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ANOTAÇÕES A RESPEITO DOS IVA’S: CANADÁ, AUSTRÁLIA E ÍNDIA + MALÁSIA E

EUA

 CANADÁ (Reforma em 1989 e 1996)

DESAFIOS E BOAS PRÁTICAS DO IVA CANADENSE

Inflação: a inflação se manteve estável e inclusive caiu nos anos subsequentes à reforma.

Índices econômicos e carga tributária: no geral, observa-se que o IVA levou à estabilização das receitas e
melhoria do déficit fiscal, o que gerou uma redução da carga sobre o consumo (de 2,7% do PIB em
1989/1990 para 1,7% em 2000/2001) e total do país (de 17,3% em 1987 para 16,3% – média 2000 a 2008).

Progressividade na base consumo: o Canadá compensa a regressividade do IVA por meio de isenções
(sendo comida a principal delas) e um sistema de compensação de crédito via imposto de renda. Esse
sistema concede créditos referentes ao GST/HST a cada três meses conforme o estado civil, o número de
pessoas no núcleo familiar e o nível de renda do contribuinte. Dependendo desses critérios, o valor total da
restituição em um ano pode ser CAD 6,30 até CAD 1.024.

Complexidade do sistema: um desafio presente no sistema tributário canadense é a complexidade gerada


pela incidência de quatro sistemas distintos no território ao mesmo tempo. Nos estados que aplicam o
sales tax, empresas podem sofrer com o efeito cascata sem direito a restituição, havendo regras
diferentes para pequenas empresas, além das diferentes listas de produtos isentos. Quebec tem
autonomia sobre o QST, podendo com ele gerar instabilidade jurídica no futuro ou incentivar a guerra
fiscal (como já aconteceu), uma vez que pode alterar livremente sua legislação.

 AUSTRÁLIA (1999)

DESAFIOS E BOAS PRÁTICAS DO IVA AUSTRALIANO

Isenções: devido às negociações com diferentes setores da política e da sociedade, o IVA australiano
passou a ser o caso da OCDE com a maior quantidade de isenções, sendo 16 no total (incluindo comida,
saúde, educação, caridade, serviços religiosos, água e saneamento, transporte e metais preciosos, entre
outros). Na época do desenho do GST, a lista de isenções era de apenas cinco categorias. Assim, hoje o
IVA só consegue tributar metade da quantidade de bens e serviços disponíveis na economia.

A categoria de alimentação gera disputas entre tributaristas e setores da indústria, tendo sido feitos até
2014, 95 atos interpretativos do que é ou não “alimentação básica”, tal como o pó de colostro bovino
(isento para consumo humano) e tinta corporal comestível sabor chocolate (não é isenta).

Tributação digital: a Austrália é pioneira na operacionalização dos mecanismos para efetivar a coleta do
IVA sobre a oferta digital. Desde 2017, o fato gerador do tributo foi adaptado para abarcar serviços e
bens digitais, gerando um aumento de US$ 350 milhões em receitas para o governo.

 ÍNDIA (2017)

DESAFIOS E BOAS PRÁTICAS DO IVA INDIANO

Multiplicidade de alíquotas: dentro das seis faixas de alíquota, há casos específicos que geram
complexidade e insegurança jurídica.

Por exemplo: (a) alíquota de uma barra de chocolate varia conforme a porcentagem de cacau; e b)
alíquota para restaurantes varia em 13% se eles têm ou não ar-condicionado ou se servem bebidas
alcoólicas.

Compensação de créditos: os créditos do IGST podem ser utilizados para o pagamento do SGST, s.CGST e
IGST. Os créditos do SGST e CGST não podem ser utilizados para compensações entre si. O processo torna-
se confuso uma vez que os créditos são concedidos ao longo da cadeia e envolvem impostos e
compensações distinta

Adesão voluntária: muitos pequenos contribuintes têm optado por aderir voluntariamente ao GST,
mesmo quando isentos, para aproveitarem os créditos e viabilizar operações com grandes empresas.

 EUA

POR QUE OS EUA NÃO TÊM IVA:

Os Estados Unidos são a maior economia do mundo, mas curiosamente são hoje o único país da OCDE que
não adota o IVA. Apesar das várias tentativas de inserir esse tema no debate público (nos governos Nixon,
Reagan, Bush e Clinton), a reforma que teve mais protagonismo foi a redução do imposto de renda em
1986.

Desde então, os Estados Unidos sofrem com certa complexidade do seu sistema, tendo feito 15 mil
mudanças no seu código tributário até 2005.

