determinantes da
fe lo 3 Jena forte desvalorizagio cambial,
da ocorrida no expansdo ¢ contra¢iio da renda monetdria a partir dos setores expor-
e 0 XIX, mais do que compensou a insuficién
ras alfandegdrias cia de tadores clo pais e, intimamente associada, a identificagdo da formacio
no Brasil, como
m, € muito mais im-també do seu setor de subsisténcia.
portante ainda, , nos Estados Unido $ 0
protecioni
ioni smo teriai si
causa secunddria da industrializacdo. Com efeito, os capitulos referentes & economia escravista “de
Atop agricultura tropical” e "mineira” e A economia “de transicio ao
i Et cy no Brasil, a época da independéncia, 0 mer-
Gere Fist hase técnicae empresarial trabalho assalariado”, com os quais Furtado cobre mais de trés
e a indicagio das séculos da evoluciio histdrica brasileira, estio, no essencial, orien-
Ring m seguro apoio A industrializagiio que caract classes
rutura sécio-econdmica norte-americana erizavam tados exatamente por uma combinagio dessas duas questdes. Veja-
gelonia, Esta contava, inclusive, com uma ao fm de sua ela mos, resumidamente, como ¢ [eita a apresentagio dessas distintas
base industrial parcil. partes do livro, comecando por aquela referente 4 economia agu-
enge fomentada pela prépria metrépole,
base esta que chegava careira.
Proporcionar a produgio local de trés
quartas partes d i Um dos pontos destacados na andlise do setor escravista aguca-
ampla frota de marinha mercante.
£ ri reiro é o de que este reunia algumas das condi¢Ges necessirias a
a ese elimnts norte-americano teria
opr por. sido entio impulsio- geragio de um desenvolvimento econémico dindmico. Contava,
conjunto de fatores, como, por exemplo:
pe’ o estimulo essencialmente, com ampla disponibilidade de terras ¢ com uma
da produgiio doméstica que vinha da guerr
opin ts das guerras napolednicas; a da inde- elevada rentabilidade na auvidade exportadora, No entanto, a renda
¢, ainda mais importante, da exportagio encontra-se fortemente concentrada na classe de pro-
ar os e vanguarda que a economia norte-amer
Par na prépria revolugio industrial européia, icana logrou prietdrios de engenho e, além disso, revertia inteiramente para o
através da expor- exterior, seja awavés de importacGes, seja através de retengdo de
198
199
BE | aaa ia

parte dessa renda fora do pais por empresérios nio-re aracterizava-se por um nivel de produtividade muito id %
sidentes, que
controlava
m parcela da produgio interna.
praticamente nula a renda monetdria interna criada
Era, segundo o autor, ew correspondiam um grau de especializagio e oo id
de trabalho escravo. Nido haveria, conseqlientemen
na economia muito reduzido e uma Infima renda mHeLitia; He goth woe
possibilidade de que o crescimento com base
te, "nenhuma ‘
“economia criatori em seu ¢ onjunto”, ] a produgdo ligada
ia criatdria
no
originasse um processo de desenvolvimento de autop impulse externo subsisténcia da populagiio, que crescia rapidamente, ocupando o
ropulsio’. Apesar interior nordestino. ny Bi Joel,
de se observar um ripido crescimento populacional,
através de um O lento processo de retragdo da atividade ago £0 propre
processo de ocupagio de vasta 4rea territorial, promo
vido pelo cresci- demogrifico rdfico faziz
faziam crescer 31 a importinciaoer gt
mento em extensdo da atividade agucareira, “o crescimento
i
nomia, que nfo permitia uma articulagiio direla mecanismo da eco. ividad
atividade de menor r prodprodutividade do complexo ori ecol mpsai :
de produgio e de consumo”, anulava as vantagens entre os sistemas i
tino. A reducioa da dema nda pelos05 produtos pri pe
ids da pocttie, or Jae
» ppar |
desse crescimento i em retragio, do, implicava Jreaigl redugio na proche te
demogrifico como elemento dindmico do desen do setor exportador
volvimento econdmico iatori mas nio afetava
3 significativam . Sime ©=
[Furtado (1979, p. 52)]. da atividade ivi criatdria,
a
ansiio. Ao contrdrio i do caso das p antaghes de agicar, a ¢ YEposig 3
A andlise nio se esgota nessa idéia de limitagio
um fluxe cumulative de renda. Ela ¢ estend 4 geracio de iliac de “capital” fazia-se simplesmente Salary da Rp
