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JUSTIÇA FISCAL: O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA À LUZ

DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


Carol Alves1
Pâmela Nascimento2

SUMÁRIO: Introdução. 1. Justiça tributária sob a perspectiva da filosofia política. 2. O


princípio da capacidade contributiva como critério de justiça distributiva.
Considerações Finais. Referências das fontes citadas.
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar o conceito de justiça fiscal,
inicialmente à luz da filosofia, e, posteriormente, à luz da Constituição, afinal, ambas se
complementam. A partir de tal estudo, tornar-se-ão evidentes as mudanças estruturais
que devem ser feitas no direito tributário brasileiro. Para isso, verificar-se-á,
inicialmente, a justiça tributária sob a perspectiva da filosofia política e em seguida será
averiguado o princípio da capacidade contributiva como critério de justiça distributiva.
Ao fim do presente trabalho, observou-se que o tributo deve ser constituído como um
instrumento de redistribuição de riqueza, para combater a desigualdade social e não
como um instrumento para enriquecer uma nação. No Brasil, o tributo, juntamente com
a justiça fiscal, deve concretizar o princípio basilar da atual Constituição Federal, o
princípio da igualdade. Além disso, verificou-se que há a necessidade de analisar se os
instrumentos presentes na Constituição para alcançar tais objetivos constitucionais estão
sendo promovidos durante a elaboração das normas tributárias, tendo em vista que o
sistema tributário brasileiro opera apenas para aumentar a carga tributária, não havendo
justiça fiscal nem distribuição equitativa de carga tributária. Concluiu-se, então, que a
justiça fiscal é um valor supremo da sociedade, um objetivo constitucional e para que
haja a efetivação da mesma, a Constituição dispõe de princípios constitucionais
tributários, como o princípio da capacidade contributiva.
PALAVRAS-CHAVE: Justiça fiscal. Capacidade contributiva. Justiça tributária.
Justiça distributiva.

1
Advogada. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.
Pesquisadora vinculada à instituição na linha de pesquisa de Direito Tributário Econômico e Financeiro.
E-mail: carol.alves@catolicasc.org.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1134437164443979
2
Advogada. Pós-graduanda em Prática Processual Cível pelo Centro Universitário Católica de Santa
Catarina. Monitora da matéria de Direito Constitucional no Centro Universitário Católica de Santa
Catarina – campus Joinville. Pesquisadora vinculada ao Centro de Pesquisas em Proteção Internacional de
Minorias – CEPIM da Faculdade de Direito da USP. E-mail: pamela.nascimento@catolicasc.org.br.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5524597113580487
ABSTRACT: This work aims to analyze the concept of tax justice, initially in the light
of philosophy, and, later, in the light of the Constitution, after all, both complement
each other. From such a study, the structural changes that must be made in Brazilian tax
law will become evident. To this end, tax justice will initially be verified from the
perspective of political philosophy and then the principle of contributory capacity as a
criterion of distributive justice will be investigated. At the end of this work, it was
observed that the tax should be constituted as an instrument of wealth redistribution, to
combat social inequality and not as an instrument to enrich a nation. In Brazil, the tax,
together with the tax justice system, must implement the basic principle of the current
Federal Constitution, the principle of equality. In addition, it was found that there is a
need to analyze whether the instruments present in the Constitution to achieve such
constitutional objectives are being promoted during the preparation of tax rules,
considering that the Brazilian tax system operates only to increase the tax burden, not
there is neither tax justice nor an equitable distribution of tax burden. It was concluded,
then, that tax justice is a supreme value of society, a constitutional objective and for its
effectiveness, the Constitution has constitutional tax principles, such as the principle of
contributory capacity.
KEYWORDS: Fiscal justice. Contributory capacity. Tax justice. Distributive justice.

INTRODUÇÃO
O debate sobre tributação no Brasil costuma aparecer quando ocorrem situações
que expõem a alta desigualdade social e injustiça fiscal no país. Em 2020, no contexto
da pandemia do novo Coronavírus restou evidente a injustiça social, tendo em vista que
a classe mais baixa possui menos possibilidade de isolamento social e menos acesso à
saúde.
Torna-se perceptível a necessidade de igualar o acesso a bens essenciais a todos
os cidadãos. Ou seja, a tributação arrecadada necessita ser transferida na forma de
serviços essenciais para a população, como uma saúde pública digna e universal, onde
hajam leitos e infraestrutura para todos os cidadãos do país. Na realidade da pandemia
do Coronavírus fica ainda mais evidente a urgência de existir a justiça fiscal no Brasil,
onde o tributo arrecadado seja transferido de forma igualitária aos serviços essenciais
para a população, para que, assim, em um momento de crise não ocorra a injustiça
social sofrida pelas classes mais baixas.
O que se está vendo no Brasil é uma política fiscal que usa como instrumento a
injustiça fiscal. Para compreender, então, a atual situação de depreciação econômica
existente no país, este trabalho refletirá sobre o conceito de justiça fiscal, inicialmente à
luz da filosofia e, posteriormente, à luz da Constituição Federal de 1988, afinal, ambas
se complementam. Para isso, primeiramente, será analisado a justiça tributária sob a
perspectiva da filosofia política e posteriormente será verificado o princípio da
capacidade contributiva como critério de justiça distributiva. A partir de tal estudo,
tornar-se-ão evidentes as mudanças estruturais que devem ser feitas para assim ser
alcançada a justiça social e a diminuição da desigualdade social.

