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Camila Scacchetti1
DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v1i82p54-77
De certo modo, pode-se dizer que a diferença entre países “adiantados” e “atrasados”
consiste em que os primeiros, sujeitos ao poderoso efeito “acelerador”, podem gerar seu
próprio ciclo econômico, enquanto os últimos só recebem as flutuações transmitidas
do exterior. (MYINT, 2010, p. 139).
3 Em momento oportuno teceremos as considerações acerca dos tributos. Todavia, devemos pontuar que
as principais fontes de receita fiscal do Brasil independente consistiram na tributação sobre a Alfândega.
Após a separação das rendas e definição das competências, coube ao Governo Central o direito aos impostos
incidentes sobre a importação. Os tributos incidentes sobre a exportação foram compartilhados entre o
Erário Geral e Provincial, sendo essa fonte de receita o principal instrumento de recolhimento tributário
das Províncias, ao menos daquelas capazes de produzir e exportar bens para os mercados consumidores
internacionais.
Em sucintas linhas, Prado Jr. sumariza 300 anos de história econômica brasileira,
qual seja, o predomínio dos interesses externos sobre os internos. Seja sob a
denominação “Colônia” ou “Império”, a construção interna concentrou-se em atender
as necessidades externas. Desta maneira, da prosperidade ou crise vivenciada nos
países demandantes dos bens primários dependia a boa ou má sorte da exportação
brasileira. Conforme elucidado por Canabrava, “todas as transformações econômicas
que afetaram os países industrializados, suas crises de produção ou consumo,
repercutiram no sistema mundial e, portanto, em nossa economia, pondo à mostra
sua dependência” (CANABRAVA, 2005, p. 104).
Ao proclamar sua Independência política, mas não econômica, o país permaneceu
dependente dos desígnios apontados pelos centros de decisão internacionais. Ao
Brasil interessava atender os interesses externos para, com essa medida, promover a
importação de mercadorias industrializadas e a exportação de produtos demandados
internacionalmente. Os vínculos de dependência perduraram, as respostas
meramente reflexivas se intensificaram.
Olhando para a dinâmica interna brasileira, podemos concluir que o nordeste
colonial estava para o açúcar, assim como o sudeste monárquico estava para o café.
Desta maneira, é possível observar um deslocamento interno das forças motrizes
da economia nacional e das regiões capazes de atender aos anseios internacionais4.
O café, introduzido em solos brasileiros no início do século XVIII, encontrou
terreno fértil no Vale do Paraíba. Inicialmente semeado no território do Rio de
Janeiro, a disseminação logo se deu pela região:
4 O deslocamento econômico interno observado acima possui maiores implicações quando analisado em
profundidade. Atividade econômica, no Brasil Independente, implicava na capacidade de gerar recursos
fiscais próprios para o suprimento das necessidades da localidade. Quanto maior o nível de exportação da
Província, maior receita fiscal haveria em seus cofres.
5 Não constitui objetivo deste ensaio pormenorizar a construção tributária brasileira alicerçada no decorrer
dos séculos. Todavia, a trajetória histórica da fiscalidade nacional pode ser consultada na obra “Do dízimo
ao ICMS: raízes da tributação sobre o consumo”. (SCACCHETTI, 2021).
6 Os dízimos incidiam sobre toda a produção nacional, no entanto, eram os bens primários destinados ao
mercado externo os principais produtos tributados, pois eram essas as mercadorias produzidas em larga
escala.
7 De fato, o fluxo comercial com o exterior se elevou, no entanto, os Tratados de 1808 e 1810 representaram,
em realidade, um profundo golpe para as finanças brasileiras. Ao estabelecer uma alíquota de importação de
15% ad valorem, a nação viu suas finanças seriamente comprometidas. Tal contexto perdurou até a década de
1840, com a elevação das alíquotas de importação por meio da Tarifa Alves Branco.
[...] a Constituição de 1824 mantinha uma relação de continuidade com o sistema fiscal
estabelecido no Antigo Regime e, ao mesmo tempo, definia o sistema representativo
como o locus de sua gradual transformação. A fórmula, possivelmente pensada para
proteger as combalidas finanças do novo Estado independente cedo mostraria seu
potencial conflitivo. (COSTA, 2020a, p. 153).
Em maio de 1831 entrava em questão a emenda que discriminava as rendas provinciais das
rendas do governo central, e marcava a contribuição que cada Província deveria concorrer
às despesas gerais da nação. A discussão possui importância porque nela é mobilizada
a ideia de federação. [...], o estabelecimento da distinção não implicava o separatismo,
porque as Províncias não estariam separadas do Império. A emenda marcaria a distinção
entre o que era Geral, pertencia ao Poder Central, e o que dizia respeito exclusivamente à
Província. Isso se fazia necessário porque os “interesses particulares das Províncias” eram
distintos dos interesses “gerais do Império”. (COSER, 2008, p. 115-116).
Por meio da Lei Orçamentária do ano de 1832 ocorreu a separação das Rendas em
Geral e Provincial. As principais fontes de recursos fiscais foram destinadas ao Cofre
8 Após a proclamação da Independência, temos a consolidação de uma elite política e econômica nacional.
Mesmo havendo embates internos e uma incessante necessidade de negociação entre as oligarquias
provinciais, observamos o predomínio dos interesses agroexportadores sobre os demais setores econômicos.