ida para explicar a a e da mio-de-obra livre, isto é,
= 4 - 1101, H 3 ispe
d
a
forma particular com que a economia impor
nordestina acomodava as pa 5 stidriosdp com aquisigiio isigi de escravos oy e equipamentos
equip mp
crises do selor exportador, A idéia basica apres
entad a demanda da 1 p pelopissysetor ming
agucareiro
a economia escravista reagia 2s crises de forma distin a ¢ a de que Br AAooncqttng
tados, i
conseqiiéncia da retragioragio d
capitalistas de trabalho assalariado, Na ta das economias foi i que esse processo de ampliag liagio da economia: criatdriaiia
primeira, diante de uma elevagiio ido dada parcela da [orga de trabalho Loocupada em J atividad
reduciio da demanda externa, niio valia a pena
a utilizagdo da capacidade produtiva, id que os ao empresirio reduzir meta oobiiiibncs e redugio da produtividade média do sistema
quase unicamente em gastos fixos. A queda
seus custos consistiam em seu conjunto:
na capacidade produtiva
ocorria de forma apenas muito lenta, em
que, com a queda no prego das exportagoes,
decorréncia do fato de “Tudo indica que, no longo perfodo que i” ede al
o empresdric via-se tltimo quartel do século XVII aos comegos es i (LE
impedido de enfrentar os gastos de reposicio g ce
um lento processo de a tc 1
da forga de trabalho sti
economiai nordestina sofreu
¢ de equipamentos. importados, A conclusio
= que
¢ a de que a unidade exportadora tinha condig o autor ¢é levado no sentido de que a renda real per capita he sua populagio
des de preservar a declinou secularmente” [Furtado (1979, p. 63) |.
Sua estrutura, mesmo diante de uma crise
das proporgoes daquela “A expansio da economia nordestina, durante Sw longo
que atingiu a economia agucareira ao se
desorganizar o mercado de periodo, consistiu, em ultima gop yo gh
aglcar, no século XVII, com a concorréncia antilhana, Salienta
entio que “a economia ele ; i
lugiio econdmica: o setor de alta pro utividade ia : pe 9
acucareira do Nordeste brasileiro, com
resistin mais de wés séculos As mais prolongada efeito, Smpardnci relativa e a produtividade do setor pear decli
s depresses, logrando nou i medida que este crescia” [Furtado (1979, p. 64)].
recuperar-se sempre que 0 permitiam as condi
gdes do mercado exter
no, sem sofrer nenhuma modificagio estrut
ural significativa” [Fur-
tado (1979, p. 53). I importante observar que Furtado extraiu dai uma Cong
A explicacio sobre a preservagdo da estrut silo bdsica para sua caracterizagio do ho aa Dray =
reiro ¢ um dos elementos empregados ura do setor aguca- Segundo o autor, as formas que as assumiam
¢ os) dois 2
por Furtado para descrever Homi nordestina — o agucareiro e © ate my I en
0 que denomina de “complexe econdmico
nordestine”, o qual &
composto pela economia agucareira e por de decadénciai que se iniciou
inici na segt nda m ¢ is
uma “proje¢io” da mesma, constituiram leita fundamentais na formagdo do que he século
ou seja, a pecudria. Essa atividade, forma
da para atender A demanda XX viria a ser a economia brasileira [Furtado (1979, p. 61)].
de carne e animais de tragio e de transp
orte para o setor agucareiro,
cedo seria deslocada da 4rea das planta A identificagdo da formagio do subdesenvolvimento prossegue,
gdes de cana-de-agticar para
o interior. Ter-se-ia constitufdo, assim, no livro, atravésdo exame da Cae ai
como atividade dependente ao adotado nos capitulo: * ps
da economia agucareira, mas especialmente 1
cedimento iti
analitico idénti
¢ idéntico 2
Teria, também, caracterfsticas totalmente distinseparada da mesma. rei
4 economiai agucareira. QO autor exp. lica os determinantes
: da ocupag
) =
tas. Essencialmente, territorial ¢ da formagio de uma ampla economiade subsisténci
200
pecudria
no Centro-Sul do pais, vinculando essa explicacio 4 da formacio e mogrificos do pais. Nesse caso, como no da economia
sio demo grif ica se prolo ngard num pro-
declinio do que foi seu centro dinimico na era colonial, ou seja do Nordeste, a expan ado (1979,
[Furt
da economia monetaria”
a economia mineira. k es cesso de atrofiamento
. Argumenta que, dilerentemente do caso da economia acuca-
p. 85)].
