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Inovação Industrial e Crescimento

Roberto Nicolsky

1. Introdução. O desejo de crescimento dependência ainda no século XVIII e bem


no início do século seguinte definiram a sua

É
um legítimo anseio de todo povo que o política de crescimento através da chamada
seu país cresça e que desenvolva a sua “Carta da Manufatura”, de Alexander Ha-
economia de modo a promover a melho- milton, seu ministro do Tesouro. A Carta,
ria das condições de vida através da redistri- como o seu nome já evidencia, propunha
buição da renda agregada a todos os segmen- claramente o caminho da industrialização e
tos da sua população. A questão a discutir é da competição no cenário mundial e, prin-
como realizar esse objetivo com eficácia nas cipalmente, latino-americano, através da
condições existentes no país e no mundo. chamada Teoria Monroe, de 1823, do pre-
O modelo básico dos países não desenvol- sidente de mesmo nome, que defendia que
vidos é da economia do colonizado, ou seja, a a América deveria ser para os americanos
exportação de produtos naturais ou primários, (do norte).
em geral matérias-primas, para os países cen- Os fatos mostraram que o caminho que
trais ou para os países desenvolvidos. Assim Hamilton apontou era o certo para crescer
foi por séculos, até mesmo com países que, e se tornar a maior economia do planeta até
em princípio, se libertaram da condição colo- os dias atuais, e a Teoria Monroe teve gran-
nial no início do século XIX, como a América de influência na política externa dos Estados
Latina (com exclusão do multicolonial Cari- Unidos, para que o país se transformasse na
be), pois ao se liberar de Espanha e Portugal principal potência mundial. Mas, esse ca-
caíram na zona de influência econômica da minho não foi trilhado por nenhum latino-
Inglaterra e de seu descomunal Império Bri- -americano. E as tentativas praticamente
tânico, continuando a exportar essencialmen- isoladas do Barão de Mauá foram sufocadas
te matéria-prima (commodities). pelos donos dos minérios, do café e do açú-
A importante exceção foram os Estados car, ainda em pleno século XIX.
Unidos da América que proclamaram a in-
2. II Guerra Mundial, a queda do
Roberto Nicolsky, doutor em física, trabalhou por 20 anos sistema colonial e suas consequências
na indústria metalmecânica em P&D de inovações. Cursou

A II Guerra Mundial (IIGM), ao enfra-


pós-graduação em economia na Faculdade de Economia e
Administração da USP (FEA/USP), é professor aposentado
quecer os países centrais, acelerou a de-
de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ)
e diretor-presidente da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Ino- sarticulação de praticamente todo o sistema
vação Tecnológica). colonial existente à época, com a exceção de

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alguns pequenos países, bem como mudou da de 1930, o Japão imediatamente no pós-
substancialmente as zonas de influência e -guerra começou a comercializar seus novo
até dependências econômicas em diversas produtos – na verdade, cópias de baixa qua-
regiões do mundo. Países, antes dominados, lidade de artigos ocidentais de baixo conte-
passaram a empreender o caminho do desen- údo tecnológico, muitos chamados de “bu-
volvimento próprio, geralmente baseados no gigangas orientais”. Mas, é esse processo
processo da industrialização tardia. Neste de imitação que responde pelo fundamental
texto, só abordaremos países chamados de aprendizado tecnológico, como muito bem
não desenvolvidos, à exceção do Japão, pe- explica o grande ideólogo da Coreia do Sul,
la singularidade de seu rápido crescimento Linsu Kim, em seu livro “Da Imitação à Ino-
no pós-guerra com base na diversificação da vação”1, e em seus textos abaixo2 (tradução
indústria de manufaturas para disputar o co- livre e destaques do autor):
mércio mundial. “Em países desenvolvidos, ‘aprender
A possibilidade de se inserir de manei- pesquisando’ (learning by research) por
ra autônoma no novo cenário de comércio empresas, universidades e institutos tem um
mundial, que passou a ser regulado pelo papel dominante na expansão da fronteira
Acordo de Bretton Woods em reunião com tecnológica.”
a presença de 45 países (EUA, em julho de “Em países em desenvolvimento, ao
1944), abriu um novo horizonte até aos pa- contrário, “aprender fazendo” (learning by
íses derrotados – Alemanha, Itália e Japão doing) e engenharia reversa por empresas,
–, cuja ânsia por mercados próprios (ou co- com limitada assistência de universidades e
lonizados) deflagrara a IIGM. Para tanto, institutos, é o padrão dominante de acumu-
mobilizaram-se para a conquista do merca- lação de competência tecnológica.”
do internacional, com políticas públicas que Sob políticas públicas do MITI (sigla
objetivavam a recuperação de suas indús- em inglês do Ministério do Comércio Ex-
trias preexistentes. Especialmente no Japão, terior e Indústria), esse foi o conceito que
houve uma forte expansão para setores pro- o Japão seguiu e que o levou a construir a
dutivos que antes eram dominados. sua indústria, sua força tecnológica e a sua
E ainda mais para os países dinâmicos riqueza. Foram décadas de imitação com
chamados de emergentes, alguns até colô- uma contínua introdução de melhorias, isto
nias ou economicamente dominados antes é, inovações industriais, partindo das mais
da guerra. Todos se basearam no próprio de- rudimentares e simples, chegando a grandes
senvolvimento tecnológico, gerando e agre- sucessos como o walkman, as máquinas fo-
gando inovações industriais, cujo montante tográficas, os instrumentos óticos, robôs e
pode ser bem avaliado pelas patentes conce- tantos outros, muitos já fora do âmbito ma-
didas a esses países pelo USPTO (sigla em nufatureiro e tudo sob o fomento estatal.
inglês do escritório de patentes americano). Da década de 1990 em diante, o Japão se
Isto porque a patente só tem valor territorial tornou líder tecnológico em muitos produtos
e a forma de se comparar é no maior merca- e subsetores. Hoje, o Japão obtém a outorga
do, ou seja, nos EUA. de mais de 50 mil patentes no USPTO a ca-
Por não ter tradição de presença no mer- da ano, abaixo apenas dos EUA e quase três
cado mundial de manufaturados até a déca- vezes mais do que o terceiro gerador, surpre-

