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um guia de leitura
Recessão e Inflação: o(des) ajuste neoliberal. São Paulo, Editora Hucitec, 1992;
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Capítulo I:
Estado e produção de bens públicos no pensamento econômico
1. Introdução
2. Estado e capitalismo no pensamento econômico
2.1. O Estado no Mercantilismo
2.2. O Estado no Capitalismo Concorrencial
2.3. O Estado no Capitalismo Monopolista
2.4. O Estado no Capitalismo Mundializado
3. A visão marxista do Estado
4. Um balanço das posições teóricas sobre o Estado
5. O Estado na economia brasileira
Bibliografia
Capítulo II:
O orçamento público: origens, papéis e gestão
1. Introdução
2. O espaço orçamentário
2.1. As Origens e o Conteúdo do Orçamento Público
2.2. O orçamento nas escolas do pensamento econômico
2.3. Tipos, trajetória e Princípios do Orçamento
3. O processo orçamentário no Brasil
3.1. A evolução do processo orçamentário: 1824-1964
3.2. O regime militar e a desfiguração do processo orçamentário: 1964-1985
3.3. A Constituição de 1988: resgatando os papéis do orçamento como instrumento da
democracia, do controle e do planejamento
3.4. Crise e reformas do processo orçamentário na década de 1990
3.5. As limitações atuais: o orçamento como variável de ajuste das contas públicas
Bibliografia
Capítulo III:
Os gastos públicos: classificação e determinantes
1. Introdução
2. Crescimento e composição dos gastos públicos: explicações teóricas
2.1. As explicações empíricas de Wagner, Peacock e Wiseman
2.2. A teoria tradicional: funções alocativa, distributiva e estabilizadora
2.3. A visão marxista de O’Connor
2.4. A visão neoliberal: public choice e neo-institucionalismo
2.5. Um balanço das posições teóricas sobre os determinantes dos gastos públicos
3. Os gastos públicos no Brasil
3.1. A classificação dos gastos
3.1.1. A classificação institucional
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Capítulo IV:
As receitas públicas: classificação, conceitos e determinantes da carga tributária e de
sua distribuição
1. Introdução
2. As receitas no orçamento
3. A carga tributária
3.1. Conceituação
3.2. Os componentes da carga tributária
3.2.1. Os tributos: impostos taxas e contribuição de melhorias
3.2.2. As contribuições sociais e econômicas
4. A origem dos impostos e os princípios de defesa dos contribuintes
5. Os impostos: características, conceitos e incidência
5.1. Impostos diretos e indiretos: existe uma composição ideal?
5.1.1. Os impostos diretos
5.1.2. os impostos indiretos
6. As opções e dilemas da teoria convencional na construção dos sistemas tributários
6.1. Os princípios da neutralidade e da equidade: algumas observações críticas
6.2. O princípio moderno da competitividade
6.3. Um balanço das limitações da teoria convencional na explicação e determinação das
estruturas tributárias
7. Uma visão alternativa dos determinantes do tamanho e da composição da carga
tributária
7.1. Uma revisão da tese de Hinrich sobre os determinantes da carga tributária
8 A evolução do sistema tributário brasileiro na República (1900-2007)
8.1. A evolução da carga tributária
8.2. A composição da carga tributária
8.3. Um “inferno” tributário: a necessidade de reformas
Bibliografia
Capítulo V:
O déficit público
1. Introdução
2. O déficit público
2.1. Visões teóricas sobre os efeitos e as conseqüências dos déficits públicos
3. Medidas e conceitos de déficits públicos
3.1. Medidas e Conceitos
3.1.1. Métodos e conceitos tradicionais
3.1.2. A medida das Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP)
4. A evolução dos déficits públicos na história recente do capitalismo
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1. Introdução
2. O papel e os efeitos da dívida pública no pensamento econômico
2.1. A dívida pública no pensamento keynesiano
2.2. As expectativas racionais e a escola novo-clássica: um novo papel para a política
fiscal e para a dívida pública
3. Tipos, custo e riscos da dívida
4. Metodologia e critérios de mensuração da dívida
5. A evolução recente da dívida pública no capitalismo
6. A dívida pública no Brasil
6.1. A dívida mobiliária federal interna: um pouco de história – 1827-1964
6.2. A dívida mobiliária como instrumento de política fiscal e monetária: 1964-2002
6.3. Swaps cambiais e a nova estrutura da dívida mobiliária federal: 2002-2006
6.4. A evolução da Dívida Líquida do Setor Público, como proporção do PIB: 1981-
2007
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INTRODUÇÃO
Tudo isso significa retirar do Estado e da política fiscal qualquer ação voltada para
proteger/defender a atividade econômica, e do espaço orçamentário, especialmente no
tocante à tributação, qualquer compromisso com a questão da equidade e com políticas de
conteúdo redistributivista. Ou seja, o enfraquecimento de seu papel como agente de
legitimação do sistema, se considerada a visão marxista sobre suas funções, ou de agente
também responsável pela redução das desigualdades sociais, indispensável para manter a
coesão da sociedade, na perspectiva keynesiana. A limitação ou a renúncia de seu papel
como agente de legitimação para acomodar no orçamento os interesses do capital
financeiro e para assegurar supostos ganhos de eficiência para o sistema colocam, contudo,
não poucos riscos para a sua reprodução a longo prazo, já que inevitavelmente
acompanhada do aumento da pobreza e da exclusão social de crescente parcela da
população mundial.
papel do Estado como agente que contrabalança suas iniqüidades e contribui para sustentar
seu equilíbrio.
Não se trata de uma nova visão teórica sobre o assunto, mas de uma visão mais
radicalizada do pensamento dominante sobre o papel do Estado, num contexto em que,
tendo se libertado de seus oponentes, após a queda do muro de Berlim e o fim do
comunismo, o capital parece ter retomado seus instintos mais primitivos, em que o objetivo
da “acumulação pela acumulação sem limites” representa o guia cego de sua caminhada, e
se esquecido de que sempre que a riqueza não foi minimamente repartida, por meio das
políticas do Estado, de forma a reduzir as desigualdades e promover maior justiça social, o
sistema correu sérios riscos de sobrevivência.
Mas o que a ortodoxia, na sua visão míope do Estado e mercado, sempre negou, a
história se encarregou de fazê-lo em algumas oportunidades para evitar o colapso do
sistema: na grande depressão da década de 1930, seguida dos horrores do nazi-fascismo e
da ameaça do comunismo, a construção teórica de Keynes confirmaria a importância do
Estado e da política fiscal para “salvar” o capitalismo e para garantir sua reprodução,
afastando-se do saber convencional e abrindo espaços para abrigar estruturas de impostos e
de gastos também com objetivos redistributivos, avançando na consolidação do welfare
state; o retorno da ortodoxia nos anos 1970, após a crise da teoria keynesiana, traduziu-se
numa feroz oposição antiEstado, com implicações para as finanças públicas e
conseqüências nefastas para os tecidos econômico e social, logo revista quando o sistema
viu-se ameaçado por crises financeiras consecutivas, acompanhadas do aumento do
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Com esse propósito de buscar caminhos alternativos para essa compreensão, ele se
encontra organizado em seis capítulos, além desta introdução. O primeiro realiza uma
visita ao agente responsável pela gestão das finanças públicas – o Estado -, analisando sua
evolução e os papéis que lhe foram sendo conferidos para garantir a reprodução do sistema
capitalista, à luz do processo de produção e de provisão de bens públicos. Seu objetivo foi
o de apreender como a partir das transformações qualitativas e quantitativas ocorridas no
desenvolvimento do capitalismo modificaram-se, historicamente, suas funções. Para
desvelar suas determinações mais gerais e também para entender a complexidade em que
se transformou o Estado nas diversas etapas de desenvolvimento do sistema capitalista,
procura-se, ainda, fazer um contraponto entre a visão convencional sobre o seu papel,
assentada nas funções alocativa, distributiva e estabilizadora; a visão marxista, que
nucleia sua análise nas funções de acumulação e legitimação; a visão neoliberal, para
quem o Estado, de acordo com a sua versão mais radical, a dos rent seeking, nem deveria
existir pelos prejuízos que sua ação acarreta para a economia e a sociedade; e a visão mais
moderna do “neo-institucionalismo” e da corrente teórica da “nova economia política”, as
quais, reconhecendo as limitações do mercado operar, por si só, com eficiência, abrem
espaço para o Estado contribuir nessa tarefa, com estruturas e instituições remodeladas e
eficientes. Uma análise da evolução do Estado no Brasil e de suas transformações no bojo
das principais mudanças operadas no quadro econômico e político até os nossos dias fecha
o capítulo.
No sexto, analisa-se a dívida pública desde a sua origem como uma das alavancas
do processo de acumulação primitiva, passando pela visão da teoria econômica neoclássica
que a vê como prejudicial para o funcionamento do sistema e pela de Keynes, que resgata
sua importância para sua revitalização, até desaguar no paradigma teórico atual que a
prioriza como fonte de valorização do capital financeiro e exige, do Estado, sua
sustentabilidade temporal para assegurar o pagamento de seu serviço aos seus credores.
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Nessa perspectiva, déficit e dívida passam a operar como travas do crescimento econômico
e da acumulação produtiva para assegurar a felicidade do capital financeiro. A evolução da
trajetória da relação dívida/PIB nos países desenvolvidos e no Brasil é analisada para
avaliar como esta tem se comportado e que conseqüências acarreta para a reprodução do
sistema, à luz dos novos marcos teóricos que têm pautado a ação da política fiscal.
Elaborado com o objetivo de fazer uma leitura crítica da teoria convencional das
finanças públicas sobre os determinantes e sobre o papel e efeitos das receitas, dos gastos e
da dívida pública na economia, o trabalho percorreu diversos campos de análise dessa área,
contrapondo o pensamento de distintas correntes teóricas sobre essas questões, com o
objetivo de desvelar suas limitações, dificuldades e as que podem ser consideradas efetivas
contribuições para o seu entendimento. Com isso, foi inevitável o pouco aprofundamento
em alguns de seus pontos, que ficaram carecendo de maior desenvolvimento, o que,
entretanto, não compromete os resultados apresentados. Por outro, pretendendo ser útil
para os que se dedicam à pesquisa aplicada na área de finanças públicas, o trabalho
procurou incorporar outros pontos de uma maneira geral não contemplados nas
publicações existentes sobre o tema, como as que dizem respeito às contas do orçamento e
às diversas classificações, conceitos e indicadores que podem ser construídos com as
receitas e os gastos públicos para a análise das finanças públicas.
CAPÍTULO I
NO PENSAMENTO ECONÔMICO*
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1. INTRODUÇÃO
Desde a sua formação, o Estado moderno não mais parou de crescer. Desfrutando de um
poder absoluto nas suas fases iniciais, mas com acanhada estrutura material, institucional e
financeira, evoluiu, nos períodos seguintes, para estender seu domínio e ampliar o controle
sobre a sociedade civil em todos os campos da vida econômica e social, ao ser legitimado
como instrumento de organização e de realização da humanidade e ao completar o
processo de constituição de suas estruturas, com a profissionalização das forças armadas e
o avanço da burocracia.
Segundo Musgrave & Musgrave (1980, Cap. 1), que atribuem grande importância
às falhas do mercado para explicar sua forma de atuação, “…há explicações ideológicas,
sociais e políticas [para justificar tanto os papéis que cumpre como o seu tamanho], mas o
fato é que o mecanismo do sistema não pode desempenhar sozinho todas as funções
econômicas. A atuação governamental é necessária para guiar, corrigir e suplementar este
mecanismo em alguns aspectos, o que torna o tamanho apropriado do setor público uma
questão técnica ao invés de uma questão ideológica.”
Nem sempre, entretanto, essas idéias prevaleceram ao mesmo tempo, assim como
também nem sempre os papéis por ele desempenhados integraram o corpo teórico do
pensamento dominante. Houve períodos na história do capitalismo em que o papel do
Estado consistiu precipuamente em criar e garantir as condições para o triunfo do capital,
ainda que isso implicasse restrições à sua liberdade. Em outros, quando muito se admitia o
desempenho de sua função alocativa para prover a sociedade de bens que o mercado não
seria capaz de produzir, deixando o capital livre das amarras que aparentemente prendiam
seus movimentos ao Estado. Assim como houve períodos em que não somente essas
funções foram ampliadas como também lhe foram conferidas atribuições de forte
regulação da vida econômica para impedir que a concorrência intercapitalista conduzisse o
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Desse breve relato, pode-se inferir que as funções do Estado tendem a se modificar
historicamente. E, como num movimento pendular, fases de liberdade econômica tendem a
se alternar com fases de maior regulação, modificando-se seus papéis. E mais: a
legitimação de sua forma de atuação encontra, em cada um destes períodos, respaldo em
um conjunto de explicações teóricas que a sustentam e justificam. Por isso, para entender
as transformações qualitativas operadas em seu aparelho e nas suas formas de atuação,
torna-se necessário acompanhar sua trajetória à luz das grandes mudanças ocorridas no
modo de produção capitalista, desde o seu nascimento até os dias atuais, e analisar como o
pensamento teórico dominante, que em alguns períodos condenou sua intervenção no
campo econômico, em outros a justificou como necessária para revitalizar suas forças,
utilizando os mesmos argumentos que antes combatera.
O arcabouço teórico que dava amparo à tese de que o Estado deveria ter uma
atuação passiva na economia tinha suas raízes plantadas nas idéias liberais que se
consolidaram no século XVIII e que representaram um libelo contra a doutrina
mercantilista, que imperou durante o período que separa a Idade Média do liberalismo, e
que demarca, historicamente, a época em que ocorre a acumulação primitiva do capital.
Neste período, também conhecido como Mercantilismo, dado o predomínio do capital
mercantil sobre o capital industrial, o Estado, ao contrário daquele que o sucederá,
exerceria um papel tão amplo quanto agressivo na vida da sociedade.
Não foi um processo simples, linear e nem coincidente, no tempo, nos países que o
percorreram. Pelo contrário, foi um processo longo, que exigiu mudanças na visão
predominante de mundo sobre o fim da vida social e do Estado, lutas contra as forças
políticas que sustentavam e se beneficiavam do sistema dominante, e criação das
condições econômicas e também de infra-estrutura necessárias para viabilizar a nova
perspectiva de vida e de realização da humanidade que brota deste período. Para Denis
(1974:98), com as idéias mercantilistas “... teremos, pela primeira vez, diante de nós, uma
teoria da sociedade que se desenvolve essencialmente no âmbito da economia, dado que o
fim da vida social [passa a ser] concebido com um fim econômico e que [...] os meios
encarados para realizar esse fim são também econômicos.”. Condenado pela igreja, a busca
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pelo lucro oriundo das atividades comerciais e financeiras transforma-se, a partir deste
período, em atividade indispensável para o homem alcançar a felicidade.
Tarefa de tal envergadura, só poderia ser realizada por um Estado forte. É isso que
explica porque as idéias mercantilistas, favoráveis ao fortalecimento do Estado, mantêm
uma admirável coerência, uma unidade irrepreensível de pensamento, evidenciando-se em
todas as obras de seus representantes. Não sem razão o Estado atua, nessa época, como o
termômetro da sociedade, como o seu grande regulador, imiscuindo-se em áreas tão
variadas quanto abrangentes, tais como as que se referem, inter alia, ao controle exercido
sobre os salários, à promulgação de leis sobre o desemprego, à concessão de monopólios
para a exploração de determinadas atividades, ao mesmo tempo em que é ele quem
comanda as grandes conquistas coloniais. Nas palavras de Faoro (2000:70), nesse período,
problemas surgidos no curso da acumulação, caso, por exemplo, dos efeitos provocados
por uma situação de escassez ou abundância da força de trabalho sobre os salários e
sobre os lucros. Por isso, a preocupação dos economistas clássicos será a de investigar
as leis que determinam a distribuição da renda entre as classes da sociedade envolvidas
no processo de produção – trabalhadores, capitalistas e proprietários de terra – e sua
influência/efeitos sobre o processo de acumulação de longo prazo.
Todos os seus esforços são voltados, diante disso, para identificar a fonte de
valor das mercadorias e as leis que determinam sua distribuição entre os salários, os
lucros e a renda da terra, bem como os fatores que a modificam, durante o processo de
crescimento, provocando desvios de sua “tendência natural”, com prejuízos para a
acumulação. Mas, apesar dessas inevitáveis fricções, se o Estado não se imiscuísse neste
processo, o organismo econômico, por meio de suas leis naturais, seria capaz de corrigir
esses desvios e recolocar a economia em sua trajetória natural. Era, para o que nos
interessa, a senha para se pôr cobro à sua liberdade de intervir na vida econômica, tão
defendida pelos mercantilistas.
Este edifício da economia, no qual não havia lugar para o Estado, recebeu
contribuições de vários autores em sua construção. Comandado por uma “mão
invisível”, ou por leis naturais, o sistema contaria com mecanismos estabilizadores
automáticos que garantiriam uma situação permanente de equilíbrio. Neste sistema, não
havia lugar para a ociosidade do capital e nem crises gerais, já que a Lei de Say,
também incorporada ao modelo teórico de Ricardo, assegurava que toda produção
encontraria mercado; a flexibilidade dos preços, salários e taxas de juros, bem como a
ausência do Estado no interior deste organismo, garantiam a correção de eventuais
desvios da trajetória de equilíbrio da economia; e a igualação da taxa de lucro,
determinada pela concorrência, aparecia resolvendo, por sua vez, os conflitos entre os
distintos tipos e dimensões do capital (industrial, agrícola, financeiro etc.) e garantindo
a reprodução do sistema. Apesar das inevitáveis fricções que poderiam surgir, mantida a
liberdade de cada um de buscar seu interesse pessoal, essa seria o motor (a força, ou
alavanca) que movimentaria a roda da produção da felicidade geral, beneficiando a
sociedade como um todo.
É importante fazer uma distinção sobre o conceito de eficiência utilizado por essa
escola da economia, denominada clássica, pois este conhecerá modificação substantiva nas
escolas que surgirão nos períodos seguintes, conhecidas como neoclássica e novo-clássica.
2.1.2.1. Abrindo uma exceção para o Estado em nome da eficiência: os bens públicos
Na construção deste edifício, percebeu-se, contudo, que nem tudo poderia ser
produzido e ofertado pelo mercado, já que este não era capaz de captar e transmitir, para
certos tipos de bens, os sinais dos consumidores para o sistema produtivo, o que, se não
corrigido, geraria ineficiência para o sistema como um todo. Era o caso, por exemplo, de
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alguns bens e serviços que apresentavam características distintas dos que são produzidos
pelo setor privado, por não serem divisíveis para o consumo individual e, por essa razão,
não serem capazes de fornecer os elementos para o cálculo de custos, preços e volume
produzido necessários para a determinação da taxa de lucro, motor primus do sistema.
A função alocativa atribuída ao Estado surgiu, neste novo corpo teórico, como
resultado do reconhecimento da incapacidade do mercado de suprir a sociedade de bens e
serviços de consumo coletivo, tais como os conhecemos na atualidade: defesa e segurança
públicas, iluminação de ruas e avenidas, proteção ambiental, etc. Isso porque, como o
consumo desses bens e serviços por determinado(s) indivíduo(s) não obedece ao princípio
da exclusão - um princípio que assegura o acesso ao mercado somente para aqueles que
dispõem de recursos para adquirir determinado produto - por se caracterizar como um
consumo não-rival - seu consumo por um ou mais indivíduos não reduz a sua quantidade
para o consumo de outros - não há meios de o mercado estabelecer/definir seu preço,
tornando-se, portanto, inviável sua produção pelo setor privado. Como se tratam,
entretanto, de bens e serviços indispensáveis para a sociedade, cabe ao Estado destinar
recursos de seu orçamento para produzi-los e satisfazer sua demanda.
São estes denominados bens públicos, os quais não permitem, por apresentarem
essas características, a mensuração da quantidade consumida e, consequentemente, dos
benefícios com eles recebidos pelo indivíduo - problematizando o estabelecimento da
contribuição a ser cobrada pelo poder público -, à medida que os consumidores não se
sentem propensos a revelar a sua escala de preferência por estes bens e serviços.
De acordo com essa visão, apoiada, portanto, na crença de que leis naturais
governavam o organismo econômico (a "mão invisível" de Smith), qualquer interferência
"externa" a esse mundo seria capaz de provocar fricções e de reduzir a eficiência do
sistema. E, como se considerava o Estado uma força externa, à medida que este não surgira
com a sociedade, mas em determinado estágio de seu desenvolvimento, sua presença na
vida econômica era vista como uma barreira que impedia a sociedade de alcançar essa
eficiência. Isto porque, ainda de acordo com essa argumentação, desde que cada indivíduo
tenha liberdade de escolher as atividades de seu interesse e em que apresente condições de
obter maiores ganhos, o resultado final deste processo seria, no conjunto, benéfico para
toda a sociedade. Por isso, o Estado deveria manter-se à margem do sistema econômico,
sem nele intervir e restringir-se a garantir a defesa e a segurança do país. Essa constituiria a
época de ouro do laissez faire, quando se acreditava, como o Dr. Pangloss, de Voltaire,
que tudo corria pelo melhor no melhor dos mundos possíveis.
Clark) que cada um dava ao processo, avalizada pelo mercado, de acordo com a
utilidade do produto. Substituíram, com isso, a preocupação dos clássicos em investigar
o valor natural das mercadorias no longo prazo, bem como a leis de sua distribuição
entre lucros, salários e rendas, e suas implicações para o crescimento econômico, para a
investigação do processo de alocação de recursos feitas pelas unidades econômicas que
tomavam essas decisões – famílias e firmas – que encontravam, no mercado, os
mecanismos de sua correção, por meio dos preços determinados pela oferta e procura,
para garantir a máxima eficiência do sistema.
Embora as idéias de Keynes não captem essa politização do Estado, são elas as
responsáveis – ou as que lhe fornecem o arcabouço teórico e a caixa de ferramentas a ser
usada para essa finalidade, através dos instrumentos de política econômica – para justificar
sua intervenção na economia, visando salvar o capitalismo. Foi a partir de sua germinação
e sua difusão que se ampliaram suas tarefas, e deram sustentação teórica ao surgimento do
Estado do bem-estar nas economias desenvolvidas (ou o Estado Providência) e ao Estado
com maior presença na vida econômica nos países de industrialização retardatária,
ancorados em doutrinas teóricas que, tendo como referencial de análise a matriz
keynesiana, caso, por exemplo, da Comissão de Estudos Econômicos para a América
Latina (CEPAL), deram origem ao desenho de Estados com forte conteúdo
desenvolvimentista.
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Sua obra "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, vinda a lume em
1936, estabelecerá os contornos teóricos definitivos e desvelará a importância dos
investimentos públicos para atenuar as flutuações cíclicas do capitalismo e para viabilizar
uma política de pleno emprego. A obra de Keynes representaria, assim, um verdadeiro
libelo contra a ortodoxia imperante, a qual garantia que os ajustes do sistema ocorriam de
forma automática, com a economia tendendo para um único ponto de equilíbrio possível,
sob a condição de que não houvesse entraves à livre flutuação da taxa de juros, do nível de
salários e dos preços.
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Essa interpretação se encontra em Denis, para quem a explicação de Keynes das crises de superprodução
se aproxima muito da marxista, ao atribuir à insuficiência do investimento a causa de depressão, partindo
de conceitos como o de custo de produção dos bens produzidos no ano (de equipamentos e de consumo)
que equivale “... ao valor da produção nacional líquida, no sentido marxista, i.é, à soma dos salários e da
mais valia.” (Denis, 1974:696-8)
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Ganhou importância, nessa perspectiva, a provisão pelo Estado dos chamados bens
semipúblicos também conhecidos como bens meritórios (merits goods). Diferentemente
dos bem públicos puros, os bens semipúblicos apresentam características semelhantes aos
bens privados, como as de serem divisíveis para o consumo individual, obedecerem ao
princípio da exclusão e tratarem-se de consumo rival. É o caso, por exemplo, dos serviços
de saúde, educação, saneamento, por exemplo.
Sua importância para a sociedade – e também pelas externalidades que gera para o
próprio sistema econômico -, bem como a necessidade de se garantir o acesso ao seu
consumo aos cidadãos que não dispõem de poder de compra para adquiri-los, aumentou
consideravelmente a sua provisão pelo Estado, especialmente a partir das idéias
keynesianas e da importância assumida por políticas redistributivas com a constituição do
welfare state.
Tabela 1.1
Participação da Despesa Governamental no PIB ou no PNB
(em %)
Países Ano
1880 1929 1960 1985
França 15,0 19,0 35,0 52,0
Alemanha 10,0 31,0 32,0 47,0
Japão 11,0 19,0 18,0 33,0
Suécia 6,0 8.0 31,0 65,0
Inglaterra 10,0 24,0 32,0 48,0
EUA 8,0 10,0 28,0 37,0
Fonte: Banco Mundial: Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial, 1991, p.158
Se na vida real as idéias de Keynes deram vida pró-ativa a um Estado renovado, necessário
para corrigir desequilíbrios e atenuar as flutuações cíclicas do sistema, e à política fiscal
um papel nuclear entre os instrumentos de política econômica para ultimar estes objetivos,
no plano teórico, a ortodoxia, após absorver o golpe desferido pela revolução keynesiana
em seus pressupostos, voltaria à carga, com armas renovadas, visando fornecer explicações
para a inflação dos anos 1960 e desmontar a visão positiva que predominava sobre a ação e
intervenção do Estado na economia.
Neste contexto surgiu nessa época, em oposição à visão de Keynes, para quem a
inflação é um fenômeno decorrente do excesso de demanda, a teoria monetarista, a qual,
apoiada em modelos de expectativas inflacionárias, concluía serem inócuas as políticas
fiscais expansionistas voltadas para os objetivos de ampliação da renda e do emprego e
responsáveis pela aceleração do nível de preços e, portanto, pela instabilidade do sistema
econômico.
Essa teoria tomou como ponto de partida para explicar a manutenção da taxa de
inflação a partir do modelo das expectativas, a curva de Phillips, assim conhecida em
homenagem ao trabalho empírico que foi desenvolvido por A.W. Phillips sobre a evolução
do desemprego e da taxa de variação dos salários nominais na Inglaterra entre 1862 e
1957, no qual constatou a existência de uma relação inversa entre essas duas variáveis.
Dois anos mais tarde, em 1960, R.G. Lipsey teorizou a curva de Phillips e formalizou a
existência deste trade-off entre inflação crônica e desemprego, reforçando a tese de que
taxas de desemprego menores podiam ser obtidas por meio de políticas expansionistas,
mas produzindo inflação dos salários nominais e, por extensão, dos preços em geral. Era o
que o pensamento ortodoxo necessitava para assestar suas baterias contra o pensamento
keynesiano.
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Para essa teoria, assim como para a escola neoclássica, como visto anteriormente, o
mundo econômico funciona de forma harmoniosa, com os mecanismos de mercado
garantindo a plena utilização dos fatores produtivos e a inexistência de desemprego de
caráter involuntário. A acomodação do sistema aos movimentos cíclicos da economia é
garantida por uma “taxa natural de desemprego”, hipótese central em seu corpo teórico,
que varia para cada economia e em cada contexto histórico. Admite-se, apenas, a
existência do desemprego voluntário e friccional. O primeiro revela uma situação em que o
trabalhador não se dispõe a trabalhar pelo salário vigente no mercado, preferindo manter-se
ocioso. O segundo, um período de transição em que o trabalhador fica momentaneamente
desempregado enquanto não encontra trabalho em outra empresa. Como naquela escola,
tudo se assemelha a uma ficção, sem correspondência no mundo real.
