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3998,e Departamento de Tecnologia da Informação Unifesp Osasco,com os
dados fornecidos pelo(a) autor(a)

R175u RAMOS, Eduardo Silva


Por uma tributação cidadã: embates e pensamento tributáriona
Constituinte de 1987-1988 / Eduardo Silva Ramos. - 2023.
70 f.

Trabalho de conclusão de curso (Ciências Econômicas) – Universidade


Federal de São Paulo - Escola Paulista de Política,Economia e Negócios,
Osasco, 2023.
Orientador: Fábio Alexandre dos Santos.

1. Impostos. 2. Progressividade. 3. Regressividade. 4. Brasil


- Constituição (1988). I. Santos, Fábio Alexandre dos, II. TCC -
Unifesp/EPPEN. III. Título.

CDD: 336.2

Fotos: Agência Brasil; Arquivo Público do DF; Lalo de Almeida

2
3
4
Introdução

A história da tributação no Brasil sempre foi marcada por


uma forte tendência de concentração de sua base nos chamados
impostos indiretos, resultando em desigualdade entre os contribu-
intes. Compreender as razões por trás dessas desigualdades re-
quer uma compreensão dos processos históricos que moldaram a
sociedade brasileira atual. No que diz respeito à desigualdade
econômica, especialmente em relação à desigualdade e concen-
tração de renda, o sistema fiscal e tributário desempenha um pa-
pel significativo em sua intensificação. A maneira pela qual um
Estado opta por construir seu sistema tributário geralmente indica
como suas instituições serão moldadas e contribui para a consoli-
dação de sociedades mais ou menos igualitárias1.

1
“States dependent on natural resources and other rents face different incen-
tives from those that must tax a class of producers. The institutions that are
fostered through these incentives serve as building blocks for different kinds
of states”. In: BRAÜTIGAM, Deborah A. “Introduction”. In: FJELDSTAD,
O.; BRAÜTIGAM, D. A.; MOORE, M. (ed.) Taxation and State-Building in
Developing Countries: Capacity and Consent. New York: Cambridge Univer-
sity Press, 2008, p. 24.

5
Recentemente, alguns estudos têm utilizado a fiscalidade
como ferramenta para analisar os mecanismos de produção e per-
petuação das desigualdades, identificando a concentração de
renda e a falta de mecanismos de distribuição como aspectos sig-
nificativos dessa realidade.
O trabalho de Thomas Piketty é considerado um marco nesse
sentido. Estudos realizados por ele e uma equipe de pesquisadores
ao redor do mundo, sob a perspectiva da fiscalidade, oferecem
insights valiosos sobre o amplo campo de investigação proporci-
onado pelo estudo das mudanças e padrões de tributação ao longo
do tempo, bem como seus efeitos nas sociedades atuais. Seja ana-
lisando as dinâmicas do capitalismo contemporâneo e suas impli-
cações nos padrões de acumulação de riqueza e desigualdade de
renda2, ou propondo alternativas e possibilidades de readequação
tributária3, a fiscalidade atua como um excelente mecanismo para

2
PIKETTY, Thomas. O Capital no século XXI. São Paulo: Intrínseca, 2014.
Sobre as possibilidades e padrões de redistribuição fiscal, do mesmo autor, Cf.
Idem. A economia da desigualdade. São Paulo: Intrínseca, 2015.
3
PIKETTY, Thomas; LANDAIS, Camille; SAEZ, Emmanuel. Pour une révo-
lution fiscal: Un impôt sur le revenu pour le XXle siècle. Paris: La Republique
des Idees/Seuil, 2011.

6
investigar e interpretar as mudanças sociais e sua relação com a
vida material.
Para além da renovação proporcionada pela abordagem pro-
posta por Thomas Piketty, a reconsideração teórica produzida por
alguns estudiosos ligados ao mainstream econômico e à Teoria
da Tributação Ótima tem proporcionado um novo paradigma aos
estudos a respeito da tributação e da produção e manutenção das
desigualdades. Esse é o caso, por exemplo, dos trabalhos de Jo-
seph Stiglitz. Tendo participado da corrente teórica que advogava
pela redução da progressividade tributária e menor tributação das
rendas de capital ao longo das décadas de 1970 e 1980, como
forma de aumentar a eficiência econômica e os incentivos ao ca-
pital produtivo4, Stiglitz vem, mais recentemente, realizando um
processo de reconsideração e aprimoramento dos principais as-
pectos da Teoria da Tributação Ótima.
Em suas obras mais recentes, Stiglitz tem alertado para a
crescente concentração de renda e agravamento das

4
A esse respeito, Cf. ATKINSON, A.; STIGLITZ, J. E. “The design of tax
structure: direct versus indirect taxation”. Journal of Public Economics, v. 6,
1976, pp. 55-75.

7
desigualdades, não somente nos Estados Unidos, mas no mundo
como um todo. Para ele, existe uma clara relação entre uma taxa-
ção mais progressiva e a redução das desigualdades sociais, as
quais poderiam ser sintetizados em três argumentos: em primeiro
lugar: aumentar a progressividade aumentaria a sensação de jus-
tiça e, consequentemente, a produtividade econômica; segundo: a
sensação de injustiça minaria a confiança e “a fragilização da con-
fiança enfraquece nossa economia e nossa democracia”; terceiro:
a baixa progressividade do sistema existe, sobretudo, pela baixa
taxação dos ganhos de capital, tanto de pessoal físicas como de
jurídicas, logo, tal situação cria distorções no sistema econômico,
sobretudo, em razão de boa partes das grandes empresas encon-
trarem subterfúgios para escapar dessa maior taxação5.
No Brasil, autores como Pedro Herculano Ferreira de Souza
também utilizaram essa metodologia para analisar a história da
desigualdade e concentração de renda. Seus resultados

5
STIGLITZ, J. E. The Price of Inequality: How Today's Divided Society En-
dangers Our Future. New York: W. W. Norton & Company, 2013, p. 158. Do
mesmo autor, Cf. The great divide: unequal societies and what we can do about
them. New York: W.W. Norton & Company, 2015.

8
demonstraram que, mesmo com variações ao longo do tempo,
desde os primórdios do século XX, o Brasil já apresentava níveis
de desigualdade e concentração de riqueza muito mais altos do
que outros países capitalistas6.
Diante desse novo horizonte de estudos relacionados à ques-
tão tributária, é fundamental entender alguns conceitos para situar
o problema. Entre eles, destacam-se a progressividade, regressi-
vidade, justiça fiscal, capacidade contributiva e as diferentes ba-
ses de tributação. Esses conceitos serão explorados mais adiante
no texto, mas cabe uma breve apresentação deles.
Uma primeira distinção é entre tributos diretos e indiretos.
Os tributos diretos incidem diretamente sobre o patrimônio ou a
renda, enquanto os tributos indiretos incidem sobre a circulação
ou o consumo. Um sistema tributário é considerado mais progres-
sivo na medida em que possui uma arrecadação focada nos tribu-
tos diretos e estabelece alíquotas crescentes à medida que a base
de incidência aumenta, ou seja, aqueles que ganham mais ou

6
SOUZA, Pedro H. G. F. Uma história de desigualdade: a concentração de
renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Editora HUCITEC, 2018.

9
possuem maior patrimônio pagam mais impostos. Por outro lado,
um sistema regressivo concentra-se em tributos sobre o consumo,
afetando desproporcionalmente os mais pobres.
Por fim, a justiça fiscal e a capacidade contributiva estão in-
timamente ligadas. A capacidade contributiva refere-se à capaci-
dade daqueles que possuem mais recursos de arcarem com uma
carga tributária maior. A justiça fiscal seria o resultado dessa di-
nâmica, permitindo ao Estado reduzir os impostos sobre os mais
pobres e implementar políticas de redução das desigualdades e
distribuição de renda.
Uma análise mais aprofundada das características da tributa-
ção brasileira nos leva necessariamente a um exame histórico dos
processos que foram determinantes para sua estrutura. Nesse sen-
tido, voltar à década de 1960 em relação à tributação e à década
de 1980 em relação à organização política e consolidação do Es-
tado democrático é fundamental para compreender as bases do
nosso atual modelo de organização política, econômica e social.
Investigar as bases dessa estrutura, os desafios da consolidação

10
de uma política tributária e os possíveis avanços e retrocessos
nessa política é o objetivo principal deste estudo.
A análise do tema proposto envolve diferentes abordagens
teóricas, principalmente da história e da economia. Do ponto de
vista da história econômica, Eric Hobsbawm nos lembra da im-
portância de um diálogo franco entre Economia e História, rela-
cionando o estudo dos mecanismos econômicos com o estudo de
outros fatores, como políticos e sociais, que influenciam o com-
portamento dos agentes envolvidos nesses mecanismos7. Por-
tanto, é importante considerar os condicionantes históricos e so-
ciais que determinam tanto as escolhas políticas dos envolvidos
quanto a estrutura da sociedade em que esses agentes estão inse-
ridos.
Dado que este estudo busca identificar as relações entre os
agentes e o Estado, ou sua organização, é relevante atentar para
as teorias que abordam essa problemática. Sonia Mendonça pro-
pôs uma abordagem interessante nesse sentido, utilizando o con-
ceito gramsciano de “Estado ampliado”. Segundo a autora, o Es-
tado deve ser entendido como “uma expressão universal de toda

7
HOBSBAWM, Eric. Sobre História: Ensaios. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 1998. pp. 118-121.

11
a sociedade (...) em seu sentido mais amplo e orgânico, como o
conjunto formado pela sociedade política e a sociedade civil”. As-
sim, por meio desse conceito de Estado, é possível identificar a
correlação entre interesses individuais e coletivos, ações e cons-
ciência política, e as instituições específicas do Estado8.
Em relação à metodologia adotada neste estudo, destacam-se
duas etapas: pesquisa bibliográfica e análise de fontes primárias.
A pesquisa bibliográfica será realizada por meio da consulta de
literatura especializada sobre o tema e o período em questão, ou
seja, a produção intelectual que aborda a economia desde a dé-
cada de 1960 até a redemocratização do Brasil no final da década
de 1980. Embora haja escassez de estudos específicos sobre os
debates parlamentares relacionados à reforma tributária na Cons-
tituinte, buscaremos apresentar a visão de alguns especialistas so-
bre o tema.
Quanto às fontes primárias, a base principal será a legislação
aprovada no período, bem como os debates parlamentares e ou-
tros documentos produzidos durante a elaboração da Constituição
de 1988. Essas fontes serão complementadas pela análise de

8
MENDONÇA, Sônia Regina. “O Estado ampliado como ferramenta meto-
dológica”. Marx e o Marxismo, v.2, nº 2, 2014, pp. 27-43.

12
artigos jornalísticos e de opinião publicados ao longo desse perí-
odo. Para isso, optamos por dividir o estudo em três capítulos,
cada um abordando uma temática relacionada à reforma tributária
no Brasil.
No primeiro capítulo, abordamos a economia e as mudanças
na tributação durante o período da Ditadura Militar. Retomamos
o início da década de 1960 com a reforma tributária de
1965/1967, que pode ser considerada o marco inicial das trans-
formações que ocorreriam nas décadas seguintes. Essa reforma
também serviu como suporte para o crescimento acelerado obser-
vado na década de 1970, juntamente com a acumulação de renda
resultante desse processo.
O segundo capítulo trata dos debates parlamentares que ocor-
reram durante a Assembleia Nacional Constituinte. Nesse capí-
tulo, utilizamos os debates realizados nas comissões responsáveis
pela elaboração do texto constitucional como base para identificar
as diferentes correntes ideológicas e os diversos interesses envol-
vidos na reformulação do sistema tributário. Embora o espírito
geral tenha sido conservador, vozes dissonantes conseguiram

13
demarcar a existência de opções mais justas e menos desiguais
para o Brasil.
Por fim, no terceiro capítulo, analisamos dois projetos de re-
forma tributária distintos: um apresentado pela Secretaria Nacio-
nal de Planejamento e Assuntos Econômicos/Instituto de Pes-
quisa Econômica Aplicada (Seplan/IPEA) e outro pelo Instituto
de Advogados de São Paulo/Associação Brasileira de Direito Fi-
nanceiro (IASP/ABDF). Essas duas propostas são examinadas
para demonstrar como o debate sobre a reforma tributária era di-
versificado, mesmo fora do ambiente político-partidário. En-
quanto o projeto da Seplan/IPEA propunha um modelo tributário
baseado na justiça fiscal e na redução das desigualdades, o do
IASP/ABDF adotava uma abordagem mais conservadora, man-
tendo os princípios do sistema vigente e evitando reformas mais
abrangentes que pudessem entrar em conflito com os interesses
das classes economicamente dominantes.

14
15
Em 2014, quando se comemoravam os 50 anos da Reforma
Tributária da década de 1960, Francisco Dornelles9, no prefácio
do livro que republicou as conclusões da Comissão de Reforma
Tributária – entre 1963 e 1965 – da Fundação Getúlio Vargas,
chamava atenção para a resiliência daquela reforma que, até os
dias atuais, ainda estrutura a tributação no Brasil10. Para o então
Senador pelo Estado do Rio de Janeiro, “o sistema tributário de
1966 funcionou de forma bastante positiva até 1988 e presenciou

9
Francisco Oswaldo Neves Dornelles é um economista e político brasileiro
que fez sua carreira no estado do Rio de Janeiro. Ao longo de sua vida pública
ocupou diversos cargos na estrutura municipal, estadual e federal. Foi Secre-
tário da Fazenda em Minas Gerais, durante o Governo de Tancredo Neves em
1959. Teve uma breve passagem no Ministério da Fazenda do Governo Sarney
em 1985. Foi Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e
Ministro do Trabalho nos Governos de Fernando Henrique Cardoso. Foi De-
putado Federal pelo Rio de Janeiro de 1987 até 2007, Senador entre 2007 e
2014 e encerrou sua vida política como Vice-Governador, e Governador, pelo
mesmo Estado, na Gestão de Luiz Fernando Pezão de 2015 até 2019. Apesar
de ser formado em Direito, com foco em Direito Financeiro, Dornelles dedicou
sua carreira acadêmica aos estudos referentes à tributação, tendo lecionado em
diversas instituições e publicado diversas obras sobre o tema.
10
DORNELLES, F. “Prefácio”. In: REZENDE, F.; AFONSO, J. R. (Org.). 50
anos da Reforma Tributária Nacional: origens e lições. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2014.

16
o chamado milagre econômico, quando o país cresceu a taxas ex-
tremamente elevadas”11.
Nem mesmo a Constituinte de 1987-1988 foi capaz de rom-
per com a estrutura aprovada em 1965/1967, pois, ainda segundo
Dornelles, “a Carta de 1988 mais reformou do que mudou aquela
estrutura”, garantindo a permanência dos mesmos tributos e ape-
nas ampliando a base tributária e as quotas destinadas à partilha
dos fundos tributários12.
Não é de se estranhar a posição de Dornelles, uma vez que
ele esteve intimamente ligado aos debates a respeito da reforma
tributária na Constituinte de 1987-1988. Em ocasião anterior, pre-
cisamente em 2008, em virtude das comemorações dos 20 anos
da Constituição de 1988, Dornelles expunha uma visão mais refi-
nada a respeito da reforma da década de 1960 e das possibilidades
de uma ampla revisão na década de 1980. Segundo Dornelles, a
revisão do sistema tributário outorgada pelos militares estava
marcada por sua “ousadia e a eficiência (...), que edificou o sis-
tema até hoje vigente”. A possibilidade de uma suspensão dessa e
a edificação de um novo sistema na Constituinte deveria ser – e
como foi – rechaçada, pois a Constituição de um país deveria

11
Idem, p. 09.
12
Ibidem, p. 02.

17
apenas apontar os temas importantes norteadores da sociedade.
Assim, segundo o mesmo Senador, “a Constituição não é o lugar
para o partido político consagrar o seu programa econômico e so-
cial, nem o lugar adequado onde (...), devem ser decididos os te-
mas de alto conteúdo polêmico que dividem as diversas correntes
ideológicas”13.
Não se deve negar o fato, como apontado por Dornelles, de
que o atual sistema tributário brasileiro deve muito, em suas bases
estruturantes, à Reforma Tributária aprovada pelos militares du-
rante a década de 1960. Boa parte do que entendemos hoje como
competências tributárias dos entes da União, as bases de arreca-
dação de Estados, Municípios e União, entre outros, já estava pre-
sente no projeto de Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezem-
bro de 1965. Nesse sentido, convém determos maior atenção nos
pormenores de tal reforma, identificando suas particularidades
bem como suas limitações.

13
DORNELLES, F. “O sistema tributário da Constituição de 1988”. In: Cons-
tituição de 1988: O Brasil 20 anos depois. Estado e Economia em Vinte Anos
de Mudanças. Senado Federal, 2008. Disponível em: <https://www12.se-
nado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publica-
coes/volume-iv-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-estado-e-eco-
nomia-em-vinte-anos-de-mudancas>

18
Mesmo antes do Golpe de 1964, já havia iniciativas para re-
formular o sistema tributário brasileiro, a fim de aumentar a sua
eficiência e simplificar a sua arrecadação. Durante o governo
João Goulart, em 1962, o Ministério da Fazenda encomendou es-
tudos à Fundação Getúlio Vargas sobre uma proposta de reforma
tributária ampla e moderna14. No entanto, o Golpe de 1964 impe-
diu que o projeto fosse discutido democraticamente no Parla-
mento ou na sociedade civil. Em dezembro de 1965, o Governo
Militar promulgou a Emenda Constitucional com o novo sistema
tributário. Embora iniciado no regime democrático, o plano ela-
borado pela FGV certamente agradava aos militares, especial-
mente em relação à centralização tributária que ele proporcionava
para a União.
O texto da emenda, promulgado na gestão de Otávio Gouveia
de Bulhões no Ministério da Fazenda e Roberto Campos no Mi-
nistério do Planejamento, era composto por 24 artigos que defi-
niam as competências e os tributos respectivos de cada ente da
federação. O Governo Federal ficou responsável pelos tributos
aduaneiros (importação e exportação); imposto territorial rural

14
AGUIAR, Andrei. Formação da matriz tributária e desenvolvimento econô-
mico no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de São
Paulo, 2020, pp. 14-15.

19
(ITR); imposto de renda (IR); imposto sobre operações de crédito,
câmbio e seguro; imposto sobre transportes e comunicações (ex-
ceto aqueles relativos aos negócios municipais); imposto sobre
produtos industrializados (IPI); impostos sobre consumo de ener-
gia elétrica; produção, circulação ou consumo de minerais; e pro-
dução, importação, circulação, distribuição ou consumo de com-
bustíveis e lubrificantes líquidos ou gasosos.
Aos estados foram designados os impostos sobre transmissão
de bens imóveis (ITBI) e imposto sobre circulação de mercado-
rias (ICM). Por fim, os municípios ficaram responsáveis pelo im-
posto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), a
cota de 30% sobre o ICM arrecadado pelos estados e o imposto
sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN). A União, os estados
e os municípios também poderiam estabelecer taxas e contribui-
ções de aplicação especial, como aquelas destinadas à prestação
de serviços públicos ou mesmo para obras públicas15.
Outra novidade da reforma de 1965 dizia respeito ao meca-
nismo de distribuição das receitas arrecadadas pela União aos es-
tados e municípios. Foram criados o Fundo de Participação dos

15
Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_ante-
rior1988/emc18-65.htm>

20
Estados e do Distrito Federal e o Fundo de Participação dos Mu-
nicípios, os quais recebiam 10% do produto arrecadado dos im-
postos sobre renda e sobre a propriedade rural; 60% do produto
dos impostos sobre combustíveis, energia etc., e 90% dos impos-
tos incididos sobre minerais16.
É interessante observar que, embora tenha sido alardeada
como uma completa reformulação do sistema tributário brasi-
leiro, a reforma de 1965 se valeu de diversos impostos criados
mesmo antes da declaração da Independência em 1822, somente
renomeando-os ou, em alguns casos, mudando sua competência.
Os impostos aduaneiros, desde a abertura dos portos em 1808 (an-
tes mesmo da emancipação política do Brasil), compunham a
maior parte da arrecadação do Estado e sempre foram elencados
como objeto exclusivo do poder tributário do Governo Central17.
Outros exemplos claros dizem respeito ao IPTU e ao ISS,
ambos sob responsabilidade dos municípios. Quanto ao primeiro,
herdou o objeto e a forma de arrecadação da antiga décima ur-
bana, ou imposto predial, instituída com a vinda da Família Real
portuguesa para o Brasil em 1808. Esse tributo era cobrado sobre

16
Idem.
17
RAMOS, Eduardo S. “Organização alfandegária e espaços fiscais no Impé-
rio brasileiro (1808-1836)”. Almanack, 21, 2019, pp. 565-608.

