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O Estado brasileiro tem como um de seus objetivos, o de ter uma sociedade justa e
igualitária, conforme disposto no Art. 3º, I e III da CF. E uma das formas para atingir
esses objetivos, é a correta arrecadação de tributos, para que cada pessoa custeie os
gastos do Estado de acordo com sua capacidade. Pois não seria racional, colocar o
custeio do Estado sobre aqueles que são menos favorecidos financeiramente. Agindo
dessa forma a tributação seria usada como uma maneira de distanciar a condição
financeira entre as pessoas da sociedade, conservando os pobres em sua situação de
pobreza e fazendo os mais abastados financeiramente cada vez mais ricos.
Entretanto, as pesquisas indicam que o Brasil é um dos países com maiores níveis
de desigualdade no mundo, e revelam que o atual sistema tributário seria um dos
fatores que reforçam o referido statu quo ante.
Deveras, é cediço que a matéria concernente à justiça fiscal tem ocupado o palco
da história, bem como afigura-se presente no Congresso Nacional e em toda mídia,
aliás, com toda a razão, porquanto traduz interesse público de grau máximo.
Ademais, não se pode olvidar que entre nós há grande questionamento acerca da
elevada carga tributária, agravada pela ausência de serviço público por parte do Estado,
donde, dentre outras vicissitudes o nosso sistema hospeda inegável concentração de
riqueza e grava os menos aquinhoados com mais intensidade, a exemplo do peso da
tributação do consumo.
De conseguinte, se o Estado tributasse quem tem mais renda, por exemplo, teria
mais recursos para concretizar os direitos sociais, assim como a educação, saúde,
habitação, transporte e segurança pública, assegurando, outrossim, aos mais carentes
a renda necessária ao mínimo existencial.
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Desta forma, de acordo com Costa (2014, p. 568) surge, então, a visão humanista da
tributação, que é a adequação da arrecadação a garantia de direitos públicos subjetivos.
Assim, a tributação não serve apenas para gerar receitas, mas constitui também um
instrumento para alcançar os objetivos fundamentais da República, previstos no
Artigo 3º da Constituição Federal, entre eles, a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária e erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e
regionais (COSTA, 2014, p. 568)
Portanto, surge daí um dever do Estado de utilizar o tributo não com objetivos
meramente fiscais, mas para atingir finalidades econômicas e sociais, passando a ser
um meio de implementação de políticas públicas, promoção de direitos fundamentais
e de regulação da economia. Com efeito, um dos caminhos para alcançar esse objetivo
consiste na utilização de técnicas de progressividade de tributos, a qual poderia produzir
receitas suficiente para instrumentar o Estado no sentido de promover medidas para
salvaguardar o mínimo existencial dos cidadãos (BARROS, 2010, P. 68-70).
Mas não quer dizer que sua aplicação seja facultativa, pois na verdade, de acordo
com Jardim (2013, p.100) ela deve orientar a tributação em geral: impostos, taxas,
contribuições e empréstimos compulsórios, mesmo que seja mais evidente na tributação
sobre a renda e o patrimônio. Pois naqueles em não é possível se auferir diretamente
quanto cada um pode contribuir, como na tributação indireta, a concretização da
capacidade contributiva é feita por meio do Princípio da Seletividade, que faz com
que o tributo seja inversamente proporcional à essencialidade do bem, atenuando a
regressividade de tais tributos indiretos (AMARO, 2005, p. 140-142).
Nesse caso, por exemplo, através da seletividade, o IPI e o ICMS são utilizados
como instrumentos de intervenção na economia, em que a suas alíquotas são variadas,
podendo chegar até zero pela essencialidade dos produtos industrializados, e das
mercadorias e serviços, ou até mesmo, aplicando uma alíquota elevada para itens
considerados supérfluos (CARRAZZA, 2017, p. 115-119).
