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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO PUBLICO - DIPUB

GRADUAÇÃO EM DIREITO

IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS: UMA BREVE ANÁLISE DA


EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E DA APLICABILIDADE DO IMPOSTO
DIANTE DA EXPERIÊNCIA FISCAL BRASILEIRA. 1

GUSTAVO ALBERTO FRANÇA DA SILVA FILHO

Natal/RN 2023

1
Artigo solicitado na disciplina DPU0226 – Direito Tributário Aplicado (UFRN), ministrada
pelo professor Doutor André de Souza Dantas Elali
Imposto Sobre Grandes Fortunas: Uma Breve Análise da Experiência
Internacional e da Aplicabilidade do Imposto Diante da Experiência Fiscal
Brasileira.

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar a experiência internacional atinente a


utilização e implementação do imposto sobre grandes fortunas (IGF), especialmente nos
países Europeus, que formam a grande maioria dos que aderiram a esse tipo de
tributação, além dos países da américa latina que também se utilizaram ou, ainda
utilizam o imposto. Mais precisamente, será examinado o contexto político que deu
ensejo a criação do IGF nesses países, se os objetivos que justificaram sua
implementação foram alcançados e se do ponto de vista da eficiência tributária, o
imposto alcança os objetivos esperados, melhor do que o aumento ou revisão de outras
espécies tributárias. Em continuidade, a partir desse estudo, será prescrutado, se a
efetivação do IGF no solo brasileiro, encontra um cenário propício a sua
implementação, bem como se é viável, sob o aspecto da eficiência tributária, frente a
possibilidade de revisão de outros tributos.

Palavras Chave: Imposto sobre Grandes Fortunas. Experiência Internacional.


Eficiência Tributária.

Abstract

The present article aims to analyze the international experience regarding the use and
implementation of the wealth tax (IGF), especially in European countries, which
constitute the majority of those who have adopted this type of taxation. Additionally, it
will explore the Latin American countries that have also utilized or still use the wealth
tax. More precisely, the political context that led to the creation of the IGF in these
countries will be examined, assessing whether the objectives justifying its
implementation have been achieved. From the perspective of tax efficiency, the article
will investigate whether the tax achieves its intended goals better than increasing or
revising other tax types. Continuing from this analysis, the study will scrutinize whether
the implementation of the IGF in the Brazilian context encounters a favorable scenario
and whether it is feasible from the standpoint of tax efficiency, facing the possibility of
reviewing other taxes.

1. INTRODUÇÃO

O imposto sobre grandes fortunas (IGF), encontra-se previsto na Constituição


Federal, através do inciso VII, do art. 153, competindo a União sua criação, por
intermédio de Lei Complementar, ainda não implementada pelo poder legislativo
brasileiro.
Malgrado seja inexistente a experiência brasileira com o referido imposto, a
discussão acerca da sua cobrança, foi avivada em decorrência da pandemia de COVID-
19, que além dos efeitos imediatos, gerou um déficit orçamentário póstumo, cuja carga
vem sendo suportada pela população à nível global, com o aumento de taxas e a criação
de impostos extraordinários.

Não obstante, a experiência internacional indica que o imposto sobre grandes


fortunas, ganhou folego e aplicabilidade ao longo da história, em virtude, exatamente,
de momentos históricos específicos, vivenciados pelos países que os implementaram,
justificando sua cobrança, a partir das dificuldades experimentadas ou no valor da
justiça social, mais especificamente, no caráter redistributivo do imposto.

Aliado a isso, nos países que o adotaram, empiricamente, demonstrou-se que os


problemas associados a sua cobrança, se mostram semelhantes e repetitivos, tornando-se
imprescindível a análise dessas distorções, a fim de que se elucubre se o imposto sobre
grandes fortunas atingiu, na maioria dos países que o adotou, a finalidade pela qual foi
instituído, bem como se sua criação, representa maior grau de eficiência tributária,
defronte a possibilidade de revisão de outras espécies de tributos já existentes.