1. JUSTIÇA TRIBUTÁRIA SOB A PERSPECTIVA DA FILOSOFIA POLÍTICA


É uma constante histórica o fato de os Estados modernos exigirem do seu povo,
por meio da tributação, os recursos financeiros necessários, a fim de aplicar tais
recursos em serviços e políticas públicas, para buscar as melhorias sociais. Entretanto,
há pouco se discute sobre a função social do tributo e a promoção de justiça por meio da
tributação, sendo esta área ainda pouco trabalhada conceitualmente e, na maioria das
vezes, abstrata.
Para diminuir tal abstração, analisar-se-á o conceito de justiça fiscal à luz da
doutrina de Rawls e, posteriormente, mas de igual importância, à luz da Constituição
Federal.
A própria Constituição determina regras para que a justiça seja efetivada
também por meio da tributação. É nesse sentido que Piketty 3 explicita que a justiça
social é o princípio basilar de nossas sociedades modernas, de modo que as políticas
públicas devam partir do pressuposto do cumprimento de tal princípio estrutural.
Reafirmando a função social destacada no primeiro capítulo deste trabalho,
Tipke4 determina que o tributo não pode ser entendido somente como um sacrifício
exigido do contribuinte, tão pouco como uma simples oneração para angariar riqueza,
"mas também como uma contribuição imprescindível para que o ente tributante tenha
recursos em nível suficiente para realizar suas tarefas em proveito de toda a sociedade".
3
PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro (RJ): 1ª Ed. Intrínseca, 2014.
4
TIPKE, Klaus. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. São Paulo. Malheiros,
2002, p. 16.
Para uma discussão sólida acerca do conceito de justiça fiscal, deve-se analisar
dois pontos: o da arrecadação e o da aplicação dos recursos arrecadados, por exemplo
em políticas públicas. Desse modo, analisar-se-á o conceito de justiça fiscal no que
tange à função estatal de cobrar tributos. 
É um escopo constitucional a promoção de justiça, mais especificamente
determinado no artigo 3º, I da CF, conforme explicitado no tópico anterior. O Estado
possui, então, o dever de onerar, da forma mais justa, os cidadãos, a fim de que o tributo
cumpra a sua função de redistribuição de riqueza e da consequente redução de
desigualdades sociais (CF, art. 3º, III).
Enquanto a máquina pública possui o dever de prestar, de maneira eficiente, os
serviços públicos, os sujeitos passivos têm o dever de contribuir com o Estado na
medida de suas rendas e haveres. Neste último, o ente tributante tem o importante papel
de não gerar discriminações nem privilégios, distribuindo a carga tributária de modo
equitativo, proporcional e justo. 
Em outras palavras, a justiça fiscal traduz-se como "a relação equitativa e
eficientemente correta na distribuição de recursos e encargos entre o poder público, o
cidadão e a sociedade"5. Apresenta-se, portanto, como um objetivo concreto a ser
alcançado pelas normas tributárias.
Dessa forma, verifica-se que os tributos são, e sempre foram, expressão clara de
poder e instrumentos de justiça ou injustiça social. Para definir, então, qual conceito de
justiça se aproxima do disposto na Constituição Federal, em âmbito tributário, remete-se
à definição aristotélica de justiça distributiva, a qual se exterioriza na distribuição de
honras, de bens materiais ou de qualquer coisa divisível entre aqueles que integram o
sistema político6.
Esta ideia de justiça defende a igualdade não para todos, apenas para os que são
iguais entre si. Do mesmo modo, justa é a desigualdade, não para todos, mas para os que
são desiguais entre si7.
Em se tratando da aplicação da justiça distributiva aristotélica no sistema

5
GABRIEL FILHO, Paulo Sérgio Miranda. Justiça climática e justiça fiscal: a tributação
ambientalmente orientada para a proteção do clima. 2013. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=747d3443e319a227>. Acesso em: 13 jun. 2020.
6
Ibidem.
7
BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. Tradução: Dion David Macedo. 2. ed. São Paulo: Loyola,
1998.
tributário nacional, deve-se analisar que, ao tributar, o Estado deve partir da premissa
distributiva. Em outras palavras, tributar de maneira igual os iguais e de maneira
desigual os desiguais. 
Em Aristóteles8, a justiça distributiva impõe às polis, ou seja, às cidades; um
rigoroso dever de exigir, dos cidadãos, uma participação financeira equânime em prol
do bem comum. Torres9 define justiça distributiva como aquela que "intervém na
distribuição das honras, ou das riquezas, ou de outras vantagens que se repartem entre
os membros da comunidade política, na medida da capacidade de cada contribuinte”. 
Na análise de Torres10, a justiça distributiva aristotélica é a que funda toda
concepção de uma tributação justa e rege o sistema tributário nacional. Aristóteles
defende, ainda, que o critério do justo não é absoluto, pois varia em função de regime de
governo de cada época11.
Nesse sentido, retoma-se ao debate do modelo de Estado social, o qual possui,
intrínseco em seu significado, o escopo de possibilitar igualdade de acesso a bens
essenciais, como a educação, a saúde, entre outros12. Dessa forma, as despesas públicas
que envolvem educação e saúde fazem parte das funções inerentes ao Estado social,
tendo característica de transferência na forma de serviços aos cidadãos.
Ora, se o escopo do Estado social é cumprir objetivos constitucionalmente
determinados, deve-se retomar, também, a discussão da desigualdade, pois este
fenômeno social está relacionado, de maneira direta, ao conceito de justiça tributária.
Para confirmar tal liame, Piketty13 explicita que “é necessário então estender os direitos
fundamentais e as vantagens materiais ao máximo de pessoas possível, sobretudo se for
do interesse daqueles que têm menos direitos e que enfrentam oportunidades de vida
mais restritas”.
Em consonância, Rawls14 esclarece que estamos em uma sociedade heterogênea,
isto é, uma sociedade composta por indivíduos desiguais, do ponto de vista econômico,
cultural e social. Portanto, para adequar a justiça a uma realidade díspar, este autor cria