Há vários desafios que impediram e impedem a aprovação do IVA: os 50 estados têm um nível muito alto
de autonomia fiscal (os EUA têm o sexto menor nível de centralização de impostos federais da OCDE,
figurando na 30º posição entre 36 países), sendo altamente dependentes dos sales tax, que representam
em média 60% da sua renda.

Para implementar o IVA nos EUA, seria necessário alterar 45 das 50 constituições estaduais que preveem
o sales tax, além de integrar outros 11 mil impostos subnacionais de consumo espalhados entre estados
e municípios.

Do ponto de vista político, o cenário também não é favorável: seria necessário haver um acordo entre os
democratas, que são contra o IVA por conta da sua regressividade, e os republicanos, que temem que o
IVA aumente desnecessariamente o tamanho do Estado. Entretanto, com a dívida pública cada vez mais
alta, igualando se ao valor do PIB, é provável que a sociedade americana mais uma vez discuta mudanças
no seu sistema tributário.

 MALÁSIA (2015)

Como uma comunicação falha pode levar a retrocessos

A Malásia é um país asiático com economia fortemente baseada na exportação de petróleo.

26ª economia do mundo, com um PIB de US$ 746.821 MILHÕES em 2014.

População de 31,62 milhões em 2017.

O governo do país instituiu um IVA com alíquota de 6% em 2015, em substituição ao sales tax e service
tax (SST), com a intenção de atingir uma maior estabilidade nas finanças do Estado, o que se provou
verdadeiro quando a crise do petróleo de 2014 não prejudicou tanto a economia do país quanto se
esperava. Entretanto, devido a uma série de deficiências na comunicação com a população, o imposto se
tornou extremamente impopular e sua alíquota foi reduzida a 0% em 2018, tornando a Malásia o
primeiro país da história a desistir de uma reforma tributária, voltando ao sistema anterior.

O processo de implementação não foi claro para pequenos e médios empresários, que sofreram com
custos de compliance, mudanças no fluxo de caixa e medo da penalização.

Para a população, o IVA gerou uma forte sensação de aumento na carga tributária, uma vez que o tributo
anterior (SST) era incorporado aos bens e serviços, de forma que a população não tinha conhecimento que,
de forma indireta, arcava com esse tributo.
O novo tributo dava clareza quanto à carga tributária efetiva paga sobre bens e serviços, o que gerou a
sensação de que os preços dos produtos subiriam com o novo sistema.

De fato, alguns bens e serviços sofreram aumentos, enquanto outros redução. Alguns negócios
aproveitaram a instituição do novo tributo para operar um aumento injustificado dos preços dos
produtos e serviços, confirmando o temor da população.

Em 2018, ancorando-se nessa impopularidade, o partido da oposição ganhou as eleições depois de 61


anos de hegemonia do partido da situação. A principal promessa de campanha era acabar com o IVA. Dois
meses depois o IVA foi reduzido a zero.

Diversos veículos e especialistas criticaram a medida, chamando-a de populista, uma vez que entendiam
que o GST era melhor para o país.

O caso da Malásia serve para lembrar que tão importante quanto aprovar a reforma tributária é educar a
população e o mercado a respeito das mudanças, auxiliando o processo de transição e adaptação por meio
de uma sólida campanha educacional.

 APRENDIZADOS:

O Brasil passou por algumas tentativas de reforma tributária. A última grande alteração no sistema foi com
a Constituição de 1988. No entanto, o novo sistema já nasceu velho e dizem que, no dia seguinte, já se
iniciaram discussões para uma reforma tributária. Desde então todos os presidentes tentaram reformular
o sistema tributário, sem sucesso.

As barreiras para aprovar uma reforma de tamanha magnitude não são exclusividade do Brasil. Nos 63
anos que se seguiram após a instituição do primeiro IVA do mundo (França, 1956), 168 países passaram
pelo mesmo processo que o Brasil se encontra agora.

A partir dos cases aqui acima, é possível extrair os seguintes pontos:

Nós temos a vantagem de poder aprender com esses 168 erros e acertos e criar um sistema tributário
simples, moderno, progressivo e cidadão. Esse estudo traz três desses aprendizados.

i) FEDERALISMO:

A autonomia dos entes é ponto importante das reformas em países federativos. As soluções, no entanto,
são bastante diversas e têm relação com a dependência de trajetória (path dependence) de cada país.

A Austrália tem um sistema mais unificado no governo federal, mas a maior parte da arrecadação fica
com os estados, o que parece ter relação histórica com o sistema anterior e com o maior ponto de veto dos
estados, que era financeiro.

