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Quilombos e Quilombolas: indicadores

e propostas de monitoramento de
políticas
Ministro de Estado dos Direitos Humanos
Gustavo do Vale Rocha
Secretário Executivo
Engels Augusto Muniz
Secretário Executivo Adjunto
Marcelo Dias Varella
Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial:
Juvenal Araújo Júnior
Secretário Adjunto de Políticas de Promoção da Igualdade Racial:
Marcelo Silva Oliveira Gonçalves
Consultora responsável pelo conteúdo
Juliana Mota de Siqueira

Esta publicação tem a cooperação do PNUD no âmbito do Projeto BRA/13/020 (Apoio ao


desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades negras tradicionais), que tem por objetivo
apoiar o desenvolvimento sustentável de comunidades quilombolas e povos e comunidades
tradicionais de matriz africana. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo
desta publicação não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte do PNUD e do MDH
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades,
tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites. As ideias e opiniões expressas nesta
publicação são as dos autores e não refletem obrigatoriamente as do PNUD ou as do MDH, nem
comprometem o Programa ou o Ministério. O conteúdo desta publicação não foi submetido à
revisão de texto, sendo de responsabilidade de seu (s) autor (es) eventuais erros gramaticais.

Ministério dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Políticas de


Promoção da Igualdade Racial.
Quilombos e Quilombolas: indicadores e propostas de monitoramen-
to de políticas / elaboração de Juliana Mota de Siqueira – Documento
eletrônico – Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018, 51 p.

Palavras chave: Programa Brasil Quilombola. Painéis de monitoramento.


Políticas públicas.
CDD: 350
CDU: 351
Índice

QUILOMBOS E QUILOMBOLAS: INDICADORES E PROPOSTAS DE


MONITORAMENTO DE POLÍTICAS.............................................................................. 5

RESUMO.............................................................................................................................................. 6

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..........................................................................................7

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10

2. QUILOMBOS E QUILOMBOLAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE SUAS ORIGENS E


TRAJETÓRIAS ................................................................................................................................ 12
2.1. Quilombo: perspectiva histórica........................................................................................... 12
2.2. A questão quilombola, o Estado e as políticas públicas no cenário recente............... 17
2.2.1. O Programa Brasil Quilombola (PBQ)....................................................................... 23
2.3. Quilombo: uma categoria em disputa................................................................................. 25

3. PRODUÇÃO, GESTÃO E DIAGNÓSTICOS DE INFORMAÇÕES NO ÂMBITO DO


PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA: EM QUE PONTO ESTAMOS E PARA ONDE NOS
DIRECIONAMOS?.......................................................................................................................... 29
3.1. Introdução ................................................................................................................................ 29
3.2. Integração e disseminação de dados do Programa Brasil Quilombola: o Sistema de
Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial.......................................... 30
3.2.1. A arquitetura de informações do SMPPIR................................................................. 32
3.2.2. Avaliação geral dos indicadores e funcionalidades que compõem os Paineis de
Monitoramento PBQ................................................................................................................. 34
3.2.2.1. Conteúdo................................................................................................................... 35
3.2.2.2. Usabilidade................................................................................................................ 41

4. RECOMENDAÇÕES E CONSIDERAÇÕES........................................................................... 42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 45

SITES VISITADOS.............................................................................................................. 49

ANEXOS.............................................................................................................................. 50

1. ACÓRDÃO 2771/2014 TCU................................................................................................... 51

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Quilombos e Quilombolas: indicadores e
propostas de monitoramento de políticas
Resumo

A história do Brasil é marcada por diversos processos, interpretações e


enfrentamentos da questão quilombola, a ponto de não deixar dúvida sobre sua
importância na projeção de trajetórias nacionais passadas, presentes ou futuras.
Mergulhada em inconsistências, a busca de sua compreensão exige consciência
de que o percorrer de suas cartografias não permite atalhos e só se inicia no
movimento de ruptura com os lugares comuns da historiografia positivista, mito da
democracia racial, reducionismos conceituais e, sobretudo, com as rígidas estruturas
da sociedade nacional. Em um país em que a abolição da escravatura jamais foi
completada, a histórica invisibilidade e opressão a que os povos e comunidades
quilombolas foram submetidos, se reflete em estatísticas e cartografias sociais
coletadas, analisadas e disseminadas por instituições formadoras do Programa
Brasil Quilombola (PBQ). Neste contexto, a recente intencionalidade do Estado
em acumular e disponibilizar informações sobre esse grupo mostra que se por um
lado, a trajetória de implementação de pesquisas quantitativas e cartográfica não é
evidente, por outro é central e sintomática da evolução da conquista de direitos dos
povos e comunidades negras tradicionais. Por isso, a partir de uma revisão crítica
das origens, trajetórias e conceitos que permeiam a questão quilombola no Brasil,
este trabalho visa aportar elementos para a otimização da visibilidade estatística
e cartográfica desse grupo, em prol da superação das tradicionais assimetrias
que o cerca. Para isso, terá como referência principal as informações presentes e
potenciais disponíveis nos Painéis de Monitoramento do PBQ, lançado em 2013.
Ancorado nos Programas, Ações e Iniciativas presentes no PPA 2012-2015, além
o conteúdo dessa plataforma online, foram avaliadas também funcionalidades do
Painel que ampliem as oportunidades de diálogo e participação social, de modo a
garantir a agilidade e transparência nos processos de tomada de decisão.

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Lista de abreviaturas e siglas

ABA Associação Brasileira de Antropologia


ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
ANCRQ Articulação Nacional Provisória das Comunidades Remanescentes de Quilombos
ASQ Agenda Social Quilombola
ATER Assistência Técnica de Extensão Rural
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BME Banco Multidimensional de Estatística
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CadÚNICO Cadastro Único para Programas Sociais Do Governo Federal
CAISAN Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional
CF Constituição Federal
CFR Casas Familiares Rurais
CGASC Comitê de Gestão da Agenda Social Quilombola
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CNMP Conselho Nacional do Ministério Público
CNEFE Cadastro de Endereços Para Fins Estatísticos
CNPCT Conselho Nacional Dos Povos e Comunidades Tradicionais
CNPIR Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial
CNS Conselho Nacional de Saúde
CONAE Conferência Nacional em Educação
CONAQ Coordenação Nacional de Quilombos
CONEP Comissão Nacional de Ética Em Pesquisa
CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação
CPT Comissão Pastoral da Terra
DCNT Doenças Crônicas não Transmissíveis
DEM Partido Democrata
DPPS Domicílios Particulares Permanentes
ECINF Pesquisa da Economia Informal Urbana
EFAS Escolas Famílias Agrícolas
EJA Educação de Jovens e Adultos
ENAP Escola Nacional de Administração Pública
ENDEF Estudo Nacional da Despesa Familiar
ESTADIC Pesquisa de Informações Básicas Estaduais
FAQ Perguntas frequentes
FCP Fundação Cultural Palmares
FNDE Fundo Nacional de Educação
FUNAI Fundação Nacional do Índio
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
GPS Global Positioning System
GSHS Global School-Based Student Health Survey
IASI Inter American Statistical Institute

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IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística
ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
INCRA Instituto Nacional De Colonização e Reforma Agrária
INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA Lei Orçamentária Anual
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério da Saúde
MC Ministério das Comunicações
MCidades Ministério das Cidades
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MDSA Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
MEC Ministério da Educação
MI Ministério da Integração Nacional
MinC Ministério da Cultura
MJ Ministério da Justiça
MME Ministério de Minas e Energia
MP Medida Provisória
MPF Ministério Público Federal
MPU Ministério Público Federal
MS Ministério da Saúde
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
MUNIC Pesquisa de Informações Básicas Municipais
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial De Saúde
ONG Organização Não-Governamental
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PAR Programa de Ações Articuladas
PBF Programa Bolsa Família
PBQ Programa Brasil Quilombola
PDA Personal Digital Assistant
PENSE Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
PIA População em Idade Ativa
PIB Produto Interno Bruto
PIR Política de Igualdade Racial
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PME Pesquisa Mensal de Emprego
PNAD Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNBE Plano Nacional de Bibliotecas Escolares Temáticos
PNE Plano Nacional de Educação
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
PNPCT
e Comunidades Tradicionais
PNS Pesquisa Nacional de Saúde