21
todas as residências, habitadas ou não, situadas nas cidades do
Brasil e deveria corresponder a 10% do rendimento líquido do
imóvel (aluguel no caso). Naquele momento, os rendimentos da
décima eram destinados exclusivamente ao Governo Geral.
Quanto ao ISS, suas origens estão atreladas ao antigo imposto so-
bre indústrias e profissões, instituído em 1812 para financiar as
atividades do Banco do Brasil. Esse tributo incidia inicialmente
sobre comerciantes e prestadores de serviços em geral que atua-
vam nas cidades do Estado do Brasil. Ao longo do período impe-
rial, sua base de arrecadação foi ampliada, chegando a incidir so-
bre qualquer tipo de fábrica, comércio ou serviço (como advoga-
dos, dentistas ou barbeiros)18.
Quanto ao imposto de renda, sua origem é ainda mais curi-
osa. Ao longo do Império, foram tentadas diversas iniciativas que
buscavam tributar a renda, como criar um tributo sobre os rendi-
mentos dos funcionários públicos e um imposto pessoal relacio-
nado ao valor da casa em que se habitava. Contudo, somente em
1922 foi instituído um tributo sobre o rendimento individual das

18
Idem. Centralização e privilégio: Instituições econômicas e fiscalidade na
formação do Estado brasileiro (1808-1836). Dissertação (Mestrado em Histó-
ria Econômica). Universidade de São Paulo, 2018.

22
pessoas físicas19. O mesmo pode ser dito quanto ao imposto sobre
as propriedades rurais: mesmo com a aprovação da lei de terras
em 1850 e uma crescente pressão para a aprovação de alguma
taxação sobre a propriedade agrícola privada, somente em 1891 –
já durante a República – foi instituída uma alíquota de 5% sobre
as propriedades rurais20.
Por fim, quanto ao ICM, alguns estudiosos encontram suas
origens nos tempos coloniais com a cobrança dos dízimos. Con-
tudo, em uma análise mais minuciosa, é mais correto identificar
a gênese desse tributo no ano de 1821, com a mudança do fato
gerador do tributo cobrado sobre a produção agrícola no país. Até
aquele ano, os dízimos eram cobrados diretamente do produtor,
ou seja, na totalidade dos bens produzidos em determinado perí-
odo. A partir de um decreto publicado por Dom João VI, às

19
NÓBREGA, Cristóvão B. História do Imposto de Renda no Brasil: um en-
foque da pessoa física (1922-2013). Brasília: Receita Federal, 2014.
20
MENEGHETTI NETO, Alfredo. “Imposto Territorial Rural (ITR): algumas
considerações”. Indicadores Econômicos FEE, v. 20, 1992, pp. 185-199. Sobre
a Lei de Terras de 1850, Cf. SILVA, Lígia O. Terras devolutas e latifúndio
efeitos da lei de 1850. 2ªed. Campinas: EDUNICAMP. 2008; CARVALHO,
José Murilo. “Modernização frustrada: a política de terras do Império”. Revista
Brasileira de História, nº 1, 1981, pp. 39-57; MOTTA, Márcia M. M. Nas
fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. 2.ed.
Niterói: EDUFF, 2008; VARELA, Laura B. Das sesmarias à propriedade mo-
derna: um estudo de história do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar,
2005.

23
vésperas de seu retorno para Lisboa, os dízimos passaram a ser
cobrados em um sistema de registros e barreiras nos principais
caminhos para as cidades ou para as alfândegas. Assim, o tributo
que anteriormente era direto com fato gerador na produção pas-
sou a ser indireto com fato gerador em sua circulação e exporta-
ção21.
Retomando a reforma da década de 1960, após a aprovação
da emenda nº 18, alguns de seus aspectos foram regulamentados
no ano seguinte. Em primeiro lugar, a Lei nº 5.072, de 12 de
agosto de 1966, disciplinava o tributo sobre exportação, indi-
cando seu “caráter exclusivamente monetário e cambial”, ou seja,
sua função principal seria equilibrar os efeitos da entrada e saída
de moedas estrangeiras do Brasil, além de garantir e preservar as
receitas oriundas dos produtos exportados22.
Nesse mesmo ano, a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966,
regulamentaria a emenda constitucional de 1965, estabelecendo o
Sistema Tributário Nacional. O texto da lei trouxe uma melhor

21
DANIELI, Maria Isabel B. C. Economia Mercantil de Abastecimento e Rede
Tributária: São Paulo, Séculos XVIII e XIX. Tese (Doutorado em Desenvol-
vimento Econômico). Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 184.
22
Lei nº 5.072, de 12 de agosto de 1966. Disponível em: <https://www2.ca-
mara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5072-12-agosto-1966-364634-publi-
cacaooriginal-1-pl.html>

24
compreensão a diversas passagens da emenda constitucional, de-
talhando melhor a forma de arrecadação de cada tributo, bem
como a relação entre os entes federativos23. Um aspecto impor-
tante da Lei nº 5.172 foi que ela garantiu disciplina para o Sistema
Tributário Nacional, além do estabelecimento de normas gerais
relativas ao direito tributário e aplicáveis à União, estados e mu-
nicípios24.
Após a regulamentação geral, houve o Ato Complementar nº
36, de 13 de março de 1967, que tratou de questões relacionadas
ao imposto sobre circulação de mercadorias e renomeou o Sis-
tema Tributário Nacional para “Código Tributário Nacional”25.
De acordo com Carlos Henrique Machado e Ubaldo Cesar Bal-
thazar, “o códex fiscal”, sedimentado com o ato complementar nº
36, “promoveu a extinção de diversos tributos, representando um

23
Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: <https://www2.ca-
mara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5172-25-outubro-1966-358971-publi-
cacaooriginal-1-pl.html>
24
MACHADO, Carlos H.; BALTHAZAR, Ubaldo C. “A Reforma Tributária
como Instrumento de Efetivação da Justiça Distributiva: uma abordagem his-
tórica”. Sequência, 77, 2017, pp. 234.
25
Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1867. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/atocom/1960-1969/atocomplementar-
36-13-marco-1967-364820-norma-pe.html>

25
importante conquista para o disciplinamento da matéria tributária
no Brasil”26.
Todas essas iniciativas legislativas, incluindo outras não
mencionadas aqui, foram incorporadas à Constituição Federal de
1967. O Capítulo V, intitulado “Do Sistema Tributário”, incorpo-
rou quase tudo o que havia sido legislado até então sobre o sis-
tema tributário brasileiro27.
A reforma tributária da década de 1960, apesar de sua alar-
deada simplificação, modernização e eficiência, pode ser consi-
derada fortemente regressiva. A base da tributação se dava nos
chamados tributos indiretos e não se buscou uma maior reformu-
lação daqueles tributos que incidiam sobre a renda e riqueza. Essa
última, por exemplo, passou a largo dos planos apresentados ao
longo da década. Tal fato não era desconhecido daqueles que co-
locaram em marcha a reforma: em 1966, Francisco José de Souza,
contador do Ministério da Fazenda, publicou uma síntese sobre
os esforços de aplicação da reforma. Segundo a autor, ao se referir
aos tributos sobre a produção e a circulação, tais impostos “por

26
MACHADO, Carlos H.; BALTHAZAR, Ubaldo C. Op. Cit., p. 234.
27
Constituição Federal de 1967, de 24 de janeiro de 1867. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1960-1969/constituicao-1967-
24-janeiro-1967-365194-publicacaooriginal-1-pl.html>

26
sua natureza, ou seja, incidentes sobre mercadorias ‘lato sensu’,
são fatores de variação do custo de vida”, contudo, eles seriam “a
viga mestra da receita tributária da União, e sua produtividade é
permanente, sobrepujando a do imposto de renda”.28
Como mencionado anteriormente, a aprovação da reforma
tributária nos moldes daquela realizada em 1965 favorecia muito
os interesses do Governo Militar. Centralizar a receita tributária
em suas mãos, bem como as decisões sobre isenções e novos tri-
butos, era fundamental para garantir o crescimento econômico
acelerado conforme desejado pelos militares. Não por acaso, esse
período foi marcado por diversas iniciativas de reformas institu-
cionais para “colocar a casa em ordem”, tanto do ponto de vista
econômico como social. O objetivo principal da gestão de Bu-
lhões na Fazenda e Campos no Planejamento era combater a in-
flação, expandir as exportações e retomar o crescimento. Assim,
a principal ferramenta adotada nesse período foi a implementação
de um plano de estabilização dos preços, de inspiração ortodoxa,
chamado Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG)29.

28
SOUZA, Francisco J. “A Reforma Tributária Nacional”. Revista do Serviço
Público, nº 98, 1966, p. 38.
29
HERMANN, Jennifer. “Reformas, endividamento externo e o ‘milagre’ eco-
nômico (1964-1973)”. In: GIAMBIAGI, F.; VILLELA, A., et. al. (Org.) Eco-
nomia brasileira contemporânea (1945-2010). 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,

27
De maneira geral, o PAEG teve certo êxito em seus objetivos:
a economia brasileira cresceu a taxas moderadas (em média 4,2%
ao ano); a inflação teve certo arrefecimento, embora não tenha
atingido as metas do plano (as taxas foram 92% em 1964, 34%
em 1965 e 39% em 1966, enquanto as metas eram, respectiva-
mente, 70%, 25% e 10%); e houve certa concentração indus-
trial30.
Se por um lado, o PAEG alcançou com relativo sucesso al-
guns de seus objetivos, por outro lado as políticas ortodoxas im-
plementadas, principalmente nas políticas fiscais, monetárias e
creditícias restritivas levaram a uma desaceleração da atividade
industrial31. Outros pontos que devem ser levados em considera-
ção no período estão relacionados ao seu impacto no nível de em-
pregos e salários na economia brasileira, à redução da capacidade

2011, p. 50. A respeito do PAEG, Cf. DOMINGUES, F.; FONSECA, Pedro D.


“Ignácio Rangel, a correção monetária e o PAEG: recontando a história”. Es-
tudos Econômicos, 47, 2017, pp.429-458; MOURA, A. PAEG e Real: dois pla-
nos que :mudaram a economia brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2007; SINGER,
Paul. “A evolução da economia brasileira: 1955-1975”. Estudos CEBRAP, nº
17, 1976, pp. 61-83; RANGEL, Ignácio. A inflação brasileira. 4ª ed. São
Paulo: Brasiliense, 1981; BAER, Werner. A industrialização e o desenvolvi-
mento econômico do Brasil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1988.
30
Idem, p. 58-62.
31
RESENDE, L. “Estabilização e reforma: 1964- 1967”. In: ABREU, Marcelo
P. (Org.) A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana,
1889-1989. Campinas: Editora Campus, 1995, p. 222.

28
produtiva principalmente das pequenas empresas e ao caráter re-
gressivo sobre a estrutura industrial no país32.
Mesmo com esses modestos “sucessos” alcançados nos pri-
meiros anos do Governo Militar, os objetivos principais almeja-
dos pela reforma tributária da década de 1960, bem como as de-
mais reformas estruturais do mesmo período, somente foram con-
cretizados no período que se iniciou a partir de 1968 e que ficou
conhecido como “milagre econômico”.
Em 1967, o General Costa e Silva assumiu o poder, e o eco-
nomista e professor da Universidade de São Paulo Antônio Del-
fim Netto foi nomeado para o Ministério da Fazenda. No ano se-
guinte, em 1968, foi lançado o Plano Estratégico de Desenvolvi-
mento (PED), que tinha como objetivos principais a gradual esta-
bilização dos preços, o fortalecimento da iniciativa privada, a
consolidação da infraestrutura de base e a ampliação do mercado
interno de consumo33. Os resultados do plano foram significati-
vos: de 1968 a 1973, o PIB cresceu a taxas médias anuais de 11%,
sendo que o setor industrial cresceu em média 14%, e houve um
forte incremento da formação bruta de capital. A taxa de inflação
teve uma queda significativa, as reservas internacionais

32
Idem, pp. 222-224.
33
HERMANN, Jennifer. Op. Cit., p. 64.

29
aumentaram e o Governo melhorou a Balança de Pagamentos, al-
cançando um superávit primário médio de 1,4% no período34.
Esse “milagre” econômico não se refletiu na vida política.
Pelo contrário, o período inaugurado em 1968 foi marcado pelo
“pesadelo” dos direitos civis. Em 13 de dezembro de 1968, foi
promulgado o Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso Na-
cional, cassou mandatos políticos, suspendeu garantias constitu-
cionais, como o habeas corpus, e autorizou o Governo Militar a
intervir em estados e municípios. A promulgação do AI-5 atendia
aos anseios da linha dura dentro do Governo Militar, que acredi-
tava que a “revolução” havia perdido força e “era preciso criar
novos instrumentos para acabar com os subversivos”. O período
inaugurado com o AI-5 ficou conhecido como os “Anos de
Chumbo” e durou até 1979. Esse momento foi marcado por su-
cessivas investidas sobre a população civil, com a constante cas-
sação de mandatos, expurgo de funcionários públicos, sobretudo
os professores universitários, e o endurecimento dos mecanismos
de censura prévia e tortura institucionalizada com o objetivo de
obter informações sobre a oposição à Ditadura35.

34
Ibidem.
35
FAUSTO, B. História do Brasil. 13ª ed. São Paulo: EDUSP, 2010, pp. 479-
480.

30
Outra marca negligenciada pelos propagandistas do “mila-
gre” estava no aprofundamento das desigualdades econômicas ao
longo da década de 1970. As políticas de arrocho salarial adotadas
pelo PAEG, aliadas ao caráter regressivo da reforma tributária de
1965, permitiram que o crescimento econômico vivenciado na
década seguinte fosse majoritariamente apropriado pela camada
mais rica. Durante o auge do “milagre”, os 10% mais ricos deti-
nham quase 50% da renda do país, enquanto os 5% e o 1% detinha
27,69% e 12,11%, respectivamente. Nesse mesmo quesito, os
40% mais pobres da população detinham apenas 11,45% da ri-
queza do país36.
Tal fato exacerbava as deficiências e os limites do cresci-
mento acelerado experimentado naquela época. A “teoria do
bolo” defendida por Delfim Netto e por aqueles que controlaram
o “milagre” nunca foi inteiramente concluída, ou seja, o bolo
cresceu, mas não foi dividido com toda a população. Como afir-
maram Ricardo Barone, Pedro Bastos e Fernando Mattos: “parece
claro que os trabalhadores, de uma maneira geral, não se

36
BARONE, Ricardo S.; BASTOS, Pedro P. Z.; MATTOS, Fernando Augusto
M. “Capital humano ou capitalismo selvagem? Um balanço da controvérsia
sobre distribuição de renda durante o ‘milagre’ brasileiro”. Revista de Econo-
mia Contemporânea, nº 13, 2017, p. 6.

31
beneficiaram do crescimento da renda de forma proporcional à
sua evolução”37.
Recentemente, Pedro Herculano de Souza, utilizando os da-
dos do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), traçou um
panorama mais amplo a respeito da concentração de renda entre
os mais ricos no Brasil. Especificamente em relação ao período
em questão, Souza verificou que o ano de 1964, ano do Golpe
Civil-Militar, pode ser considerado como ponto de inflexão no
aumento da desigualdade. Tal constatação pode ser verificada na
queda da alíquota efetiva sobre os rendimentos tributáveis entre
1965 e 1970, além da crescente inclusão de novas isenções, so-
bretudo em relação às rendas de capital38.
Os “anos de chumbo” também assinalaram um aperto na cen-
tralização das receitas tributárias na União, reduzindo o repasse
aos estados e municípios e limitando ainda mais a capacidade des-
ses de criar taxas ou contribuições para financiar seus gastos. O
Ato Complementar nº 40, de 30 de dezembro de 1968, reduziu de
10% para 5% o repasse destinado aos Fundos de Participação dos
estados e municípios referente ao arrecadado do IRPF e do IPI,

37
Idem, p. 9.
38
SOUZA, Pedro H. G. F. Op. Cit., pp. 231 e 319-320.

32
além de indicar uma série de condições para utilização desses re-
cursos39.
Em 1974, a arrecadação do Imposto de Renda passou por
uma significativa mudança. A Lei nº 1.380, de 23 de dezembro de
1974, estabeleceu uma série de iniciativas para aumentar a capa-
cidade de arrecadação do tributo. Em primeiro lugar, foi determi-
nado que qualquer rendimento recebido no exterior, mesmo que
não repatriado ao Brasil, poderia ser enquadrado para fins de cál-
culo do imposto devido. Também foi incluída no imposto a dis-
tribuição de lucros realizada aos sócios de empresas situadas no
Brasil, sendo que a alíquota nesse caso foi estabelecida em 32%40.
O fim do “milagre econômico” também indicava o esgota-
mento do modelo tributário adotado na década de 1960. A proli-
feração de incentivos e renúncias fiscais acabou minando a capa-
cidade de arrecadação fiscal e, “a partir de 1975, o sistema prati-
camente deixou de ser utilizado como instrumento para novas

39
Ato Complementar nº 40, de 30 de dezembro de 1968. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/atocom/1960-1969/atocomplementar-
40-30-dezembro-1968-351391-publicacaooriginal-1-pe.html>
40
Decreto-Lei nº 1.380, de 23 de dezembro de 1974. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1380impressao.htm>

33
políticas”41. Essa fragilidade abriu espaço para que estados e mu-
nicípios reivindicassem a retomada dos repasses para os Fundos
de Participação. Assim, pela Emenda Constitucional nº 05, de 28
de junho de 1975, o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo
de Participação dos Municípios passaram a receber 9% cada de
repasse do IRPF e do IPI42.
Para coroar esse processo de descentralização e tentativa de
reformulação do sistema tributário da década de 1960, foi pro-
mulgada em 02 de dezembro de 1980 a Emenda Constitucional
nº 17. Nela, além do aumento do repasse para os Fundos de Par-
ticipação para 11% cada, foram adotadas uma série de medidas
para proporcionar uma maior participação dos demais entes da
federação na partilha das receitas tributárias43.
O resultado efetivo dessas políticas de descentralização tri-
butária foi uma queda na participação da União na totalidade da
receita tributária disponível na ordem de 10 pontos percentuais

41
VARSANO, Ricardo. “A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo
do século: anotações e reflexões para futura reforma”. Texto para Discussão
(IPEA), nº 405, 1996, p. 11.
42
Emenda Constitucional nº 05, de 28 de junho de 1975. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_ante-
rior1988/emc05-75.htm>
43
Emenda Constitucional nº 17, de 02 de dezembro de 1980. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_ante-
rior1988/emc17-80.htm>

34
entre 1983 e 1988, ao mesmo tempo em que a arrecadação, em
relação aos outros dois níveis da federação, caiu cerca de cinco
pontos percentuais44.
Com a exaustão do modelo econômico adotado ao longo do
“milagre” e da própria funcionalidade da reforma tributária, os
militares procuraram salvar a economia brasileira apresentando
um segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND)45 em
1974. Desta vez, sob a responsabilidade do Ministro da Fazenda,
Mário Henrique Simonsen, e do Ministro do Planejamento, João
Paulo dos Reis Veloso, o novo PND tinha como meta principal
retomar o crescimento aos moldes do período anterior, contudo,
com uma visão de longo prazo, ou seja, a ideia da “fuga para
frente”. A expectativa era que a economia crescesse em média
10% anuais até 1979. Para isso, propunha uma série de investi-
mentos públicos e privados (estimulados pelo anterior) em setores

44
VARSANO, R. Op. Cit., p. 12.
45
O II PND foi sucessor do I PND lançado em dezembro de 1971. O I PND,
sob o governo do General Emílio Garrastazu Médici, tinha a frente o Ministro
da Fazenda Antônio Delfim Netto e o Ministro do Planejamento João Paulo
dos Reis Velloso. Os objetivos principais do I PND eram: a modernização da
indústria nacional, aumento da eficiência do mercado financeiro e de capitais;
investimentos nos setores estratégicos como energia, transporte, indústria de
base, comunicação etc.; integração regional e social. O documento base do I
PND pode ser consultado em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/pu-
blicacoes-oficiais/catalogo/medici/i-pnd-72_74>

35
estratégicos para o desenvolvimento econômico, sendo estes, so-
bretudo, infraestrutura, bens de produção (capital e insumos),
energia e exportação46.
Para garantir o sucesso dos investimentos planejados pelo II
PND, o Governo Militar utilizou fortemente o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE) e as empresas estatais,
além de uma forte utilização dos recursos do orçamento (impos-
tos) e do capital externo. Inicialmente, o II PND trouxe alguns
resultados positivos: o crédito expandiu consideravelmente e, em
1976, o PIB cresceu 10%. Contudo, a inflação começou a se des-
controlar e a preocupar os analistas econômicos. A situação da
Balança de Pagamentos passou a se deteriorar, aumentando o dé-
ficit em conta corrente, o que, em certa medida, ocasionou uma
perda de reservas cambiais47.
A reação do Ministério da Fazenda foi verificada em uma
mudança completa da política de Simonsen. O Ministro adotou
uma política de controle e restrição de importações, cortes de gas-
tos e aumento da taxa básica de juros. Medidas essas que tinham

46
HERMANN, J. “Auge e declínio do modelo de crescimento com endivida-
mento: o II PND e a crise da dívida externa (1974-1984)”. In: GIAMBIAGI,
F.; VILLELA, A., et. al. (Org.) Economia brasileira contemporânea (1945-
2010). 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 80.
47
Idem, pp. 83-85.