A nova concepção teórica sobre o papel negativo do Estado ganhou força com o
avanço da Terceira Revolução Industrial e do processo de globalização, os quais, pelas
suas características, exigiam compromissos com a abertura da economia, o aumento da
concorrência e da eficiência produtiva e com a desregulamentação dos mercados
financeiros e de produtos, o que implicava retirar, novamente, o Estado da vida econômica
por sua ação ser considerada prejudicial para seu funcionamento. No mundo globalizado
(mundializado), em que se restringem os espaços de atuação do Estado, surgem, em
diversos campos, várias contribuições teóricas, contrapondo-se ao pensamento keynesiano,
para dar sustentação à nova investida contra suas ações.
a) A Teoria da Regulação
Nos EUA, a década de 1970, quando esses trabalhos foram publicados, foi
marcada, de um lado, por um amplo processo de desregulamentação, especialmente em
setores da atividade produtiva (setores de transportes, telefonia, petróleo, gás natural),
movimento que pareceu representar a negação – ou seguir a recomendação – da Teoria
da Regulação, como anotam Mattos et. al. na Introdução do livro que organizaram
sobre o tema (Mattos et. al., 2004:16). De outro, várias agências de regulação foram
criadas em outras áreas, como na dos direitos dos consumidores, ambientais,
trabalhistas, da saúde e do bem-estar social. Tais movimentos contraditórios para a
Teoria da Regulação conduziram à sua revisão e refinamento de seus pressupostos por
Peltzman, em 1989 (Peltzman, 1989), que conclui não existir um “único interesse
econômico que captura o ente regulatório” e que se deve “encará-la como fruto de uma
política de coalizões, na qual os políticos tenderão a maximizar suas vantagens por meio
da distribuição a diferentes grupos de interesse envolvidos no jogo regulatório.” (Mattos
et. al., 2004:16)
Os agentes deste modelo são mais ágeis e atualizados do que o das expectativas
adaptativas: não se guiam por informações do passado, mas do presente (da atualidade)
para a formação de expectativas nem repetem os erros que cometem, procurando
corrigi-los quando atualizam as informações. Os erros tendem a ocorrer não pelas
fraquezas da condição humana (são racionais), mas pela existência de informações
incompletas ou imperfeitas (caso de choques não antecipados, como os de decisões não
divulgadas sobre a implementação de políticas expansionistas tomadas pelo governo,
por exemplo), o que pode produzir, momentaneamente, desvios da economia de sua
posição de equilíbrio. Atualizadas as informações, os agentes rapidamente corrigem
suas expectativas, neutralizando a ação do governo e garantindo a convergência entre a
inflação esperada e a efetiva e a taxa de desemprego efetivo e a taxa de equilíbrio.
Como bem anota Carvalho (2001:216) sobre essa questão:
Para essa escola de pensamento, que se apóia nas mesmas premissas teóricas dos
neoclássicos, mas modifica radicalmente sua posição em relação ao Estado, este é sempre
sinônimo de ineficiência para o sistema, mesmo quando sua atuação visa apenas corrigir
eventuais falhas do mercado. De acordo com este argumento, se o mercado pode, de fato,
apresentar falhas – o que no pensamento neoclássico e keynesiano justifica a intervenção
pública – a ação estatal voltada para corrigi-las – ou mesmo a simples possibilidade de
fazê-lo –, pode revelar-se ainda mais danosa para a eficiência do sistema. Assim, como
também apresenta falhas, que podem ser mais prejudiciais que as derivadas do
funcionamento do mercado, a intervenção do Estado passaria a ser condenada por essa
escola, justificando as proposta de esvaziamento de suas funções e de sua redução à
condição de Estado mínimo, através da implementação de políticas de desregulamentação,
privatização das empresas estatais, encolhimento/extinção do welfare-state etc. É
importante conhecer suas bases teóricas e a linha de argumentos que a conduz a tais
conclusões e propostas.
Para seus teóricos, o Estado está sujeito a incorrer em mais falhas do que o
mercado, no processo de produção/provisão de bens e serviços de sua responsabilidade,
tornando-se recomendável reduzir ao máximo suas atividades – daí a concepção do Estado
mínimo – e retransferir para o setor privado muitas de suas atuais atividades. Para essa
escola, portanto, as falhas do mercado não justificam a intervenção do Estado na
35
economia, porque além de não haver nenhuma garantia teórica de que essas serão
corrigidas, a ação estatal pode apresentar falhas ainda mais graves para a eficiência do
sistema.
Isso ocorre porque, neste mercado, os atores que nele atuam – eleitores, políticos
profissionais, burocratas etc. -, se guiam pelos mesmos objetivos, que é a maximização de
seus ganhos (utilidades), embora com propósitos distintos, mas sem levarem em conta a
existência de restrições orçamentárias para suas ações (o que não ocorre nas trocas
econômicas), produzindo, como conseqüência, um excesso de gastos em relação às
receitas públicas. Assim, no processo democrático, enquanto o eleitor busca, através de seu
voto, maximizar suas utilidades por determinadas políticas públicas, o objetivo do político
profissional, que patrocina essa oferta, é o de maximizar seu mercado de votos, enquanto o
dos burocratas estatais, responsáveis pela sua implementação, o de assegurar, para si,
prestígio e mesmo maiores salários. Essa multiplicidade de interesses tornaria, segundo a
teoria, o processo democrático gerador de ineficiência na alocação de recursos da
economia, acarretando perdas para o sistema.
Para Przeworski (1995:26) “a perspectiva central dessa visão (…) é que o mercado
aloca recursos para todos os usos mais eficientemente do que as instituições políticas. O
processo democrático é defeituoso e o Estado é uma fonte de ineficiência. Nessa versão da
teoria, o processo político é visto como inferior ao mercado por causa de suas
imperfeições.” Mas, em sua versão mais radical, na chamada linha de investigação
conhecida como rent seeking – “caçadores de renda” -, “o Estado sequer precisa fazer
alguma coisa para que as ineficiências ocorram: basta a mera possibilidade que possa vir a
fazer qualquer coisa.” Nessa versão, segundo Pzerworski, “não há espaço para política; a
política é simplesmente um desperdício”.
Segundo Hartle (1983), a “Theory of Rent Seeking” tem por objetivo “… fornecer
uma estrutura conceitual que permita analisar o poder dos lobbies para influenciar
mudanças na política econômica, visando obter benefícios com a sua implementação e/ou
escapar de custos delas derivados.” Para isso, ainda segundo sua argumentação, o objetivo
de investigação da Teoria dos Rent Seeking é o de desvendar como os indivíduos ou
grupos (coalizões) com interesse comum investem com o objetivo de:
Ou seja, a teoria pressupõe que existe, por parte dos agentes econômicos, a busca –
caça – de uma renda criada por alguma ação/intervenção do governo e de que estes se
organizam para sua apropriação através do espaço orçamentário, visando maximizar suas
utilidades. Mas que este processo político termina gerando desperdícios que se traduzem,
inevitavelmente, em redução do bem-estar da sociedade. Não porque alguns perdem e
outros ganham com a ação governamental, mas porque a sociedade, como um todo,
termina tendo prejuízos líquidos. Por um lado, porque ela envolve custos; em segundo,
porque gera rendas monopólicas – o aumento de uma tarifa de importação para um
determinado produto (proteção), por exemplo -, fazendo com que o equilíbrio alcançado
não corresponda ao de “Pareto eficiente”; em terceiro, porque recursos são desperdiçados
pelos grupos envolvidos no processo para influenciar o governo na sua decisão, através de
lobbies, campanhas etc. Nessa situação, mesmo que o governo termine decidindo não
intervir, o desperdício de recursos terá garantido uma redução de bem-estar da sociedade.
Nessa situação em que a intervenção do Estado é radicalmente visto como sinônimo de
ineficiência, não há espaço nem para sua atuação nem para o processo político.
caia para BP. Na análise tradicional, o novo equilíbrio da economia seria no ponto MP. Mas
como os setores que foram favorecidos pela medida governamental despenderam recursos
para apoiá-la/legitimá-la, as possibilidades de produção reduzem-se, com a economia
passando a operar em P, um ponto menos eficiente (na curva de possibilidades de
produção), dado o desperdício de recursos. De acordo com esse argumento, mesmo que o
governo apenas anuncie sua intenção de aprová-la e depois abandone a idéia, inevitáveis
gastos serão realizados pelos setores contrários ou favoráveis à sua aprovação,
ocasionando desperdícios de recursos e reduzindo a eficiência do sistema.
Przeworski (1995:32/3) aponta algumas razões que não sustentam essa tese. Para
ele: a) “… nem todas as alocações podem ser comparadas com a linguagem técnica da
eficiência. (…) o ponto M pode se localizar em uma fronteira de possibilidades que é
superior ao ponto P, mas o movimento de P para M prejudicaria alguém: então M não é
Pareto superior a P. Porque, segundo ele, “a menos que haja uma alternativa que deixe
cada um igual ou melhor que antes, uma política não é ineficiente”; b) “dizer que uma
política provoca desperdícios é afirmar que ela reduz a renda nacional, mas não que reduz
necessariamente o bem-estar social [por ser característica] dessas ações beneficiar algumas
pessoas e prejudicar outras”, tornando indeterminados seus resultados, a menos que, alerta
o autor “ a utilidade seja medida em termos de dinheiro”; e c) “se qualquer ponto na
fronteira de possibilidade de produção fosse economicamente possível, P nunca seria
escolhido por um político maximizador de apoio.”
De qualquer forma, para essa escola seria necessário fechar as portas do welfare
state, nos países centrais, e a dos Estados Nacionais Desenvolvimentistas, na periferia do
capitalismo, como observa Affonso (2003:39-40), considerados as principais fontes de
desperdício de recursos e de ineficiência. Dessa concepção, que implica negar às falhas do
mercado a justificativa para a atuação do Estado, a qual integra o corpo teórico do
pensamento clássico, neoclássico e keynesiano, derivaram as primeiras propostas de
reformas do Estado, mais tarde chamadas de “reformas de primeira geração”, tidas como
essenciais para o ajuste macroeconômico, as quais consistem, basicamente, em seu
saneamento financeiro (fonte principal de instabilidade e desequilíbrios do sistema) e na
redução de suas atividades, por meio da privatização das empresas públicas, diminuição
dos gastos sociais e das políticas públicas e da desregulamentação dos mercados em geral.
Em conjunto, essas propostas vão encontrar sua grande síntese, no final da década de 1980,
no projeto que ficou conhecido como “Consenso de Washington”, um receituário
neoliberal com que se pretendeu ensinar aos países como resolver e superar suas crises, por
meio da adoção da fórmula mágica “menos Estado e mais mercado.”
Essa nova concepção teórica talvez não tivesse despertado tanto interesse e apoio
se o mundo capitalista não estivesse se transformando nessa época, com o avanço da
Terceira Revolução Industrial e o processo de globalização, tornando sagrados os
compromissos com a abertura das economias, a concorrência e eficiência e com a
desregulamentação dos mercados financeiros e de produtos. As mudanças ocorridas na
concepção teórica sobre o Estado e o mercado, ao coincidirem com as novas necessidades
do sistema abriram as portas para justificar a onda de privatizações que iniciadas na
Inglaterra no governo conservador de Margaret Thatcher e nos Estados Unidos, de Ronald
Reagan, alastraram-se rapidamente, na década de 1980, pela Europa (Itália, Espanha,
França, Alemanha) e o restante do mundo. Seu coroamento deu-se com a implementação
das propostas contidas no “Consenso de Washington” em economias que apresentavam
vários desequilíbrios no final da década de 1980 e início dos anos 1990, notadamente na
38
América Latina, Leste Asiático, Leste europeu, após a queda do comunismo, vistas como
capazes de garantir sua redenção.
Gráfico 1
Produção Importada
BM M
MP
BP p MP
0 AM AP Produção nacional
Não surpreende que nova revisão teórica sobre o papel do Estado tenha sido
39
Como ainda coloca Affonso (2003) em seu trabalho, as duas correntes teóricas que
se afirmam no pensamento hegemônico após os desastrosos resultados colhidos com a
implementação das reformas neoliberais de primeira geração, o “Neo-institucionalismo” e
a “Nova Economia Política”, deslocam a ênfase da oposição estéril entre “Estado x
mercado”, que conduziu às propostas do Estado mínimo, para propor alternativas que
conciliem e otimizem sua atuação conjunta. Para a primeira corrente, o neo-
institucionalismo, trata-se de reconstruir e fortalecer as instituições do Estado, visando
torná-lo eficiente, ágil e capaz de contribuir para o funcionamento dos “mercados livres” e
da concorrência. Para a segunda, que admite resultados diferentes do “ótimo de Pareto” e a
inevitabilidade de trade-off entre eficiência, equidade e democracia, ainda segundo aquele
autor, há espaços para acomodar o papel do Estado no sistema, desenhando um novo
sistema regulatório indispensável para garantir uma economia competitiva e inovadora.
Baseadas nos fundamentos teóricos dessas correntes, convergem, na atualidade, as
propostas de reformas (chamadas de “segunda geração”) do Estado formuladas pelo BIRD,
FMI e BID.
A visão marxista a respeito do Estado evolui do que Hirsch chama de uma "crítica
ideológica" do Estado, que subentende uma polarização simples entre este e a classe
operária para um estágio em que para apreender "... o modo de funcionamento pelo qual a
dominação da burguesia se reproduz [torna-se crucial] elucidar um campo complexo de
relações entre classes e frações de classes que encontram seu ponto de cristalização
contraditório no sistema institucional do Estado." Ou seja, o tratamento dessa questão
exige que se desvele como "... a classe dominante não apenas justifica sua dominação, mas
consegue preservar o consenso ativo daqueles que são governados", ou, através de que
formas se garante a reprodução da dominação de classes na sociedade capitalista. (Hirsch,
1977:86-7)
Partindo do pressuposto "de que toda sociedade de classe se caracteriza por uma
relação de violência que garante a exploração de uma classe pela outra" Hirsch levanta a
questão chave colocada por Paschukanis: “se o Estado é um instrumento da classe
dominante, por que não se constitui ele num aparelho privado dessa classe e dela se separa,
revestindo-se de um aparelho público institucional, separado da sociedade? Sua resposta é
a de que, diferentemente dos outros modos de produção anteriores, "... numa formação
social capitalista é preciso que a exploração e a reprodução das classes não se efetuem (e
não possam se efetuar) diretamente pela utilização física da violência, mas através da
própria reprodução das relações de produção, regida pela lei do valor." Essa tende a ser
41
transferida para uma força externa ao processo - o Estado -, ocorrendo, assim, uma
separação entre o que ele chama de dominação econômica - a violência "muda", a
exploração, que é inerente ao próprio modo de produção capitalista - e a dominação
política - a violência física - comandada pelo Estado. Para ele "...esta separação do
aparelho de coerção física com relação ao proletariado e à burguesia é o elemento
fundamental da forma de dominação da classe burguesa." (Hirsch, 1977:88)
Para O’Connor "... o Estado capitalista tem de tentar desempenhar essas duas
funções básicas, que são, muitas vezes, contraditórias. São essas funções que determinam o
volume e a alocação das despesas estatais distribuídas, respectivamente, entre capital social
e despesas sociais ( 1977:19).
confere a aparência de sobrepairar acima dessas mesmas classes e perseguir, por moto
próprio, o bem estar geral da sociedade.
Cabe notar que não existem regras nem quotas específicas para a distribuição ou
aplicação dos recursos apropriados pelo Estado tanto nesses campos de sua atuação como
no seu interior. Cada contexto e realidade histórico-concretos determinam essas
necessidades, de acordo com o objetivo de garantia da reprodução do sistema. Como
apontam Salama e Mathias (1983:9-11), “nos países capitalistas desenvolvidos, o Estado
intervém relativamente mais na reprodução da força de trabalho do que no setor produtivo,
ao contrário do que se constata nos países subdesenvolvidos.” Isso se explica porque, na
primeira, as forças produtivas já foram devidamente constituídas, dispensando o Estado de
ocupar áreas mais afeitas ao capital, enquanto na segunda essas se encontram em fase de
constituição, dependente de sua ação. Por isso, as estruturas orçamentárias e o padrão de
intervenção do Estado costumam ser distintos nessas realidades, embora persigam os
mesmos objetivos.
2. Uma vez assentadas as bases desse sistema, que opera sob os pressupostos
teóricos da livre concorrência, o Estado se torna desnecessário para o seu
funcionamento. Isto porque, de acordo com a doutrina liberal, o mercado
dispõe de mecanismos auto-reguladores capazes de corrigir seus desequilíbrios
e, segundo a visão marxista, apesar de produzir e reforçar suas desigualdades, a
lei do valor opera plenamente no capitalismo competitivo. Nessa perspectiva,
ao Estado caberia apenas a tarefa de garantir as condições externas para a
reprodução do sistema e atuar para corrigir falhas localizadas na alocação de
recursos, que levam à perda de eficiência do sistema;
Desse relato fica evidente que: a) o papel desempenhado pelo Estado capitalista
tem uma determinação histórica, que só pode ser entendido no contexto das necessidades e
crises do sistema e das condições exigidas para sua reprodução; b) nos momentos em que o
mercado mostrou-se incapaz de garantir, endogenamente, essas condições, o Estado foi
convocado para desempenhá-las, politizando a economia, ao trazer para o seu seio a
regulação dos conflitos entre as classes e suas frações; c) o aumento crescente de seu papel
na economia, como resultado desse processo, terminou conduzindo-o a um forte
desequilíbrio financeiro, que passou a ser identificado como a causa primária da crise do
sistema, cuja remoção se torna indispensável, na visão neoliberal, para restaurar as suas
forças e recuperar sua eficiência. A implementação de suas propostas nessa direção
mostrou-se, contudo, contrárias aos seus propósitos, exigindo a reintrodução, sob outra
forma, do Estado no sistema.
objetivo de seus gastos. Se assim fosse, não restam dúvidas de que o mercado seria, do
ponto de vista da eficiência, superior ao Estado. Mas a tese – nunca comprovada – de que
as preferências individuais, expressas nessas demandas, podem ser agregadas para
determinar a oferta de bens e serviços pelo Estado, torna essas posições insustentáveis
teoricamente. As teorias neo-institucionalista e a Nova Economia Política procuram
flexibilizar essas posições sobre o Estado e mercado, mas não vão além, em sua essência,
dessa tentativa de acomodação “controlada” do primeiro no sistema.
O que parece mais problemático naquela teoria (a dos rent seeking) é a sua
obsessão em opor Estado e capital, em considerá-los pólos opostos, antinômicos, e
compará-los do ponto de vista da eficiência, quando, na verdade, constituem partes
integrantes do mesmo sistema, cabendo ao primeiro o papel de criar as condições
necessárias para a reprodução do sistema. O que torna a questão da eficiência irrelevante
para o processo, uma vez que, em alguns momentos, essa talvez tenha de ser “sacrificada”
para que o capitalismo triunfe enquanto modo de produção.
A maior insatisfação que existe em relação à visão marxista do Estado, que mostra
claramente os limites que a propriedade privada dos meios de produção coloca para a
melhor alocação de recursos pela sociedade, é a ausência de espaços para o processo
democrático influenciar nesse processo (ver, para essa crítica, Przeworski, 1995). Mas
essa não parece uma crítica relevante. Porque, sempre que pressionado – e as conquistas da
sociedade na construção de um capitalismo mais democrático não podem ser ignoradas – o
sistema acabou por acomodar as demandas da sociedade, legitimando-as, sem colocar em
risco seus alicerces.
46
Pode ser que o atual enfraquecimento do Estado, devido à crise financeira em que
se encontra mergulhado e à sua crescente incapacidade de continuar provendo bens
públicos essenciais à sociedade, mesmo dela extraindo níveis elevados de receitas, por
meio da tributação, conduza à consolidação de novas formas de sua atuação ou até mesmo
à sua substituição por outros meios alternativos de organização da sociedade e de
relacionamento com o capital. Se isso ocorrer – e só a história o dirá – as novas estruturas
que surgirem terão de acomodar essas novas situações. Ou o capital já não mais será o
mesmo sem o Estado.
Com base neste sucinto relato feito sobre a evolução do Estado na economia e no
pensamento econômico, e da trajetória por este percorrida no Brasil, é possível fazer uma
periodização visando situar o seu envolvimento na economia brasileira, a partir da
4
Não se pretende, aqui, reconstituir, com detalhes, as várias etapas de formação do Estado brasileiro.
Vários autores, como Draibe (1985), Prado (1985) e Martins (1985), entre outros, realizaram, com
competência e clareza, essa análise. Nosso propósito visa apenas resgatar, nessa evolução, os elementos
dessa trajetória que se enquadram nas teorias discutidas nas seções anteriores que influenciaram sua
conformação, tamanho e papéis, refletidos nas suas estruturas de financiamento e de gastos.
47
instauração da República, no país, até os dias atuais. São três os períodos que podem ser
destacados:
a) o que se estende até o início da década de 1930, revela um Estado frágil institucional,
econômica e financeiramente, destituído de condições de implementar políticas de
âmbito nacional.
b) o que se inicia nos anos 30 e se prolonga até início dos anos 80, um Estado que deu
início, avançou e consolidou suas bases materiais e institucionais, libertando-se dos
interesses oligárquicos imediatos e colocando-se em condições de atuar como um
Estado moderno, capitalista e de implementar políticas de âmbito nacional. Neste
período é um Estado que se caracteriza por um forte envolvimento, intervencionismo e
regulação em vários campos da vida econômica e social – educacional, trabalhista,
previdenciário etc. No campo econômico, antecede, com essa atuação, já nos anos 30,
as formulações keynesianas a respeito do novo papel que este deveria cumprir diante
das dificuldades postas pela crise mundial deflagrada em 1929, ao mesmo tempo que
se coloca como precursor das idéias cepalinas sobre a sua importância para o processo
de desenvolvimento das economias atrasadas.5
Um que se estende dos anos 30 até 1964, quando, ancorado em bases fiscais e
financeiras frágeis e respaldado por um pacto político - a base do "Estado de
Compromisso" - que lhe impedia a realização de reformas instrumentais - tributária,
financeira etc. - indispensáveis para o cumprimento de seu novo papel, o Estado se vê
compelido a lançar mão da empresa pública como instrumento de financiamento, através
da contratação de recursos externos, e da criação de inúmeros fundos fiscais vinculados
para assegurar recursos de investimentos para os setores nascentes. De fato, como se pode
observar na Tabela 1.2, apesar do maior esforço de investimentos que passou a ser exigido
do Estado, os gastos governamentais da administração direta situaram-se, até o ano de
1964, em torno de modestos 15% do PIB.
c) o que tem início, nos anos 80, revela um Estado em crise, mergulhado numa profunda
crise fiscal, dardejado pelo surgimento das idéias neoliberais, questionado em sua
dimensão e eficiência pelas mesmas elites que o mantiveram prisioneiro de seus
interesses, enquanto vigorou o pacto que deu sustentação ao desenvolvimentismo.
Marcado por acentuados desequilíbrios fiscais e financeiros e com a economia
submetida a permanentes ondas de instabilidade, o Estado, concluída a administração
do presidente José Sarney (1985-1989), que representou o ocaso do já moribundo
projeto desenvolvimentista, se tornará presa fácil do novo pensamento dominante, o do
49
neoliberalismo, que enxerga em suas ações as causas dos problemas que afetam a
eficiência do sistema e, na redução de seu papel e de sua retirada do mundo
econômico, o caminho para sua salvação.
Por essa razão, o Estado que começou a ser reconstruído neste período, no Brasil,
seguiu as recomendações preconizadas pela doutrina neoliberal, consubstanciadas nos
postulados do Consenso de Washington, representando uma ruptura com o Estado de
vertente keynesiana/cepalina. Ao contrário do Estado que atuou, nas etapas anteriores do
desenvolvimento do País, como condutor, organizador e agente estruturante deste
processo, com forte atuação na constituição de suas bases, por meio das empresas estatais,
dos investimentos públicos e da implementação de políticas voltadas para estimular o
investimento privado, o modelo de Estado que surgiu deste novo paradigma passou a
assentar-se no compromisso de ampliação dos espaços para garantir a soberania do
mercado.
Tudo isso significava, em poucas palavras, promover reformas tanto para sua
retirada da vida econômica como para remover obstáculos que se opunham ou limitavam a
ação do capital privado, sobretudo o internacional, na busca de maior eficiência, casos da
elevada carga tributária e de sua incidência sobre a produção, os investimentos e a as
exportações, da forte regulamentação dos mercados, em geral, e, inter alia, do baixo grau
de abertura da economia.
Nessa visão, em que não há mais lugar para o Estado intervencionista nos campos
econômico e social, a este se recomenda libertar da herança keynesiana/cepalina para
aliviar o capital do fardo, do ônus que suas políticas impõem e representam para o
crescimento e a estabilidade da economia, reduzindo o seu tamanho e reformando suas
instituições para gerir, com responsabilidade, suas finanças, visando não perder
credibilidade, tendo como prioridade a garantia de pagamento, aos seus credores, da dívida
pública e de seus encargos. Mesmo que, para isso, fosse necessário comprometer, na
perspectiva marxista, o seu papel como agente de legitimação.
Ironicamente, para garantir o pagamento dessa dívida, foi nesses governos que a
carga tributária conheceu crescimento inédito, ultrapassando a casa dos 35% do PIB – uma
receita produzida por uma estrutura totalmente descomprometida com os princípios da
tributação, como os da competitividade, da neutralidade e da equidade. Seduzidos pela
nova doutrina dominante, empenharam-se, na realidade, em ajustá-lo às exigências do
processo de globalização, não medindo esforços para retirar do Estado o seu papel como
50
Com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o comando do país em
2002, essa política não somente foi mantida como aprofundada, apesar de se terem
registrado alguns pequenos avanços no campo social, especialmente com o fortalecimento
do programa ‘Bolsa-Família”, indispensável para a legitimação do governo, dando-se
prosseguimento à desmontagem de suas bases materiais e financeiras como agente
responsável pela implementação de políticas essenciais para o desenvolvimento e para o
bem-estar social. A remodelagem (ou “reinvenção”) de seu aparelho, em nome da
eficiência e eficácia, bem como a limitação de seu papel à de agente “regulador”, reflete as
exigências colocadas pelo capital, nestes tempos de globalização, em que o afastamento do
Estado dessas atividades é por ele considerado essencial para garantir seu “curso natural”,
sem incorrer em ônus excessivo representado pela necessidade de manter o apoio e coesão
das classes dominadas, por meio de políticas redistributivas, que drenem parcela
substancial de seus ganhos. Tema, cuja discussão é retomada nos capítulos seguintes.
6
Essas questões são retomadas e discutidas com maior profundidade nos próximos capítulos.
51
Tabela 1.2
A Evolução do Estado na economia brasileira na República
1889-2006
Períodos Características
• reduzida participação nas atividades
produtivas;
1ª República • manejo da política econômica,
Estado liberal e economia agroexportadora principalmente da política cambial, para
(1889-1930) defender os interesses do setor hegemônico,
o cafeeiro;
• carga tributária e gastos públicos entre 10%
e 15% do PIB
• Avanço e consolidação de suas bases
materiais e institucionais;
• Forte intervencionismo na vida econômica e
social;
Estado Desenvolvimentista e Industrialização • Carga tributária e gastos orçamentários ainda
1ª fase: 1930-1964 reduzidos (entre 15% e 20% do PIB) devido
à estreiteza das bases de tributação e dos
compromissos políticos (“Estado de
compromisso”);
• Mecanismos complementares de
financiamento: empresas públicas, fundos
vinculados, déficits e dívida
• Reformas do quadro instrumental e
institucional (tributária, administrativa,
Estado Desenvolvimentista, Autoritarismo e financeira etc.) para aumentar eficiência e
Redemocratização capacidade de financiamento;
2ª fase: 1964-1989 • Forte intervencionismo na economia, com
ampliação das empresas estatais;
• Elevação da carga tributária e dos gastos
orçamentários para 25% do PIB
• Crise fiscal;
• Predomínio das idéias neoliberais;
• Retirada da atividade econômica, com
privatização de estatais, desregulamentação e
Globalização, Neoliberalismo e Crise Fiscal: desmonte de políticas sociais e regionais;
1990-(...) • Reformas das instituições, ajustes e
compromissos com a política de
sustentabilidade da dívida;
• Elevação da carga tributária, que ultrapassa a
casa dos 35% do PIB, para promover o
ajuste fiscal;
• Aumento dos gastos com o pagamento dos
juros da dívida, para evitar seu descontrole.
Fonte: elaboração do autor.
52
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO II
1. INTRODUÇÃO
Lato sensu costumam-se incluir no rol das receitas, os empréstimos (ou dívidas)
realizados pelo setor público, na forma de títulos ou contratos, à medida que os mesmos
configuram entradas de recursos nos cofres públicos. Embora pela sua importância no
financiamento do setor público e pela sua crescente participação nos sistemas financeiros
modernos, tal instrumento mereça uma análise detida de suas implicações
macroeconômicas, não pode ele ser considerado uma receita propriamente dita do setor
público, mas uma alternativa de financiamento de seus gastos em face da insuficiência de
recursos próprios para materializá-los. O fato é que, embora se possa identificar uma
diversidade de fontes de onde se originam as receitas públicas, são predominantes as que
se vinculam ao Estado-empresário e à tributação.