Ao final, o objetivo é concluir se o imposto sobre grandes fortunas possui um


cenário favorável à sua efetivação no território brasileiro, assim como as características
necessárias para que seja um imposto com o máximo de eficiência tributária possível e,
por último, se é justificável sua implementação, frente a existência de outras espécies
tributárias, que podem fazer as vezes do IGF, como é o caso do Imposto de Renda e
outros tributos, os quais ainda não alcançam a progressividade esperada.

1.1 Breve Histórico da Introdução do IGF na Experiência Internacional.

Sem muitas delongas, a fim de adentrar logo nos aspectos práticos da


experiência do imposto à nível global, cumpre fazer uma pequena digressão, para que se
verifique como se deu o nascimento do tributação sobre grandes fortunas.

Pois bem, antes da consolidação do estado democrático de direito, com a


consequente limitação do arbítrio estatal, ou seja, antes mesmo da criação do princípio
da legalidade, o Estado cobrava impostos indiscriminadamente, e na maioria das vezes,
ao completo arrepio da capacidade contributiva dos contribuintes, o que culminou ao
longo da história em inúmeras batalhas e revoluções, instigadas pelo abuso estatal.

Inclusive - a taxação excessiva, sem a efetiva contraprestação estatal,


contribuiu sobremaneira para que ocorresse a revolução francesa e a inconfidência
mineira:

Essa forma despótica de sustentação do Estado, em que as classes populares


pagavam pesados tributos para sustentar a opulência das cortes, gerou grande
descontentamento das massas e deflagrou a Revolução Francesa em 1789,
marco inicial da Idade Contemporânea. Essa época foi marcada por diversas
revoltas e movimentos de libertação pelo mundo todo, como a Independência
dos Estados Unidos e a Inconfidência Mineira no Brasil – dois movimentos em
que os pesados impostos coloniais aparecem como causa fundamental do
descontentamento. (1). 2

Assim, houve uma inversão gradual no papel da tributação, antes voltada a


manutenção do Estado soberano, passa a constituir elemento imprescindível para a
manutenção da sociedade, revertendo-se no oferecimento de serviços públicos.

Nesse novo cenário, as primeiras experiências com o Imposto Sobre Grandes


Fortunas, originaram-se no período subsequente a primeira guerra mundial, em meio à
crise oportunizada pelo conflito armado.

Na Alemanha, por exemplo, em 1919 foi introduzido um imposto único sobre o


patrimônio líquido, com taxas que variavam entre 10-65%, com o intuito de financiar os
custos exorbitantes impostos pelo Tratado de Versalhes (1918)3.

Lado outro, com a solidificação do Estado Social no final do século XIX,


princípios como a capacidade contributiva e a progressividade, impulsionaram a adesão
dos países, mais uma vez ao imposto, dessa vez, com o intuito de se alcançar maior
justiça social, através da tributação.

Com efeito, o crescente aumento das desigualdades sociais, cumulada com a


organização das massas, incentivou a “a correção do individualismo clássico liberal
pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de justiça
social” (Silva, 1999, p. 119).

Nessa passagem, há uma mudança do papel exercido pelo direito, tendo em


vista que, enquanto imperou o Estado Liberal tinha como função apenas a manutenção
da ordem, já no Estado Social procura servir como um instrumento de transformação
social e diminuição das desigualdades4 - papel incorporado no Direito Tributário, por
meio de princípios como a capacidade contributiva, solidariedade fiscal e
progressividade.

