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CENTRO UNIVERSITÁRIO DA GRANDE DOURADOS

BRUNO BUHRING ANTUNES

MAJORAÇÃO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO


CAUSA MORTIS E DOAÇÃO: A POSSIBILIDADE DE
MAJORAÇÃO DAS ALÍQUOTAS DO ITCMD COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E ISONOMIA
CONSTITUCIONAL.

Dourados 2021
CENTRO UNIVERSITÁRIO DA GRANDE DOURADOS

BRUNO BUHRING ANTUNES

MAJORAÇÃO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO


CAUSA MORTIS E DOAÇÃO: A POSSIBILIDADE DE
MAJORAÇÃO DAS ALÍQUOTAS DO ITCMD COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E ISONOMIA
CONSTITUCIONAL.

Trabalho apresentado na Disciplina de Trabalho de Conclusão do Curso do Curso de Direito


do Centro Universitário da Grande Dourados.

Professora Dra. Taciana Mara Correa Maia.

Dourados 2021
3

MAJORAÇÃO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO

BRUNO BUHRING ANTUNES1

RESUMO: O presente artigo busca analisar a possibilidade de majoração do imposto


chamado Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que incide nas
hipóteses de transmissão gratuita de bens móveis e imóveis. Desse modo, será objeto de
estudo o atual cenário do respectivo imposto, as discussões sociais e jurídicas acerca da
possibilidade de sua majoração, e a provável redução das desigualdades sociais e regionais
do Brasil, posto que o aumento de suas alíquotas podem consolidar os princípios da isonomia
constitucional e capacidade contributiva, que estão previstos na Constituição Federal do
Brasil, e devem ser respeitados. Como metodologia, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, os
julgamentos dos tribunais brasileiros, o direito comparado a países desenvolvidos e pesquisas
em sites da internet.

Palavras-chaves: 1. Isonomia, 2. Imposto, 3. ITCMD.

ABSTRACT: This article seeks to analyze the possibility of increasing the tax called Tax on
Transmission Cause Mortis and Donation (ITCMD), which applies to the cases of free transfer
of movable and immovable property. Thus, it will be the object of study in the current scenario
of a given tax, as social and legal imputed on the possibility of its increase, and the likely
reduction of social and regional inequalities in Brazil, since the increase in its social rates can
consolidate the principles of constitutional equality and contributory capacity, which are in
compliance with the Federal Constitution of Brazil, and must be respected. As a methodology,
bibliographic research, judgments of Brazilian courts, law compared to developed countries
and research on internet sites were used.

Key words: 1. Isonomy, 2. Tax, 3. ITCMD.

1
Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN. Turma do Ano de 2018.
E-mail: 12.9350@alunos.unigran.br
4
1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a possibilidade de majoração do Imposto sobre


Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), sob o aspecto jurídico e social. Buscou-se
visualizar o atual cenário do respectivo imposto, suas características, e a importância do
estudo dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia constitucional.

Nesse sentido, hodiernamente, Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação


tem o limite tributável de 8% sobre o valor venal do imóvel. Ou seja, não é possível instituir
ou majorar alíquotas de 10%, 15% ou 20%, pois as respectivas leis seriam inconstitucionais.

Este limite foi instituído pela Resolução n. 9/92 do Senado Federal, órgão competente
para fixar a alíquota máxima do ITCMD. Sendo assim, apenas o próprio Senado Federal
poderá aumentá-la ou reduzi-la.

Não obstante, há projetos em trâmite para o debate no Senado Federal, como exemplo,
o projeto elaborado em 2019 pelo Senador Cid Gomes, que visa majorar para 16% a alíquota
do ITCMD.

No entanto, há resistência para aprovar a majoração dessa alíquota, posto que entra
em discussão direito a herança, que é constitucional, em contraste com o princípio da
capacidade contributiva e isonomia, que estão positivados na Constituição de 1988 e que
possuem força normativa.

Sendo assim, apesar de ser um tema delicado, há de se observar outros países


desenvolvidos, e como tratam a matéria. Por exemplo, a Suiça e Alemanha, que possuem
limites máximos de 50% cada, como teto da alíquota do ITCMD.

É evidente que o Brasil é um país extremamente desigual, e inclusive um dos


principais objetivos da Constituição é reduzir as desigualdades entre os brasileiros, e uma das
formas de se atingir esse objetivo é distribuindo a renda de forma igualitária.

Nessa linha, a majoração do ITCMD é instrumento hábil para reduzir as desigualdades


sociais e regionais, de modo a concretizar os princípios da capacidade contributiva e
isonomia, em respeito à força normativa da Constituição.

2. CONCEITO DE TRIBUTO

A definição de tributo tem sede legal no artigo 3º do Código Tributário Nacional, que
traz o conceito “oficial de tributo”2:
“Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada”3.

2
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed.
JusPodivm, 2021, pág. 43.
3
Lei nº 5. 172, de 25 de Outubro de 1966. Disponível em
http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/CodTributNaci/ctn.htm. Acesso em: 6 de dezembro.
5
Quanto ao início da redação do dispositivo, a doutrina majoritária entende que a
expressão “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” se refere à hipótese de pagamento
dos tributos por outros meios que não sejam pecúnia.

Como exemplo veja a instituição de possibilidade de dação em pagamento por imóveis,


incluída pela Lei Complementar 104/2001 para extinção do crédito tributário. No entanto, tais
hipóteses somente são cabíveis caso estejam previstas na legislação tributária, em respeito ao
princípio da reserva lega, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal em
julgamento da ADI 1.917/DF4.

Prosseguindo quanto à análise do comando legal, a expressão “prestação compulsória”


se refere ao uso do poder de império do Estado, que deve cobrar o tributo, e a obrigação do
particular de pagar, posto que não é faculdade do contribuinte escolher entre pagar ou não o
tributo.