Ambas são de natureza distinta, sendo, portanto, diversos os efeitos por elas
engendrados sobre a produção e a distribuição. As receitas provenientes da atividade
empresarial do Estado não constituem ônus para a sociedade - a não ser nos casos em que
o governo tenha de lançar mão de recursos fiscais para viabilizar sua implantação ou cobrir
eventuais prejuízos que elas apresentem - mas afetam, via de regra de forma positiva, a
riqueza gerada no país, contribuindo para a valorização do capital em geral, à medida que
geralmente se tratam de empresas que fornecem matérias-primas e bens intermediários
para o setor privado a preços subsidiados.
ganhou dimensão ainda maior, no século XX, pois, diante de uma burguesia fraca
financeiramente, a ele foi atribuída a responsabilidade pelo alargamento, avanço e
consolidação das bases do capitalismo. Este quadro começou a ser desmontado com o
avanço das idéias liberais e ganhou força a partir da década de 1980, quando um vigoroso
processo de privatização das empresas estatais, respaldado na tese sobre a necessidade de
encolhimento do Estado tornou-se dominante no mundo capitalista e disseminou-se,
ideologicamente, no mundo em desenvolvimento, reduzindo expressivamente o plantel das
empresas estatais no setor produtivo.
2. 0 ESPAÇO ORÇAMENTÁRIO
Nas finanças públicas, o Orçamento constitui, stricto sensu, a peça através da qual
se administram as receitas, as despesas e a dívida dos poderes públicos. Como todo
instrumento, é ele também determinado historicamente, tendo assumido em diferentes
períodos, papéis e feições distintas. No período liberal, por exemplo, prevaleceria entre
economistas e financistas, a opinião de que a obtenção de um Orçamento Equilibrado -
situação em que as receitas não são inferiores às despesas - constituía um indicador
inquestionável de uma boa e sadia administração financeira.
manejado quer para amortecer as flutuações cíclicas da economia, ao ser direcionado para
influir sobre o nível de investimento e de emprego, quer para combater as oscilações do
nível de preços e mesmo para promover uma melhor distribuição de renda.
7
A Carta Magna (na verdade, uma declaração de direitos) foi assinada pelo rei João da Inglaterra (1199-
1216), dito João Sem Terra, irmão de Ricardo “Coração de Leão”, em 15 de junho de 1215, perante o alto
clero e os barões do reino, e além do compromisso com ela assumido pelo rei de só cobrar impostos e
decidir sobre questões de guerras consultado o “Conselho de Nobres”, incluiu o direito de locomoção e de
58
Esta representou, contudo, apenas mais uma etapa na longa marcha deste processo,
que somente seria concluído em 1688, com a eclosão de uma nova revolução inglesa,
conhecida na literatura como “Revolução Gloriosa”, que consolidaria o princípio do
consentimento do tributo e estabeleceria, de forma definitiva, a separação entre as finanças
do rei e as do Estado, dando início à estruturação de mecanismos para exercer o controle
também de seus gastos. Os aperfeiçoamentos que gradualmente foram sendo introduzidos
nestes instrumentos de controle das finanças do Estado, pelos representantes políticos da
sociedade, conduziriam, em 1822, à aprovação, pela primeira vez, no Parlamento inglês, da
peça que atualmente conhecemos como orçamento público, com a qual se passou a fixar e
a autorizar, em cada exercício, não somente a receita, mas também a despesa do Estado.
Essa breve incursão à história do orçamento confirma que, na sua origem, sua
criação deveu-se à necessidade de se contar com um instrumento de controle efetivo das
ações do Estado, no que tange às suas decisões sobre a extração de impostos da sociedade
e sobre a realização de seus gastos, numa época em que a atividade do planejamento
permanência dos cidadãos no reino (o direito de “ir e vir”), sendo também considerada precursora do
instituto do “hábeas corpus”, no campo jurídico.
59
O Orçamento pode ser visto, portanto, como o espelho da vida política de uma
sociedade, à medida que registra e revela, em sua estrutura de gastos e receitas, sobre que
classe ou fração de classe recai o maior ou o menor ônus da tributação e as que mais se
beneficiam com os seus gastos. É ainda Baleeiro quem afirma revelar
Para os autores das escolas clássica e neoclássica, o orçamento era apenas um instrumento
de controle das contas governamentais, elaborado com o objetivo de conter suas ações – e
seus gastos – dentro de limites que não se tornassem disfuncionais para a eficiência do
sistema econômico. Prevalecia, portanto, para essa escola, a visão do orçamento como um
instrumento contábil, enquanto mecanismo de controle de suas receitas e de sua aplicação
60
O orçamento não pode ser entendido, portanto, apenas como uma peça técnica e
instrumental de política econômica e de planejamento, através da qual o Poder Executivo
61
Além destes ainda pode ser apontado o princípio do equilíbrio - herança clássica
que expressa a preocupação dessa corrente com as conseqüências para a estabilidade
monetária de um excesso de gastos sobre as receitas.
8
Para os pontos acima, consultar: Giacomoni, James. Orçamento Público. 4ª edição. São Paulo, Atlas,
1992.
64
Essa situação perduraria até 1964, quando um novo golpe de Estado comandado
pelos militares instalaria novamente, no país, um regime autoritário, transformando o
orçamento numa peça utilizada para viabilizar e materializar seus objetivos como donos do
poder, sem terem de prestar contas à sociedade, caracterizando o orçamento, mais uma
vez, como de tipo executivo. Antes de examinar um pouco mais detalhadamente as
características do orçamento vigente até 1988, quando foi aprovada uma nova Carta
Magna do país comprometida com os objetivos de redemocratização, após a queda do
regime militar em 1985, convém tecer alguns comentários sobre a evolução da instituição
orçamentária no Brasil entre 1831 e 1964, à luz dos papéis que lhe são atribuídos.
Quadro 2.1
Tipos de orçamento praticados no Brasil
Período Tipo
1831-1891 Misto
1891-1934 Legislativo
1934-1937 Misto
1937-1945 Executivo
1946-1964 Misto
1964-1988 Executivo
1988-(...) Misto
À Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que representou, por sua vez, uma
novidade no processo orçamentário, são atribuídas as seguintes funções: a) definir as metas
e prioridades da administração pública federal - ou seja, do Plano Plurianual -, incluindo as
despesas de capital para o período subseqüente; b) orientar a elaboração da lei
orçamentária anual; c) dispor sobre alterações na legislação tributária; d) estabelecer a
política de aplicação de recursos das agências financeiras de fomento (BNDES e Caixa
Econômica Federal, por exemplo); e e) autorizar a criação de cargos e carreiras, concessão
de vantagens ao funcionalismo e contratação de pessoal.
A Lei Orçamentária Anual compreende, por sua vez, três segmentos: o Orçamento
Fiscal, o Orçamento de Investimento das Empresas Estatais e o Orçamento da Seguridade
Social. Deve ser encaminhada pelo Executivo para o Congresso até o dia 31 de agosto de
cada ano, votado e devolvido ao Presidente da República até o dia 15 de dezembro, o qual,
por sua vez, tem a responsabilidade de sancioná-lo com ou sem vetos.
deputados do Congresso, a quem cabe, também, examinar e emitir parecer sobre o Plano
Plurianual, a LDO, o Orçamento Anual e os créditos adicionais solicitados e também sobre
os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição. Para o
desempenho da tarefa de fiscalização por essa Comissão, determina a Constituição que o
Executivo deve publicar, até 30 dias após o encerramento de cada bimestre, relatório
resumido da execução orçamentária, constituindo este, portanto, o instrumento utilizado
para avaliar a compatibilização entre as contas do governo e as diretrizes estabelecidas. O
controle externo, por sua vez, é também de responsabilidade do Congresso Nacional, que
conta, para o desempenho desse papel, com a participação dos Tribunais de Contas, a
quem cabe, entre outras funções, apreciar e julgar as contas prestadas anualmente pelo
Executivo, na figura do presidente da República.
Quadro 2.2.
ETAPAS E FASES DO PROCESO ORÇAMENTÁRIO
• Elaboração, pelo Executivo, à luz da LDO, do Projeto de Lei Orçamentária (PL), a ser
encaminhado para apreciação do Congresso Nacional
Período: 01 de julho a 31 de agosto
• Avaliação pelo Executivo da consistência das re-estimativas de receitas e gastos realizadas pelo
Legislativo, à luz do cenário macroeconômico da época e das metas fiscais estabelecidas, e
correção de eventuais desequilíbrios que forem identificados, através do processo de
contingenciamento dos gastos.
Período: até 30 dias após a sanção da Lei Orçamentária Anual pelo presidente da
República
Caso algum partido político não contasse com a indicação de algum de seus
parlamentares para as relatorias, passou a lhe ser permitido indicar observadores para o
acompanhamento destes trabalhos, reforçando sua fiscalização. Em 2001, os relatores
adjuntos foram extintos, mas foi mantido o caráter colegiado das relatorias, que passaram a
se distribuir em dez áreas temáticas (Poderes do Estado e Representação; Justiça e Defesa;
Agricultura e Desenvolvimento Agrário; Infra-estrutura; Educação, Cultura, Ciência e
Tecnologia, Esporte e Turismo; Saúde; Assistência e Previdência Social; Integração
Nacional e Meio Ambiente; Planejamento e Desenvolvimento urbano). Nessa mudança, a
idéia de que entre olhares vigilantes que se cruzam e se fiscalizam, se nem todos estiverem
maculados, há sempre uma chance para a ética.
Embora não tenha sido criada especificamente para essa finalidade, a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) aprovada pelo Congresso Nacional, no mês de maio do ano
2000, foi mais um instrumento que surgiu, neste período, para fortalecer o orçamento para
os objetivos do planejamento governamental e para o controle das finanças do Estado.
Criada para ser um instrumento de controle e de equilíbrio fiscal, a LRF, ao exigir das
administrações públicas responsabilidade na gestão de suas finanças, sob pena de severas
punições, forneceu as condições legais e formais necessárias para o planejamento, o
controle e a transparência das contas públicas. Isso, por algumas razões.
9
Para os pontos acima, consultar o trabalho coordenado por Rezende & Cunha (2004).
74
monetária alcançada com o Plano Real, a partir de 1994, dando mais consistência às
previsões de gastos e receitas dos governos em geral, aparecem como mudanças que
indicavam para uma melhor organização orçamentária e para o resgate deste instrumento
enquanto mecanismo de controle, planejamento etc. O que se assistiu, contudo, a partir da
segunda metade dos anos de 1990, foi à reprise de um período de grandes incertezas e de
acentuada desorganização orçamentária, situação que se mantém até os dias atuais.
Nessa situação, nem o orçamento se apresenta como um campo onde são decididos
os objetivos de gastos do governo, já que parcela expressiva destes se encontra pré-
definida, nem como instrumento confiável de planejamento, à medida que os reduzidos
gastos de natureza discricionária, ou seja, aqueles que podem sofrer cortes (entre os quais
se incluem os investimentos) podem continuamente ser ajustados para garantir o
pagamento dos juros, tornando-se, portanto, incertos.
76
Quadro 2.3
Vinculações das Principais Receitas de Impostos e de Contribuições Sociais no Orçamento de 2002
(em %)
Receitas Vinculações
Impostos
Importação 18% para a educação após dedução de 20% para a DRU
Exportação 18% para a educação após dedução de 20% para a DRU
ITR 50% para os Municípios Educação: 18% após transferências constitucionais e
DRU
IR FPE: 21,5% FPM:22,5% Fundos Educação: 18%, após transferências
Regionais: constitucionais e dedução para a DRU
3%
IPI FPE: 21,5% FPM:22,5% Fundos Fundo Educação: 18%,
Regionais: Compensação às após Transf.
3% Exportações: Const. e DRU
10%
IOF 18% para a educação após dedução de 20% para a DRU
IOF-ouro Estados: 30% Municípios: 50% Educação: 18% após transferências Constitucionais e
DRU
Contribuições Sociais
Cofins Seguridade/Previdência: 80%
Pis/Pasep FAT: 60% BNDES: 40%
Salário-Educação FNDE: 1/3 Secretarias Estaduais de Educação: 2/3
CPMF Saúde: 42,1% Previdência: 21% Fundo de Pobreza: 21,1%
Cont. Prev. – RGPS Custeio dos Benefícios Previdenciários: 100%
Cont. Prev. – Serv. Aposentadoria do Setor Público: 100%
CSSL Seguridade Social: 80%
Fonte: Cunha, Armando & Rezende, Fernando (2003)
Quadro 2.4
Conceitos de Despesas
Despesas Obrigatórias: são despesas protegidas por alguma norma constitucional ou legal, cuja cobertura
conta com fontes específicas de receitas vinculadas (educação, saúde, por exemplo) ou que decorrem de
direitos legalmente constituídos, como as que se referem, entre outras, ao custeio dos benefícios da
Previdência Social, o pagamento dos servidores públicos ativos e inativos e as transferências constitucionais
e legais intergovernamentais. A partir de 1999, o superávit primário, ao ser incluído no orçamento federal
como meta prioritária a ser atingida, adquiriu também o status de despesa obrigatória.
Despesa Contingenciável ou Discricionária: Despesas que não são de caráter obrigatório, sendo
passíveis, portanto, de remanejamento, contingenciamento e de cortes no orçamento, como as que dizem
respeito a investimentos, ao custeio da máquina pública e às políticas sociais não protegidas por algum
dispositivo constitucional/legal.
A tabela 2.1 fornece uma boa visão dessa situação. Em 2004, o peso das chamadas
despesas discricionárias se encontrava reduzido a 8,5% do bolo orçamentário, contra cerca
de 80% das obrigatórias e quase 12% referentes ao pagamento dos juros, uma tendência
que tem se acentuado no tempo, como se pode confirmar pelo exame dos números ali
apresentados. Como as despesas discricionárias incluem, também, os gastos com o custeio
da máquina pública, isso significa que o grau de liberdade que se dispõe no orçamento para
a realização de “escolhas orçamentárias” é ainda menor que os 8,5% mencionados,
77
Tabela 2.1
EVOLUÇÃO DAS DESPESAS DO GOVERNO FEDERAL: 1998-2004
Participação (%) no Total
ANO Evolução das Despesas
Obrigatórias Discricionárias Juros Pagos Total
1998 84,9 12,1 3,0 100,0
1999 79,2 9,9 10,9 100,0
2000 81,0 10,5 8,5 100,0
2001 80,1 12,0 7,9 100,0
2002 80,2 10,2 9,6 100,0
2003 81,7 7,6 10,6 100,0
2004 79,9 8,5 11,7 100,0
Fonte: CMO/Congresso Nacional. Elaboração do autor
Os dados contidos na tabela 2.2 não deixam dúvidas sobre essa questão. Como nela
se observa, os investimentos do governo têm sido crescentemente sacrificados em relação
às dotações autorizadas pelo Congresso, especialmente depois de 1999, para garantir o
cumprimento de metas fiscais estabelecidas para o pagamento dos juros da dívida, visando
sustentar o padrão de ajuste fiscal adotado, inviabilizando, com isso, qualquer tentativa ou
proposta de planejamento de longo prazo. Apenas em 2004 constata-se uma ligeira
reversão desta tendência, mas seguida de um rápido retorno à situação anterior pelo menos
em relação ao montante dos investimentos do exercício efetivamente pagos, apesar de
todo o discurso do governo sobre as prioridades do crescimento econômico.
Como os números de sua execução demonstram, isso significa que, por opção da
política econômica e das forças políticas que apóiam o governo, os interesses beneficiados
com os pagamentos dos juros – o capital financeiro nacional e internacional –
conseguiram incrustar-se no orçamento e passaram a comandar as decisões de gastos em
seu benefício, com prejuízo para o desenvolvimento e para a oferta de políticas públicas à
sociedade pelo Estado. Um tema que será retomado mais detidamente nos próximos
capítulos.
11
Nas estatísticas do orçamento, as despesas obrigatórias aparecem sempre subestimadas porque os
agentes responsáveis pela sua feitura – o Ministério do Planejamento e também o Congresso Nacional –
continuam, ainda na atualidade, classificando como discricionárias despesas que são, na realidade,
obrigatórias, como por exemplo, as destinadas à saúde por determinação da Emenda Constitucional
29/2000.
78
Tabela 2.2.
Gastos orçamentários com investimentos do Orçamento Fiscal e da Seguridade
Social: 1999-2007
(em bilhões correntes)
Quadro 2.5
Orçamento Sintético da União
RECEITAS DESPESAS
Receitas Correntes Despesas Correntes
Tributária Custeio
Contribuições Transferências Correntes
Patrimonial
Despesas de Capital
Agropecuária, Industrial e Serviços Investimentos
Transferências Correntes Inversões Financeiras
Outras Receitas Correntes Transferências de Capital
Receitas de Capital
Operações de Crédito
Alienação de Bens
Amortização de Empréstimos
Transferências de Capital
Outras Receitas de Capital
Receita Orçamentária Total (ROT) Despesa Orçamentária Total (DOT)
Fonte: Lei 4.320/64
80
BIBLIOGRAFIA
1. Baleeiro, A. (1978). Uma Introdução à Ciência das Finanças. 12a. edição. Rio de
Janeiro, Forense;
2. Comparato, Fábio Konder (1999). A afirmação histórica dos direitos humanos. São
Paulo, Editora Saraiava;
5. O’Connor, J. (1978). USA: A Crise do Estado Capitalista. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
12. Soboul, Albert (1981). 3ª edição. História da Revolução Francesa. Rio de Janeiro,
Zahar;
81
CAPÍTULO III
OS GASTOS PÚBLICOS:
CLASSIFICAÇÃO E DETERMINANTES*
1. INTRODUÇÃO
Essa era uma visão ainda influenciada tanto pelo estilo de vida faustosa e
dispendiosa que levavam os monarcas e seus familiares nos primórdios do capitalismo
como pelo custo que representava o sustento da corte e dos parasitas que nela
gravitavam para a sociedade e a economia: considerados improdutivos, os recursos
retirados do setor privado para o financiamento do Estado, via tributação, reduziam a
capacidade de poupança e investimento da economia e, portanto, suas bases de
desenvolvimento, sem nenhuma compensação pelos gastos por ele efetuados.
Ainda segundo Musgrave (1973:97) Ricardo, por sua vez, “(...) julgava as
despesas públicas tal desperdício que não sentiu necessidade de discuti-las em sua obra
‘Os Princípios da Economia Política e da Tributação’. Satisfez-se em endossar ‘(...) a
máxima dourada de M. Say, de que o melhor de todos os planos financeiros é o de
menor montante” (Musgrave, 1973:97). Por isso, Musgrave conclui não ser de admirar
que “(...) ao fim do século havia se tornado um hábito entre os autores de tratados das
finanças públicas, na Europa Continental, especialmente entre os franceses e alemães,
considerar Finanças Públicas como ciência da tributação e dar pouca atenção ao aspecto
de despesas do problema”.
Vozes isoladas que discordavam dessa posição, como a de Stuart Mill (1995: 95-6)
argumentavam, sem resultados práticos, que os gastos governamentais, dependendo de sua
destinação, poderiam gerar efeitos multiplicadores ainda maiores que os gastos privados.
Para ele
Apesar disso, e das pressões que se seguiram para a redução do papel do Estado,
continuou significativa sua participação na apropriação da riqueza gerada, por meio da
cobrança de tributos, e elevados os seus gastos no conjunto da economia. Ou seja, pelo
orçamento continuou – e continua – transitando um volume expressivo dessa riqueza,
garantindo-lhe a condição de um poderoso instrumento que pode alterar a distribuição
de renda do país e uma arena, na qual, por essa razão, travam-se embates entre as
classes sociais e suas frações visando melhorar suas posições.
No que diz respeito ao tamanho do Estado, trabalho de Batista Jr. (1996) revela
que, apesar do discurso neoliberal, tanto os gastos públicos como os níveis de
tributação, como proporção do produto nacional bruto (PNB), continuaram a aumentar
nos países membros da OCDE. Apoiado em estudo produzido por este organismo, este
autor conclui que tal fato teria se verificado não somente em países como EUA, Japão e
Alemanha como também no conjunto de países que integram o G-7 e os da OCDE entre
os períodos de 1978-81 e 1992-1995, como mostra a tabela 3.1.
Tabela 3.1
Setor Público nos Países Desenvolvidos¹
(Média dos períodos em % do PIB)
governo com relação ao seu PNB (33% e 36%, respectivamente). [Mas] neles também
se observaram taxas crescentes de 1960 a 1996.” O que o leva a concluir que “em plena
era da globalização e do discurso neoliberal sobre o Estado, a participação dos gastos do
governo no produto nacional continua a aumentar”.
Como tal, o orçamento faz parte da grande casa de negócios comandada pelo
Estado, e é dele – embora não somente – que o capital, assim como os mais poderosos
econômica e politicamente, em disputa com os setores menos favorecidos que, em tese,
deveriam ser seus principais beneficiários, procuram também se valer para se apropriar
87
O forte crescimento dos gastos públicos (do Estado), bem como a multiplicidade de
papéis e funções que passaram a ser-lhe atribuídas após a revolução keynesiana,
despertaram o interesse, nos meios acadêmicos, pela realização de estudos voltados
para explicar as razões deste crescimento e/ou identificar as forças que influenciam a
composição de seus gastos. De vertentes teóricas distintas, as respostas dadas por esses
autores (ou escolas de pensamento) para essas questões, nem sempre foram
satisfatórias, quando não limitadas. Mas é possível identificar, em alguns casos,
elementos importantes que ajudam a compreender as forças que governam
(influenciam) sua composição – e também seu crescimento – e a razão de o Estado,
recorrentemente, esbarrar em crises financeiras periódicas, colocando a necessidade de
realizar reformas tanto em seus instrumentos como na sua forma de atuação e em suas
bases de financiamento.
A rigor, as teorias que tratam dessas questões podem ser classificadas em três
tipos: um, que se preocupa, utilizando dados empíricos sobre a evolução dos gastos do
Estado, em demonstrar sua tendência de crescimento e arrolar as suas causas, mas sem
se preocupar em compreender as forças que interagem no seu interior e influenciam
(determinam) suas decisões. Tudo se passa, como colocado por O’Connor (1977),
como se “forças estranhas” atuassem definindo as atribuições do Estado, com este
respondendo passivamente a essas influências. Neste grupo, se encontram as
explicações de Wagner, Peacock e Wiseman. Outro que, à luz de uma construção
teórica que se apóia na hipótese das “falhas” que apresenta o mercado, sugere normas e
define as funções que devem ser desempenhadas pelo Estado para corrigir as
ineficiências do sistema. Um terceiro que procura apreender, embora com perspectivas
distintas, como essa disputa se trava dentro do orçamento e como os interesses
representados no Estado influenciam e moldam sua estrutura de gastos, bem como as
conseqüências que essa situação pode ocasionar para a sua saúde financeira. Aqui, a
política perpassa todo o Estado, invade e se expressa no orçamento, mas diferem a
forma e os objetivos de sua instrumentalização, bem como os beneficiários e os
resultados finais dos gastos por ele realizados. Neste destacam-se as escolas neoliberal
e marxista. Um breve relato delas é feito em seguida.
88
Embora causas de diversas naturezas tenham sido apontadas para explicar este
comportamento – crescimento demográfico, aumento do grau de urbanização e da renda
per capita da população, traduzindo-se em ampliação da demanda por bens e serviços
públicos ofertados pelo Estado; diversificação das funções estatais decorrentes do avanço
do capitalismo etc. – a tese de Wagner incorre em pelo menos dois problemas que não a
tornam capaz de dar respostas adequadas para este fenômeno: o primeiro, por considerar
que o simples aumento da demanda por bens e serviços ofertados pelo Estado garante o
aumento de sua oferta, como se este operasse sem restrições orçamentárias; o segundo, por
não explicitar as forças políticas, econômicas e sociais que influenciam suas decisões de
gasto, o que o impede de perceber não somente como as necessidades colocadas pela
acumulação de capital ampliam as demandas sobre o Estado, como este tem de dar
respostas, também, para as demandas oriundas de outros setores e camadas sociais,
influenciando o nível e a composição destes gastos.
A influência destes fatores sobre os gastos foi chamada por estes autores de “efeito-
translação” e confirmada em seus estudos empíricos sobre as despesas governamentais da
12
Uma visão mais aprofundada das teses desses autores pode ser encontrada em Rezende (1977, 2001) e
em Musgrave & Musgrave (1980).
89
Grã-Bretanha. Musgrave & Musgrave (1980: cap. 6) que a testaram para os Estados
Unidos, nos períodos anteriores e posteriores às duas grandes guerras e às da Coréia e do
Vietnã, confirmaram ter ocorrido, de fato, uma elevação dos gastos que depois se
reduziram, mas se estabilizaram em um patamar mais alto do que o inicial. Mas, como
argumentam, teria ocorrido também, nestes períodos, aumento dos gastos civis (e não
apenas militares) que explicam parcialmente o crescimento dos gastos totais. O que os leva
a aceitá-la parcialmente, mas não verem na teoria de Peacock e Wiseman “... uma
explicação definitiva para o crescimento dos dispêndios públicos (...) pelos menos para os
EUA” (Musgrave & Musgrave, 1980:122).
Podem ser encontradas em todos os manuais de Finanças Públicas, as funções, como visto
no Capítulo 1, que a teoria tradicional atribui ao Estado: a alocativa, a distributiva e a
estabilizadora. Na sua origem, são funções que foram sendo gradativamente incorporadas
às suas atividades para compensar as “falhas” que o mercado apresenta, visando torná-lo
eficiente.
O’Connor (1977:17) por ignorar “a estrutura social do Estado [das forças políticas que
dominam seu aparelho] e a compreensão de suas funções econômicas e políticas” e
dedicar-se apenas ao exame de sua eficiência. Nas suas palavras: “Musgrave vislumbra
‘um plano orçamentário ótimo’ com base em condições inicialmente estabelecidas”. E
busca, então, “por meio de regras e princípios (...) ver como isso pode ser conseguido (...) e
chama isto de ‘uma teoria normativa ou optimal de condução da coisa pública”.
De qualquer forma, foi com essa visão teórica sobre o papel mais intervencionista
do Estado, visando assegurar condições de eficiência do sistema, que a sua participação na
ordem econômica e social ampliou-se consideravelmente, especialmente após a crise dos
anos de 1930, quando, sem respostas adequadas da teoria convencional para combatê-la, as
idéias keynesianas ganharam força e espaço no pensamento econômico.
Para O’Connor, cujo trabalho tem como objetivo central “desvendar os princípios que
governam o volume e alocação das finanças e despesas públicas e a distribuição do ônus
fiscal pelas diversas classes sociais” (O’Connor, 1977) a teoria normativa de Musgrave
não dá respostas adequadas para essa questão. Nas suas palavras “ela apenas se contenta
em reconhecer a necessidade do Estado para ajudar o mercado e a traçar regras e princípios
que servem a uma conduta eficiente da economia.”
que as receitas para financiá-las. Neste sentido, são crises geradas pelas próprias
contradições do sistema, e os déficits fiscais – ou “brechas fiscais” como ele os chama –
não resultam da ação egoísta dos indivíduos, como quer a teoria da “escolha pública”, mas
das próprias necessidades de sobrevivência e reprodução do sistema.
Com a crise financeira em que mergulharam os Estados, de uma maneira geral, a partir da
década de 1970, colocando em xeque a visão keynesiana sobre o papel intervencionista do
Estado, surgiram novas contribuições teóricas, como visto no capítulo I, que, tendo a
economia do governo como objeto de investigação, incorporaram, em seu arcabouço,
elementos para identificar tanto as causas da ineficiência e iniqüidade dos gastos públicos
como de seu crescimento, no tempo, assim como as forças que conduzem o Estado à
geração de elevados déficits, os quais estariam na raiz dos desequilíbrios e das crises mais
recentes do sistema capitalista, e a propor, diante disso, uma redefinição de seu papel. São
elas: a “teoria da escolha pública” e a do “neo-institucionalismo”.
Para os autores da escola conhecida como “escolha pública” (public choice), são
os conflitos de interesses existentes entre os agentes envolvidos no processo de definição
dos gastos públicos - eleitores, políticos, burocratas etc. – que explicam não somente a sua
composição como também o seu crescimento descomunal, provocando gigantescos
déficits, que terminam minando o sistema e colocando em risco sua capacidade de
reprodução. Para essa escola, o Estado é sempre sinônimo de desperdício e sua atuação
apresenta mais “falhas” do que o mercado, o que justificaria sua retirada do cenário ou a
sua redução a uma condição “mínima” (“Estado mínimo”), restrito a apenas a algumas
atividades necessárias para complementar as necessidades do sistema. Mas o que explica
as falhas do Estado?
restrições orçamentárias. É dessa ação, que torna as “trocas políticas” ineficientes vis-à-vis
as trocas econômicas, que nascem os déficits públicos, os quais, alimentando o
crescimento da dívida submetem o sistema a ondas permanentes de instabilidade.