A função da tributação no entendimento de Baleeiro:

2
DA SILVA, F. A. et al. TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADE - Uma análise sobre a progressividade dos impostos
vs. concentração de renda, no Brasil e no mundo. Universidade de São Paulo E-Disciplinas. São Paulo, 16 abr. 2019.
Disponivel em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4476756/mod_resource/content/0/Analise%20sobre%20progressividade
%20dos%20impostos%20vs.%20concentracao%20de%20renda.pdf. Acesso em: 16 abr. 2019
3
Wieland 2003 pp. 11; Schwarz 2017 pp. 39.
4
PÉREZ LUÑO, A E. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. Madrid: Tecnos, 1995, p. 226
[...] não se trata apenas de reconhecer a existência de desigualdades, mas usa-
se o Direito Tributário como instrumento da política social, atenuadora das
grandes diferença econômicas ocorrentes entre pessoas, grupos e regiões. O
princípio da igualdade adquire, nessa fase, o caráter positivo – dever de
distinguir – para conceder tratamento menos gravoso àqueles que detêm
menor capacidade econômica para distribuir rendas mais generosas às regiões
mais pobres ou menos desenvolvidas, no federalismo cooperativo. Princípios
como progressividade, pessoalidade ou seletividade servem às democracias
que se dizem compromissadas com a igualdade e a justiça social
(BALEEIRO, 1997, p.8)5

Um imposto sobre as grandes fortunas possui relevante papel diante da ideia de


solidariedade tributaria, já que contribui para diminuição das desigualdades sociais, vez
que os mais ricos arcariam com o tributo, o qual, por sua vez, reverter-se-ia em prol da
sociedade, através de políticas públicas, até mesmo com programas de transferência
direta, como o Bolsa-Família, gerando redistribuição de renda.

Na experiência Francesa, aliás, onde a tributação sobre grandes riquezas foi


inspirada por ideais de solidariedade entre a população e o governo, o imposto foi
instituído em 1981. O objetivo do imposto era de que o tributo financiasse um programa
semelhante ao Bolsa-Família, denominado pelos franceses de revenu minimum
d’insertion – renda mínima de inserção.6

Enfim, seja em decorrência da situação de penúria acarretada pelas guerras


mundiais ou pelo clamor da justiça social, fato é que o imposto sobre grandes fortunas,
não alcança grande adesão mundial.

Isto explica-se, de certo modo, em virtude dos supostos efeitos ocasionados pela
tributação de grandes riquezas, dentre eles a migração de capitais, afastamento dos
investimentos, pauperização da poupança, custos para implementação e administração
do imposto, eficiência, entre outras questões que levam o imposto sobre grandes
fortunas a não ser bem quisto à nível global.

Malgrado a taxação de grandes fortunas não tenha encontrado grande


espaço nos sistemas tributários internacionais, o presente estudo buscará se desvencilhar
de preconcepções acerca do imposto, principalmente, porque a quantidade de estudos
sobre o tributo, bem como de indícios empíricos, é escassa e as informações facilmente
acessíveis, muitas vezes se encontram contaminadas por razões pessoais ou ideológicas,
não traduzindo, dessa forma, a verdade.

5
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 8
6
LACROUX, Margaux. De l’IGF à l’IFI, l’histoire tourmentée de l’impôt sur la fortune. Libération,28 de
setembro de 2017. Disponível em https://www.liberation.fr/france/2017/09/28/de-l-igf-a-l-ifi-l-
histoiretourmentee-de-l-impot-sur-la-fortune_1599362/ . Acesso em 24 de outubro de 2023.
Dito isso, a pandemia de COVID-19 reavivou o debate mundial sobre a
instituição do imposto. No Brasil, o Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP)
apresentou na Câmara, o Projeto de Lei Complementar nº 101, de 2021, cuja ementa
descrevia como objeto da proposta:

Institui a Contribuição Extraordinária sobre Grandes Fortunas para


aliviar os efeitos da pandemia de Covid-19 que resultou na declaração
de Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em
decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV).7

Em alguns outros países foram encomendados relatórios, a fim de


subsidiar eventual implementação da taxação sobre grandes fortunas, também em
razão dos efeitos da pandemia.

Isso proporcionou uma série de novas proposições sobre como deveria


ser aplicada a taxação sobre grandes fortunas, com a criação de mecanismos que
podem auxiliar a driblar os problemas enfrentados historicamente na experiencia
internacional com o imposto.