8
Ibidem.
9
TORRES, Ricardo Lobos. O orçamento na Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 99.
10
Ibidem.
11
BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. Tradução: Dion David Macedo. 2. ed. São Paulo: Loyola,
1998.
12
PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro (RJ): 1ª Ed. Intrínseca, 2014, p. 468
13
Ibidem,
14
LOVETT, Frank. Uma teoria da justiça de John Rawls. 2. ed. São Paulo. Penso, 2013.
o conceito de princípio da diferença.
Nas palavras de Fleischacker15, a justiça distributiva moderna é conceituada
como aquela que invoca o Estado, tendo-o como "garantidor de que a propriedade seja
distribuída por toda a sociedade de modo que todas as pessoas possam se suprir com
certo nível mínimo de recursos materiais".
O Estado deve intervir nos casos em que não há uma distribuição justa, a fim de
corrigir as imperfeições do próprio mercado 16. É nesse sentido que, em tempos atuais, a
definição de justiça distributiva deve ser feita atentando-se à compreensão de que todo
ser humano é titular do direito a um mínimo existencial, tal como definiu a Declaração
Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU (1948).
Esse mínimo existencial atribui-se também à ordem econômica, fato que faz
com o que o Estado deva intervir, por meio de uma justa tributação, para diminuir as
desigualdades sociais existentes, visto que a tributação, como demonstrado, é o
principal instrumento de redistribuição de riqueza17.
Para um maior entendimento da aplicação da justiça distributiva na tributação,
recorre-se novamente a Rawls18. O autor norte-americano contemporâneo elaborou a
teoria da justiça como equidade (justice as fairness), publicada junto à A Theory of
Justice, a qual buscou questionar a possibilidade de tornar a sociedade democrática mais
justa. Para ele, mesmo os mais marginalizados integrantes da sociedade devem dispor
de recursos para alcançar suas liberdades.
Para Rawls, citado por Lovett19, a justiça é a primeira virtude das instituições
sociais. Uma teoria, independentemente de ser elegante ou econômica, deve ser revista
se não for verdadeira. Da mesma forma, as leis e as instituições, independentemente de
serem bem organizadas, deverão ser reformuladas ou polidas se forem injustas. 
A equidade citada por Rawls20 vai além da clássica definição aristotélica de
justiça distributiva, pois exige que o Estado não apenas cumpra o princípio distributivo
de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, mas também atue no
15
FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. 1. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
16
Ibidem.
17
PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro (RJ): 1ª Ed. Intrínseca, 2014.
18
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Vamireh Chacon. 2. ed. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1997.
19
LOVETT, Frank. Uma teoria da justiça de John Rawls. 2. ed. São Paulo. Penso, 2013.
20
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Vamireh Chacon. 2. ed. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1997.
sentido de reduzir as desigualdades.
É justamente por analisar o cenário de desigualdades sociais e tributação, que,
conforme assinala Torres21 "a obra de Rawls, a par da inspiração para a renovação dos
estudos sobre a justiça, projetou enorme influência no campo da justiça fiscal". 
 Com efeito, o arranjo defendido por Rawls22 implica necessariamente um
Estado que intervenha a fim de garantir aos pobres um nível de vida minimamente
aceitável, com direitos fundamentais garantidos pela constituição.
Conforme assegura Lovett23, Rawls determina a sociedade como um sistema de
cooperação, "voltado à coordenação de atividades de um grande número de pessoas para
o benefício mútuo delas". 
Para tanto, é necessário que haja um conjunto de princípios a fim de que se
regule de qual maneira a maior parte dos indivíduos serão coordenados. Entre esses
princípios, conforme Rawls, citado por Lovett24, "o principal é o da justiça social, que,
em uma vertente aristotélica, busca a igualdade entre iguais e a desigualdade entre os
desiguais".
Conforme Rawls25, as instituições jurídicas têm a finalidade de concretizar a
justiça distributiva. Caso tais instituições não sejam organizadas e alinhadas a
princípios, como o da justiça, o resultado do processo distributivo não será justo, pela
falta de equidade. É nesse sentido que o autor defende a justiça como a maior e
principal virtude das instituições sociais.
Para perseguir o objetivo de constituir uma instituição justa, Rawls 26 determina
que um estado democrático organizado deve constituir-se de, entre outros aspectos,
"uma constituição justa". Justo, portanto, seria uma sociedade igualitária, construída
sobre bases de medidas sociais básicas, oportunidades iguais e, em âmbito tributário,
uma taxação progressiva dos mais ricos, remetendo-se à ideia aristotélica de justiça
distributiva.
Dworkin27, influenciado por Rawls, confirma tal dever estatal, ao indagar:
21
TORRES, Ricardo Lobos. O orçamento na Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 90.
22
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Vamireh Chacon. 2. ed. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1997.
23
LOVETT, Frank. Uma teoria da justiça de John Rawls. 2. ed. São Paulo. Penso, 2013, p. 44.
24
Ibidem.
25
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Vamireh Chacon. 2. ed. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1997, p. 303.
26
Ibidem.
27
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Martins
“Podemos dar as costas à igualdade? Nenhum governo é legítimo a menos que
demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos sobre os quais afirme
seu domínio e aos quais reivindique fidelidade”. 
Segundo Rawls28, para atingir o escopo de uma justiça distributiva, o governo
deve intervir na economia para corrigir possíveis desvios, a fim de garantir a eficiência
econômica, denominado, pelo autor, como o setor da "alocação". Da mesma maneira, o
governo também deve preocupar-se com o setor da "estabilização", o qual compreende
os níveis de emprego e demanda, a fim de tornar eficiente a economia de mercado,
conforme o autor acima.
Ao analisar a teoria defendida pelo autor acima, verifica-se que há, intrínseca em
tal tese, o escopo da tributação progressiva. Assim, o princípio da justiça estaria
satisfeito na medida em que os "desfavorecidos maximizassem suas expectativas"29. O
setor da distribuição visa corrigir injustiças no que tange à distribuição de riqueza, a fim
de desconcentrar a riqueza o poder, diminuindo a desigualdade social.
Assim, Rawls (1997) cita impostos sobre a herança e doações, desde que seja
aplicada a progressividade na tributação dos destinatários das doações, reafirmando o
escopo progressista defendido por um Estado de Bem-Estar Social. O autor cita um
aumento nas alíquotas da tributação de herança justamente pelas desigualdades
econômicas e sociais que são preservadas pelo direito de herança. 
Neste sistema, Rawls (1997, p. 307) aponta como remédio a tributação de
propriedade, a fim de que se realoque tais riquezas concentradas. Ainda no setor da
distribuição, o autor assegura que a concretização da justiça fiscal se dá na medida em
que o tributo tem o intuito de "arrecadar a receita que é exigida por tal justiça". 
Dessa maneira, para cumprir a justiça fiscal, Rawls (1997) determina que um
sistema tributário deve pautar-se na tributação sobre a renda, a fim de que antes pague
imposto aquele que retira do que aquele que acrescenta. Dessa forma, a tributação
progressiva deve ser usada para corrigir as exacerbadas concentrações de riquezas e
evitar o contínuo aumento de herança para os ricos e miséria para os pobres. 
Em outras palavras, Rawls (1997) defende a adoção da tributação progressiva
quando a injustiça é fator evidente nas instituições concretas. O autor determina que a
Fontes, 2002, p. 172.
28
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Vamireh Chacon. 2. ed. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1997, p. 306.
29
Ibidem.
tributação progressiva deve ser adotada quando há acumulação excessiva de riqueza e
de poder, em uma sociedade desigual, tal qual é a brasileira30.
É nesse sentido que a obra de Rawls 31 defende um combate à desigualdade
social, pois determina que, em sociedades extremamente desiguais, deve-se realocar a
concentração de riqueza por meio da tributação progressiva de herança e de doações,
bem como a utilização da técnica da progressividade em tributação de renda de pessoas
físicas.
Tipke32 respalda a discussão do problema da justiça fiscal, confirmando a tese
defendida por Rawls. Para o autor, a discussão acerca de justiça fiscal "resume-se ao
problema de distribuição de encargos fiscais, em uma sociedade de recursos escassos e
interesses diversos e mesmo antagônicos".
Há importância em frisar que as ideias de Rawls vão além de uma função apenas
fiscal, ou arrecadatória, mas também abarcam uma função extrafiscal, ou seja, aquela
que desconcentra a renda, a fim de realocá-la. 
Conforme Caliendo33, para que haja uma análise lúcida do conceito de justiça
fiscal, deve-se estudar as determinações filosóficas, como o de Aristóteles e Rawls, aqui
apresentados, à luz da Constituição Federal, baseando-se nos princípios constitucionais
que regem o sistema tributário nacional.
Em consonância com a definição aristotélica de justiça distributiva, aliada ao
pensamento de equidade em Rawls, conclui-se que é necessário analisar o escopo
constitucional de cada nação, para que o tributo se torne um instrumento de
redistribuição de riqueza, e contribua no combate à desigualdade social.
No caso do Brasil, conforme bem explicita Tipke34 “justiça fiscal em sentido
jurídico é a execução sistematicamente consequente da igualdade tributária e dos
princípios, que concretizam o princípio da igualdade”. 