Diante dessa situação, a Teoria da Escolha Pública levanta como principal bandeira
a necessidade de estabelecer limites constitucionais aos poderes governamentais e impor
regras rígidas para o comportamento dos políticos e da burocracia estatal, visando
recuperar a confiança do povo nas instituições políticas tradicionais. É neste sentido que se
pode entender a adoção em países como os EUA a partir do final dos anos 70 - e como
uma contribuição da Teoria da Escolha Pública - de limitações, contempladas em lei, à
geração de déficits públicos, de crescimento da dívida etc.
Para uma corrente mais radical dessa escola, abrigada sob o manto da “Theory of
Rent Seeking" (ou Teoria dos Caçadores de Renda), o Estado é sempre fonte e sinônimo
de desperdício, não sendo necessário a materialização de sua ação para que isso ocorra,
bastando apenas anunciá-la. Isso porque entre o simples anúncio e sua aprovação ou
rejeição, estarão sendo despendidos recursos pelos agentes que a ela se opõem ou a apóiam
– uma medida de política econômica, via de regra, favorece um ou mais setor em
detrimentos de outros – e também pelos próprios órgãos do Estado encarregados de
apreciá-la, gerando ineficiências e desperdícios para a sociedade. Por isso, a retirada (e até
mesmo extinção) do Estado da vida econômica e social aparece como sendo mais benéfica
para a sociedade, do ponto de vista da eficiência, do que a sua presença, sendo
recomendável transferir suas funções para o mercado.
Com isso, a proposta do “Estado mínimo” da corrente mais radical da public choice
terminou sendo substituída pela do “Estado eficiente” da corrente neo-institucionalista na
década de 1990, a qual, reconhecendo que o mercado não conta com a “eficiência” que lhe
é atribuída, por problemas de “assimetria de informações” e de “risco moral” e mesmo da
ausência de “mercados completos”, caberia ao Estado criar as condições ideais, do ponto
de vista institucional, para que o sistema possa operar ou pelo menos gravitar em torno do
ponto de equilíbrio ótimo, ou seja, de máxima eficiência. O Estado retornaria, nessa visão,
como indispensável para garantir a continuidade e reprodução do sistema, mas um Estado
“comportado, ágil, enxuto e eficiente”, funcionando com regras claras, finanças
equilibradas e instituições sólidas e confiáveis capazes de garantir que este se colocaria em
condições tanto de honrar seus compromissos como de assegurar o pagamento das dívidas
contraídas e, dessa maneira, assegurar a preservação da riqueza financeira privada.
Apesar, portanto, do discurso neoliberal sobre o Estado, o fato, como conclui Dupas
(2001:106), é que “em plena era da globalização (...) a participação do governo no produto
nacional [continuou] a aumentar.” E que isso se devia ao fato de que diante da “tendência
93
Tabela 3.2
Total de gastos orçamentários e despesas com juros da dívida, por países e grupos de
países.
(Média de períodos, em % do PIB)
Países 1978-81 1992-1995
Total Juros 2/1 (%) Total Juros 2/1 (%)
Gastos (1) Líquidos (2) Gastos (1) Líquidos (2)
EUA 30,7 1,2 3,9 33,7 2,1 6,2
Japão 31,5 0,3 0,9 33,8 0,3 0,9
Alemanha 47,8 1,2 2,5 49,2 2,7 6,4
G-7 35,8 1,5 4,2 39,6 2,7 6,8
OCDE 36,7 1,5 4,1 41,0 3,0 7,3
Fonte: Fonte: Organisation for Economic Cooperation and Development. OECD Economic
Outlook, June 1995 & June 1996. In: Batista Jr. (1997)
2.5. Um balanço das posições teóricas sobre os determinantes dos gastos públicos
Um pequeno balanço das diversas posições teóricas apresentadas nesse capítulo que
procuram explicar os determinantes do crescimento dos gastos públicos – e, portanto, o
tamanho do Estado -, permite que sejam extraídas as seguintes conclusões:
Entre estes dois exemplos existem várias situações possíveis, considerando o seu
papel de garantir a coesão social que é essencial para a reprodução do sistema. Quando,
96
contudo, o Estado é instado, pelas forças que o dominam, a abandonar essa posição em que
exerce o papel de “conciliador”, como ocorre na atualidade, para garantir a apropriação e
materialização da riqueza financeira, que nasce de seu próprio ventre ao cumprir funções
essenciais para o sistema, os resultados revelaram-se desastrosos e exigiram revisões e
readaptação de seu papel para evitar que as forças autofágicas do mercado o conduzissem
ao colapso.
os objetivos de gastos do governo e nem fornece elementos para avaliar os seus impactos
na vida social e econômica como um todo. Isso pode ser obtido somente através do exame
dos demais critérios de classificação dos gastos.
Neste novo modelo, as funções foram elevadas para 28, passando a explicitar
atividades surgidas com as transformações decorrentes do desenvolvimento econômico e
social mais recentes e a destacar outras que, embora importantes, se encontravam
agregadas a outras funções, tendo-se criado, também, uma categoria chamada de
“operações especiais”, na qual são agrupadas as “despesas que não contribuem para a
manutenção das ações do governo, das quais não resulta um produto, e não geram
contraprestação direta de bens ou serviços.” Apesar das dificuldades que ainda subsistem
para o manejo deste instrumento para as atividades do planejamento, essas mudanças
contribuíram para melhorar a “leitura” das áreas beneficiadas pelos gastos governamentais
e, portanto, de suas prioridades, inclusive com a apropriação na conta “operações
especiais” de dispêndios que não se encontram com elas relacionadas O quadro 3.1
98
relaciona as 28 funções, bem como apresenta, a título de exemplo, uma de suas subfunções
contempladas na Portaria 42/99.
Quadro 3.1
Orçamento da União:
Classificação funcional das despesas
administração e planejamento etc. O fato é que, com essa classificação do gasto tornou-se
possível obter elementos para traçar um retrato do governo que revele suas prioridades nos
campos econômico, social, regional etc. e identificar os grupos, os setores econômicos e as
regiões que mais dele se beneficiam.
Tão ou mais importante, é que propiciam, também, uma “leitura” não somente dos
setores econômicos mais priorizados no orçamento, em cada época – o setor produtivo,
financeiro etc. – como os que são mais sacrificados, neste processo, para que o Estado
acomode/inscreva seus interesses no orçamento.
13
Para a classificação completa desses componentes, consultar a Lei 4320/64
101
QUADRO 3.2
ORÇAMENTO DA UNIÃO:
Classificação das despesas por categorias econômicas
ESPECIFICAÇÃO CLASSIFICAÇÃO
DESPESAS CORRENTES (1) Categoria Econômica
Despesas de Custeio Subcategoria Econômica
Pessoal Elemento
Pessoal Civil Subelemento
Material de Consumo Elemento
Serviço de Terceiros e Encargos Elemento
Remuneração Serviços Pessoais Subelemento
Diversas Despesas de Custeio Elemento
Sentenças Judiciárias Subelemento
Transferências Correntes Subcategoria Econômica
Transferências Intragovernamentais Elemento
Subvenções Econômicas Subelemento
Transferências a Instituições Privadas Elemento
Subvenções Sociais Subelemento
Transferências Intergovernamentais Elemento
Transferências a Estados e D. Federal Subelemento
Encargos da Dívida Interna Elemento
Juros da Dívida Contratada Subelemento
Encargos da Dívida Externa Elemento
Juros da Dívida Contratada Subelemento
Contribuição p/ o Patrimônio Servidor.Público/Pasep Elemento
Diversas Transferências Correntes Elemento
DESPESAS DE CAPITAL(2) Categoria Econômica
Investimentos Subcategoria Econômica
Obras e Instalações Elemento
Inversões Financeiras Subcategoria Econômica
Aquisição de Imóveis Elemento
Transferências de Capital Subcategoria Econômica
Transferências Intragovernamentais Elemento
Auxílio para Territórios Subelemento
Transferências Intergovernamentais Elemento
Transferências a Estados e Municípios Subelemento
Transferências ao Exterior Elemento
Amortização da Dívida Interna Elemento
Amortização da Dívida Subelemento
Amortização da Dívida Externa Elemento
Amortização da Dívida Subelemento
Diferenças de Câmbio Elemento
Diversas Transferências de Capital Elemento
DESPESAS ORÇ. TOTAL (DOT) = (1+2)
Fonte: Lei 4.320/64
Não existem estatísticas sobre os gastos públicos no Brasil, considerando as três esferas de
governo, para analisar sua evolução em todas as dimensões aqui tratadas e nem é este o
objetivo deste trabalho. Só a partir de 1947, ano em que começaram a ser calculadas as
contas nacionais, passou-se a contar com dados mais confiáveis sobre os gastos públicos,
mas, ainda assim, as mudanças de metodologias utilizadas para essa mensuração
dificultam avaliações comparativas sobre sua evolução, sendo grande o risco de se incorrer
102
em equívocos.
Como foi visto na parte final do Capítulo I, eram restritas, neste período, as
atividades do Estado na vida econômica e social, não necessitando este, portanto, de contar
com volumes mais significativos de receitas para desempenhá-las. Frágil fiscal e
financeiramente, o Estado que ainda engatinhava no processo de construção de suas bases
materiais, financeiras e institucionais, é prisioneiro das oligarquias regionais e é, sob o
comando destas, que formula e implementa políticas intervencionistas nas áreas de seu
interesse – política cambial, de defesa e proteção do café etc. –, mas muito pouco
imiscuindo-se no mundo dos negócios. Por isso, são mais reduzidas suas necessidades de
receitas, com essas raramente ultrapassando o montante de 15% do PIB.
Com a crise de 1929 e a mudança no comando político do país, que pôs fim à era de
hegemonia da “política dos governadores”, o Estado avançou, a partir daí mais
rapidamente, no processo de construção de suas bases, desprendendo-se dos interesses que
antes tutelavam suas ações e tornando-se mais fortemente intervencionista nos campos
econômico e social.
14
Gastos orçamentários primários excluem as despesas financeiras decorrentes da dívida pública (correção
e juros), referindo-se, portanto, ao que se pode chamar de gastos reais, no sentido de não financeiros.
103
O Estado que surge neste contexto necessita para desempenhar suas novas atividades
de contar com volumes bem mais expressivos de receitas para o financiamento do aumento
de suas despesas. Não é isso, entretanto, o que ocorre com as finanças das três esferas de
governo, tendo-se registrado, até 1964, pequenos aumentos da carga tributária e dos gastos
públicos orçamentários dessas administrações, como proporção do PIB. Cabe, diante disso,
a pergunta: por que não se avançou no financiamento tributário, neste período, e de que
alternativas se valeu o Estado para desempenhar seu novo papel?
Com finanças revitalizadas e contando, a partir daí, com a dívida pública como
instrumento complementar de financiamento, os gastos públicos conheceram novo
impulso, até mesmo pelo papel mais proeminente que o Estado passou a ocupar na
15
Para estes pontos ver Cardoso de Mello (1998)
104
condução deste processo. Como se percebe no Quadro 3.3, se até 1964 os gastos primários
orçamentários dos três níveis de governo se situaram em torno de 20% do PIB, seu
crescimento foi significativo, a partir daí, atingindo um nível próximo de 25% em 1970, o
qual se manterá, com algumas oscilações, até 1985 – último ano do regime militar –
devido às crises econômicas que conhecerá o país em vários destes subperíodos e à perda
de receitas tributárias em que o Estado incorrerá para favorecer o capital, as altas e médias
rendas da sociedade, destinando-lhes uma série de incentivos, isenções e benefícios fiscais
para garantir sua sustentação com o apoio destes setores/segmentos (Oliveira, 1991).
A crise da dívida externa, que já dava sinais evidentes de eclosão no final de década
de 1970, terminou ganhando forças com o “2º choque do petróleo”, em 1979, e com a forte
elevação dos juros norte-americanos, em 1980, que praticamente triplicaram, aumentando
acentuadamente os desequilíbrios da balança de pagamentos dos países endividados,
notadamente dos subdesenvolvidos, exigindo ajustamentos em suas economia, via
contração da demanda agregada.
A crise da dívida externa, em 1982, agravou essa situação, com a exaustão das fontes
externas de financiamento da economia e fez o mundo capitalista mergulhar numa
prolongada recessão, incluindo o Brasil, que também optou por trilhar esse caminho, da
qual só começaria a sair em 1984/85. Três anos seguidos de aguda crise econômica foram
105
O novo governo que assumiu em 1985, cujo mandato se estende até 1989,
imprimiria, para atender demandas sociais reprimidas, durante o regime militar, uma
expressiva elevação dos gastos orçamentários primários, como se constata no Quadro 3.3,
mesmo numa situação de redução da carga tributária, devido à crise econômica que
enfrentava o país, do estreitamento das bases de tributação, dado o aumento do peso das
exportações na formação do produto nacional, já que essas são praticamente isentas da
incidência de impostos, e da instabilidade monetária que marcou a segunda metade dessa
década no Brasil.
É este fato que explica por que, mesmo sendo fiéis, ainda que com algumas
diferenças, aos postulados da doutrina neoliberal, os governos Collor (1990-1992), Itamar
Franco (1992-1994), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e, posteriormente, Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-...), não conseguiram reverter a trajetória de crescimento dos
gastos orçamentários, o que exigiu uma elevação contínua da carga tributária para seu
financiamento, contrariando a tese de encolhimento do Estado. De fato, como mostra a
tabela 3.3, depois de atingirem 29% do PIB em 1989, esses gastos ultrapassaram a casa
106
dos 30% já a partir de 1990 e fecharam a década em torno de 35-36% do PIB, sendo
sustentados, em parte, por expressivos aumentos da carga tributária e, em boa medida, pelo
aumento do endividamento público.
Para entender isso, e essa história será contada de forma sintética, é possível começar
afirmando que isso tem acontecido porque caíram numa armadilha, da qual ainda não
conseguiram se libertar, ao adotarem um padrão de ajuste das contas públicas, atendendo
às exigências de compromissos com maior responsabilidade fiscal e com a sustentabilidade
da dívida pública, o qual carrega uma contradição intrínseca: apoiado predominantemente
no aumento da carga tributária, visando garantir as receitas adicionais para a geração de
superávits primários, indispensáveis para manter a relação dívida/PIB sob controle, este
aumento termina garantindo, também, a elevação dos gastos, por contarem os impostos e,
principalmente as contribuições sociais, com normas legais e constitucionais que
garantem boa parte de sua arrecadação (cerca de 80%) para determinados beneficiários
(estados e municípios) e para o financiamento de determinadas áreas sociais.
Não sem razão têm ganhado força, neste processo, propostas de reformas que
contemplam ou priorizam a desvinculação das receitas com esses gastos. Se aprovadas,
essa armadilha poderá ser desfeita, o ajuste e a redução da relação Dívida/PIB poderão ser
alcançados, e o Estado e as políticas sociais finalmente enquadradas no receituário
neoliberal, o qual tem, como diretrizes, o predomínio e a soberania do mercado. Neste
caso, em que políticas essenciais para o desenvolvimento correm o risco de ser
fragilizadas, quando não abandonadas, para garantir o ajuste fiscal e o compromisso com o
objetivo de sustentabilidade da dívida, o Estado poderá estar se enfraquecendo enquanto
agente responsável por garantir a coesão social necessária para a reprodução do sistema.
pagamento dos juros da dívida etc. – para os investimentos públicos, as políticas sociais, o
crescimento econômico e para o próprio processo orçamentário, são analisadas, em
seguidas, tendo como foco a estrutura de gastos apenas do governo federal, para o período
de 1994-2007, quando o compromisso com o ajuste fiscal tornou-se prioridade absoluta.
Quadro 3.3
Evolução das Despesas Primárias e da Carga Tributária das três esferas de governo
1948-1999
Não causa surpresa, diante dessa nova configuração da política fiscal, que a estrutura dos
gastos do governo federal revele, no período 1994-2007, expressiva mudança na sua
composição, registrando perda crescente de participação dos “investimentos públicos” e
contínuo avanço das despesas com “juros e encargos da dívida”, com “benefícios
previdenciários” e com as “transferências para estados e municípios”.
participação relativa dos gastos com “juros e encargos” em mais de cinco pontos
percentuais, nessa estrutura, neste período, de seis pontos dos gastos com “benefícios
previdenciários” e também de seis pontos percentuais a mais das “despesas com
transferências” realizadas para os governos subnacionais – estados e municípios.
Tabela 3.3.
Composição da Despesa Liquidada do Governo Federal: 1994/2005
(em %)
1994 1998 1999 2001 2003 2005 2006 2007
Grupo de Despesa
Despesas Correntes 66,2 65,7 71,5 76,6 77,8 85,4 79,0 83,1
Pessoal e Encargos Sociais 17,2 15,8 16,2 17,1 16,0 15,5 13,4 14,7
Juros e Encargos da Dívida 9,3 10,2 14,2 13,8 13,3 14,8 18,9 17,7
Outras Despesas Correntes 39,7 39,7 41,1 45,7 48,5 55,1 46,7 50,7
Transf. a Estados e Municípios 11,4 12,4 13,1 15,6 16,3 19,4 15,9 17,3
Benefícios Previdenciários 16,1 17,6 18,2 19,5 22,0 23,5 20,3 22,5
Demais Despesas Correntes 12,2 9,7 9,8 10,6 10,2 12,2 10,5 10,9
Despesas de Capital 33,8 34,3 28,5 23,4 22,2 14,6 21,0 16,9
Investimentos 3,6 2,7 2,2 3,8 1,3 2,9 2,3 1,3
Inversões Financeiras 5,4 23,5 17,8 5,3 4,8 3,6 3,3 3,4
Amortização da Dívida* 24,7 8,0 8,5 14,3 16,1 8,1 15,4 12,2
Outras Despesas de Capital 0,1 0,1 - - - - - -
Total* 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte primária dos dados: Tesouro Nacional/Ministério da Fazenda. Elaboração do autor.
(*) Exclui refinanciamento da dívida
Entre as “leituras” que podem ser feitas sobre as mudanças na composição dessa
estrutura é a de que o avanço no espaço orçamentário dos ganhos do capital financeiro com
a dívida pública, resultado da política econômica de elevadas taxas de juros, que se
acentuaram com o Plano Real, combinado com o crescimento de algumas despesas
obrigatórias – benefícios previdenciários e transferências para estados e municípios – têm
restringido, crescentemente, a capacidade de oferta do Estado de políticas essenciais para o
desenvolvimento, principalmente por exigirem o sacrifício dos investimentos. Capturado
por estes interesses, o orçamento enfraqueceu-se como instrumento de planejamento e dos
gastos públicos como propulsores do crescimento, esterilizando, com o peso dos custos
109
Não é preciso muito esforço para concluir, como se faz neste estudo, ser esse
padrão de gasto inadequado para melhorar a estrutura da distribuição de renda no país.
Absorvendo 60% do total dos gastos, grande parcela dos benefícios previdenciários, como
se aponta neste trabalho (2005), é apropriada por pessoas que se encontram nos grupos de
renda mais alta. O que se explica pelas desigualdades existentes no mercado de trabalho,
que favorece com maiores salários e, consequentemente, com maiores valores de
16
A análise que se segue apóia-se predominantemente no trabalho da Secretaria de Política Econômica do
Ministério da Fazenda “Orçamento Social no Brasil”, divulgado pelo governo em 2005.
110
Tabela 3.4
Orçamento Social do Governo Federal
2001-2004
Componentes do Gasto 2001 2002 2003 2004
Social Federal % PIB % no % PIB % no % PIB % no % PIB % no
total total total total
Gasto Direto 13,3 83,6 13,6 90,0 13,8 90,8 14,2 88,8
Previdência Social 8,8 55,3 9,1 60,3 9,4 61,8 9,6 60,0
Saúde 1,8 11,3 1,8 11,9 1,7 11,2 1,8 11,2
Assistência Social 0,7 4,4 0,8 5,3 0,8 5,3 0,9 5,6
Educação e Cultura 0,7 4,4 0,7 4,6 0,7 4,6 0,7 4,4
Proteção ao trabalhador 0,6 3,7 0,6 3,9 0,6 3,9 0,6 3,8
Organização Agrária 0,1 0,6 0,1 0,7 0,1 0,7 0,1 0,6
Habitação e saneamento 0,2 1,3 0,1 0,7 0,1 0,7 0,1 0,6
Benefícios ao servidor 0,2 1,3 0,2 1,3 0,2 1,3 0,2 1,3
Sistema “S” 0,2 1,3 0,2 1,3 0,2 1,3 0,2 1,3
Outros* 2,6 16,4 1,5 10,0 1,4 9,2 1,9 11,2
Total 15,9 100,0 15,1 100,0 15,2 100,0 16,0 100,0
Fonte primária dos dados: Secretaria de Política Econômica/MF (2005). Elaboração do autor.
(*) Inclui: i) renúncias tributárias; ii) empréstimos; iii) subsídios implícitos; iv) ajuste patrimonial.
17
Os benefícios previdenciários para as camadas de menor renda, especialmente os vinculados à
assistência social, têm sido apontados como importante fonte de renda principalmente para as localidades
e regiões mais pobres do país e como instrumento de redistribuição de renda e de diminuição da pobreza.
Embora positivos neste sentido, o efeito conjunto de seus resultados não permite endossar posições
otimistas sobre sua capacidade de modificar para melhor a equação da distribuição de renda apenas por
garantir algum nível mínimo de rendimentos diretos para essa faixa da população.
111
Não surpreende, diante disso, que uma importante conclusão do trabalho tenha sido
a de que essa situação “realça a importância de se prosseguir com o debate sobre o papel
do orçamento social no Brasil e sobre reformas que possam elevar sua eficiência e eficácia
na redução da pobreza e das desigualdades sociais.” (Cf. SPE/MF, 2005:1).
Embora o Brasil tenha dado passos importantes nessa direção desde a década de
1940, no campo dos direitos trabalhistas e previdenciários, esforços que foram ampliados
com as reformas realizadas na década de 1960, as quais aumentaram a capacidade de
financiamento do Estado, esses avanços, vistos em conjunto, ficaram longe de configurar
um Estado de bem-estar, com as necessidades da acumulação continuando a exigir e a
absorver a maior fatia dos recursos e receitas que transitavam pelo orçamento público, via
incentivos, isenções, benefícios fiscais, subsídios creditícios e pesados investimentos nas
áreas de infra-estrutura e da indústria de base. A ênfase no setor produtivo, em detrimento
de gastos em áreas sociais (incluindo as necessárias para a reprodução da força de
trabalho), permitiu ao país a construção de suas bases econômicas, mas reforçou e ampliou
desigualdades já acentuadas de renda – interpessoais e inter-regionais -, e aumentou os
níveis de pobreza, colocando-o entre os campeões no mundo capitalista nestes quesitos.
Com o fim do regime militar, em 1985, e sua substituição por um governo civil,
demandas reprimidas por políticas de inclusão social procuraram ser atendidas na nova
Constituição promulgada em 1988, principalmente com a destinação de maiores recursos
para o financiamento das áreas contempladas na Seguridade Social – saúde, previdência e
assistência. Este objetivo, que poderia promover uma mudança nas prioridades do Estado,
finalmente ao dedicar maior atenção a este campo, terminou, contudo, sendo
comprometido por duas razões que merecem ser repisadas.
BIBLIOGRAFIA
3. Buchanan, J.M. (1979). Politcs whithout Romance: a Sketh of Positiv Public Choice
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7. Hartle, D.G. (1983). The Theroy of “Rent Seeking”: some refletions. Canadá, Canadian
Journal of Economics/Revue Canadiene d”Economique, XVI, no. 4, november;
9. Martins, L. (1985). Estado Capitalista e Burocracia no Brasil Pós 64. Rio de Janeiro:
Paz e Terra;
10. Mathias, Gilberto & Salama, Pierre (1983). O Estado Superdesenvolvido. São Paulo.
Editora Brasiliense;
12. Musgrave, R. & Musgrave, P. (1980). Finanças Públicas: teoria e prática. Rio de
Janeiro: Campus; São Paulo: Editora Universidade de São Paulo;
13. Napoleoni, Claudio (1979). O pensamento econômico do século XX. Rio de Janeiro,
Paz e Terra;
14. O’Connor, J. (1977). USA: A Crise do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra;
CAPÍTULO IV
AS RECEITAS PÚBLICAS:
1. INTRODUÇÃO
Para conhecer os argumentos teóricos utilizados para justificar essa escolha, bem
como as próprias limitações historicamente colocadas pelo próprio sistema tributário a
este processo, torna-se necessário apreender e esclarecer a natureza e características dos
impostos e também analisar, criticamente, as recomendações feitas pela teoria
convencional para a construção de sistemas “ideais”, à luz dessas características e dos
princípios que defende para o que considera uma desejável estrutura de tributação.
Conhecidas essas características e as limitações que a teoria enfrenta para materializar
este objetivo, abre-se o caminho para a apresentação de uma proposta alternativa com
vistas a identificar os determinantes do tamanho e da composição da carga tributária,
procurando-se resgatar e enfatizar a historicidade de suas estruturas.
2. AS RECEITAS NO ORÇAMENTO
Tal como aparecem no orçamento, as receitas de que o Estado lança mão para financiar
os seus gastos, não se restringem às que são recolhidas por meio da cobrança de tributos
e de contribuições sociais e econômicas. Além dessas, conta com receitas oriundas: i) da
exploração de atividades econômicas por seus órgãos e unidades orçamentárias,
classificadas como receitas agropecuária, industrial e de serviços; ii) da exploração de
seu patrimônio, na forma de juros, aluguéis e dividendos (receitas patrimoniais); iii) das
19
Como senhor da moeda conta, também, com a receita de seignoriage (senhoriagem) para financiá-lo,
obtida por meio da colocação de base monetária no sistema necessária para viabilizar os processos de
troca, da produção, do consumo e dos investimentos. Independentemente de a moeda emitida ser ou não
considerada passivo do governo, o que leva a diferentes conceitos de senhoriagem, há concordância de
que ao introduzi-la no sistema por meio dos canais com que conta para isso (mercado de títulos, de
câmbio, compras governamentais) aquele financia parte de seus gastos com essa receita.. No primeiro
caso, em que se considera que a moeda em circulação não constitui um passivo, o governo se apropria de
parte da riqueza do setor privado com a sua emissão; no segundo, em que a moeda é considerada um
passivo, essa apropriação ocorre porque esse passivo não paga juros. Este tema será retomado no Capítulo
V, mas para uma boa discussão de seus conceitos e implicações vale a pena ver o trabalho de Jaloretto
(2007).
117
3. A CARGA TRIBUTÁRIA
3.1. Conceituação
20
No caso da renda transferida para o exterior ser inexpressiva não faz muita diferença usar o Produto
Interno Bruto (PIB) ou o Produto Nacional Bruto (PNB) para estabelecer o nível da carga tributária.
Todavia, sendo essa transferência elevada, o agregado mais adequado de ser considerado é o PIB para evitar
distorções no seu cálculo. (Ver Afonso & Vilela, 1991)
118
Mas existe, de fato, uma carga tributária que pode ser considerada ideal para todas
as economias ou esta é determinada historicamente, alterando-se de acordo com as
condições político-econômicas da realidade em que se insere o Estado? Em outras
palavras, existe um nível ótimo de tributação - e de sua composição - que pode ser
considerado adequado, indagando como o faz Hinrich (1972) "para todas as sociedades ou
para uma sociedade em todos os tempos?" Para responder a esta pergunta, é necessário,
antes, conhecer as características dos principais componentes da carga tributária, visando
obter elementos que permitam avaliar os seus efeitos diferenciados sobre a atividade
econômica e sobre a distribuição de renda, bem como as distintas visões teóricas que
existem sobre estes impactos.
No Brasil, são três as categorias de tributos que podem ser cobrados pelos poderes
públicos, de acordo com a Constituição Federal de 1988 (art. 145) e o Código Tributário
Nacional: a) os impostos; b) as taxas; e c) as contribuições de melhoria. Além desses
21
Juridicamente, as multas não são consideradas tributos, pois representam sanção de ato ilícito. Todavia,
as multas oriundas de tributos não pagos são, obviamente, decorrentes dos tributos, e as outras multas (de
trânsito, por exemplo) são incluídas em razão de seu caráter compulsório, embora juridicamente não
representem tributação, mas punição de ato ilícito.