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PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POF Pesquisa de Orçamentos Familiares
PPA Plano Plurianual
PPIGRE Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia
PR Casa Civil da Presidência da República
PRODOC Documento de Projeto
PT Partido dos Trabalhadores
RAIS Relação Anual de Informações Sociais
RD Razão de Dependência
RIDE Região Integrada de Desenvolvimento
RTID Relatório Técnico de Identificação e Delimitação
SDH Subsecretaria de Direitos Humanos
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SELOR Sistema Receita Federal e do Sistema de Elaboração Orçamentária
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SIAFI Sistema de Administração Financeira do Governo Federal
SIASG Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais
SICONV Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal
SIDRA Sistema IBGE de Recuperação Automática
SIEST Sistema de Informações das Empresas Estatais
SIGPLAN Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento
SIM Sistema de Informações de Mortalidade
SIOP Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento
SIPD Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares
SMPPIR Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SM Salário Mínimo
SPOA Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração
STF Supremo Tribunal Federal
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
TCU Tribunal de Contas da União
TI Terra Indígena
UFPR Universidade Federal do Paraná
UNCME Conselhos Municipais de Educação
UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UPAS Unidades Primárias de Amostragem
Inquérito Telefônico de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção
VIGITEL
para Doenças Crônicas

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1. Introdução
Somente após cem anos da abolição da escravatura os povos e comunidades qui-
lombolas conquistam, por meio da Constituição de 1988, o status de grupo forma-
dor da sociedade brasileira. Em seu Artigo 68, o texto da constituinte evoca pela
primeira vez não apenas uma “identidade histórica”, mas a expansão das políticas
de reconhecimento, defesa e reparação de prejuízos gerados com os processos de
escravidão e abolição longe de serem completados.

Desde então, entre avanços e retrocessos, o Estado tem jogado por vezes do lado
da solução e por outras do lado do problema. Atuando com frequência em defesa
da permanência de privilégios das elites econômicas, políticas e também culturais,
uma parcela do poder público passa a responder à abertura democrática e pressão
dos movimentos sociais por ações afirmativas de caráter integrador. Nesse con-
texto, ideais como inclusão, diversidade e diferença assumem posição de crescen-
te destaque no vocabulário das políticas públicas.

A partir do estabelecimento dessa nova perspectiva política, povos e comunida-


des negras tradicionais de todo o país, aliados a movimentos sociais, instituições
governamentais e acadêmicas, têm reivindicado a garantia de seus direitos, visto
que nesse novo patamar não basta ser uma comunidade quilombola, mas é pre-
ciso garantir a sua existência como tal. Por outro lado, ainda sob os resquícios da
política de branqueamento e frente a interesses econômicos, a ausência de es-
quematismos conceituais e sociais das situações denominadas quilombo tem sido
constantemente evocada por grupos hegemônicos (tais como a grande mídia e
setores empresariais) como uma tentativa de deslegitimar a suficiência do critério
de auto-atribuição e a formação atual e heterogênea desse grupo.

Em meio a tantas disputas e conquistas constantemente ameaçadas, torna-se fun-


damental a existência de sistemas que confiram agilidade e transparência às ações
em processos sociais ligados às populações quilombolas. Com base nessa pers-
pectiva são criados os painéis de monitoramento do Programa Brasil Quilombola
no âmbito do Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade
Racial. Este Sistema, que tem como objetivo geral dar visibilidade às demandas e
transcurso social de povos e comunidades negras tradicionais no Brasil, amplia
a capacidade de atuação do Estado, ao mesmo tempo que implementa valores
democráticos tais como canais de prestação de contas e participação social.

A partir dessa lógica, assentado em uma revisão crítica sobre as origens e trajetó-
rias da questão quilombola no Brasil, bem como na arquitetura do Programa Brasil

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Quilombola refletida nos Planos Plurianuais, este trabalho propõe uma avaliação
de possibilidades presentes e futuras dos painéis de monitoramento do PBQ. Nes-
te processo são considerados aspectos como conteúdo, usabilidade e funcionali-
dade da plataforma, centrado na proposta de geoespacialização da informação.
Para isso, parte-se do pressuposto de que este movimento desanima os inúmeros
interesses contrários à manutenção e progresso do Programa, visto que corrobora
com a sinalização de horizontes límpidos para a ampliação de direitos do grupo em
questão.

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2. Quilombos e quilombolas:
considerações sobre suas origens e
trajetórias

2.1. Quilombo: perspectiva histórica

A história do Brasil é marcada por diversos processos, interpretações e


enfrentamentos da questão quilombola, a ponto de não deixar dúvida sobre sua
importância na projeção de trajetórias nacionais passadas, presentes ou futuras.
Mergulhada em inconsistências, a busca de sua compreensão exige consciência
de que o percorrer de suas cartografias não permite atalhos e só se inicia no
movimento de ruptura com os lugares comuns da historiografia positivista, mito
da democracia racial, reducionismos conceituais e, sobretudo, com as rígidas
estruturas da sociedade nacional.
Em 1974, o Conselho Ultramarino Português define quilombo como “toda
habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda
que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”. Esta designação,
propositalmente generalizante, visa maximizar a identificação quilombola como um
objeto de desaceitação e punição (LEITE, 2000; ARRUTI, 2008), comporta cinco
elementos centrais: 1) a concepção recriminatória de fuga; 2) a quantidade mínima
e intencionalmente baixa de fugidos; 3) o isolamento geográfico e da chamada
civilização, vinculando-os a um modo de vida incompreensível; 4) o tipo de
moradia habitual, denominada como “rancho”; e 5) a não exigência de capacidade
de autoconsumo e reprodução, simbolizado na imagem do pilão (ALMEIDA, 2002).
Esta caracterização colonial estende-se historicamente por muitos estudos e
definições jurídico-formais em torno da temática quilombola, que se no período
colonial é definido como um objeto claro de repressão e controle, no regime
republicano, por muito tempo, “nem aparece mais, pois com a abolição da escravatura
imaginava-se que o quilombo automaticamente desapareceria ou não teria mais razão
de existir” [grifo nosso] (ALMEIDA, 2002, p. 53). Com isso, consolida-se a ideia
de quilombo como um sistema social atrasado, em vias de desaparecimento e
que deve ser no máximo rememorado, em detrimento do compromisso com sua
conformação presente, heterogênea e demandante de direitos reconhecidos e
expandidos.

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Cerca de 60 anos após a instituição do regime republicano, sobretudo
entre os anos 1950 e 1960, os discursos sociais e políticos apropriam-se da
questão quilombola para torná-la símbolo de resistência cultural, reprodução e
ressignificação do modo de vida africano. Esta perspectiva, que se destaca na obra
de autores como Ramos (1953), Carneiro (1958) e Batisde (1973), apoiada em uma
abordagem antropológica, tenta explicar os processos de continuidade, ruptura
e transformação de práticas culturais de afro-brasileiros em relação ao contexto
africano, ou seja, identificar a “África em nós”. (ARRUTI, 2008).
Um segundo aspecto simbólico assumido pelo quilombo, segundo Arruti (2008),
é o de resistência política e modelo de pensamento das relações de classes sociais
e hierarquias existentes no Brasil. Esta proposta, que se fortalece a partir de 1950,
segundo Lopes, Siqueira e Nascimento (1987), assume duas vertentes principais:
por um lado fundamenta-se nos ideais de igualdade e liberdade da Revolução
Francesa, posição política em que o quilombo é romantizado e idealizado, e por
outro, em concepções marxistas-leninistas, que associam o movimento a posturas
revolucionárias e de luta armada (LEITE, 2000).
Já na década de 1970, o quilombo é tomado como imagem da reivindicação pela
redemocratização do país e Zumbi e os quilombolas de Palmares, uma metáfora
de enfrentamento contra a ditadura (FIABANI, 2008). Ao mesmo tempo, cresce
a significação do quilombo como ícone da resistência negra e ideal aglutinador da
militância do movimento no Brasil (ARRUTI, 2008). No ano 1978, em concomitância
com a inauguração do “Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação
Racial” em São Paulo, propõe-se a criação do Dia Nacional da Consciência Negra,
tendo como referência central o assassinato de Zumbi dos Palmares. Apoiado no
mesmo princípio, 13 de maio assume o simbolismo de Dia Nacional de Denúncia
contra o Racismo, ao mesmo tempo que nega a abolição como um acontecimento
de emancipação dos negros.
O ano de 1988, significativo por coincidir com o Centenário da Abolição,
estimula tanto a participação política do movimento negro (nesse período já
organizado em praticamente todo o país), quanto a multiplicação de estudos
acadêmicos relacionados à escravidão. Além disso, após o período de repressão
política, a população em geral vê-se engajada no ideal de cidadania e projeta na
Constituinte um importante instrumento de construção de um Estado de direito.
Estas oportunidades são aproveitadas pelos movimentos de combate ao racismo,
que nesse momento esforçam-se por evidenciar a hierarquia racial incrustada na
sociedade brasileira e fortalecer os ideais da militância (FIABANI, 2008).
Foi também nesse momento que se sepultou o princípio da democracia racial,
que aliado ao discurso do Estado de elogio à mestiçagem, afirmava não haver um