2. O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS

Passado esse introito, cumpre descrever em que consiste o Imposto


sobre Grandes Fortunas, cabe dizer, todavia, que as experiências em torno do imposto
diferem conforme o país que o adotou.

Em linhas gerais, pode-se dizer que o imposto sobre grandes fortunas


consiste em espécie de tributação sobre a propriedade, o qual, ao invés de se limitar a
determinados tipos de bens, como o IPTU e o IPVA, busca alcançar na sua base
tributária, a totalidade de bens que exprimem a riqueza daqueles que são sujeitos
passivos do tributo.

Via de regra, a cobrança do imposto, com a incidência de sua alíquotas,


incide sobre uma ampla base tributável, a grosso modo: o patrimônio líquido do
indivíduo, calculado com base na quantidade de ativos e passivos do contribuinte ou o
patrimônio bruto.

Aliado a isso, o fato gerador, responsável pela incidência do referido


tributo, é percebido, através de um limite de patrimônio líquido ou bruto, adotado a
partir da experiência de cada país que, caso superado, faz nascer a obrigação tributária
de pagar o imposto sobre grandes fortunas.

No Brasil, à título de exemplo, o Projeto de Lei outrora mencionado,


cuja autoria é do Senador Randolfe Rodrigues, adotava como limite de patrimônio
7
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/149004
bruto para incidência do IGF, a quantia de R$ 4.670.000,00 (quatro milhões e
seiscentos e setenta mil reais). Vejamos o art. 1º do PL:

Art. 1º É instituída a Contribuição Extraordinária sobre Grandes


Fortunas para aliviar os efeitos da pandemia, incidente sobre riqueza
superior a R$ 4.670.000,00 (quatro milhões seiscentos e setenta reais),
calculada a partir do conjunto de bens e direitos do contribuinte

Pari passu,é importante ressaltar que a aplicação do imposto sobre


grandes fortunas se distingue em cada país, por diferentes limites de incidência,
forma como o patrimônio é calculado (líquido ou bruto), periodicidade da incidência
do tributo, sujeitos passivos, entre outros.

Em síntese, essas são as bases, sobre as quais o impostos é replicado em


todas as experiências internacionais que adotaram a taxação de grandes riquezas.

3. A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL COM A TRIBUTAÇÃO DE


GRANDES FORTUNAS

3.1 A Tributação de Grandes Fortunas na Alemanha

A primeira forma de taxação sobre grandes riquezas, conta com o


pioneirismo do Estado Alemão. Em 1893 foi promulgado na Alemanha o imposto sobre
a riqueza da Prússia. O imposto foi introduzido com a finalidade de financiar os custos
da unificação Alemã, que fortaleceu o Reino da Prússia, utilizando-a para guerrear com
os vizinhos austríacos e franceses.

Em 1919, já na República de Weimar foi instituído um imposto único


sobre o patrimônio líquido, diante das condições históricas, que previa taxas entre 10-
65%. Dessa vez, o imposto foi introduzido em decorrência da crise econômica
vivenciada no país depois da primeira guerra mundial. A tríplice aliança, composta pela
Alemanha, Áustria e Itália, saiu perdedora no conflito, no entanto, a Alemanha foi
considerada a principal instigadora do conflito e, portanto, foram impostas condições
especialmente severas a ela, por meio do Tratado de Versalhes.

Assim, a instituição da taxação sobre grandes fortunas, representava


uma medida extraordinária, cujo objetivo não era a redistribuição de riquezas ou
diminuição da desigualdade social, mas a reestruturação de uma nação colapsada pela
guerra. Além disso, as potencias vencedores obrigaram-na à arcar com autos impostos
devidos a estes países, de modo que a arrecadação com o tributo, também serviria para
adimplir com essa obrigação.8

8
SENNHOLZ, H. F. A hiperinflação alemã, 1914 -1923. Mises Brasil, 2008. Disponível em:
https://mises.org.br/artigos/128/a-hiperinflacao-alema-1914-1923. Acesso em 25 de outubro de 2023.
Nesse primeiro momento, o IGF Alemão apresentava caráter
estritamente extraordinário, tendo em vista que seria cobrado em uma parcela única e
com taxas exorbitantes (10-65%), facultando-se aos contribuintes o pagamento
parcelado da obrigação tributária, com a finalidade de suprimir, o mais rápido possível,
a escassez de recursos.