119
Assim como não detém, em princípio, liberdade plena para decidir sobre o destino
dos recursos que arrecada, por razões que serão discutidas mais à frente, a instituição e
cobrança de tributos pelo Estado devem respeitar determinados princípios, nas sociedades
modernas, que têm, por objetivo, defender os contribuintes de eventuais abusos que
possam vir a ser cometidos pelos governantes no tocante à tributação. São esses princípios
que informam as relações Estado/contribuinte no tocante a essa matéria e estabelecem
limites ao seu poder de tributar, ao mesmo tempo em que podem estabelecer exigências e
condições para impedir que sejam criados impostos de má qualidade, prejudiciais tanto
para a sociedade como para a economia.
As taxas, ao contrário dos impostos, pressupõem, por sua vez, para sua cobrança, o
exercício de atividades regulares inscritas no âmbito do poder de polícia da administração
pública ou a prestação de alguma espécie de serviço público à comunidade. De acordo com
isso, elas podem ser classificadas, respectivamente em: a) taxas regulatórias; e b) taxas
remuneratórias.
22
Pelas suas características e por se tratarem da principal fonte de financiamento do governo, os impostos
são examinados mais detidamente nas próximas seções deste capítulo.
120
Cabe ainda destacar que as taxas, quer ou não ancoradas no poder de polícia,
devem sempre se revestir do caráter de contraprestação inerente a essa espécie de tributo.
Devem arcar, com o seu ônus, apenas os que usufruem dos serviços prestados, ou que
provocam, de alguma forma, despesas dos cofres públicos ao realizar algum ato.
23
No Brasil, com sua cobrança questionada judicialmente, a Emenda no. 39, de 19/12/2002, transformou
a cobrança da taxa de iluminação pública em contribuição de custeio deste serviço.
24
Constituição Federal de 1988, art. 145, inciso III.
25
Para um bom histórico deste tributo no Brasil, das dificuldades técnicas para sua cobrança e para o seu
potencial de arrecadação, ver o trabalho de Biava (1986).
121
26
Com a Constituição de 1988, a Contribuição Previdenciária passou a integrar as fontes de
financiamento da Seguridade Social.
122
É possível que essa nova institucionalidade não trouxesse maiores implicações para
a ordem tributária, caso às contribuições fossem estendidos os mesmos princípios e
limitações previstos para os tributos. Tratadas, no entanto, à margem do sistema tributário,
as contribuições tiveram tratamento diferenciado e, ao contrário dos tributos contemplados
na Ordem Tributária, ficaram fora do alcance de vários princípios e condições
estabelecidos para a sua criação.
De outro, ao contrário dos tributos, cuja criação foi condicionada, inter alia, à
observância dos princípios da anualidade e da não cumulatividade, a cobrança das
contribuições foi limitada apenas à exigência da noventena (art. 195, § 6º) e, não tendo sido
discriminados seus fatos geradores, sua incidência ficou fora, na prática, das regras que
limitam o exercício da competência residual (art. 154, I). Além disso, diferentemente da
exigência da destinação, para os governos subnacionais, de 20% da arrecadação dos
impostos instituídos pela União, no exercício de sua competência residual (art. 157, I),
nenhuma regra de partilha foi estabelecida para as contribuições sociais, significando que
suas receitas seriam inteiramente apropriadas pelo governo federal.27
27
Uma exceção a essa regra foi introduzida, pela primeira vez, em 2003, com a aprovação da Emenda
Constitucional n. 42/03, quando, por pressão dos estados e municípios, o governo federal, para impedir a
rejeição de sua proposta, concordou em destinar 25% (percentual posteriormente ampliado para 29%) da
arrecadação da CIDE-combustíveis para esses níveis de governo.
123
sistema de tributos, da Ordem Tributária, contou com regras claras sobre o poder de
tributar do Estado, sobre a partilha de receitas com os demais entres da federação e sobre a
proibição da criação de impostos cumulativos (em cascata), o de contribuições, da Ordem
Social, viu flexibilizadas ou simplesmente ignoradas essas condições, ficando livre para
garantir as fontes de custeio necessárias para a Seguridade, como se pode constatar no
exame do quadro 4.1.
Quadro 4.1
Dualidade tributária:
dois sistemas de impostos com regras diferentes
Um exame do quadro 4.2 não deixa dúvidas sobre a maior exploração dessas
contribuições que passou a ser feita pelo governo federal a partir dessa época, aproveitando
a janela aberta pelo art. 195 da Constituição Federal e beneficiando-se das facilidades – e
vantagens – de sua criação. Já em 1988, mal promulgada a Constituição, criou a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que teve sua cobrança iniciada em 1989; em
1990, mudanças na forma de incidência do PIS, entre as medidas adotadas pelo Plano
Collor para realizar um ajuste fiscal mais confiável, contribuíram também para elevar sua
arrecadação, ao mesmo tempo em que a alíquota do Finsocial foi elevada de 0,6% para
2%; em 1991, diante dos questionamentos judiciais sobre a legalidade da cobrança do
Finsocial, este foi substituído pela Contribuição ao Financiamento Social (Cofins), cujas
alíquotas e base de cálculo seriam também posteriormente ampliadas; em 1996, com o
objetivo de garantir fontes mais estáveis e seguras de receitas para a área da saúde foi
criada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que substituiu
o Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira (IPMF), que vigorou em 1994,
para ajudar a fortalecer o ajuste fiscal provisório que foi realizado para viabilizar a
124
Quadro 4.2.
Contribuições Sociais e Econômicas no Brasil
Como será visto na última seção deste capítulo, onde se analisa a evolução do
sistema tributário brasileiro, reside na prioridade conferida pelo governo federal à cobrança
das contribuições em detrimento dos impostos tradicionais, como fonte de arrecadação,
uma das principais causas que o conduziria rapidamente a uma situação de
degenerescência e o transformaria em um instrumento antípoda da equidade, da federação
e do crescimento econômico.29
28
A CPMF seria extinta a partir de 2008, depois de o Congresso rejeitar o projeto do Poder Executivo
para sua prorrogação.
29
Como será visto na parte final deste capítulo que trata da evolução do sistema tributário no Brasil, as
contribuições sociais com incidência cumulativa, depois de verem crescer expressivamente sua
participação na carga tributária, começaram a ser reduzidas, a partir de 2002, com a extinção parcial da
cumulatividade do PIS e da Cofins, diante das pressões exercidas pelo empresariado nessa questão e,
principalmente, das exigências feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para a modernização da
estrutura tributária brasileira.
125
Ainda que os monarcas vivessem dos rendimentos dominiais de suas terras, nem
sempre estes se mostravam suficientes para cobrir suas necessidades, especialmente diante
da ocorrência de certos eventos, comuns à época, como eram as guerras. Em virtude dos
pactos de lealdade e cooperação recíproca estabelecidos entre monarcas e senhores feudais,
estes se viam instados a atender às solicitações que lhes eram feitas por aqueles, sendo suas
"quotas de contribuição" definidas através de Conselhos ou Assembléias, que constituíam
o locus onde se buscava o consenso em torno dessa questão. Representam estes Conselhos,
onde se estabelecia a partilha da "quota de sacrifício" entre os que gravitavam em torno do
poder, o nascedouro do imposto consentido, que constituiria a forma de coibir os abusos
de tributação exercidos pelo Estado, e que viria a constituir a pedra angular das sociedades
30
A partir de 1993, a arrecadação do INSS passou a financiar, com exclusividade, os benefícios da
Previdência Social.
31
A rigor, apenas a contribuição previdenciária recolhida pelo trabalhador não se enquadra nessa
classificação, por ser diretamente descontada, pela empresa, de seu salário.
126
Assim, embora continue dispondo de sua força soberana para instituir e cobrar
tributos, o Estado moderno viu limitado o seu poder de tributação pelas exigências,
previstas em lei, de só poder fazê-lo se contar com o consentimento da sociedade, através
de seus representantes políticos, em obediência aos princípios constitucionais
universalmente consagrados nas constituições democráticas. À conquista do Legislativo
para a autorização das receitas e despesas públicas, as sociedades modernas incorporariam,
em suas cartas constitucionais, outros princípios que informam o Estado sobre o seu poder
e que têm, por objetivo, proteger os contribuintes de eventuais abusos dos governantes.
"O imposto que cada indivíduo é obrigado a pagar deve ser fixo e não
arbitrário. A data do recolhimento, a forma de recolhimento, a soma a
32
Formalmente, o nascedouro do “imposto consentido” encontra-se associado à edição da Carta Magna
da Inglaterra, em 1215, pelo rei João Sem Terra, como foi visto no capítulo 2, que trata do Orçamento
Público.
127
Mas se estes princípios repontam - desde que respeitados - como fundamentais para
que o sistema tributário contribua para democratizar as relações entre o Estado e os
cidadãos, a influência exercida pelos tributos sobre as órbitas produtiva e distributiva, à
medida que implicam transferências de recursos do setor privado para o setor público, e o
seu papel para o equilíbrio político em nações organizadas sob a forma de federação,
terminaram dando luz a outros princípios também contemplados na teoria convencional
das finanças públicas relativos à necessidade do sistema ser estruturado de forma a ser
neutro no tocante ao processo produtivo, de contribuir para melhorar a estrutura da
distribuição de renda e propiciar, através de uma adequada distribuição das receitas entre
as esferas governamentais, o equilíbrio federativo.
Por essa razão, uma das questões mais polêmicas a respeito dos tributos - e de
difícil consenso entre os economistas e os que lidam com o tema - refere-se à sua
distribuição entre impostos diretos e indiretos ou à combinação entre ambos, que
provocariam menores distorções no funcionamento do sistema econômico e na estrutura da
distribuição de renda, bem como qual seria a repartição mais adequada da arrecadação
entre as unidades da federação - Governo Federal, Estaduais e Municipais. Antes de
entrarmos na discussão destes princípios - e problematizar as várias posições a seu respeito
- cabe, entretanto, apresentar as principais características desses grupos de impostos.
I/Y
progressivo
proporcional
regressivo
renda (Y)
129
podem ser atenuados – mas não eliminados – com a definição de alíquotas seletivas e
diferenciadas de acordo com a essencialidade do produto que gravam.
O que parece óbvio, entretanto, à primeira vista, não é tão simples para a teoria,
porque ao se contemplar a questão da equidade, não raro sacrifica-se algum grau de
eficiência do sistema, estabelecendo-se, portanto, um trade-off entre esses dois princípios,
que se não pode ser inteiramente equacionado deve, pelo menos, ser atenuado com uma
estrutura de impostos que acarrete menos prejuízos para o seu bom funcionamento. Ou
que, na medida do possível, que os ganhos obtidos com a questão da equidade compensem
as perdas decorrentes da perda de sua eficiência. Além disso, porque, dado o mal resolvido
problema da incidência da tributação, não haveria nenhuma garantia de que impostos
progressivos contribuam, de fato, para melhorar a estrutura da distribuição de renda.
Essas não são questões triviais para a teoria econômica convencional das finanças
públicas. Pelo contrário, são questões que constituem os principais alicerces sobre os quais
se apóia para sugerir a construção “ideal” de estruturas tributárias que não alterem, a ponto
de conduzir ao desmoronamento, o equilíbrio do edifício central da vida econômica
garantido pelas leis do mercado.
Nem todos, entretanto, pensam assim. Por isso, antes de discutir essas questões,
cabe dar uma rápida passada em algumas visões distintas a respeito do que poderia ser
considerada a composição "ideal" destes impostos na estrutura tributária, mais
recomendada para atender àqueles princípios, considerando que essas serão retomadas à
frente para serem contrapostas ao pensamento convencional.
De início, não se pode esquecer da visão mais simplista – irônica e fálica - atribuída
à alegoria de Gladstone (apud Dalton, 1972:54) que comparava, segundo Dalton, "essas
duas fontes de renda a "duas simpáticas irmãs" entre as quais ele tinha de ser
"perfeitamente imparcial", por acreditar que, como Chanceler do Erário, "não somente lhe
era permitido, mas era mesmo de seu dever prestar homenagem a ambas", costuma ser a
referência preferida de vários autores para reforçarem sua linha de argumentação em outra
direção.
Para Hinrich (1974:12) “... essa abordagem de que a receita deve provir, em partes
aproximadamente iguais, dos impostos diretos e dos indiretos" carece de uma perspectiva,
quer histórica, quer teórica. Isto porque, segundo ele "não há um sistema ideal que seja o
melhor para todos os países ou para um determinado país em todos os tempos", visto que
"o processo de mobilização social e desenvolvimento econômico significa necessariamente
que os tipos, dimensões e proporções de crescimento das bases tributárias e econômicas
(...) modificam-se no curso do desenvolvimento, necessitando constantemente de
modificações nas alíquotas e formas de tributação...".
131
Os impostos diretos são aqueles cuja geração do fato fiscal ocorre a partir do momento em
que uma determinada renda (ou lucro) é ganha (auferida) ou da existência de uma riqueza
acumulada (materializada) no tempo. No primeiro caso são conhecidos como impostos
incidentes sobre a renda (Imposto de Renda) e, no segundo, sobre o patrimônio. Incidem,
portanto, sobre os rendimentos auferidos pelos trabalhadores em geral, sobre os juros e
ganhos financeiros, os aluguéis e demais arrendamentos, os lucros das empresas e ganhos
de capital (ou seja, sobre a renda em suas diversas formas) e ainda sobre a propriedade e a
riqueza (a riqueza, também em suas diversas formas).
Não são, por isso, pelo menos a nível teórico, passíveis de transferência para
terceiros, ocorrendo, caso isso se confirme, uma coincidência entre o que, na linguagem
jurídica, denomina-se contribuinte de direito e contribuinte de fato e, na linguagem da
economia, de incidência legal e de incidência econômica, que é, de fato, a que interessa do
ponto de vista de seu gravame. Isto significa que o contribuinte responsável pelo
recolhimento do imposto aos cofres públicos seria, pelo menos teoricamente, o mesmo que
arca efetivamente com o seu ônus.
132
Sua origem data de 1798, conforme aponta Baleeiro (1978:321-2), quando W.Pitt o
criou – em caráter extraordinário – para financiar as despesas da guerra que a Inglaterra
então travava com Napoleão Bonaparte. Com o seu término, o imposto foi extinto em
1816, mas, restabelecido em 1842, novamente como fonte extraordinária – e emergencial –
de receita, terminou definitivamente integrado, a partir daí, à estrutura tributária inglesa.
Nos EUA, depois de criado também como imposto extraordinário durante a Guerra
da Secessão e de sua cobrança ter sido feita também em 1894, a Corte Suprema, segundo
Baleeiro (1978:321-2) terminou declarando-o inconstitucional em 1896. Somente em
1913, depois de aprovada a 16ª Emenda à Constituição, o imposto seria legalizado e teria
reiniciada sua cobrança. No Brasil, sua criação ocorreria em 1922 e, vinte anos depois, na
Argentina.
Para seus defensores, o Imposto de Renda apresenta virtudes que o tornam uma
forma superior de tributação em relação às demais. Por um lado, a base de sua incidência –
a renda – espelha melhor a capacidade de contribuição dos indivíduos e propicia melhores
condições para a aplicação do princípio da equidade, de acordo com a máxima de que
“quem ganha mais deve pagar mais”, já que permite o estabelecimento de alíquotas
diferenciadas – e progressivas – definidas em função de seus níveis, o que não ocorre com
a tributação indireta.
Como tudo em economia envolve controvérsias, não poderia ser diferente com a
questão da tributação. Para Kaldor, de acordo com Rezende (Rezende, 1974:21) “um
mesmo nível de rendimento total em um determinado ano não representa necessariamente
uma mesma capacidade de gasto”, o que enfraquece o critério “nível de renda” como
indicador da capacidade de contribuição. Isso porque não somente as várias formas de
rendimentos (trabalho, aluguéis, ganhos de capital etc.) envolvem riscos diferentes em
relação às oscilações do comportamento da economia como atendem a diferentes
necessidades dos contribuintes e são, às vezes, distintas em relação à regularidade de seus
fluxos, com alguns sendo, inclusive, de caráter transitório.
se destacava como uma das principais bases tributáveis, assegurando sua importância
na geração de recursos para o financiamento do Estado.
O Brasil conta atualmente em sua estrutura tributária com seis impostos que
incidem sobre o patrimônio: o imposto sobre grandes fortunas (IGF); sobre a
propriedade rural (ITR); heranças e doações (ITCD); propriedade de veículos
automotores (IPVA); propriedade imobiliária urbana (IPTU); e transmissão de bens
imóveis inter-vivos (ITBI).
Quadro 3.3
Brasil: Impostos Diretos
33
Dificuldades de financiamento dos municípios no Brasil, somadas, na atualidade, às exigências da Lei
de Responsabilidade Fiscal aprovada, no ano 2000, de coibir a prática da renúncia fiscal, têm contribuído
para o seu aumento, principalmente do IPTU e do IPVA, mas o fato é que sua contribuição ainda continua
pouca expressiva diante de seu potencial de arrecadação.
135
Os impostos indiretos são aqueles que têm justificada a sua cobrança no fato de uma
determinada renda ser gasta (despendida). Incidem, portanto, sobre a produção, a
circulação e o consumo de bens e serviços. Sua principal característica é a de que,
contrariamente, aos impostos diretos, podem ser objeto de repercussão para terceiros, os
quais, no final das contas, são os que arcam com o seu ônus, embora os mesmos sejam
recolhidos aos cofres públicos pelos vendedores. Ocorre, neste caso, uma nítida separação
entre o contribuinte de direito (a empresa que produz e vende bens e serviços) e o
contribuinte de fato (o consumidor que os adquire).
Essa separação termina gerando o que pode ser chamado de fetiche do imposto:
por um lado, o responsável pelo seu recolhimento - o vendedor - nutre a ilusão de que
recai, sobre seus ombros, o seu ônus, quando se sabe que este, ao integrar a sua estrutura
de custos, termina sendo, via de regra, repassado para os preços e utilizado, enquanto não
recolhido, como fonte de financiamento de seu capital de giro a custo zero; por outro, o
consumidor - o contribuinte de fato -, especialmente quando o imposto não é destacado do
preço da mercadoria, tende a não perceber a contribuição tributária envolvida no ato da
compra - para não dizer sobre o seu montante -, inibindo o reforço da consciência que
poderia resultar deste processo sobre os vínculos existentes entre impostos, cidadania e
Estado.
Due (1974) aponta duas vantagens que possui o imposto sobre o movimento de
transações: a) não ser necessária a delimitação de setores específicos e a identificação dos
negociantes, uma vez que incide uniformemente sobre todas as firmas; e b) a maximização
da receita, por serem todas as transações tributáveis. Mas assinala, em contrapartida, tantas
desvantagens, que chega a considerar "[...] seu emprego contínuo [...] intolerável em
termos de eficiência, melhor desenvolvimento e equidade." Entre as principais, cabe
apontar: a) os efeitos engendrados na organização da produção e da distribuição, visto a
tributação fomentar intensamente a conexão entre produção e circuitos de distribuição,
promovendo artificialmente a integração e tolhendo a especialização; b) as influências
perversas na alocação de recursos, ao distorcer os preços relativos da economia, em função
do número variado de transações para diferentes produtos; e c) os nocivos efeitos
distributivos causados pelo imposto, visto penalizar mais os consumidores que demandam
bens, cujas etapas de comercialização alcançam maior número. (Due,1974:162-6)
Já o imposto sobre o valor adicionado (IVA), uma forma mais moderna do imposto
sobre as vendas, teve sua aparição como idéia proposta por Von Siemens ao Governo
Alemão em 1918 ( Due, 1974:168). Entretanto, somente em 1935, a Argentina, e em 1948,
a França, o introduziram em seus sistemas de impostos, mas com sua incidência restrita à
produção industrial. Em 1954, a França ampliou essa base de incidência, a ela
incorporando o estágio atacadista. Somente a partir de meados da década de 60, sua
incidência, em todos os estágios da produção e da distribuição, se tornaria uma realidade.
O Brasil, pioneiramente, o adotou em 1966, na forma do Imposto sobre a Circulação de
Mercadorias (ICM), seguido, posteriormente, dos países da Europa pertencentes ao
Mercado Comum até se disseminar, na atualidade, pela maioria das economias (Quadros,
1995:89).
O Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) apresenta o mérito, ainda segundo Due
(1974:171), de ao ser "... aplicado unicamente ao valor adicionado de cada firma, e não às
receitas brutas, não afetar a organização da produção, o grau de integração e a alocação de
funções particulares, com a condição de que todos os setores, inclusive o varejista, sejam
abrangidos".
137
São três os métodos utilizados para a apuração de seu valor: o método da adição, o
da subtração e o do crédito do imposto.
Pelo terceiro, que é "... uma variante do método da subtração, ao total das vendas
efetuadas no período t aplica-se a alíquota do IVA e subtrai-se deste resultado o total do
IVA referente ao total das compras efetuadas, também no período t." Ainda segundo
Rezende (idem:61), "este método apresenta a vantagem de autofiscalização tributária, uma
vez que o direito ao uso do crédito fiscal está condicionado ao lançamento do imposto
recolhido na nota fiscal."
O imposto, por sua vez, pode ser calculado segundo dois critérios: a) "por fora"; e
b) "por dentro". A diferença entre estes dois critérios diz respeito ao fato de se excluir
(primeiro critério) ou não (segundo critério) o imposto da sua base de cálculo. Isso
significa que, no primeiro caso (cobrança “por fora”) o imposto não incide sobre ele
próprio (“em cascata”), encarecendo o preço do bem, já que o seu valor não faz parte de
sua base de cálculo. No segundo (cobrança “por dentro”), o valor do imposto ao ser
incorporado ao preço do bem para ser calculado pela alíquota legal (“em cascata”),
aumenta o seu preço final, pois será mais elevado que na situação anterior.
Quando o imposto é cobrado "por fora" tem-se, assim, que a alíquota nominal é
idêntica à alíquota efetiva para ele estabelecida. Quando o imposto o imposto é incluído na
sua base de cálculo, a alíquota efetiva é maior do que a alíquota nominal (legal). Isso
significa que o preço final da mercadoria é maior, a uma mesma alíquota nominal, se o
imposto é calculado "por dentro" do que aquele que é cobrado "por fora". (Rezende,
1977:60)34
Outra característica deste imposto diz respeito ao princípio que governa sua
cobrança de acordo com o momentum de incidência: a) o da origem (ou da produção) e o
do destino (ou do consumo). A opção por uma ou outra forma de cobrança tem
implicações para o comércio exterior, para o gravame dos bens de capital e para as
relações intergovernamentais, quando os países que o adotam se encontram organizados
sob a forma de uma federação e o imposto é de âmbito estadual.
Se, pelo contrário, sua incidência se dá pelo princípio do destino, a desoneração das
exportações e dos bens de capital pode ser facilmente garantida pelo estabelecimento de
alíquota zero para estes setores, assim como ficam equacionados os problemas causados
34
O cálculo "por fora" do imposto é dado pela fórmula: PF = PP + rPP, onde PF corresponde ao preço final
da mercadoria, PP o preço do produtor e r a alíquota do imposto. Já o cálculo "por dentro" é feito através da
seguinte fórmula: PF = PP + rPF. Neste caso, como é fácil perceber, o imposto integra a base de seu cálculo,
tornando a alíquota efetiva maior que a nominal. Um exemplo ajuda a esclarecer melhor essa questão. Um
imposto com uma alíquota legal de 25% terá, se cobrado “por dentro”, uma alíquota efetiva de 33,3%, de
acordo com a fórmula acima, onde, resumidamente, PP /1-r.
139
pela existência de "fronteiras econômicas" dentro de um mesmo país federativo, caso seja
ele de competência das esferas estaduais. Em face dessas suas características, a tendência
moderna, diante do processo de abertura das economias e de integração dos blocos
regionais, é a de adoção dos IVAs pelo princípio do destino.
Quadro 4.4
Para a teoria convencional, essa nunca foi vista, contudo, como uma questão trivial.
Isso porque a cobrança de impostos afeta, de uma maneira geral, a estrutura prévia de
distribuição de renda e interfere no processo de alocação de recursos da economia,
podendo comprometer o ponto de equilíbrio de máxima eficiência em que o sistema opera
– um de seus pressupostos. Para ela, diante disso, o melhor sistema de tributação seria o
que menos interferisse nesse processo, ou que se apresentasse, digamos, “neutro”, para que
140
o sistema não se desviasse de seu leito natural de equilíbrio, causando perda de bem-estar
para a sociedade. Para garantir isso, seria necessário identificar esses efeitos e estabelecer
normas de tributação adequadas para conciliar os objetivos da equidade com o da
neutralidade da tributação, procurando encontrar uma solução para os inevitáveis trades-off
em que estes incorreriam.
Por essa razão, a teoria das finanças públicas procurou, desde as primeiras
teorizações feitas sobre o funcionamento do mercado pelos clássicos e, posteriormente
pelos neoclássicos, sugerir normas, apoiadas na formulação de princípios teóricos abstratos
da tributação, formulados à luz dos critérios de eficiência – como os da “neutralidade” e da
“equidade” – que deveriam balizar a construção dos sistemas tributários, visando reduzir
sua interferência no processo de alocação de recursos com o objetivo de garantir o
funcionamento eficiente do sistema.
O primeiro postula que para manter-se nessa situação (de máxima eficiência) a
tributação deve ser “neutra” em relação às decisões sobre a alocação de recursos,
priorizando impostos que não modifiquem os preços relativos determinados pelo mercado
nem afetem as decisões dos agentes econômicos no que diz respeito à sua capacidade de
trabalhar, economizar e investir, pois isto reduziria a eficiência do sistema, provocando
perda no nível de bem-estar da sociedade.
É ainda Dalton (apud Pires, 1996:29) quem sintetiza bem este novo Princípio, já
em 1936, quando começam a entrar em cena as funções distributiva e estabilizadora do
Estado, em seu trabalho sobre Finanças Públicas:
35
Para uma avaliação cuidadosa da crítica e discussão destes princípios consultar o trabalho de Pires
(1996).
143
O fato é que a teoria das finanças públicas não conseguiu encontrar respostas
satisfatórias para dar um tratamento simultâneo aos princípios da neutralidade e da
equidade, visando assegurar a eficiência do sistema econômico. No caso do Princípio da
Equidade, se tecnicamente é possível concluir com Musgrave & Musgrave (1980:179)
que, dadas suas limitações em relação aos problemas distributivos - critério do benefício -
e à indeterminação no fornecimento dos serviços públicos - critério da capacidade de
pagamento -, além das dificuldades práticas que existem para sua mensuração, "nenhuma
dessas abordagens é de fácil interpretação ou implementação", torna-se possível também
concluir serem tais critérios meras figuras de ficção, utilizadas para justificar a imposição,
através de consenso, da cobrança de tributos da sociedade. É por isso que para O’Connor
(1977:204), tais princípios não passam de slogans com os quais “as classes dominantes,
normalmente, ou tentam esconder ou justificar e racionalizar ideologicamente a exploração
tributária”.36
36
Críticas agudas e detalhadas destes princípios podem ser encontradas em Myrdal (1984), Musgrave &
Musgrave (1980), Dalton (1972), O’Connor (1977) e Pires (1996).
144
Com essa perspectiva, a harmonização das políticas tributária deve ser alcançada,
de acordo com Rezende (2001, Cap. 14) com o ajustamento dos impostos incidentes nos
mercados financeiro, de produtos e do trabalho. No mercado financeiro, onde, como
lembra este autor, “o dinheiro é a mercadoria que circula com maior facilidade e rapidez,
os ajustes devem também ser feitos em curto espaço de tempo, extinguindo práticas
tributárias diferenciadas que fogem ao padrão aceitável internacionalmente.” Isso significa,
para ele, “...abandonar práticas comuns no passado [como a de tributar] o lucro auferido
por empresas estrangeiras (no momento da realização e por ocasião de sua remessa ao país
de origem), ajustar a incidência do imposto sobre as aplicações financeiras ao padrão
internacional e garantir a estabilidade das regras tributárias.”
agregado, os IVAs, por não provocarem distorções nos preços relativos, permitirem mais
facilmente a desoneração dos investimentos e das exportações e, por isso, serem mais
condizentes com a questão da competitividade.
Para os arautos dessa nova ordem (e norma) não há espaços, no campo tributário,
para políticas redistributivas, as quais devem ser confinadas ao campo do gasto público,
que não é, como se sabe, propriamente um campo que consegue atender os interesses das
classes menos favorecidas da sociedade.