E é nisso que a justiça fiscal se resume, utilizando-se de tais técnicas com base na
solidariedade para que haja a redistribuição de riqueza. Assim, de acordo com Barros
(2010, p. 103) a justiça fiscal significa a redução das desigualdades e maximização
da capacidade contributiva, fazendo com os mais ricos arquem com os custos do
Estado proporcionalmente mais que os pobres.
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Por óbvio, não faria sentido o Estado impor uma carga tributária que ao invés de
atenuar, acentue as desigualdades. Desta forma, O Estado tem o dever de instituir tributos
de forma progressiva ou seletiva de forma que assegure as mesmas oportunidades a
todos, e fazendo com que a maior parte da arrecadação venha da tributação sobre o
patrimônio e renda, visto é possível se auferir a capacidade contributiva. Pois caso
contrário a tributação pode se tornar mais pesada sobre quem tem menores condições,
concentrando mais a riqueza.
Nem se diga que há países com carga equivalente ou até mais elevada, o que é
verdade, a exemplo de Dinamarca, Suécia e outros, os quais, diferentemente do Brasil
prestam serviços públicos de primeira qualidade, donde o cidadão não precisa gastar
com saúde, transporte, escolas etc.
No Brasil ela é composta por 4 tributos principais, quais sejam, Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI), PIS/Cofins, ambos de competência federal, Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de competência estadual e o
Imposto sobre o Serviço de qualquer Natureza (ISS) de competência municipal.
Assim por ser um tributo que possui uma arrecadação tão expressiva no cenário
nacional, o legislador deveria ter implementando os comandos constitucionais da
seletividade que, a bem ver, atenua as vicissitudes da inevitável regressividade de
gravames economicamente indiretos.
A questão é que por ser um imposto estadual, as alíquotas variam conforme o Estado,
já que é este que as estabelecem por meio de suas legislações. Cabe assinalar que nem
sempre o legislador do ICMS cumpre o postulado constitucional da seletividade, a
exemplo, dentre outros, da alíquota máxima sobre a energia elétrica conforme adotada
no Estado e São Paulo, fato absurdo que não requer um esforço de sobremão para
aquilatar que a única percentagem correta seria a alíquota mínima.
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O problema é que de maneira geral, conforme afirma Godoi (2017, p. 554) nas
legislações estaduais, os itens considerados essenciais abrangem mais produtos da
cesta básica, deixando de fora produtos de higiene e limpeza. E principalmente o
fato de que a alíquota da energia elétrica é muitas vezes superior a itens considerados
supérfluos. Pois ainda, de acordo com o autor, mesmo que haja em alguns estados
uma faixa de isenção relativa a um baixo consumo de energia elétrica, ainda assim
não torna justificável a cobrança de uma alíquota superior a itens como perfumes e
cosméticos, já que se trata de um item essencial (GODOI, 2017, p.554).
Só para se ter uma ideia, Godoi (2017, p.554) cita o caso de Minas Gerais que
possui uma alíquota de energia elétrica para consumidores residenciais de 30%, e
fazendo o cálculo da inclusão da sua própria base de cálculo a porcentagem chega
a ser 42%. E já nesse mesmo Estado, a alíquota para itens supérfluos como joias e
perfumes, é de 25%. E, segundo o autor, esse mesmo caso se repete em vários outros
Estados, que possuem a alíquota da energia elétrica próximo aos 30%, como o caso
de São Paulo que é de 25%.
O problema é que no Brasil, os setores que são responsáveis pela maior parte de
arrecadação do ICMS, cerca de 33% de acordo com Godoi (2017, p. 556), são os
denominados “blue chips”1 tributários: combustíveis, energia elétrica e comunicações.
Os três possuem alíquotas elevadíssimas apesar de serem considerados essenciais.
E isso ocorre principalmente por causa da guerra fiscal, para compensar benefícios
que os estados concedem.