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“problema racial” no Brasil, mas sim uma segregação social a ser superada. Em
contraposição a esta ideia, autores como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e
Fernando Henrique Cardoso evidenciaram a reprodução da desqualificação social
dos negros como competidores, traduzida na forma de preconceito e discriminação.
É nesse contexto que se posiciona a formulação do artigo 68 da Constituição
Federal de 1988 (ADCT/ CF-1988), que é representativo por estabelecer um limite
temporal introdutório na intencionalidade de uma nova forma de relação entre
o Estado brasileiro e as comunidades quilombolas do presente. Esta legislação,
apesar de encontrar pouco consenso em sua formulação e dos inúmeros impasses
conceituais que evidencia e provoca, anuncia a disposição de reparação de
prejuízos gerados com o processo de escravidão e por uma abolição que não veio
acompanhada de medidas de inclusão e acesso a direitos. O texto aprovado pela
Constituinte versa:

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam


ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos (BRASIL, 1999).

A decisão pelo termo “remanescente”, que no início não provocou debates


e manteve-se intacto em dois dos três enunciados de alteração da proposta,
passou a ser alvo de inúmeras críticas. Isso porque muitos consideram que o texto
“remanescentes das comunidades dos quilombos” está alinhado com a premissa
colonial de uma formação social atrasada, fixa e cristalizada no passado. Além
disso, considera-se que este enquadramento conceitual estimula a concepção
de quilombo como uma unidade igualitária, harmônica e coesa, e com isso,
desconsidera a diversidade deste grupo e sua necessidade de direitos diferenciados
(LEITE, 2000).
Compondo uma perfeita dualidade, mas sob um eixo argumentativo distinto,
o termo “remanescente” é também considerado um diferencial importante na
terminologia quilombola e uma conquista do movimento negro e dos parlamentares
envolvidos na luta antirracista. Primeiramente é importante destacar a coincidência
entre o termo adotado no artigo 68 e o utilizado para descrever as comunidades
indígenas. Em ambos os casos, ao construir a ponte entre o direito originário no
passado e a inevitabilidade de assimilação futura, fortalece-se a visão culturalista
na nova legislação (ARRUTI, 2008). A partir dessa proposição Arruti (1997, p.
21) defende que “o termo ‘remanescentes’ surge para resolver a difícil relação de
continuidade e descontinuidade com o passado histórico, em que a descendência não
parece ser um laço suficiente”. Por isso, sobretudo quando acompanhado da ideia de
“comunidade”, potencializa a afirmação de identidade e a ideia de um grupo que se

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organiza politicamente na busca de equilíbrio do binômio memória-direito.
Além disso, o artigo 68 representa uma importância singular para as comunidades
quilombolas, pois a despeito da forte pressão exercida pelas elites econômicas
nacionais, cem anos após a abolição da escravidão, se estabelece como o “único
instrumento legal [...] que se refere a direitos sobre a terra por parte de ex-escravos
e seus descendentes” (ALMEIDA, 1999, p. 11).
A primeira Lei de Terras lavrada no Brasil em 1850, além de coibir a posse e
instituir a aquisição legal pela via da compra, garante a exclusão definitiva dos
africanos e seus descendentes do acesso à terra ao enquadra-los na categoria
de “libertos” 1. Com isso, as oligarquias brasileiras asseguram a consistência e
perpetuação do tripé latifúndio/escravismo/monocultura e transformam o direito
elementar ao espaço de vida em um ato de luta, guerra e resistência ao caráter
excludente com que a questão agrária sempre foi tratada no Brasil (LEITE, 2000;
CARVALHO e LIMA, 2013).
Esta problemática ganha evidência com a denúncia de que até 1985 tudo o
que pudesse ser registrado na área rural deveria enquadrar-se nas categorias
“estabelecimento” (unidade básica de exploração empregada pelo Censo
Agropecuário do IBGE) ou “imóvel rural” (categoria cadastral baseado na ideia de
propriedade e com finalidade tributária adotada pelo INCRA). Em contato direto
com uma grande diversidade de situações, os movimentos camponeses denunciam
que as categorias tradicionalmente utilizadas para pensar as estruturas agrárias
não são suficientes para a identificação de ocupações diferenciadas, em que
pese o caso dos quilombolas, indígenas, babaçueiros, caiçaras, seringueiros, entre
outras formas comunitárias até então ignoradas pelo sistema fundiário brasileiro.
Com relação a esta diversidade, Almeida (2002, p. 45) esclarece:

Pode-se adiantar que compreendem, pois, uma constelação de


situações de apropriação de recursos naturais (solos, hídricos e
florestais), utilizados segundo uma diversidade de formas e com
inúmeras combinações diferenciadas entre uso e propriedade e
entre o caráter privado e comum, perpassadas por fatores étnicos,
de parentesco e sucessão, por fatores históricos, por elementos
identitários peculiares e por critérios político-organizativos e
econômicos, consoante práticas e representações próprias.

Esta agora transparente lacuna do sistema agrícola nacional, somada à


efervescência das denúncias do Centenário da Abolição, interesse dos parlamentares
em atrair votos de simpatizantes do movimento negro e desconhecimento dos

1  Segundo Leite (2000), isso acontecia mesmo quando a terra era comprada ou herdada de
antigos senhores através de testamentos lavrados em cartório.

15
deputados da dimensão da temática quilombola2, culminam na aprovação do art.
68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (FIABANI, 2008).
Esta conquista política do campesinato negro foi também possível graças ao fato
de que os estudos e articulações políticas do movimento de pequenos produtores
rurais aconteciam justamente em áreas caracterizadas pela forte presença de
população negra. Desse modo, inaugurando uma pauta na organização do movimento
afrodescendente no país, que até então concentrava seus esforços no combate ao
racismo de contexto urbano, acontece em 1985 a primeira articulação camponesa
negra no Estado do Pará, nomeada “Encontros de Raízes Negras”. Mais adiante, em
1987, o “I Encontro das Comunidades Negras do Maranhão” funciona como motor
de novas organizações políticas estaduais e microrregionais (ARRUTI, 2008).
Amparados pela aprovação da Constituição de 1988, ratificada mesmo (ou talvez
justamente) sem um debate constitucional relativo à estrutura fundiária nacional,
consolida-se a aliança entre o campesinato negro e a militância pela Reforma
Agrária, que visualiza nessa legislação uma estratégia de consecução de suas
demandas. Segundo Arruti (2008, p. 323), o artigo 68 “aparecia como instrumento
que poderia fazer o ordenamento jurídico nacional reconhecer a legitimidade das
modalidades de uso comum da terra”, em um contexto de forte resistência das elites
econômicas nacionais. Esta conciliação política consolida também a perdurável
associação entre as questões quilombolas e fundiárias, ainda hoje centrais nas
bases teórica e jurídica do movimento.
No campo teórico, como tentativa de acompanhar essas constantes
transformações e de encontrar um eixo de identificação unívoco, mas que
respeitasse a diversidade de acesso à terra pelo campesinato negro, culminou-
se na formulação sociológica terra de uso comum. Este conceito que permite a
generalização de conformações sociais como Terras de Santos, Terras de Preto, Terras
de Parentes, Terras de Irmandade, Terra de Herança e Terra de Índio potencializa a
visibilidade e entendimento político tanto dentro do movimento campesino negro,
quanto de sua articulação com outras esferas político-organizacionais (ARRUTI,
2008; LEITE, 2000).
A partir dessa grande conquista, sob a forma de um movimento de resistência
às elites econômicas políticas, sociais e também culturais, os quilombolas se
reafirmam com crescente potência no cenário sócio-político nacional, localizados
com frequência “em algum lugar entre trabalhadores sem terra, os indígenas, as favelas
e os universitários cotistas” (ARRUTI, 2010, p. 10).

