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O dilema entre direito tributário e a moralidade

Letícia de Souza Lima

A definição de moral tributária é posta por Luttmer e Singhal como cumprimento


voluntário da legislação fiscal, abrangendo motivações não pecuniárias.1Dessa forma,
analisando o contexto brasileiro no qual estamos inseridos, podemos notar que, de modo
geral, a moralidade está consideravelmente distante na aplicação dos tributos. O que temos,
na verdade, é uma série de questionamentos sobre a justiça na arrecadação, ou a falta dela.
A presença da ética em questões como a punição à sonegação de impostos tidos
como inconstitucionais ou a distribuição desigual da total carga tributária, é reiteradamente
analisada e discutida, muitas vezes chegando a conclusões não muito favoráveis àquela que
deveria ser a principal norteadora do direito, a busca pela justiça.
Vale destacarmos que o ativismo jurídico não pode ser aplicado em matéria
tributária. Portanto, o que temos como um concretizador da justiça social por parte da atuação
do poder judiciário em cenários que não são de sua competência, é vetado pela Constituição,
que atribui a competência do exercício tributário, exclusivamente àqueles políticos que foram
eleitos pelo povo. Dessa forma, a “intromissão” do poder judiciário atenta contra a segurança
jurídica e é considerada inconstitucional.
Klaus Tipke, em seu livro “Moral Tributária do Estado e do Contribuinte”, expõe
que ao longo da história, foram aplicados princípios ao direito tributário, que buscavam a
arrecadação mais justa e por conseguinte, mais ética. Foram princípios norteadores: o
princípio da capitação, onde todos pagam a mesma quantidade de tributos, independente da
renda auferida; o princípio da equivalência, onde cada um tem que retirar de sua renda o
valor equivalente aos custos que ao Estado causou ou o proveito que obteve em prestações do
Estado; e, por fim, o princípio da capacidade contributiva, hoje considerado o mais justo, ele
se adequa ao contribuinte de modo que cada um ofereça o que está dentro de sua capacidade.2
Diante do exposto, o que temos como regra hoje é a aplicação do princípio da
capacidade contributiva considerado a forma mais ética de arrecadação. Entretanto, a justiça

1
LUTTMER, E. F. P.; SINGHAL, M. Tax morale. Journal of Economic Perspectives, v. 28, n. 4, p. 149-168,
2014.
2
TIPKE, Klaus. MORAL TRIBUTÁRIA DO ESTADO E DOS CONTRIBUINTES . Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabres, 2012.
tributária está longe da justiça que eles tanto querem alcançar. A justificativa da arrecadação
de tributos é o custeio da máquina estatal e assim a manutenção de serviços como: segurança,
saúde e educação. Com isso em mente, o pagamento de impostos que cada vez se expandem
mais no nosso País, serviriam para proporcionar boas condições de vida para os contribuintes.
Entretanto, não vivemos no mundo do “dever ser” e sim no mundo que “é”, e com
isso sabemos que o dinheiro fruto da arrecadação não é revertido em serviços ou manutenção
da máquina estatal. Muitos desses recursos acabam se perdendo em meio a corrupção e
privilégios do setor público.
Além disso, a própria ideia de que a capacidade contributiva seria taxar mais
aqueles que têm mais e menos aqueles que têm menos, encontra brechas em sua execução.
Uma vez que este princípio acaba sendo aplicado somente para aqueles tributos que possuem
caráter pessoal. Por exemplo, independente de sua renda, as pessoas vão pagar o mesmo valor
e a mesma quantidade de tributos sobre um objeto qualquer que compram no supermercado.
O exposto passa a ser contraditório, um direito tributário que busca a equidade,
através de um princípio, se utilizando das mesmas cargas tributárias ao taxar um produto
comum consumido tanto por quem ganha 1 (um) salário mínimo, como para quem ganha 20
(vinte) salários mínimos. Além dessa, outras contradições entram em cena, tais como o
imposto especial de consumo, um imposto arbitrário que eleva ainda mais valores de
produtos como bebidas alcoólicas, energéticos, café e refrigerante. A justificativa utilizada
para uma maior taxação é a repressão ao consumo de produtos que fazem mal à saúde, mas
apesar disso, a quebra ao princípio da isonomia não é justificada.
Outra lacuna na aplicação da isonomia tributária, é a curiosa isenção de impostos
para investimentos estrangeiros. O desespero do Estado para trazer investimentos de fora do
País é tamanha, que se torna mais vantajoso ser um estrangeiro investindo no Brasil do que
um brasileiro que é taxado em grandes proporções.
Ao falarmos em moral e direito tributário por parte do contribuinte, não podemos
ignorar todo o discutido anteriormente, a taxação é um empecilho no País, como se o objetivo
principal fosse impedir a prosperidade dos negócios locais e o bem estar social. Não é à toa
que há tantos casos de inadimplência e crimes fiscais. O contribuinte, muitas vezes, se sente
injustiçado em meio a tanta tributação e pouco retorno e se sente no direito de se eximir do
pagamento de tributos. Essa atitude, apesar de não ser moral, é vista como uma espécie de
resposta à também imoral imposição fiscal.
A situação trazida acaba se tornando uma bola de neve desenfreada, onde o Estado
taxa de forma injusta e o cidadão, diante dessa injustiça, se acha no direito de se eximir da
contribuição. Assim, a tão falada e prometida reforma tributária seria uma solução viável que
simplificaria a taxação e promoveria a isonomia real, além de promover uma maior
transparência do Estado quanto ao destino dos valores auferidos o que refletiria na visão dos
contribuintes sobre esses impostos e instigariam sua adimplência, de modo que ficasse claro
os benefícios de sua contribuição para ele próprio e para a sociedade.
Em conclusão, o que temos no Brasil é um sistema disfuncional que em busca de
uma igualdade imaginária criou uma máquina de arrecadação que além de arbitrária e
ineficaz acaba causando o efeito contrário. A arrecadação ao invés de ser convertida para
promoção do bem estar social, acaba sendo um dos principais fatores causadores da pobreza e
miséria, onde quem mais se prejudica são justamente aqueles que mais deveriam ser
protegidos.
REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, S. M. L. . A ética na relação jurídica tributária: a questão da transparência


fiscal como instrumento de orientação aos contribuintes. In: XXI Encontro Nacional do
CONPEDI, 2012, Uberlândia. Anais do XXI Encontro Nacional do CONPEDI. Florianopólis:
Fundação Boiteaux, 2012. p. 7567-7585.

LUTTMER, E. F. P.; SINGHAL, M. Tax morale. Journal of Economic Perspectives, v. 28, n.


4, p. 149-168, 2014.

MARTINS, Marcelo Maiolono. A injustiça do sistema: sistema tributário injusto. Sistema


tributário injusto. 2009. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=1240:reportagens-mate
rias. Acesso em: 05 nov. 2022.

TIPKE, Klaus. MORAL TRIBUTÁRIA DO ESTADO E DOS CONTRIBUINTES. Porto


Alegre: Sergio Antônio Fabres, 2012.

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