A prestação que não constitui sanção de ato ilícito é justamente o que diferencia o tributo
da multa. Sendo assim, multa não tem finalidade arrecadatória, apesar de ser tributo
derivado5.

O tributo depende da ocorrência de um fato gerador, independentemente se esse fato


previsto em abstrato na norma tributária é licito ou ilícito. Como exemplo, se alguém aufere
renda oriunda de trabalho criminoso, deve pagar Imposto sobre a Renda, pois houve a
ocorrência do fato gerador previsto em lei.

Esse fato decorre do brocardo pecunia non olet (dinheiro não cheira)6, que advém da
história de um dos mais importantes imperadores de Roma, Vespasiano. Seu filho, Tito,
estava inconformado com o fato de que seu pai cobrava taxas sobre mictórios públicos.

Foi então que Vespasiano deu uma moeda de ouro para seu filho cheirar: Olet? (Cheira?).
Pecunia non olet (dinheiro não cheira). Eis a origem da legalidade da cobrança de tributos
sobre quaisquer fatos geradores, inclusive criminosos, que por consequência, obedece ao
princípio da isonomia tributária.

Outro ponto importante, é o fato de que tributo não pode constituir confisco, justamente
por que o confisco decorre de ato ilícito, e o tributo não. Isso porque, a constituição Federal
permite tão somente a perda de bens, no art. 5º, XLVI, “b”7, apenas como punição.

Por esse motivo, ao se tratar do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação

4
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed.
JusPodivm, 2021, pág. 45
5
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed.
JusPodivm, 2021, pág. 47.
6
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed.
JusPodivm, 2021, pág. 47.
7
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
6
(ITCMD), há uma linha tênue entre majorar a alíquota (o percentual que recai sobre o fato
gerador), consolidando a isonomia tributária, e evitar o efeito de confisco sobre o contribuinte.

Por fim, quanto à instituição mediante lei (complementar, ordinária ou medida


provisória), é a regra do ordenamento jurídico tributário. No entanto, há exceções, como a
majoração das alíquotas do Imposto de Importação, Imposto e Exportação, Imposto sobre
Produtos Industrializados, CIDE-combustíveis e ICMS-monofásico8.

2.2 Espécies de tributos

Uma das maiores (se não a maior) discussões em âmbito de direito tributário, recai nas
classificações dos tributos. São várias correntes com diferentes posicionamentos, mas para
fins deste artigo, serão tratadas duas classificações: a tripartida e a pentapartida.

A teoria tripartida divide os tributos em três: impostos, taxas e contribuições de melhoria.


E a teoria pentapartida divide em cinco: impostos, taxas, contribuições de melhoria,
empréstimos compulsórios e contribuições especiais9.

O CTN dispõe no art. 5º que tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria, ou
seja, adota a teoria tripartida das espécies de tributos. Há quem entende que a constituição
também partilha desse entendimento, visto que o art. 145 dispõe as mesmas espécies
tributárias para serem instituídas pelos Estados, Municípios, DF e a União.

No entanto, Ricardo Alexandre 10 entende que a Constituição apenas delega a


competência para esses entes federativos instituírem tributos, e não tem o objetivo de
delimitar exaustivamente quais tributos podem ser instituídos.

Tanto que, no art. 148 a Constituição Federal11 prevê a competência exclusiva da União
para instituir o empréstimo compulsório. Além disso, o art. 149 também prevê a competência
da União para contribuições especiais, e a competência dos municípios e DF para instituir a
contribuição para custeio do serviço de iluminação pública12.

O STF já se posicionou quanto ao tema, e adota, atualmente, a teoria pentapartida. No


entanto, mesmo os adeptos da teoria tripartida têm posicionamento no sentido de incluir os
empréstimos compulsórios e as contribuições especiais na definição de tributo, mas
consideram taxas ou impostos.

2.3 Classificação dos Tributos

8
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed.
JusPodivm, 2021, pág. 51.
9
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed.
JusPodivm, 2021, pág. 52.
10
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed.
JusPodivm, 2021, pág. 52.
11
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
12
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e ampl. - Salvador - Ed.
JusPodivm, 2021, pág. 53.
7
A classificação dos tributos tem como objetivo agrupar, de forma didática, determinadas
características comuns dos tributos, para tornar mais fácil a compreensão do fenômeno
tributário. Nesse sentido, não há critério certo ou errado para as classificações, apenas
adequadas ou inadequadas ao fim proposto13.

Desse modo, neste artigo serão tratadas cinco classificações, de acordo com o objetivo
aqui proposto, que é a possibilidade de majoração do ITCMD.

2.3.1 Tributos Reais e Pessoais

Quando se depara com essa classificação pela primeira vez, podemos entender que se´ra
abordada a incidência do tributo sobre pessoas e coisas. Mas não é esse o intuito.

O objetivo dessa classificação e diferenciar os tributos de acordo com a sua base de


cálculo, conforme leciona Caparroz:
“É evidente que somente pessoas podem ser destinatárias de normas jurídicas, de forma
que a classificação, na verdade, diz respeito à base de cálculo tributável, que poderá ser,
conforme a hipótese, o valor de um objeto ou a expressão econômica de uma conduta,
status ou negócio jurídico”14.
Os tributos reais são aqueles que incidem sobre hipóteses sem qualquer relação com
determinada pessoa. Como exemplo, quando a referencia é o valor de um móvel ou imóvel,
desse montante será estipulada uma alíquota (percentual) que será cedido ao Estado. Alguns
exemplos de tributos reais são: IPTU, IPVA, ICMS, IPI e o imposto objeto deste artigo, o
ITCMD.