A expressão guerra fiscal é o nome dado para a competição que os estados fazem
entre si, para atrair investidores, oferecendo a eles benefícios fiscais, em troca de ali se
estabelecerem. A grande questão é que se o estado concede muitos benefícios ele terá
menos arrecadação do que o previsto, e assim de acordo com Godoi (2017, p. 557) ele
precisará de alguma forma, recompor a sua receita. E essa recomposição acontecerá
por meio da adoção de “pesadíssimas alíquotas sobre os blue chips (energia elétrica,
telecomunicações e combustíveis), cujo setor apresenta baixo índice de sonegação”
(GODOI, 2017, p. 558).
Rezende (2009, p. 24-25) mostra que entre o período de 1997 até 2007, a taxa
de arrecadação do ICMS do setor primário e secundário (aqueles que se beneficiam
com a guerra fiscal) praticamente não se alterou, mesmo com as fortes oscilações da
1
“Blue chips” é um termo utilizado a ações da Bolsa de valores de empresas grandes e consolidadas no mercado. Tal termo
é empregado no direito tributário ao setor de telecomunicações, combustível e energia elétrico devido à alta arrecadação
que tais setores trazem facilmente para o estado.
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Desta forma, observa-se que as legislações estaduais do ICMS não são elaboradas
tendo em vista a capacidade contributiva e a seletividade, pois para os Estados
torna-se muito mais fácil utilizar-se da tributação sobre o consumo, principalmente
sobre os setores de energia elétrica, telecomunicação e combustível, já que é uma
arrecadação certa.
Com efeito, o Professor Eduardo Jardim que subscreve o presente Estudo obtempera
que a chamada guerra fiscal predatória não é uma decorrência da autonomia das
unidades federativas, mas uma consequência inexorável das distorções da partilha
de receitas da União em prol de Estados e Municípios que privilegia determinadas
Regiões e Estados, possibilitando, por exemplo, que um dado Estado favorecido
abra mão do ICMS, uma vez que as suas despesas orçamentarias serão pagas com
os repasses dos Fundos de Participação.
A propósito, a versão original da referida partilha tem por origem a Lei Complementar
No 62, de 28 de dezembro de 1989 que, em seu Artigo 2º, incisos I e II, estabeleciam
que os repasses provenientes da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI seriam
distribuídos na proporção de 85% para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste,
restando apenas 15% para as Regiões sul e Sudeste.
Em relação ao IPI, embora ele seja não cumulativo e a sua seletividade ser bem
notória, o seu problema está na adoção de diferentes alíquotas reduzindo a eficiência
econômica, por deixar muito complexo o pagamento para as empresas.
Nesse sentido, Souza (p. 506, 2018), defende que o fato de tais tributos incidirem
sobre a mesma base, porém instituídos por diferentes esferas de governo é um
problema, pois faz com que essa “quantidade de tributos, aliada à complexidade das
leis, torna muito difícil o controle e a fiscalização, tanto para empresários, como para
os responsáveis pela aplicação da lei tributária”. Assim, de acordo com o mesmo
autor, tais aspectos tornam o sistema complexo, oneroso e caótico, gerando demandas
tanto na esfera administrativa, quanto judiciária, além de gastar excessivo tempo e
dinheiro (SOUZA, 2018, p. 507)
Gassen et al (2013, p.15), por sua vez, também afirma que o fato de ter muitas
legislações (federais, estaduais e municipais) faz com que haja uma baixa coordenação
dos entes federativos, tornando um sistema mais caro, acarretando um acréscimo ao
preço final do produto, tudo em detrimento do consumidor final.
Desta forma, não deve haver uma concentração de tributos sobre o consumo,
pois embora possua uma função redistributiva através da aplicação do Princípio
da Seletividade, de acordo com AVI-YONAH (2006, p.20) ela deixa de atingir a
renda não consumida, o que acaba favorecendo às classes mais ricas, e, portanto,
acentuando a desigualdade.