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endentemente, a Coreia do Sul. O PIB per quando a editora da Unesco divulgou a edição
capita do Japão já está na ordem de US$ 40 do relatório “World Science Report 1993”3,
mil, um dos mais altos do mundo. primeiro estudo da entidade mostrando um
Partindo de uma infraestrutura arrasa- amplo panorama mundial do que, internacio-
da por uma guerra local (1950-1953), mas nalmente, chama-se de R&D (Research and
com envolvimento quase mundial, e com Development), explicitando com exemplos
uma renda per capita da ordem de US$ 80, o papel fundamental exercido pelas políticas
a Coreia do Sul decidiu se reconstruir, se públicas de fomento às atividades de pesquisa
desenvolver e crescer para atender às ne- e desenvolvimento (P&D) no âmbito do setor
cessidades de seu povo. Seus primeiros es- produtivo desses países emergentes asiáticos,
forços foram na restauração de seu capital especialmente a Coreia do Sul. Nada do que
humano pela educação, inclusive a superior. ocorrera nesses países fora fruto das chamadas
Para tanto, além das suas universidades tra- leis de mercado, como é hábito cultuar em cer-
dicionais, criou em 1967 o Kist (sigla em tos círculos. Muito ao contrário, prevaleceu a
inglês do Instituto Coreia de Ciência e Tec- determinação dessas sociedades em construir
nologia), destinado a formar jovens técni- as suas economias para competir com as eco-
cos, engenheiros e outros com a visão crítica nomias dominantes no mercado mundial. E
indispensável para inovar, e para orientá-los vencê-las amplamente, como está evidenciado
promoveu uma diáspora reversa dos profes- hoje pelas crises dos países centrais, que estão
sores e pesquisadores coreanos que resultou perdendo a competitividade de seus produtos,
num retorno de mais de 1.100 para o novo ou por seu marasmo no crescimento.
instituto. Os dados e as informações da referida
Essa política ainda foi considerada insu- publicação da Unesco serviram de base a
ficiente e, em 1972, a Coreia promulgou a um artigo que foi publicado na Folha de S.
sua lei de fomento no 2.3993 que a colocou Paulo, no dia 5 de janeiro de 1995, quando
na rota da imitação adaptada às suas condi- começava um novo governo. Nesse artigo,
ções dos passos do Japão, do qual havia sido cujo título era “O que faz falta à ciência e
colônia por cerca de 40 anos até a IIGM. Ini- tecnologia”4, discutia-se, talvez pela primei-
ciando com cerca de algumas poucas dezenas ra vez, com dados sobre a Coreia, a neces-
de grandes grupos empresariais (chaebol), sidade de políticas públicas de fomento ao
a Coreia lançou uma imediata generaliza- desenvolvimento tecnológico em seu lócus
ção da sua política de fomento aos médios natural, a indústria.
e pequenos empreendimentos, que hoje são O artigo gerou uma polêmica porque pro-
mais de 30 mil participando do programa de punha que o fomento fosse diretamente às
inovação industrial. A outorga de apenas três empresas e independentemente de vínculos
patentes pelo USPTO, em 1970, tornou-se com universidades e institutos tecnológicos.
mais de 18 mil só no ano de 2015. O valor Nos anos que se seguiram, publiquei muitos
monetário do PIB per capita médio de seus artigos bem como outros autores também o
mais de 50 milhões de habitantes está em fizeram, e o tema foi ganhando fôlego em
cerca de US$ 27 mil anuais. A riqueza che- meio à polêmica sobre a questão crítica do
gou em 50 anos: 1967-2017. papel das políticas públicas e do processo
Um fato relevante ocorreu no ano de 1993, de mobilização do setor produtivo para esse