De outro lado, os tributos pessoais tem como base de cálculo condutas ou negócios
jurídicos. Como exemplo, do esforço do labor de um trabalhador, será auferido o Imposto de
Renda e as contribuições previdenciárias.

2.3.2 Tributos Diretos e Indiretos

Os tributos indiretos podem ser definidos como aqueles que incidem uma única vez sobre
o fato gerador. De forma simplificada, ocorrendo o fato gerador, será pago o tributo de forma
integral pelo contribuinte. A maioria dos tributos são integrantes dessa classificação, como
exemplo o ITCMD e o Imposto de Renda.

Os tributos indiretos tem incidência fracionada. Ou seja, diversas vezes o mesmo tributo
recai sobre uma atividade econômica. Como exemplo, o IPI e o ICMS. No entanto, para não
tornar a carga tributária elevada, e evitar a dupla tributação sobre a mesma cadeia econômica,
a Constituição Federal estabeleceu o princípio da não cumulatividade (Arts. 153, § 3º, II, e

13
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 63.
14
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 65.
8
155, § 2º, I)15.

Para melhor compreensão, vale citar o exemplo dado por Roberto Caparroz16, que cita a
cadeia econômica da fabricação e venda de um sapato, na qual incide 18% de ICMS sobre o
valor da venda.

Suponhamos que o fabricante vendeu ao distribuidor de sapatos por R$ 20,00, e o


distribuidor vendeu ao lojista por R$ 50,00, e o consumidor final comprou do lojista por R$
100,00.

Na venda de R$ 20,00, o fabricante pagou 18% sobre esse montante (R$ 3,60). Em
seguida, o distribuidor vendeu por R$ 50,00 ao lojista, e teve de pagar 18% igualmente (R$
9,00), no entanto, desses R$ 9,00, poderá descontar os R$ 3,60 já pagos pelo fabricante, ou
seja, o total devido é R$ 9,00 – R$ 3,60, que é igual a R$ 5,40.

Em seguida, o lojista vende ao consumidor final pelo preço de R$ 100,00, cujo ICMS de
18% traduz em R$ 18,00. Desse valor, poderá ser descontado R$ 9,00 a título de ICMS já
pagos pelo distribuidor e o fabricante, ou seja, restam R$ 9,00 para o lojista pagar antes de
realizar a venda ao consumidor final.

Roberto Caparroz17 afirma, ainda, que os tributos indiretos, como o ICMS, não são
capazes de atender o principio constitucional da capacidade contributiva, que é o princípio
basilar do direito tributário, que impõe ao Estado a obediência à capacidade econômica do
contribuinte.

Nesse sentido, com relação aos tributos diretos, podemos identificar o contribuinte, e a
incidência recai de forma individual, de modo que as pessoas com maior capacidade
econômica podem sofrer maiores tributações, e pessoas com menor capacidade, pagam
menores alíquotas, de acordo com seu rendimento financeiro. Desse modo, a título de
exemplo, países desenvolvidos utilizam alíquotas do Imposto de Renda e ITCMD que chegam
a 50% do valor da base de cálculo, sem que a população fique indignada ou cause
desobediência civil18.

Sendo assim, tributos como o ITCMD, respeitam o principio da capacidade contributiva


em sua integralidade, visto que podemos identificar quem paga, e auxiliar na busca pelos
objetivos constitucionais da redução das desigualdades sociais e regionais.

2.3.3 Vinculados e não Vinculados Quanto à Hipótese de Incidência

15
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 67.
16
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 68.
17
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 70.
18
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 70.
9
Os tributos vinculados quanto a hipótese de incidência se refere a uma atividade ou
contraprestação do Estado como fato gerador do tributo. Como exemplo, o alvará de
funcionamento de um comércio concedido pela prefeitura de um município, é um tributo
vinculado à uma atividade do Estado (que é a expedição do alvará)19.

Já os tributos não vinculados, que constituem a maioria dos tributos presentes no


ordenamento jurídico brasileiro, têm como hipótese de incidência a simples ocorrência do
fato gerador, sem qualquer contraprestação do Estado (como o IPTU, IPVA, ITCMD, ICMS
etc.)

Desse modo, a doutrina costuma dar a nomenclatura aos tributos vinculados de “não
contributivos”, e os tributos não vinculados de “contributivos”, visto que este tem a finalidade
exclusiva de arrecadação sem qualquer contraprestação estatal, e aqueles, a finalidade de
arrecadação a partir de uma atividade do Estado.

2.3.4 Vinculados e não vinculados quanto ao destino da arrecadação

Há quem já se perguntou: “por que o IPVA que eu pago não é destinado à melhoria das
ruas da minha cidade?”. Aqui está o motivo, o IPVA não é tributo vinculado quanto ao destino
de sua arrecadação.

Tributos de arrecadação vinculada são aqueles cujo valor arrecadado é destinado aos fins
pelo qual foi instituído, como as contribuições da seguridade social, em que o produto da
arrecadação é direcionado aos cofres da própria seguridade social20.

Por outro lado, os tributos não vinculados ao destino da arrecadação têm finalidade de
abastecer os cofres públicos para aplicação em diversas esferas. Nesse caso, fica a critério do
poder público a escolha do destino do montante arrecadado, podendo tanto ser aplicado nas
ruas de sua cidade, como no custeio de parques, agentes públicos ou obras.

Os impostos são tributos não vinculados ao destino de sua arrecadação, visto que, como
citado acima, tributos como IPVA, ITCMD ou IR, não possuem um destino específico, pois
são destinados aos cofres gerais do Estado, que, a seu critério, aplicará onde achar necessário.