2  Leite (2002) e Arruti (1997) defendem que imperava um desconhecimento sobre a questão
por parte dos parlamentares, que pensavam tratar-se somente de casos pontuais, como o do
Quilombo de Palmares.

16
2.2. A questão quilombola, o Estado e as políticas públicas no
cenário recente

Com a aprovação do texto constitucional de 1988, impõe-se o desafio de


identificar os sujeitos do direito e transpor os critérios classificatórios de auto-
atribuição de contexto local, em macro-categorias de nominação político-jurídicas.
Isso deveria ser feito sob os cuidados de se preservar as comunidades quilombolas
de definições imobilizantes, que ignorem tanto heterogeneidade das categorias
operadas em torno do tema, quanto seu caráter dinâmico e contemporâneo
(ARRUTI, 2008).
Como uma tentativa de normalizar a interpretação de quilombo e de avançar
na aplicação do artigo 68, em 1990 a revista IstoÉ publica a versão da Fundação
Cultural Palmares que, em parceria com o Instituto Brasileiro de Patrimônio
Histórico, definem quilombos como: “sítios historicamente ocupados por negros que
tenham resíduos arqueológicos de sua presença, inclusive as áreas ocupadas ainda hoje
por seus descendentes, com conteúdos etnográficos e culturais” (ARRUTI, 2008, p.
325). Esta formulação, que se sustenta na ideia de patrimônio cultural, representa
uma parcela do movimento negro que defendia o estabelecimento de critérios
historicistas e arqueológicos na identificação dos sujeitos a serem alcançados
pelas políticas públicas.
Contudo, após visitas técnicas das instituições envolvidas e tentativa de
aderência às realidades locais, ficou rapidamente evidente que esta concepção
de quilombo estava desconectada das verdadeiras demandas das comunidades
do presente, além de impô-las a decomposição de suas identidades em categorias
limitantes. Para resolver tal impasse e minimizar as inúmeras dubiedades aparentes
na aplicação de ADCT de 1988, mobiliza-se a já estabelecida parceria entre a
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Ministério Público Federal (MPF)
para povos indígenas (ARRUTI, 2008; LEITE, 2000).
Sob a demanda de uma “definição judiciosa e de caráter científico” (ARRUTI, 2008,
p. 317) do conceito de quilombo, reuniu-se em outubro de 1994 o hoje extinto
“Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais” da ABA, que elabora a
seguinte formulação negativa:

[...] não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de


ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não
se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente
homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a
partir de uma referência histórica comum, construída a partir de
vivências e valores partilhados (ABA, 1994, p. 81-82).

17
Com isso, baseado na ideia de “grupos étnicos” proposta por Barth (1969) e na
evidenciação de alguns traços distintivos da territorialidade - como o predomínio
de uso comum baseado em relações de solidariedade e reciprocidade e respeito
à sazonalidade das atividades -, a ABA expõe a necessidade de representar a
variedade de experiências dos agentes sociais que vivem as situações denominadas
quilombo.
No mesmo ano, no âmbito do “IV Encontro de Comunidades Negras Rurais do
Maranhão”, apoiadas no tripé Sindicatos de Trabalhadores Rurais/ Organizações
Não Governamentais ligadas ao movimento camponês e indígena/ Pastorais da
Igreja Católica, amplia-se a rede nacional de comunidades, até então concentrada
nos estados do Maranhão e Pará. Orientados pelo tema “Os quilombos
contemporâneos e a luta pela cidadania”, realizou-se um amplo debate sobre a
necessidade de reduzir incertezas, estabelecer rotinas jurídicas, além de avançar
na regulamentação de áreas de quilombos já reconhecidas pelo artigo 68 (ARRUTI,
2008; FIABIANI, 2008).
Em 1995, ano do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, foi mais uma
vez emblemático e mobilizador de militâncias sociais, poder público e finalmente
da mídia nacional. Neste ano, realiza-se a “Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o
Racismo, pela Cidadania e a Vida”, que reúne cerca de 30 mil pessoas de todas as
regiões do país no alerta sobre a perpetuação do racismo no Brasil e a exigência
de medidas de promoção da igualdade racial. Além disso, nesse ano acontece
o primeiro encontro da “Articulação Nacional Provisória das Comunidades
Remanescentes de Quilombos” (ANCRQ), que elabora um documento listando as
50 comunidades demandantes de reconhecimento (ARRUTI, 2008).
Em 27 de abril de 1995 a senadora Benedita da Silva encaminha o Projeto de Lei
nº 129/95 que “regulamenta o procedimento de titulação de propriedade imobiliário
aos remanescentes das comunidades dos quilombos” (BRASIL, 1995). A senadora do
PT do Rio de Janeiro, membro do movimento negro urbano, indica o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) “como instituição responsável
pela discriminação e demarcação dessas terras” (SILVA, 1996, p. 31). Além disso, Silva
defende que é preciso “evitar que terceiros, aproveitadores e oportunistas viessem a
se beneficiar do direito constitucionalmente assegurado” e, segundo Arruti (2008),
menciona até mesmo a possibilidade de serem realizados exames de sangue.
Em consulta à ABA feita pela senadora, o antropólogo João Pacheco de Oliveira,
entre outras críticas, discorda da proposição de critérios baseados em aspectos
biológicos e raciais. Além disso, propõe o Ministério da Cultura como condutor
do processo “uma vez que, se trata de assunto que em última instância, interessa ao
seu mandato de preservação do patrimônio cultural brasileiro em um de seus aspectos

18
mais salientes, o da diversidade étnica e cultural” (OLIVEIRA, 1996, p. 85).
Em 13 de junho de 1995, o deputado Alcides Modesto, ex-padre católico ligado
à militância da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e advogado da comunidade de
Rio das Rãs, juntamente com outros parlamentares, propõem um novo modelo
de regulamentação do artigo 68. Baseado em ideais de proteção à cultura
e ao património cultural brasileiro e a partir de uma leitura ressemantizada da
experiência quilombola, Modesto (1996, p. 30) defende que “os procedimentos
de reconhecimento das comunidades e delimitação das terras deve ser realizado em
conjunto pelo Órgão Fundiário e pela Fundação Cultural Palmares (FCP)” (ARRUTI,
2008).
Mesmo em meio a estes impasses políticos, a despeito das discordâncias, decide-
se no seminário público realizado na Câmara dos Deputados pela unificação das
proposições, restando estabelecer entre o INCRA e a FCP a responsabilidade pela
titulação das terras.
Em dezembro de 1996, por meio de um decreto presidencial, o Governo
Fernando Henrique Cardoso cria o Grupo de Trabalho Interministerial, que
integra os Ministérios da Cultura, Justiça, Meio Ambiente e Recursos Naturais
e da Amazônia Legal, INCRA, FCP e Instituto de Patrimônio Histórico Nacional
(IPHAN). No ano 2000, sob forte pressão das lideranças das comunidades e do
movimento negro, o governo emite uma Medida Provisória (MP) que define a
FCP como executora exclusiva dos trabalhos de reconhecimento e titulação dos
territórios quilombolas (ARRUTI, 2008; FIABANI, 2008).
Em 2001, esta MP é transformada no Decreto Presidencial n. 3.912/01, que
estabelece entraves como o prazo máximo de um ano para o encaminhamento
de demandas por regularização fundiária quilombola e comprovação histórica
de no mínimo cem anos de posse pacífica da terra (BRASIL, 2001). Além disso,
acrescentavam-se os argumentos de que os direitos deveriam ser destinados aos
indivíduos e não à comunidade, desvirtuando seu caráter coletivo e, impedindo a
continuidade da atuação do Ministério Público Federal (ARRUTI, 2008).
Após uma sequência de portarias e decretos, que mesmo depois de quatorze
anos de implementação da Constituição de 1988, além de não favorecerem a
regulamentação e efetivação deste dispositivo legal, tentaram impor conceitos
reducionistas à experiência social quilombola. Em função disso paralisam-se por
algum tempo as ações governamentais sobre a temática.
O assunto volta a tomar fôlego na ascensão do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em 2003, que no dia 21 de março, por meio da Lei n. 10.678, cria a Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) vinculada à

19
Presidência da República, cujo compromisso principal é a “formulação, coordenação
e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial” (BRASIL,
2003a) e o Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial (CNPIR). Este órgão
colegiado de caráter consultivo, além de três membros notáveis indicados pela
Secretaria, é composto atualmente por 22 órgãos do Poder Público Federal e 19
entidades da sociedade civil, entre as quais estão representantes quilombolas, que
em respeito à Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais, passam a ter
acesso direto ao governo.
Em 20 de novembro de 2003, dia Nacional da Consciência Negra, o Decreto
Presidencial n.4.887, dá um importante passo rumo à efetivação da Constituição
de 1988, que em seu artigo 2º, define remanescentes de quilombos como:

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos,


para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo
critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria,
dotados de relações territoriais específicas, com presunção de
ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão
histórica sofrida. (BRASIL, 2003).