36
como principal objetivo controlar a inflação e melhorar a situação
da Balança de Pagamentos.
No auge do II PND, Carlos Lessa já chamava atenção para
os desafios estruturais para sua efetiva execução. Segundo o eco-
nomista, o II PND procurou manter o padrão de crescimento do
período anterior sem, contudo, garantir os mesmos recursos para
o consumo de bens duráveis e sim apenas para os bens de produ-
ção. O endividamento externo também foi preservado, aumen-
tando ainda mais a vulnerabilidade externa da economia brasi-
leira. Assim, o problema básico do II PND foi crer que o “milagre
econômico” era um milagre tendencial, contudo, segundo Lessa,
ele “era produto da conjunção de um momento de expansão inter-
nacional com condições sumamente favoráveis externas. E as
duas condições já estavam atingindo seus pontos de inflexão”48.
Outro ponto fundamental para o autor estava no caráter polí-
tico do PND. Para Lessa, havia uma certa frustração com o “Bra-
sil potência” prenunciado durante o milagre e, ao apontar um ca-
minho diferente para o desenvolvimento econômico brasileiro, o
Governo, necessariamente, perderia o apoio de parte da elite eco-
nômica. Ao mesmo passo que, com as restrições de crédito e do

48
LESSA, Carlos. “Visão crítica do II Plano Nacional de Desenvolvimento”.
Revista Tibiriça, nº 06, 1977, p. 59.

37
consumo de bens importados, perderia o apoio de parte da popu-
lação, sobretudo, da classe média. Última questão a respeito do
texto de Lessa, e que está diretamente ligado ao objeto desse
texto, diz respeito à sua opinião sobre o que deveria ser feito para
minimizar o fracasso do II PND. Compelido a opinar sobre o as-
sunto, Lessa argumentou que seria necessária uma elevação da
carga tributária, “gravando violentamente os grupos de altas ren-
das e eliminando as formas reduzidas de tributação sobre os in-
gressos”, o controle do setor financeiro privado e, finalmente,
“uma reforma cambial com taxas múltiplas e diferenciadas de
câmbio”.49
O começo da década de 1980, além das graves crises econô-
micas no Brasil, também foi palco de uma abertura política maior
e, consequentemente, de críticas mais intensas à Ditadura Militar
e, igualmente, à política econômica adotada pelos militares.
Nesse sentido, a política tributária não poderia ficar de fora.
Já em 1981, Ricardo Varsano50 publicou um artigo altamente
crítico sobre o Sistema Tributário adotado a partir de 1965. Para

49
Idem, p. 59-62.
50
Ricardo Varsano é um economista brasileiro, com doutorado na Universi-
dade de Stanford em 1977, e foi Técnico em Pesquisa e Planejamento no Ins-
tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 1976 até 2003. Foi Econo-
mista Sênior no Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente atua como

38
ele, o modelo de tributação adotado naquela época não era mais
compatível com o atual estado da economia e da sociedade brasi-
leira, principalmente porque não servia mais para o crescimento
econômico e, mais importante ainda, porque a alta regressividade
da tributação era incapaz de corrigir as distorções em relação à
distribuição de renda no Brasil. O principal fator desse último
ponto estava relacionado à tributação sobre a renda. O sistema
tributário, além de ter eliminado o tributo sobre as heranças, ne-
gligenciava a tributação sobre a riqueza, os rendimentos auferidos
pelo capital, os benefícios dos rendimentos com a exportação e os
valores destinados à poupança, o que acabou por beneficiar de
maneira desigual as classes mais altas. Assim, o imposto de renda
tornava-se um imposto sobre a renda do trabalho, não cumprindo
seu papel fundamental que seria a redistribuição da renda51.
Ao focar o alvo da tributação na circulação de bens e na in-
dústria, a reforma provocava uma contradição, tornando-se um
empecilho para o objetivo de acelerar o crescimento. Além disso,
tornava o sistema tributário mais regressivo do que já era e,

consultor em políticas tributárias. Durante sua atuação no IPEA foi Coordena-


dor de Estudos Tributários e publicou diversos trabalhos sobre o tema ao longo
das últimas décadas.
51
VARSANO, Ricardo. “O sistema tributário de 1967: adequado ao Brasil de
80?” Pesquisa Planejamento Econômico, nº 11, 1981, pp. 215-216.

39
segundo Varsano, “sendo regressivos os impostos sobre produtos,
não é surpresa que estudos recentes apontem o sistema tributário
como incapaz de redistribuir a renda”. O desafio para a década
que se iniciava seria, antes de tudo, superar o modelo tributário
adotado na década de 1960, instituindo uma tributação que fosse
redistributiva, menos regressiva e que fomentasse a geração de
empregos sem, contudo, comprometer a arrecadação do go-
verno52.
José Serra em 1983, então professor de economia na Univer-
sidade Estadual de Campinas, argumentou a respeito dos princi-
pais problemas e a necessidade de reforma do sistema tributário
brasileiro. Entre os principais problemas, se destacavam: a inefi-
ciência da arrecadação para custear os gastos governamentais; a
regressividade da tributação; a elevada e ineficiente centralização
da competência tributária; “a regressividade espacial do sistema
tributário”; e a desorganização do sistema de incentivos fiscais53.
Segundo Serra, após o diagnóstico dos entraves seria neces-
sária “uma reforma tributária ampla e profunda”. O caminho per-
corrido por tal reforma deveria, necessariamente, perpassar por

52
Idem, p. 224-226.
53
SERRA, J. “O sistema tributário: diagnostico e reforma”. Revista de Econo-
mia Política, nº 1, 1983, p. 5.

40
uma série de inciativas que fosse responsável por, entre outros:
aumentar os recursos tributário disponíveis; “atenuar a regressi-
vidade social (vertical) e as iniquidades horizontais do sistema
tributário”; reajustar o sistema para atender a um “verdadeiro re-
gime federativo”; melhorar a qualidade do gasto público reali-
zado por meio de recursos tributários; e aumentar a autonomia e
a participação tributária dos estados e municípios. Algumas me-
didas para esse fim poderiam ser: a unificação do ICM e do IPI
(talvez do ISS); a elevação da alíquota média do IRPF; inclusão
de ganhos de capital no IR; retomada do imposto sobre heranças
e doações; taxação de bonificações realizadas por meio de ações;
tributação de lucros oriundos do mercado financeiro (seja o lucro
obtido por meio de renda fixa ou de ações); e a implementação de
alíquotas progressivas para o IPTU e ITR54.
A conjuntura econômica que se iniciou com a década de 1980
não foi das melhores para o Brasil. O segundo choque do petróleo
em 1979 e o contrachoque Volker nos Estados Unidos55

54
Idem, pp. 23-27.
55
Em 1979, com o aumento da inflação nos Unidos, o Presidente Jimmy Carter
nomeou para o FED o economista Paul Volker. Com uma política agressiva de
controle dos preços, Volker elevou a taxa básica de juros de então 10% para
cerca de 20%. O resultado nos Estados Unidos foi uma forte retração da eco-
nomia, com recessões, redução da produção e renda, e do aumento do desem-
prego. Para os países da América Latina, a política de Volker levou a uma crise

41
agravaram ainda mais a situação externa brasileira, que já vinha
debilitada desde a época do milagre. Para coroar o processo de
deterioração da economia, a crise da dívida externa latino-ameri-
cana, deflagrada em 1982, ocasionou um rápido processo de fuga
de capital do Brasil e aumento dos índices de inflação. A solução
encontrada pelo governo militar foi a imposição de um ajuste bru-
tal com uma política extremamente restritiva que incluía, entre
outras medidas, o corte de gastos, o aumento de impostos, a con-
tenção da expansão monetária e o aumento dos juros.
Entre essas medidas, foi aprovada a emenda constitucional nº
23 em 1º de dezembro de 1983. Entre outros pontos, a emenda
alterava algumas questões referentes ao ICM: sobretudo em rela-
ção à sua não acumulabilidade, uniformização das tarifas e sua
aplicação sobre mercadorias importadas. A emenda também au-
mentou os repasses dos valores arrecadados pelo IR e pelo ITR
para os estados e municípios – passando a ser 14% para os estados
e 16% para os municípios –, do imposto sobre os combustíveis,

generalizada no pagamento das dívidas externas. Sobre o assunto, Cf. FRIE-


DEN, Jeffry. “Crise e mudança”. In: Idem. Capitalismo Global: história eco-
nômica e política do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, pp. 387-
416.

42
lubrificantes etc., e indicava um aumento progressivos desses re-
passes ao longo dos próximos anos56.
O resultado prático dessa política econômica foi aquilo que
se convencionou chamar de “década perdida”: sucessivas crises
financeiras, recessões econômicas, altos índices de inflação e uma
deterioração geral do padrão de consumo da população brasileira.
Ao mesmo tempo em que a economia se espatifava, o governo
militar ia junto. O governo de João Figueredo havia dado início a
um processo lento e gradual de abertura política, dada a insusten-
tabilidade econômica e a perda da credibilidade dos militares. Tal
processo durou até 1985, quando, após intensos protestos popu-
lares, os militares cederam e foi eleito, de maneira indireta pelo
Colégio Eleitoral, o primeiro presidente civil depois de mais de
20 anos de Ditadura: Tancredo de Almeida Neves. Tancredo não
chegou a assumir a presidência, faleceu cerca de três meses após
as eleições, e em seu lugar foi empossado José Sarney de Araújo
Costa57.

56
Emenda Constitucional nº 23, de 01 de dezembro de 1983. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_ante-
rior1988/emc23-83.htm>
57
FAUSTO, B. Op. Cit., pp. 512-515.

43
Economicamente, o governo Sarney foi marcado por quatro
planos sucessivos que tinham como principal objetivo controlar a
inflação galopante: o Plano Cruzado (1986), o Plano Cruzado II
(1986), o Plano Bresser (1987) e o Plano Verão (1989). O pri-
meiro deles instituiu o congelamento dos preços, salários e câm-
bio por um ano, além de uma reforma monetária. O Plano Cru-
zado II foi uma sequência do primeiro, dado que ele havia fracas-
sado pelo excesso de demanda e a restrição da oferta pelos pro-
dutores, e sua primeira medida foi o descongelamento dos preços
e o estabelecimento de mecanismos diferenciados para o cálculo
da inflação e, consequentemente, reajuste dos preços e salários.
Assim como o primeiro plano, o Cruzado II também fracassou e
a inflação voltou a disparar.
Antes de apresentar o Plano Cruzado, em dezembro de 1985,
Sarney e seu Ministro da Fazenda, Dilson Domingos Funaro, ins-
tituíram diversas alterações na legislação tributária federal. A lei
tratava, principalmente, do imposto de renda, entretanto, trazia
considerações a respeito de algumas contribuições e taxas sob res-
ponsabilidade da União, como aquelas que tratavam de bens pú-
blicos, transporte e energia.
Em relação ao imposto de renda, foram incluídas algumas al-
terações na forma de cálculo do imposto, tanto aquele retido na

44
fonte como o declarado diretamente à Receita Federal. A tabela
do IRPF também foi atualizada, estipulando uma alíquota má-
xima de 45% para os rendimentos retidos na fonte e 50% para os
declarados posteriormente, corrigida monetariamente de acordo
com as normas emitidas pela Fazenda. Outro ponto importante foi
que a legislação passou a incluir rendimentos de trabalhos “não
assalariados” assim como aqueles rendimentos “decorrentes de
locação, sublocação, arrendamento e subarrendamento de bens
móveis ou imóveis e de outros rendimentos de capital que não
tenham sido tributados na fonte”. Ainda de acordo com a legisla-
ção, ficaria sujeito ao imposto de renda, com a alíquota máxima
de 45%, “o ganho de capital auferido na cessão ou liquidação de
títulos, obrigações ou aplicações de renda fixa”. Mais especifica-
mente, o artigo 51 determinava que:
Ficam compreendidos na incidência do im-
posto de renda todos os ganhos e rendimentos de
capital, qualquer que seja a denominação que lhes
seja dada, independentemente da natureza, da es-
pécie ou da existência de título ou contrato escrito,
bastando que decorram de ato ou negócio, que,
pela sua finalidade, tenha os mesmos efeitos do
previsto na norma específica de incidência do im-
posto de renda.

45
Por fim, os rendimentos das pessoas jurídicas também foram
atualizados. O artigo 17 estipulava que todas as pessoas jurídicas
situadas no território nacional, cujo rendimento no ano de 1985
tenha sido igual ou superior a 40.000 ORTN (Obrigação Reajus-
tável do Tesouro Nacional), deveriam ser tributadas com base no
lucro real ou arbitrado, o qual deveria ser apurado semestralmente
em junho e dezembro58.
Com o fracasso do Plano Cruzado I e II, Funaro deixou o
Ministério da Fazenda em abril de 1987. Em seu lugar, assumiu,
no mesmo mês, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira. Com
cerca de três meses no comando da pasta, Bresser-Pereira apre-
sentou um plano de reestruturação e equilíbrio econômico. O ob-
jetivo do “Plano Bresser”, como ficou popularmente conhecido,
era o mesmo dos demais planos apresentados no período: contro-
lar a crescente inflação no Brasil. As medidas básicas, em geral,
consistiam no congelamento dos preços, salários e aluguéis por
três meses; controle do déficit público com o aumento de impos-
tos, corte de subsídios e corte das despesas e investimentos

58
Lei nº 7.450, de 23 de dezembro de 1985. Disponível em: <https://www2.ca-
mara.leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-7450-23-dezembro-1985-367965-nor-
maatualizada-pl.html>

46
públicos59. Assim como os planos anteriores, o Plano Bresser não
teve o sucesso esperado e, pouco menos de um ano após assumir
o Ministério, Bresser deixou o Governo em janeiro de 1988.
O período que se estendeu de 1964 até o final da década de
1980 é, certamente, um dos mais importantes para a história do
Brasil. Seja pela memória dos anos de repressão ou mesmo pelos
programas e planos econômicos, aquele período originou ou exa-
cerbou diversos problemas e desafios para a sociedade brasileira
presentes até os dias atuais. Quanto à tributação, objeto específico
desse trabalho, a reforma de 1965, que até os dias de hoje rever-
bera, ratificou o caráter básico do sistema tributário brasileiro: sua
regressividade e o privilégio às camadas mais ricas, não tribu-
tando riqueza e os ganhos de capital. A abstenção em taxas ri-
queza e a baixa progressividade do imposto de renda, fatores re-
sultantes na alta desigualdade de renda, são aspectos que per-
meiam todo o sistema tributário brasileiro, naquele período e atu-
almente.
Em 1987, uma nova oportunidade se abria para a reformula-
ção das políticas tributárias no Brasil. Naquele ano, mais

59
Decreto Lei nº 2.335, de 12 de junho de 1987. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1980-1987/decreto-lei-2335-
12-junho-1987-366920-publicacaooriginal-1-pe.html>

47
precisamente em fevereiro de 1987, iniciaram-se os trabalhos da
Assembleia Constituinte: 559 congressistas reunidos, eleitos di-
retamente pelo povo, se debruçaram sobre os mais diversos temas
e problemas da sociedade brasileira. Os trabalhos realizados na-
quela Assembleia, com relação ao sistema tributário, são discuti-
dos no capítulo que se segue.

48
49
Após a eleição de Tancredo Neves, do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), e o subsequente governo de
José Sarney, também do PMDB, o comando militar no Executivo
chegou ao fim. No entanto, ainda era necessário percorrer um
longo caminho para reorganizar a sociedade brasileira e reformar
suas instituições, que haviam sido marcadas pelo caráter autoritá-
rio60. No mesmo ano de sua eleição, Sarney cumpriu sua principal
promessa eleitoral e convocou uma Assembleia Nacional Consti-
tuinte com o objetivo de superar a Constituição de 196761.
Os 487 deputados e 72 senadores foram eleitos diretamente
em novembro do ano seguinte e tomaram posse em 1º de fevereiro
de 1987, data em que os trabalhos para a elaboração da nova
Constituição deveriam ser iniciados. O deputado Ulysses

60
Tancredo de Almeida Neves foi eleito Presidente da República, indireta-
mente pelo Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985 após derrotada a emenda
Dante de Oliveira, a qual previa a realização de eleições diretas no Brasil. Com
o seu falecimento, em abril daquele mesmo ano, seu vice José Sarney assumiu
o cargo de presidente.
61
Emenda Constitucional nº 25, de 27 de novembro de 1985. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_ante-
rior1988/emc26-85.htm

50
Guimarães, do PMDB por São Paulo, foi eleito presidente da As-
sembleia. Durante sua presidência, Ulysses constantemente en-
trou em conflito com o governo Sarney, enquanto enfrentava a
difícil tarefa de conciliar os compromissos de seu partido com a
redemocratização, a plataforma democrático-popular de partidos
como o Partido dos Trabalhadores (PT) e os interesses conserva-
dores, às vezes reacionários, de partidos ligados à antiga Aliança
Renovadora Nacional (ARENA)62.
Para melhor organizar o trabalho, a elaboração do texto cons-
titucional foi dividida em 8 comissões e 24 subcomissões temáti-
cas. A matéria tributária teve seu principal palco de discussão na
Comissão Temática do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças
(CSTO), especialmente na Subcomissão de Tributos, Participação
e Distribuição das Receitas (STPD).
De maneira geral, assim como ocorreu em outras partes da
Constituinte, as discussões foram dominadas por alguns grupos
políticos que buscaram suprimir as polêmicas e as vozes discor-
dantes63. Essa visão foi apoiada por um dos membros mais

62
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografa. São
Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 488-489.
63
AFONSO, J. R. R. “Memória da Assembleia Nacional Constituinte de
1987/88: as finanças públicas”. Revista do BNDES, nº 11, 1999, p. 25.