Com efeito, a taxação sobre grandes fortunas, por meio de um imposto


que incida somente uma única vez sobre a riqueza do indivíduo, constitui uma
alternativa agradável, pois além de ser uma resposta excepcional e única a uma crise
específica, minora os infortúnios gerados pela instituição de um imposto anual sobre a
riqueza, como será mais abordado nos tópicos subsequentes.

Posteriormente, em 1922, foi implantado um imposto anual sobre a


fortuna, cuja cobrança era feita anualmente, atingindo aqueles cujo patrimônio líquido
excedesse determinando montante, isto é, a base de cálculo era apurada, a partir da
análise do total de ativos que incorporam o patrimônio do contribuinte menos o seu
passivo (dívidas).

O imposto era cobrado com alíquotas que variavam de 0,7% para 1%,
essa a diferença de alíquotas em relação ao imposto único, se dá, justamente, diante da
possibilidade de elevar a taxa, caso o imposto incida uma única vez, ao revés do que
ocorre na cobrança anual, por óbvio.

Um dos grandes problemas experimentados na taxação sobre grandes


fortunas na experiência Alemã, consistia na dificuldade de apuração da base de cálculo,
que era feita através de avaliações extremamente complexas e, assim, gerava um custo
administrativo alto, para que o fisco alemão fiscalizasse o recolhimento do tributo.

Aliás, conforme explicam Bruna Marques Alves e Francisco Carlos


9
Duarte:

Na Alemanha o tributo sobre o patrimônio atinge contribuintes que


dispõem não apenas de bastante dinheiro, mas também de poder
econômico e político. Sua compreensão original era a de um
complemento do imposto de renda, incluindo posteriormente as
pessoas jurídicas. Esse imposto é dependente de uma correta e
criteriosa avaliação do patrimônio. O parágrafo 271 do Código
Tributário Alemão descreve os critérios e indica a lei de avaliações
(com 123 parágrafos e 1698 páginas) para a base de cálculo do
lançamento. É utilizada uma declaração do patrimônio global (válida
por três anos) e a alíquota foi reduzida de 1% para 0,7%.

9
ALVES, Bruna Marques; DUARTE, Francisco Carlos. O Imposto sobre Grandes Fortunas e a Promoção da
Justiça Fiscal. Revista do Mestrado em Direito. Brasília, jun. 2015. p. 297-298
Cumpre salientar, que a dificuldade na apuração da base de cálculo do
imposto, não se restringe apenas a experiência Alemã, mas é decorrência natural da
tributação sobre grandes fortunas, visto que, ao contrário de outras espécies tributárias,
a base de cálculo é muito ampla e é aferida, em suma, a partir do conjunto total de
bens do indivíduo.

Passada a recessão, os efeitos da tributação sobre grandes riquezas na


Alemanha, apresentou resultados que diminuíram a eficiência tributária do imposto ao
longo do tempo, culminando em 1997 na sua abolição pelo Tribunal Constitucional
Alemão.

O fenômeno que se observou foi a migração de capitais alemão para


países vizinhos com modelos tributários menos impositivos e mais propensos a
acumulação de riqueza.10

Além disso, o imposto sobre a riqueza era propenso à subdeclaração e à


evasão fiscal. Isto porque, a avaliação de riqueza, como arte, joias e outros bens de
luxo, dependia em grande parte da veracidade do contribuinte e raramente foram
declarados.