Partindo dessa concepção, a proposta se esquiva de definições históricas stricto


sensu e comporta o alargamento crítico apresentado pela Antropologia e pela
Convenção 169 da OIT. Ratificada pelo Brasil em 2002, a Convenção defende
em seu artigo 1º que “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser
considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam
as disposições da presente Convenção” (OIT, 1989).
Além disso, o Decreto n.4.887/03 impõe um movimento de resistência em
relação ao de n. 3.912/01, pois isenta as comunidades da responsabilidade de
comprovar a descendência direta de remanescentes de comunidades de escravos
fugidos, e com isso, inverte “o ônus da prova, cabendo a quem discorda produzir
evidências e documentos de que a comunidade reivindicante de dado território não é
descendente de quilombo” (Ridalvo de Arruda apud OLIVEIRA, 2009, p. 84). Ademais,
promove uma reforma institucional ao transferir ao INCRA a responsabilidade pelo
processo de regularização fundiária e de desapropriação de terras particulares
para fins de titulação de território quilombola.
Determina ainda que a titulação das terras deve ser efetuada em nome da
entidade representativa da comunidade, resgatando seu caráter coletivo e
social. Segundo Arruti (2008), este último aspecto é especialmente importante,
pois incorpora a “terra” a dimensão conceitual de território. Nesse sentido, esta

20
definição não coincide necessariamente com a área diretamente ocupada, mas
com o espaço de vida de cargas materiais e simbólicas necessário a “reprodução
física, social, econômica e cultural” dessas comunidades (BRASIL, 2003).
Configura-se a partir de então uma intencionalidade positiva – e constantemente
ameaçada - em prol da ampliação de políticas e dutos institucionais em torno
da pauta quilombola. Centralizadas principalmente na Secretaria Especial de
Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e no Programa de Promoção da Igualdade
de Gênero, Raça e Etnia (PPIGRE) do então Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), essa abertura favorece também a agregação de novas temáticas, tais como
saúde e educação, âmbito em que se começa a discutir a pertinência de escola e
currículo diferenciado3. Além disso, é também nesse contexto que se inaugura em
2004 o Programa Brasil Quilombola (PBQ) e em 2007 a Agenda Social Quilombola,
instrumentos políticos de força e amplitude crescentes nas conquistas de direitos
da população quilombola em todo o país.
No ano 2005, o INCRA põe em vigor a Instrução Normativa n. 20, que direciona
os procedimentos administrativos necessários para o cumprimento do Decreto
4.887 e cria a Coordenação-Geral de Regularização de Territórios Quilombolas,
a fim de normalizar os processos de identificação, reconhecimento e titulação de
terras em todo o país.
No dia 7 de fevereiro de 2007, o Decreto n.6.040 institui a “Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais” que
tem como objetivo central “promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia
dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e
valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições” (BRASIL,
2007a). Este decreto configura-se como o primeiro instrumento jurídico de garantia
de direitos e reconhecimento de formas de comunidades tradicionais, para além
de grupos indígenas ou comunidades quilombolas.
Outra iniciativa que sinalizou a disposição do governo em ampliar os
recursos destinados aos quilombolas foi a aprovação em 10 de julho de 2010
da Lei n.12.288/10 que promulga o Estatuto da Igualdade Racial, anteriormente
apresentada pelo deputado Paulo Paim nos Projetos de Lei n.3.198/2000 e
203/2003. Este dispositivo legal, entre outros grupos sociais e questões, inclui a
garantia de direitos das populações quilombolas em áreas como saúde, educação,
cultura e acesso à terra (BRASIL, 2010).
Em conformidade com a “Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial”,
3  Estas medidas são discutidas em instrumentos como as “diretrizes curriculares nacionais para
a educação escolar quilombola na escola básica” (BRASIL, 2012).

21
em janeiro de 2013 a SEPPIR lança o “Plano Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana”. Este plano
foi elaborado a partir de um intenso debate com representantes de diferentes
matrizes africanas das cinco regiões do país e do Grupo de Trabalho formado por
outros 11 órgãos do Governo Federal (SEPPIR, 2013b).
Em 9 de maio de 2016, por meio do Decreto 8.750/10 institui-se o “Conselho
Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais” diretamente vinculado à estrutura
do então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Composto por
44 membros titulares, dos quais 29 são representantes de grupos tradicionais de
diferentes segmentos e os outros 15 de diferentes órgãos públicos, entre outras
atribuições o Conselho visa “coordenar, acompanhar e monitorar a implementação
e a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
e Comunidades Tradicionais - PNPCT e do Plano Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em colaboração com os órgãos
competentes por sua execução, e as previsões orçamentárias para sua consecução”
(BRASIL, 2016).
Como marco do início de um contra-movimento, em 12 de maio de 2016, com o
afastamento da presidente Dilma Roussef, o governo interino revoga a Lei n. 10.683
de 28 de maio de 2003 e edita a Medida Provisória n.726. Entre outras mudanças,
esta iniciativa promove a fusão entre os Ministérios do Desenvolvimento Agrário
e Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o que define um enorme retrocesso
na pauta do desenvolvimento agrário e agrícola do país. Além disso, esse decreto
retira uma vez mais do INCRA a competência pela delimitação e demarcação de
terras quilombolas, que passa a ser de responsabilidade do recém criado Ministério
da Educação e Cultura.
No dia 20 de maio do mesmo ano, a MP 726 é retificada de modo a manter a
titulação das terras quilombolas com o INCRA, que agora se vincula ao Ministério do
Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA). Contudo, como símbolo da resistência
política do novo governo quanto à manutenção e ampliação dos direitos das
populações quilombolas, o Artigo 2º do Decreto 8.780 de 27 de maio de 2016
estabelece a transferência do MDSA para a Casa Civil da Presidência da República
a competência pela “delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos
quilombos e determinação de suas demarcações, a serem homologadas por decreto.”
(BRASIL, 2016b). Na sequencia, em 29 de setembro ainda de 2016 o presidente em
exercício Michel Temer, por meio do Decreto 8.865, transfere a Secretaria Especial
de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário e INCRA para a Casa Civil.
Atualmente liderada pelo Ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS), a Casa Civil da
Presidência da República assume uma clara postura em benefício dos grandes

22
empresários do campo do agronegócio, o que caracteriza inequívocos retrocessos
sociais, ambientais e políticos. Somado a este golpe, neste momento tramita
no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta em 2004 pelo
Partido Democrata (DEM). Esta Ação questiona o Decreto 4.884/2003, que é
precisamente o principal instrumento normativo de regulamentação dos direitos
das comunidades quilombolas estabelecidos na ADCT 1988.
O julgamento que se estende desde 2012 será retomado no dia 16 de
agosto de 2017. Nesta ocasião caso os Ministros do Supremo Tribunal Federal
votem a favor da inconstitucionalidade do Decreto, para terem seus territórios
reconhecidos, as comunidades quilombolas deverão comprovar cientificamente a
sua organização social em data anterior à abolição legal da escravidão. Além disso,
ficará estabelecido que somente comunidades na posse de seus territórios na data
da promulgação da Constituição, terão o direito à titulação.
Como resistência a estas notórias involuções, deu-se inicio à campanha “O Brasil
é quilombola: Nenhum direito à menos” que circula amplamente nas redes sociais. A
ação é um convite à sociedade para a assinatura de uma petição on-line que será
enviada aos ministros do STF em apoio à manutenção do Decreto 4.884/2003.
#nenhumquilomboamenos!