reira, preexistia 4 atividade mineradora uma pecudria woe.
da hist6ria brasileira
espalhada por diferentes regiGes do Centro-Sul. A populagio ri ; A estagnagiio teria sido o aspecto marcante
o até mead os do século XIX.
areas teria sido exuemamente escassa. O advento da re do i desde o final do ciclo da mineragi
século XVIII teria tido dois importantes efeitos sobre a Er a entdo, com o surto cafeeiro:
A safda viria,
econdbmicada colbnia: primeiro, logravase decuplicar, nesse shale
século XIX os termos
a populagio de origem curopéia; e segundo, as caracteristicas do “Ao concluir-se o terceiro quartel do
leiro se havi am modificado basi-
empreendimento mineiro seriam tais que, logo apds sua implanta 70 do problema econdmico brasi
ao pafs reintegrar-se
numa detenminada regido, gerava-se grande dificuldade de aban camente. Surgira o produto que permitiria ial; concluida sua
mento. Elevaya-se o prego dos alimentos ¢ dos animais de wansport mund
nas correntes em expansio do comércio encontrava-se em condi-
nas regides vizinhas, 0 que constitufa um “mecanismo de irrads To etapa de gestagio, a economia cafeeira
expansdo subsegiiente;
sr a i or 7 rer da mineragio”. Além disso, a Lots do ¢oes de autofinanciar sua extraordindria
class e dirigente quc lide-
e corte e de transporte, muito superior & que se obs estavam formados os quadros da nova
cafee ira. Resta va por resolver, entre-
na econoniia acucareira, teria aberto um ciclo de prosperid fe pata varia a grande expansio
ado (1979, p. 116) ]..
regies. criatorias mais longinquas. A mineragi Bers Promo; tanto, o problema da mio-de-obra” [Furt
ripe
por esse @efeito
Ho, sobr
&obre. pl pe
dria, toda
tod: uma rede
de de integracdo
Spray eco-
s escravistas agucareira
Como nas partes dedicadas as economia
opi ira concentra-se na andlise
formado na regido escravista mineira teria sido ¢ mineira, o estudo da economia cafee
sio entre atividades de
b mos absolutos, ao da regio acucarcira. I da distribuicio da populagio em expan no exame do fluxo
¢omo
embora
g a renda média f osse inferior,
i i , era, era, também,
FA,
bém, menos ete corr.
concen- subsisténcia e a atividade exportadora, bemmico do periodo.
FH Pore 8 panels de populagio livre era muito maior e, de renda gerado a partir do setor dini
nas, reunida em grupos urbanos. Apesar di 9 inada em conjunto
volvimento enddgeno” sido
3 teriaria sido “prati PERE nulo”. isto, . 0O “desen- A primeira dessas linhas de andlise é exam viabilizar a expan-
vol ¢ “praticamente
> autor
com o problema que “restava por resolver’ para
Ee nio pods ser explicado apenas através da renta- sido dada pela corrente
d c do investimento em mineracgio ue tendiai a atraivi «do cafecira, o da mao-de-obra, A solugio teriaialme nte & lavoura caleeira
imigratdria europtia, que se dirig iu espec
o capital disponivel, nem ta mpouco através sdda proibici: ela classe dirigente do pais,
metrdpole,
: a atividade ma nufatureira. i A causa principal
erm teria si paulista, num fluxo organizado pela nova
poss
possivelmente, nt ; “a propria incapaci ] idade técnica oy Bh
dos imigra ee ntes So o empresariado do setor cafeeiro.
pela constatagio dessa
iniciar atividades manufatureiras em escala aprecidve F tudo Duas importantes questées $do abertas
preta da como sinal de
(1979, p. 79)). IEEE imigragio: primeiro, ela poderia ser inter a esc da existéncia
pals, pond o por terra
escassez de mio-de-obra no
i O declini Fp ion al a de ouro teriai de trazer, a essa regido amental 4 conceituagio
¢ ] ermanentes
1 de atividade econdmi mica que n a de ampla economia de subsisténcia, fund do, ela induz a per-
e, segun
estruturalista do subdesenvolvimento;
a agricultura de subsisténcia, uma “rdpida e geral decadéncia™ = e-obra escrava tornada
gunta sobre o que teria ocorrido com a mio-d a aboli¢io da escra-
Teria
Sehr ppRites dectnios foi o suficiente para que se desar- livre com a extingio do trabalho servil. .
acirr ado o “pro blem a da méo-d e-obr a™?