Ademais, já no ano de 1996, o imposto sobre a riqueza alemão,


representou apenas 1% de toda a receita fiscal 11, o que levou, sem sombra de dúvidas,
a questionamentos sobre a eficiência tributária da taxação de grandes riquezas, frente
aos efeitos deletérios de migração de capitais.
Lado outro, os argumentos centrais para a extinção, podem ser
encontrados na seguinte lição de Pedro Humberto Bruno de Carvalho:

(...) em primeiro lugar, os ativos imobiliários eram avaliados pelo seu


valor cadastral, profundamente defasados, e os ativos financeiros eram
avaliados a valores de mercado. Logo, havia uma grande iniquidade
horizontal entre os possuidores de riqueza imobiliária e os
possuidores de riqueza financeira. Em segundo lugar, a tributação
direta por meio do Imposto de Renda e do imposto ocasionaria
situações de tributação superior a 50% da renda das famílias ou do
lucro de pessoas jurídicas, o que seria considerado inconstitucional.
O processo avaliatório é um problema na tributação sobre a propriedade
na Alemanha porque o país tem uma Lei geral de avaliações que deve
ser aplicada a todos os impostos. Para os imóveis, não há novas
avaliações desde a década de 1970.

10
SENNHOLZ, 2008. Acesso em: 19 mar. 2019.
11
Bach e Beznoska 2012 p. 13.
A avaliação de ativos era bastante complexa, com a existência de
valores mínimos para os bens serem considerados na base tributável. Ademais, a
depender das classes de ativos, tinham-se diferentes métodos para alcançar o seu valor
e, ainda, haviam os bens que se encaixavam em determinadas classes e, portanto, eram
isentos ou eram subvalorizados em um percentual fixo.12

Outro problema, mas que também decorria da dificuldade de avalição,


era a falta de isonomia na cobrança do imposto, pois os bens imóveis, por exemplo,
eram avaliados com base em uma avaliação pretérita, cujo valor se encontrava
defasado, ao passo que os ativos financeiros eram avaliados pelo seu valor de
mercado. Isso gerava um desequilíbrio entre aqueles que detinham seu patrimônio,
prioritariamente, em bens imóveis, face os que acumulavam mais ativos financeiros.

Portanto, o que se percebe na experiência Alemã, é que o imposto sobre


grandes fortunas não se mostrou, ao menos no período subsequente as grandes guerras,
eficiente do ponto de vista da tributação, se confrontado com a alta complexidade de
avalição da base tributável e a migração de capitais, bem como, a possibilidade de
incremento de outras espécies tributárias já existentes.

Por fim, cumpre trazer a baila, a conclusão adotada no relatório


produzido pela Comissão de Imposto Sobre Grandes Riquezas, que foi criada com o
objetivo de discutir especialmente nos países europeus, a pertinência da instituição do
imposto para financiar os custos provenientes da Pandemia de COVID-19. Pois bem,
de acordo com o relatório no qual foi abordada a experiência Alemã, elaborado por
Ruben Rehr13, alcançou-se as seguintes conclusões sobre a reintrodução do IGF:

a) Os efeitos secundários de um imposto sobre a riqueza não


justificam sua implementação, como:
a.1) os elevados custos de cobrança tanto para as autoridades fiscais
como para os contribuintes;
a.2) a sua propensão para a evasão fiscal;
a.3) seus efeitos potencialmente prejudicais na concorrência global
para atrair empresas e investimentos;
a.4) se o Estado necessitar de ainda mais fundos, o aumento das
taxas do imposto de renda será mais fácil de administrar pelas
autoridades fiscais e mais fácil de cumprir pelos contribuintes.

3.1 A Tributação de Grandes Fortunas na França

Ao passo que na Alemanha o imposto sobre grandes fortunas foi


instituído, visando remediar o colapso financeiro experimentado no país à vista da

12
§ 115 BewG 1996 (Lei de Avaliação).
13
https://www.wealthandpolicy.com/wp/BP131_Countries_Germany.pdf - acessado em 27 de outubro
de 2023
primeira guerra mundial, na França, o IGF surge como expressão de distribuição de
renda e solidariedade.