Para o capital e as classes e frações mais favorecidas, a nova norma não poderia ser
mais bem-vinda: com ela retira-se qualquer veleidade distributiva do espaço tributário,
torna praticamente imunes ou apenas suavemente taxados o capital e as altas rendas, e
transfere a responsabilidade deste processo para um campo em que os mais poderosos
política e economicamente exercem maior influência na sua definição: o do gasto público.
E, o que é também importante, liberta a teoria da incômoda tarefa de continuar insistindo
em encontrar soluções mais adequadas ou menos indesejáveis para os inevitáveis trades-
off existentes entre eficiência e equidade.
Uma importante questão não pode deixar de ser considerada como conseqüência
deste processo. O estreitamento das bases de incidência da tributação indica que o Estado
poderá ter de se contentar com menores receitas para financiar suas atividades – o que está
de acordo com o pensamento neoliberal – ou, caso contrário, aumentar o esforço tributário
de setores que atualmente arcam com o seu ônus.
A principal conclusão que pode ser extraída da discussão anterior é a de que são
insuficientes as bases da teoria das finanças públicas para explicar e determinar as
estruturas tributárias. Apoiada em normas e princípios abstratos que considera
indispensáveis para a construção de sistemas tributários “ideais”, visando manter o sistema
operando com eficiência, a teoria desconsidera as forças políticas, econômicas e sociais
que determinam suas estruturas, as quais, ao contrário do que preconiza, podem lhe dar
uma conformação distinta ou não comportarem as combinações de impostos que sugere.
soberania do consumidor prevalecente para o caso dos bens privados, através do mercado
de votos, conseguiria respostas satisfatórias para essa questão, pela debilidade de seu
arcabouço teórico.
Segundo Dalton (1970:155) "sei lá" (no how) foi considerada a melhor resposta
dada por Edwin Cannan, em 1921, à pergunta dirigida a vários economistas pela
Associação Britânica, preocupada com os níveis atingidos pela carga tributária na Grã-
Bretanha, sobre a capacidade tributável de um país. Traduzida, a pergunta referia-se, em
outras palavras, ao peso da carga tributária que uma economia pode suportar sem provocar
desestímulos aos investimentos, à produção e ao trabalho.
Hinrich (1972), que realizou um amplo estudo sobre o nível de arrecadação e sobre
as mudanças registradas nas estruturas tributárias durante o processo de desenvolvimento,
para um conjunto de países, aponta três variáveis determinantes do tamanho e da
composição da carga tributária:
c) o estilo cultural, que é entendido, por Hinrich (1972:25), como a "... a tradição
tributária que se desenvolveu em certo país ou que lhe foi imposta". Este estilo cultural
estaria, segundo ele, na raiz da explicação das preferências que determinados países
revelam pela adoção de impostos diretos em detrimentos dos indiretos e vice-versa,
repontando como o principal fator explicativo, portanto, da composição da carga tributária.
transicionais, para chegar às sociedades ditas modernas, ele resume, em cada uma, o que
seriam os determinantes mais significativos da estrutura da receita governamental:
c) nas sociedades modernas, "... dentro dos limites estabelecidos pela prevalência
da tributação interna, o estilo fixado pelos fatores culturais e/ou políticos” é que vai
determinar não somente o tamanho da carga tributária - e, portanto, do Estado -, mas
também a sua composição, ou seja, o mix de impostos diretos e indiretos.
Por fim, nas economias desenvolvidas, que apresentam maior diversidade da base
da tributação e níveis elevados de renda per capita, são as preferências político-culturais
37
Era essa a classificação que se fazia dos países, à época, considerando o seu grau de desenvolvimento.
Os países pobres, que ainda não haviam dado início a este processo, integravam o grupo dos
subdesenvolvidos. Os que o haviam iniciado (take-off), o grupo dos países em desenvolvimento. Um
terceiro era composto pelos países desenvolvidos. Na atualidade, essa classificação restringe-se às
economias desenvolvidas e às emergentes, desconsiderando-se o primeiro grupo.
151
por impostos diretos ou indiretos e pelos serviços que o Estado pode prestar, os
determinantes do tamanho e da composição das estruturas tributárias.
Sua conclusão, diante disso, é a de que "... os fatores determinantes das estruturas
tributárias para os países em desenvolvimento parecem ser mais fundamentalmente
econômicos que culturais - o caráter das bases econômicas a serem tributadas, tais como o
setor de comércio exterior, e as modificações dessas bases são mais importantes do que
alguns estilos de tributações hereditários, [como], por exemplo, o [do] modelo britânico de
impostos sobre a renda ou [o das] patentes francesas" (idem: 28).
Tanto isso é verdade, que Hinrich argumenta que "... um complexo estado
democrático industrializado poderia funcionar com setor público, digamos, entre 20 e 40%
[do produto nacional]. O ponto onde ele se fixa dentro ou acima, desta faixa, é mais
provavelmente, determinado não pelas necessidades estruturais - que demandariam,
digamos, apenas 20% - mas pelos compromissos ideológicos, visando um estado do bem-
estar social e/ou a segurança e defesa de um sistema ideológico existente" (idem: 5).
O exame dos dados contidos no Tabela 4.2, extraído do trabalho de Musgrave &
Musgrave (p.647), que fornece comparações entre as estruturas tributárias de amostras de
países com diferentes níveis de renda per capita, confirma muito a tese de Hinrich.
Fica evidente, pela sua análise que, quanto mais baixos os níveis de renda per
capita, menor o tamanho da carga tributária, tendendo esta a se elevar, à medida que
aqueles se elevam, trazendo, consigo, uma ampliação da demanda dos bens e serviços
públicos, o que coloca a questão das bases econômicas - e tributárias - como um fator
condicionante de sua dimensão.
Também fica evidente, por outro lado, que nos países de mais baixo nível de renda
per capita, são predominantes os impostos sobre o comércio exterior - importação e
exportação - e sobre a produção e vendas de bens e serviços, sendo reduzida a contribuição
dos impostos diretos para a geração de receitas do Estado.
Essa configuração dos sistemas tributários, que têm como condicionante o estágio
de desenvolvimento atingido pela economia de um dado país, o papel atribuído ao Estado,
que é determinado historicamente, e as próprias lutas políticas em torno da composição dos
impostos, não encontra explicações nas teorias dominantes sobre as finanças públicas,
como vimos anteriormente. O que não deve causar estranheza.
152
Tabela 4.2
Composição Média das Estruturas Tributárias para uma Amostra de Países com
Vários Níveis de Renda Per Capita
A tese de Hinrich, apoiada em fortes evidências empíricas das estruturas dos países
pesquisados não parece, contudo, ter sido bem aceita pelo pensamento dominante ou ter
sido mal entendida por outras correntes das finanças públicas que se dedicaram à sua
análise. Ao negar as normas como elementos estruturadores dos sistemas tributários e
colocar em ação as forças econômicas, políticas, sociais e culturais na sua determinação,
Hinrich resgata a historicidade dessas estruturas e rejeita a pretensão ortodoxa de ser
153
possível construir “sistemas tributários ideais” coerentes com o equilíbrio geral do sistema,
apoiada naqueles princípios “abstratos”.
Ora, na visão de Hinrich “não existe um sistema tributário ideal para uma
sociedade em todos os tempos e nem para todas as sociedades ao mesmo tempo”, porque
são distintos os estágios de desenvolvimento de suas economias, as suas bases de
tributação e, consequentemente, o mix de impostos que pode ser cobrado em cada época.
Isso significa que as recomendações que brotam das normas nem sempre podem ser
atendidas, porque não encontram uma realidade histórico-concreta capaz de abrigar
impostos que satisfaçam àqueles princípios.
Não foi bem essa a intenção de Hinrich. Sua preocupação foi a de estabelecer uma
“Lei Geral de Evolução das Estruturas Tributárias durante o Processo de Desenvolvimento
Econômico”, tendo concluído que, quando este se completa, as bases da tributação
permitem escolhas entre várias composições possíveis de impostos diretos e indiretos.
O problema, que originou essas críticas, deve-se ao fato deste autor, ao procurar
compreender a razão de alguns países contarem com mais impostos diretos, em sua
154
Em várias passagens de seu trabalho, o próprio Hinrich parece concordar com isso,
como, por exemplo, onde afirma que "tais sistemas tributários são produto do inter-
relacionamento histórico das forças políticas e econômicas dentro de cada país" ou ainda
que "mudanças nos sistemas tributários podem acelerar ou retardar a realocação dessas
forças políticas e econômicas subjacentes" (Hinrich,1972:24). Neste sentido, o
determinante "estilo cultural" poderia ser mais propriamente entendido, e com maior
capacidade de expressar o seu sentido e de propiciar elementos mais realistas para a análise
dos resultados dessa disputa/luta entre as classes sociais e suas frações em torno do sistema
tributário, como a relação de força entre as classes sociais e políticas ou, de forma mais
simplificada, a correlação das forças políticas e sociais.
É assim que se pode compreender porque o Estado, de cunho liberal, não precisa
contar com volumes significativos de recursos para suas atividades, já que estas estão
restritas ao fornecimento à sociedade de alguns poucos bens e serviços, como os de defesa
e segurança da ordem interna e externa do país. Da mesma forma é que se entende, porque
155
a falência conhecida pelo liberalismo por mais de meio século, a partir dos
desdobramentos da crise dos anos 30, introduziu, pela necessidade de salvar o sistema e de
garantir a sua reprodução no longo prazo, demandas ampliadas para o Estado nos campos
econômico e do bem-estar, o que exigiu elevações expressivas nos seus níveis de
arrecadação. Assim como, se vitoriosas, as teses neoliberais da atualidade, diante da crise
do pensamento keynesiano e do Estado do bem-estar, poderiam ser decisivas para sua
redução e, portanto, para a diminuição dos níveis das cargas tributárias no mundo
capitalista.
Por isso, é que parece problemático, e parcial, como o faz Hinrich, determinar, para
uma economia desenvolvida, as necessidades estruturais mínimas de recursos por parte do
Estado - que ele, hipoteticamente, situa em torno de 20% do produto nacional - e atribuir
níveis mais elevados de tributação - e a sua determinação - aos "... compromissos
ideológicos, visando um Estado do bem-estar social e/ou segurança e defesa de um sistema
ideológico existente." Seja porque essas necessidades estruturais mínimas sofrem uma
determinação histórica, podendo o próprio Estado do bem-estar não ter sido mais do que o
seu reflexo para garantir a reprodução do capital, é necessário apreender, em toda a sua
complexidade, o papel que, historicamente, o Estado desempenha na sociedade e na
economia, para extrair ilações sobre o nível da carga tributária exigida para o cumprimento
de suas funções.
para estabelecerem níveis mais elevados de arrecadação, como para optarem por
composições diferenciadas da estrutura de seus impostos. Nessa determinação, são os
fatores políticos que tendem a se sobrepor aos econômicos.
Assim, é que o nível da carga tributária será definido em função do papel que será
atribuído ao Estado pela sociedade. Se a intervenção do Estado na vida econômica e social
do país é considerada nociva para o funcionamento do sistema, como preconiza o ideário
liberal, suas atividades tenderão a ser mínimas e reduzidas suas necessidades de recursos.
Se, contrariamente, a sua atuação no campo econômico e social é considerada vital para a
reprodução do sistema, ampliando-se e diversificando-se as demandas que lhe são
endereçadas por bens e serviços públicos, suas necessidades de recursos serão maiores e a
carga tributária mais elevada. Definido o montante de recursos que ele terá de contar para
o desempenho de suas tarefas, que são determinadas historicamente, é que se coloca a
questão da distribuição de seu ônus entre os membros da sociedade, cuja definição tende a
ocorrer como resultado da correlação das forças políticas e sociais que têm inscrito seus
interesses no interior de seus aparelhos.
É neste sentido que a correlação das forças políticas e sociais atuantes no sistema
encontra-se na base da determinação da distribuição dos impostos em diretos e indiretos,
ou seja, na composição da carga tributária. Caso essa correlação seja desfavorável aos
trabalhadores, por exemplo, tenderão a predominar, na estrutura tributária, os impostos
indiretos, que são caracteristicamente regressivos e instrumentos que contribuem para
piorar a distribuição de renda, com baixas incidências sobre a renda, os lucros e o
patrimônio. Caso a luta política se revele favorável para a atenuação das desigualdades
sociais, certamente os impostos diretos adquirirão maior importância, como o comprovam
a experiência dos países desenvolvidos. Distante, portanto, do estilo cultural, o que aparece
como decisivo, nessa determinação da composição da carga tributária, são as lutas
políticas, sendo os resultados alcançados explicados pela correlação das forças sociais.
pelo novo padrão de acumulação do capitalismo globalizado, de que nem o capital, nem a
produção, nem as exportações devem ser tributados, assim como não deve haver
tratamento tributário diferenciado para os fatores de produção com grande mobilidade
espacial (inclusive da força de trabalho qualificada) seguiram-se as recomendações para a
realização de reformas dos sistemas tributários, visando adequá-los ao novo padrão, no
qual não há mais espaços para políticas redistributivas por meio da tributação.
Apesar disso, o passo mais importante que foi dado com a nova norma tributária de
desonerar, em boa medida, o capital e as altas rendas e transferir o ônus em que estes
incorrem para os setores menos favorecidos, só encontram explicação no fato da
correlação das forças políticas ter se alterado significativamente em prol dos primeiros,
com a queda do muro de Berlim e o afastamento de cena de seu principal oponente – o
comunismo. Com o caminho livre, o capital não encontraria resistências e/ou deixaria de
ter motivos para continuar mantendo a política tributária como instrumento desfavorável
aos seus interesses, procurando garantir, por meio do Estado, mudanças em seu conteúdo,
justificadas em nome da competitividade. Funcional para o sistema, essas mudanças
carregam, contudo, fortes conflitos que podem inviabilizá-las.
Não sem razão, mesmo nos países mais desenvolvidos, que apresentam melhores
condições de promover essa redistribuição, os avanços têm sido lentos nessa direção, pois,
afinal, há resistências a vencer, e continua elevada a participação dos impostos diretos na
sua estrutura. Como mostra a tabela 4.3, nos países desenvolvidos, apesar do avanço da
tributação indireta, em relação aos períodos anteriores, como resultado deste processo, os
impostos diretos – renda e propriedade – ainda respondiam, na média dos primeiros anos
do século XXI, por mais de 40% de sua arrecadação. Nos países em desenvolvimento, que
apresentam estruturas bem menos homogêneas de distribuição de renda, as mudanças
promovidas nessa direção têm, também, reduzido a participação dos impostos diretos,
tornando o sistema mais iníquo, mas estes ainda representam, em média no período
considerado, quase 30% da carga tributária. Já o Brasil, que tem destoado do restante do
158
Tabela 4.3.
Carga tributária Bruta, por conjuntos de países, de acordo com suas bases de incidência
Em relação ao tamanho da carga tributária, é possível perceber que o seu aumento tende a
ocorrer sempre em períodos marcados por alterações em sua estrutura econômica e no
processo de industrialização, com a intensificação das atividades internas e elevação dos
níveis da renda per capita.
A partir da reforma de 1966 até os dias atuais distinguem-se três períodos que
apresentam comportamento distinto para a carga tributária.
No primeiro, que vai até o final da década de 70, a carga tributária, apesar do forte
engajamento do Estado no processo de acumulação - engajamento marcado por
expressivas renúncias de receitas públicas e generosas concessões de incentivos fiscais -,
manteve-se em torno de 25% do PIB. Isto, como se pode perceber na tabela 4.4, apesar do
considerável crescimento que conheceu a economia brasileira, neste período, e do aumento
da renda per capita (esta mais que dobra entre 1965 e 1980), devido à utilização
exacerbada do instrumento tributário como ferramenta da acumulação, transformando o
país em um verdadeiro paraíso fiscal para o capital, as médias e altas rendas, o que
conduzirá o Estado a defrontar-se, no final da década, com uma grave crise fiscal. Para
complementar suas necessidades de recursos, o Estado não titubearia em lançar mão
fortemente da poupança externa, num período de excessiva liquidez internacional, com os
empréstimos sendo feitos em condições bastante atraentes, o que, mais tarde, com a
explosão dos juros americanos no final da década de 1970, o conduziria a uma situação de
“encilhamento” fiscal/financeiro.
38
Para uma análise aprofundada do papel do sistema tributário como ferramenta da acumulação neste
período consultar: Oliveira, F. A. de. A Reforma tributária de 1966 e a acumulação de capital no Brasil.
Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1991 (2 ª edição).
161
Tabela 4.4
Evolução da Carga Tributaria no Brasil, nos ciclos de desenvolvimento econômico
1913-2004
Note-se que, voltado para sustentar a lógica do ajuste fiscal e o pagamento dos
juros dos credores do Estado, o sistema tributário perdeu sua conexão com o setor
produtivo, tendo se transformando, inclusive, em seu adversário, e que o custo adicional
com ele exigido passou a penalizar não somente a própria produção e, portanto, frações
importantes do capital, como também as classes trabalhadoras, já que o aumento da carga
tributária tem sido obtido predominante por meio de impostos indiretos e contribuições
sociais e econômicas. Uma mudança de equação na forma de atuação do Estado, ditada
pelo novo padrão do capitalismo internacional, que prioriza os interesses do capital
financeiro, e que, tudo indica, tem gerado questionamentos crescentes à legitimidade de
seu papel atual.
o Consumo (IC), o atual IPI, sendo desprezível a geração de receitas pelo Imposto de
Renda. Contando com incipiente atividade industrial, mercados urbanos em fase de
constituição e com a classe operária em formação, a estreiteza do mercado interno e,
como conseqüência, das bases de tributação, não oferecia condições para a cobrança
adequada destes impostos, especialmente do imposto de renda, cabendo aos impostos
sobre o comércio exterior este papel.
Tabela 4.5
Composição da Arrecadação Federal (*)
1923/1964
ANO Importação Produtos Rendas e Selos e Outros Total
Industrializados* Proventos Afins Tributos
1923 50,3 29,8 5,1 14,7 0,1 100,0
1924 51,9 27,3 2,2 18,5 0,1 100,0
1925 56,0 24,2 2,6 17,1 0,1 100,0
1926 47,8 30,1 2,9 19,0 0,2 100,0
1928 55,2 25,9 4,0 14,8 0,1 100,0
1929 54,8 25,2 4,5 15,3 0,2 100,0
1930 50,2 28,3 5,0 16,4 0,1 100,0
1933 47,3 28,7 6,8 16,3 0,9 100,0
1935 47,6 27,2 8,1 16,4 0,7 100,0
1940 35,9 38,7 15,1 10,2 0,1 100,0
1945 14,5 40,0 33,2 12,2 0,1 100,0
1950 10,9 41,0 35,8 12,2 0,1 100,0
1955 4,6 36,0 39,8 13,3 12,9 100,0
1960 11,2 42,4 31,6 12,9 1,9 100,0
1964 7,2 51,3 28,1 10,9 2,5 100,0
Fonte: Direção Geral da Fazenda Nacional. Assessoria de Estudos, Programação e Avaliação. 78
anos de Receita Federal: 1890/1967. Rio de Janeiro, 1968.
(*) Imposto de Consumo até 1966
O período que vai de 1980 a 1994 é marcado, em virtude deste quadro, por fortes
tensões, mesclado por um ambiente macroeconômico de instabilidade, paralisia da política
econômica voltada para objetivos de curto prazo (crise fiscal e ameaça de hiperinflação),
165
Mergulhado numa crise fiscal de grandes proporções, enfrentando uma grave crise
econômica nos primeiros anos da década de 1980, e questionado em suas bases de atuação,
o Estado autoritário não conseguiu avançar nenhuma reforma de profundidade do sistema
tributário, que fosse capaz de recompor sua capacidade de financiamento, porque isso
exigiria a formação de um novo arco de alianças que o ocaso do regime militar não
propiciava. Enfrentando os mesmos problemas e contando, na sua condução, com os
mesmos atores da ordem anterior, dadas as alianças políticas que foram estabelecidas para
garantir a transição política, o Estado que surgiu, no período seguinte, também não
conseguiu, nem mesmo com a elaboração de uma nova Constituição para o país,
modificar, de forma importante, o formato da estrutura tributária vigente. Com isso, essa
continuaria assentada nas mesmas bases anteriores, com o peso dos impostos indiretos e
das contribuições sociais aumentando, inclusive, sua participação na carga tributária.
A tabela 4.6 não deixa dúvidas a este respeito. Como se percebe, considerando os
tributos cobrados pelas três esferas de governo – União, estados e municípios – os
impostos diretos – renda e patrimônio – raramente ultrapassaram a participação de 20% no
total da carga tributária, enquanto os que incidem sobre bens e serviços situaram-se em
torno de 50% até 1994. Se aos últimos forem adicionadas as contribuições sociais que
recaem sobre a mão-de-obra (Contribuição Previdenciária, FGTS, Salário-Educação etc.)
essa participação se eleva para cerca de 75-80%, desvelando o acentuado peso da
tributação indireta na estrutura de impostos do país.
É preciso ter clareza, contudo, de que algumas iniciativas voltadas para melhorar o
perfil da estrutura tributária brasileira no capítulo tributário da nova Constituição não
foram bem sucedidas, sendo barradas, às vezes, pelos representantes das classes
dominantes, ou inviabilizadas, em sua regulamentação, pela justificativa de mudanças de
prioridades do governo. Entre essas se deve destacar a proposta apresentada no Congresso
constituinte de instituição de um imposto sobre o patrimônio líquido, o qual, na Comissão
de Sistematização, foi substituído por um vago imposto incidente sobre as grandes fortunas
inscrito na Constituição mas não regulamentado (portanto, sem condições de ser cobrado)
até os dias atuais (Oliveira, 1995:80). Outra, aos princípios da isonomia e da
progressividade do imposto de renda, os quais, também contemplados na Constituição, em
momento algum foram observados, continuando-se a garantir tratamento favorecido não
somente para os lucros das empresas como para os ganhos de capital em geral (aplicações
financeiras, em bolsas de valores etc.).39
39
Para os pontos acima, ver: Oliveira, Fabrício Augusto de. Crise, reforma e desordem do sistema
tributário nacional. Campinas, Editora da UNICAMP, 1995, Cap. IV.
166
Tabela 4.6
Composição da Receita Tributária Brasileira
1980-2004
40
Cf. Oliveira, F. A. de. A política fiscal e o reordenamento institucional do setor público na Nova
República. Campinas, IE/UNICAMP, mimeo, 1990.
167
Dado o elevado peso dos impostos indiretos e das contribuições sociais na estrutura
da arrecadação (cerca de 80%), tal situação de iniqüidade não surpreende, não podendo ser
considerado nenhum exagero dizer que a estrutura tributária no Brasil opera como um forte
instrumento de concentração de renda no país, inibindo a expansão do mercado interno e
as forças do crescimento sustentado. E ainda que, dada a multiplicidade de outras fontes e
bases de arrecadação, dada a diversificação de sua base produtiva e o pequeno peso da
tributação indireta nessa estrutura, a opção que foi realizada nada tem a ver com meras
influências culturais, mas com decisões de política econômica influenciadas por
compromissos assumidos com programas de austeridade/ajuste fiscal, mas com o
lançamento de seu ônus sendo direcionados para os ombros mais fracos da sociedade,
41
Fecomércio. Simplificando o Brasil: propostas de reforma na relação economia do governo com o setor
privado. São Paulo, 2005.
168
diante das fortes resistências das classes e frações de classes, que dominam o aparelho do
Estado, de darem sua contribuição.
Tabela 4.7
Carga tributária sobre a renda total das famílias em 1996 e 2004
Não bastasse isso, e também por força do ajuste que continua em curso, o governo
federal deu início, na década de 1990, a um processo de “desconstrução federativa,
reduzindo gradativamente a participação relativa dos governos subnacionais no “bolo
tributário”, notadamente a dos estados, e criando mecanismos legais para controlar seus
gastos e endividamento, processo que teve o seu ponto culminante com a promulgação da
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no ano de 2000.
Por todas essas razões, as regras tributárias deixaram o campo do bom senso e se
multiplicaram, tornando a legislação extremamente complexa para os contribuintes, a
ponto de o sistema passar a ser tratado e visto como um verdadeiro “manicômio
tributário”. Por isso, para ser bem sucedida e para conseguir resgatá-lo como instrumento
de justiça fiscal e como ferramenta que opera a favor do crescimento, qualquer reforma
169
que venha a ser realizada para modernizá-lo não pode simplesmente deixar de lado estes
problemas caso contrário estará, inexoravelmente, fadada ao fracasso.
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO V
O DÉFICIT PÚBLICO*
1. INTRODUÇÃO
Déficit e dívida pública e, por extensão, o Estado, encontram-se na cadeira de réus desde a
década de 70, acusados, pelo pensamento econômico ortodoxo, de serem responsáveis
pelas ondas de instabilidade que têm marcado a economia mundial desde essa época.
Depois de terem contribuído decisivamente para o longo ciclo de expansão do capitalismo
iniciado após a Segunda Grande Guerra, sob a liderança hegemônica dos Estados Unidos,
os desequilíbrios financeiros dos Estados, causados, de modo geral, pelas ondas de
instabilidade que se abateram sobre a economia mundial e exacerbaram as taxas de juros
internacionais, causando a explosão das dívidas públicas, transformaram-se nos vilões que
obstam seu curso e inibem o funcionamento dos mecanismos de mercado. “Nem dívida,
nem déficit, nem Estado”, parecem ser as palavras de ordem do pensamento dominante,
para que o sistema capitalista de produção possa seguir seu curso natural, liberto das
amarras que o prendem ao Estado e que tolhem suas possibilidades de realização plena.
Neste capítulo, bem como no capítulo VI, procura-se tratar dessas questões, sem
descurar de discutir os conceitos, fundamentos e as implicações macroeconômicas do
manejo da dívida e dos déficits públicos pelo Estado. No capitalismo globalizado (ou
mundializado) a aparente obsessão antiestado, antidívida e antidéficit atinge níveis
inauditos e talvez nunca, como agora, os instrumentos de política econômica dos Estados
nacionais tenham se tornado tão inoperantes diante da profunda crise financeira em que
estes se encontram mergulhados. “Não é este o Estado que o capitalismo necessita” – é na
verdade, o que essas vozes querem dizer; por isso é preciso recuperá-lo em outras bases,
173
com uma nova ossatura material e novas formas de atuação para o sistema.
2. OS DÉFICITS PÚBLICOS
Quando a receita (R) arrecadada pelo governo com a cobrança de tributos é igual
ou superior aos gastos (G) que efetua para o desempenho de suas funções, tem-se uma
situação conhecida como de equilíbrio orçamentário, ou de superávit fiscal, onde RG.
Segundo os economistas das escolas clássica e neoclássica, tem-se, em ambos os casos,
uma situação considerada como indicadora de uma boa e sadia administração financeira.
Isso porque, ao conseguir equilibrar suas contas, não ser necessário ao governo ter de
recorrer ao financiamento de seus desequilíbrios, por meio da emissão de moeda, dando
origem a períodos de instabilidade associados à aceleração do processo inflacionário, ou
por aumento do endividamento, o que poderia comprometer a sua saúde financeira no
futuro, obrigando-o a recorrer a emissões monetárias.
Assim é que para a teoria econômica ortodoxa, para a qual não existe sociedade,
mas indivíduos realizando cálculos racionais, que conduzem a economia para um ponto
de máxima eficiência e de bem-estar (o ótimo de Pareto), o Estado seria mais útil para a
comunidade se não existisse, deixando, assim, de produzir os indesejáveis déficits. Para
Keynes, que desmontou criticamente, em sua obra, as premissas teóricas dessa escola “as
características do mundo pressupostas pela teoria ortodoxa não são as da sociedade
econômica em que realmente vivemos, daí resultando que seus ensinamentos sejam
enganadores e desastrosos quando tentamos aplicá-los aos fatos da experiência.” (keynes
apud Ormerod, 1996:75/6)
Mas se este mesmo déficit for financiado, por outro lado, com um aumento de
impostos, a demanda agregada seria afetada apenas na medida em que os efeitos
multiplicadores do gasto do governo sejam maiores que os do setor privado, considerando
que a renda disponível deste se reduz, mas os seus gastos tendem a cair menos, de acordo
com sua propensão marginal de consumo e investimento. Cabe lembrar, contudo, nem
sempre ser viável politicamente o financiamento do déficit através do aumento de impostos
em determinadas conjunturas, não podendo ser considerada esta uma alternativa com que o
governo poderá contar, a qualquer momento, para aumentar a capacidade de financiamento
não inflacionário de seus gastos.
indivíduos devido aos ganhos gerados com o pagamento dos juros da dívida. Nesse último
caso, déficits permanentes, que são financiados através do aumento da dívida podem
pressionar as taxas de juros e potencializar o “efeito-riqueza”, rompendo o equilíbrio
existente.
adoção de medidas e regras mais confiáveis de maior controle de suas contas para
garantir a sustentabilidade de suas dívidas, bem como a garantia de políticas econômicas
consistentes com o objetivo de valorização desses capitais, sob pena de não contarem com
recursos para o seu financiamento e sujeitarem as economias de seus países a ondas de
instabilidade.
