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Política Econômica
26/03/2012 - 00h00 | Atualizado em 26/03/2012 - 08h15 0
BRASÍLIA - "Que instrumento dispõe os governadores dos estados mais pobres para promover o
desenvolvimento de seus estados? Incentivos fiscais. Então nós temos de ver essa ideia da guerra fiscal
e começar a pensar na competição fiscal lícita, dentro da lei".
Quem pergunta e responde é uma das maiores autoridades do País em questões tributárias, o ex-
secretário da Receita no governo Fernando Henrique Cardoso, em entrevista exclusiva ao DCI. Ele falou
na condição de integrante da comissão de 12 notáveis designados na semana passada pelo presidente
do Senado, José Sarney, para discutir a questão da crise do pacto federativo.
DCI: Porque está acontecendo nesse momento a discussão do Pacto Federativo? Ele precisa ser
reformulado?
Everardo Maciel: Na verdade, a Federação vive há muito tempo uma crise, e essa crise se revela em
problemas que tomaram uma dimensão política impressionante. Por exemplo, o petróleo é uma
questão que criou uma situação quase de conflagração no Congresso. O Fundo de Participação dos
Estados [FPE], que o Supremo Tribunal Federal entendeu, por unanimidade, que os critérios de
vigência são inconstitucionais, criou uma comissão para que o Congresso estabelecesse novas regras
constitucionais até o final deste ano, sob pena de, no próximo ano, não ocorrerem mais transferências
por conta do Fundo de Participação dos estados, o que seria uma coisa caótica.
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A competição fiscal lícita deve prevalecer - DCI Diário Comércio Indústria & Servi... Página 2 de 4
Uma outra questão importante que neste momento está sendo discutida no Senado por meio de
audiências públicas é a guerra fiscal, especificamente a guerra fiscal dos portos. Isso é uma questão que
tem a ver com um processo de desconcentração da atividade econômica do País. O uso de incentivos
fiscais, entretanto, o que tem sido qualificado como guerra fiscal é aquilo que o Supremo, em
julgamento realizado em junho passado, qualificou como ilegal. Ou seja, a concessão de incentivos
fiscais a revelia do Conselho de Política Fazendária e contrariando o que está definido na Lei
Complementar 24/1975, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. E ainda outra
questão, para ficar no mesmo patamar, é necessária e indexação da dívida dos estados e municípios.
Portanto, por via indireta, está havendo um confisco de desequilíbrio entre os estados e os municípios,
e esse desequilíbrio entre o funding desse financiamento que a dívida pública federal e os juros
cobrados das dívidas gera um desequilíbrio, e isso tem sido suscitado por governadores e prefeitos e
precisa de revisão. Esses problemas são sintomas evidentes de que há uma crise na Federação, como
poucas vezes se viu.
EM: Primeiro eu gostaria de esclarecer: nós temos uma visão mítica de reforma tributária, que a
reforma tributária é uma utopia, é o que se pratica na Europa, nos EUA, na América do Sul e no Brasil.
Não existe uma ou única reforma tributária. Essa é uma expressão que é usada em sentido reducionista.
Reforma é um processo que trata de questões que interessam à matéria e ao tema tributário.
DCI: A questão do pacto federativo envolve a questão dos estados, municípios e União. Alegam que o
poder de arrecadação está concentrado na União, isso é verdade?
EM: Em parte isso é verdade. Por outro lado, isso é meio diferente. É um processo de descentralização
anárquica que gera segregação. Nós nunca fomos capazes de estabelecer uma política de
descentralização de encargos de forma harmônica. O Brasil não pode ser classificado, no contexto das
federações do mundo, como uma federação descentralizadora. Ao contrário, alguns estudos feitos nos
anos 1990 mostravam que o País do ponto de vista de centralização de suas receitas, no universo das
federações, era a segunda mais descentralizada do mundo. A mais descentralizada era a da Iugoslávia,
hoje fragmentada. Pode-se dizer que o Brasil é um país descentralizado, mas com uma descentralização
desorganizada.
Por exemplo, nós temos critérios muito precisos para fazer partilha de rendas, tantos por cento para
imposto de renda, outro tanto de IPI etc. Todos os critérios estão expressos na Constituição Federal
com absoluta precisão. Essas são chamadas as transferências obrigatórias. Mas ocorrem com isso, as
transferências voluntárias também, elas que vêm do Congresso que são as emendas parlamentares que
vêm da Receita Geral da União para auxiliar os municípios em suas obras. E tudo é um pouco
desorganizado. Não só desorganizado como perniciosa, porque é de onde vem boa parte da degradação
do patrimônio público e da corrupção que existe no Brasil. Quando algumas pessoas me indagam sobre
os escândalos de corrupção com o dinheiro público, eu digo que, enquanto existir essa desorganização
nas transferências voluntárias, sempre vai existir esse tipo de coisa. Porque hoje, uma das motivações
que faz alguém participar de todo o processo político eleitoral é justamente a possibilidade de
apresentar emendas para beneficiar municípios e estados e isso abre mais espaço para tanta corrupção.
DCI: Mas os parlamentares alegam que isso é a base da democracia, pois eles podem atender aos
redutos eleitorais.
EM: Os estados e municípios não autorizam concluir que no Congresso haja vereadores federais. Ou
seja, nós temos uma partilha clara de encargos. E esses são os encargos da União, nós estamos tratando
dele e não do orçamento dos estados ou dos municípios. Esses devem ser tratados separadamente nos
estados e municípios.
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DCI: Os municípios reclamam que foi aprovado o piso do magistério e não há, na União, o repasse
devido para o cumprimento dessa obrigatoriedade, por que isso acontece?
EM: A rigor, não deveria existir um piso nacional de ensino. Como podemos falar de piso nacional de
ensino, se os municípios e os estados têm capacidades financeiras distintas e não podem nesse contexto
ter uma obrigação estabelecida de forma generalizada. Isso é um equívoco.
EM: Existe, sim, nos outros países, mas é aplicado de forma diferente. No Brasil isso é desorganizado.
Nós somos os campeões da descentralização desorganizada, não há nada parecido com o que acontece
aqui em todo o planeta. Isso deve ser modificado, mas esse assunto não é um tema que deva ser tratado
por comissões, mas inscrito para que seja amplamente debatido.
EM: Devemos ver isso com ponderação. É evidente que guerra fiscal é ilegal e nesse universo dos
portos, a guerra fiscal conspira contra interesses nacionais. Agora, eu não posso ver esses pontos sem
pensar em realidades que possam levar à rediscussão das regras contratadas. Que instrumento dispõe
os governadores dos estados mais pobres para promover o desenvolvimento de seus estados?
Incentivos fiscais. Então nós temos de ver essa ideia da guerra fiscal e começar a pensar na competição
fiscal lícita, dentro da lei. Fazendo aquilo que sempre existiu e vai continuar existindo.
EM: Desde que eles estejam dentro desse contexto que eu mencionei, dos critérios de compensação. O
modelo que hoje existe é puramente político. A ação deve ser realizada com base nas experiências
políticas passadas. É necessário custear mão de obra, recursos, etc. O que acontecer daqui para frente
são as correções com soluções mais consistentes, porém sem resultados e enganos materiais imediatos
e abruptos sobre essas transferências.
EM: Em relação ao FPE o Supremo já decidiu que os critérios são inconstitucionais, sobre o FPM é
possível que ele decida da mesma forma. Uma hipótese possível é retornar à boa situação anterior, do
Código Tributário Nacional.
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