Cumpre ressaltar que o referido gravame deve ser informado pelos critérios da
generalidade, universalidade e progressividade, conforme quer o Artigo 153, § 2º,
inciso I, do mesmo Texto Magno. A generalidade significa que o tributo deve abranger
todas as pessoas físicas ou jurídicas que realizarem o fato jurídico do referido imposto,
guardando harmonia com o primado da igualdade. Já a universalidade compreende
todas as rendas e proventos sujeitando-os à incidência, excetuadas as hipóteses de
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Diante disso, seria de se esperar que o imposto sobre a renda fosse a maior fonte
de arrecadação do Estado, o que não ocorre, porquanto a sua expressão arrecadatória
representa apenas 19,97% da carga tributária total,2 e 6,47% do PIB, de acordo com
dados de 2016.
Ao demais, não se pode olvidar que a legislação do imposto sobre a renda proíbe
a dedução de uma série de despesas necessárias à vida, à saúde, à educação e à
habitação, dentre outras, configurando, assim, um despudor sob o ponto de vista
ético e uma manifesta inconstitucionalidade.
2
Carga tributária no Brasil 2016, (2017)
3
A defasagem do Imposto de Renda da Pessoa Física, 2018.
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No caso da tributação sobre a renda da pessoa jurídica, o Brasil não está tão abaixo
da média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico). Entrementes, a legislação hospeda uma série de impropriedades, a
exemplo da distinção no tratamento conforme a sua fonte, além de haver a isenção dos
lucros e dividendos dos sócios e dos acionistas, e do benefício fiscal dos juros sobre o
capital próprio. Ademais, os rendimentos sujeitos à tributação exclusiva (rendimentos
de capital) são tributados com alíquotas mais favoráveis que variam de 15 e 22,5%,
o que, ao revés de tornar a tributação progressiva, tende a configurá-la regressiva.
Já em relação aos juros sobre o capital próprio (JSCP), trata-se de uma maneira
da empresa dividir seus lucros entre os sócios, sendo permitido à Pessoa Jurídica
deduzir do lucro total tributável esse valor repassado. Isso também seria uma forma
de reduzir os tributos pagos pela pessoa jurídica, favorecendo a renda do capital, na
qual o Brasil é o único que possui esse benefício, o qual se afigura reprochável por
todas as luzes.
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Desta forma, Lettieri (2017, p. 138) alega que o fato do sistema tributário ser mais
favorável à renda do capital do que à renda do trabalho potencializa a concentração
de riqueza, uma vez que ao analisar dados da Receita Federal, verificou que quem
recebe mais de 320 salários mínimos por mês possui uma riqueza líquida de R$ 37,3
milhões, ou seja, 623 vezes a riqueza de dos que ganham de 3 a 5 salários mínimos
(R$ 59.865,08). Assim, de acordo com o autor, “quem recebe uma renda mensal em
média 80 vezes superior a outro indivíduo consegue acumular uma riqueza que é
623 vezes superior a este”.
É dizer, para Letieri (2017, p.116) “à exceção do 13º salário e outras rubricas pouco
relevantes financeiramente, todas as demais fontes de rendimento que são favorecidas
com tributação menor na fonte ou são isentas se referem a rendas do capital”.
Assim, não faz sentido que as isenções privilegiem mais aqueles que estão
no topo da pirâmide social, e por isso que Morgan (2017, p. 251) defende que é
necessário “remover as isenções regressivas sobre lucros e dividendos que encorajam
o comportamento de procura de renda, e aplicar a tabela do Imposto de Renda da
Pessoa Física a todos os rendimentos retidos atualmente”.