2.3.5 Progressivos e Regressivos

Tributos progressivos e regressivos são classificados de acordo com a relevância


econômica do fato gerador e do contribuinte. Nesse sentido, obedecem a proporcionalidade,
como menciona o professor Roberto Caparroz21:

19
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 73.
20
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 74.
21
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 80.
10
“A ideia natural do sistema tributário é a de proporcionalidade, ou seja, a manutenção de
alíquotas fixas (em termos percentuais, conhecidas como ad valorem) para todas as
manifestações econômicas atinentes a dado tributo, de modo que seria a variação da base de
cálculo o fator de impacto no montante da arrecadação.

Tal é o caso, entre muitos outros, do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos
Automotores): pouco importa se o automóvel vale “X” ou dez vezes esse valor, pois, em
qualquer hipótese, a alíquota será exatamente a mesma, desde que sob circunstâncias
semelhantes.

Nesse cenário, quanto maior a base de cálculo, maior o valor arrecadado, muito embora
a alíquota se mantenha constante.”

De forma didática, podemos chamar de progressivos os tributos que aimentam de acordo


com a capacidade contributiva de quem tem mais, e reduzem de acordo com a menor
capacidade contributiva do contribuinte. Como exemplo, há Estados brasileiros que cobram
maiores alíquotas de ITCMD de imóveis mais caros, e menores alíquotas de imóveis com
baixo valor de mercado, assim como não exigem qualquer tributação de imóveis mais
modestos.

Tributos regressivos, no entanto, mantem alíquotas fixas, como o ICMS e o IPI, o que
traz diversas problemáticas relacionadas a capacidade contributiva e a isonomia. Veja, uma
pessoa que recebe um salario mínimo, e outra pessoa que ganha dez salários mínimos devem
ambas pagar o mesmo percentual sobre o arroz, o feijão, a televisão, o celular, entre outros.

Perceba que este tipo de tributo não diferencia o contribuinte que ganha pouco e o
contribuinte que recebe muito. Por esse motivo, pessoas que possuem menor capacidade
contributiva acabam destinando parte de sua renda para produtos essenciais, sem qualquer
reserva financeira, e as pessoas que possuem maior capacidade contributiva não tem qualquer
comprometimento da sua renda com o indispensável para sobrevivência.

Para melhor compreensão da extensão desses problemas, Maria Helena Zockun, coletou
dados que revelaram, em 2004, que quem ganhava até dois salários mínimos comprometia
cerca de 48% de sua renda para pagar tributos, enquanto famílias que possuíam renda superior
a 30 salários mínimos pagavam apenas 26,3%22.

3. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O Estado tem a prerrogativa de instituir tributos previstos em lei, a isso dá-se o nome de
principio da legalidade. Mas há limites que o Legislador deve respeitar ao aplica-los. Esses
limites são previstos na Constituição Federal, e visam evitar a liberdade do legislador de criar

22
ZOCKUN, Maria Helena, Simplificando o Brasil: propostas de reforma na relação econômica do governo com o
setor privado, passim.
11
quaisquer tributos, hipóteses de incidência e alíquotas exorbitantes ou tributos surpresa.

Os “princípios são o início de tudo, o que vem primeiro, a primeira parte de qualquer
estrutura”23. Sendo assim, mediante princípios e imunidades, a Constituição limita o poder
dos entes federados de tributar o contribuinte.

O art. 150 da Constituição Federal24 dispõe a respeito das vedações (limites) que devem
ser obedecidos pelos Estados, a União, Municípios e Distrito Federal:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)”

Sendo assim, abordaremos estes limites em seguida, como o principio da Igualdade e


Capacidade contributiva. Com relação ao principio basilar da legalidade, este não será tratado
em tópico específico, devido a sua extensão e em obediência aos objetivos aqui propostos.

3.1 Princípio da Igualdade

O principio da igualdade também recebe a denominação de principio da isonomia. Nesse


sentido, busca atingir um ideal praticamente impossível, que é distribuir a igualdade material
para todos.

Nesse diapasão, igualdade material significa a materialização de situações idênticas para


pessoa iguais, e desiguais para pessoas em situações diferentes. Por esse motivo, não se fala
em igualdade formal, que é a pura e simples distribuição idêntica de igualdade para pessoas
em quaisquer situações.

Sendo assim, a isonomia trabalhada em âmbito jurídico atualmente, é a oriunda das


reflexões de Rui Barbosa, na obra “Oração aos Moços”, de 1920:
“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na
medida em que se desigualam”25.
A igualdade formal enseja a formação de Estados totalitários, como ocorreu na
segunda guerra mundial, posto que todos os atos eram pautados na lei, no entanto, as
peculiaridades de cada indivíduo devem ser relevadas na aplicação das normas jurídicas, caso
contrário, a consequência será o desrespeito às necessidades de pessoas hipossuficientes26.

Sendo assim, a igualdade é principio basilar do ordenamento jurídico brasileiro,


previsto no art. 150, II, da Constituição Federal27:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
II — instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação

23
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 80.
24
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
25
BARBOSA, Rui. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa. 1956, p. 32.
26
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 271.
27
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
12
equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por
eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos;”
O melhor exemplo de isonomia constitucional é a progressividade das alíquotas do
Imposto de Renda, que estipula o aumento gradativo do tributo de acordo com a renda
auferida. Mesmo assim, como bem esclarece o ilustre professor Roberto Caparroz, os tributos
progressivos no Brasil merecem críticas28:
“De acordo com a tabela, qualquer pessoa que receba durante dado mês valor inferior a R$
1.903,98 estará isenta do imposto de renda no período.
Isso não significa que, em termos econômicos, todos aqueles considerados isentos estejam
em situação de igualdade. Se, por exemplo, encontrássemos nossos amigos João, que
recebeu R$ 900,00 no mês, e Maria, que teve renda de R$ 1.800,00, e lhes disséssemos que
desfrutam de igual condição, certamente teríamos problemas.
Na prática, Maria recebeu o dobro de João, embora, juridicamente (para fins de tributação),
as rendas sejam equivalentes e mereçam igual tratamento, posto que ambos estariam na
mesma “gaveta”.
Se analisarmos o outro extremo da tabela, mais visíveis ainda serão as distorções.”
Acrescenta o autor, ainda, que a maior faixa de tributação, com alíquota de 27,5%, irá
incidir sobre contribuintes com renda superior a R$ 4.664,68, no entanto, acima desse
montante, não há qualquer critério de distinção, de modo que contribuintes que recebem R$
50.000,00 ou R$ 5.000.000,00 terão idêntica tributação, em todos os casos29.