; a a economia da mineragio, decai
ecaindo vidéo
2 primeira questio ¢ a de que, com
os nimiicl
urbanos ; e dispersando-s-se grande parte Tae
de seus element rd A resposta de Furtado sténcia de maneira geral
economia de subsisténcia, , espalhados por sua vvasta
asta regi
regio. em algumas excegdes, “a economia de subsi
que o recr utamento de mio-de-obra
dae Sram estava de tal forma dispersa
- - = “ -~ . 0 em
ed as SoHICAEES isolando-se os mens dificil e exigiria grande mobi-
)
outros. Essa populagio relativ, amente numerosa dentro da mesma seria tarefa bastante
p. 121)]. Além disso, esse tipo
Seoatang espago para expandirse dentro de um regime de lizagio de recursos” [Furtado (1979,
0 apoio dos grandes proprie-
ia e vird a constituir um dos principais nicleos de- de recrutamento teria de contar com
203
202
aE. aaa

tirios das terras nessas regides onde predominava a economia de Essa interprefacio tem um peso ‘decisivo na formulacio -de
subsisténcia, cooperagio essa que “dificilmente podia ser conseguida Furtado sobre o problema do subdesenvolvimento brasileiro. Sua
pois era todo um estilo de vida, de organizagao social ¢ de estru- andlise sugere mesmo que, se o surto cafeeiro tivesse se iniciado
hr Ho poder politico o que entrava em jogo” [Furtado (1979, no momento em gue a mineragdo entrava em decadéncia, em fins
P i do século XVII, a economia brasileira teria conseguido evitar o
atraso relativo e o préprio subdesenvolvimento: i
Assim, quando surgia a possibilidade de significativa expansio
da produgio cafeeira, na segunda metade do século XIX, coexistia “Esse atraso tem sua causa ndo no ritmo de desenvolvimento
no pais, segundo o autor, uma grande reserva potencial de mio-de- dos ultimos cem anos, o qual parece haver sido razoavelmente
obra na economia de subsisiéncia — ao que se somava uma populagio intenso, mas no retrocesso ocorrido nos trés quartos de século
desocupada urbana pouco apta a regressar ao campo — e uma anteriores. N#o conseguindo o Brasil integrar-s¢ nas correntes
escassez de bragos na lavoura cafeeira. A aboligio da escravidio em expansio do comércio mundial durante essa etapa de rapida
contribuiria para acirrar o problema. transformacio das estruturas econdmicas dos paises mais avan-
Ja na primeira metade do século, ndo obstante uma continuidade cados, criaram-se profundas dissimilitudes entre seu sistema
de importagio de escravos, a mio-de-obra servil ter-se-ia reduzido econdmico e os daqueles paises.
em funcio de sua elevada taxa de mortalidade. A abolicio do regime A essas dissimilitudes teremos que voltar ao analisar os
de trabalho escravo teria tido efeitos diversos, no Nordeste e no problemas especificos de subdesenvolvimento com que se con-
Centro-Sul. Na regido acucareira nordestina, a escassez de terras fronta a economia brasileira no presente” [Furtado (1979
combinada a uma reduzida pressio da demanda por trabalho resul. p. 150) 1.