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tipo de competitividade. A palavra inovação vimento. O diálogo valeu por uma aprendi-
surgiu como um polo atrativo, abrindo novos zagem intensiva sobre a política tecnológica.
espaços na mídia impressa e até televisiva. Um pouco antes da Coreia do Sul, uma
Nessa fase houve oportunidade de se ex- outra região independente adotara a rota ja-
por essa preocupação a alguns gestores pú- ponesa, trata-se da Ilha de Taiwan, que antes
blicos específicos da área, como presidentes pertencera à China. Não vou me deter mais
e diretores do CNPq e da Finep, e também a sobre esse caso por ser um ponto singular,
dois ministros de Ciência e Tecnologia, que mas, apenas, informar que hoje os seus qua-
concordaram, porém nada disso propiciou se 24 milhões de ilhéus dispõem de um PIB
resultados concretos. Duas constatações per capita médio de US$ 23 mil. Outros pa-
emergiram dessa fase. Inicialmente, ficou íses orientais de grande sucesso não serão
evidenciada a necessidade de leis específi- comentados porque são muito diferentes do
cas para dar base a políticas públicas de fo- nosso caso e não se adequam a nos servir de
mento tecnológico. Em segundo, mostrou-se modelo, basicamente por seus sistemas polí-
necessário que a atuação individual fosse ticos e pelas implicações econômicas decor-
substituída por uma entidade do setor produ- rentes. É o caso, principalmente, da China,
tivo com representatividade específica para que iniciou a sua adaptação da rota japonesa
expressar esse posicionamento. à sua estrutura econômica em 1980 e hoje é
Em 1999, surgiu a oportunidade de visita o segundo PIB mundial.
à Coreia do Sul para conhecer tanto as polí-
ticas públicas de fomento à inovação quanto 3. Bases conceituais do
a entidade Koita5 (sigla em inglês da Asso- desenvolvimento tecnológico
ciação Coreana de Tecnologia Industrial).
Essa viagem foi propiciada pela minha par-
ticipação em uma conferência científica. Para
melhor aproveitar essa ocasião rara, solicitei
O encontro havido com Linsu Kim e a
leitura do seu livro1 e do artigo2 mos-
traram a inadequação do modelo assumido
a colaboração da embaixada brasileira em por nossa política de C&T nessa época pa-
Seul, que agendou reuniões no Stepi (sigla ra um país emergente, o chamado Modelo
em inglês do Instituto de Política em Ciência Linear6,7. No Modelo Linear, os recursos
e Tecnologia), assim como na entidade Koita. públicos são direcionados essencialmente
Entretanto, o melhor da visita foi a ini- para as universidades, esperando-se que es-
ciativa da embaixada de oferecer um almo- tas desenvolvam conhecimento que depois
ço, para o qual convidou o professor Linsu seria transformado em inovação industrial,
Kim, que por 12 anos esteve à frete do Stepi, uma etapa fundamental, que não se sabe
justamente durante os anos 1980 e parte dos quem vai desenvolver, posto que está fora
anos 1990, e que à época presidia o órgão da competência e da missão da universidade
de planejamento estatal da economia. Linsu e tem que ser resolvida na unidade em que
Kim, certamente o principal pensador sobre o será produzida, então, seria transferido para
desenvolvimento tecnológico de países emer- o tecido produtivo. É o que está proposto nas
gentes de industrialização tardia, conhecia leis que criaram os diversos fundos setoriais
muito bem o Brasil, pois aqui esteve diversas e que retiram recursos do setor produtivo pa-
vezes, a Finep e a nossa política de desenvol- ra esse fim. Segundo Linsu Kim, a conexão