51
influentes da CSTO, Francisco Dornelles. Para ele, ao longo dos
trabalhos da comissão, “foi construído um forte consenso polí-
tico” que resultou em poucas alterações no texto proposto pela
mesma64.
Marta Arretche já havia chamado atenção para a complexi-
dade das forças presentes nas discussões a respeito do texto cons-
titucional em 1987. Segundo a autora, ocorreu um acordo entre a
bancada do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e parte das bancadas
do Sul e Sudeste para fortalecer a autonomia tributária almejada
por estas últimas, bem como aumentar as alíquotas das transfe-
rências federais. Em resumo, de acordo com a autora, “os acordos
realizados com o presidente e o relator reiteraram o acordo já fir-
mado na Subcomissão: autonomia tributária sobre os próprios im-
postos e ampliação das transferências dos fundos de participa-
ção”65. No entanto, isso não significa que os embates entre dife-
rentes projetos tenham sido ausentes nos debates.
Da CSTO participaram 63 parlamentares (sendo 34 do
PMDB; 15 do Partido da Frente Liberal (PFL); 04 do Partido

64
DORNELLES, F. “O sistema tributário da Constituição... Op. Cit., p. 07.
65
ARRETCHE, Marta. “Quem taxa e quem gasta: a barganha federativa na
federação brasileira”. Revista de Sociologia e Política, nº 24, 2005, pp. 78; 80-
81.

52
Democrático Social (PDS); 03 do Partido Democrático Traba-
lhista (PDT); 02 do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); 02 do
PT; 01 do Partido Liberal (PL); 1 do Partido Democrata Cristão
(PDC) e 01 Partido Comunista do Brasil (PC do B)) e sua pri-
meira sessão foi realizada no dia 1º de abril de 1987 com o obje-
tivo de organizar os trabalhos e eleger o presidente, os vice-pre-
sidentes e prosseguir com a indicação do relator pelo presidente66.
Nessa primeira sessão já foi verificada que havia uma diver-
gência entre aqueles que compunham a Comissão. Alguns depu-
tados estranharam o fato de haver apenas uma chapa posta para a
votação composta pelos parlamentares Francisco Dornelles (PFL-
RJ), Osmundo Rebouças (PMDB-CE) e Ivo Vanderlinde (PMDB-
SC). Deputados como Nion Albernaz (PMDB-GO), Carrel Bene-
vides (PMDB-AM), Firmo de Castro (PMDB-CE) e o senador
Cid Saboia de Carvalho (PMDB-CE) questionaram tal fato, afir-
mando que os trabalhos da comissão estariam prejudicados de an-
temão e, como discursou o senador Cid, “não é possível

66
“Ata da primeira reunião da Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e
Finanças, realizada em 1º de abril de 1987”. In: BRASIL. Diário da Assem-
bleia Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento nº 55,
maio de 1987. Brasília, p. 218.

53
aceitarmos essas cartas marcadas, sem que as regiões se possam
manifestar”67.
O argumento principal desse grupo de parlamentares era que
as regiões Norte e Nordeste haviam sido negligenciadas e esta-
vam sendo prejudicadas nas discussões da comissão. Como forma
de protesto, eles consideraram a possibilidade de obstruir a vota-
ção. No entanto, essa estratégia não teve sucesso, e eles então pro-
puseram uma chapa alternativa composta pelo senador Divaldo
Suruagy (PDS-AL) como presidente, Cid Carvalho como pri-
meiro vice-presidente e Carlos de Carli (PMDB-AM) como se-
gundo vice-presidente.
A estratégia novamente não surtiu o resultado esperado e a
chapa de Dornelles foi eleita com ampla maioria, cerca de 46 vo-
tos. Em sua declaração de voto, o senador Cid Carvalho, após di-
zer que iria renunciar seu lugar na comissão, afirmou que o debate
democrático estava prejudicado, pois, ao chegarem ali os deputa-
dos haviam “já encontrando tudo resolvido, tudo antecipada-
mente resolvido, ab initio, encontramos já tudo selecionado” e os
deputados que procurassem apresentar ideias divergentes e que
não estivessem apenas interessados nos conchavos políticos

67
Idem, p. 219.

54
“serão meros figurantes, sem a menor expressão e sem a menor
importância dentro de um sistema de composição que aqui se con-
sagrou”68.
Dornelles assumiu a presidência, informou que as subcomis-
sões deveriam se reunir no dia seguinte e designou como relator
da CSTO o deputado José Serra (PMDB-SP). Em seu longo dis-
curso de posse, José Serra defendeu que seus trabalhos se pauta-
riam no sentido de dar ao Brasil um sistema tributário melhor que
aquele em vigor, trazendo modernizações e maior justiça na tri-
butação. Nas palavras do deputado, as diretrizes básicas a serem
seguidas deveriam ser:
Em primeiro lugar, maior justiça social na repar-
tição da carga tributária, que hoje cai desproporcio-
nalmente sobre as classes trabalhadoras, sob a forma
de impostos diretos, e sobre a classe média, no que se
refere ao imposto direto, ao Imposto de Renda (...).
Em segundo lugar, adequar o nosso sistema tributário
às necessidades do nosso desenvolvimento, do cres-
cimento econômico, da geração de empregos e do
maior bem-estar do conjunto da população. Em ter-
ceiro lugar, atenuar as desigualdades regionais no
Brasil. Esta é uma obrigação que fará com que a nossa

68
Idem, p. 222-223.

55
comissão tenha de montar um sistema tributário que
sirva a uma diminuição das desigualdades de desen-
volvimento do nosso País69.
Apesar de convocada para o próximo dia, a primeira reunião
da STPD somente foi realizada no dia 08 de abril de 1987. Assim
como na comissão principal, na subcomissão também houve di-
vergências quanto a composição daqueles que deveriam compor
a mesa diretora dos trabalhos. Havia um acordo das lideranças
para eleger Carlos Virgílio (PSD-CE), para presidente; José Luiz
de Sá (PL-RJ), para primeiro vice-presidente, Benito Gama (PFL-
BA), para segundo vice-presidente, e Irajá Rodrigues, (PMDB-
RS), para relator. Entretanto, nesse caso, os proponentes da chapa
alternativa saíram vitoriosos e a mesa foi formada por Benito
Gama na presidência, Mussa Demes (PFL-PI) na primeira vice-
presidência, José Maria Eymael (PDC-SP) na segunda vice-pre-
sidência, e Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE) na relatoria70.
Assim como José Serra, Fernando Bezerra defendeu que as
principais bases da subcomissão fossem a defesa do federalismo,

69
Idem, p. 224.
70
“Ata da primeira reunião da Subcomissão de Tributos, Participação e Distri-
buição das Receitas, realizada em 08 de abril de 1987”. In: BRASIL. Diário
da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento
nº 53, maio de 1987. Brasília, p. 146.

56
a diminuição das desigualdades regionais e a efetiva repartição
das receitas federais. Para o relator, um outro desafio da subco-
missão seria desenhar um sistema tributário que fosse “um instru-
mento eficaz de justiça social que se deve verificar na atribuição
dos impostos diretos e indiretos”, dado que o atual, composto ma-
joritariamente por tributos indiretos, “penaliza em demasia a ca-
mada assalariada, os mais pobres, aqueles que têm menor capaci-
dade para poder contribuir para as rendas do Governo, do Estado
e do Município”71.
O discurso de ambos os relatores refletia a preocupação com
a injustiça e a regressividade do sistema tributário brasileiro na-
quela época. No entanto, essas manifestações seriam desafiadas
nas discussões subsequentes em ambas as comissões. Conforme
veremos adiante, conciliar um discurso progressista com a prática
e a realidade influenciada por diversos interesses políticos se tor-
naria um obstáculo para a efetivação desses objetivos, se é que
eles eram realmente buscados pelos relatores.
Nesse perspectiva, na avaliação de Sérgio de Azevedo e Mar-
cus André Melo, os debates na ocorridos na Assembleia Consti-
tuinte inicialmente refletiam uma agenda “fortemente

71
BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões.
Ano I, Suplemento nº 78, junho de 1987. Brasília, p. 121.

57
descentralizante, complexa e expansionista do ponto de vista das
instituições fiscais, e redistributiva e inclusiva do ponto de vista
social”, no entanto, ao longo dos trabalhos, essa agenda foi gra-
dualmente “cedendo lugar a uma agenda balizada pela necessi-
dade de integração competitiva ao mercado internacional, simpli-
ficação e harmonização tributária, recuperação da capacidade fis-
cal e tributária da União, e enfoque atuarial do financiamento da
política social”72.
Após o discurso do relator, o presidente encerrou a sessão e
convocou a próxima para o dia seguinte, momento no qual seriam
discutido o plano de trabalho da subcomissão. Contudo, outra
vez, os trabalhos da subcomissão somente foram retomados no
dia 14 de abril. Nessa sessão, o presidente Benito Gama lembrou
aos deputados do exíguo prazo para apresentação do anteprojeto
e de que as discussões teriam como ponto inicial a convocação de
várias autoridades, intelectuais e políticos os quais abordariam os
principais problemas da tributação brasileira. Gama também in-
formou que havia recebido o relatório da Seplan/IPEA, o qual jul-
gava “um instrumento de trabalho extremamente importante para

72
AZEVEDO, Sérgio; MELO, Marcus A. “A política da Reforma Tributária:
federalismo e mudança constitucional”. Revista Brasileira de Ciências Soci-
ais, nº 35, 1997, p. 05.

58
apreciação e discussão”. No mesmo sentido, o deputado Os-
mundo Rebouças sugeriu que a subcomissão tomasse o relatório
da Seplan/IPEA como base e que a partir dele fossem realizadas
as alterações pretendidas pelos deputados, assim, não perderiam
muito tempo confeccionando um documento do zero73.
Conforme mencionado pelo presidente, as sessões que se se-
guiram foram preenchidas por diversas audiências públicas com
os convidados a falarem a respeito da tributação no Brasil. Desde
a terceira sessão realizada no dia 22 de abril até a nona sessão
realizada no dia 06 de maio de 1987, a subcomissão recebeu es-
tudiosos de renome com diferentes visões a respeito da questão
tributária no Brasil. Entre esses, podemos citar nomes como: Fer-
nando Rezende74, Alcides Jorge Costa75, Geraldo Ataliba76,

73
“Ata da segunda reunião da Subcomissão de Tributos, Participação e Distri-
buição das Receitas, realizada em 14 de abril de 1987”. In: BRASIL. Diário
da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento
nº 78, junho de 1987. Brasília, p. 121-127.
74
Fernando Antônio Rezende da Silva é um economista e professor da Escola
Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Var-
gas (EBAPE-FGV). Foi Secretário Adjunto da Seplan, Assessor do Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Presidente do IPEA.
75
Alcides Jorge Costa foi um tributarista e professor titular do departamento
de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(FD-USP).
76
José Geraldo de Ataliba Nogueira foi jurista e professor de Direito Tributário
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP) e da Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde também foi Reitor.

59
Carlos Alberto Longo77, Ives Gandra da Silva Martins78, Souto
Maior Borges79, além de representantes de instituições como a
Secretária da Receita Federal, Associação Brasileira de Municí-
pios (ABM); Instituto Brasileiro de Administração Municipal
(IBAM), Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Escri-
tório Técnico dos Estudos Econômicos do Nordeste (ETENE),
União Nacional dos Auditores Fiscais do Tesouro Nacional
(UNAFISCO), Frente Municipalista Nacional, Departamento In-
tersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos (DIEESE)
e Secretários da Fazenda dos estados e municípios.
Ao longo das sessões públicas, foram apresentados diferentes
programas para a reforma do sistema tributário, variando desde
propostas disruptivas que buscavam uma completa reformulação
do sistema e a implementação de princípios como

77
Carlos Alberto Longo foi professor titular da Faculdade de Economia e Ad-
ministração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
78
Ives Gandra da Silva Martins é um tributarista e professor de Direito Eco-
nômico. É professor emérito em diversas universidades, como a Universidade
Mackenzie, também é emérito na Escola de Comando e Estado-Maior do Exér-
cito (ECEME), e na Escola Superior de Guerra (ESG). Uma das vozes mais
proeminente do conservadorismo no Brasil, é membro da Opus Dei, foi presi-
dente do IASP e da ABDF.
79
José Souto Maior Borges foi um jurista, tributarista, professor titular da Fa-
culdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
e professor honorário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP). É considerado uma das maiores referencias do direito tributário no Brasil.

60
progressividade e justiça tributária, até projetos mais conservado-
res que defendiam a manutenção do sistema tributário existente.
Dois projetos se destacaram por representarem posições opostas
na política tributária: o projeto elaborado pelo IPEA e o projeto
elaborado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) em
conjunto com a Associação Brasileira de Direito Financeiro
(ABDF). No próximo capítulo, ambos os planos serão abordados,
enquanto neste momento daremos atenção principal às discussões
entre os parlamentares da Assembleia Nacional Constituinte.
Retomando aos trabalhos legislativos, a discussão da matéria
tributária somente foi retomada na décima sessão realizada no dia
07 de maio de 1987. Nessa reunião, o relator Fernando Bezerra
Coelho levantou alguns temas a serem discutidos pelos parlamen-
tares, os quais ainda estavam em aberto no anteprojeto em elabo-
ração. Os pontos eram os seguintes: 1) princípio da anterioridade;
2) imunidades; 3) isenção de impostos estaduais e municipais por
leis complementares da União; 4) competência residual; 5) con-
tribuições sociais; 6) empréstimos compulsórios; 7) impostos úni-
cos; 8) imposto sobre serviços de qualquer natureza; 9) impostos
sobre o patrimônio líquido das pessoas físicas; e 10) imposto

61
sobre doações e heranças de quaisquer bens ou de títulos repre-
sentativos80.
Em relação ao primeiro tema, o entendimento que prevaleceu
foi o do deputado José Maria Eymael. O deputado defendeu que
a legislação tributária deveria ser regida pelo princípio da “lega-
lidade, da anterioridade e da anualidade”. Segundo esse princípio,
um imposto somente poderia ser cobrado se houvesse lei que o
estabelecesse, entraria em vigor no exercício fiscal subsequente e
as alterações em sua alíquota ou forma de arrecadação respeitaria
o prazo de noventa dias para entrar em vigor. A exceção se daria
com os tributos de importação, exportação e imposto sobre ope-
rações financeiras (IOF) que seriam instrumentos da política eco-
nômica da União. Partindo dessa premissa, o deputado Simão
Sessim (PFL-RJ) argumentou que o IPI também deveria entrar no
rol das exceções pois, assim como os anteriores, também era um
instrumento da política econômica.
Em relação às imunidades houve uma grande divergência en-
tre os parlamentares. O texto apresentado pelo relator previa a
isenção para patrimônio e renda dos entes federativos e

80
“10ª sessão ordinária realizada em 7 de maio de 1987”. In: BRASIL. Diário
da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento
nº 79, junho de 1987. Brasília, pp. 122-123.

62
autarquias, partidos políticos, cultos, instituições de educação e
de assistência social, livros e jornais. Alguns deputados questio-
naram a isenção para instituições de educação, pois, diversas en-
tidades privadas obtinham lucros nesse setor. Da mesma forma
argumentaram que os cultos não pagavam tributos federais e sim
estaduais, logo, deveria conter no texto a isenção para tais tribu-
tos. Quanto a primeira polêmica, o relator informou que tais par-
ticularidades deveriam ser determinadas por lei complementar e,
em relação à segunda, demonstrou contrariedade, pois feria o
princípio federativo. A palavra final, nesse último assunto, ficou,
novamente, com o deputado Simão Sessim que lembrou aos de-
putados que todos estavam ali pela autonomia e que “o poder de
isentar está contido no poder de tributar. Quem cria o tributo é
que pode isentar”81.
Outros dois temas relevantes discutidos nessa ocasião diziam
respeito ao destino dos impostos únicos (ISSQN incluso) e a cri-
ação do imposto sobre patrimônio líquido e sobre as heranças.
Quanto ao primeiro tópico, os deputados Simão Sessim e José
Serra defenderam o fim dos impostos únicos e do ISSQN e sua
inclusão no imposto de circulação de mercadorias estadual,

81
Idem, pp. 127-130.

63
aumentando a participação municipal nesse último tributo de 20
para 25% e a criação do Imposto sobre Venda à Varejo (IVV).
Diversos deputados questionaram se tal medida não diminuiria a
arrecadação municipal, ao passo que outros argumentaram que
poucos municípios de fato cobravam o ISSQN, seja por receio da
pressão popular ou mesmo por ausência de mecanismos e pessoal
para realizar a cobrança. Ao final o deputado Osmundo Rebouças
contemporizou a questão, dizendo que a união dos dois impostos
enfrentaria problemas complexos. Em sua visão, até aquele mo-
mento havia dúvidas “se devemos juntar serviços com mercado-
rias na base de um imposto. Acho que isso não vai terminar nunca.
São tantas as dificuldades que vamos acabar desistindo, man-
tendo ICM e ISS separados”82.
Por fim, a discussão a respeito do imposto sobre o patrimônio
líquido das pessoas físicas e o imposto sobre doações e heranças.
Nessa discussão foi possível verificar a existência de duas corren-
tes antagônicas a respeito da tributação sobre a riqueza. A posição
favorável ao tributo pode ser sintetizada na opinião do deputado

82
Idem, p. 134-136.

64
Osmundo Rebouças83 segundo a qual, o imposto sobre o patrimô-
nio evitaria que os mais ricos burlassem o IR por vários meios.
Nas palavras do deputado, os mais ricos do país viviam “com uma
renda monetária do tamanho de nada. Ele não paga nada de im-
posto. Tudo é a empresa, o patrimônio”. Da mesma forma, o ar-
gumento da bitributação do imposto sobre o patrimônio e IR seria
equivocada, pois, em suas palavras, “uma coisa é fluxo, outra é
estoque. Não há fato gerador idêntico; logo, não há bitributa-
ção”84.
Do lado opositor ao tributo, a opinião do deputado Mussa
Demes foi uma das mais enfáticas. Para Demes o imposto preten-
dido seria negativo, pois, o mesmo corroeria tudo aquilo que o
contribuinte conquistou ao longo de sua vida, em suas palavras,
seria “uma forma, digamos assim, de penalizar os ricos”. Além
disso, o imposto teria a capacidade de destruir o sistema econô-
mico-financeiro do Brasil, pois, uma vez instituído o tributo im-
plicaria na “fuga de muitas pessoas, através da constituição de
empresas familiares, sob a forma de sociedades anônimas”, o

83
Vale a pena ressaltar que o deputado Osmundo Rebouças detinha formação
em economia pela UFRJ e mestrado e doutorado em economia na Universi-
dade de Havard. A época lecionava na Universidade de São Paulo (USP).
84
BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões.
Ano I, Suplemento nº 79, junho de 1987. Brasília, p. 136.