Para cumprir este novo papel, o Estado teria de tornar-se confiável para os agentes
privados, já que atuaria predominantemente como espaço de valorização da riqueza
financeira, significando que seus passivos (ou sua dívida) não podem apresentar riscos de
inadimplência, ou, em outras palavras, que seu pagamento deve ser dado como líquido e
certo, com o Estado sendo capaz de honrá-lo, sustentá-lo não só nas condições vigentes,
mas também nos cenários construídos a partir do comportamento esperado para as
variáveis que influenciam a relação dívida/PIB. O grau dessa capacidade seria medido por
um critério especialmente criado para essa finalidade, o risco-país, associado ao tamanho
da dívida interna pública, à dívida externa e ao desempenho apresentado pelo país no
tocante à economia e aos fluxos anuais de suas contas públicas, tornando-se o balizador
das expectativas dos agentes econômicos sobre essa capacidade e definidor das taxas de
juros cobradas sobre os empréstimos por ele demandado: variando inversamente ao nível
deste risco, o prêmio exigido (as taxas de juros) atuaria como fator de estímulo para
178
Essa idéia de sustentabilidade da dívida, que nada mais significa do que a garantia
de pagamento de seu estoque e de seus encargos para os detentores dos títulos públicos,
passaria a balizar as expectativas dos agentes econômicos sobre a capacidade do Estado de
honrar seus compromissos e a dar uma nova conformação à política fiscal: o papel dessa
passaria a se restringir à garantia de controle das contas públicas e da sustentabilidade da
dívida, dada a influência que, de acordo com a renovada teoria ortodoxa baseada nas
expectativas racionais, essas exercem sobre o comportamento esperado pelos agentes
econômicos de variáveis econômicas vitais para o bom funcionamento da economia, como
o da taxa de juros, do câmbio, do balanço de pagamentos e da inflação. Com fundamentos
fiscais confiáveis, reduzem-se ou se removem as incertezas sobre a ação nefasta do Estado,
formando-se expectativas favoráveis para o comportamento das demais variáveis e,
consequentemente, para o desempenho mais eficiente da economia, que contaria com
maiores aportes de recursos, a custos mais baixos, para os investimentos. Como coloca
Lopreato (2006:8), a tarefa que passou a ser conferida à política fiscal, neste novo
paradigma, “é a de servir de pilar de sustentação e farol do comportamento esperado de
outras variáveis econômicas”.
A centralidade que adquiriu a política fiscal neste quadro tem a ver, portanto, de
acordo com os argumentos da teoria dominante, com sua influência sobre as expectativas
dos agentes econômicos a respeito do comportamento futuro esperado dessas variáveis.
Caso a política fiscal, como âncora da estabilidade macroeconômica, mostre-se mal
sucedida, os agentes – racionais – reverão suas expectativas sobre essas variáveis,
colocando em xeque a política econômica e dando início a um período de turbulências para
a economia. 44
44
Para uma avaliação mais detalhada das inter-relações entre essas variáveis, ver o trabalho já
mencionado de Lopreato (2006).
179
O nível do resultado nominal das contas públicas que deverá ser alcançado para
garantir a estabilidade da relação dívida/PIB, é dado pela seguinte fórmula, extraída do
trabalho de Giambiagi & Além (1999:170):45
f = d. y / (1+y) + s, onde:
Cabe notar, contudo, que essa fórmula ao considerar o resultado nominal, não
contempla de forma explícita a influência dos efeitos da taxa de juros sobre a própria
dívida e o esforço fiscal real que deverá ser realizado pelo setor público para manter
estabilizada a relação. Introduzindo a taxa de juros (i) na fórmula, ainda de acordo com
Giambiagi & Além (1999:166/7), temos:
Neste caso, ainda segundo estes autores (1999:167), em que se passa a considerar o
resultado primário, como proporção do PIB, para garantir a estabilização da dívida, este se
apresenta como “(...) uma função direta da própria relação dívida/PIB e da taxa de juros e
uma função inversa do crescimento da economia – para certa taxa de inflação e da
senhoriagem. Níveis superiores (inferiores) aos definidos [na fórmula] geram uma queda
(aumento) da relação dívida/PIB”.
45
Os diferentes conceitos e medidas utilizados para a avaliação das contas públicas são apresentados e
discutidos mais detalhadamente na próxima seção.
180
Nessa nova fórmula, é o resultado primário, portanto, que deve ser fixado para
garantir a estabilidade da relação dívida/PIB, no caso de o país encontrar-se enquadrado
nos padrões convencionalmente estabelecidos internacionalmente, em níveis aceitáveis
para os agentes econômicos, ou para reduzi-la, caso acima destes níveis. Excluídos,
portanto, os juros da dívida do conceito, o resultado primário deverá ser superavitário para
garantir o pagamento dos juros, descontados os efeitos da variação do PIB e da
senhoriagem, para que a relação não aumente, ou realizar ainda maiores esforços, caso ela
se encontre em patamares mais elevados.
O novo regime fiscal que brotou dessa nova concepção sobre a política fiscal
explica porque o controle permanente das contas públicas tornou-se um elemento chave da
política econômica, exigindo do Estado abrir mão de seu papel como agente
implementador de políticas de desenvolvimento e de bem-estar: diferentemente do que
46
Isso não significa que, por si, o atingimento da meta estabelecida para esse resultado garanta o
cumprimento da meta estipulada para a relação dívida/PIB. Como se verá no próximo capítulo, que trata
da dívida, outros fatores interferem na sua trajetória, nem sempre se conseguindo, mesmo com esforços
fiscais adicionais, sua estabilidade ou redução.
181
ocorria no mundo keynesiano em que sua intervenção era vista como vital para garantir a
estabilidade do sistema e a coesão das forças sociais, até mesmo, se necessário, com a
geração de déficits, a estabilidade macroeconômica passou a exigir, de acordo com o novo
paradigma teórico, um Estado que gaste pouco – afinal, não são inócuos os seus gastos
destinados para aquela finalidade? -, tenha suas contas equilibradas e cumpra o seu papel
de espaço de valorização da riqueza financeira e de garantia de sua conversão em riqueza
real. Geração de superávits primários e controle da relação Dívida/PIB tornaram-se, nessa
perspectiva teórica, a palavra de ordem para suas políticas na nova ordem que se instaurou,
mesmo que, para isso, tenha de abdicar de seu papel como agente de legitimação do
sistema.47
Nas próximas seções procura-se examinar como esse novo paradigma tem
influenciado – e em que medida – a condução da política fiscal na economia mundial e,
mais especificamente, no Brasil. Antes disso, apresenta-se, em seguida, os conceitos e
metodologias de avaliação dos resultados das contas públicas que podem ser – e são -
utilizados para esse objetivo.
47
A crise em que mergulhou o capitalismo em 2007/2008, em conseqüência do colapso do crédito
subprime na economia norte-americana, que sustentou uma fantástica multiplicação da riqueza financeira
(virtual), por meio de fundos de investimentos de hedge e derivativos, modificou ainda que
temporariamente essa visão: ainda que envolvidos em programas de severos ajustes fiscais e com finanças
debilitadas, os Estados capitalistas foram convocados para socorrer os mercados e salvar instituições e
empresas de falências, com o lançamento de pacotes fiscais e monetários salvadores, mesmo tendo, para
isso, de abandonar a rigidez das regras fiscais estabelecidas pelo novo paradigma teórico e terem de
incorrer em vultosos déficits e em aumento preocupante do endividamento público.
48
Para maior detalhamento e avaliação dessas metodologias, ver os trabalhos de Ramalho (1997) e
Oliveira (2006).
182
Um outro método que permite refinar a análise dessa avaliação é o que considera
apenas a Receita Corrente (exclui, portanto, as Receitas de Capital), comparando-o à
Despesa Corrente. O resultado obtido - Resultado Corrente - revela a capacidade do setor
público de financiar as despesas de capital sem ter de recorrer ao endividamento. Caso o
Resultado Corrente seja negativo, isso significa que, além de ter de recorrer à dívida para
cobrir suas despesas correntes, também a integralidade de seus investimentos, bem como a
amortização da dívida, só podem ser feitos por esse instrumento, revelando que suas
finanças se encontram em situação crítica.
A medida de aferição do resultado das contas do setor público que vem sendo
utilizada no Brasil desde 1983 – ano em que o País teve de recorrer ao Fundo Monetário
Internacional (FMI), após a crise da dívida externa deflagrada em 1982, para obter
empréstimos que lhe permitissem honrar seus compromissos externos – é conhecida como
Necessidades de Financiamento do Setor Público-NFSP (originalmente Public Setor
Borrowing Requirements ou PSBR). Nessa fórmula, caso R>G, as necessidades de
financiamento são negativas, ou seja, as contas apresentam-se superavitárias, dispensando,
portanto, financiamento. Caso R<G, as necessidades são positivas, indicando uma posição
deficitária que necessita de financiamento.
Sua abrangência contempla os resultados das contas das três esferas de governo
(federal, estadual e municipal), incluindo a administração direta e descentralizada
(autarquias, fundações, fundos governamentais etc.); as empresas estatais (também dos três
níveis de governo – federal, estadual e municipal); e o Banco Central. Depois de ter
conhecido várias alterações desde o início de sua apuração, atualmente, os resultados das
183
Essa abrangência das NFSP contém uma imprecisão, em termos de seus resultados,
que não pode ser negligenciada. Ao englobar os diversos segmentos do setor público na
sua medição, ou seja, aqueles que exercem funções típicas de governo, em seus diversos
níveis, juntamente com o setor produtivo – as empresas estatais das três esferas -, que não
dependem de recursos fiscais para suas operações/atividades, as NFSP não se restringem à
aferição dos resultados orçamentários do setor público, mas consideram o montante de
recursos (por isso o termo NFSP) necessários para cobrir o excesso de dispêndios
realizados (no caso de apresentarem-se positivas, ou seja, deficitárias), incluídos os
investimentos das empresas estatais em relação às suas receitas.
Essa inclusão do setor produtivo estatal entre os segmentos que passam a ser
sujeitos a respeitar os limites de endividamento do setor público como um todo e a
contribuir para os esforços fiscais dele exigidos em situação de ajustamento de suas contas,
desconsidera sua natureza e desvirtua seus objetivos, à medida que limita suas
possibilidades de investimentos, principalmente se este tiver de ser realizado com a
contratação de dívida e exige que suas empresas operem com a máxima rentabilidade com
o objetivo de gerar os frutos para o ajuste pretendido, impedindo que sejam usadas como
instrumentos de política econômica. Afeta, enfim, a soberania do país na condução de sua
política econômica para o atingimento de seus objetivos.
49
Para maior detalhamento desses conceitos, ver o trabalho de Giambiagi e Além (1999: Cap. 6)
184
Quadro 4.1.
Em termos operacionais, medida que não pode ser confundida com o resultado
convencional de operações de produção de bens e serviços fornecidos pelo setor público,
as NFSP são obtidas excluindo-se, das NFSP-nominais, a correção monetária e cambial da
dívida. Neste caso, NFSP-operacionais = (NFSP-nominal – correção monetária e cambial
da dívida). Este conceito não é de fácil mensuração, pois exige a aplicação dos índices
correspondentes da correção monetária aos diversos componentes da dívida. Em períodos
de alta inflação, este é o conceito mais relevante, pois desconsidera os efeitos da inflação
sobre a dívida, mas quando a inflação é baixa, essas diferenças tendem a desaparecer, e o
resultado operacional a convergir para o resultado nominal, perdendo importância o seu
cálculo, como ocorreu no Brasil depois do lançamento do Plano Real, em 1994, com o que
se reduziu o imposto inflacionário. 50
50
Por essa razão, o Banco Central do Brasil deixou de divulgar as estatísticas relativas ao cálculo deste
conceito, restringindo-as às dos resultados primário e nominal.
185
A tabela 5.1, que mostra e evolução dos déficits públicos gerados por um conjunto
de países desenvolvidos, que compõem o G-7, não deixa dúvidas sobre os efeitos
perversos da crise econômica sobre as finanças estatais. Constata-se, de sua análise para o
conjunto desses países, a manutenção de uma situação de equilíbrio/superávit orçamentário
até o ano de 1973, com as poucas exceções dos resultados apresentados pelos EUA e Itália.
A partir de 1974, como resultado do 1º choque do petróleo, que conduziu à implementação
de processos recessivos de ajustamento dessas economias, os déficits públicos se elevam
rápida e explosivamente, atingindo seu ápice no ano seguinte, quando correspondem a
4,3% do Produto Nacional Bruto (PNB) conjunto gerado por esses países.
Tabela 5.1
Saldos Orçamentários Efetivos
(em % do PNB/PIB)
Países/Ano 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1979 1980 1983
EUA 1,1 1,8 0,3 -0,6 0,3 4,2 -0,6 1,2 4,1
Japão -1,9 -1,4 -0,4 -0,5 -0,4 2,7 4,8 4,5 3,3
Alemanha -0,2 0,2 0,5 -1,2 -1,3 5,7 2,7 3,1 2,7
França -0,9 -0,7 -0,8 -0,9 -0,6 2,2 0,7 -0,2 3,4
Reino Unido -3,0 -1,5 1,2 2,6 3,7 4,5 3,2 3,8 3.3
Itália 5,0 7,1 9,2 8,5 8,1 11,7 9,5 8,0 11,8
Canadá -0,9 -0,1 -0,1 -1,0 -1,9 2,4 1,8 2,7 6,2
Total G-7 0,1 0,9 0,6 0,0 0,8 4,3 1,7 2,4 4,2
Fonte: OCDE. In: Chouraqui (s/d)
(-) superávit; (+) déficit
Cabe, diante disso, indagar como o faz Chouraqui (s/d): por que políticas
monetárias restritivas e recessão operam como madrastas para as finanças públicas?
Porque, para ele:
a) a recessão provoca queda das receitas públicas e aumento dos gastos, devido
principalmente ao crescimento das transferências realizadas pelo governo para
o setor privado provocado pelo aumento do desemprego;
Ignorando, portanto, as causas que deram origem a essa situação, mas debitando-a
exclusivamente ao gigantismo e ao excesso de seus gastos, a ortodoxia, fortalecida pelas
necessidades do processo de globalização e de preservação da riqueza financeira, na forma
da dívida pública que conheceu uma expansão considerável, encontrou campo fértil para
187
Nestes modelos, o controle do déficit público, fonte que alimenta e de onde nasce a
dívida, ganharia tratamento prioritário, para ele passando a ser estabelecidos limites de
forma a não comprometer a capacidade de solvência do Estado, tornando prioridade
absoluta, em seus orçamentos, compromissos com o pagamento de juros aos seus credores,
mesmo que com o sacrifício de despesas essenciais para a sociedade (daí, o desmonte do
welfare state e do Estado desenvolvimentista), para evitar que crises mais agudas o
conduzam à inadimplência e à destruição dessa riqueza.
Tabela 5.2
Resultados primário e nominal das contas públicas para um conjunto de países selecionados
– médios por períodos -
(em % do PIB)
Embora não tenham seguido a mesma trajetória expansionista dos EUA, também
os países que integram o G-7 viram melhorar suas condições fiscais, ainda que não na
dimensão alcançada por aquele país. A Itália, por exemplo, transformou um déficit
primário médio de 4,7% em 1981-85 em um superávit de 4,8% do PIB entre 1996/2000
(ajuste de 9,5% do PIB) e conseguiu reduzir o déficit nominal de 11,3% para 3,2% entre
estes períodos. A mesma trajetória percorrida, ainda com menor intensidade, pelo Canadá.
Apenas o Japão, dentre esses países, continuou vendo progressivamente suas contas
públicas se deteriorarem, com o déficit primário atingindo, em média, 4,7% no período
1996/2000, e o nominal 5,8% do PIB, o que se deve, segundo Giambiagi (2001:70) “... à
combinação de [uma situação de] estagnação econômica [...] - que afeta negativamente as
receitas [...] - com tentativas de incentivar a economia, durante 1998/2000, através de
medidas fiscais de estímulo à demanda”. De todo modo, esses resultados indicam, para
este autor, “que, nos países industrializados, a tolerância em relação aos déficits elevados
que marcou os anos 80 e a primeira metade dos 90, deu lugar a uma atitude de crescente
zelo em favor de orçamentos mais ajustados.” (Giambiagi, 2001:76). Esse maior zelo não
foi, no entanto, mantido por muito tempo.
A partir da década atual, este maior esforço fiscal perdeu força nos primeiros anos
entre os países desenvolvidos do G-7, seja pelas dificuldades e resistências encontradas na
desmontagem das políticas do welfare, seja pelo baixo crescimento do período, ou ainda,
como no caso dos EUA, pela expansão dos gastos ocorrida após os ataques terroristas ao
World Trade Center, em 2001, e, após 2003, ao seu envolvimento na Guerra do Iraque.
Isso os levou, novamente, a incorrer em déficits nominais mais elevados, superando, em
189
Tabela 5.3
Resultado nominal das contas públicas dos países do G-7
(em % do PIB)
déficit nominal elevado, frustrou seguidamente as metas acertadas, até que, para evitar
novos descumprimentos, introduziu-se, na Terceira Carta de Intenções, em 15/9/1983, o
conceito operacional (descontado, portanto, o componente inflacionário), que passou a ser
considerado o parâmetro relevante para a avaliação dos resultados alcançados na área
fiscal.
Com o lançamento do Plano Real, em julho de 1994, inaugura-se uma nova fase
da política fiscal. Embora originalmente, o ajuste das contas públicas tenha sido
considerado vital para o sucesso deste programa de estabilização, sua arquitetura, no
primeiro período (1994-1998), apoiada nos pilares de um câmbio sobrevalorizado,
combinado com uma taxa real de juros excessivamente elevada, que contribuiria mais
do que os resultados primários alcançados, para a geração de consideráveis déficits
nominais e para o aumento da relação Dívida/PIB, e também a uma rápida abertura
comercial da economia brasileira, mostraram-se desastrosas para os resultados obtidos.
Embora o novo paradigma teórico que irá orientar o conteúdo e o novo papel da
política fiscal, a partir deste momento, como espaço de valorização e preservação da
riqueza financeira e de sustentabilidade da dívida, já começasse a ganhar força,
especialmente diante das ondas de turbulências e instabilidade que marcaram o sistema
financeiro internacional, com as crises da economia mexicana (1994), do Sudeste
Asiático (1997), e posteriormente da Rússia (1998), o Brasil, neste período, ainda não
havia se enquadrado plenamente em seu receituário. Isso só vai ocorrer após a crise que
também conhecerá o Plano Real no final de 1998, exigindo alteração nas peças do
modelo de estabilização, com a inclusão, nas suas bases, de compromissos com a
adoção de medidas mais rigorosas para corrigir os desequilíbrios fiscais e controlar o
crescimento da dívida.
Nessa segunda fase do Plano, que teve início em 1999 e se prolonga até os dias
atuais, sua arquitetura passou a apoiar-se nos seguintes pilares: i) câmbio flutuante; ii)
metas de inflação baixas e rígidas; e iii) geração de superávits fiscais primários elevados
e crescentes no tempo, ajustados sempre que necessário para conter/reverter o
crescimento da relação dívida/PIB.
A natureza do ajuste que vem sendo realizado no Brasil não deixa dúvidas sobre
o primado dessa questão na condução da política fiscal e do abandono, pelo Estado, de
políticas essenciais para o desenvolvimento, em diversos campos, para garantir receitas
para o pagamento da dívida.
193
Tabela V.4
Necessidades de Financiamento do Setor Público
Conceitos Nominal, Operacional e primário
1981-2005 – (em % do PIB)
2000, que teve o objetivo de disciplinar seus gastos, limitar seus níveis de
endividamento e assegurar seu engajamento neste compromisso.
Isso significa não ser o superávit primário que se persegue como meta-objetivo,
mas o controle da dívida, devendo aquele sempre ser ajustado quando a última, tendo
sua trajetória desviada por outros determinantes, comprometer os resultados para ela
projetados. Dependendo, portanto, das condições do quadro macroeconômico, a
exigência de maiores superávits primários para controle da relação dívida/PIB pode
continuar garantindo seu avanço no espaço orçamentário e continuar esvaziando,
crescentemente, o papel do Estado na oferta de políticas públicas essenciais para a
sociedade e para o desenvolvimento. É importante, por isso, para avaliar se os
sacrifícios que têm sido exigidos da sociedade com essa política têm gerado resultados
concretos para este objetivo central, que permitam vislumbrar sua solução, examinar o
cerne da questão: o significado, os determinantes e as implicações da dívida pública.
195
Tabela 5.5
Superávits fiscais primários do setor público consolidado
Metas projetadas, revistas e realizadas
Brasil: 1999 – 2005 (% do PIB)
Ano Metas
Acordo com o Acordo com o Acordo com o Acordo com o Realizadas
FMI de 1998 FMI de 2001 FMI de 2002 FMI de 2004
1999 2,60 - - 3,23
2000 2,80 - - - 3,47
2001 3,00 3,35 - - 3,36
2002 - 3,50 3,88 - 3,55
2003 - - 3,88 - 3,89
2004 - - 4,25 - 4,17
2005 - - - 4,25 4,35
2006 - - - - 3,86
2007 - - - - 3,97
Fonte: Metas dos acordos: referem-se a metas estabelecidas de acordo com a metodologia
anterior do PIB calculada pelo IBGE, referenciada ao ano de 1985, constantes do
programas do FMI; metas realizadas, de acordo com o novo cálculo do PIB revista pelo
IBGE em 2005 e referenciada ao ano 2000: Ipeadata: acesso em 20/03/2008.
196
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO VI
A DÍVIDA PÚBLICA*
1. INTRODUÇÃO
Sobre os custos que a dívida representaria para a sociedade, Marx não tinha a menor
dúvida de que seriam as camadas menos favorecidas da sociedade que acabariam arcando
com o seu ônus, por se tratar de uma transferência da riqueza intermediada pelo Estado
para o capital, que, mais cedo ou mais tarde, teria de ser coberta pelo aumento de impostos.
Para ele
199
Funcional para o Estado e o capital, foi também com a dívida pública nacional
que se cimentaram as bases necessárias para impulsionar o desenvolvimento de um
sistema de crédito internacional, indispensável para garantir o avanço do processo de
internacionalização do modo capitalista de produção, como assinala Marx, ao analisar
os ciclos de expansão ocorridos nas cidades-Estados italianas, na Holanda, na Inglaterra
e nos EUA:
No pensamento clássico e neoclássico não há espaços, como vimos, nem para o déficit
nem para a dívida pública como instrumentos de política econômica capazes de
influenciar o crescimento econômico e o nível de emprego, apenas deles resultando
ineficiências alocativas e redução do bem-estar, motivos suficientemente fortes para
evitar que os governos deles lancem mão.
A grande questão colocada neste debate é a seguinte: os custos da dívida (sim, por que
sua contratação implica pagamento de encargos na forma de juros) são compensados
pelos benefícios (se existem) que com ela se pode obter?
Mas uma pergunta ainda continua, por enquanto, sem resposta: os benefícios
gerados com essa política compensam os riscos que pode representar a dívida para o
equilíbrio macroeconômico e os seus custos para a sociedade, ou sua expansão pode ser
administrada em níveis que não comprometam este equilíbrio e não agravem a situação
das contas públicas, afastando os temores de aumento dos impostos para pagá-la?
2.3. As expectativas racionais: um novo papel para a política fiscal e para a dívida
pública
Uma solução para essa questão era importante, pois permitiria dar alguns passos
adiante, visando demonstrar como o controle do déficit – e também da dívida -, de forma
permanente, era essencial para evitar maiores prejuízos para a atividade econômica. E,
também, para dar consistência às políticas de ajuste fiscal que começaram, sob a
influência das idéias teóricas da public choice, a ser implementadas na década de 1980,
por diversos países desenvolvidos e emergentes, visando à redução das atividades do
Estado e da relação dívida/PIB, mas que não vinham se mostrando bem sucedidas, mesmo
porque, sustentadas por cortes indiscriminados de gastos e aumento de impostos,
revelaram-se desastrosas em seus resultados até mesmo para o próprio funcionamento do
mercado.
205
Essa questão não era sem importância porque, mesmo que se controlasse o fluxo (o
déficit) existia um estoque gigantesco de dívida que, continuando a ser alimentado por
taxas instáveis de juros – num mundo de instabilidade -, mantinha pulsante a dúvida sobre
a capacidade de solvência do setor público e, portanto, sobre a preservação da riqueza
financeira que se encontrava em suas mãos. Um novo passo nessa direção foi dado,
segundo Lopreato (2006:21), por Blanchard (1984), que destacou a questão da
necessidade de sustentabilidade da dívida (a garantia de que seria honrada) e sua
influência na determinação da taxa de juros, chamando a atenção, contudo, para os efeitos
gerados pelo nível corrente do déficit público sobre essa variável. Isso porque, déficits
elevados, necessitando de financiamento, afetam de início, de acordo com estes
argumentos, a taxa real de juros de longo prazo, porque sinalizam que a dívida deve
continuar crescendo, aumentando seus riscos e tornando mais elevados os custos de seu
carregamento.
A chave que lhe pode garantir a entrada neste paraíso, é dada, como vimos no
capítulo V, pela fórmula, novamente aqui destacada, que define o nível limite do déficit
em que pode incorrer ou do superávit primário que terá de gerar para assegurar que a
dívida não ingresse numa trajetória insustentável de crescimento, colocando em risco seu
pagamento e deteriorando as expectativas dos agentes econômicos em relação ao
comportamento das variáveis centrais da economia, como taxa de juros, câmbio, balanço
de pagamento etc.
Diante disso, a grande questão que se coloca é a seguinte: quais são as chances de o
país conseguir atingir a meta estabelecida para a relação dívida/PIB, uma vez definido o
esforço fiscal (h) que terá de fazer? Para respondê-la, procura-se, em seguida, avaliar os
determinantes da dívida, ou seja, de (d), visando colher elementos necessários para essa
avaliação.
A dívida pública apresenta-se sob diversas formas: i) emissão de moeda, que representa
um débito do Estado para com a sociedade; ii) contratual, que resulta de contratos
assinados na aquisição de produtos, serviços e empréstimos realizados pelo setor público
junto a agentes internos e/ou externos; iii) mobiliária, com a qual o governo obtém
recursos que necessita vendendo título no mercado financeiro, com prazos determinados
de resgate.
Isso pode soar estranho, mas nem sempre o governo consegue escolher a melhor
forma ou os melhores prazos da dívida que lhe propiciariam menores custos e um perfil
mais adequado de pagamento, pois isso depende de diversos fatores, inclusive das
expectativas dos agentes econômicos sobre o comportamento futuro das principais
variáveis econômicas, bem como da capacidade de solvência do tomador (o contratante da
dívida, isto é, o setor público).
Considerando que o custo (prêmio) da dívida, ou seja, a taxa de juros, mantém uma
relação direta com os seus prazos, é mais interessante para o governo financiar suas
necessidades de recursos por meio da emissão de títulos de curto prazo. Isso, no entanto,
pode não ser recomendável, quando consideradas as pressões permanentes por sua
monetização a que estarão submetidas as autoridades monetárias com uma estrutura de
dívida de curto prazo, que podem ter implicações inflacionárias. Já uma dívida de longo
prazo, apesar de tornar mais elevados os seus custos, amplia os horizontes de atuação da
política monetária e melhora a confiança dos agentes econômicos na capacidade do Estado
de honrar seus compromissos, dado o perfil mais adequado de sua estrutura. Nessas
condições, é essencial a atuação da autoridade monetária para “equilibrar” a estrutura de
prazos da dívida com a taxa de juros que melhor concilie os objetivos de custos mais
baixos com estabilidade monetária. Dependendo, contudo, da conjuntura econômica e do
estado de confiança dos agentes sobre o comportamento futuro da economia, a melhores
opções para o governo, à luz destes objetivos, podem não se mostrar viáveis.