Nesse sentido, a mesma situação ocorre com a incidência da tributação sobre o0


ITCMD, que, no âmbito dos Estados, que são os entes competentes para estabelecer as
alíquotas do respectivo tributo, não estabelecem, em sua maioria, a gradação do ITCMD de
acordo com o valor dos bens transmitidos ou doados.

Apesar da boa intenção do constituinte, o legislador ordinário não conseguiu (ou não
quis), estabelecer critérios que obedeçam a o princípio da igualdade, de forma a efetivar a
justiça social e economia que tanto aflige a população do Brasil.

3.2 Princípio da Capacidade Contributiva

A Constituição Federal30, ao inaugurar o Sistema Tributário Nacional, cita o principio


da igualdade contributiva, isso revela a importância do respectivo instituto, veja:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os
seguintes tributos:
(...)
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e
nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.”
Percebe-se que o dispositivo inicia com a expressão “sempre que possível”. Este termo é
alvo de críticas pelos juristas, pois “o constituinte abriu um enorme flanco, que enfraqueceu

28
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 273.
29
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 80
30
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
13
sobremaneira a vitalidade do princípio no ordenamento brasileiro”31.

Se interpretado no sentido literal, tornaria o comando legal inócuo, mas devemos dar o
sentido que nos parece incontroverso, de que o legislador quis dar maior efetividade ao
instituto.

A capacidade contributiva consiste na necessidade de distribuição de justiça, exigindo do


legislador prudência na criação de instrumentos que possam aferir a capacidade econômica
do contribuinte que deverá suportar o encargo tributário.

Para esclarecer, pode-se citar o exemplo de duas pessoas que recebem R$ 5.000,00
mensais. A pessoa “A” é solteira, e a pessoa “B” é casada, e possui dois filhos. Ambas terão
de pagar o mesmo percentual do Imposto de Renda, qual seja 27,5%. No entanto, como a
pessoa “B” possui mais responsabilidades e ônus dentro de casa, ela poderá abater as custas
com escolas, insumos médicos e relacionados, para não pagar a integralidade do Imposto de
Renda, isso porque a capacidade contributiva de “B “é menor que a capacidade econômica
de “A”.

Sendo assim, trazendo o instituto ao tema do artigo aqui trabalhado, o ITCMD, em


respeito ao principio constitucional da capacidade contributiva deve onerar mais quem
transferiu bens mais vultuosos, do que pessoas que transferiram bens de menores valores.
Desse modo, a capacidade econômica de cada indivíduo será respeitada.

4. ATUAL DISCIPLINA TRIBUTÁRIA DO ITCMD NO BRASIL

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos -


ITCMD é previsto no art. 155, I, da CF/8832:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;”

Observe que é o primeiro tributo da competência dos Estados e do Distrito Federal


previsto na Constituição. Nas constituições anteriores à Constituição Federal de 1988, “o
Estado era competente para tributar tanto as transmissões gratuitas quanto as onerosas de bens
imóveis” 33.

O ITCMD consiste na tributação da transmissão de bens móveis e imóveis, a título


gratuito, ou seja, a doação e a transmissão causa mortis. Sendo assim, em caso de transmissão
onerosa, como a venda de um imóvel, será de responsabilidade do município a competência
para tributar, por meio do ITBI, por exemplo.

31
CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ; coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 274.
32
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
33
CASTRO, Eduardo de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas. Tributos em Espécie. 2ª Ed.
Salvador: Juspodvim, 2015, pág. 582.
14
Antes da Constituição de 1988, o ITBI e o ITCMD se confundiam, pois inexistia a figura
do ITBI, de modo que tanto as transmissões gratuitas e onerosas compunham o mesmo
tributo34.

Quanto a transmissão onerosa de bens móveis, os arts. 35, 38, 39, 41 e 42 do CTN, que
tratavam da matéria, não foram recepcionados pela Constituição Federal, e por esse motivo
que os Estados possuem competência plena para legislar sobre a matéria 35.

Caso o ITCMD tenha por fato gerador a morte, o lançamento se dará por declaração, e
nas demais hipóteses será por homologação, no entanto, no caso concreto, nada impede que
o tributo seja lançado pelos fiscais de oficio.

No âmbito tributário, a doutrina cita duas funções que os tributos podem ter: fiscal e
extrafiscal. A função fiscal se refere a finalidade de os tributos carrearem recursos aos cofres
públicos. Já a função extrafiscal traduz o objetivo que alguns tributos possuem de, além de
arrecadar dinheiro aos cofres públicos, de regular a economia, ou situações sociais
importantes, como o desemprego ou o preço dos produtos no mercado interno.

Sendo assim, o ITCMD possui a finalidade precípua fiscal. Ou seja, tem como objetivo
principal a arrecadação do imposto para carrear os cofres públicos. No entanto, quando
Estados determinam a progressividade (o aumento do valor da alíquota de acordo com o valor
do bem transmitido), pode-se falar em extrafiscalidade36.

Nesse sentido, o ITCMD é classificado como tributo: não vinculado à uma


contraprestação do Estado, não vinculado quanto à destinação da arrecadação, estadual quanto
à competência de instituição, real (incide sobre um bem móvel ou imóvel), e de função fiscal,
prioritariamente.