65
patrimônio de tais sociedades seria partilhado em ações ao porta-
dor e, “simplesmente, desapareceria esse patrimônio da declara-
ção”85.
Sobre esse assunto, o relator da matéria se limitou a dizer que
as posições estavam bastante divididas e, que como ninguém se-
quer mencionou, seria prudente restabelecer o imposto sobre he-
ranças e doações. Findo as discussões, Bezerra prometeu apresen-
tar o anteprojeto na próxima reunião e, no prazo de dois dias, ava-
liar as mais de quatrocentas emendas que havia recebido.
De fato, a primeira versão do anteprojeto e do relatório foi
entregue na sessão seguinte que ocorreu no dia onze de maio de
1987, na qual não houve debates. Em seu relatório apresentado
aos membros da subcomissão, o relator informou que a proposta
por ele apresentada procurava “preservação dos institutos tributá-
rios sedimentados pela tradição histórica” e “explicação dos prin-
cípios e objetivos que devem nortear o Sistema Tributário”. Ainda
segundo o relator, o texto apresentado por ele proporcionaria uma
“estrutura constitucional capaz de permitir ao legislador ordinário
construir um sistema de tributação eficiente, inspirado na justiça

85
Idem, p. 136-137.

66
social e na universalidade, progressividade e igualdade tributá-
ria”86.
Em relação ao texto constitucional em si, o anteprojeto in-
cluía a previsão da capacidade contribuitiva, a expansão dos em-
préstimos compulsórios aos estados (mas somente em caso de ca-
lamidade pública e com a aprovação do legislativo), a competên-
cia residual tributária para os estados e para a União e a isenção
tributária para microempresas. Além daquilo que foi discutido na
reunião anterior. Quanto aos tributos, a União seria responsável
pelos tributos sobre importação e exportação, renda e proventos
de qualquer natureza, imposto seletivo sobre IPI, IOF e o imposto
de guerra. A União poderia alterar as alíquotas dos impostos de
importação, exportação e IPI como forma de política econômica
conjuntural. Os estados seriam responsáveis pelo imposto de
transmissão de bens intervivos (ITBI), transmissão causa mortis
(heranças), circulação de mercadorias, serviços e energia (ICM
conjunto ao ISS), propriedade de veículos automotores (IPVA) e
propriedade territorial rural. Já os municípios ficariam com o

86
COELHO, Fernando B. “Anteprojeto de Relator da Subcomissão de Tribu-
tos, Participação e Distribuição das Rendas”. Seção de Documentação Parla-
mentar, vol. 147. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1987.

67
IPTU e vendas a varejo e mercadorias. Os municípios teriam di-
reito a 50% do valor arrecada do ITBI e 25% do ICM87.
Em relação aos fundos de participação dos estados e municí-
pios os percentuais foram aumentados significativamente. A
União deveria repassar, dos valores arrecadados do IR e IPI,
18,5% para o Fundo de Participação dos Estados e Distrito Fede-
ral, 22,5% para o Fundo de Participação dos Municípios e 2%
para aplicação nos estados do norte e nordeste88. Além disso, 5%
dos valores arrecadados do IPI pela União seriam destinados para
o estado onde se localizasse o estabelecimento contribuinte89.
A discussão em si ficou para a sessão realizada no dia 13 de
maio. O relator Fernando Bezerra, novamente, fez uma exposição
do seu anteprojeto. Segundo o parlamentar, o primeiro passo e
motivo balizador da reforma foi realizar uma descentralização do
sistema tributário. Para ele, seria “imperativo promover a redis-
tribuição de recursos, contemplando, inclusive, um tratamento di-
ferenciado para os Estados menos desenvolvidos”. Ao mesmo

87
Idem, pp. 06-07.
88
Tal determinação foi resultado da configuração que a subcomissão adquiriu
com a vitória da chapa alternativa. Os principais cargos estavam nas mãos de
parlamentares do nordeste.
89
COELHO, Fernando B. “Anteprojeto de Relator da Subcomissão de Tribu-
tos, Participação e Distribuição das Rendas”. Seção de Documentação Parla-
mentar, vol. 147. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1987, p. 08.

68
tempo, o texto buscava “ampliar as possibilidades de assegurar
progressividade ao sistema tributário, embora reconhecendo que
esse problema é infraconstitucional e está umbilicalmente ligado
a uma precisa identificação da pessoa do contribuinte, seu patri-
mônio e rendimentos”. Essa pretensa progressividade seria dele-
gada ao imposto sobre heranças, pois, tal tributo asseguraria “a
tributação do patrimônio acumulado no tempo, com efeitos im-
portantíssimos para a Justiça fiscal”90.
É interessante observar que, embora tenha sido mencionada
pelo relator, a palavra “progressividade” não aparece uma única
vez no texto do anteprojeto. Além disso, o relator tentou justificar
a ausência do imposto sobre o patrimônio ao incluir o imposto
sobre as heranças, embora esses impostos incidam em bases dife-
rentes. Isso revela algo que se tornou claro durante as discussões
na comissão e subcomissão: o discurso sempre apontava para uma
tributação mais justa e menos desigual, mas essa intenção não se
refletia claramente na letra fria da lei.

90
“12ª reunião, ordinária, realizada em 13 de maio de 1987. Destinada à dis-
cussão do anteprojeto”. In: BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Consti-
tuinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento nº 80, junho de 1987. Brasília,
pp. 142-144.

69
Retomando a sessão de 13 de maio, as principais falas dos
parlamentares versavam sobre particularidades do texto apresen-
tado pelo relator. Alguns, como o deputado Nion Albernaz defen-
deu a transferência da arrecadação do ISS para o estado, mas não
sua junção ao ICM e o estado ficaria responsável por repassar
50% de seu produto ao município. Outros, como Mussa Demes,
Jesus Tajra (PFL-PI), e Afif Domingos (PL-SP) demostraram suas
preocupações quanto ao IVV, os obstáculos em sua arrecadação e
se ele não configuraria bitributação junto ao ICM. O único depu-
tado a expressar contrariedade quanto a ausência de uma maior
justiça fiscal e aspectos que realmente transformasse o sistema
tributário brasileiro foi, novamente, o deputado Osmundo Rebou-
ças. Para ele, havia uma “resistência conservadora da Assembleia
Nacional Constituinte” para “impedir a criação de um sistema tri-
butário progressivo, que onere realmente quem tem mais e quem
ganha mais”. Tal resistência contribuiria para “concentrar renda
nas classes mais abastadas, exatamente o inverso do papel que lhe
é atribuído em qualquer estudo sobre o sistema tributário” e que
a finalidade básica da tributação, a qual aquela subcomissão

70
deveria perseguir, seria “contribuir para reduzir as desigualdades
de renda entre as classes”91.
Os trabalhos foram então encerrados e deveriam ser retoma-
dos na próxima sessão com a votação do anteprojeto e das emen-
das apresentadas pelos constituintes. Entretanto, a sessão que de-
veria ocorrer no dia 14 de maio não foi realizada devido à ausên-
cia de quórum92. A reunião para apreciação das emendas e vota-
ção somente ocorreu no 22 de maio, mais de uma semana finda a
última sessão. Como de praxe, o relator iniciou a discussão reali-
zando um breve relato das últimas alterações realizadas no texto.
Em primeiro lugar, mencionou que havia recebido mais de 450
emendas e, dessas, 70 foram aceitas integralmente e 52 parcial-
mente.
Foram aceitas emendas como a do senador Fernando Henri-
que Cardoso (PMDB-SP) que definia as bases do sistema tributá-
rio a justiça social e o “desenvolvimento socioeconômico equili-
brado entre as diferentes regiões do país”. O PT sugeriu que os
sindicatos também fossem inclusos no rol de entidades com imu-
nidade tributária. Os municípios tiveram incluso a capacidade de
estabelecer empréstimos compulsórios, além de usufruir de 50%

91
Idem, pp. 148-149.
92
Idem, p. 153.

71
do ICM que incidisse sobre serviços e extração de minerais situ-
ado nos seus limites. Foram incluídas diversas cláusulas em rela-
ção ao ICM, inclusive sua incidência sobre produtos exportados,
regras mais claras sobre distribuição e isenções etc. A definição
da alíquota máxima tanto do ICM como do imposto sobre heran-
ças ficaria a cargo do Senado. Por fim, quanto a progressividade
do sistema, novamente o relator deixou a questão em aberto, pois,
em sua opinião, tal questão dependeria de lei ordinária aprovada
pelo congresso e “mediante o estabelecimento de alíquotas pro-
gressivas e seletivas” para tributos como o IR e o imposto sobre
heranças93.
Iniciada a discussão, o primeiro a tomar a palavra e fazer du-
ras críticas ao anteprojeto foi o deputado Virgílio Guimarães (PT-
MG). Para o petista houve uma omissão muito grave no relatório:
a não inclusão “no sistema tributário a preocupação de se fazer
justiça social, praticando a justiça fiscal como distribuidora de
renda”. Assim, a reforma seria, necessariamente, “extremamente
conservadora”, pois, não obrigaria que se pagasse “impostos

93
“Ata da 13ª reunião, extraordinária, destinada a votação do anteprojeto e
emendas, realizada em 22 de maio de 1987”. In: BRASIL. Diário da Assem-
bleia Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento nº 81, ju-
nho de 1987. Brasília, pp. 97-101.

72
aqueles setores que antes também não o faziam, tais como o setor
latifundiário”, dado que não foram criados “impostos sobre a pro-
priedade, que poderiam acabar com as distorções existentes no
próprio sistema de tributação direta”. Em suma, o deputado con-
cluiu que opção “da justiça fiscal, da distribuição de renda, enfim,
da justiça social que deveria ser feita e que nesse anteprojeto não
se levou em conta como deveria ser”94.
Após comentários e elogios de alguns deputados, o antepro-
jeto passou para a votação de seu mérito. Segundo o presidente,
Benito Gama, seriam necessários treze votos (maioria simples
dos presentes na reunião) para a aprovação do texto. Ao final da
votação, o anteprojeto teve dezessete votos favoráveis, uma abs-
tenção e sete deputados que não votaram (basicamente todos do
PL e do PDS). Aprovado o texto principal, prosseguiram para vo-
tação das emendas sugeridas ao texto.
A grande maioria das emendas foi rejeitada, mostrando a
força política do grupo dominante na subcomissão. Algumas me-
recem destaque quanto ao seu conteúdo ou inovação. O deputado
Adhemar de Barros (PDT-SP), apoiado pelo também deputado
Vivaldo Barbosa (PDT-RJ), apresentaram uma emenda na qual os

94
Idem, p. 103.

73
salários deveriam ficar de fora do IR, pois, na opinião dos dois,
salário não constituiria renda. O relator divergiu frontalmente da
sugestão, afirmando que salário seria sim renda. Na votação, a
emenda foi derrubada por quinze votos. José Tinoco (PFL-PE)
apresentou duas emendas: a primeira definia que, ao contrário do
produto do IR e IPI, o fundo de participação deveria ser composto
pela totalidade da arrecadação tributária da União (algo presente
na proposta apresenta pelo IPEA). A segunda retornaria à arreca-
dação do ISS para a competência municipal. Ambas foram derro-
tadas por larga margem, a primeira com dezesseis votos contrá-
rios e a segunda com dezoito. Outro dispositivo que também es-
tava no Projeto IPEA e que, dessa vez foi aprovado, foi apresen-
tado pelo constituinte Airton Sandoval (PMDB-SP). Segundo
essa emenda, os estados poderiam instituir uma adicional de até
5% no imposto de renda. Por fim, o deputado Virgílio Guimarães
ofereceu uma emenda que retornava a cobrança do ITR para o
Governo Federal, pois, em sua concepção, o “ITR, desde a sua
criação, tem o sentido de promover a redistribuição da terra (...).
É um instrumento de justiça social e de reforma agrária”. Assim,
muitos municípios não arrecadavam tal tributos, e os estados tão

74
pouco o fariam95. Apesar de ter tido o apoio de outros deputados,
como de Jesus Tajra, a emenda foi rejeitada96.
Finalizado os trabalhos na STPD, o texto foi encaminhado
para a comissão principal para a apreciação do relator José Serra.
Na sessão em que foi recebida, realizada no dia 25 de maio, houve
apenas uma breve apresentação dos trabalhos realizados na sub-
comissão e agradecimentos aos envolvidos na elaboração do
texto97. A discussão do anteprojeto entrou em pauta em duas ses-
sões seguidas, no dia 28 de maio e no dia primeiro de junho, con-
tudo, os parlamentares se limitaram a enviar as emendas e a tratar
de outros assuntos relacionados aos trabalhos interno da comis-
são98.

95
Idem, pp. 104-110.
96
A versão final do anteprojeto aprovado na subcomissão pode ser verificada
em: COELHO, Fernando B. “Anteprojeto da Subcomissão de Tributos, Parti-
cipação e Divisão das Receitas”. Seção de Documentação Parlamentar, vol.
150. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1987.
97
“2ª reunião da Comissão do Sistema Tributário, Orçamente e Finanças, rea-
lizada em 26 de maio de 1987”. In: BRASIL. Diário da Assembleia Nacional
Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento nº 80, junho de 1987.
Brasília, pp. 136-138.
98
“Ata da 3ª reunião da Comissão do Sistema Tributário, Orçamente e Finan-
ças, realizada no dia 28 de maio de 1987”. In: BRASIL. Diário da Assembleia
Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento nº 83, junho de
1987. Brasília, p. 115; “4ª reunião da Comissão do Sistema Tributário, Orça-
mente e Finanças, realizada no dia 1º de junho de 1987”. In: BRASIL. Diário
da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento
nº 114, agosto de 1987. Brasília, p. 129.

75
Somente na sessão realizada no dia 08 de junho, com a apre-
sentação do substituto do relator José Serra, a questão tributária
retomou aos trabalhos da comissão. José Serra iniciou os traba-
lhos fazendo uma breve justificativa das alterações adotadas nos
anteprojetos encaminhados pelas subcomissões. Em relação ao
sistema tributário, elencou como aspetos principais do seu texto:
o fortalecimento da autonomia dos entes federativos; redução dos
desequilíbrios regionais; maior justiça fiscal; proteção dos contri-
buintes; simplificação e “adequação da tributação às necessidades
de modernização do sistema produtivo”99.
Dois tópicos são importantes de serem mencionados: o cará-
ter da justiça fiscal e da progressividade presentes no projeto
apresentado à comissão. Em relação ao primeiro, José Serra afir-
mou que tal princípio estaria presente na Constituição por meio
de uma “declaração pragmática” na qual os impostos “na medida
do possível, dependendo de sua natureza, devam ser pessoais e
progressivos”. Em relação à progressividade em si, o relator res-
saltou que tinha “perfeita consciência da enorme importância da
atenuação da regressividade”, contudo, em sua opinião, “boa

99
“6ª Reunião, realizada no dia 8 de junho de 1987”. In: BRASIL. Diário da
Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Suplemento nº
114, agosto de 1987. Brasília, p. 151-152.

76
parte desta atenuação, para não dizer a mais importante, deverá
ser feita através de leis complementares, notadamente no que se
refere ao Imposto de Renda, nos seus aspectos de progressividade
e, especialmente, de abrangência”100.
O substituto apresentado por José Serra manteve a estrutura
do anteprojeto da subcomissão e trouxe apenas algumas inova-
ções. Alguns pontos alterados ou adicionados foram: a indicação
de que a autoridade poderia identificar o patrimônio e rendas dos
contribuintes; a definição “sem fins lucrativo” para as instituições
educacionais e de assistência social; não incidência do ICM sobre
comércio interestadual de combustíveis e energia elétrica; entre
outras correções pontuais sem alteração expressivas ao texto.
Como na versão anterior, no substituto não é mencionada a pala-
vra progressividade, apesar do discurso do relator101.
A discussão e a proposição de emendas ficaram para as duas
sessões seguintes, a primeira realizada no mesmo dia, na parte da
noite, e a segunda no dia seguinte. O primeiro a tomar a palavra
a respeito do substituto, na parte relativa ao sistema tributário, foi

100
Idem, pp. 152-154.
101
A integra do substituto pode ser consultada em: SERRA, José. “Substitutivo
do Relator da Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças”. Seção
de Documentação Parlamenta, vol. 142. Brasília: Centro Gráfico do Senado
Federal, 1987.

77
o relator da STPD, Fernando Bezerra Coelho, que elencou algu-
mas alterações, além daquelas já mencionadas, realizadas por
Serra na nova versão do texto. Em primeiro lugar, chamou aten-
ção para a partilha automática em relação à competência residual
que existia anteriormente e foi suprimida, igualmente na versão
de Serra a responsabilidade do Senado em estabelecer a alíquota
mínima do ICM foi abandonada. O deputado lembrou que foi di-
minuído o percentual transferência do estado ao município no que
dizia respeito aos tributos cobrados sobre a exploração de mine-
rais, que foi de 50 para 25%, e também se alterou a distribuição
dos recursos do Fundo de Participação, aumentando a importân-
cia dos estados do sul-sudeste e diminuindo das demais regiões.
Serra fez algumas justificativas breves, informando que a compo-
sição adotada visava manter o equilíbrio regional e garantir a sus-
tentação da federação102.
Os discursos que se seguiram durante a noite focaram princi-
palmente em dúvidas e pedidos de esclarecimentos ao relator. Os
deputados questionaram repetidamente a composição dos fundos
de participação e outras especificidades relacionadas aos tributos
destinados aos estados, com destaque para o ICM, e aos

102
BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões.
Ano I, Suplemento nº 114, agosto de 1987. Brasília, pp. 159-160.

78
municípios. Na sessão do dia seguinte, a discussão se limitou aos
assuntos relacionados às outras duas subcomissões: orçamento e
sistema financeiro.
Em sua 9ª e última reunião, a comissão teve de encarar um
hercúleo trabalho: foram mais de novecentos destaques e emen-
das, desses cerca de quinhentos diziam respeito ao sistema tribu-
tário, e a sessão prolongou-se por três dias consecutivos, do dia
12 ao dia 14 de junho. A primeira votação foi destinada a aprovar
ou não a íntegra do substitutivo, o que geral certo descontenta-
mento entre alguns deputados que gostariam que fosse votado os
capítulos em separado (tributação, orçamento e sistema finan-
ceiro). Todavia, o texto foi aprovado por ampla maioria, cin-
quenta votos favoráveis, três contrários e uma abstenção. Os úni-
cos que votaram contra foram os deputados Luiz Gushiken e Vir-
gílio Guimarães, ambos do PT-SP justificando que o projeto era
demasiado conservador, e o deputado Walmor de Luca do
PMDB-SC, pois, não concordou com a forma da votação103.
O primeiro dia foi reservado à discussão das emendas relati-
vas ao sistema financeiro. O sistema tributário somente foi tratado

103
“9ª Reunião, realizada nos dias 12, 13 e 14 de junho de 1987”. In: BRASIL.
Diário da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões. Ano I, Su-
plemento nº 132, agosto de 1987. Brasília, p. 237.