30
Conforme dados oficiais publicados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas,
a desigualdade no Brasil aumentou pelo 17º trimestre consecutivo e alcançou seu maior nível em maio
de 2019. O índice de Gini, que mede a renda do trabalho per capita, alcançou 0,627, o maior patamar
da série histórica iniciada em 2012. Quanto mais perto de 1, maior é a desigualdade.
31
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Vamireh Chacon. 2. ed. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1997.
32
TIPKE, Klaus. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. São Paulo.
Malheiros, 2002, p. 54.
33
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito. 5. ed. São Paulo: Campus
Jurídico, 2009.
34
TIPKE, Klaus. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. São Paulo.
Malheiros, 2002, p. 15.
Ainda, a Constituição Federal de 1988 reflete e fomenta a chamada economia
social de mercado e, como tal, seu ponto de partida é a ideia de que o ser humano deve
ser o fim último da ordem econômica e social, aqui incluído o poder/dever de tributar35.
Ora, se os objetivos constitucionais de promoção de justiça e redução de
desigualdade social, embora positivados, não são assegurados à população, é necessário
analisar se os instrumentos dispostos na Constituição para alcançar tais promessas
constitucionais estão sendo garantidos na elaboração das normas tributárias.
Caliendo36, então, afirma que o problema tributário no Brasil repousa muito mais
numa questão ética, em termos de justiça fiscal e distribuição equitativa da carga
tributária. Conclui o autor que o sistema tributário funciona apenas para aumentar a
carga tributária, promovendo a injustiça fiscal.

2. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO CRITÉRIO DE


JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
A tributação em um Estado Democrático consiste no respeito à dimensão
familiar e individual dos contribuintes, considerando a capacidade que cada sujeito
passivo possui para contribuir com o Estado.
Isso ocorre para que o contribuinte seja protegido da excessiva e injusta
oneração. No entanto, a prática vai na contramão da Constituição, pois não protege o
contribuinte da injusta oneração, conforme será demonstrado.  
O sistema tributário possui uma função ética, não devendo, portanto, cumprir
apenas uma função fiscal de arrecadação estatal. Injusta, como demonstrado no tópico
anterior, é a tributação que impede ou dificulta a realização do bem comum. Por outro
lado, justa é a tributação que respeita o que é inerente à sociedade nos ditames
constitucionais. 
Em se tratando de ditames constitucionais, são elencados o da promoção da
justiça e o da redução das desigualdades sociais (CF, art. 3º, I e III). Para o
cumprimento destes compromissos, a própria Constituição elencou princípios
constitucionais para a política fiscal. 
Dessa maneira, para concretizar o valor jurídico de promoção da justiça,
disposto constitucionalmente, há princípios constitucionais tributários. Entre tantos
35
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito. 5. ed. São Paulo: Campus
Jurídico, 2009.
36
Ibidem.
princípios tributários existentes, neste trabalho, serão abordados os que regem a justiça
fiscal. Analisar-se-á, portanto, o princípio da isonomia, disposto no artigo 150, II, e o da
capacidade contributiva, artigo 145, §1º, ambos da Constituição Federal.
Machado37 assegura que a isonomia, ou igualdade de todos na lei e perante a lei
é um princípio universal de justiça. O autor confirma, ainda, que "um estudo profundo
do assunto nos levará certamente à conclusão de que o isonômico é o justo". 
A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com
igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve
receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burla ao
princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione
pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras,
ocupantes de idênticas posições jurídicas. O tributo, ainda que instituído por
meio de lei, editada pela pessoa política competente, não pode atingir apenas
um ou alguns contribuintes, deixando a salvo outros que, comprovadamente,
se achem nas mesmas condições38.
A definição de isonomia tributária confunde-se com o próprio conceito de
justiça. Para uma maior compreensão acerca do assunto, Amaro39 alerta que tal conceito
"deve ser abordado em termos mais amplos", isto é, deve-se atentar à máxima
aristotélica, que visa tratar não só os iguais de forma igual, mas também os desiguais na
medida de suas desigualdades, alcançando o valor jurídico de justiça. 
Em outras palavras, a igualdade só é válida quando há situações semelhantes e
condições factuais idênticas.  Determinar as situações que devem ser tratadas de forma
isonômicas é uma dificuldade.
Por isso, quando há uma desigualização jurídica, recorre-se ao princípio da
capacidade contributiva (CF, art. 145, 1º). Tal princípio é considerado, por Torres 40, um
desdobramento do princípio da igualdade. 
Sabbag41 explicita que: 
A capacidade contributiva evidencia uma das dimensões da isonomia, a
saber, a igualdade na lei, quando se busca tratar de forma distinta situações
diversas. Embora o princípio da capacidade contributiva seja vinculado ao
postulado da isonomia, em mútua implicação, com este não se confunde. O
princípio da capacidade contributiva, longe de servir apenas para coibir
discriminações arbitrárias, abre-se para a consecução de um efetivo ideal de
justiça para o Direito Tributário.

37
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Constitucional Tributário. 10. ed. São Paulo.
Malheiros, 2010, p. 276.
38
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito tributário constitucional. 28. ed. São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 78.
39
AMARO, Luciano. In: Direito Tributário Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
40
TORRES, Ricardo Lobos. O orçamento na Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.
41
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 159.
No mesmo sentido, Amaro42 determina que "o princípio da capacidade
contributiva se entrelaça com o enunciado constitucional da igualdade". Para que haja,
então, clareza quanto ao conceito de justiça fiscal adotado pela Constituição, deve-se
analisar o princípio da capacidade contributiva. 
Para tanto, considera-se o que ensina Caliendo 43 "o princípio da capacidade
contributiva é o princípio de tributação mais importante na determinação da justiça
fiscal e na repartição de encargos fiscais".
É por isso que, em âmbito tributário, aproxima-se a tributação da justiça fiscal na
medida em que as aplicações dos tributos são fiéis aos princípios tributários, em
especial ao princípio da capacidade contributiva, pois esse é a máxima concretização do
valor jurídico de justiça.
A capacidade contributiva é a capacidade econômica do contribuinte e tem
fulcro na ideia de justiça distributiva, atribuindo que a ideia de justiça consiste em dar a
cada um o que é seu: "suum cuique tribuere"44. Por isso, a capacidade contributiva
possui um forte liame com o Estado Social, tal qual é o brasileiro. 
Nas palavras de Caliendo45, a teoria adotada pelo constituinte foi a do talento
pessoal, "a qual leva em consideração que as pessoas possuem habilidades distintas para
gerar e acumular riquezas e, portanto, devem sofrer um regime de tributação
diferenciado em função dessa capacidade". 
Tipke46 assegura que o Estado Social possui o escopo de distribuir
proporcionalmente o ônus das despesas de funcionamento estatal, isto é, busca
promover a participação de cada contribuinte na medida de suas rendas. Quanto mais
alta a renda, maior o encargo a ser assumido, pensamento fundado na ideia aristotélica
de justiça distributiva. 
Porém, deve-se distinguir capacidade econômica de capacidade contributiva. É
nesse sentido que Baleeiro, reescrito por Derzi47 assegura: 