Com efeito, a cobrança do imposto era vinculada a um programa de


transferência direta de renda do Governo Francês, semelhante ao bolsa-família
brasileiro, de modo que o pagamento do IGF seria voltado a pagar os custos
provenientes do programa. Inclusive, à época foi denominado Imposto Robin Hood,
justamente pelo caráter eminentemente redistributivo.

O Impot sur les Grandes Fortunes (Imposto sobre Grandes Fortunas)


foi implementado em 1982 e, diante dos fortes debates em seu entorno, foi extinguido
em 1986, mas retomado dois anos seguintes, com a reeleição do presidente que o
instituiu. Primordialmente, o imposto incidia sobre o patrimônio líquido acima de
oitocentos mil euros, com alíquotas que variavam de 0,55% a 1,88%.

Apesar dos argumentos que o mantiveram por longo período no sistema


tributário Francês, o imposto provocou elevada migração de capitais, que, caso
comparada ao potencial de arrecadação do imposto, não justificaria sua manutenção.
Aliás, em pesquisa realizada em 2009 14, constatou-se que o IGF Francês teria
provocado uma fuga de capitais, desde 1988, que chegava a 200 bilhões de euros.

Aliado a isso, do mesmo modo que na experiência alemã, a avaliação


era extremamente complexa:

(...) não era tecnicamente simples, posto ter de ser regulado em um


decreto que ocupara duas páginas e meia do jornal oficial,
complementado por uma instrução geral, com 35 páginas, uma
instrução detalhada com 150 páginas, um guia de avaliação dos bens
com 200 páginas e diversos outros atos, em um total de cerca de 500
páginas.15

A complexidade do procedimento avaliatório, além de decorrer da


ampla base de cálculo sobre a qual incide o imposto, também é fruto da isenções criadas
pelo Governo Francês, dentre elas, a isenção de bens profissionais, por exemplo.

Tais dificuldades, quando somadas, repercutem no caráter isonômico da


cobrança do tributo. Isto porque, ao isentar bens profissionais ou outros bens, a
dificuldade prática na aplicação das isenções, geram interpretações distintas em torno da
questão, o que por vezes pode beneficiar certos contribuintes à guisa de outros.

14
Pichet, Eric, France’s 2011 ISF Wealth Tax Reform: Logic, Risks and Costs (June 2, 2011). La Revue
de Droit Fiscal, Vol. 2, No. 22, June 2011, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=1865814
15
MAMEDE, 2018, n.p.
À título de exemplo, caso a profissão de investidor seja levada a sério,
poderiam as ações que possui nas bolsas de valores serem isentas, por tratarem-se de
bens profissionais, já que o investidor as utiliza para exercer a sua profissão?

Essa e outras questões podem ser levantadas em torno dos bens que
devem ser considerados isentos. A ampliação do conjunto de bens isentáveis,
ocasionaria, portanto, mais complexidade e tratamentos desiguais entre os
contribuintes, o que sobrelevou os problemas da experiência francesa.

Em suma, a forte migração de capitais, acompanhada dos altos custos


para fiscalizar o pagamento do tributo e a complexidade do procedimento avaliatório,
culminaram em 2018, na extinção do IGF francês pelo então Presidente Emannuel
Macron.

4. CONCLUSÃO – VIABILIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DO IMPOSTO


NO BRASIL

Pois bem, a partir da análise da experiência francesa e alemã com o


IGF, é possível extrair algumas conclusões a respeito das mazelas que acompanham,
de maneira geral, o tributo, quais sejam:

A) Complexidade do procedimento avaliatório, que geram custos não


só para a administração, mas para o contribuinte que precisa
declarar o imposto;

B) Migração de Capitais;

C) Afastamento de investimentos;

D) Subdeclarações;

E) culminando, em uma Baixa arrecadação de recursos ou eficiência


tributária;

Dito isso, caso o imposto fosse implementado no Brasil, alguns desses


efeitos poderiam ser potencializados em decorrência das características do Estado e do
sistema tributário brasileiro.