4.1 Hipótese de Incidência ou Fato Gerador

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação tem previsão legal no art. 35 do
Código Tributário Nacional, que dispõe:
“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e
de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I- a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por
natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais
de garantia;
III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos
quantos sejam os herdeiros ou legatários.”
Apesar de o dispositivo não citar bens móveis, por autorização expressa da

34
CASTRO, Eduardo de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas. Tributos em Espécie. 2ª Ed.
Salvador: Juspodvim, 2015, pág. 582.
35
CASTRO, Eduardo de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas. Tributos em Espécie. 2ª Ed.
Salvador: Juspodvim, 2015, pág. 583.
36
CASTRO, Eduardo de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas. Tributos em Espécie. 2ª Ed.
Salvador: Juspodvim, 2015, pág. 582.
15
Constituição Federal, os Estados podem instituir ITCMD sobre doações de bens móveis.

Como supracitado, o respectivo dispositivo não foi recepcionado pela Constituição


Federal. Além disso, observe que o dispositivo não cita bens móveis, o que garante a
competência plena dos Estados e Distrito Federal para tratar a matéria.

Sendo assim, o ITCMD, de competência dos Estados e Distrito Federal tem como fato
gerador a transmissão gratuita, exclusivamente, de bens móveis e imóveis, e aos municípios
e Distrito Federal cabe a competência de tributar a transmissão onerosa de bens moveis e
imóveis, por meio do ITBI.

A hipótese de incidência recai apenas sobre bens moveis e imóveis dotados de valor
econômico, e que sejam suscetíveis de apropriação pelo homem, sejam corpóreos ou
incorpóreos. Como exemplo: “Não incidirá o ITCMD, por exemplo, sobre a doação de alguns
litros da água do mar ou mesmo sobre alguns gramas de areia da praia” 37.

Por fim, o ITCMD também incide sobre o usufruto. Como leciona o professor Carlos
Roberto Gonçalves:
"Usufruto é o direito de usar uma coisa pertencente a outrem e de perceber-lhe os frutos,
ressalvada sua substância (usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi, salva rerum
substancia)”38.
Nesse caso, haverá a incidência por se tratar de uma doação, ou seja, a transmissão a
titulo gratuito de um bem imóvel. Sendo assim, o fato gerador cumpre os requisitos para
aplicação ao do respectivo imposto.

4.2 Análise do Aspecto Temporal de Ocorrência do Fato Gerador

A “transmissão causa mortis” se refere ao instituto da sucessão, que é prevista no


Código Civil, art. 1784: “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários”. 39

No que toca o aspecto temporal, com a morte, o patrimônio do de cujus é


instantaneamente transmitido aos herdeiros e legatários. Segundo o enunciado nº 331 da
súmula do STF: “É legítima a incidência do imposto de transmissão 'causa mortis' no
inventário por morte presumida”.

Não obstante, outro conceito extraído do Código Civil é a doação:

“Art. 538. Considera-se doação, o contrato em que uma pessoa, por liberalidade,
transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”40.

37
CASTRO, Eduardo de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas. Tributos em Espécie. 2ª Ed.
Salvador: Juspodvim, 2015, pág. 584.
38
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
pág. 476.
39
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
40
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
16
A obrigação surge no momento da morte, quando se tratar do ITCMD causa mortis,
momento do qual todos os bens do de cujus, são transmitidos aos herdeiros e legatários
(ESPECIES 588). Se ocorrer a morte presumida, a incidência terá inicio no momento em que
a lei civil considerar ocorrida a morte.

Ou seja, as alíquotas deverão ser calculadas ao tempo da morte, como descreve a


súmula nº 112 do STF: “O imposto de transmissão 'causa mortis' é devido pela alíquota
vigente ao tempo da abertura da sucessão.”

Quanto à doação de bens imóveis, será o momento do fato gerador do ITCMD a


lavratura da escritura da doação, no instante em que o ato jurídico é efetivado pelos tabeliães
dos cartórios. No que tange os bens móveis, será a partir do momento em que a transferência
do bem estiver concretizada, conforme disposto pelo art. 1.226 do Código Civil41.

4.3 Sujeitos da Obrigação

Os sujeitos ativos são os Estados e Distrito Federal, que possuem competência


exclusiva para instituição do respectivo tributo. Para descobrir o Estado competente, leva-se
em consideração o foro de situação do bem. Sendo assim, se o de cujus, deixou bens em São
Paulo e Mato Grosso do Sul, compete a cada ente federativo a tributação dos respectivos bens.

No que concerne a bens moveis, competente é o Estado em que se processar o


inventário ou arrolamento, se causa mortis, ou o domicilio do doador, em hipóteses de doação
42.

O sujeito passivo será o herdeiro ou legatário do falecido, no caso de transmissão


causa mortis, e com relação a transmissão por doação, será contribuinte o donatário. Cumpre
destacar que o ITCMD é tributo de competência do legislador estadual, ou seja, a regra do
sujeito passivo pode variar de Estado para Estado.

4.4 O Valor dos Bens Objetos de Tributação

Como dito anteriormente, o fato gerador do ITCMD é constituído por imóveis ou


moveis objetos da transmissão gratuita. Por esse motivo, a base de cálculo é o próprio objeto
da transmissão.

Nesses casos, o valor é venal, ou seja, será procedida uma avaliação pela Fazenda do
Estado competente para cobrar o ITCMD, conforme dispõe o art. 38 do Código Tributário
Nacional.

Alguns Estados fixam como base de cálculo, para doações oriundas de usufruto ou
usufruto com reserva, a metade do valor venal do bem, para evitar que o bem seja tributado

41
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
42
CASTRO, Eduardo de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas. Tributos em Espécie. 2ª Ed.
Salvador: Juspodvim, 2015, pág. 590.
17
duas vezes 43.