tante da queda nas exportagges de aglicar, teria provocado a conser
vagiodo trabalhador recém-liberado no interior do préprio complexe de Furtado, as caracteristicas do
No sistema de pensamento
canavieiro. No Sul, os escravos estavam concentvados principalmente essa “dissimilitude” e permitem
nas regides cafeeiras pioneiras, nos atuais Estados do Rio de Janeiro subdesenvolvimerito que descrevem
identificar “problemas especificos do subdesenvolvimento” sido, como
e de Minas Gerais. A abolicio se deu mais ou menos ao mesmo
tempo em que a produgfio se deslocava para terras mais férteis em toda a escola estruturalista, a dualidade tecnoldgica (ou seja, a
de Sdo Paulo. No entanto, ao invés de deslocar-sc para a nova coexisténcia de setores modernos e de subsisténcia) e uma escassa
regido, a for¢a de trabalho recém-liberada voltou-se essencialmente diversificacio no aparelho produtivo. O que a andlise de Furtado
para atividades de subsisténcia, o que teria sido possivel em fungiio sugere é que, nfo fossem a defasagem de trés quartos de século, €
da abundéncia de terras, Quando permanecia na lavoura cafeeira pravavel que nio se tivesse formado no pais a economia de subsis-
sob o. regime de salirios, loi capaz de auferir remuneragio mais téncia e seu exército de mio«le-obra subempregada, I que, conse
qilentemente, a elevagio de produtividade acarretada pelo: surto
elevada por seu trabalho, dada a situacio de escassez ocasionada
pela desorganizagio do regime de trabalho preexistente. A elevagio exportador cafeeiro teria implicado elevacio salarial ¢ formagio de
um mercado interno, dai resultando, entdo, uma estrutura produtiva
salarial teria acairetado, no entanto, uma queda na produtividade de um elevado padrio tecnoldgico
porque teria induzido o ex-escravo a veduzir suas horas de trabalho, diversificada e a disseminagfio
em toda a estrutura econdmica, semelhante ao que ocorrcu nos
Em outras palavras, a aboli¢do do trabalho escravo teria resul- Estados Unidos.
tado, por um lado, em ampliagio da economia de subsisténcia e A passagem reproduzida acima conclui a parte do livro que
redugio da produtividade do trabalho e, por outro, em acirramento
descreve os determinantes histéricos da formagio da estrutura sub-
da escassez relativa de m#o-de-obra. Esta seria contornada, entio
desenvolvida brasileira. Significativamente, essa mesma passagem
pelo recrutamento do trabalho europeu por parte de uma nova reine, implicitamente, os trés elementos que compdem a metodo-
oligarquia cafeeira perfeitamente mobilizada -em funcio de seus in- logia do estudo do autor sobre essa formagio. O atraso relativo do
teresses. Sua opgo consciente pela linha de menor resisténcia, a Brasil em relaco aos Estados Unidos devesse a sua “nio integragio”,
da imigragio européia, em lugar .de migragies internas — como no momento apropriado, nas “correntes em expansio do comércio
a que ocorreu no trgico translado- de .nordestinos 4 Amazénia —, mundial”, Suas profundas “dissimilitudes” em relagio aos paises
dose intacta a economia de subsisténcia, que sobreviveria ao surto adiantados compreendem a dualidade tecnoldgica, dada pela forma-
cafegiro. . z clio de uma ampla economia de subsisténcia, e a: pequena diversi-

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EE. im

ficagio do aparelho produtivo, dada pela inexisténcia de condigdes Nas novas condicdes, a massa de saldrios paga no setor expor-
propicias i geracio de um processo cumulativo interno de produgdo tador torna-se “o nucleo de uma economia de mercado interno”,
€ consumo, O aumento de produtividade do sistema econdmico nfo se limitaria
mais a sewpbisingla da mio-deobra do setor de subsisténcia para
o setor exportador, mas incluiria também a absor¢do da mesma nas
1II1.4.3.3 — A Anilise da Expansio Interna e da Transi¢io para a novas atividades ligadas ao mercado interno. Essa elevagio da produ-
Industria na Estrutura Subdesenvolvida Brasileira: iividade ndo se refletia, no entanto, numa elevagio nos saldrios
1850/1950 reais, em virtude da existéncia de mio-de-obra em excesso no setor
de subsisténcia. Mas implicava uma elevagio na remuneraciio media,
A segunda parte do livro examina o processo de crescimento porque crescia a populagio ocupada nos sctores monetdrios — de
que ocorrerd, nesse quadro estrutural, entre meados do século XIX exportagio e mercado interno — relativamente 3 economia de
¢ meados do século XX, ou seja, nos perfodos de expansdo da subsisténcia, de tal forma que a “massa de saldrios monetérios —
economia cafeeira e de transicio para a economia industrial. Essa pase do mercado interno — aumentava mais rapidamente do que
parte contrasta com a primeira em dois aspectos analiticos. o produto global” [Furtado (1979, p. 153) ].