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com o setor produtivo só é eficiente quan- to tecnológico sem o correspondente cresci-
do as indústrias já se encontram na fronteira mento da geração de patentes.
tecnológica, o que é irreal em uma econo-
mia ainda em desenvolvimento, como a nos- 4. Lema basilar ou condição
sa, salvo raros nichos de excelência. Havia, necessária da inovação industrial:
portanto, a necessidade de um novo conceito compartilhamento do risco
de política pública para a tecnologia.
Isso fica ainda mais claro quando exa-
minamos o resultado da tabulação realizada
pelo economista russo Guenrich Altshuller7,8
O que se conclui dos crescimentos rápi-
dos dos países mencionados? Todos
foram essencialmente baseados na indus-
com mais de 200 mil patentes, em sua teoria trialização tardia visando ser competitivos
“Innovatrix”8. Vemos que as descobertas de no mercado externo. Para tanto, deram prio-
novos conhecimentos respondem por menos ridade ao desenvolvimento de inovações in-
de 1% das patentes dos países centrais. Ain- dustriais, compartilhando o risco tecnoló-
da que um país emergente produza uma des- gico com as empresas através do subsídio
coberta, a sua base industrial provavelmente direto, como permite o artigo 8º do acordo,
não estará apta a transformá-la em produto que criou a OMC, mas anteriormente era
(o Brasil descobriu o captopril como um autorizado pelo GATT (sigla em inglês de
novo princípio ativo transformado em me- Acordo Geral de Tarifas e Comércio), pois
dicamento nos EUA), salvo raros nichos de todos os países centrais o praticam para se
excelência, pois ainda se encontra em pro- manter na fronteira tecnológica. O resulta-
cesso de “acumulação da competência tec- do pode ser bem avaliado pelo crescimento
nológica”. das patentes outorgadas pelo USPTO. Todos
Portanto, apostar uma política de desen- iniciaram imitando e aos poucos foram redu-
volvimento nas novas tecnologias e produ- zindo o tempo de atraso na imitação, tornan-
tos é reduzir a chance de sucesso a menos do-se cada vez mais competitivos, porque
de 1% e desprezar 90% representada pelas também elevaram as suas escalas de produ-
inovações que se tornam as soluções de pro- ção e, por consequência, os seus padrões de
blemas rotineiros de projeto, pequenas me- produtividade.
lhorias ou invenções que se resolvem na em- Assim, o Japão iniciou o processo de
presa (com recursos) com os conhecimentos crescimento rápido por sua política pública
da especialidade de uma dada tecnologia. após o armistício, por volta dos anos 1950,
A visita à Coreia mostrou, também, que o partindo de uma boa base. Vinte anos depois,
principal indicador universalmente utilizado Taiwan e Coreia do Sul seguiram seus pas-
como medida da eficácia das políticas pú- sos, porém partindo do quase zero, mais dez
blicas de fomento à inovação é o número anos e a China (e depois agregando Hong
de patentes outorgadas no próprio país e no Kong e Macau) se lançou a partir das suas
USPTO, quando se deseja comparar o de- indústrias de base e filiais locais de milhares
sempenho de países. É óbvio que o núme- de empresas de todo o mundo.
ro de patentes não explica, isoladamente, o A Tabela 1 (na próx. pág.) resume os
domínio tecnológico, mas está fortemente resultados obtidos pelos cinco países men-
correlacionado, pois não há desenvolvimen- cionados em comparação com os nossos re-

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Tabela 1: Comparação da Outorga de Patentes USPTO

País 1963: Início da Início da Patentes 2015: Ultimos


Estatística USPTO Política Pública dados USPTO
Japão 407 1950 - 52.409
Taiwan 0 1972 0 11.690
Coreia do Sul 0 1972 7 17.924
China + HK 10 1980 28 8.733
Índia 4 1995 37 3.355
Brasil 17 - - 323