Já a Índia passou de um sistema que dava muita autonomia aos estados para um sistema dual que é
harmônico em sua maior parte (alíquotas, base, isenções, fiscalização, regulamentação).

E o Canadá manteve a ampla autonomia do sistema anterior e terminou com o sistema mais complexo
dentre os analisados – com formatos, legislações, alíquotas e fiscalização diferentes.

O pacto federativo é ponto importante de discussão nas reformas.

Na Índia ele foi ponto de oposição por um partido.

No Canadá ele foi questionado na Suprema Corte, sem sucesso.

Os níveis diversos de autonomia nos cases apresentados demonstra a amplitude do conceito de federação
e as diversas possibilidades, de maior e menor autonomia fiscal, que ela comporta.
A negociação com os estados é presente em todos os casos, mas os termos variam entre conceder maior
autonomia fiscal (como no caso do Canadá e, em parte, Índia) e mais recursos (como o caso da Austrália,
mas também em parte do Canadá e da Índia).

Não é positiva a alternativa de reforma que dá aos estados autonomia para entrar no sistema, uma vez
que demanda esforços longos e caros do governo central. Essa opção também pode criar sistemas
fragmentados e em eterna “reforma”, como é o caso do Canadá.

Na reforma brasileira: a questão federativa é ponto polêmico. O sistema tributário brasileiro é


fragmentado e os entes federativos têm muita autonomia sobre seus tributos. No entanto, essa ampla
autonomia é exatamente o que tem gerado complexidade – o nosso sistema é um conjunto de exceções,
com suas milhares de regras, alíquotas e mudanças.

É importante, portanto, que o sistema busque uniformização da legislação e da administração do tributo,


em um modelo de federalismo cooperativo. Os modelos e caminhos dos países analisados mostram que
diversas soluções são possíveis, e que as mais uniformes são as ideais.

ii) TRANSPARÊNCIA E EDUCAÇÃO:

Dar transparência para o cidadão a respeito do quanto paga de tributos é uma importante medida de
cidadania dos IVAs.

No entanto, a transição de sistemas complexos e obscuros para sistemas simples e claros pode causar uma
resistência da população.

Isso por dois motivos principais: (a) muitas pessoas não entendem que antes pagavam tributos sobre o
que consumiam e passam a ver a reforma como um aumento na carga tributária e nos preços; (b) as
pessoas passam a entender e questionar o quanto pagam pelos serviços públicos que recebem. Por isso é
extremamente importante que as medidas de transparência sejam acompanhadas de grandes campanhas
de comunicação, que se iniciem a partir da discussão da reforma no Parlamento e que durem até que ela
esteja plenamente estabelecida.

O tempo de transição do sistema precisa levar em consideração as instabilidades relacionadas ao processo


de implementação. Alguns partidos tendem a se aproveitar desse momento para fazer promessas
populistas de acabar com o tributo (como visto nos casos da Austrália, do Canadá e da Malásia), o que
pode gerar graves problemas para os negócios e para o país. Ainda, promessas de longo prazo de extinção
de tributos podem não se concretizar, como foi visto no caso da primeira reforma indiana, quanto ao CST.
Por fim, observa-se que as implementações aqui analisadas foram todas imediatas, sem período de
transição dos tributos antigos para o IVA.

iii) TEMPO:

Grandes reformas, como a tributária, exigem processos longos de amadurecimento. Nos casos analisados,
as discussões a respeito do IVA começaram nos anos 70 e perduraram por décadas. O Canadá pode ser
considerado uma exceção, mas a aprovação mais veloz demandou uma manobra constitucional que teve
duras consequências políticas.

Interessante também notar como a posição dos stakeholders muda ao longo do tempo, na medida em
que vão entendendo os benefícios do IVA e as disfunções dos sistemas antigos vão ficando mais
evidentes.

Fontes:
1) https://portugues.doingbusiness.org/pt/reports/global-reports/doing-business-2018

2) Relatório/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf

3) file://Endeavor_Benchmarks%reforma20tributaria.pdf.pdf

Questionamentos levantados sobre Impostos Seletivos

Pergunta que há de se fazer de ordem mais conceitual;

Discussão que nós temos visto crescer é com relação ao tal imposto
seletivo (“sin tax”);

As PECs já pegam isto de alguma forma, no tal do imposto relativo às tais


“externalidades negativas”, embora não se saiba o que é isto, e o que isto
vai abranger – se isto vai ser um imposto cumulativo ou não;

Qual o critério de base de cálculo e alíquota, enfim, qualquer discussão a


este respeito agora seria especulativa?

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