No livio 4 economia brasileira, Furtado enfatizou a idéia de
Em primeiro lugar, nfo se trata mais, ai, de comprovar que da economia
a evolugio histérica da economia brasileira conduziu a formacdo ue a pressio baixista sobre saldrios reais advinda
de uma estrutura. econdmica subdesenvolvida, e sim de proceder 4 de subsisténcia atuava como fator de limita¢io do mercado interno.
analise econémica adequada ao quadro estrutural descrito. Por isto, No livro definitive, o autor abandonou essa linha de argumentagiio
é nessa parte do livio que a abordagem torna-se mais propriamente
e manteve apenas duas outras consideragdes associadas 4 ndo cle
vacio de saldrios: a primeira consistiu na observagio de que a
estruturalista. O processo de industrializagdo é visto, entdo, como
situagio favordvel a apropriagio, pelos empresirios, da totalidade
problemitico porque efetnado com grande rapidez, sobre uma estru-
tura econdmica atrasada. dos beneficios da elevagio de precos dos produtos de exportagio
acarretava uma acumulacio de capital mais rvdpida e, conscqiiente-
Em segundo lugar, também nfo se trata mais de descrever as mente, wna maior absor¢aa de mio-de-obra do setor de subsisténcia;
condi¢des que impediram a formagdo de um mercado interno, ou a segunda consistiu na avaliagio prebischiana dos efeitos da abun-
seja, de fazer uma andlise keynesiana “pela negativa”. Ao contririo, dincia da mio-de-obra sobre as relagdes de intercdmbio do pals,
0 problema passa a ser o de mostrar quais as condigdes que deter ou seja, na idéia de que, se os saldrios absorvessem parte da elevagio
minaram a modalidade de expansio da renda que viabilizaria © da rentabilidade auferida na alta cicliea, haveria maior capacidade
processo de industrializagdo posterior. de defesa contra a queda de precos e a deterioragio dos termos
Em resumo, fica mais ébvio o enfoque “keynesiano-estrutura- de intercimbio na fase de baixa. Como os saldrios podem oferecer
maior resisténcia 4 compressio do que os lucros, na fase depressiva,
lista” da obra. A anilise estd centrada na identificagio dos meca-
nismos de expansio do nivel de renda e dos desequilibrios estruturais ter-se-iam meios para evitar a deterioragfio secular das relages de
gerados no processo. De forma a nio alongar ainda mais a presente troca,
exposi¢io, passamos a um brevissimo resumo dos principais aspectos O ponto seguinte da andlise do autor ¢ que, como a pressio
constitutivos da analise. da queda ciclica recai sobre os lucros, seria de esperar que a con
O ponto de partida dessa segunda parte do livro é a caracte- centragio de renda produzida ma alta ciclica se reduzisse na fase
rizacio do significado do advento do trabalho assalariado, “fato de de baixa. No entanto, os empresirios brasileiros teriam conseguido
maior relevincia ocorrido na economia brasileira e no ltimo quartel translerir essa pressdo para os demais setores da coletividade, através
do século XIX" [Furtado (1979, p. 151). A partir dai, a dinimica
do mecanismo de depreciagio cambial.
do sistema econdmico tornar-se-ia distinta da que ocorria no passado. Esse seria, segundo Furtado, o mecanismo de ajuste 2 contragio
Dada a abundancia de mio-de-obra e de terras subutilizadas, o {luxe cielica tipica de cconomias dependentes, Nas economias maduras,
de renda criado pelo setor exportador passava a propagar-se para o a baixa ciclica caracteriza-se pela contraciio das inversdes, que acar-
restante da economia, provocando a produgio ¢ comercializagio local reta reducio no nivel de renda simultdnea 4 redugiio no invel de
de uma série de bens de consumo e uma melhor utilizagio dos importagdes, Nas economias dependentes, a0 contrdrio, ocorreria uma
fatores de producio disponiveis, defasagem entre a contragio no volume das exportacies e a redugio

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ji
das importagbes. Além disso, ocorreriam, ao mesmo tempo, uma Através dessa andlise, Furtado chegou, finalmente, 4 sua cléssica
deterioraciio dos termos de troca e uma fuga de capitais, O resultado explicacio sobre a transformagio da economia primério-exportadora
inevitdvel seria um agudo desequilibrio no balango de pagamentos, brasileira em economia industrial, cujo momento critico teria ocor-
tornando-se fcil prever “as imensas reservas metdlicas que exigiria rido nos anos 30. A interpretagiio repousa basicamente sobre a idéia
o pleno funcionamento do padrio-oure numa economia como a do de que, simultaneamente 3 manutencio do nivel de renda e da
apogeu do café no Brasil” [Furtado (1979, p. 159)]. Ac invés, nio procura interna, caia basicamente o valor das exportagdes, acarre-
restava outra alternativa sendo a de desvalorizacio cambial. tando forte desvalorizagio cambial e brusca queda no coeficiente
A desvalorizagio cambial corresponderia, segundo Furtado, a de importagdes, reduzindo-o de 14 para 8% da renda territorial
um mecanismo de “socializag¢io das perdas”, resultantes da contraciio bruta.