79
no dia seguinte, mas na mesma sessão. Dada a quantidade de
emendas apresentadas os deputados chegaram a um acordo para
aceleração da votação: a votação seria realizada em blocos, nos
temas em que houvesse maiores divergências. Após diversas falas
sobre temas laterais ao assunto principal, o deputado César Maia
(PTD-RJ) foi o primeiro a falar propriamente a respeito do sis-
tema tributário. Maia sugeriu diversas alterações no texto com
fins de torná-lo mais progressivo. Em primeiro lugar, propôs a
criação de dois tributos diretos sob responsabilidade da União:
imposto sobre o patrimônio líquido das pessoas físicas e o im-
posto sobre o ativo permanente líquido das pessoas jurídicas. Para
os estados seria criado um imposto de transmissão de veículos
usados e para os municípios o imposto sobre vendas a varejo seria
substituído pelo imposto sobre a exteriorização de riqueza104.
José Serra tratou de contestar a sugestão de César Maia. Para
o relator, a presença do imposto sobre heranças e o adicional do
IR para os estados diminuiria as características da regressividade
do sistema tributário brasileiro. Igualmente, proporcionar maior
progressividade ao IR deveria passar pela ação dos legisladores

104
Idem, p. 304.

80
em lei ordinária e não seria tarefa da constituinte a qual deveria
se resguardar a tratar de um caráter mais geral da tributação105.
Virgílio Guimarães também utilizou a palavra para criticar a
proposta e apresentar algumas alternativas. De acordo com Gui-
marães, seu objetivo, e da bancada do PT, era o mesmo que havia
sido estabelecido na subcomissão, qual seja: “fazer com que o
Sistema Tributário seja menos regressivo “e que pague imposto
no Brasil quem usualmente não o paga”. Para ele o imposto sobre
o sobre o patrimônio líquido seria o primeiro passo nesse sentido,
após seria necessário aumentar a progressividade do IR, que de-
veria recair com mais incidência sobre o capital, e acabar com o
IVV. Serra não chegou a comentar a intervenção do deputado, so-
mente se limitou a dizer que já havia respondido a questão ao di-
rigir-se ao deputado César Maia106.
Outro ponto importante discutido antes da votação foi a de-
finição da competência de arrecadação do ITR. Esse assunto já
havia sido debatido na subcomissão e foi trazido novamente à
tona pelo deputado José Carlos Vasconcellos (PMDB-PE). Ele ar-
gumentou que o ITR deveria ser de responsabilidade da União,
pois somente ela teria a capacidade de arrecadar esse tributo e

105
Idem, p. 305.
106
Idem, p. 307.

81
eventualmente implementar a reforma agrária no Brasil. Em res-
posta, José Serra defendeu a competência estadual do ITR, mas
admitiu que esse aspecto poderia ser alterado nas próximas etapas
de tramitação107.
A discussão do substituto prosseguiu com uma grande quan-
tidade de emendas e justificativas apresentadas pelos deputados.
A imensa maioria delas foram rejeitadas ficando o texto pratica-
mente igual aquele confeccionado originalmente pelo relator. So-
mente foram alterados alguns aspectos técnicos e alguns pontos
da redação, nada de muito relevante para o sentido da tributação
brasileira. Um aspecto interessante e que, entre a apresentação da
primeira versão e ao longo da votação, foi transferido o imposto
sobre doações e transferências intervivos (ITBI) da competência
estadual para a competência municipal108.
Em sua avaliação final a respeito dos trabalhos desenvolvi-
dos na CSTO Fernando Rezende argumentou que houve pouco
empenho dos parlamentares em implementar mudanças significa-
tivas no sistema tributário. Para ele, “entre a disposição para

107
Idem, p. 311.
108
É possível verificar a integra do texto aprovado na comissão, bem como o
relatório final do relator em: SERRA, José. “Relatório e anteprojeto da Comis-
são do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças”. Seção de Documentação
Parlamentar, vol. 145. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1987.

82
enfrentar propostas inovadoras, com aperfeiçoamentos da admi-
nistração fiscal, e a comodidade de continuar convivendo com si-
tuações conhecidas, preferiu-se preservar o regime atual”. Igual-
mente, o resultado não seria definitivo, pois, “o projeto de Cons-
tituição define apenas a direção das reformas, mas não as conso-
lidam, bem como ilustra o caso tributário”109.
Outra força política que procurou influenciar os trabalhos da
comissão foram os governadores de diversas regiões do país. Um
dos governadores mais engajados nesse processo foi Orestes
Quércia, então governador de São Paulo. Em agosto de 1987,
após a aprovação do texto nas comissões temáticas, Quércia afir-
mou que todos os governadores, especialmente os do PMDB, es-
tavam unidos para aprovar o texto final. Entre as principais de-
mandas dos governadores estava a garantia da autonomia tributá-
ria, especialmente no que diz respeito à alíquota do ICM110.
A ideia do governador paulista, que também contava com o
apoio do governador de Pernambuco Miguel Arraes, da Bahia
Waldir Pires, do Ceará Tasso Jereissati, do Rio de Janeiro Moreira

109
REZENDE, Fernando; AFONSO, José R. R. “A reforma fiscal no processo
de elaboração da nova Constituição”. Textos para Discussão Interna (IPEA),
nº 121, 1987, pp. 08 e 42.
110
“Quércia diz que governadores defenderão proposta tributária”. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1987, caderno 01, sessão política.

83
Franco, e do Rio Grande do Norte Geraldo Melo, era de intensi-
ficar o “lobby” e a pressão junto aos deputados para a aprovação
do texto. Além da já mencionada autonomia estadual, o objetivo
dos governadores era frear as inciativas do Governo Federal para
alterar o texto. Em pauta também estava a garantia de que os per-
centuais destinados as transferências seriam alimentados, pauta
defendida, sobretudo, pelos governadores do nordeste111.
Assim como aconteceu na CSTO, o texto a respeito da tribu-
tação passou quase incólume pela Comissão de Sistematização.
Contudo, nessa etapa uma importante alteração foi implemen-
tada: a inclusão sobre grandes fortunas na Constituição. Previa-
mente houve uma última tentativa dos deputados do PT em im-
plementar o imposto sobre o patrimônio líquido. Na referida
constituição o deputado Luís Inácio Lula da Silva (PT-SP) pediu
destaque da emenda confeccionado pelos deputados Plínio de Ar-
ruda Sampaio (PT-SP) e Vilson Souza (PMDB-SC). Ao defender
sua emenda Plínio Sampaio argumentou que o imposto era extre-
mamente necessário e justo, pois, somente se manteria a demo-
cracia no Brasil “se se estabelecer um processo sério de

111
“Governadores farão ‘lobby’ para influenciar constituinte”. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 18 de agosto de 1987, Sessão Política.

84
redistribuição de rendas” e o imposto sobre o patrimônio líquido
era um dos únicos meios nesse sentido112.
Contra a implementação do referido tributo discursaram os
constituintes José Lins (PFL-CE) e o relator da subcomissão de
tributos Fernando Bezerra Coelho. O primeiro deputado argu-
mentou que o referido tributo incidiria, sobretudo, sobre a pou-
pança e os pequenos investimentos. Já Fernando Bezerra, concor-
dando com os argumentos anteriores, ainda argumentou que esta-
ria se criando “um imposto que iria tributar um patrimônio for-
mado por uma renda já tributada” e que, como havia sido discu-
tido na subcomissão, a renda adquirida pela sua arrecadação seria
ínfima e não compensaria os transtornos causados pela sua insti-
tuição113. Na votação da emenda, o resultado teve a maioria dos
votos, mas não teve quórum para sua aprovação: foram 46 votos
favoráveis, 44 contrários e uma abstenção.
Finalmente, a emenda para a implementação do imposto so-
bre grandes fortunas foi apresentada pelo deputado Antônio Ma-
riz (PMDB-PB). Na defesa do tributo sobre grandes fortunas

112
“Ata da 32ª reunião extraordinária da Comissão de Sistematização”. In:
BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte: Comissão de Sistema-
tização. Ano II, Suplemento “C” ao nº 171, janeiro de 1988. Brasília, p. 1945.
113
Idem, p. 1946.

85
Mariz menciona que tal matéria, à primeira vista, poderia ser en-
carada como uma reintrodução da emenda sugerida pelo deputado
Plínio Sampaio, contudo, sua emenda estabeleceria um teto e um
piso para esse patrimônio líquido. Mariz ainda defendeu que to-
dos os países avançados e não apenas os socialistas (como havia
dito Fernando Bezerra), haviam aprovados semelhantes impostos
sobre o patrimônio, e finalizou fazendo um forte apelo aos seus
companheiros, nas palavras do deputado:
Todos aqueles que se preocupam em construir
uma democracia estável, que não pode basear-se
senão na igualdade social; que todos aqueles que
condenam os contrastes, as disparidades econômi-
cas que permeiam o povo brasileiro – todos esses
que querem legislar para o futuro e para um país
livre e autenticamente democrático, tenho a cer-
teza de que hão de solidarizar-se com a criação
desse imposto sobre as grandes fortunas114.
Outro deputado que também argumentou a favor foi João
Agripino (PMDB-PB). Concordando com seu antecessor, Agri-
pino lembrou que aprovar o imposto sobre grandes fortunas pas-
saria a mensagem à sociedade que os deputados não apenas esta-
vam fazendo discursos quando advogavam pela distribuição de

114
Idem, p. 1981.

86
renda e justiça social. Manter o sistema trutário conforme cons-
tava no texto aprovado pela CSTO nada mais seria do que “o aper-
feiçoamento do mesmo sistema que foi fruto da aliança dos mili-
tares com a burguesia em 1967”. De acordo com o parlamentar, a
forma estabelecida pelo imposto não teria como alcançar os mais
pobres e as classes médias e sua instituição finalmente alcançaria
os mais ricos que há muito acostumaram-se a não pagar tributos
e escondias seus patrimônios de todas as formas115.
Contra o imposto, dois parlamentares se manifestaram: o se-
nador João Menezes (PFL-PA) e o deputado Francisco Dornelles,
que também era presidente da CSTO. O senador Menezes argu-
mentou que o referido imposto era, na verdade, um instrumento
para limitar a riqueza do país e torná-lo pobre e miserável. O im-
posto seria um empecilho para a produção e causaria grandes pro-
blemas para a economia nacional, pois, em suas palavras, o im-
posto iria liquidar “com a riqueza, e, liquidando com a riqueza,
estaremos empobrecendo cada vez mais a classe desprotegida”.
Para Dornelles, não haveria necessidade de incluir tal tributo na
Constituição, pois, a União teria a competência residual para criar
qualquer tributo sobre renda ou patrimônio. Igualmente, os

115
Ibidem.

87
deputados estariam revivendo uma discussão já vencida em todas
as comissões as quais foi submetida tal ideia e que, conforme já
mencionado, tal tributo não teria efeito prático na arrecadação
dada sua insuficiência ou mesmo pelo fato dos mais ricos encon-
trarem meios de esconderem suas fortunas116.
Além da tribuna, Dornelles também expos suas opiniões a
respeito do imposto sobre o patrimônio na imprensa. Em artigo
publicado na Folha de S. Paulo, o deputado argumentou que a
ampliação do imposto sobre o patrimônio acarretaria um compor-
tamento de evasão, assim, os contribuintes tenderiam a direcionar
sua riqueza para ativos que não estariam sujeitos ao tributo. Os
efeitos possíveis desse movimento poderiam ser, entre outros, um
aumento da propensão ao consumo; entesouramento; fugas de ca-
pitais do setor produtivo ou para o exterior; aplicações em ações;
compra de ouro, dólar ou outros ativos facilmente sonegáveis. As
dificuldades na arrecadação e fiscalização tornariam “o imposto
injusto”, dado que somente aqueles honestos declarariam seu real
patrimônio. Por fim, na visão de Dornelles, a introdução de tal
imposto não seria aconselhável, dado que as dificuldades do

116
Ibidem.

88
poder público não deveriam “ser gratuitamente agravadas com
novidades que não dão certo”117.
Mesmo com a oposição dos referidos constituintes e ou-
tros118, o imposto sobre grandes fortunas foi aprovado por 47 vo-
tos favoráveis (quórum mínimo) contra 37 votos contrários e 2
abstenções. A aprovação do imposto sobre grandes fortunas ainda
receberia forte oposição mesmo na Comissão de Sistematização,
com algumas emendas determinando sua supressão, e na im-
prensa. Contudo, ao final, seria incluso na Constituição mesmo
com a limitação imposta pela necessidade de lei regulamentar
para sua real efetivação119.
A Constituição foi promulgada em 05 de outubro de 1988,
em seu capítulo sobre a tributação manteve-se boa parte daquilo
que foi decidido desde a STPD. Contudo, algumas alterações re-
alizadas na Comissão de Sistematização foram substanciais ame-
nizar o caráter conservador imposto à tributação nas comissões

117
DORNLLES, Francisco. “A Constituinte e os impostos”. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 31 de julho de 1987, sessão Tendências/ Debates.
118
Fernando Bezerra também usou a palavra para se posicionar contra o im-
posto.
119
AZEVEDO, Paulo Eduardo A. Imposto Sobre Grandes Fortunas: a pro-
posta de imposto sobre a riqueza pretendida pela Assembleia Nacional Cons-
tituinte de 1987/88”. Monografia (Bacharelado em Direito). Universidade Fe-
deral Fluminense, 2013, pp. 41-42.

89
especificas. Alguns pontos são interessantes em mencionar: o em-
préstimo compulsório foi restrito a União; o ITR foi novamente
colocado sob competência da União; foi restabelecido o ISS sob
competência dos municípios e o IVV somente seria cobrado sobre
combustíveis, exceto óleo e diesel; houve uma aumento na cota
do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal para
21,5% e do Fundo de Participação dos Municípios para 22,5%; e
a porcentagem destinada ao norte, nordeste e centro-oeste passou
para 3%; a cota do IPI a qual a União deveria repassar aos estados
aos quais os estabelecimentos situassem passou de 5% para 40%
e, por fim, mas não menos importante, foi definido que impostos
diretos como o IPTU e o IR deveriam ter como princípios a pro-
gressividade em suas alíquotas120.
O texto final da Constituição, no que se refere ao sistema tri-
butário, é notadamente complexo, pois, embora garanta direitos e
garantias em várias de suas seções, não apresenta uma abordagem
clara para alcançar uma justiça fiscal efetiva na tributação. Essa é
a avaliação feita por Pablo Martuscelli. Para o autor, além da

120
O texto final da Constituição pode ser consultado em: “Constituição da Re-
pública Federativa do Brasil de 1988, promulgada em 05 de outubro de 1988”.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constitui-
cao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html

90
simples previsão no texto não ser garantia de efetivação da norma,
a Constituição de 1988 concentrou “as bases de tributação pre-
ponderantemente sobre o consumo e o faturamento, herança do
ideário de 1964, tornando a tributação regressiva e incapaz de
cumprir seu papel redistributivo”121.
A história da tributação e da reforma tributária durante o pro-
cesso constitucional de 1987-88 pode ser vista como um cons-
tante confronto entre duas visões antagônicas sobre a natureza do
sistema tributário brasileiro. Por um lado, havia aqueles que de-
fendiam um sistema mais justo, progressivo e capaz de promover
a redistribuição de renda e reduzir as desigualdades sociais no
país. Por outro lado, havia aqueles que defendiam um sistema
mais simplificado, sem interferência nas atividades econômicas
ou na riqueza dos contribuintes, acreditando que a redução das
desigualdades ocorreria naturalmente.
O que se observa no texto constitucional resultante desse em-
bate é um avanço em alguns aspectos, mas também limitações na
concretização de suas intenções. A atribuição das leis comple-
mentares para a definição de vários aspectos do sistema tributário

121
MARTUSCELLI, Pablo D. “Para uma compreensão histórica do sistema
tributário nacional de 1988”. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI.
Fortaleza: Fundação Boiteux, 2010, p. 4221.

91
é uma dessas limitações, pois, em um congresso conservador,
torna-se cada vez mais difícil aprovar regulamentações como um
imposto sobre grandes fortunas ou uma maior progressividade do
imposto de renda.
Como bem salientaram Pedro Fandiño e Celia Kerstenetzky,
no contexto de elaboração e promulgação do texto constitucional,
foi possível observar “uma importante inflexão regressiva da ar-
recadação, promovida justamente pela Constituição de 1988, a
mesma que nos aproximou do desenho de um Estado do bem-
estar social universalista”. Uma vez que o caráter conservador das
forças “que dominaram a transição democrática e se fizeram re-
presentar intensamente no processo constituinte” e, de certa ma-
neira, conseguiram sufocar as ideias divergentes, “consentiram a
expansão dos direitos sociais, desde que não tivessem que arcar
com a necessária elevação de recursos, no que se empenharam
eficazmente”122.
Ao prosseguir, é importante aprofundar a compreensão das
bases que sustentaram as ideias expressas nos debates ocorridos
na comissão e na subcomissão sobre tributação. Para isso, vamos

122
FANDIÑO, Pedro; KERSTENETZKY, Celia L. “O paradoxo constitucional
brasileiro: direitos sociais sob tributação regressiva”. Revista de Economia Po-
lítica, nº 39, 2019, pp. 223-224.

92
examinar dois programas apresentados naquela época: o Projeto
IPEA e o Projeto do IASP/ABDF. Através desses exemplos, é
possível perceber que o confronto de pontos de vista antagônicos
não se limitava aos constituintes, mas também permeava a socie-
dade brasileira em diversos níveis. O objetivo do próximo capí-
tulo é analisar esses dois projetos.

93
94
Conforme podemos observar nos capítulos anteriores, a
questão da tributação e do sistema tributário sempre foi motivo
de disputa na sociedade brasileira. A escolha entre um modelo de
tributação mais regressivo ou mais progressivo, que atendesse aos
interesses de acumulação de capital ou de distribuição de renda,
estava fundamentada em interesses pré-estabelecidos que favore-
ciam certos grupos econômicos no Brasil. Assim como no cenário
parlamentar, o debate em torno da reforma tributária gerava posi-
ções antagônicas entre instituições da sociedade civil e até mesmo
instituições do setor público.
Em nove de novembro de 1986, mesmo antes da reunião da
Assembleia Constituinte Nacional, o jornal Folha de São Paulo
publicou uma reportagem informando que já havia, naquele mo-
mento, ao menos sete propostas diferentes propondo um novo sis-
tema tributário a ser implementando com a nova Constituição.
Eram aquelas redigidas pela: Comissão Arinos; Comissão da

95
Prefeitura de São Paulo; Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo (FIESP); Igreja; IASP/ABDF; PCB e PT123.
Ainda de acordo com a reportagem, são destacados três pon-
tos para a análise: linhas gerais, direitos dos contribuintes e imu-
nidades. Quanto as sugestões da Comissão Arinos a estrutura era
a mesma que a adotada em 1965-67, estabelecendo poucos novos
impostos e garantido a capacidade contributiva como princípio. A
proposta apresentada pela Prefeitura de São Paulo era, basica-
mente, aquela confeccionada pelo IASP/ABDF. Essa, por sua
vez, garantia a capacidade contribuitiva, instituía novos tributos
sobre o comércio a varejo nos municípios, locação de moveis,
bens de alto valor e veículos, entre outros. Para a FIESP, as em-
presas estatais deveriam pagar os mesmos tributos que as demais,
não haveria nenhum tipo de tributação sobre as heranças e seria
criado um Conselho Econômico com membros do setor público e
privado para decidir a respeito de planos, projetos e medidas eco-
nômicas. A sugestão da igreja só tinha como princípio de que “a
política tributária deve impor maiores ônus ao capital que ao

123
“Já existem 7 propostas sobre impostos para Constituição”. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 09 de novembro de 1986, sessão Política Econômica, ca-
derno 4. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/han-
dle/id/114174/1986_NOVEMBRO_034.pdf

96
trabalho”. Já aquela planejada pelo PCB determinava que apenas
a União poderia cobrar impostos e, posteriormente, realizar a par-
tilha com os demais entes federativos, para tal seria instituído um
“Conselho Nacional de Tributação” que iria administrar a arreca-
dação tributária e aprovar normas e regimentos com esse objetivo.
Por fim, o projeto do PT, elaborado pelo jurista Fábio Konder
Comparato, garantia a competência compartilhada dos três entes
e que, por meio de lei complementar, seriam estabelecidas as nor-
mas gerais do direito tributário124.
Outra inciativa que estava à mesa, mas não foi apresentada
na reportagem da Folha foi aquela elaborada pelo IPEA. O texto
havia sido formulado no âmbito da Comissão de Reforma Tribu-
tária e Descentralização Administrativo-Financeira da Seplan e
propunha uma “proposta completa de reformulação do sistema
tributário brasileiro”125.
Algumas conceitualizações são importantes para elucidar vá-
rios aspectos da discussão. Conceitos como regressividade, pro-
gressividade, tributos indiretos e diretos, e justiça fiscal estão no

124
Idem.
125
REZENDE, Fernando; AFONSO, José Roberto R. “A reforma fiscal no pro-
cesso da elaboração da Nova-Constituição”. Textos para Discussão Interna, nº
121, nov. 1987, p. 01.