Grandes números das declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas- Ano Calendário 2014, Exercício 2015. Centro
4
de Estudos Tributários e Aduaneiros – CETAD. Brasília: setembro, 2016. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.
gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatísticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpr/
gn_irpf_ac2014.pdf>. Acesso em: 24 de set. 2018
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Há também que se atentar para outro imposto muito importante que é o imposto
causa mortis e doação (ITCMD) tendo em vista a sua possibilidade redistributiva e, até
certo ponto, democrática. Pois como explica Mélo e Campos (2016, p. 333-335), após
a Segunda Guerra Mundial o imposto sobre a propriedade teve seu enfraquecimento,
devido ao pensamento que surgiu na época para haver menos burocratização e menos
intervenção do Estado na economia. Esse pensamento neoliberal influenciou para
que as alíquotas sobre doações e herança caíssem.
O problema, como defende Mélo e Campos (2016, p. 335) é que quando a tributação
sobre o patrimônio não é progressiva, a tendência é que a riqueza vá passando de
geração em geração, fazendo com que ela se mantenha nas mãos dos herdeiros de
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Assim, nesse sentido, Piketty (2014, p. 429) exemplifica com o caso de Bill
Gates (fundador da Microsoft). Entre 1990 e 2010 sua fortuna passou de 4 bilhões
para 50 bilhões de dólares, e ao mesmo tempo, a de Liliane Bettencourt (herdeira da
L’Oreal, fundada por seu pai) foi de 2 bilhões para 25 bilhões de dólares, sem que
ela tenha trabalhado. Portanto, casos como o do Bill Gates que “fazem fortunas do
nada” representam uma parcela pequena dos detentores de patrimônio, de acordo
com Piketty (2014, p. 429), já que dados mostram como ocorreu na França, em que
o patrimônio herdado equivale a quase todo o patrimônio existente do país.
O asserto pode ser ilustrado com os dados da Receita Federal, segundo os quais
aqueles que recebem mais de 320 salários mínimos por mês passam a terceiros,
geralmente através de doações e heranças a familiares, um valor equivalente a R$
113.918,92 por ano, e já aqueles que recebem de 3 a 5 salários mínimos transferem
apenas R$ 918,50. Assim, na visão de Lettieri (p. 143), estes transmitem 124 vezes
a menos, sustentando, portanto, o argumento de Piketty (2014, p. 369), para quem
as riquezas vindas de herança, sem necessidade de trabalhar, crescem mais rápido
do que as riquezas vindas do trabalho, não prevalecendo a ideia da meritocracia.
Por mais baixa que seja a alíquota desse imposto, atualmente apenas dez estados
brasileiros usam a alíquota máxima.5 O Estado de São Paulo, por exemplo, segundo
o Art. 16 da Lei 10.705 de 2000, utiliza a alíquota fixa de 4%. Há outros Estados,
como o Amazonas (Art. 119 da LCE Nº 19/97), em que essa alíquota fixa chega a ser
apenas de 2%. Ante essas observações, é forçoso reconhecer que o aludido ITCMD
poderia produzir arrecadação mais expressiva para os cofres públicos.
Conforme diz Carvalho Júnior (2018, p. 427), baseado em dados disponíveis pelo
FMI (Fundo Monetário Internacional), no ano de 2015, o IPVA representou 0,56%
de PIB Brasileiro. Tal valor, apesar de parecer insignificante, é na verdade muito alto
quando comparado com outros países.