42
AMARO, Luciano. In: Direito Tributário Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 135.
43
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito. 5. ed. São Paulo: Campus
Jurídico, 2009, p. 207.
44
TORRES, Ricardo Lobos. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 2. ed. São Paulo. Renovar,
2007.
45
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito. 5. ed. São Paulo: Campus
Jurídico, 2009.
46
TIPKE, Klaus. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. São Paulo.
Malheiros, 2002.
47
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado
A capacidade econômica de concorrer, a título de tributo, às despesas do
Estado, quer das pessoas naturais, quer das jurídicas, somente se inicia após a
dedução de todos os custos e gastos necessários à aquisição, produção e
manutenção da renda em sentido lato (quer consumida, percebida ou poupada
– patrimônio). Antes disso, não há capacidade contributiva, sendo
confiscatória a tributação.
Em outras palavras, considera-se que a capacidade contributiva deve resguardar
um mínimo vital, que engloba recursos indispensáveis a uma sobrevivência digna.
Portanto, a capacidade contributiva surge no momento em que se ganha além do
mínimo existencial, ou seja, o necessário para a sobrevivência.
Ora, um indivíduo pode ter condições econômicas, no sentido de alto poder para
promover trocas econômicas, e isto não significa, automaticamente, que tenha
capacidade contributiva. "Esta última deve ser examinada diante dos parâmetros de
gasto para usufruto dos direitos econômicos resguardados ao indivíduo, tais como
alimentação, saúde e educação"48. Portanto, “se o cidadão não tiver renda e rendimentos,
nem patrimônio, ele não terá capacidade econômica, e, assim, não será tributado pelo
Fisco”.49
Diante do exposto, verifica-se que o princípio da capacidade contributiva é, em
outras palavras, um princípio que busca alcançar a justiça distributiva tributária, a fim
de partilhar os encargos tributários entre os contribuintes de forma equânime, de acordo
com as reais capacidades econômicas de cada um.
A capacidade econômica, portanto, deve ser vista como forma de realizar o
princípio do mínimo existencial, constituindo-se, por conta disso, em critério
imprescindível à proteção dos direitos fundamentais do contribuinte. 
O mínimo vital é definido, então, como "oportunidades mínimas devidas a todo
e qualquer ser humano, a fim de que possa desenvolver-se adequadamente e ter uma
vida minimamente digna"50. 
Sabbag51 complementa, ao assegurar que, se o mínimo vital se traduz na quantia
de riqueza mínima suficiente para a manutenção do indivíduo e de sua família, é natural
Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 574.
48
DUTRA, Micaela Dominguez. A capacidade contributiva: análise à luz dos direitos humanos e
fundamentais. 2008, p. 53. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Instituto Brasiliense de
Direito Público.
49
FERREIRA, Hamanda Rafaela Leite. A extrafiscalidade tributária como forma de intervenção do
Estado no domínio econômico. In: Congresso Nacional do CONPEDI, 20, 2011, Vitória. Anais do XX
Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 06.
50
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constituicionais ao poder de Tributar. 8. ed. Atualizada por
Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 109.
51
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
que a capacidade contributiva só possa se reputar existente quando se aferir alguma
riqueza acima deste mínimo vital. Abaixo desta faixa de mínimo vital, haveria uma
isenção tributária, para fins de capacidade contributiva.
Embora a Constituição, em seu inciso IV do artigo 7º, discipline os itens que
compõem o salário mínimo, pareça ofertar parâmetros para a fixação do mínimo
existencial, há, ainda, na doutrina tributária, muita divergência a respeito de qual seria
este mínimo vital. É nesse sentido que jurisprudências devem ser analisadas, bem como
cada caso concreto.
A realização do princípio do mínimo existencial no campo tributário ocorre
através da aplicação do critério da capacidade econômica, de maneira que este não
pode, sob pena de se constituir como restrição a direitos e garantias fundamentais do
contribuinte, se referir apenas a atividades praticadas pelo contribuinte. 
Sabbag52, ao analisar o que dispõe o texto legal do artigo 145, §1º da
Constituição Federal, assegura que o dispositivo faz menção apenas a impostos e
concretiza que a capacidade contributiva será preservada "sempre que possível". 
Em primeira análise, conforme o autor acima, "a Constituição Federal de 1946
associava o postulado da capacidade contributiva a tributos, diferentemente da atual
previsão constitucional". No entanto, ainda há previsão da capacidade contributiva às
taxas, por exemplo, bem como às contribuições para a seguridade social53. 
No que diz respeito a taxas, conforme o artigo 5º, incisos LXXIV e LXXVII, há
a isenção do pagamento desta espécie tributária, em casos de registro civis de
nascimento de óbito, quando o solicitante for destituído de recursos. 
No que tange a contribuições para seguridades sociais, embora o artigo 145, §1º,
não mencione, há a concretização do princípio da capacidade contributiva no caso de
diferentes alíquotas em função da atividade econômica.
Nesse sentido:
O princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies
tributárias. No tocante a impostos, o princípio é aplicável em toda a sua
extensão e efetividade. No caso de tributos vinculados, como as taxas, é
aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe
dão os contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a
imposição tributária que tenha efeitos confiscatórios54.

52
Ibidem.
53
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 167.
54
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado
Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 213.
Ao analisar a expressão "sempre que possível" adotada pela Carta Magna, no
artigo 145, §1º, verifica-se que há uma dependência das possibilidades técnicas de cada
imposto55. 
Para maior compreensão deste fenômeno, é necessário explanar a diferença entre
impostos diretos e indiretos. Para tanto, recorre-se a Carneiro56, o qual conceitua que:
Os impostos classificados como diretos são aqueles cuja causa de
nascimento, ou seja, cujo fato gerador incide sobre o contribuinte de direito
(pessoa que realizou a hipótese de incidência, descrita na lei, e por isso tem a
obrigação legal de recolher o tributo aos cofres públicos), que não tem a
possibilidade de transferir o encargo fiscal a quem quer que seja. Ele é ao
mesmo tempo contribuinte de fato e de direito.
Em outras palavras, o imposto direito é determinado como aquele que recai
sobre o contribuinte de forma direta, o qual não transfere a outrem o encargo financeiro.
Um clássico exemplo é o imposto de renda. Quanto aos impostos indiretos,
São aqueles em que o contribuinte de direito é diferente do contribuinte de
fato. São aqueles que incidem sobre o contribuinte de direito que, por sua
vez, transfere o encargo fiscal a uma pessoa alheia à relação jurídica
tributária, usualmente chamada de contribuinte de fato. Exemplos: ICMS e
IPI.57
No caso dos impostos indiretos, o ônus financeiro é repassado na cadeia
tributária. O designado contribuinte de direito, então, é aquele que recolhe o imposto e,
ao embuti-lo no valor do produto, o contribuinte de fato, no caso do ICMS, por
exemplo, é aquele que suporta o gravame.
Nesse sentido, Gassen, Araújo e Paulino 58 explicitam:
Cabe notar que esse efeito de 'anestesia fiscal' é bastante perceptível nos
tributos indiretos em que a regra é a repercussão econômica dos tributos, e
esta é a que lhes confere a espécie. Nos tributos diretos, pela ausência de
repercussão, cada contribuinte tem como aferir de pronto o montante de
tributo que está pagando. Dessa percepção decorre que os tributos indiretos
são denominados muitas vezes de tributos 'anestesiantes' e os diretos de
'irritantes'.
O fenômeno de repercussão ou translação tributária acontece tanto na
classificação de impostos reais/pessoais, quanto na classificação de impostos