ciclica das exportacbes. O resultado final, além da manuten¢io do Isso teria entdio acarretado uma forte expansio da oferta interna
grau de concentragio da renda, teria sido uma maior capacidade substitutiva das importagdes, tornadas proibitivas pela queda na
de resisténcia A crise por parte da economia como um todo. Através capacidade para importar. Furtado identifica esse momento como
da desvalorizagio cambial os empresirios podiam preservar o nivel de “deslocamento do centro dindmico” da agricultura de exportagio
da producio, apesar da crise. Dessa forma, “evitava-se a queda do para as atividades de mercado interno, Estas cresciam, segundo o
nivel do emprego e limitavam-se os efeitos secunddrios da crise” autor, impulsionadas nfo somente pela maior rentabilidade, mas
[Furtado (1979, p. 167) ]. igualmente por atrairem “capitais que se formavam ou desinvertiam
Um outro mecanismo de defesa bdsico do setor cafeeiro seriam no setor de exportagio”. E cresciam, inicialmente, com base num
os esquemas de valorizagio do café, postos em pratica a partir do aproveitamento mais intensivo da capacidade previamente instalada,
Convéniao de Taubaté, em 1907, como forma de suavizar o efeito acrescida de importages, a pregos reduzidos, de equipamentos tor
da crise de superproducio sobre os pregos do produto. Essa politica nados supérfluos nos palses desenvolvidos em crise. A expansio
de defesa da rentabilidade da atividade teria trazido, porém, duas industrial dos anos 30 teria, inclusive, logrado alcan¢ar a produgio
conseqiiéncias negativas: em primeiro lugar, por nio ter sido acom- interna de uma parcela dos bens de capital de que necessitava. O
panhada de esquemas de desestimulo as inversdes no setor, permitia processo de industrializagdo retomaria um ritmo acelerado alguns
que continuasse a crescer o plantio, ampliando e transferindo para anos apés o final da II Guerra Mundial. Um importante fator de
o futuro o problema da superproduciio; e, em segundo, esse problema estimulo teria sido a dupla protegiio proporcionada pela politica
acirrava-se ainda mais porque a politica de precos elevados acabava de cimbio fixo, acoplada ao controle seletivo de importagGes. posta
fomentando a produgiio do café em outras regides do mundo. em prdtica a partir de 1947 como resultado de wma decisio que se
O autor argumentou entio que, ao irromper a Crise de 1929, seguiria ao desequilibrio externo promovido por forte evasio de
o setor cafeeiro encontrava-se debilitado por uma crise de super- divisas no imediato pés-guerra. Em primeiro lugar, protegiase a
produgio sem precedentes, que acarretou dréstica redugiio no prego industria de bens de consumo nacional da concorréncia externa; e,
do produto. No entanto, o nivel da producio e a renda do setor em segundo, € mais importante, o efeito conjunto da inflagio interna,
cafeeiro ndo chegaram a ser profundamente afetados. Em primeiro que barateava as importagdes, ¢ da considerdvel melhoria nos termos
lugar, porque ocorren uma forte desvalorizagiio cambial, que pes- de intercdmbio, que ocorreu nesses anos, possibilitou forte ampliacio
mitiu socializar as perdas provenientes da queda no prego interna- na importagio de bens de capital e matérias-primas industriais.
cional do produto; e, em segundo, porque pdsse em marcha uma Dessa forma, a elevagio da produtividade associada a melhoria nos
politica de retencio e destruiciio de parte da produgio caleeira. termos de troca, ao invés de traduzir-se em maior renda para a
A conseqiiéncia fundamental desse duplo mecanismo de defesa classe exportadora, estaria sendo capitalizada no setor industrial.