Não obstante, o ITCMD tem suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal.
Sendo assim, a Resolução nº 09/92 do Senado dispõe sobre a alíquota máxima do imposto em
8%. Por esse motivo, os Estados devem evitar fixar alíquotas superiores a 8%, reduzindo
assim, a possibilidade de percentuais confiscatórios.

Importante mencionar, que em julgado do Supremo Tribunal Federal, não pode o


Estado vincular as alíquotas do ITCMD as alíquotas do Senado Federal:
"Por força do art. 150, L da Carta Magna, só pode aumentar tributo por lei estadual
específica e não por meio de lei que se atrele genericamente a essa alíquota máxima fixada
pelo Senado e varie posteriormente com ela, até porque o princípio da anterioridade, a que
está sujeita essa lei estadual de aumento, diz respeito ao exercício financeiro em que ela
haja sido publicada e não, per relationem, à resolução do Senado que aumentou o limite
máximo da alíquota)' 44”
Não obstante, constituem exceções à incidência do ITCMD: a) as doações entre entes
públicos, em respeito a imunidade reciproca; b) doação para moradia do cônjuge ou herdeiro,
desde que não possua outro bem; c) os localizados em zona rural, com áreas reduzidas, desde
que tenham finalidade de sustento da família do herdeiro ou cônjuge supérstite, ou também
nos casos em que não possua outro bem.

5. A NECESSÁRIA MAJORAÇÃO DO ITCMD FACE AOS PRINCÍPIOS


CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS E O DIREITO COMPARADO

O cerne deste trabalho é discutir a possibilidade de majoração do ITCMD como


instrumento hábil a efetivar a justiça social. Posto isso, vem à tona a seguinte questão: é justo
limitar o direito à herança, impondo cargas tributárias mais severas?

Hugo de Brito e Machado Segundo (2019)45, esclarecem que a herança é forma de


perpetuar a desigualdade social, visto que a “desigualdade de patrimônios (e da renda por ele
gerada) se perpetua entre as gerações”.

Desse modo, a herança reduz o mérito do esforço do labor e empenho na busca de


estabilidade econômica e social. Fundamentos estes, constitucionalmente consagrados pela
Constituição como objetivos (art. 3, inc. III) e fundamentos (art. 2, inc. II, III e IV) da
República, constituindo ofensa à dignidade da pessoa humana e isonomia material.

Diante disso, duas premissas são imprescindíveis: primeiramente, o direito a herança


é garantido pela constituição; segundo, os tributos não podem exceder o razoável, para não

43
CASTRO, Eduardo de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas. Tributos em Espécie. 2ª Ed.
Salvador: Juspodvim, 2015, pág. 592.
44
STF, RE 218.086-AgR, Primeira Turma, julgado em 8-2-2000. No mesmo sentido: STF, RE 225.956, Segunda
Turma, julgamento em 1º-12-1998
45
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário / Hugo de Brito Machado Segundo – 11. ed. –
São Paulo: Atlas, 2019, pág. 424.
18
configurar confisco46 .

Sendo assim, a discussão recai sobre a alíquota do referido imposto, visto que no
Brasil, o contraste da desigualdade social é expressivo, e o percentual que recai sobre o
respectivo tributo é irrisório, o que constitui problemática que deve ser superada
imediatamente pelo Senado Federal e pelos legisladores estaduais.

Como menciona o ilustre professor Hugo Brito e Machado Segundo (2019), as


alíquotas do ITCMD não se coadunam o atual Estado Democrático de direito, e em países
desenvolvidos, como na Europa, o percentual é diametralmente maior:
“Mesmo naqueles Estados em que as adotam de forma progressiva, são baixas (média de
4%), se comparadas às de outros países do mundo (média de 20%), e, pior que isso,
começam a incidir a partir de bases também muito baixas, muitas vezes considerando, para
o efeito de aplicação de cada faixa, o valor total do espólio, e não o montante recebido por
cada herdeiro”47.
Diante do exposto, a majoração do referido tributo poderia refletir na consolidação da
justiça social do esforço e do mérito, que reside no fato de alguém receber gratuitamente um
patrimônio do qual sequer lutou para conquistar, como exemplo, um herdeiro ou legatário.

De acordo com a Resolução n. 9/92 do Senado Federal, a alíquota máxima do imposto


de que trata a alínea “a”, inciso I, do art. 155 da Constituição Federal (ITCMD) será de 8%.
Desse modo, verifica-se que o Brasil não se alinhou aos países mais desenvolvidos, que
estabelecem, em geral, alíquotas progressivas e maiores.

Ricardo Lobos 48 (2007) cita como exemplo a Alemanha, que varia a alíquota do
respectivo imposto (Erbschaftsteuer – Und Schenkungsteuergestz) entre 3% e 70%, de acordo
com o valor do bem a ser transmitido e o grau de parentesco do donatário.

Da mesma forma, quase todos os países da União Europeia, e os Estados Unidos,


possuem alíquotas semelhantes, em respeito à justiça social e fiscal, e os princípios da
capacidade contributiva e isonomia.

Já houveram tentativas de aumento do ITCMD via legislativa. Primeiro mediante


Projeto de Emenda Constitucional, a PEC n. 60/2015 que tinha objetivo de aumentar a
alíquota para 20%49 .

Além disso, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar n.