97
cerne dos argumentos utilizados pelos proponentes da reforma do
sistema tributário.
Quanto aos tributos, podem ser classificados como diretos ou
indiretos. Os tributos diretos incidem diretamente sobre a renda
ou patrimônio de uma pessoa ou empresa. Já os tributos indiretos
incidem sobre a produção ou consumo de um determinado bem
ou serviço, onde uma pessoa ou empresa recolhe o imposto e ou-
tra pessoa efetivamente o paga como consumidor.
A progressividade é definida como a característica de um im-
posto que, além de possuir mais de uma alíquota, incide de ma-
neira crescente conforme se aumenta a base de cálculo. Por outro
lado, a regressividade ocorre quando o imposto atinge despropor-
cionalmente a base de cálculo, como por exemplo um tributo que
afeta da mesma forma rendas maiores e rendas menores, resul-
tando em uma maior carga tributária para aqueles que ganham
menos.
Um sistema tributário é considerado progressivo quando há
uma maior incidência de tributos diretos em relação aos indiretos.
Já um sistema regressivo é caracterizado pela maior incidência
dos tributos indiretos, o que geralmente afeta de maneira mais
significativa as camadas mais pobres da sociedade.

98
Por fim, a justiça fiscal está intimamente ligada à ideia de
capacidade contributiva, onde aqueles que possuem mais recursos
devem contribuir em maior proporção para a manutenção da má-
quina estatal. Para garantir certa igualdade material entre os cida-
dãos, o Estado pode utilizar um tratamento tributário diferenci-
ado, possibilitando uma distribuição mais equitativa da carga tri-
butária e, assim, é “possível igualar os iguais e desigualar os de-
siguais, na exata medida das suas diferenças”126.
A despeito de todas as sugestões permearem os debates ao
longo da Constituinte, duas tiveram influência mais profunda na
elaboração da Constituição: a do Seplan/IPEA e a do IASP/ABDF
(materializada no texto apresentado pela Comissão Afonso
Arino). Cabe uma análise mais aprofundada em ambas para veri-
ficarmos suas particularidades e os interesses de grupos que re-
presentavam.
Em primeiro lugar, trataremos do “Projeto IPEA” e sua visão
mais progressista da matéria tributária. As ideias que embasam o
Projeto IPEA estão compilados em uma série de documentos.

126
RODRIGUES, Hugo T.; KUNTZ, Tatiele G. “Políticas públicas tributárias:
a justiça fiscal como instrumento de auxílio na viabilização da justiça social”.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, nº 38, 2018, p.
167.

99
Dentre eles há estudos específicos para: as contribuições soci-
ais127; tributação de renda e patrimônio128; federalismo fiscal129;
o “efeito Tanzi” e o IRPF130, entre outros. Em nossa análise, fo-
caremos em dois deles: o documento que anuncia os princípios
gerais da reforma e aquele que aborda os tributos sobre a renda e
patrimônio, dado que esse último apresenta algumas das propos-
tas mais originais para a reforma tributária.
Os principais temas do “Projeto IPEA” foram discutidos ao
longo dos anos de 1985 e 1986 e publicados em março de 1987.
O diagnóstico apontado pelos pesquisadores indicava que a estru-
tura da carga tributária brasileira era marcada por uma acentuada
regressividade causada, sobretudo, pela elevada importância dos
impostos indiretos na sua composição e pelo fato do imposto de
renda taxar demasiadamente o trabalho e não o capital. Assim,
para além da descentralização das receitas, seria urgente adequar

127
REZENDE, Fernando; SILVA, Beatriz A. “Estudos para a reforma tributá-
ria: contribuições sociais”. Texto para Discussão Interna (IPEA), nº 107, mar.
1987.
128
GIFFONI, Francisco P.; VILLELA, Luiz A. “Reforma tributária: tributação
da renda e do patrimônio”. Texto para Discussão Interna (IPEA), nº 105, mar.
1987.
129
AFONSO, José R. R.; LOBO, Thereza. “Estudos para a reforma tributária:
federalismo fiscal”. Texto para Discussão Interna (IPEA), nº 108, mar. 1987.
130
GIAMBIAGI, Fabio. “O "efeito-Tanzi" e o imposto de renda da pessoa fí-
sica: um caso de indexação imperfeita”. Texto para Discussão Interna (IPEA),
nº 108, mar. 1988.

100
o sistema tributário às necessidades do gasto público na nova
composição da sociedade brasileira131.
A reforma tinha como princípios a redução das iniquidades,
tanto as regionais como as sociais; torna a tributação, indireta e
direta, mais abrangente, mais eficiente e menos fragmentada; for-
talecer a autonomia federativa; reduzir o número de tributos (sim-
plificação da tributação); e garantir uma maior justiça fiscal, so-
bretudo, reestruturando o imposto de renda e reformular os tribu-
tos incidentes sobre o patrimônio132.
Em relação ao último tópico, a tributação sobre renda e pa-
trimônio, os pesquisadores viam nela o principal mecanismos
para recuperar a progressividade efetiva da tributação. Em pri-
meiro lugar, propunham maior abrangência para o IR passando a
tributar toda a renda auferida, inclusive os ganhos de capital e
restringindo os incentivos e deduções fiscais. Também seria ne-
cessária uma reforma sobre o IRPJ que, naquele momento, era
geralmente repassado ao consumidor final. Era necessário retirar
a tributação nas empresas que distribuíam os lucros e passar a tri-
butação para as pessoas físicas que recebiam tais rendimentos.

131
REZENDE, Fernando (org.) Reforma tributária: proposta de reforma do
sistema tributário brasileiro. Brasília: IPEA, 1987, pp. 01-04.
132
Idem, p. 05.

101
Quanto ao patrimônio e propriedade, para os pesquisadores
deveria ser uma das bases do sistema tributário, pois, em suas pa-
lavras “um sistema que se pretenda mais justo deve necessaria-
mente considerar tal aspecto, principalmente no caso brasileiro,
dado o alto grau de concentração de renda e do patrimônio”. Pri-
meiramente, o ITR deveria ser transferido para a esfera estadual
para dinamizá-lo e facilitar a arrecadação. O antigo imposto sobre
heranças e doações (IDS) deveria ser reestabelecido sob compe-
tência da União, para que fosse tributada a transferência gratuita
dos estoques de riqueza. Por fim, seria instituído um novo im-
posto sobre o patrimônio líquido das pessoas físicas (IPL) que
oneraria o estoque de riqueza e o patrimônio acumulado dos con-
tribuintes. Tal imposto seria fundamental para o processo de dis-
tribuição de renda, pois, para os autores, a concentração de renda
seria bastante inferior a concentração do patrimônio e era, prati-
camente, isenta no Brasil133.
A outra parte da base tributária, os impostos indiretos sobre
mercadorias e serviços, se pautaria pela unificação de tributos
como o IPI, ISS, ICM e outros tributos únicos indiretos em um
único imposto de valor adicional, ou o IVA. O IVA incidiria sobre

133
Idem, pp. 09-14.

102
todas as mercadorias e serviços, com alíquota igual, exceto sobre
operações financeiras, que continuariam taxadas pelo IOF. Sua
arrecadação seria de responsabilidade dos estados, os municípios
participariam do produto da arrecadação e a União arrecadaria um
adicional, durante um período pré-estabelecido, que seria utili-
zado para financiar o programa de descentralização de encargos.
Para complementar a arrecadação da União, com o fim do IPI,
seria criado um tributo seletivo sobre fumo, bebidas e veículos
automotores.
Outra novidade introduzida pelo IVA seria o princípio do des-
tino. Isso significava que, ao contrário do ICM, o imposto seria
arrecadado no respectivo território no qual ele foi efetivamente
consumido e não naquele que ele foi produzido. Assim, o IVA se-
ria um verdadeiro imposto sobre o consumo e não sobre a produ-
ção, como é o ICM. Uma consequência do princípio do destino
seria de que qualquer importação, seja interna, externa ou interes-
tadual, seria “tributada com alíquota incidente sobre bem seme-
lhante produzido e consumido no Estado”, e todo bem exportado
seria desonerado dos impostos, gerando um crédito pelo imposto
anteriormente incidente sobre o bem ou seu insumo134.

134
Idem, pp. 15-18.

103
Um dos últimos tópicos abordados pelo Projeto IPEA dizia
respeito ao federalismo e a descentralização fiscal. Para os pes-
quisadores somente aumentar a competência tributária dos estra-
dos e municípios não seria suficiente para resolver o problema da
centralização fiscal, para isso, seria necessário reformular com-
pletamente os mecanismos de repartição tributária. Para isso, o
primeiro passo seria a reformulação dos fundos de participação
que não seria mais composto por parte da arrecadação do IR e IPI,
mas sim de todos os tributos arrecadados pela União, exceto as
contribuições sociais.
Essa receita seria dividida em dois fundos: o de equalização
e o social. O primeiro composto por 19% do total da arrecadação
da União e dividido em Fundo de Equalização dos Estados e
Fundo de Equalização dos Municípios, sendo 09% da receita para
o primeiro e 10% para o segundo. Esse fundo seria utilizado para
complementar a receita própria dos entendes federativos para ga-
rantir um piso mínimo para cada habitante. O fundo adotaria a
regra de destinar mais recursos para aqueles locais os quais tives-
sem menos fontes de arrecadação tributária. O segundo fundo, o
Fundo Social, composto por 5% da arrecadação deveria ser

104
destinado a expansão dos serviços básicos da população dos mu-
nicípios e estados menos favorecidos do Brasil135.
Fernando Rezende, coordenador dos trabalhos no IPEA, foi
convidado a expor a proposta do instituto na STPD. Rezende co-
meçou sua exposição indicando as correntes dispares existentes
no debate tributário no Brasil. Para ele, existiriam aquele que de-
fendiam a manutenção do sistema vigente, baseado na reforma de
1965/1967, “sob o argumento de que este permanece válido na
sua essência e carece apenas de uns ajustes para corrigir alguns
desacertos, acumulados ao longo dos anos, por algumas medidas
casuísticas adotadas pelo Governo”. Do outro lado, no qual ele se
situava, existiriam aqueles que defendiam uma reforma mais am-
pla, “exatamente na medida em que os objetivos do desenvolvi-
mento brasileiro, hoje, são distintos dos estabelecidos por ocasião
da reforma passada”136.
Rezende defendeu os pontos apresentados anteriormente, so-
bretudo, a defesa dos direitos dos contribuintes, a justiça fiscal e
a recomposição do sistema federativo. Em relação à justiça fiscal,
essa se daria pela redução das inúmeras injustiças que, segundo o

135
Idem, pp. 25-30.
136
BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões.
Ano I, Suplemento nº 84, junho de 1987. Brasília, p. 45.

105
autor, estariam “representadas por tratamentos privilegiados de
algumas categorias de rendimentos que, ao cabo, significam uma
redução no grau de progressividade dos tributos”. Tal processo
não seria pacífico, pois, em suas palavras, os “avanços na direção
da equidade fiscal significa enfrentar interesses poderosos, que
terão que ser necessariamente contrariados”137.
No debate que se seguiu naquela sessão, os deputados ques-
tionaram Rezende a respeito dos recursos destinados aos muníci-
pios; da praticabilidade do IVA; da radicalidade da reforma; e do
possível enfraquecimento da capacidade tributária da União. O
deputado Simão Sessim foi um dos mais enfáticos na crítica à
apresentação de Rezende. Segundo ele, utilizando com base os
argumentos Guilherme Quintanilha, Secretário da Receita, o IVA
aumentaria a regressividade do sistema, pois, seria apenas a
“substituição de impostos indiretos agravado com a diferença de
alíquota entre estados, o que anularia o princípio da essenciali-
dade do produto para diferenciação de alíquota”. Nesse mesmo
sentido, o IVA atuaria como um revigoramento do IPI sob com-
petência estadual, “sem quaisquer considerações sobre efeitos de
regressividade no sistema tributário nacional”138.

137
Idem, p. 47.
138
Idem, pp. 49-50.

106
Outro tema polêmico foi a criação do imposto sobre o patri-
mônio líquido das pessoas físicas. Para Jesus Tajra a criação de
tal tributo seria dispensável, pois, além do governo encontrar di-
ficuldades em sua arrecadação, aqueles que acumularam patrimô-
nios ao longo da vida já teria pagado o imposto de renda. Messa
Demes seguiu a mesma linha que Tajra acrescentando que seria
instituído uma bitributação dos contribuintes, assim, o IPL pode-
ria se tornar um “tributo profundamente injusto e iníquo”139.
Em defesa da sua proposta, Rezende lembrou que o IVA era
incapaz de aumentar a regressividade, pois, incorporaria as bases
da tributação com uma alíquota unitária e, diferente do modelo
atual, a tributação sobre o consumo passaria “a sofrer um trata-
mento mais uniforme e neutro do que o tratamento hoje dispen-
sado, com um número variado de impostos”. A respeito do IPL,
tal tributo não teria “qualquer papel importante do ponto de vista
da geração de receitas tributárias” e sim “papel coadjuvante na
linha da equidade tributária e da justiça fiscal”. Quanto a bitribu-
tação, lembrou que as bases de incidência seriam diferentes, pois
a renda seria fluxo e o patrimônio estoque140.

139
Idem, p. 49 e 52.
140
Idem, p. 52.

107
Em análise contemporânea aos trabalhos da constituinte, Fa-
brício Augusto de Oliveira buscou realizar uma avalição crítica
das ideias apresentadas pelo Seplan/IPEA. Na sua opinião, aquilo
que foi publicado pelos técnicos do IPEA configurava-se como
um importante mecanismo para correção da rota da estrutura tri-
butária brasileira, adequando-a ao contexto político-econômico e
social pelo qual o Brasil passava no momento. Primeiramente, a
reforma seria fundamental para ressignificar o caráter das finan-
ças públicas, fundamental para uma sociedade que se pretendia
justa e democrática. Por outro lado, com o IVA, por exemplo, se-
ria reconstituído o federalismo no país141.
Ainda segundo Fabrício Oliveira, apesar de adequada, as ini-
ciativas poderiam enfrentar desafios robustos para sua efetivação.
Primero porque, para seu perfeito funcionamento, deveria ser
executa em sua completude, dado que a proposição funcionava de
forma orgânica internamente, algo que, necessariamente, enfren-
taria resistência nas comissões temática. Segundo, ao prever tri-
butos sobre o patrimônio e maior abrangência do IR sobre ganhos
de capital, a proposta poderia contrariar poderosos interesses

141
OLIVEIRA, Fabrício A. “O Sistema Tributário Brasileiro: análise crítica da
proposta da CRETAD”. Revista de Administração Pública, nº 21, 1987, pp.
120-121.

108
historicamente estabelecidos que, dificilmente, estariam dispos-
tos a renunciar a seus privilégios. Terceiro, a reformulação do
ICM e implementação do IVA traria grande resistência por parte
dos governos estaduais, dado que não se tinha uma visão clara de
quem ganharia ou perderia com tal inovação. Por fim, para o au-
tor, sua rejeição em sua integralidade poderia “comprometer o ob-
jetivo de imprimir um perfil progressivo à estrutura tributária e de
criar fontes adicionais de recursos para os cofres públicos”142
Mais recentemente, Pedro Fandiño e Celia Lessa Kerste-
netzky seguiram a mesma linha de raciocínio de Fabrício Oli-
veira. Para eles, o trabalho do Seplan/IPEA detinha o mérito de
abrigar “um conjunto significativo de iniciativas visando ao au-
mento da progressividade do sistema”, pois, a estrutura daquele
momento era marcada por uma acentuada regressividade. Nas pa-
lavras dos autores, caso a reforma tributária almejada pelo Se-
plan/IPEA foi efetivada certamente ela “concorreria para promo-
ção de maior justiça fiscal, em virtude da maior abrangência con-
ferida ao IR e da tributação efetiva e progressiva do patrimônio e
dos rendimentos do capital”143.

142
Idem, pp. 122-124.
143
FANDIÑO, Pedro; KERSTENETZKY, Celia L. O paradoxo constitucional
brasileiro... Op. Cit., pp. 307-312

109
A impossibilidade de que a tributação direta protagonizasse
a carga tributária configuraria um profundo golpe na almejada
progressividade do sistema. Assim, para os autores, o abandono
dos ideais presentes no projeto do Seplan/IPEA juntamente com
a ausência das medidas pró-progressividade “não apenas impediu
a ascensão de um Estado fiscal mais redistributivo, como abriu
caminho para as feições cada vez mais regressivas assumidas pelo
sistema tributário”144.
Propositura antagônica aquela apresentada pelo Seplan/IPEA
foi aquela apresentada pelo IASP/ABDF145. Apesar de não contar
com um estudo estruturado e publicado, como o do IPEA, sua
ideia base está disposta no texto apresentado pela Comissão
Afonso Arinos146. O preambulo do anteprojeto apresentava os

144
Idem, pp. 317-319.
145
O Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) é uma instituição fundada
em 1874, em São Paulo, por um grupo de professores da Faculdade de Direito
do Lago do São Francisco. Seu fundador foi Joaquim Ignacio Ramalho, o Ba-
rão de Ramalho. Desde sua criação, a instituição abriga boa parte dos advoga-
dos e magistrados daquele Estado. Já a Associação Brasileira de Direito Finan-
ceiro (ABDF) foi fundada em 1949 pelo tributarista Gilberto de Ulhôa Canto.
Ulhôa Canto foi um dos idealizadores e redatores da Reforma Tributária de
1965, bem como do Código Tributário Nacional de 1966.
146
A Comissão Afonso Arinos, também conhecida como Comissão Provisória
de Estudos Constitucionais, foi responsável por elabora um anteprojeto de
Constituição ainda em 1986, antes da instalação da Assembleia Nacional Cons-
tituinte. O grupo era formado por cerca de 50 integrantes e chefiado pelo jurista
e ex-senador Afonso Arinos de Melo e Franco. O anteprojeto por ele elaborado

110
princípios gerais da proposta: fornecer recursos para o Estado re-
alizar correção socioeconômica nos estados e municípios e “in-
centivar o desenvolvimento nacional”147.
A estrutura tributária seria, basicamente, a mesma adotada
em 1965/1967. A União seria responsável pelos tributos sobre:
importação e exportação; renda e outros proventos; propriedade
rural; operações de crédito, seguros e valores mobiliários; servi-
ços de comunicação; transporte rodoviário; lubrificantes, com-
bustíveis e energia elétrica; minerais; e os novos tributos sobre
“consumo especial”, a ser definido por lei complementar, e sobre
a “propriedade de bens móveis de caráter suntuário”. Os estados
e o DF ficariam responsáveis pela arrecadação do: ICM; compra
de bens imóveis; doações e causa mortis; transpor rodoviário in-
termunicipal; e propriedade de veículos. Já os municípios arreca-
dariam: importo sobre propriedade predial e territorial urbana
(com caráter progressivo); serviços de qualquer natureza; e os

nunca foi entregue oficialmente à Assembleia, contudo, seu texto circulou e foi
base da maioria das comissões temáticas. Cf. BASTOS, Marcus Vinícius F.
Comissão Afonso Arinos, Assembleia Nacional Constituinte e a elaboração da
Constituição de 1988: construção, procedimento e legitimidade. Dissertação
(Mestrado em Direito). Universidade de Brasília, 2018.
147
BRASIL. “Anteprojeto Constitucional, elaborado pela Comissão Provisória
de Estudos Constitucionais, instituída pelo Decreto nº 91.450, de 18 de julho
de 1985”. Diário Oficial, Suplemento Oficial ao nº 185. Brasília-DF, sexta-
feira, 26 de setembro de 1986, p. 18.