sultados na geração de tecnologia, medida mente cartesiana, pois não há outra maneira,
pela taxa de patentes outorgadas a cada ano nem mesmo uma “jabuticaba”, comprovada.
no USPTO Senão vejamos: como é a apropriação da re-
Cerca de dez anos após, outro gigante ceita marginal gerada pelo investimento em
acordou. Em 18 de setembro de 1991, por P&D (no sentido internacional de R&D)? O
iniciativa do ministro das finanças, foi pro- empreendedor terá que remunerar os insu-
mulgada a lei 41/1991, que isentou de im- mos, pagar os salários, depreciar os ativos
postos e deu imunidades aos recursos trazi- envolvidos, amortizar os serviços, atender
dos do exterior para investimento. A Índia aos juros do capital de giro necessário e,
explodiu como outsourcer para o mundo em muito especialmente, pagar a sua carga tri-
todas as atividades relacionadas à internet, butária municipal, estadual e federal, e ainda
especialmente software. O governo seguin- mais a previdência. Essa conta fica em torno
te, de oposição, não só manteve a lei e os de 38% entre nós. E o lucro? Fica em 8%
seus estímulos como compreendeu que para (lucro presumido pelo Imposto de Renda).
a indústria faltava um ingrediente a fomen- Isto quer dizer que o pequeno ou médio
tar: o desenvolvimento de inovações indus- empreendedor terá que se arriscar em estrutu-
triais, ou seja, tecnologia. Assim, dois anos rar uma P&D, uma competência que ele ain-
após o relatório3 da Unesco (e quase um ano da não tem, pois até então não o havia feito,
após a publicação do artigo da Folha4) a Ín- e se não der certo (8 a 9 entre 10 dão errado)
dia promulgou a sua lei 44/1995, cujo pre- ele não terá lucro, mas terá de pagar a carga
âmbulo diz explicitamente9: fiscal de 38%, quase cinco vezes ou mais a
“An Act to provide for the constitution of estimativa de sua remuneração? Para o pe-
a Board for payment of equity capital or queno ou médio empresário o lucro significa
any other financial assistance to indus- a remuneração dos sócios e, se a sua gestão
trial concerns and other agencies attemp- for competente, uma reserva para a amplia-
ting development and commercial appli- ção do seu capital de giro para pagar menos
cation of indigenous technology or adap- juros. Quanto sobra? Em média, falta. Quan-
ting imported technology to wider domestic do esse empreendedor vai realizar sozinho
applications…” um programa de P&D? Nunca. Conclusão:
A pergunta que não quer calar é: qual a se tivesse sentido postular a política pública
justificativa do compartilhamento do risco? axiomaticamente, compartilhamento do
Ora, a resposta, como veremos, é absoluta- risco seria a condição necessária!

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A pergunta que cabe é: existe uma con- cado mundial por ser o maior exportador de
dição suficiente? software, com mais de US$ 100 bilhões de
inteligência indiana distribuída pelo mundo.
5. O exemplo da Índia Em alguns setores, já construiu grupos trans-
nacionais como a Arcelormittal, a maior si-

P or que a Índia? Além de ser o mais re-


cente a ingressar nesse clube, há apenas
22 anos, é um país mais desigual do que o
derúrgica do mundo, com muitos ativos no
Brasil, por exemplo a Cia. Siderúrgica de
Tubarão, a Aços Acesita, a Cia. Siderúrgica
nosso, com realidade de segregação social Belgo-Mineira, a Cia. Siderúrgica Mendes
(castas), cerca de 30% de analfabetos com Jr. e outras.
um nível de miséria que não se conhece em Também a maior forjaria do mundo, com
nosso país, nem mesmo nos grotões mais ativos até na Alemanha, Bharat Forge, é in-
pobres. Além disso, tem uma infraestrutu- diana. A Tata, famoso grupo diversificado,
ra muito pior do que a nossa em todos os comprou as marcas automobilísticas Rolls
seus itens necessários, mas especialmente Royce e Jaguar e a Chorus, a maior siderúr-
na distribuição de energia. E o nosso parque gica anglo-holandesa. Outro grande avanço
industrial é incomparavelmente superior em da Índia tem sido em fármacos e medica-
diversificação, mesmo com o da Índia atual. mentos, e que neste século alcançou cerca
Várias indústrias brasileiras de ponta monta- de 60% do mercado mundial e americano de
ram fábricas lá, por exemplo fabricantes de genéricos, com algumas empresas já trans-
geradores (pois a energia é instável), incuba- nacionais como Rambaxy, Cipla, Dr. Rea-
doras para berçário (devido à alta mortalida- ddy e outras. Mais informações podem ser
de neonatal) e outras. obtidas na literatura11. Além da indústria, a
O seu PIB monetário foi cerca de US$ Índia tornou-se a campeã mundial em call-
2,2 trilhões10 em 2016 e o nosso, cerca de centers inteligentes, em pesquisas clínicas
US$ 1,8 trilhão. Mas, há 22 anos era muito para princípios ativos e medicamentos e até
menor do que o nosso. E, se considerarmos em cirurgias programáveis11!
o melhor critério, o PPP (sigla em inglês de
Paridade no Poder de Compra), a Índia passa 6. Compartilhamento de risco:
a ser a terceira economia com cerca de US$ a condição suficiente
8,7 trilhões em 201610, contra US$ 18,5 tri-
lhões de EUA, US$ 21 trilhões da China e Anteriormente vimos qual a condição
US$ 3,1 trilhões do Brasil. Mas, em 1995, necessária a uma política bem-sucedida de
tínhamos a mesma ordem de grandeza, cerca desenvolvimento tecnológico. Para respon-
de US$ 1,9 trilhão em valores atualizados. der à questão proposta nesse capítulo vamos
Índia tem 2,8 vezes mais PIB para 6 vezes analisar a lei 44/1995 da Índia. O exame nos
mais gente. Ainda tem muito que crescer, mostra que o único artigo que se refere às
mas isso não é uma glória para nós. atividades do TDB (sigla em inglês de Con-
A indústria indiana, embora ainda não selho de Desenvolvimento Tecnológico, co-
seja tão diversificada como a nossa, pois co- mo o criado por essa lei) é o artigo 6, cuja
meçou a se expandir após a vigência da lei redação é quase idêntica à do preâmbulo já
de fomento, tem grandes impactos no mer- visto9. Logo, todas as demais possibilida-