37/2021 que visa regulamentar a cobrança do ITCMD sobre doações de heranças para

46
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário / Hugo de Brito Machado Segundo – 11. ed. –
São Paulo: Atlas, 2019, pág. 424.
47
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário / Hugo de Brito Machado Segundo – 11. ed. –
São Paulo: Atlas, 2019, pág. 425.
48
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, vol. IV – Os tributos na
Constituição / Ricardo Lobo Torres – Rio de Janeiro: Renovar. 2007, pág. 241.
49
https://bettencourt.jusbrasil.com.br/noticias/840460937/projeto-de-lei-visa-aumentar-cobranca-do-itcmd. Acessado
em 13.07.2021, as 20:28.
19
residentes no exterior50.

Em 2019, o Senador Cid Gomes apresentou projeto de aumento da alíquota do ITCMD


de 8% para 16%, que ainda tramita no Senado Federal.

No entanto, o referido projeto cita a disparidade da carga tributária sobre a herança


nos países desenvolvidos em comparação ao Brasil:

“A elevação do limite máximo do ITCMD aproxima a alíquota potencial das


praticadas nos países desenvolvidos, que, na sua maioria, tributam fortemente a herança, tanto
a antecipada em vida como a recebida após a morte. Mesmo com o aumento proposto, elas
ainda estarão distantes das alíquotas máximas utilizadas em grande parte dos países da Europa
Ocidental, como França (60%) e Alemanha (50%), Suíça (50%), Luxemburgo (48%),
Inglaterra (40%) e da América do Norte, como os Estados Unidos (40%) além de países como
Japão (55%) e Chile (25%).”

Não obstante, finaliza o pedido citando a possibilidade de maior arrecadação dos


Estados, e a consolidação da justiça fiscal, projeto esse que infelizmente não veio à realidade
tributária do nosso País.

Atualmente corre na Assembleia Legislativa de São Paulo o projeto de Lei n.


250/2020, para aumentar, dentro do limite fixado pelo Senado Federal, as alíquotas do Estado,
visando minimizar a crise fiscal provocada pela COVID-19.

Nesse sentido, as discussões sobre a justiça da natureza deste imposto extrapolam a


área do direito e recaem sobre estudos da sociologia, psicologia e economia. Apesar disso, é
sabido que o direito é ciência interdisciplinar e que deve acolher os estudos obtidos por outras
áreas do conhecimento.

6. CONCLUSÃO

De início, são necessárias alterações legislativas para evitar a tributação do ITCMD


sobre o espólio, e não sobre o quinhão recebido por cada herdeiro, fato que ocorre
frequentemente. Nesse sentido, são os ensinamentos de Hugo Brito e Machado Segundo
(2019):
“É preciso que se estabeleçam alíquotas mais elevadas para heranças de valor também
bastante elevado, e que se corrijam as bases sobre as quais incidem as alíquotas mais
baixas, e, mais importante, é preciso que se corrijam as leis dos Estados que aferem a
aplicação da escala de alíquotas progressivas a partir do total deixado pelo falecido, e não
pelo valor a ser recebido por cada herdeiro, em evidente violação aos princípios da
isonomia e da capacidade contributiva.”51
Segundo o autor, não se discute o direito de herança, que é constitucional, mas sim a

50
https://www.conjur.com.br/2021-jun-10/opiniao-reflexoes-doacao-itcmd-contexto-covid-19. Acessado em
13.07.2021, as 20:36.
51
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário / Hugo de Brito Machado Segundo – 11. ed. –
São Paulo: Atlas, 2019, pág. 425.
20
alíquota que deve ser fixada. Assim, é preciso evitar algo inexpressivo, bem como afastar o
excesso, sob pena de incorrer em tributo confiscatório, limitando o direito a herança.

Além disso, conforme entendimento consolidado no RE n. 562.045, o STF fixou tese


no sentido de que o ITCMD pode ser progressivo, em obediência ao princípio da capacidade
contributiva, visto que tal postulado não se aplica somente aos tributos pessoais.

Nessa linha, sustentou a suprema corte, que o respectivo tributo é de natureza direta,
e seu caráter progressivo não poderia configurar confisco, visto que seu teto é regulado pelo
Senado Federal.

Nessa linha de raciocínio, imprescindível a discussão sobre o teto imposto pelo Senado
Federal, posto que limita a aplicação do princípio da capacidade contributiva ao parâmetro de
8%.

Não obstante, a capacidade contributiva está intimamente ligada ao princípio da


igualdade tributária, sendo assim, a limitação à instituição dos impostos segundo a capacidade
de contribuir também ofende a isonomia estabelecida pela Constituição Federal no art. 150.

7. REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário / Ricardo Alexandre - 15. ed. rev., atual, e
ampl. - Salvador - Ed. JusPodivm, 2021

BARBOSA, Rui. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa. 1956.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

CAPARROZ, Roberto. Direito tributário esquematizado / Roberto Caparroz ;


coordenador Pedro Lenza. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

CASTRO, Eduardo de; LUSTOZA, Helton Kramer; GOUVÊA, Marcus de Freitas.


Tributos em Espécie. 2ª Ed. Salvador: Juspodvim, 2015, pág. 592.

https://bettencourt.jusbrasil.com.br/noticias/840460937/projeto-de-lei-visa-
aumentar-cobranca-do-itcmd. Acessado em 13.07.2021, as 20:28.

https://www.conjur.com.br/2021-jun-10/opiniao-reflexoes-doacao-itcmd-contexto-
covid-19. Acessado em 13.07.2021, as 20:36.

Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Disponível em


http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/CodTributNaci/ctn.htm. Acesso em: 6 de
dezembro.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de direito tributário / Hugo de Brito


Machado Segundo – 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2019
21
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário,
vol. IV – Os tributos na Constituição / Ricardo Lobo Torres - Rio de Janeiro: Renovar, 2007,
pág. 241.

STF, RE 218.086-AgR, Primeira Turma, julgado em 8-2-2000. No mesmo sentido:


STF, RE 225.956, Segunda Turma, julgamento em 1º-12-1

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