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Está péssimo, mas qual a proposta?


Folha de S. Paulo

Marcos Cintra – 10/07/2006

É importante que a sociedade tome conhecimento de que já passou da hora de fazer a reforma tributária

É DIGNA de louvor a mobilização que algumas entidades promovem apontando as disfunções da atual estrutura
tributária e fiscal no Brasil. O movimento denominado “Quero Mais Brasil” enfatiza a necessidade de maior eficiência
nos gastos públicos, e entidades empresariais criaram o “impostômetro”, um painel instalado no centro de São Paulo
que mostra, ainda que simbolicamente, a evolução da arrecadação de impostos. Há ainda os que clamam pela
discriminação nas notas fiscais dos tributos embutidos nos preços dos produtos.

Cabe destacar também a campanha da rádio Jovem Pan intitulada “Brasil, o país dos impostos”. Nela, a emissora
mostra o elevado ônus tributário que o brasileiro suporta na sua rotina diária e que a carga global por aqui é maior
que a de muitas economias ricas.

Esses movimentos acertam em mostrar a elevada carga tributária e o desperdício dos gastos governamentais.
Porém os efeitos práticos desses atos estão esgotados.

A sociedade brasileira tem consciência de que o peso dos impostos é exagerado, de que a sonegação é um
fenômeno arraigado na cultura do país, de que o custo para cumprir a legislação é elevado e de que o retorno social
dos tributos pagos é reduzido. Ademais, o consumidor já sabe, de longa data, que impostos representam de 30% a
70% do preço das mercadorias que ele adquire.

Em vez de bater repetidamente na mesma tecla, os movimentos organizados deveriam evoluir para a apresentação,
com seus diagnósticos, dos projetos que defendem para mudar a caótica estrutura tributária. De pouco vale
bombardear a população a todo instante com informações conhecidas.

Em junho, por exemplo, o “impostômetro” revelou um fato lamentável, que a arrecadação de tributos em 2006 bateu
em R$ 400 bilhões, 25 dias antes que o registrado em 2005. Mas o que a sociedade deseja realmente é saber como
evitar tais abusos e anomalias.

Até 1990, quando a Folha publicou o artigo “Por uma revolução tributária”, em que apresentei o projeto do Imposto
Único sobre Transações para lastrear uma proposta de reforma do sistema de tributos no Brasil, pouco se falava em
reforma tributária. Após a divulgação dessa proposta, a questão dos impostos passou a ser debatida intensamente,
a ponto de o governo constituir uma Comissão de Reforma Tributária, coordenada pelo tributarista Ary Osvaldo
Mattos Filho, que foi incumbida de estudar o assunto.

Cabe salientar que o polêmico Imposto Único impactou o pensamento ortodoxo ao demonstrar os benefícios de um
sistema não-declaratório. Foi capaz de converter até alguns artífices da estrutura tributária em uso no país, como
Roberto Campos, que publicou artigos em prol desse novo modelo. A partir de então, várias entidades públicas e
privadas passaram a produzir estudos sobre a questão, mas com pouco proveito prático.

A crescente divulgação das anomalias contidas na estrutura tributária brasileira e a conscientização acerca da
ineficácia das propostas de reforma baseadas em idéias ortodoxas, típicas de livros-texto de finanças públicas,
tornaram o Imposto Único uma alternativa viável, e a população passou a assimilar a idéia, como apurado em duas
pesquisas de opinião pública.

Em 2002, o Datafolha mostrou que 63% das pessoas que conheciam o Imposto Único eram a favor da proposta, e
em 2004 o CNT/ Sensus concluiu que 64% dos entrevistados eram favoráveis ao projeto. Mas, infelizmente, a
estrutura pública aproveitou-se da proposta apenas para criar o IPMF/ CPMF, mais um imposto no já gongórico
sistema tributário brasileiro.

Por uma série de fatores, a sociedade mostrou-se incapaz de promover uma reforma tributária ao longo dos últimos
20 anos de debates e de pressão dos contribuintes. Também não foi capaz de promover uma reforma baseada na
predominância da tributação sobre movimentação financeira. Lobbies e interesses contrariados atuaram no sentido
de manter a estrutura declaratória do atual sistema.

É importante que a sociedade tome conhecimento de que já passou da hora de fazer a reforma tributária. O povo
está exausto de saber que a estrutura tributária é ruim, pois a vive diuturnamente. A sociedade clama por projetos
que mudem essa realidade. Esse é o desafio que se apresenta aos movimentos organizados.

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de “A verdade sobre o
Imposto Único” (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

Internet: www.marcoscintra.org

mcintra@marcoscintra.org

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