Isto porque, primeiro, o Brasil é um país de proporções continentais e


com uma alta gama de diversidade e desigualdades regionais, o que dificultaria, até
mesmo a classificação do que seria a riqueza tributável em cada Estado, tendo em vista
que R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em Natal/RN, por exemplo, não traduz a
mesma riqueza financeira do que os mesmos um milhão de reais em São Paulo/SP.
Somado a isso, a potencialização da migração de capitais e elisão fiscal
se multiplica no Brasil, não só pela forte crise econômica que, consequentemente, faz as
empresas e os detentores de riquezas tentar a todo custo minorar sua carga tributária,
mas em razão da corrupção que atinge o Governo, que desincentiva a população a
contribuir com o Estado.

O efeito supracitado não pode ser menosprezado, porque quando


estudada a experiência tributária no exterior, apesar de também haver elisão e evasão
fiscal, a população em geral é mais adepta ao pagamento de tributos, em razão da
reversão em prol da sociedade ser, de fato, eficiente.

Lado outro, a proporção continental do Brasil acarretará maiores custos


com a fiscalização do procedimento declaratório do imposto, porque a riqueza não se
encontra apenas localizada no litoral, à exemplo dos grandes latifúndios afastados da
faixa litorânea, sendo necessário o deslocamento in loco dos agentes para apurar a
riqueza constituídas em bens e animais, por exemplo.

A dificuldade no sistema avaliatório pode ser minimizada, através do


cruzamento de dados entre os sistemas da receita federal e demais órgãos do Governo,
detentores de informações sobre os bens e ativos dos contribuintes. Apesar dessa
possibilidade, inaugurada pelo avanço tecnológico, grande parte dos bens móveis e
imóveis, ainda não se encontram relacionados em quaisquer sistemas informacionais, de
modo que o problema avaliatório permanece, de qualquer modo.

Logo, à guisa das outras experiências, eventual implementação do IGF


no Brasil, sem dúvidas, apresentará as mesmas mazelas experimentadas na Alemanha e
na França, senão maiores ou mais potencializadas pelo problemas internos, próprios de
um país subdesenvolvido.

Portanto, a margem da criação de um Imposto Sobre Grande Fortunas,


acredita-se que a revisão de outras espécies tributárias, seja mais vantajosa na
experiência brasileira, especialmente, em razão do menoscabo da aplicação de
princípios como progressividade e capacidade contributiva na arrecadação.

Ora, caso comparemos as alíquotas e taxas de impostos semelhantes ao


ITCMD e ao Imposto de Renda na experiência internacional 16, vislumbra-se a utilização
de taxas muito mais elevadas, a depender da faixa (progressividade) alcançada pelo
contribuinte.

REFERÊNCIAS

16
https://g1.globo.com/economia/imposto-de-renda/2019/noticia/2019/04/28/veja-como-e-o-imposto-
de-renda-no-brasil-e-em-outros-paises.ghtml
1. DA SILVA, F. A. et al. TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADE - Uma análise
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9. ALVES, Bruna Marques; DUARTE, Francisco Carlos. O Imposto sobre


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11. Bach e Beznoska 2012 p. 13.

12. § 115 BewG 1996 (Lei de Avaliação Alemã).

13. Financing COVID-19 costs in Germany: is a wealth tax a sensible approach?


Disponível em: https://www.wealthandpolicy.com/wp/BP131_Countries_Germany.pdf
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14. Pichet, Eric, France’s 2011 ISF Wealth Tax Reform: Logic, Risks and Costs
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15. MAMEDE, 2018, n.p.

16. Veja como é o Imposto de Renda no Brasil e em outros países, disponível em:
https://g1.globo.com/economia/imposto-de-renda/2019/noticia/2019/04/28/veja-como-
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