5
Bahia (Art. 9º da Lei 4.826 de 1989); Ceará (Art. 16 da Lei Nº 15.812 de 2015); Goiás (Art. 78 da Lei 11.651 de 1991);
Mato Grosso (Art. 19 da Lei Nº 7.850 de 2002); Paraíba (Art. 6º da Lei 5.123 de 1989); Pernambuco (Anexo único da Lei Nº
13.974 de 2009); Rio de Janeiro (Art. 3º da Lei Nº 7786 de 2017); Santa Catarina (Art. 9 da Lei Nº 13.136 de 2004); Sergipe
6
Recurso Extraordinário. Tributário. 2. Não incide Imposto de Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre embarcações
(Art. 155, III, CF/88 e Art. 23, III e § 13, CF/67 conforme EC 01/69 e EC 27/85). Precedentes. 3. Recurso extraordinário
conhecido e provido. (STF - RE: 379572 RJ, Relator: GILMAR MENDES, Data de julgamento: 11/04/2007, Tribunal
Pleno, Data de publicação: DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-04 PP-00870)
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É claro que diante dessas injustiças sociais, o sistema tributário não é o principal
meio para isso, uma vez que há instrumentos mais efetivos como o gasto social. Mas
ainda assim, ele pode ser um instrumento eficaz do Estado no auxílio da redistribuição
de riqueza, uma vez que nos países da OCDE os sistemas tributários conseguiram uma
redução média de 35%, e na Finlândia e Áustria, por exemplo, reduziu-se à metade
após uma tributação progressiva combinada com os gastos sociais (INTROÍNI et
al., 2018, p. 246).
Mas o que ocorre no Brasil é que o sistema tributário onera mais as classes de
baixa renda, pois de acordo com a OXFAM (2017, p. 48), os 10% mais ricos pagam
somente em média 21% de sua renda em tributos, das quais 10% são de tributos
indiretos, enquanto os 10% mais pobres pagam 32% de sua renda, sendo 28% em
tributos indiretos. Assim, o relatório da OXFAM declara que o Sistema Tributário
reforça as desigualdades. Nesse cenário, ao revés de representar um instrumento para
redistribuir a riqueza, a tributação entre nós tende a concentrá-la ou simplesmente
não a mantê-la como está, o que contraria os princípios constitucionais. (Oxfam,
2017, p. 44).
porcentagem alta, tendo em vista que a média da tributação sobre o consumo em tais
países é equivalente a 32,4 %, conforme mostra a tabela a seguir:
7
Tabela 1- Fontes: Oliveira (2017, p. 112) com base em dados da OCDE
73
de acordo com Zockun (2017, p. 24) a propensão para consumir é maior nas classes
baixas, cerca de 2,28 vezes maior do que as classes altas, o que acaba onerando mais.
É por isso que, embora em 1988 a Constituição Federal tenha previsto mudanças
nos tributos obedecendo os Princípios de Progressividade e Igualdade, Oliveira
(2018, p. 118) destaca que a Constituição deixou isso para se concretizar no campo
infraconstitucional, o que não ocorreu já que os legisladores estavam mais preocupados
com o crescimento econômico.
Por esse motivo é que, nos anos de 1995 e 2002, a tributação sobre o consumo
cresceu cerca de 138% com a finalidade de compensar todas essas renúncias fiscais
e a dívida pública advinda do plano real (INTROÍNI et al, 2018, p. 267).
Acontece que todos esses esforços do Estado para reformar o Sistema Tributário
Brasileiro em nome do desenvolvimento econômico, de acordo com Introíni et al (2018,
p. 268), não trouxeram resultados, uma vez que houve pouco crescimento na economia
nesse período, e entre os anos de 1996 e 2003 caíram os níveis de investimento.
Oliveira (2018, p. 122) destaca ainda o fato de que não seria necessário conceder
tantas vantagens para atrair investimentos já que nessa época, com a globalização,
muitas multinacionais exportavam suas bases tributáveis para paraísos fiscais.
Assim, todos esses fenômenos fizeram com que o sistema tributário se tornasse
regressivo. E por isso se não houver mudanças, os objetivos fundamentais e a justiça
fiscal não serão alcançados.
Piketty (2014, p. 501) defende a ideia que, para os países adequarem seus sistemas
com o fenômeno da globalização para que não haja extrema desigualdade, o estado
social e o imposto progressivo sobre a renda devem desempenhar um papel central.
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Entretanto, além disso, para ele o instrumento ideal seria a criação de um imposto
mundial sobre o capital.
Pois embora ele considere uma utopia, já que é muito difícil todos os países o
aceitarem, a criação de um imposto único sobre o capital seria de extrema utilidade.