55
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
56
CARNEIRO, Claudio. Curso de direito tributário e financeiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.
273.
57
CARNEIRO, Claudio. Curso de direito tributário e financeiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.
276.
58
GASSEN, Valcir; ARAÚJO, Pedro Júlio Sales D’; PAULINO, Sandra Regina da F. Tributação sobre
Consumo: o esforço em onerar mais quem ganha menos. Seqüência, Florianópolis, n. 66, p. 213-234, jul.
2013, p. 120. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/seq/n66/09.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2020.
diretos/indiretos. Conforme Carneiro59, tal fenômeno "é o repasse de tal encargo
financeiro do tributo para o subsequente da cadeia econômica", o qual gera uma grande
injustiça fiscal, visto que não se sabe quem é o subsequente de tal cadeia e, tão pouco se
sabe o encargo econômico que o mesmo pode suportar.
Após clarear o entendimento por meio da explanação dos tipos de impostos,
verifica-se o porquê de a Constituição dispor a expressão "sempre que possível". Afinal,
torna-se muito mais difícil, senão impossível, aplicar o princípio da capacidade
contributiva aos impostos indiretos, visto que não há como saber a capacidade
econômica do contribuinte que suporta tal ônus financeiro.
A confirmar que o artigo 145 §1º, fala em pessoalidade sempre que possível,
Baleeiro60 leciona que
O art. 145, § 1º, fala em pessoalidade sempre que possível. A cláusula sempre
que possível não é permissiva, nem confere poder discricionário ao
legislador. Ao contrário, o advérbio sempre acentua o grau de imperatividade
e abrangência do dispositivo, deixando claro que, apenas sendo impossível,
deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos de
acordo com a capacidade econômica subjetiva do contribuinte. Tornar-se-ia
muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos
industrializados ou sobre operação de circulação de mercadorias de acordo
com a capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a
mercadoria para o consumo. Por isso, a Constituição Federal, seguindo a
melhor doutrina, fala em pessoalidade sempre que possível e estabelece em
substituição, o princípio da seletividade para o Imposto sobre Produtos
Industrializados e para o Imposto sobre Operações de Circulação de
Mercadorias e Serviços nos arts. 153, § 3º, I, e 155, § 2º, III.
Em substituição ao princípio da capacidade econômica, utiliza-se, para impostos
indiretos, o subprincípio da seletividade. Nestes impostos o postulado da capacidade
contributiva é aferível mediante a aplicação da técnica da seletividade. 
Dessa forma, o subprincípio da seletividade apresenta-se como uma medida de
atendimento à capacidade contributiva dos cidadãos. É considerado, por alguns
doutrinadores, como um subprincípio que concretiza um estágio para alcançar a justiça
fiscal.
Para outros, é considerado um princípio que serve de instrumento para alcançar a
capacidade contributiva, que traduz, em última instância, o significado de justiça
fiscal61. 

59
CARNEIRO, Claudio. Curso de direito tributário e financeiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
60
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constituicionais ao poder de Tributar. 8. ed. Atualizada por
Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 1097.
61
Ibidem.
Além disso, Baleeiro62 aduz sobre a seletividade: 
Não podendo conhecer os consumidores, em escala de milhões, o legislador,
olhos postos no princípio da capacidade contributiva ao utilizar o princípio da
seletividade, grava menos os artigos essenciais. Justiça imperfeita, mas ainda
justiça. Pois José compra açúcar tanto quanto Simonsen, pelo mesmo preço
pagando o mesmo tributo agregado ao preço. Em compensação, José não
compra caviar mais tributado. Em suma, açúcar é essencial para todos em
todo território nacional. Para os pobres, principalmente para eles, o preço do
açúcar é essencial. (...) Aí a serventia do princípio da seletividade.
É nesse sentido que o subprincípio ou princípio da seletividade é considerado
um instrumento para a concretização da justiça fiscal.
Nas palavras de Torres63, "o princípio da igualdade tributária alcança maior grau
de concretude quando são observados certos subprincípios constitucionais, tais como a
progressividade para tributos diretos e a seletividade para tributos indiretos". 
A seletividade busca, então, concretizar a justiça ao respeitar a capacidade
contributiva de cada um, pois se estabelece comparando mercadorias e serviços. Este
subprincípio tem estreita relação com o princípio do mínimo existencial, pois pauta-se
no que é essencial ou necessário à pessoa.
O que ocorre, na realidade, é que, ao final, o produto será adquirido por todos,
pelo mesmo preço, o que torna a seletividade uma forma incompleta ou precária de
justiça social.
A Constituição prevê, para essas situações, a progressividade extrafiscal, ou
seletividade, que se baseia em alíquotas seletivas. Com objetivo de incentivar ou não
certas condutas dos contribuintes, a seletividade baseia-se na essencialidade.
A essencialidade é medida com base naquilo que se compreende como
necessário à existência humana digna. Dessa forma, produtos essenciais para a vida
digna deveriam, em teoria, ser desonerados ou onerados com alíquotas baixas. 
Nesse sentido, quanto mais essencial for o bem ou serviço, menor será a carga
tributária incidente neles. A definição de superficialidade em produtos e serviços está
totalmente relacionada ao mínimo existencial, sendo denominada, também, como
necessidades básicas64. 
Em síntese, a justiça tributária, ou justiça fiscal, é alcançada por meio da
62
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constituicionais ao poder de Tributar. 8. ed. Atualizada por
Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 349.
63
TORRES, Ricardo Lobos. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 2. ed. São Paulo. Renovar,
2007, p. 335.
64
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado
Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
avaliação quantitativa do modo como são distribuídos os encargos tributários entre os
membros de uma determinada sociedade, denominados contribuintes. 
A concretização do princípio da isonomia, e do princípio da capacidade
contributiva em âmbito tributário impõem a distinção entre os contribuintes na
realização do dever de todos contribuírem para os gastos públicos, visto que os
indivíduos são desiguais em sua capacidade econômica e, consequentemente, desiguais
em sua capacidade para contribuir. 
Visto que a tributação transcende, conforme Piketty65, a simples função
arrecadatória, expandindo-se ao campo da filosofia, por ser um dos instrumentos mais
efetivos na redução das desigualdades sociais, como demonstrado no tópico anterior, é
necessário analisar o conceito de justiça fiscal à luz da Constituição Federal. 
Por meio de tal análise, verifica-se que o princípio da capacidade contributiva é
a personificação da justiça distributiva aristotélica. Para medir, então, o grau de justiça
do sistema tributário vigente, é necessário analisar de que modo a carga fiscal é
partilhada.
Afinal, em matéria tributária, o princípio da igualdade visa concretizar a justiça
distributiva por meio da repartição do ônus fiscal. Conforme demonstrado neste tópico,
há, nos princípios, subprincípios que aperfeiçoam a promoção dos valores jurídicos. Em
se tratando de tributação direta, o subprincípio da progressividade é a maximização do
que se conceitua como justiça fiscal.
Na prática, a seletividade não cumpre o seu papel, divergindo da função de
aproximar-se da justiça fiscal. Nesse sentido, os impostos regressivos, ou indiretos, ao
tributarem a cadeia de consumo, levam o "ônus fiscal ao cidadão na forma de preço,
como um fenômeno do mercado"66, tributando, em igual proporção, pessoas com
diferentes rendas. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das informações apresentadas neste trabalho, restou perceptível que o
tributo deve ser constituído como um instrumento de redistribuição de riqueza, para