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des de financiamentos, empréstimos, testes, E o rápido crescimento do PIB e das pa-
experimentos, recursos humanos e outros tentes indianas no USPTO mostra que isso de
ficaram resumidas à expressão “qualquer fato ocorre de uma maneira virtuosa, demons-
outro apoio financeiro” (tradução livre do trando e provando que o compartilhamento
autor). Isso obedece à lógica de quem pode do risco tecnológico não é meramente uma
mais – capital de risco – obviamente poderá condição necessária; é também a condição
menos – as demais formas de apoios que, suficiente, pois quando as indústrias come-
portanto, dispensam detalhamento, que fica çarem a se ativar pelos recursos para as suas
para a regulamentação. imitações e inovações todos os segmentos
Então como opera essa lei? Criado em 16 de fornecedores e serviços serão fortemente
de dezembro de 1995, o TDB passa a ofere- sacudidos e se empenharão em crescer e se
cer às indústrias que desenvolvem inovações desenvolver. Melhor do que mil palavras é
próprias ou as que imitam as concorrentes visualizar a Tabela 2 abaixo.
estrangeiras, primordialmente o capital de
risco (sem reembolso, sem dívida) para as- 7. As nossas opções
segurar o sucesso das inovações industriais.
E no desenvolvimento de imitações, ou en-
genharia/química/farmacêutica reversa, com
os recursos necessários o sucesso passa a 9
O nosso modelo básico no século passado
foi o de desenvolver uma indústria local
para a substituição de importações e exportar
em cada 10. Assim, todas as ofertas de ou- produtos naturais, matérias-primas e produ-
tros apoios convergem pela lei da procura tos primários. Nas últimas décadas, também
para as indústrias ativas em programas ou exportamos alguns produtos industrializados
projetos de inovações industriais, pois por com excedente e outros em que nos tornamos
ser recurso público a sua distribuição é ne- até competitivos em nível internacional.
cessariamente aberta e livre para consulta. O Brasil não fez a opção pelo desenvol-
Ou seja, a distribuição do capital de risco vimento tecnológico sistêmico e não criou
arrasta ao desenvolvimento e crescimento nas décadas de 1980 e 1990 um arcabouço
todas as atividades de apoio, inclusive as de políticas públicas de fomento efetivo à
universidades, tanto para auxiliar na fase de inovação industrial, embora tenha havido
pesquisa, na montagem de experimentos e iniciativas positivas de financiamento a ju-
no treinamento de recursos humanos. Além ros baixos. O nosso esforço de competição
do mais, o TDB também oferece recursos ficou, principalmente, por conta daquelas
para “outras agências”, como reza a segunda empresas que deram certo ao se disporem a
parte9 do preâmbulo e do artigo 6. assumir o próprio risco tecnológico do de-

