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A inadiável reforma tributária

Hélio Duque

Em ano de eleições gerais, a sociedade deveria exigir dos


candidatos uma posição clara sobre a urgência de uma Reforma Tributária. É
prioridade nacional intransferível. Nos últimos 25 anos, desde a Constituição de
88, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) foram criadas
155.954 normas federais na área tributária. Recorde de 19 por dia. Deveria ser
consenso brasileiro saber que, desde o gasto familiar ao orçamento das
empresas, é insuportável o assalto tributário a que estão submetidos.

Em 1979, a Câmara dos Deputados instalou a CPI de


Empobrecimento dos Estados e Municípios. No último governo do ciclo autoritário,
general João Figueiredo, a concentração tributária nos cofres da União,
esmagava Estados e Municípios gerando situação de humilhante dependência ao
poder central. O MDB ficou com a relatoria daquela CPI. O deputado Ulysses
Guimarães indicou-me para ser o relator. Ao longo de meses, com depoimentos
de ministros, governadores, prefeitos e respeitáveis tributaristas, o relatório final,
aprovado unanimemente, sugeria estruturais mudanças. O senador Paulo
Brossard, líder do partido no Senado, editou como livro o relatório final, dando o
título: “ICM, uma política antinacional”. Na Constituinte, muitas propostas nascidas
naquela CPI, foram transformadas em Lei.

Um quarto de século depois, as distorções do sistema tributário


brasileiro, em diferentes governos, deformaram aquelas conquistas. Hoje a
arrecadação voltou a ser concentrada no governo central. A divisão é desigual: a
União, do total de impostos, fica com 67%; os Estados e Municípios ficam com
33%. O enfraquecimento da Federação (Estados e Municípios) é flagrante,
levando a crônica dependência ao governo federal. Ficam os Estados e
Municípios de pires na mão aos humores e boa vontade do governante da União.

O relativo equilíbrio no recolhimento de impostos, nos três níveis de


governo, promovido pela Constituição de 1988, foi anulado com aceitação e
passividade bovina dos governadores e prefeitos. Os grandes perdedores,
mesmo tendo poder de pressão sobre o Congresso Nacional, em função dos
mandatos parlamentares se originarem nos Estados e Municípios, não se
empenham na defesa da Reforma Tributária (com letras maiúsculas). Convivem
com o sistema tributário injusto, mas temem uma reforma que levem em um
primeiro momento, a redução da arrecadação. E nisso tem a implícita
solidariedade do governo da União. Ninguém quer perder dinheiro, mesmo
gastando muito e mal. Reformar significa a redução dos gastos governamentais,
reduzindo o supérfluo e a corrupção triunfante.

Sem essa mudança estrutural, não há saída para uma realidade que
arrecada tributos de primeiro mundo e oferece serviços de padrão etíope. O
contribuinte é escorchado por uma carga tributária mastrodômica e recebe a
contrapartida dos serviços públicos de baixíssima qualidade. Daí o crescimento
dos serviços privados. Seja na educação dos filhos em escolas particulares, nos
planos de saúde privados, na contratação das empresas de segurança pública,
ante a crescente violência urbana. A lista de carências não atendidas na área
pública é extensíssima.

“O governo brasileiro desprezou a tributação como um dos melhores


instrumentos de erradicação da pobreza e de redução das desigualdades sociais,
que constituem objetivos fundamentais da República, conforme prevê a nossa
Carta Maior. Nesse sentido, a distribuição de renda e riqueza deve ser um dos
objetivos principais de todo e qualquer projeto de Reforma Tributária.” O Sindicato
Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, sintetiza nessa transcrição
que a reforma deve ser uma prioridade nacional e não um eterno projeto,
destacando: “Todo o sistema tributário deve buscar um equilíbrio entre o fator
trabalho e o fator capital.”

Hoje esse desequilíbrio é real. A tributação sobre consumo é de


49%, demonstrando que o pobre paga o mesmo valor das pessoas que tem renda
elevada e se situam no patamar de riqueza. Sendo regressiva é cruel e injusta.
Exemplo: recentemente, numa compra em supermercado no valor total de R$
1.585,96. A mercadoria levada recebeu 36,7% de tributos, exatamente R$ 581,98.
A multiplicação de tributos de natureza arrecadatória é brutal. São 6 sobre bens e
serviços: IPI, Cofins, PIS, Cide, ISS e ICMs. Sobre lucro mais 2: Imposto de
Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre Lucro Líquido. O apetite
arrecadador é pantagruélico.

O tributarista Antoninho Marco Trevisan, dos maiores especialistas


na área, há alguns anos, formulou proposta que é de uma atualidade
impressionante. Apontou 4 pontos: 1 – Substituir as 27 legislações estaduais do
ICMs por uma única; 2 – Neutralizar a guerra fiscal, cobrando o imposto no
Estado destinatário da mercadoria e não mais na origem; 3 – Juntar Cofins, PIS,
Salário educação e Cide em uma único tributo. Seria o IVA (Imposto do Valor
Adicionado; e 4 – Incorporar a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) ao
Imposto de Renda das pessoas jurídicas.

Seria avanço positivo, a adoção dessas medidas simplificadoras e


antiburocráticas. Representaria o ponta pé inicial para a reestruturação do
perverso e injusto sistema tributário nacional.

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual


Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros
sobre a economia brasileira.

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