65
PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro (RJ): 1ª Ed. Intrínseca, 2014.
66
MARTINS, Bruce Bastos. Sistema tributário brasileiro: mecanismo perfeito para gerar desigualdade
social. Jota Info. 2019, p. 3. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sistema-
tributario-brasileiro-mecanismo-perfeito-para-gerar-desigualdade-social-12082019> Acesso em: 14 jun.
de 2020.
combater a desigualdade social e não como um instrumento para enriquecer uma nação.
No Brasil, o tributo, juntamente com a justiça fiscal, deve concretizar o princípio basilar
da atual Constituição Federal, o princípio da igualdade.
Porém, a Constituição Federal de 1988 mesmo tendo como objetivos positivados
a promoção da justiça e da redução da desigualdade social, tais objetivos não são
assegurados à população. Desse modo, verificou-se que há a necessidade de analisar se
os instrumentos presentes na Constituição para alcançar tais objetivos constitucionais
estão sendo promovidos durante a elaboração das normas tributárias, tendo em vista que
o sistema tributário brasileiro opera apenas para aumentar a carga tributária, não
havendo justiça fiscal nem distribuição equitativa de carga tributária.
Por fim, da necessidade em se alcançar os objetivos fundamentais de uma
sociedade, que no caso da brasileira se encontram fixados no aludido artigo 3º da CF/88,
nasce o dever do cidadão em contribuir com os recursos disponíveis e proporcionais
para criar os meios necessários ao alcance de tais objetivos.
Da mesma forma, surge e a necessidade de o Estado efetivar a função social do
tributo, garantindo o disposto na Carta Magna e, em consequência, efetivando a justiça
fiscal. Sendo assim, para que se garanta a correta aplicação da função social no mundo
concreto, por meio do fato gerador, há princípios tributários definidos
constitucionalmente. Além de limitarem o poder de tributar, tais princípios determinam
quais valores sociais devem ser priorizados a fim de que se efetive a função estatal.
Logo, a justiça fiscal possui embasamento na justiça distributiva, e tem sua
personificação no princípio da capacidade contributiva.
Conclui-se, então, que a justiça fiscal é um valor supremo da sociedade, um
objetivo constitucional e para que haja a efetivação da mesma, a Constituição dispõe de
princípios constitucionais tributários.

REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano. In: Direito Tributário Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Atualizada por Misabel
Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
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CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito. 5. ed. São
Paulo: Campus Jurídico, 2009.
CARNEIRO, Claudio. Curso de direito tributário e financeiro. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito tributário constitucional. 28. ed. São
Paulo: Malheiros, 2012
DUTRA, Micaela Dominguez. A capacidade contributiva: análise à luz dos direitos
humanos e fundamentais. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) –
Instituto Brasiliense de Direito Público.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2002
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intervenção do Estado no domínio econômico. In: Congresso Nacional do CONPEDI,
20, 2011, Vitória. Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2011.
FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. 1. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
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<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=747d3443e319a227>. Acesso em: 13
jun. 2020.
GASSEN, Valcir; ARAÚJO, Pedro Júlio Sales D’; PAULINO, Sandra Regina da F.
Tributação sobre Consumo: o esforço em onerar mais quem ganha menos. Seqüência,
Florianópolis, n. 66, p. 213-234, jul. 2013. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/seq/n66/09.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2020.
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2013.
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<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sistema-tributario-brasileiro-
mecanismo-perfeito-para-gerar-desigualdade-social-12082019> Acesso em: 14 jun. de
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Constitucional Tributário. 10. ed. São
Paulo. Malheiros, 2010.
PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro (RJ): 1ª Ed. Intrínseca,
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Editora Universidade de Brasília, 1997.
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TORRES, Ricardo Lobos. O orçamento na Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1995.
___. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 2. ed. São Paulo. Renovar, 2007.

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