Tabela 2: Comparação da Índia com Brasil, 1995-2016

Valores em US$ trilhão aproximados e atualizados


País Início da Lei 44/1995 2016 Taxa anual Fator
geométrica de acumulado
PIB monetário PIB em PPP PIB monetário PIB em PPP crescimento 2016/1995
Índia 0,5 1,9 2,3 8,7 7,30% 4,42
Brasil 1,2 1,9 1,8 3,1 2,50% 1,67

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senvolvimento das inovações necessárias senvolvimento tecnológico brasileiro veio,
para poder disputar o comércio mundial. In- então, com os exemplos conhecidos dos
felizmente são poucas. rápidos crescimentos pela via do desenvol-
A comparação com os demais países vimento tecnológico de alguns dos países
emergentes, porém, mostra que nos falta- emergentes de industrialização tardia que
vam as políticas públicas indispensáveis de se destacavam principalmente nas décadas
desenvolvimento tecnológico e inovação de 1980 e 1990. Naqueles anos, as econo-
com a sua condição necessária e suficiente: o mias da Coreia do Sul, de Taiwan e da China
compartilhamento do risco tecnológico. Era, estavam, aliás como ainda estão, em plena
portanto, uma questão essencial criar essas ascensão, em contraste com as nossas “dé-
políticas pela construção de um Marco Legal cadas perdidas”, acompanhadas de intensa
de fomento e estímulo notadamente à criação evolução tecnológica – a Índia ainda não
e agregação de inovações competitivas. estava entre eles. No Brasil, inovação ainda
A incorporação às políticas públicas dos era uma palavra rara.
anseios da sociedade, ou de parte desta, é um Atendendo a essa demanda, foi criada em
processo que exige criatividade para a solu- 20 de fevereiro de 2002, na sede da Abimaq
ção de mobilização dos interessados e de (Associação Brasileira da Indústria de Má-
procedimento formal em cada caso, não ha- quinas e Equipamentos), em São Paulo, a
vendo uma receita única que possa ser apli- entidade Sociedade Brasileira Pró Inovação
cada indiscriminadamente. Além disso, há a Tecnológica – Protec, com 15 associados
necessidade de se criar as condições macro- fundadores, todos entidades industriais. A
econômicas apropriadas, como a estabilida- nóvel entidade foi recebida pelo presidente
de da moeda, uma taxa de câmbio adequada, da República7 e imediatamente empreendeu
um controle satisfatório das contas públicas uma campanha para auxiliar os órgãos pú-
e o investimento público em infraestrutura. blicos e o Congresso Nacional na construção
Em 1994, ocorreu a bem-sucedida im- de um Marco Legal que viesse a fomentar
plantação do Plano Real e a consequente o desenvolvimento tecnológico pela agre-
queda vertiginosa da inflação, viabilizando gação continuada de inovações industriais
a estabilização econômica. O panorama no competitivas nos produtos e processos de
Brasil mudou completamente. Era possível fabricação nacionais.
pensar em longo prazo, desde que se acre- Baseado na “axiomática” já exposta, foi in-
ditasse que o real daria certo. A questão do cluída a condição necessária e suficiente nesse
crescimento econômico assumiu nova rele- Marco Legal: o compartilhamento do risco!
vância e os seus baixos níveis desde o início Para todas as indústrias inovadoras inserimos
da década de 1980 passaram a incomodar al- a subvenção econômica (capital de risco) no
guns segmentos da sociedade. Isso ensejou artigo 19 da Lei de Inovação revista em 2004
a oportunidade de se pleitear uma mudança (10.973/2004), para apoios a priori. Apenas pa-
de atitude em relação à inovação tecnológica ra as indústrias grandes (as que estão no regi-
e à competitividade dos nossos manufatura- me de Lucro Real do Imposto de Renda) foram
dos no cenário mundial. propostos e aceitos os artigos 39, 40, 42 e 43
A consciência da necessidade de se criar da lei 10.637/2002 (Lei da Minirreforma Tri-
políticas públicas para o fomento ao de- butária), que regulavam o reembolso de parte