Para um aprofundamento da questão, consultar Dolhnikoff, 2005.
Lei nº 99, de 31 de outubro de 1835 - Orçando a receita e fixando a despesa para o ano
de 1836 a 1837.
Art. 9 - Do 1º de Julho de 1836 em diante serão arrecadados e pela maneira abaixo
especificada as seguintes imposições:
§ 6º - Os dois por cento de exportação de produção brasileira, ficam elevados a sete
por cento, abatidos os cinco adicionais no que pagarem de dízimo aqueles gêneros que
os pagavam na exportação para fora do Império, cessando qualquer outra imposição
sobre a mesma exportação; ficando o resto da quota dos dízimos pertencendo à renda
das respectivas Províncias. Esta disposição não compreende os couros do Rio Grande
do Sul, que continuarão a pagar os vinte por cento (LEI Nº 99, de 31 de outubro de 1835).
Deste modo, por meio da criação das Assembleias Legislativas, no ano de 1834,
e do compartilhamento da receita dos dízimos, em 1835, estavam estabelecidos
importantes instrumentais para a estruturação da autonomia financeira local. As
Províncias agroexportadoras em muito iriam se beneficiar nas décadas seguintes
deste evento, em especial aquelas que se consolidaram como importantes produtoras
e exportadoras de café. Todavia, este evento não levava em consideração a situação
das Províncias que não teriam condições de tirar proveito destas medidas.
Total
Ano Importação Exportação Renda Interna
Comércio Externo
1823-1827 46 12 59 41
1828-1832 45 8 53 47
1833-1837 56 11 69 31
1838-1842 61 20 85 15
1843-1847 60 18 81 19
1848-1852 67 14 83 17
1853-1857 68 13 81 19
1858-1862 61 16 77 23
1863-1867 58 19 78 22
1868-1872 57 19 76 24
1873-1877 56 17 73 27
1878-1882 56 15 71 29
1882-1888 59 13 72 28
10 Neste período não havia a separação entre as rendas geral e provincial. Tal fato se concretizou apenas a
partir da década de 1830.
Rio de Rio de
Rio de Janeiro 6.580:112$166 2.290:100$010 4.993:801$952
Janeiro Janeiro
Minas
Pernambuco 1.436:726$265 São Paulo 1.014:026$689 3.651:353$450
Gerais
Rio
Minas
Rio Grande do Sul 530:816$392 841:799$415 Grande 2.671:166$368
Gerais
do Sul
Rio Grande
Cisplatina 456:091$025 837:726$768 Bahia 2.624:098$797
do Sul
Pernam-
Pará 332:972$808 Pará 670:000$000 2.466:423$019
buco
Ama-
São Paulo 279:788$445 Maranhão 426:190$000 1.613:315$153
zonas
Mara-
Ceará 138:784$437 Paraná 326:590$000 685:644$820
nhão
Santa
Mato Grosso 117:530$000 270:631$618 Paraná 537:845$719
Catarina
Espírito
Goiás 56:676$310 Piauí 177:581$116 488:437$730
Santo
Rio Grande
Sergipe 34:477$127 75:788$000 Sergipe 413:000$273
do Norte
Rio
Santa Catarina 29:203$941 Goiás 69:605$000 Grande 409:141$539
do Norte
Espírito Mato
Espírito Santo 17:726$994 67:120$160 276:165$072
Santo Grosso
Receitas
1º - Direitos de saída 2.300:000$000
22º - Selo das patentes de oficiais da guarda nacional, arrecadado pela Fazenda
-
Geral
Soma 5.061:120$000
Fonte: Leis orçamentárias paulistas.
3.386,070 quilos
Café 137.898.061 80.875:441$ 3.126:908$765 622$000 3.127:531$460
livres de direitos
10.747 quilos
Fumo 96.624 68:109$ 2:486$524 621$646 3:108$170
livres de direitos
147.917 quilos
Algodão 147.917 226:025$ $ $ $
livres de direitos
10.500 quilos
Arroz 1.471.585 162:658$ 6:458$685 1:608$291 8:066$976
livres de direitos
100 quilos
Couros 348.472 66:013$ 2:637$611 659$324 3:296$935
livres de direitos
483.570 quilos
Açúcar 488.790 98:561$ 41$904 10$476 52$380
livres de direitos
15.330 quilos
Feijão 195.071 36:994$ 1:381$464 331$540 1:713$004
livres de direitos
4.501 quilos
Borracha 5.431 5:103$ 24$080 6$020 30$100
livres de direitos
94.552 quilos
Diversos 751.763 248:167$ 5:876$305 1:491$533 7:367$838
livres de direitos
11 No documento original, não foi possível a completa visualização da coluna “valor oficial”. Desta maneira, optamos
por descrever os números desta coluna limitando-nos ao “$” para não comprometer a análise e correta transcrição do
documento.
Considerações finais
Referências
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publicada pela Imprensa Nacional. Inclui Cartas de Leis, Decretos, Alvarás, Cartas Régias, Leis e Decisões Im-
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