Tal imposto serviria para haver um cadastro financeiro mundial que proporcionaria
uma “transparência democrática e financeira sobre os patrimônios e ativos detidos
pelos indivíduos em escala internacional” (PIKETTY, 2014, p. 504).
E mesmo que ainda se trate de uma utopia, Piketty (2014, p. 502) defende que
seria “perfeitamente possível perseguir essa instituição ideal em etapas, a começar por
colocá-la em prática em escala continental ou regional e organizar cooperação entre
os instrumentos regionais”. Uma forma de aplicar ao Brasil seria através do Imposto
sobre Grandes Fortunas, que possui a competência autorizada pela Constituição
Federal, mas não é exercitada.
Um imposto sobre capital, para Piketty (2014, p. 504) serviria apenas como um
complemento modesto na escala do Estado Social Moderno, já que ele não serve para
financiá-lo, mas apenas para que sejam aplicadas pequenas alíquotas com a finalidade
de regular o capitalismo para que não haja divergência ilimitada de desigualdades
(PIKETTY, 2014, p. 504).
Além do mais, a renda de quem tem patrimônios muito elevados não tem uma
definição certa, já que para Piketty (2014,p. 511), por exemplo, uma pessoa que tem
um patrimônio de 10 bilhões de euros, seu patrimônio cresce numa ordem de 6-7%
ao ano, só que o que a renda que ela tira dele para financiar seus gastos pessoais é
muito baixa comparada ao seu tamanho, e a renda que sobra disso fica se acumulando.
Como é o caso de Liliane Bettencourt, já mencionada, que possuiu a maior fortuna
da França, na qual seu imposto de renda declarado nunca passou de 5 milhões de
euros anuais (pouco mais de um décimo de milésimo de sua fortuna de 30 bilhões
de euros no ano de 2013).
apenas dois deles foram apreciados. Um dos projetos, o PLP 162/1989, foi rejeitado
em 2000 pela Comissão de Tributação e Finanças da Câmara, e outro, o PLS 128/2008,
foi rejeitado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado em 2010 (CARVALHO
JÚNIOR e PASSOS, 2018, p. 475). Conforme Carvalho Júnior e Passos (2018, p.
476), os motivos dados pelos congressistas para a não instituição do IGF é a “baixa
arrecadação, alto custo administrativo e a extinção em diversos países europeus”.
Mas, para Calixte (2018, p. 495) “As razões políticas para a inexistência da efetiva
criação do IGF no Brasil são auto evidentes, dada a profunda relação que o poder
econômico mantém com seus representantes políticos no parlamento.”
Por outro lado, segundo a doutrina de Carvalho Júnior e Passos, por exemplo,
os que defendem a criação do IGF invocam os exemplos de países em que esse
imposto deu certo, casos de Luxemburgo e Suíça que arrecadaram, respectivamente,
1,8% e 1% do PIB. Ademais, o referido posicionamento doutrinal se contrapõe aos
argumentos contrários à imposição do IGF em relação ao acoimado impacto econômico
ao dizer que “a literatura econômica tem demonstrado que os impostos sobre o
patrimônio líquido de pessoas físicas são os menos deletérios à atividade econômica
se comparados com os impostos sobre salários e sobre a produção” (CARVALHO
JÚNIOR e PASSOS, 2018, 484).
Sobre a bitributação Carvalho Júnior e Passos (2018, p. 484). defende que a base
de cálculo pode ser tida como a riqueza como um todo, e que a Súmula Vinculante
29 do STF diz que é constitucional a base de cálculo que englobe um elemento ou
mais de outro tributo. Além do fato que para Piketty (2014, p. 502) os impostos
sobre o patrimônio têm o problema de não se basearem nos ativos financeiros, mas
apenas nos imobiliários.