2.2.1. O Programa Brasil Quilombola (PBQ)

Diante do atual cenário aterrador para a sociedade brasileira e para as


comunidades quilombolas de forma especial, torna-se ainda mais importante a
consciência sobre os avanços e possíveis debilidades das políticas vinculadas a
este grupo. Neste contexto, o Programa Brasil Quilombola destaca-se como
instrumento potencial e efetivo de planejamento e execução da agenda pública,
o que justifica a importância do esquadrinhamento de sua arquitetura e a
transparência na produção e gestão de suas informações.
O PBQ foi lançado em 12 de março de 2004 na comunidade remanescente
de quilombo Kalunga, situada nos municípios de Cavalcanti, Teresina de Goiás e
Monte Alegre, no estado de Goiás. O Programa é coordenado pela SEPPIR e conta
com a colaboração de 11 órgãos da administração pública federal.
Norteado pelos princípios definidos pelo Decreto nº 4.886 de 20 de novembro
de 2003 que estabelece a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial,
o Programa Brasil Quilombola se sustenta na tríade: gestão descentralizada,
transversalidade e gestão democrática. Esta proposta, além de adotar a estratégia
de distribuir compromissos entre diferentes órgãos do governo federal, prevê
o fortalecimento das redes institucionais de âmbito estadual e municipal, bem

23
como o protagonismo das comunidades quilombolas e dos movimentos sociais na
proposição de diretrizes e monitoramento da política.
Com a finalidade de transparecer e dar efetividade às estratégias e instrumentos
políticos que orientam o Programa Brasil Quilombola cria-se em 20 de novembro
de 2007 a Agenda Social Quilombola (ASQ). Definida pelo Decreto n.6.261/07,
em seu Artigo 1º estabelece (BRASIL, 2007b):

As ações que constituem a Agenda Social Quilombola,


implementadas por meio do Programa Brasil Quilombola, serão
desenvolvidas de forma integrada pelos diversos órgãos do
Governo Federal responsáveis pela execução de ações voltadas
à melhoria das condições de vida e ampliação do acesso a bens
e serviços públicos das pessoas que vivem em comunidades de
quilombos no Brasil, sob a coordenação da Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Assenta-se, portanto, a opção por não atribuir a um único órgão, ministério,


secretaria ou fundação, o compromisso com a temática quilombola. Com isso,
evidencia-se também a mudança de postura do Estado brasileiro diante da pauta,
que deixa de ter seu centro na questão cultural, para considerar novas dimensões
da conformação social desse grupo. Arruti (2009) destaca que esta situação
se transparece no fato de que entre 1997 e 1999 as três ações destinadas a
comunidades de quilombo foram executadas pela Fundação Cultural Palmares. A
partir de 2004, houve uma multiplicação não somente do número de iniciativas,
mas também do espectro de áreas de atuação e do orçamento destinado a este
grupo.
Neste contexto, o Comitê de Gestão da Agenda Social Quilombola (CGASC)
além da SEPPIR define outros 10 membros, quais sejam: Casa Civil da Presidência
da República e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); os
então Ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS) (que atualmente integram a Casa Civil e o Ministério
de Desenvolvimento Social); Ministério da Cultura (MinC) e Fundação Cultural
Palmares (FCP); Ministério da Educação (MEC) e Fundo Nacional de Educação
(FNDE); Ministério de Minas e Energia (MME); Ministério da Saúde (MS) e
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA); Ministério da Integração Nacional (MI);
Ministério das Cidades (MCidades) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
(SEPPIR, 2004).
As medidas da Agenda Social Quilombola foram estruturadas em quatro
eixos principais de ações, sendo eles: 1) acesso à terra – conforme definido no

24
Decreto 4.886/03, define a “execução e acompanhamento dos trâmites necessários
para a certificação e regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem
título coletivo de posse das terras tradicionalmente ocupadas”; 2) infraestrutura e
qualidade de vida – “consolidação de mecanismos efetivos para destinação de
obras de infraestrutura (saneamento, habitação, eletrificação, comunicação e vias
de acesso) e construção de equipamentos sociais destinados a atender as demandas,
notadamente as de saúde, educação e assistência social” ; 3) inclusão produtiva e
desenvolvimento local – “apoio ao desenvolvimento local e autonomia econômica,
baseado na identidade cultural e nos recursos naturais presentes no território, visando
a sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das comunidades”;
e 4) direitos e cidadania – “fomento de iniciativas de garantia de direitos promovidas
por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil, junto às comunidades
quilombolas considerando critérios de situação de difícil acesso, impacto por grandes
obras, em conflito agrário, sem acesso à águas e/ou energia elétrica e sem escola” . Além
destes, atualmente o CGASC discute a inclusão da agenda socioambiental como
um eixo específico de atuação das políticas voltadas às populações quilombolas
(SEPPIR, 2013a).
Como um indicador das forças colaborativas e de atrito para o pleno
desenvolvimento do PBQ, observa-se um constante retorno à discussão dos
conceitos que giram em torno do tema. Estes muitas vezes resistem em reconhecer
que igualdade e diversidade não são princípios excludentes e a responsabilidade
do Estado em afirmar a diferença.

2.3. Quilombo: uma categoria em disputa

Em meio a tantos conflitos de interesse, ficou claro que disposto no push-


and-pull comandando por diferentes forças, o conceito de quilombo se configura
como um objeto em disputa, tanto no campo teórico, quanto no de instrumentos
jurídico-organizacionais.
Se por um lado parece evidente que ao longo da história o termo foi sendo
desenredado de uma concepção crescentemente reconhecida como conservadora
e retrógrada (que em certa medida acompanha a evolução sofrida pela própria
noção de direitos humanos), por outro os caminhos construídos não apontam
direcionamento claros, sendo ainda altamente dependentes de determinações
políticas e estruturalismos econômicos.
Por isso, é salutar observar que a discussão do conceito de quilombo passa
necessariamente pelo debate sobre ampliação, acesso e legitimação de direitos.

25
Falar em quilombos é, portanto, falar de resistência e luta política. Sendo assim,
não surpreende que neste campo, como em tantos outros em que há coincidência
entre vulnerabilidade econômica e política, a conquista desses direitos seja
conflituosa e oscilante.
Além disso, como declarou Arruti (2008), a noção de quilombo está sempre
(implícita ou explicitamente) acompanhada de um qualificante. Eles são, por isso,
históricos/ contemporâneos, urbanos/rurais, permanentes/nômades, isolados/
integrados, autossuficientes/dependes, extrativistas, agrícolas, de modo que a
abrangência do conceito seja ela mesma objeto de disputa.
Posicionada na linha de frente dos sintomas sociais, a percepção sobre fatos
e eventos que definem a questão quilombola não estabelecem seus limites
em esquemas inertes, uniformes e autocontidos. Como um objeto que “não ‘é’,
mas sim ‘está em curso’” (ARRUTI, 2008, p. 315), a questão quilombola se forma
justamente no encontro de suas polissemias e dessemelhanças empíricas, atributo
este que deve ser constantemente defendido da tentativa de instrumentalizá-lo
como um argumento de contestação de sua existência ou de legitimidade de suas
reivindicações enquanto grupo social.
Ademais, deve-se considerar que esta vastidão de significados cujo centro se
desloca em função das diferentes posições de seus segmentos, é complexificada
pela inevitável sobreposição de categorias sociais, que não permitem enquadrar
os povos e comunidades negras tradicionais em caixinhas e prateleiras bem-
acabadas e detalhadas. Além de identificarem-se como quilombolas, este grupo
se reconhece em pautas diversas, que em sua heterogenia interna, deve ter o
potencial de fortalecer o cumprimento de suas demandas. Com relação a esta
coexistência de identidades, Almeida (2002, p. 72) declara:

Elas são coletâneas do movimento quilombola e com ele


coexistem em termos de mobilização étnica. Critérios de
gênero, como no caso das quebradeiras de coco babaçu (MA,
PA, PI e TO) e das artesãs de arumã do Rio Negro (AM), critérios
ocupacionais e de atividades, como no caso de seringueiros e
castanheiros, critérios de localização geográfica, como no caso
dos ribeirinhos, e critérios alusivos à modalidade de intervenção
governamental, como no caso dos atingidos por barragem,
têm possibilitado explicar a formação de movimentos sociais
recentes e sua força política. Além disso, têm permitido o
advento de territorialidades específicas e autônomas, tais como
reservas extrativistas, babaçuais, castanhais e seringais, sem
o controle dos mediadores tradicionais, isto é, seringalistas e
grandes proprietários.

