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Cartórios não podem exigir certidão negativa de tributos - Revista Jus Navigandi - ...

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Jus Navigandi
http://jus.com.br

Inexigibilidade da certidão negativa de tributos


para práticas de atos notariais e de registro
público
http://jus.com.br/revista/texto/21154
Publicado em 02/2012

Kiyoshi Harada (http://jus.com.br/revista/autor/kiyoshi-harada)

Apesar de decisões do STF, publicadas nos idos de 2009, declarando


a inconstitucionalidade do ato, os registros de imóveis continuam exigindo a
formalidade da apresentação de certidão negativa do IPTU para registro do
título aquisitivo ou averbação de construções.

A prova de quitação de tributos faz-se por meio de certidão negativa conforme dispõe o
art. 205 do CTN.

A sua expedição configura um poder-dever do Estado. Essa certidão negativa foi instituída
no interesse da segurança jurídica do contribuinte, pois regula na esfera tributária o direito
subjetivo de índole constitucional previsto no art. 5°, XXXIV, b da CF que está inserido no Título II
da Constituição Federal, concernente a Direitos e Garantias Fundamentais.

Por isso, preocupa-nos a proliferação, na legislação ordinária das três esferas impositivas,
de inúmeras situações em que são exigidas a apresentação de certidão negativa de tributos ao
arrepio do princípio da razoabilidade e proporcionalidade que se impõe como limite à atuação do
legislador.

Essas exigências representam coações indiretas para o contribuinte quitar o crédito


tributário abrindo mão do contraditório e ampla defesa.

Elas ofendem, à toda evidência, pelo menos três súmulas do STF que proíbem a
aplicação de sanções políticas contra devedores de tributos:

Súmula 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para


cobrança de tributo.”

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Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para


pagamento de tributos.”

Súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira
estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”

Ignorando decisões sumuladas pela mais Alta Corte de Justiça do País, os legisladores
ordinários vêm utilizando o expediente da certidão negativa de exibição obrigatória como
sucedâneo do processo de cobrança da dívida ativa, por meio de Lei n° 6.830/80, presidido pelos
princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.

Apontemos algumas das situações em que são exigidas as certidões negativas na esfera
federal.

Ironicamente, o art. 57 da Lei n° 11.101, de 9-2-20 05, que instituiu a recuperação judicial
de empresas em dificuldade financeira momentânea, exige, após juntada do plano de recuperação
judicial aprovado pela Assembléia Geral dos Credores, a apresentação de certidões negativas de
débitos tributários. Evidente o atentado ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade.

O art. 19, da Lei n° 11.033, de 21-11-2004, exigia certidão negativa de tributos para
levantar o dinheiro depositado em juízo em cumprimento de precatório judicial.

A pedido da OAB elaboramos parecer pela sua inconstitucionalidade o que resultou no


aparelhamento da ADI pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a qual foi
acolhida por ofensa aos princípios de separação dos Poderes e da Garantia da Jurisdição.[1]

A Lei n° 7.711, de 22-12-1988, instituiu a obrigato riedade de apresentação de certidão


negativa para inúmeras hipóteses, conforme se depreende do seu art. 1° e incisos abaixo
transcritos:

“Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários


exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições
federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes
hipóteses:

I - transferência de domicílio para o exterior;

II - habilitação e licitação promovida por órgão da administração federal direta, indireta


ou fundacional ou por entidade controlada direta ou indiretamente pela União;

III - registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social


perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme
definida na legislação de regência;

IV - quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil)
obrigações do Tesouro Nacional - OTNs:

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a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de


Títulos e Documentos;

b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;

c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto


quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.
(Vide Medida Provisória nº 526, de 2011) (Vide Lei nº 12.453, de 2011)

§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às
partes intervenientes.

§ 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo
normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou
entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III
e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância
administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da
dívida.

§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou
outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.

Art. 2º Fica autorizado o Ministério da Fazenda a estabelecer convênio com as Fazendas


Estaduais e Municipais para extensão àquelas esferas de governo das hipóteses previstas no art.
1º desta Lei.”

O STF, acolhendo a ADI proposta pela Confederação Nacional da Indústria, declarou a


inconstitucionalidade do art. 1°, incisos I, III e IV da Lei n° 7.711/88, e por arrastamento a
inconstitucionalidade dos parágrafos 1° ao 3° e do art. 2° da mesma lei. [2] A Corte Suprema
entendeu que o inciso II, do art. 1° estava revogad o pela Lei n° 8.666/93 que regula o processo
licitatório, por isso em relação a esse inciso a ação não foi conhecida. Decisão de idêntico teor foi
proferida na ADI impetrada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.[3]

Apesar dessas decisões, publicadas nos idos de 2009, os registros de imóveis continuam
exigindo a formalidade da apresentação de certidão negativa do IPTU para registro do título
aquisitivo ou averbação de construções, hipótese que se tem exigido, também, a certidão negativa
do INSS para prova de quitação da contribuição social incidente sobre o valor da mão de obra da
construção.