Pode-se então notar que o IGF faz nascer um acalorado debate com opiniões
diferentes, mas que, devido ao seu grande potencial, merece ser discutido. Piketty (2014,
p. 505), por exemplo, diz que “se nenhuma política dessa natureza for implementada,
o risco de progressão sem limites da participação das fortunas mais elevadas na
riqueza mundial parece ser muito grande”.
Eduardo Jardim, de seu turno, contrapõe-se ao IGF por entender que trata-se
de um imposto sobre a renda ou sobre o patrimônio, que são objeto de incidência
por tributação específica e, a mais disso, abriga vaguidades conceptuais, a teor do
significado de grandes fortunas, bem como por ser um gravame de inexpressivo
potencial arrecadatório e que pode afugentar capitais e investimentos, como ocorreu
na França à época do Governo do Presidente Miterrrand (2010, p. 59 e seguintes).
Outra medida que merece ser destacada para a melhoria do Sistema Tributário
Brasileiro seria aumentar a arrecadação sobre o patrimônio. E uma das formas de se
fazer isso é aumentar a representatividade do ITCMD, elevando a alíquota máxima
de 8% para entre 15 ou 20%.
Em se tratando do IPVA, seu maior problema, é o fato dele ter um impacto muito
maior nos gastos das famílias de mais baixa renda do que nas famílias mais abastadas,
já que embarcações e aeronaves não são tributadas, embora devessem sê-lo. Só para
ter uma ideia da importância dessa medida, de acordo com Carvalho Júnior (2018,
p. 428), baseado em dados da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), no ano
de 2016 o Brasil possuía cerca de 10.000 aeronaves particulares. Se fosse levado
em conta que cada aeronave teria um valor médio de R$ 5 milhões de reais, ter-se-ia
uma base de cálculo total de R$ 50 bilhões de reais, resultando numa arrecadação
de R$ 1 bilhão de reais, um valor importante no cenário nacional.
Souza (2018, p. 513) defende que o IVA ideal é aquele que possui uma ou poucas
alíquotas, na qual, se adotaria uma alíquota geral de em torno de 23% e uma reduzida
em torno de 12%, com uma ampla base de tributação. A propósito, uma pesquisa feita
pela OCDE, mostra que o IVA deve ser o mais amplo possível e com um número
mínimo de isenções, para que assim diminua os custos da fiscalização e haja uma
maior arrecadação (GODOI, 2017, p. 564).
Portanto, todas essas medidas seriam para fazer com que o tributo fosse menos
pesado para as classes menos favorecidas da sociedade, de forma que o indivíduo
contribuísse para o custeio do Estado segundo a sua capacidade. Em veras, todas
essas distorções no Sistema Tributário fazem com que quem pague a conta sejam as
pessoas de baixa renda, e por isso que Oliveira (2018, p. 128) destaca a importância
de haver uma reforma na maneira que o Estado arrecada seus recursos a fim de se
alcançar a justiça fiscal e para o desenvolvimento econômico do país. Ouçamo-lo, pois:
Sem essa reforma mais ampla, o sistema tributário continuará operando, tal
como vem-se verificando desde a sua transformação em mero instrumento
de ajuste fiscal voltado para saciar os ganhos da riqueza financeira, como um
sistema que, além de altamente complexo devido às constantes mudanças
das regras tributárias, da invasão de bases tributárias de uma por outras
esferas governamentais e de mudanças rotineiras de sua legislação, sempre
com o objetivo de aumentar a arrecadação, atua como força contrária ao
crescimento econômico, à equidade e ao equilíbrio federativo. (OLIVEIRA,
2018, p. 128)
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Desta forma o Sistema Tributário Brasileiro deve ser revisto de maneira a dar mais
efetividade à capacidade contributiva e à seletividade, princípios tão importantes para
a promoção da Justiça Fiscal. Pois agindo desta forma, desoneraria as pessoas com
menor capacidade, tornando mais efetiva e justa a atividade estatal.
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