111
novos tributos sobre vendas a varejo; locação de bens móveis; e
arredamento mercantil.
A estrutura das transferências dos recursos permaneceria ba-
sicamente a existente, sendo a única novidade a criação de um
Fundo de Participação das Regiões Metropolitanas com 1% do
produto de arrecadação da União com o IR e com o tributo de
consumo especial. Quanto aos demais fundos, somente seria au-
mentado a partilha, estados receberiam 14% e municípios 17%,
além de 2% para o Fundo Especial. Os estados ainda receberiam
da União: a totalidade do IR pago por seus funcionários e 40% do
imposto sobre bens moveis suntuários. Os municípios também re-
ceberiam o IR de seus funcionários; 80% do ITR; 40% dos im-
postos eventualmente criados pelos estados; 50% do IOF; 25% do
ICM; 30% do imposto sobre bens moveis suntuários. Por fim, a
União se responsabilizaria a transferir: 60% do imposto sobre lu-
brificantes e combustíveis; 60% do imposto sobre energia elé-
trica; 90% do imposto sobre os minerais; 70% do imposto sobre
transporte rodoviário (50% para os estados e 20% para os muní-
cipios); 50% do imposto sobre operações de crédito, câmbio, se-
guros e valores mobiliários. Os critérios e as porcentagens para

112
partilha daqueles impostos não definidos anteriormente seriam
determinados por lei complementar148.
Assim como o Projeto IPEA foi apresentado aos deputados
por Fernando Rezende, as ideias do IASP/ABDF igualmente fo-
ram elucidadas na sessão realizada no dia 29 de abril de 1987. A
tarefa de expor os principais pontos da proposta ficou a cargo do
jurista e professor de Direito Tributário Ives Gandra da Silva Mar-
tins. Uma boa parte da exposição de Ives Gandra foi destinada a
demarcar sua posição contrária a outros projetos, sobretudo do
IPEA, que defendiam uma maior progressividade do sistema tri-
butário brasileiro. Para ele, impostos diretos como o de heranças
e doações seriam inócuos em virtude da sua pouca expressividade
na arrecadação e pela grande sonegação que causaria. Logo, ba-
sear a reforma tributária nos tributos direitos e progressivos seria
um grave erro, pois, em suas palavras, “os tributos progressivos e
diretos são aqueles que provocam grande revolta dos contribuin-
tes, porque incidem sobre o que efetivamente ele recebe”149. Am-
pliando seu argumento, o jurista argumentou que:

148
Idem, pp. 18-22.
149
BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões.
Ano I, Suplemento nº 85, junho de 1987. Brasília, p. 83.

113
Porque o tributo direto, quando progressiva-
mente incidir de uma forma incorreta, quase sem-
pre se retira a potencialidade de reinvestimento da
Nação, porque o tributo direto e progressivo inci-
dindo sobre a capacidade de reinvestimento, vale
dizer, de desenvolvimento nacional, faz com que
necessariamente, afora a reação violenta, que ve-
rificamos nessa campanha recente contra o im-
posto sobre a renda, como o povo reage, afora esse
aspecto, de certa forma desincentiva o que é es-
sencial150.
A ideia do IVA baseado no princípio do destino igualmente
não parecia o meio adequado para reformulação dos tributos so-
bre o consumo. Na visão de Ives Gandra, e também dos outros
pesquisadores ligados ao IASP/ABDF, com a intuição do “fato
gerador no destinatário” seria preciso criar “uma legião, um exér-
cito de fiscais” para arrecadar o tributo. Assim, para ele, “o me-
lhor encaminhamento da Constituinte não seria partir para o des-
tinatário, mas partir para o percentual correspondente do Estado
produtor e do Estado destinatário”151.

150
Ibidem.
151
Idem, p. 85.

114
Em relação às mudanças propriamente defendidas pelo plano
do IASP/ABDF estaria a criação de dois novos tributos de res-
ponsabilidade da União: um IPI seletivo sobre cigarros, bebidas
e automóveis; e um “imposto sobre a aparência da riqueza” que
seria aplicado sobre ganhos de capital elevados que não fossem
reinvestidos, mas sim gasto com itens de luxo. Para os estados,
propunha a substituição do atual ICM pelo ICMS (imposto sobre
circulação de mercadorias e serviços) o qual incorporaria o IS-
SQN e amenizaria a guerra fiscal entre os municípios que não co-
bravam o ISSQN. Para além do proposto pelo IASP/ABDF, Ives
Gandra apresentou uma sugestão particular de inovação tributá-
ria: um “imposto de reorientação de costumes”, que seria cobrado
sobre filmes e revistas pornográficas152.
Ao questionar a exposição de Ives Gandra alguns parlamen-
tares colocaram dúvidas a respeito da extinção do ISS e os possí-
veis efeitos que poderiam ocorrer na arrecadação municipal. O

152
Idem, p. 86. Tal imposto, segundo Ives Gandra, seria semelhante ao “im-
posto sobre a pornografia” instituído na França em 1975. Em sua obra Teoria
da Imposição Tributária, a justificativa para tal tributo se daria uma vez que
“o trabalho do jurista principia na colaboração com o encarregado de gerar as
normas capazes de regular todos os aspectos do convício social” e ainda que
“as revistas pornográficas estimulam, em suas reportagens e fotografias, o sexo
descontrolado e a violência, transformando cada leitor despreparado um mar-
ginal em potencial”. Cf. MARTINS, Ives G. S. Teoria da Imposição Tributária.
2ª ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 360-363.

115
deputado Osmundo Rebouças foi um dos mais incisivos nesse
quesito. Para ele, a criação do ICMS manteria o sistema de bene-
fícios fiscais e o sistema tributário não teria base tributária própria
continuando a viver das transferências da União que, caso fosse
aprovada a proposta diminuiria, pois, o IPI seria eliminado.
Para Ives Granda esses argumentos não correspondiam com
a realidade. Em primeiro lugar, no lugar do ISS haveria o novo
tributo sobre vendas a varejo e as transferências não seriam afe-
tadas pela alteração do caráter do IPI que, apesar de ser extinto
nos seus moldes atuais, seria substituído por um imposto seletivo
com maior capacidade de arrecadação, pois, em suas palavras “o
imposto indireto é sempre regulador de comércio”153.
Em seus estudos posteriores, após a promulgação da Consti-
tuição, Ives Granda reafirmou boa parte daquilo que havia defen-
dido durante a constituinte. Em sua visão incluir qualquer menção
a progressividade no texto constitucional era algo desnecessário,
pois, se assim o desejassem os parlamentares poderiam definir
alíquotas progressivas quando bem estendessem. O mesmo pode-
ria ser dito em relação à função de distribuição de renda da tribu-
tação. Em suas palavras, “nada obstante ser esta tradição

153
BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte: atas das Comissões.
Ano I, Suplemento nº 85, junho de 1987. Brasília, pp. 87-88.

116
brasileira, os constituintes continuaram a insistir na função distri-
butivista da imposição, mais por desejo do que alicerçados em
qualquer evidência”. E, por fim, quanto ao imposto sobre grandes
fortunas sua opinião não poderia ser mais desabonadora. Segundo
ela, tal propositura era “um imposto de desestímulo” e enquanto
“todos os países do mundo reduzem os impostos patrimoniais, o
Brasil ingressa decididamente pela contramão da história”154.
Em certa medida, a argumentação de Ives Gandra encontrava
base no mainstream econômico e tributário em voga naquele pe-
ríodo, sobretudo na Teoria da Tributação Ótima. Segundo essa te-
oria, a renda deveria ser tributada linearmente, nem progressiva-
mente nem regressivamente, e o capital deveria ser desonerado
para estimular o fluxo de capitais e o investimento. Portanto, as
políticas tributárias deveriam ignorar os objetivos distributivos,
que deveriam ser atendidos pelo gasto estatal, e garantir a neutra-
lidade da tributação.155.

154
MARTINS, Ives G. M. O sistema tributário na constituição de 1988. São
Paulo: Saraiva, 1989, pp. 187-192
155
RAMUNDO, Lucas C. Tributação Ótima: a face tributária do neolibera-
lismo consolidação, espalhamento, reformulação e perspectivas atuais. Tese
(Doutorado em Economia). Universidade Federal Fluminense, 2021, pp. 26-
28.

117
Tais medidas foram adotadas por países ligados à dissemina-
ção do neoliberalismo como doutrina de organização da vida eco-
nômica, especialmente os Estados Unidos de Ronald Reagan e a
Inglaterra de Margaret Thatcher. No entanto, foi na periferia do
capitalismo que essa agenda foi adotada em sua plenitude. Além
do Brasil, países como o Chile de Augusto Pinochet e o leste eu-
ropeu tinham a esperança de “atrair investimentos por meio de
vantagens tributárias aos grandes detentores de capital”156.
Nos Estados Unidos a adoção da Tributação Ótima, especifi-
camente a reforma do IR, se deu em dois momentos ao longo da
década de 1980, ambos nos governos do republicano Ronald Re-
agan. O primeiro ocorreu em 1981, quando o presidente reduziu
a alíquota máxima de 70 pra 50%. O segundo, mais radical, foi
justamente entre 1986 e 1988, quando, além de rebaixar a alíquota
máxima para 28%, foi reduzido o número de faixas de dezesseis
para apenas quatro, eliminou-se a faixa de isenção e a alíquota
mínima foi elevada de 11 para 15%157.

156
GOBETTI, Sérgio W. “Tributação de capital no Brasil e no mundo”. Texto
para Discussão (IPEA), nº 2380, 2018, p. 07.
157
GOBETTI, Sérgio; ORAIR, Rodrigo. “Progressividade Tributária: A
agenda negligenciada”. Texto para Discussão (IPEA), nº 2190, 2016, p. 09.

118
Todavia, as medidas recomendadas pelos teóricos da Tribu-
tação Ótima nunca foram a única opção existente. A experiência
dos países nórdicos é um exemplo nesse sentido. Nesses países,
ao invés de reduzir a progressividade dos impostos sobre renda e
capital, foi adotado um sistema de dupla tributação. Por um lado,
implementou-se uma alíquota linear sobre a renda de capital, en-
quanto as rendas do trabalho continuaram sendo tributadas de
forma progressiva. Na Dinamarca, por exemplo, que pode ser
considerada um dos países que mais taxa de forma progressiva,
as rendas de capital são tributadas em duas alíquotas: 27% na alí-
quota mais baixa e 42% na alíquota mais alta, enquanto as rendas
do trabalho são tributadas em uma alíquota máxima de 68%.
Além disso, a renda proveniente de juros de capital é tributada de
forma progressiva em uma alíquota que varia entre 36% e 42%.158
A consequência direta da adoção dessa política de Tributação
Ótima foi um aumento da desigualdade no período posterior, in-
clusive nas economias do centro do capitalismo. Outro ponto de
destaque é que a maioria dos países desenvolvidos que adotaram
parcialmente a Tributação Ótima conseguiram reverter tais medi-
das quando governos de oposição assumiram o poder. No entanto,

158
GOBETTI, Sérgio W. Op. Cit., pp. 32 e 35.

119
essa não foi a realidade no Brasil, onde, mesmo mais de trinta
anos após a promulgação da Constituição de 1988, nenhuma re-
forma foi realizada visando aumentar a progressividade do sis-
tema tributário159.
As iniciativas apresentadas tanto pelo Seplan/IPEA quanto
pelo IASP/ABDF são exemplos da diversidade de opiniões e in-
teresses presentes na discussão sobre tributação. É evidente, a
partir da disparidade entre as duas propostas, que esses interesses
não se limitavam ao campo parlamentar, mas abrangiam diversos
setores da sociedade brasileira, incluindo aqueles mais intelectu-
alizados e envolvidos na produção de conhecimento.
Para Melina de Souza Rocha Lukic havia uma clara diferen-
ciação entre os dois. Enquanto o plano do IPEA, especialmente
com a sugestão de criação do IVA, alteraria substancialmente a
divisão de competências tributárias, o projeto defendido pelo
IASP/ABDF, materializado na comissão Arinos, “mudaria muito
menos o sistema tributário em vigor, através da manutenção de
impostos já previstos e o aumento da competência das entidades
federativas”160.

159
GOBETTI, Sérgio; ORAIR, Rodrigo. Op. Cit., pp. 09-10.
160
LUKIC, Melina de S. R. Reforma Tributária no Brasil: ideias, interesses e
instituições. Curitiba: Juruá/ FGV, 2014, p, 160.

120
A visão do IASP/ABDF, mais conservadora e que, pratica-
mente, não alterava o sentido da tributação no Brasil, foi aquela
que mais teve influência no texto constitucional, ou mesmo no
desenvolvimento tributário subsequente161. Já aquela apresentada
pelo Seplan/IPEA, que procurava refundar a tributação no Brasil
apresentando um sistema tributário moderno e calcado na ideia
de progressividade, justiça fiscal e distribuição de renda, não teve
uma recepção profícua por parte dos constituintes. Assim, a
agenda da diminuição das desigualdades econômicas foi, mais
uma vez, negligenciada e relegada a um momento posterior que
não chegaria.
O sistema tributário brasileiro, desde sua fundação e refor-
çado com a reforma de 1965, tem sido caracterizado pela tributa-
ção regressiva e indireta e, mais uma vez, perdeu a oportunidade
de se “modernizar” e, efetivamente, implementar um sistema tri-
butário a serviço da maioria da sua população. O peso da carga
tributária recaiu, mais uma vez, sobre as classes mais pobres e
menos privilegiadas, ao invés de ser compartilhado de acordo

161
BRAZUNA, José Luís R. “Reforma tributária: desafios da evolução da eco-
nomia digital versus complexidade da Federação brasileira”. In: FARIA, Re-
nato V.; SILVEIRA, Ricardo M.; MONTEIRO, Alexandre L. M. R. (Coord.)
Tributação da Economia Digital: desafios no Brasil, experiência internacional
e novas perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 830.

121
com a capacidade contributiva de cada setor da sociedade. Essas
são justamente as classes que deveriam receber a proteção do Es-
tado por meio de políticas de equidade tributária e distribuição de
renda.

122
Considerações finais

Ao longo do texto, podemos observar o processo de forma-


ção da estrutura tributária brasileira na segunda metade do século
XX. Desde as primeiras iniciativas na década de 1960 até a con-
solidação desse sistema na Constituição de 1988, poucas mudan-
ças ocorreram, e o sistema permaneceu caracterizado pela alta re-
gressividade e predominância de tributos indiretos em sua com-
posição.
A reforma tributária promovida pelos militares em
1965/1967 resultou em uma significativa centralização das recei-
tas na União e preparou o terreno para o rápido crescimento eco-
nômico que ocorreria na década seguinte. No entanto, essa mesma
reforma negligenciou a distribuição de renda e a progressividade
do sistema, eliminando impostos diretos anteriormente existentes,
como o imposto sobre heranças, e concedendo amplas isenções
sobre ganhos de capital. Assim, à medida que a economia crescia,
o sistema tributário garantia que essa riqueza não seria comparti-
lhada, nem entre os diferentes entes federativos, nem entre os

123
cidadãos. O bolo cresceu, e a política tributária serviu como fer-
mento desse crescimento, mas na hora da divisão dos ganhos, essa
mesma política foi incapaz de atuar de forma justa.
Da mesma forma, na década de 1980, quando o país passava
por profundas transformações sociais e econômicas, a questão tri-
butária não foi reformulada com base nos princípios que regiam
o espírito constitucional. Nos debates que ocorreram no parla-
mento, as opiniões não eram unânimes, havia aqueles que defen-
diam uma verdadeira mudança na política tributária do Brasil, vi-
sando a um sistema mais justo, igualitário e cidadão. No entanto,
as forças políticas conservadoras conseguiram impor um con-
senso artificial, no qual as vozes discordantes foram ignoradas e
a manutenção do status quo prevaleceu. A jovem democracia bra-
sileira garantiu a manutenção de um sistema tributário construído
sob a égide de um regime autoritário algo que, a princípio, pode
ser encarado como uma contradição intrínseca. Embora algumas
modernizações tenham sido implementadas de forma limitada,
como a criação do imposto sobre grandes fortunas e a progressi-
vidade do imposto de renda e do imposto predial e territorial ur-
bano, já na Comissão de Sistematização, essas mudanças não fo-
ram plenamente concretizadas.

124
As ideias debatidas no Parlamento refletiam, de certa ma-
neira, os debates existentes em outras partes da sociedade brasi-
leira. Isso pode ser observado nas posições divergentes de insti-
tutos como o Seplan/IPEA e o IASP/ABDF, que, com a oportuni-
dade proporcionada pela assembleia constituinte e a reestrutura-
ção do Estado brasileiro, apresentaram diferentes soluções para a
questão tributária. Enquanto os pesquisadores do primeiro grupo
defendiam uma reformulação completa do sistema tributário, com
uma tributação progressiva baseada na justiça fiscal, o segundo
grupo privilegiava uma abordagem mais conservadora, evitando
mudanças drásticas que resultassem em perdas para os detentores
do capital e alterassem a correlação de forças econômicas na so-
ciedade brasileira. No final, o segundo grupo teve a primazia na
redação da Constituição cidadã. Dessa forma, a Constituição pro-
mulgada continha uma contradição intrínseca: embora garantisse
diversos direitos e políticas públicas característicos de um Estado
de bem-estar social, não refletia esse princípio em relação à sua
tributação, ou seja, não assegurava uma justiça fiscal efetiva.
Após a promulgação da Constituição em outubro de 1988, os
debates sobre a necessidade de uma reforma tributária adequada
não cessaram. Seja para regulamentar certos dispositivos incluí-
dos no texto constitucional ou para alterar alíquotas, simplificar

125
ou isentar certos tributos, a discussão sobre a necessidade de um
Imposto sobre Valor Agregado (IVA), aumento da progressivi-
dade do Imposto de Renda e maior tributação dos ganhos de ca-
pital continua no centro do debate público e político em relação
ao sistema tributário brasileiro.
Mesmo aqueles avanços que foram inclusos na Constituição
não tiveram o destino almejado. O imposto sobre grandes fortu-
nas nunca foi regulamentado, apesar dos vários projetos apresen-
tados à Câmara dos Deputados e ao Senado nos anos posteriores.
A progressividade do IR e do IPTU restou-se mais uma aspiração
do que algo realmente adotado para a elaboração das alíquotas
dos referidos tributos.
Ainda mais: a abrangência do IR e IRPJ, sobretudo em rela-
ção aos ganhos de capital, foi substancialmente reduzida em me-
ados da década seguinte. Desde 1996, ainda sob o governo de
Fernando Henrique Cardoso, o Brasil passou a isentar de qualquer
taxa os ganhos oriundos de dividendos distribuídos aos acionis-
tas, sócios etc., e introduziu o sistema de distribuição de proven-
tos pelas empresas, antes da incidência de tributos, denominado
Juros sobre o Capital Próprio, ou JCP. Ambos os mecanismos
aprofundaram ainda mais a não oneração de ganhos de capital e,

126
consequentemente, a regressividade do sistema tributário como
um todo.
Nos últimos anos o tema da reforma tributária voltou ao cen-
tro do debate político no Brasil. Entre os diversos projetos apre-
sentados, assim como ocorreu ao longo da constituinte, a proposta
da unificação dos tributos sobre o consumo, cobrança no destino
e aumento da abrangência dos tributos diretos, como o IR e o
IRPF. Entre essas, aquela que mais esteve em discussão foi a pro-
posta elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), coorde-
nado pelo economista Bernard Appy, e apresentada pelo deputado
Baleia Rossi (MDB) sob a PEC 45/2019. Contudo, tal proposta
somente trata da reformulação da tributação em relação à tributa-
ção sobre o consumo, deixando de lado a tributação sobre a renda
e patrimônio. Nesse sentido, apesar de garantir modernização na
tributação indireta, não afeta a alta regressividade do sistema
como um todo. Para tal, a tributação direta, sobre a renda e o pa-
trimônio, a taxação dos ganhos de capital e maior justiça fiscal é
o único caminho viável e eficiente.
A história da tributação no Brasil ao longo das últimas déca-
das demonstra claramente que conceitos como justiça fiscal, pro-
gressividade e solidariedade não podem ser negligenciados em
prol de benefícios para poucos. Somente com base nesses

127
princípios será possível enfrentar o desafio imposto e não resol-
vido no momento em que o Brasil recuperava seu caráter demo-
crático e se organizava em uma sociedade com novos princípios
orientadores. Somente com justiça, equidade e solidariedade po-
demos aspirar a uma tributação verdadeiramente cidadã.

128
Bibliografia

Legislação
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