Na esfera municipal, também, é corriqueira a exigência dessa certidão para variadas


hipóteses.

Examinaremos a título ilustrativo as exigências contidas nos arts. 19 e 21 da Lei do


Município de São Paulo de n° 11.154, de 30-12-1991, que institui o Imposto sobre transmissão
inter vivos de bens imóveis:

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“Art. 19. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à
transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de
Registro de Imóveis ou seus prepostos a:

I – verificar a existência da prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento


administrativo da não-incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;

II – verificar, por meio de certidão emitida pela Administração Tributária, a inexistência


de débito de IPTU referentes ao imóvel transacionado até a data de operação.”

“Art. 21. Os notários, oficiais de Registro de Imóveis, ou seus prepostos, que


infringirem o disposto nesta lei, ficam sujeitos à multa de:

I – R$ 200,00 (duzentos reais), por item descumprido, pela infração ao disposto no


parágrafo único do art. 11 desta lei;

II – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por item descumprido, pela infração ao disposto no
parágrafo único do art. 11 desta lei;

Parágrafo único. As importâncias fixas previstas neste artigo serão atualizadas na


forma do disposto no art. 2° e parágrafo único da L ei n° 13.105, de 29 de dezembro de 2000.”

Pois bem, esses dispositivos foram declarados inconstitucionais pelo Órgão Especial do
TJSP por invadir esfera de competência da União para legislar sobre registro público (art. 22,
XXV, da CF), bem como por afrontar o Poder Judiciário para disciplinar, fiscalizar e aplicar
sanções aos que exercem tais atividades, ferindo especificamente os artigos 5º, caput, 69, II, b e
77 da Constituição do Estado de São Paulo, tendo em vista a natureza registral desses
dispositivos contestados.[4]

Efetivamente, vislumbra-se o alegado caráter registral desses dispositivos da lei municipal


à medida que impedem o “ato de registrar” sem a apresentação de certidão negativa do IPTU e da
prova de recolhimento do ITBI, sob pena de graves sanções pecuniárias. Acrescente-se que o ato
de registrar, embora tenha pertinência com a situação configuradora do fato gerador do ITBI, nada
tem a ver com o IPTU cuja certidão negativa, também, é exigida pela lei contestada.

Essa Arguição de Inconstitucionalidade foi suscitada pela 12ª Câmara de Direito Público
do TJSP nos autos da Apelação n° 0103.847-15.2007.8 .26.0053 (Ap. n° 994.08.217573-0)
apresentada pela Municipalidade de São Paulo contra decisão concessiva de segurança nos
autos de mandado de segurança coletivo impetrado pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção de São
Paulo, contra ato do Secretário de Finanças da Prefeitura paulistana hostilizando as disposições
dos arts. 19 e 21 da Lei n° 11.154/91 na redação da da pela Lei n° 11.256/2006. [5]

Entretanto, apesar dos pronunciamentos das Cortes, na prática, nada mudou. As certidões
negativas continuam sendo exigidas pelos tabelionatos e pelos cartórios de registro de imóveis.

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É preciso que o cidadão-contribuinte passe a exercer o seu direito fazendo com que os
notários e os registradores se abstenham de exigir certidão negativa de tributos para a prática dos
atos de seu ofício.

Notas

[1]
ADI n° 3453/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 16-3 -2007. O nosso parecer acha-se
publicado no Boletim de Direito Municipal, ano XXI, n° 3, março/2005, p. 214-220.

[2]
ADI n° 173/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 2 0-3-2009.

[3]
ADI nº 394/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 20-3-2009.

[4]
Arguição de Inconstitucionalidade nº 994.08.217573-0, Rel. Des. Corrêa Vianna, j. em 5-5-
2010.

[5]
Ap. nº 0103847-15.2007.8.26.0053 (Ap. nº 994.08.217573-0), Rel. Des. Venicio Salles, j.
em 15-12-2010.

Autor
Kiyoshi Harada (http://jus.com.br/revista/autor/kiyoshi-harada)
Jurista. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Professor. Especialista em
Direito Financeiro e Tributário pela USP.
http://www.haradaadvogados.com.br (http://www.haradaadvogados.com.br)

Informações sobre o texto


Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
HARADA, Kiyoshi. Inexigibilidade da certidão negativa de tributos para práticas de atos notariais e de
registro público . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3159, 24 fev. 2012. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/21154>. Acesso em: 25 mar. 2012.

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