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dos dispêndios em inovações industriais para mo, os resultados foram escassos e com a
apoios a posteriori. Esses quatro artigos foram suspensão dos editais as empresas pequenas
posteriormente transformados no Capítulo III e médias ficaram sem fomento adequado. E
da Lei do Bem (11.196/2005), com substan- não há relatórios críticos dos resultados.
cial redução das alíquotas dos seus benefícios. A Lei do Bem tem um conceito correto,
Em 2010, conseguiu-se uma lei especial para mas benefícios pequenos. Está correta porque
as compras públicas (lei 12.349/2010), dando o seu uso é uma decisão da empresa, atendida
uma margem de 25% nos preços dos produtos a regulamentação. Mas, o benefício máximo
cuja tecnologia de fabricação fora desenvolvi- na versão original (lei 10.637/ 2002) era de
da no país. 67% (ainda abaixo do limite do artigo 8 da
OMC: 75%), o que na transformação para a
8. Situação presente lei 11.196/2005 foi reduzido para. A primeira
rodada foi em 2006 e teve apenas 130 indús-

A subvenção econômica foi oferecida em


pequena proporção (apenas 0,005% do
PIB, uma amostra) em editais da Finep en-
trias, mas a de 2014 (último dado liberado
pelo MCTIC) teve 1.206 indústrias com um
investimento da ordem de R$ 8 bilhões, ge-
tre 2006 a 2009, com um conceito de viés rando cerca de R$ 1,5 bilhão de incentivos
acadêmico, como se fora destinado a aten- fiscais para as empresas, Ou 0,025% do PIB,
der a encomendas de órgãos públicos, e o que ainda é outra amostra. Um montante de
não para desenvolver imitações e inovações impacto no crescimento do PIB seria um in-
competitivas de interesse do mercado e das centivo/subvenção de 0,5%, ou seja, 20 vezes
indústrias inovadoras. O edital de 2010 foi o maior que o atual. Ante a atual capacidade
edital com o conceito correto, mas pegou a ociosa das fábricas, isso acarretaria um cres-
transição de gestões da Finep, e os recursos cimento do produto industrial da ordem de
só foram liberados parcialmente em 2011 e 10% em dois a três anos, ou 1% do PIB, re-
2012. Não houve mais edital específico, pois alimentando um ciclo virtuoso. O reembolso
os recursos estão sendo usados para reduzir é um compartilhamento do risco, ainda que a
juros de empréstimos, o que não atende ao posteriori e os seus resultados são evidentes
axioma dessas políticas públicas. Em resu- no gráfico 1 das nossas patentes no USPTO.

Gráfico 1: Patente Brasil USPTO

Ano Patente
2000 98
2001 110
2002 96
2003 130
2004 106
2005 77
2006 121
2007 90
2008 101
2009 103
2010 125
2011 215
2012 196
2013 254
2014 334
2015 323

60 . . . . . . . . . . . . . . . . . interesse nacional – novembro 2017 – janeiro 2018 . . . . . . . . . . . . . . . . . .


Passamos de uma média de 100/ano para e propiciado o desenvolvimento tecnológico
crescimento apreciável, chegando a 323 em de algumas indústrias desses setores.
2015. (Ver gráfico 1). Espera-se que o tema volte à pauta políti-
A lei 12.349/2010 tem sido utilizada pelo ca em 2018 e surjam candidatos comprome-
Ministério da Saúde e Ministério da Defe- tidos com o desenvolvimento tecnológico
sa, onde se concentram as compras públicas, do país para usufruirmos de um crescimento
embora com um viés de encomenda tecnoló- rápido que reduza efetivamente as desigual-
gica. Mas, o resultado tem sido satisfatório dades, como o seu povo merece.

Referências:

1. “Da Imitação à Inovação: A dinâmica do aprendizado tecnológico da Coreia”, Linsu Kim,


publicado pela Editora Unicamp, Campinas, 2005.

2.Em revista “Industry and Innovation”, volume 4, No 2, página 168, Elsevier, 1997.

3. “World Report on Science 1993”, Unesco, Génève, Suiça, 1994.

4. “O que faz falta à ciência e tecnologia”, Roberto Nicolsky, Folha de S. Paulo, página M2,
5 de janeiro de 1995, site www.protec.org.br

5. Koita, Seul, Coreia do Sul, site www.koita.or.kr

6. “Inovação tecnológica industrial e desenvolvimento sustentado”, página 80, in Parcerias


Estratégicas, No 13, dezembro de 2001.

7. “Livro Branco da Inovação Tecnológica”, Roberto Nicolsky, Protec 2012, pdf em www.
protec.org.br

8. Site www.innovatrix.com.br

9. Idem www.protec.org.br

10. “India Inside: The Emerging Innovation Challenge to the West”, Nirmalya Kumar e Pha-
nish Puranam, Harvard Business Review Press, 2011, Cambridge MA, USA.

11. “World GDP Ranking 2017”, site www.knoema.com

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