da renda do setor cafeeiro teria sido ndo apenas a preservagio do Uma caracteristica distintiva desse processo de industrializacfio
nivel de emprego no setor exportador, mas também nagueles setores deslanchado pela crise externa nos anos 30 teria sido sua tendéncia
produtivos ligados ao mercado interno. Em especial, a politica de estrutural ao desequilibrio externo e A inflagio. O estimulo inicial
destruigao dos excedentes do café teria correspondido “a um verda- it expansiio industrial, ou seja, a insuficiéncia de capacidade para
deiro programa de fomento nacional”, a uma prética inconsciente importar, transformar-se-ia em seu obstdculo bdsico. Tm 1947, a
de uma "politica anticiclica de maior amplitude que a que se tenha capacidade para importar seria aproximadamente a mesma que em
sequer preconizado em qualquer dos paises industrializados” [Fur- 1929, ndo obstante a renda nacional houvesse aumentado em cerca
tado (1979, p. 192). de 509. Seria de esperar, assim, que a expansio industrial que se

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EE SSS ici

processava sobre a_estrutura produtiva pouco diversificada que ca- da_ economia. E, numa economia de grandes potencialidades
racterizava o subdesenvolvimento brasileiro conduzisse necessaria- e de baixo grau de desenvolvimento, a ultima coisa a sacrificar
mente a desequilibrios no balango de pagamentos e a fortes presses deve ser o ritmo de seu crescimento” [Furtado (1979, p. 232)].
inflaciondrias, E essa a interpretacio fundamental do autor sobre
o recorrente desequilibrio externo e a continua inflagfio observada Tal mensagem desenvolvimentista ¢ um dos raros momentos da
no perlodo de aceleragio da industrializagiio, a partir do final da obra em que Furtado se expressa a respeito da politica econdmica
década de 40. que considera mais adequada ao processo de desenvolvimento eco-
ndmico nacional, Essa questdo foi deixada pelo autor para outros
J4 no perfodo da guerra ter-se-iam observado altas taxas de textos, que examinamos nas se¢oes anteriores,
inflagdo. O autor supde que uma das razdes para isto deve ter sido
a incapacidade de esterilizar a renda de exportagio, que crescia em
ritmo acelerado ¢ que nio podia reverterse em importacSes, dadas
as condigdes especiais de comércio internacional naqueles anos. A
essa renda somavamese grandes déficits pablicos, pressionando uma
oferta interna que ji se mostrava fortemente ineldstica ao final dos
anos 30.
Alguns anos apds o final do conflito mundial, no periodo em
que melhoravam os termos de troca para a economia nacional, a
renda acrescida do setor exportador mais uma vez deparou-se com
escassez da oferta, desta [eita tornada ineldstica pela politica seletiva
de importagBes. O autor argumenta que, nessa situagio, seria errdneo
supor que o sistema bancério constituia o fator primdrio da inflagdo.
O que tio-somente ocorre, segundo ele, é que, “ao represarse, no
setor interno; o aumento <a renda monetdria, pressionando sobre
os precos de artigos manufaturados, géneros alimenticios e servigos,
o sistema bancdrio subministra os meios de pagamento necessirios
para que se propague a elevagio dos pregos” [Furtado (1979, p. 230) 1.
O problema da inflagiio decorrente do duplo quadre de rigidez
de oferta — externa interna — terse-da complicado ainda pelo
fato de que a elevagio dos precos das exportages teria tido o elfeito
de desviar recursos da agricultura de mercado interno para a de
exportagies. Isto teria determinado a redugio da oferta de géneros
alimenticios, precisamente no momento em que a renda dos consu-
midores estava crescendo. Essa argnmentagio conduz o autor d ¢x-
pressiva passagem com que conclui o capitulo em que analisa o
processo inflacionério:

“Lxiste, assim, no setor primirio da economia brasileira,


um mecanismo de ampliagio dos desequilibrios provenientes
do exterior. Essa observagio pde mais uma vez em evidéncia
as enormes dificuldades com que se depara uma economia como
a brasileira para lograr um minimo de estabilidade no seu
nivel geral de precos. Pretender alcancar essa estabilidade, sem
ter em conta a natureza e as dimensges do problema, pode ser
totalmente contraproducente do ponto de vista do crescimento

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