26
Na tentativa de conexão entre a proposição teórica, governamental e normativa,
ante a complexidade do tema e aos conflitos de interesses que engendra, encontrou-
se no significante “etnicidade” o estimo remoto que unificaria a caracterização
da organização social quilombola. Esta solução mediadora teria, portanto, o
potencial de romper com perspectivas conservadoras ou idealizadoras (tais como
a legislação repressiva do século XVIII ou o romantizado modelo pombalino) e
iluminar os processos sociais e simbólicos vividos cotidianamente pelas populações
quilombolas em sua heterogenia e dinamismo4.
A partir desse prisma teórico, segundo Almeida (2002), promove-se a afirmação
da identidade coletiva, em que o mais importante não é como uma ONG, partido
político ou a própria academia define e projeta a questão quilombola. Ao contrário,
segundo essa perspectiva, os critérios de classificação que interessam são aqueles
que invertem a prática histórica de se pensar os princípios político-organizativos
de fora para dentro e do global para o local, de modo a preservá-los de categorias
estigmatizantes e possíveis conveniências regimentais.
Esta necessidade de modelização, como declarou Arruti (2008, p. 339)
estabelece, portanto, “um jogo de fuga e captura entre modelização e diversificação,
entre norma e variante, no qual os discursos antropológico, jurídico e político estão em
permanentes deslizamentos e reapropriações”. Uma evidência desse processo reside
na proposta de auto-atribuição, que se por um lado liberta o modelo de quilombo
de estruturas com vestígios coloniais, por outro o aprisiona em casos em que o
próprio grupo se reconhece politicamente em tal formação social. Esta condição,
que pode ser construída somente a partir da existência de trabalhos de base e
auto-discussão, evidencia o caráter nativo desse grupo denominado quilombola,
em que o que está em jogo é a capacidade do sistema normativo em reconhecê-lo
e nunca o contrário.
Por fim, deve-se atentar a muitas vezes bem-intencionada e naturalizada
correlação que se estabelece entre as questões indígenas e quilombolas. Sem
desconsiderar os casos em que esta conexão é realmente intrínseca e dissociável,
como nas Terras de Índios, de modo geral estas temáticas caminham por estruturas
de referências políticas e sociais muito distintas. Arruti (1997) argumenta que
enquanto a temática indígena está ligada à frequentemente romantizada noção
de autóctones, que possuem direitos naturais ligados à identidade do país,
os quilombolas são muitas vezes encarados como externos, que devem ser
controlados, educados e dissociados das categorias sociais nacionais.

4  A partir dos aportes teóricos de Weber (2004), para comunidades étnicas, e de Barth (1969)
para grupos étnicos, converge-se na concepção de etnicidade como elemento unificador da
vontade política, que se reconhece a partir da auto-atribuição e não da cultura ou contato com
grupos étnicos diferentes.

27
Também como um sintoma central do princípio de expansão de direitos e
visibilidade da questão quilombola, crescem as iniciativas em torno da ampliação
estatísticas e cartografias sociais de qualidade para esse grupo. Desenvolvida e
defendida por diferentes setores da sociedade, esta conquista promete avançar
nas indefinições sobre a abrangência e características gerais e específicas do
fenômeno referido e com isso inseri-los de forma definitiva em uma perspectiva
contemporânea, dotada de passado, mas também de presente e futuro.
Para isso, reconheceu-se como imperativo a existência de uma plataforma
que amplie os canais de comunicação entre os diversos setores da sociedade. A
solução encontrada foi a construção de um ponto nodal denominado Sistema de
Monitoramento de Políticas de Promoção da Igualdade Social, entre outras intenções,
objetiva avançar com transparência no debate sobre as (in)definições, políticas
públicas e transformação social das populações quilombolas no Brasil.

28
3. Produção, gestão e diagnósticos de
informações no âmbito do Programa
Brasil Quilombola: em que ponto estamos
e para onde nos direcionamos?

3.1. Introdução

A evolução histórica dos processos que giram em torno da temática quilombola


transparece o considerável avanço obtido com a aproximação dos discursos
jurídicos e antropológicos na elaboração, reconhecimento e defesa dos direitos
desse grupo. Nesse percurso, que ainda hoje segue tensionado entre conquistas
e riscos de retrocessos, além de produzir ferramentas intelectuais mediadoras,
evidenciou os caminhos que separam os remanescentes de quilombos da sociedade
em geral, do Estado e de diferentes disciplinas acadêmicas.
Em consonância com a trajetória de repressão e exclusão que caracteriza
esse grupo, não gera espanto o fato de que os registros de suas características
socioeconômicas, demográficas e territoriais sejam precários e fragmentados.
Almeida (2002) destaca que impressiona a quantidade de cartórios que já sofreram
incêndios, o estado de deterioração dos papéis e a desorganização dos arquivos
paroquiais e das agências do Judiciário que contenham informações sobre os
quilombos e suas populações.
Além disso, por estarem tradicionalmente mais próximos de disciplinas como
antropologia, sociologia e direito, grande parte dos estudos sobre os povos
e comunidades quilombolas seguem metodologias etnográficas, sociológicas
ou arqueológicas. Esta tendência adiou por muito tempo a necessidade de
inclusão da dimensão quantitativa e a formação de massa crítica (em áreas como
demografia, sociologia quantitativa ou economia) que possa atuar na interpretação,
compreensão e realização de pesquisas com o uso intensivo de estatísticas e
cartografias sociais.
Recentemente, seguindo a tendência de fortalecimento de direitos e a partir
do reconhecimento de que a invisibilidade desse grupo se reflete na ausência de
informações estatísticas e cartográficas de qualidade, observa-se, sobretudo a
partir do ano 2003, um esforço de instituições de diferentes setores da sociedade

29
em coletar, organizar, disseminar e interpretar informações que intencionem saber
quantos, como vivem e onde estão os povos e comunidades negras tradicionais
do Brasil.
Este novo nível de comprometimento do Estado se traduz em iniciativas como
a coleta de dados sobre grupos tradicionais pelo CadÚnico e Chamada Nutricional
Quilombola, que permitem estimar que em 2016 a população negra tradicional é
formada por 639.677 pessoas, o que representaria cerca de 0,3% da população
brasileira. Cresce também o reconhecimento de que este grupo (que se aproxima
dos 817.963 pessoas que segundo o Censo Demográfico se declaram como
indígenas no Brasil em 2010)5, apesar da sua representatividade numérica, superior
à população de cerca de 70% dos municípios nacionais, deve ser quantificado e
localizados não somente por sua profusão quantitativa. A partir do princípio da
representatividade pela qualidade, mesmo os grupos menores e mais isolados
devem ser visibilizados, pois tendem a indicar com ainda mais potência a extensão
do genocídio colonial e a urgência em repará-lo.
Neste contexto, ainda que se observe uma grande divergência nos dados,
fato que se explica pelos diferentes recortes amostrais, desenho conceitual e
capacidade operacional das diferentes instituições, estas informações são capazes
de revelar a grave situação de vulnerabilidade social a que estão expostas às
famílias quilombolas, além de oferecer parâmetros para pesquisas subsequentes
sobre essa temática.
Nessa perspectiva, estes dados, juntamente com outras fontes de informação,
estão sendo organizados e divulgados pelo projeto de integração e disseminação
de dados do Programa Brasil Quilombola, que representa uma iniciativa de grande
êxito, mesmo frente aos inúmeros desafios encontrados.

3.2. Integração e disseminação de dados do Programa Brasil


Quilombola: o Sistema de Monitoramento das Políticas de
Promoção da Igualdade Racial

No Decreto n. 8.750 de 9 de maio de 2016, que institui o Conselho Nacional


dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), em seu artigo 2º estabelece
como competência do conselho iniciativas como:

5  Vale destacar que as informações sobre povos e comunidades negras tradicionais provêm de
um registro administrativo, enquanto sobre povos indígenas do Censo Demográfico, o que não
permite uma comparação definitiva sobre o montante populacional desses dois grupos.