Uma dívida contratual, por outro lado, pode revelar-se mais interessante se
contratada à taxa de juros fixa. Nem sempre isso é possível. Principalmente em ambientes
de instabilidade, o emprestador procura criar mecanismos que protejam suas aplicações de
perdas, podendo exigir ajustes nas taxas de juros cobradas sobre os empréstimos que
realiza, em períodos contratualmente estabelecidos, tornando-as de natureza flutuante,
reajustáveis em função do comportamento imprevisto de algumas variáveis que as afetem.
Ou exigir a criação de mecanismos de hedge (proteção) para aplicações que interessam ao
governo.
Além disso, a dívida pode ser de origem interna e externa, ou ainda, no caso da
interna, ter alguns de seus componentes vinculados/atrelados às variações de moedas
estrangeiras, como o dólar, por exemplo. Isso acrescenta dificuldades para a avaliação de
seus custos, pois o câmbio, principalmente quando flutuante, é determinado pela interação
entre as forças de oferta e demanda de divisas, que são afetadas por expectativas formadas
com base na situação da balança de transações correntes, do nível de reservas externas, da
capacidade de pagamento do país, enfim por variáveis/indicadores que espelham o seu
grau de vulnerabilidade. No caso das expectativas se tornarem desfavoráveis, pode ocorrer
um choque cambial negativo (desvalorização da moeda nacional), modificando a paridade
e aumentando os custos da dívida externa, quando cotada em moeda nacional. O contrário
também pode ocorrer, reduzindo seus custos.
Não é incomum, também, no curso de um ajuste, surgirem dívidas que não haviam
sido consideradas na sua projeção, resultantes, por exemplo, de demandas judiciais contra
o governo – trabalhistas, indenizações de medidas que provocaram prejuízos para alguns
setores etc. -, que podem comprometer as metas estabelecidas para a relação dívida/PIB.
São essas consideradas dívidas ocultas, também chamadas de passivos contingentes ou,
mais popularmente, de esqueletos que, uma vez reconhecidos, têm de ser quitadas.
Vista dessa maneira, a dívida (e seus custos) é determinada por variáveis que não
são apenas financeiras, como é o caso dos juros. Além desses não poderem ser
determinados ex-ante, com precisão, pelas razões apontadas, há também variáveis de outra
natureza que influenciam sua trajetória, como o câmbio e os passivos contingentes que, se
desfavoráveis, tornam insuficiente o esforço do superávit primário previsto, exigindo sua
ampliação, dado tratar-se de uma variável de ajuste (dependente) neste modelo.
Quer-se dizer com tudo isso, que são grandes as incertezas que existem sobre os
custos efetivos da dívida, o que torna a fórmula sagrada para o ingresso no paraíso do
crescimento sustentado, apresentada na seção anterior, apenas uma possibilidade, que
pode ou não se confirmar, em função do comportamento de variáveis, que não se
encontrando sob o controle do governo, determinam seus custos e trajetória. Caso esse não
se confirme, e níveis menores de déficit ou de maiores superávits sejam exigidos para
atingir a meta estabelecida para a relação dívida/PIB, outras despesas do Estado terão de
ser sacrificadas para que se mantenha nas mãos a chave do paraíso.
Mas assim como existe uma estrutura de passivos desses segmentos (o que se
pode chamar de “dívida bruta”) também dispõem eles de um conjunto de ativos, na
forma de reservas externas, créditos a receber etc., que podem ser deduzidos da dívida
bruta para determinação de sua posição líquida, a qual espelha o grau efetivo de seu
endividamento, ou seja, a sua “dívida líquida”.
por exemplo, que mostram a sua proporção em relação à riqueza gerada no país ou às
receitas de seu devedor.
Uma análise mais desagregada, em todos esses casos, pode separar a dívida por
origem (interna e externa) e introduzir outras variáveis para calcular seu peso em
relação à determinadas riquezas ou receitas geradas, como o nível de reservas externas
ou as receitas de exportação, por exemplo, no caso da dívida externa.
recessão e, mais grave, sem nenhuma garantia de que o objetivo da política fiscal seja
alcançado.
Situação inversa pode ocorrer, caso i caia em relação ao nível previsto, mas essa
situação, em economias submetidas a esses ajustes, com acentuados desequilíbrios, é
mais difícil de verificar, porque a relação D/Y pode continuar desfavorável, ou, se isso
ocorrer, as mudanças podem ser dar de forma mais lenta e/ou serem neutralizadas por
mudanças adversas das expectativas provocadas por outros fatores.
Por essa razão, os ajustes deste processo têm de ser dinâmicos e confiáveis para
os agentes econômicos de que haverá sustentabilidade da dívida no longo prazo,
corrigindo-se rapidamente os desvios ocorridos e/ou compensando-os em períodos
subseqüentes, ainda que sacrificando despesas com outras ações do Estado. Não basta,
portanto, numa perspectiva de longo prazo, apenas garantir sua sustentabilidade, mas
também convencer os agentes econômicos de que ela será efetivamente honrada e que
não há riscos de default, mesmo que se sujeitando o Estado, para isso, ao abandono de
outras funções essenciais para a economia e a sociedade.
A tabela 6.1, que mostra a trajetória da relação dívida/PIB para os países que
integram o G-7, de 1990 a 2007, confirma essa tendência. Como ali se percebe,
comparado a 1990 – ano que antecede o Tratado de Maastricht – no ano de 2000 apenas
os EUA e Canadá haviam conseguido melhorar sua posição de endividamento, tanto em
termos brutos como líquidos, resultado da política de equilíbrio orçamentário que
adotoram, verificando-se agravamento da situação para os demais. O ano de 2005
comparado ao de 2000 mostra, por outro lado, uma piora significativa da posição dos
EUA, do Japão, da Alemanha e França e um ligeiro aumento do nível de endividamento
da Itália e do Reino Unido, com melhora apenas na situação do Canadá. Tal fato pode
encontrar respostas, como já visto, no baixo crescimento dos primeiros anos da década e
na resistência da população à desmontagem das políticas do welfare, e, no caso dos EUA,
nos efeitos provocados pelos ataques terroristas ao WTC, em 2001, e pela Guerra do
Iraque sobre os gastos públicos.
212
Por outro lado, entre 2005 e 2007, a Alemanha, França, Itália e Canadá – o último,
principalmente -, melhoraram sua situação de endividamento, certamente beneficiando-se
do expressivo crescimento da economia mundial no período 2003-2007, embora com suas
dívidas brutas situando-se ainda acima de 60% do PIB. Os EUA, continuando envolvidos
na Guerra do Iraque, mantiveram sua dívida – bruta e líquida – nos mesmos patamares de
2005, enquanto o Japão e também o Reino Unido continuaram com a dívida em expansão
como proporção do PIB, embora o último continue sendo o único país, dessa relação,
perfeitamente enquadrado – quer em relação à dívida líquida ou bruta – nos limites de
60% estabelecidas no acordo de Maastricht. Uma situação que, já não favorável, deve
deteriorar-se consideravelmente a partir de 2008/2009, dados os elevados gastos efetuados
pelos governos em geral, mas especialmente pelos dos países desenvolvidos, para mitigar
a crise gerada pelos ativos tóxicos das hipotecas e para evitar a derrocada do sistema.
Tabela 6.1
Evolução da relação Dívida Bruta e Dívida Líquida, como proporção do PIB, dos países do G-7
Por outro lado, a composição da Dívida Líquida Interna do Setor Público (DLI)
evidencia o papel crescente e, atualmente, preponderante da dívida mobiliária interna do
governo federal no seu total, como mostra a Tabela 6.3. Como se percebe de seu exame, a
participação dos títulos públicos do Tesouro Nacional tem se situado, no período recente,
em patamares próximos ou mesmo superiores, como em 2006 e 2007, aos da DLSP. Pela
importância que essa dívida representa no total da Dívida Líquida do Setor Público
(DLSP) e por suas implicações para a política fiscal e para a dinâmica do endividamento, é
importante conhecer sua evolução, estrutura, bem como as características dos títulos
51
A composição dessas fontes desde 1850 até a década de 1980 pode ser encontrada no trabalho de
Goldsmith (1997)
214
públicos, visando obter elementos para melhor avaliar essa questão, no Brasil, na
atualidade.
Tabela 6.2
Dívida Líquida do Setor Público, por origem interna e externa: 1994/2007
(em R$ milhões)
Anos Dívida Interna Dívida Externa Dívida Líquida Total
Líquida Líquida
Valor % Valor % Valor %
1994 108.806 70,9 44.357 29,1 153.162 100,0
2000 451.841 80,2 111.322 19,8 563.163 100,0
2002 654.312 74,3 226.796 25,7 881.108 100,0
2004 818.065 85,5 138.931 14,5 956.997 100,0
2005 952.185 95,0 50.300 5,0 1002.485 100,0
2006 1.130.902 106,0 -63.538 -6,0 1067.363 100,0
2007 1.393.138 121,1 -242.781 -21,1 1.150.357 100,0
Fonte: Banco Central do Brasil e Ipeadata (acesso em 15/01/2009).
Tabela 6.3
Brasil: Dívida Líquida do Setor Público, Dívida Interna Líquida e Dívida Mobiliária
Federal: 2000-2005
(em % do PIB)
Ano Dívida Líquida Dívida Interna Dívida Mobiliária 2/1 (%) 3/2
Setor Público (1) Líquida (2) Federal (3) (%)
2000 45,5 36,5 41,3 80,2 113,2
2001 48,4 38,9 45,7 80,4 117,5
2002 50,5 37,5 35,7 74,3 95,2
2003 52,4 41,7 42,0 79,6 100,7
2004 47,0 40,2 39,8 85,5 99,0
2005 46,5 44,1 45,4 94,8 102,9
2006 44,7 47,4 45,8 105,6 97,3
2007 42,7 51,7 45,5 121,0 106,6
Fonte: Banco Central do Brasil e Ipeadata (acesso em 15/01/2009).
Além da emissão da dívida interna realizada em 1827, durante o Império foram realizadas
várias outras emissões de títulos da dívida interna para atender a objetivos variados, como
os de cobertura de déficits orçamentários, despesas com pacificações das províncias, com
a Guerra do Paraguai, entre outros. Tratava-se de Apólices nominativas, vendidas a
pessoas físicas, com prazos longos de resgate (a emissão de 1827 estipulava um prazo de
100 anos), taxas de juros que oscilaram entre 5 e 7%, reduzidas amortizações e regras de
prescrição da dívida que, a partir de 1851, passou a ser de cinco anos. Nem com essas
condições, o Governo Imperial parece ter se comportado como bom pagador, como
assinala Carneiro Leão (1998:5), ora suspendendo as amortizações, ora reduzindo a taxa
de juros, com a conversão de títulos, o que o levou a defrontar-se com dificuldades para
colocar seus papéis junto ao público, principalmente entre 1840 e 1860.
52
Este item baseia-se principalmente no trabalho de Carneiro Leão (1998)
215
Duas outras consolidações da dívida ainda seriam realizadas, neste período, nos
anos de 1956 e 1962. A consolidação de 1956 visou padronizar a dívida e melhorar o seu
controle, já que existiam, na época, de acordo com Carneiro Leão (1998:11), “mais de
cento e trinta tipos de títulos, com impressões diversas e prazos longos.” Isso também era
necessário para propiciar, ao sistema bancário, condições de identificar seus titulares e a
legitimidade dos títulos para valer-se da nova regra, dada pela Instrução n. 108 da
Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), que passou a permitir-lhe que 50%
do depósito compulsório a ser recolhido poderiam ser realizados em títulos da dívida
pública. Nessa consolidação, todos os títulos em circulação foram substituídos por novos,
classificados em 4 grupos, com prazos de resgate entre 21 e 68 anos e taxas de juros
variadas, prevalecendo a regra da prescritibilidade de cinco anos.53
53
A Lei 2997, de 28/11/1956, que tratou dessa reestruturação, foi seguida pela Instrução n. 1, da Caixa de
Amortização, publicada no Diário oficial da União em 30/01/1957, na qual se estabeleceu “o segundo
semestre de 1957 como o período em que os títulos deverão ser entregues para análise da autenticidade e
substituição por novos.” A mesma Instrução estipulou que, a partir de 01/01/1958, os títulos anteriores
[deixarão] de ter validade jurídica e que nenhum pagamento se realizará sem que os títulos hajam sido
substituídos”. É esse, na verdade, o argumento jurídico que o governo tem utilizado, na atualidade, para
eximir-se do pagamento de dívidas pleiteado, na forma de apólices, anteriores a 1955, por herdeiros de
titulares que não as substituíram, à época, cuja prescrição teria ocorrido em 31/12/1962 (Carneiro Leão,
1998:10-12)
216
regras anteriores. O prazo final para a troca dos títulos foi estabelecido em 27/11/1967,
com a publicação da Instrução de Serviço n. 2, da Caixa de Amortização, que foi
publicada no Diário oficial da União, em 27/11/1962.
estabelecendo o prazo de seis meses para sua apresentação por seus titulares, prazo que
posteriormente, com a regulamentação deste decreto, foi estendido para 04/01/1969,
quando então prescreveriam.
O novo arranjo estruturado a partir dessa época para viabilizar a dívida interna
fundada como mecanismo de financiamento não inflacionário do Estado revelou-se bem
sucedido: em pouco tempo, os déficits orçamentários passaram a ser integralmente
cobertos com a emissão de ORTNs e o estoque da dívida mobiliária, como proporção do
PIB, evoluiu de 0,14%, em 1964, para 4,4%, em 1970. Estes constituíram, contudo,
apenas os primeiros passos na construção e constituição deste mercado, que conheceria
avanços importantes a partir deste último ano, com o lançamento das Letras do Tesouro
Nacional (LTNs) e a extensão de seu papel para os objetivos de política monetária.
Durante o período em que a ORTN e a LTN (até 1986) foram os principais papéis
da dívida mobiliária do governo federal contava-se, portanto, com títulos de duas
naturezas e de riscos distintos: o primeiro, pós-fixado, corrigido pela inflação e com
remuneração real de juros, estipulados em função de seus prazos de vencimento; o
segundo, prefixado, com taxas de juros nominais negociadas nos leilões de venda destes
títulos, balizadas por expectativas dos agentes sobre as tendências das principais variáveis
da economia. Enquanto a ORTN representava um porto seguro para as aplicações
financeiras, principalmente em conjunturas de instabilidade macroeconômica, a LTN era o
instrumento com o qual se respondia às expectativas dos agentes, podendo seus resultados
produzirem perdas ou ganhos para seus participantes, de acordo com o comportamento
efetivo das taxas nominais de juros.
como resultado da crise da dívida externa que marcou este período, e, sem contar com
fontes alternativas de financiamento, o país viu intensificarem-se as pressões sobre a
moeda nacional e acelerar-se o processo inflacionário. Diante disso, começou a promover
o processo de substituição da dívida externa pela interna, dando grande impulso à dívida
mobiliária, que saltou de 5,1% do PIB, em 1980, para 16,5%, em 1985, e 32% em 1989,
ano em que a hiperinflação batia às portas da economia brasileira. Neste período, a dívida
fundada em títulos estava sendo rolada diariamente no overnight, tendo se transformado,
na realidade, em dívida de curtíssimo prazo, dada a desconfiança que existia sobre a
capacidade do governo de honrá-la.
Quadro 6.1
Títulos da Dívida Mobiliária no Brasil a partir de 1964
Como se percebe, corrigida e remunerada por indexadores que são afetados pelas
expectativas dos agentes econômicos – câmbio, juros, inflação – e que determinam o
deslocamento para um ou outro tipo de dívida, movimento que se varia em função do grau
de turbulência da economia e da confiança na capacidade do governo de honrar seus
compromissos, os encargos dessa dívida tornaram-se de difícil previsibilidade, porque
dependentes do comportamento de variáveis sobre as quais os governo não dispõe de
pleno controle.
Quadro 6.2.
Principais características dos títulos da dívida mobiliária federal interna
essa proibição, restringindo sua ação ao objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de
juros, podendo, para tanto, adquirir títulos do Tesouro para essa finalidade, a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), de 04/05/2000 (LC 101/2000), que regulamentou o
capítulo das finanças públicas da Constituição, vedaria, expressamente no art. 34, a
emissão de títulos da dívida pelo Banco Central, a partir de 2 anos de sua publicação, ou
seja, a partir de 02/05/2002. Com isso, a atuação do Banco Central ficou limitada, para
cumprir seu papel determinado pela Constituição de 1988, aos títulos que possuía em
carteira e a novos instrumentos que criaria para essa finalidade, que teriam também
impactos sobre os custos da dívida contratada.
Tendo perdido o poder de emitir títulos da dívida pública, a partir de 2002, o Banco
Central passou a lançar mão, neste ano, para os objetivos de política monetária e de
controle da volatilidade do câmbio, das operações conhecidas como swap cambial. O
objetivo dessa operação, que consiste basicamente na troca de rentabilidades futuras entre
ativos financeiros, foi o de oferecer mecanismo de proteção (hedge) aos investidores
contra eventuais desvalorizações/valorizações da moeda nacional ou de acomodar o
investimento especulativo, reduzindo ou fortalecendo a demanda por moeda estrangeira,
visando atenuar a volatilidade cambial.
Tabela 4.4.
Composição da Dívida Mobiliária Federal Interna, fora do BC, por indexador
- final de período –
Indexador 1996 2000 2002 2003 2005 2006 2007
Prefixado 61,0 14,8 2,2 12,5 27,9 36,1 37,3
Câmbio 9,4 22,3 22,4 10,8 2,7 1,3 0,9
Selic 18,6 52,2 60,8 61,4 51,8 37,8 33,4
Índice de Preços 1,8 5,6 12,5 13,5 15,5 22,5 26,3
Outros 9,2 5,1 2,1 1,8 2,1 2,2 2,1
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total R$ milhões 176.211 510.698 556.066 701.999 972.847 1.093,5 1.224,8
(% do PIB) 21,8 41,3 35,7 42,0 45,4 45,8 45,5
Fonte: Banco Central do Brasil. Relatórios Anuais 1999, 2003, 2005, 2006 e 2007.
Este quadro se manteve sem muitas alterações até 2002, diante de um cenário
internacional marcado por agudas e seguidas crises (crise da economia argentina,
desaceleração do crescimento da economia norte-americana, ataques terroristas nos EUA,
em 2002, entre outras) e do temor despertado, no Brasil, em 2002, da vitória do candidato
da oposição às eleições presidenciais, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos
Trabalhadores (PT), que poderia mudar radicalmente a política econômica, dando início a
um processo de quebra de contratos e de desvalorização da dívida, o que terminou não
ocorrendo. Neste ano, o risco-país chegou a atingir 2.400 pontos, assistiu-se a uma forte
fuga de capitais e o Brasil teve de prorrogar, às pressas, com a anuência dos principais
candidatos, o acordo com o FMI até o final de 2003 para evitar o agravamento da situação.
Refletindo este cenário de instabilidade e alta volatilidade do câmbio, os títulos da dívida
mobiliária federal atrelados ao câmbio, aos juros over/Selic e a índices de preços, saltaram
para 96%, enquanto os prefixados viram sua participação reduzida a meros 2,2%, como
mostra a Tabela 4.4. Nessa situação, à política monetária restava apenas acompanhar e
sancionar os movimentos e exigências do mercado.
Por outro lado, passadas as intempéries que marcaram o mundo até 2002, os ventos
que açoitaram a economia internacional perderam força e essa reingressou numa trajetória
de calmaria e de crescimento, capitaneado por políticas expansionistas dos EUA, como
desdobramento dos ataques terroristas de 11 de setembro e da Guerra do Iraque, e pela
formidável expansão da economia chinesa, contribuindo para catapultar preços e
quantidades das commodities e impulsionar as exportações de países como o Brasil,
melhorando os resultados de suas contas externas.
premiado pelas agências de rating, por seu bom comportamento, com consecutivas quedas
do risco-país, assegurando, num processo auto-alimentador, a continuidade do fluxo de
recursos externos. Ao mesmo tempo, a partir deste ano, começou, com este cenário mais
favorável, a reduzir o grau de exposição da dívida mobiliária ao câmbio, promovendo sua
troca por outros indexadores ou substituindo-a por contratos de swaps cambiais.
Costuma-se argumentar que, do ponto de vista dos custos que representa para o
governo, uma estrutura não pode ser considerada boa ou ruim em relação a outra se não
forem considerados os ativos e seus respectivos indexadores, que aquele possui, em
termos de reservas estrangeiras, créditos a receber, empréstimos realizados, entre outros.
Deste ponto de vista, é um argumento lógico, como colocado no trabalho da Câmara dos
Deputados (2005:63) sobre a dívida pública: “... ter uma dívida indexada ao câmbio não
[torna] as contas públicas mais vulneráveis a movimentos da taxa cambial se o governo
também [possuir], ao mesmo tempo, ativos cujo valor também [varia] com a relação de
troca entre a moeda estrangeira e o Real.” E, mais à frente, de que “o mesmo raciocínio se
aplica aos outros indexadores da dívida.” O grande problema reside, contudo, nessa
equivalência.
Para o que nos interessa, o importante a reter de toda essa discussão é que a alta
sensibilidade da dívida mobiliária aos movimentos do câmbio, dos juros e da inflação,
variáveis sobre as quais o governo não dispõe de controle, torna uma incógnita seus
custos, que são determinados por sua composição e prazos de vencimento, os quais
definem sua remuneração, à luz das expectativas dos agentes econômicos sobre a
condução da política econômica, os rumos da economia e a capacidade de solvência do
governo. Se em períodos de calmaria e confiança, o governo pode até conseguir algum
sucesso em impor ao mercado a melhor estrutura da dívida que lhe seja mais favorável,
em termos de prazos, custos e de eficácia do instrumento, isso não representa uma norma,
notadamente em países, como o Brasil, que apresenta um elevado grau de vulnerabilidade
fiscal e, apesar, de reduzida nos últimos anos, também externa.
No período que se estende de 1985 a 1989, ocorre uma redução lenta, mas
praticamente contínua, da relação DLSP/PIB, com essa atingindo 41,0% nesse último
ano. Redução que ocorre num contexto de rápido e crescente aumento dos déficits
públicos provocados principalmente pela política irresponsável de gastos do governo
Sarney, quando este negociou – e conseguiu – a ampliação de seu mandato presidencial
de quatro para cinco anos. A redução da relação DLSP/PIB explica-se, nessa situação,
como apontam Giambiagi & Além (Giambiagi & Além, 1999:156): a) por um
expressivo crescimento do PIB nesses cinco anos, que conheceu uma variação real
acumulada de 24%; b) pelo aumento da receita de senhoriagem resultante dos planos de
estabilização implementados nesse período (Plano Cruzado, em 1986; Plano Bresser,
em 1987; e Plano Verão, em 1989); e c) por desvalorizações parciais promovidas na
dívida pública como resultado da mudança de seus indexadores com a implementação
daqueles planos e por inevitáveis efeitos corrosivos da inflação provocados sobre o seu
estoque em situação de indexação imperfeita. A esses fatores, ainda se pode acrescentar
a política cambial desse período que, por vários e longos momentos, manteve o câmbio
sobrevalorizado, especialmente durante o Plano Cruzado e Verão, reduzindo, quando
cotados em moeda nacional, os passivos externos do país.
226
54
Para alguns desses pontos, ver o trabalho de Giambiagi & Além (1999:158/9)
55
O FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais) foi criado pela Resolução n. 25, de
16/06/1967, do Conselho de Administração do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH) com o
objetivo principal de garantir a quitação, junto aos agentes financeiros dos saldos devedores
remanescentes de contrato de financiamento habitacional, firmado com mutuários finais do Sistema
Financeiro de Habitação (SFH), em relação aos quais tenha havido, quando devida, contribuição ao
FCVS, o que era o caso da maioria desses contratos. Para isso, além do capital inicial com que foi
constituído, contaria com contribuições mensais dos mutuários e semestrais dos agentes financeiros, em
percentuais que incidiriam, respectivamente, sobre o valor das prestações da casa própria e dos saldos
imobiliários concedidos no âmbito do SFH. Criado originalmente, portanto, com o propósito de garantir o
equilíbrio financeiro dos contratos desses financiamentos, o FCVS foi sendo desvirtuado de sua
finalidade, à medida que o governo foi concedendo, ao longo do tempo, sucessivos subsídios aos
mutuários do SFH, na forma de subcorreções das prestações da casa própria, e assumindo, junto às
instituições financeiras responsáveis pela concessão desse financiamento, a responsabilidade pelo custo
que representavam, que nele foram se acumulando sem cobertura e pagamento e transformando-se em
créditos dessas instituições contra o Tesouro Nacional. Em 1996, a Medida Provisória n. 1529, convertida
na Lei 10.150, de 21/12/2000, autorizou à União a novação dessas dívidas e o seu pagamento no prazo de
30 anos, contados a partir de 01/01/1997, com oito anos de carência para o pagamento dos juros e doze
anos para o pagamento do principal. Balanço atuarial do FCVS, em 31/12/2005, indicava uma dívida
potencial de R$ 76,73 bilhões originária de contratos encerrados e em curso, o que revela bem a dimensão
deste passivo do governo (“esqueleto”) e a importância que representa na situação de endividamento do
Estado.
227
Tabela 5.5
Dívida Líquida do Setor Público (DLSP)
1981-2005 (em % do PIB)
ANO Governo Central* Estados e Empresas Estatais Total
Municípios
1981 7,2 4,2 15,3 26,7
1982 8,8 5,4 18,2 32,4
1983 19,1 6,4 25,9 51,4
1984 21,6 7,0 26,9 55,5
1985 18,7 7,0 26,3 52,0
1986 19,9 6,5 22,7 49,1
1987 19,9 6,8 22,9 49,6
1988 18,9 6,6 21,5 47,0
1989 19,6 5,8 14,8 40,2
1990 16,9 6,6 17,5 41,0
1991 12,8 7,2 18,1 38,1
1992 12,1 9,2 15,7 37,1
1993 9,6 9,2 13,8 32,6
1994 12,9 10,0 7,1 30,0
1995 12,1 9,7 6,1 28,0
1996 14,7 10,7 5,4 30,7
1997 17,3 12,0 2,6 31,8
1998 23,3 13,2 2,4 38,9
1999 27,3 14,7 2,5 44,5
2000 28,5 15,0 2,0 45,5
2001 30,2 16,8 1,4 48,4
2002 32,1 16,8 1,6 50,5
2003 33,2 18,2 1,0 52,4
2004 29,5 17,2 0,2 47,0
2005 30,8 16,2 -0,5 46,5
2006 30,8 15,2 -1,4 44,7
2007 30,3 13,8 -1,5 42,7
Fontes: 1) para 1981-1990: Giambiagi, F. A política fiscal do Governo Lula em perspectiva histórica: qual é o limite
para o aumento do gasto público? Rio de Janeiro, Ipea: TD 1169, março de 2006; 2) para 1991-2007: Ipeadata
(acesso em 20/03/2008), já com os índices revisados de acordo com a nova metodologia de cálculo do PIB pelo
IBGE.
(*) Inclui base monetária como parte da dívida interna
Mesmo com essa melhoria, apenas no segundo mandato do governo Luiz Inácio
Lula da Silva (2007-2010) começou-se a, controladamente, flexibilizar a política fiscal e
228
a direcionar alguns de seus frutos para projetos estratégicos de longo prazo, visando
remover alguns pontos de estrangulamento da economia brasileira no campo na infra-
estrutura econômica, mas sem colocar em risco o compromisso com a geração dos
superávits primários. Além da retirada de seu cálculo das despesas com investimentos
públicos, a partir de 2005, o governo lançaria, em 2007, o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), contemplando novos investimentos em diversas áreas e também o
Programa de Desenvolvimento Produtivo (PD), com a mesma finalidade. Contudo, a
crise financeira que eclodiu em 2007/2008 nos EUA e se espalhou pelo resto do mundo,
deve esfriar o ímpeto destes projetos de longo prazo, podendo também, com a
desaceleração econômica esperada para o Brasil nos próximos anos, interromper os
ganhos que vinham sendo obtidos na melhoria da relação dívida/PIB.
Quer-se dizer, com isso, relembrando a fórmula sagrada para se chegar ao paraíso,
apresentada nas seções anteriores, que o superávit primário, embora necessário, não é
suficiente por si, para garantir a abertura de suas portas, mas apenas para permitir ao país a
ele candidatar-se. Para isso, terá de contar com condições extremamente favoráveis do
cenário externo e interno – como no período 2003-2007 -, o que não é comum, para que os
ganhos obtidos não se esfumem diante de novas crises, exigindo, como no caso de Sísifo,
que todo trabalho tenha de ser permanentemente reiniciado.
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