30
Parágrafo V - coordenar, acompanhar e monitorar a
implementação e a regulamentação da Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais - PNPCT e do Plano Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em
colaboração com os órgãos competentes por sua execução, e as
previsões orçamentárias para sua consecução;
Parágrafo IX - promover a ampliação e o aperfeiçoamento dos
mecanismos de participação e controle social por intermédio de
órgãos congêneres municipais, estaduais, distritais, regionais e
territoriais e outras instâncias de participação social;
Parágrafo XVI - estimular o diálogo com outros órgãos e esferas
da sociedade e a troca de experiências com os institutos de
pesquisa e com a sociedade civil de outros países que já iniciaram
processos de inclusão de povos e comunidades tradicionais em
suas pesquisas;
Parágrafo XVII - propor medidas para a implementação, o
acompanhamento e a avaliação de políticas relevantes para
o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades
tradicionais, respeitando sua autonomia, seus territórios, suas
formas de organização, seus modos de vida peculiares e seus
saberes e fazeres tradicionais e ancestrais. (BRASIL, 2016).

Esta proposta vai de encontro à criação do Sistema de Monitoramento das


Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SMPPIR) que reúne dados e indicadores
cartográficos, socioeconômicos, de provisão e acesso de serviços públicos das
políticas de igualdade social. Esta ferramenta tem como objetivos principais
aprimorar os canais de interação entre atores governamentais (das três esferas)
e não governamentais (gestores, beneficiários de políticas de igualdade racial,
integrantes as sociedade civil, pesquisadores) a partir de informações centralizadas,
confiáveis e atualizadas. O resultado é maior transparência dos processos, o que
potencialmente amplia a qualidade dos serviços prestados e garante maiores
oportunidades de participação social (SEPPIR, 2013c, 2016).
Com isso o Sistema consolida caminhos para a gestão da informação e integração
de dados em uma política de desenho transversal e intersetorial como o PBQ. Essa
prática fortalece a cultura organizacional de compartilhamento de informações,
ao mesmo tempo que confere maior organicidade à Política. Além disso, amplia as
possibilidades de controle social e estimula a produção de estudos sobre povos e
comunidades negras tradicionais.
Criado no âmbito do Programa Brasil Quilombola (PBQ), lançado em 12 de março
de 2004, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Fundação Ford

31
e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), implementa-se em 2013
o projeto de integração de dados e gestão da informação do PBQ no âmbito do
SMPPIR (SEPPIR, 2013b).
Este projeto converge as demandas dos movimentos sociais por transparência
na evolução dos quatro eixos estruturais do programa e dos gestores por
aprofundamento e ampliação dos subsídios para a implementação de políticas
públicas. O resultado desse esforço colaborativo é um arranjo institucional e
tecnológico inovador e exitoso.
Reconhecido com o prêmio de Inovação na Gestão Pública promovido pela Escola
Nacional de Administração Pública (ENAP), o projeto enfrenta desafios como a
pulverização de dados em diferentes instituições públicas - que possuem processos
e sistemas de monitoramento e gestão igualmente heterogêneos, capacidade
de manejo e armazenamento de grandes bases e ausência de normatização no
tratamento dos dados dentro da própria SEPPIR. Com isso elimita-se o acúmulo
de informações redundantes e a necessidade de retrabalhos de modo a garantir
a reprodutibilidade nos processos de identificação, catalogação, consolidação e
cruzamento de informações.

3.2.1. A arquitetura de informações do SMPPIR

O SMPPIR atualmente está formato por ferramentas que monitoram tanto


o Programa Brasil Quilombola quanto o Plano Juventude Viva6. Para isso, a
construção do Sistema está estruturado em duas vertentes principais: 1) captura
e centralização das bases de dados do Governo e 2) Visualização de informações. A
primeira cumpre com o objetivo de extrair, transformar e armazenar informações
sobre povos e comunidades tradicionais de forma centralizada e eficiente.
Já a segunda disponibiliza recursos de visualização de informações gráfica e
espacialmente, além de possibilitar agregação, filtros e sobreposição de diferentes
dados (Figura 1).

6  O Programa Juventude Viva é coordenado pela SEPPIR juntamente com a Secretaria Nacional
de Juventude e a Secretaria-Geral da Presidência da República. O Programa tem como objetivo
reduzir a vulnerabilidade dos jovens negros por meio de ações de prevenção. Estas se concen-
tram em quatro eixos: Fim da Cultura de Violência Inclusão; Emancipação e Garantia de Direitos;
Transformação de territórios e; Aperfeiçoamento institucional (PR, 2014).

32
Figura 1: Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola

Fonte: www.monitoramento.seppir.gov.br . Visualização: ago. 2017.

Para divulgar os dados padronizados e integrados, o projeto criou a plataforma


eletrônica denominada Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola,
que dividido nos quatro eixos principais do PBQ, apresenta de forma amigável
dados de fontes como: Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA),
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), Ministério da Saúde (MS), Ministério da
Educação (MEC), Ministério de Minas e Energia (MME), INCRA e FCP.
Além de sua plataforma on-line, os dados podem também ser manipulados com
mais liberdade e recursos por meio das soluções intranet: DataSEPPIR, Pesquisa
Quilombola, Serviço PBQ e ELTs (a serem acessados mediante demanda de senha
e usuário).
A plataforma DataSEPPIR constitui a principal ferramenta para o gestor, visto
que permite visualizar em detalhes e manejar de maneira interativa as informações
disponíveis. O produto dessa manipulação se apresenta em formas como tabelas
e gráficos, que podem ser exportados e salvos em formatos variados. Atualmente
as bases que compõem a ferramenta são: Cadastro Único, Censo Escolar, Sistema
de Informações de Mortalidade (SIM), Censo Demográfico, Relação Anual de
Informações Sociais (RAIS) e dados referentes a certificação e titulação de
comunidades quilombolas e aos serviços públicos instalados nas comunidades
(Figura 2).

33
Figura 2: Plataforma DataSEPPIR

Fonte:www.monitoramento.seppir.gov.br/analise. Visualização: ago. 2017.

Por sua vez, a Pesquisa Quilombola é uma ferramenta com a qual servidores da
SEPPIR, FCP, INCRA e MDSA alimentam informações sobre certificação e titulação
de Territórios Quilombolas, bem como sobre as comunidades que formam estes
territórios. Para isso, a fim de reduzir a redundância e inconsistência dos dados e
ampliar a possibilidade de cruzamento de informações entre diferentes fontes do
governo, cria-se um identificador único (ID_Quilombola).
O Serviço PBQ consiste em um diretório que agrega todas as políticas públicas
(Minha Casa, Minha Vida; Luz para Todos; Água para Todos, etc.) monitoradas pelo
PBQ. Com isso, o Serviço contribui para a evolução e padronização do conteúdo
das Políticas que circundam a temática quilombola, bem como dos produtos e
resultados das ações governamentais do Programa.
Finalmente a ferramenta ETLs (Extração, Transformação e Carga) são recursos
de programação que permitem converter de forma automática o formato de bases
de dados demandados pelos diferentes sistemas (SEPPIR, 2013c, 2016).

3.2.2. Avaliação geral dos indicadores e funcionalidades que


compõem os Paineis de Monitoramento PBQ

Atualmente a Sistema de Monitoramento tem sido aprimorado em uma


plataforma on-line ainda em construção (versão 2.0). O desenvolvimento dessa
ferramenta foi possível graças a um Termo de Execução Descentralizada firmado
com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um Documento de Projeto
(PRODOC) assinado com o PNUD que visam implementar novas funcionalidades,

34
informações estatísticas e geoespaciais à versão anterior. Além disso, estas parcerias
objetivam a qualificação das informações já incorporadas, divulgação e capacitação
dos diferentes públicos que se relacionam com a ferramenta (Figura 3).

Figura 3 : Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola Versão 2.0

Fonte: www.monitoramento.seppir.gov.br/seppir2.0/index.html . Visualização: ago. 2017.

Nessa conjuntura, devido ao seu estágio avançado de desenvolvimento, serão


consideradas tanto a versão 1.0 quanto a 2.0 como referências para a avaliação da
adequabilidade das informações e funcionalidades das plataformas.
Para isso, adotaram-se os critérios propostos pela cartilha de usabilidade
do governo federal (BRASIL, n.d) e por Villela (2003), quais sejam: conteúdo e
usabilidade7. Em cada um desses parâmetros foram selecionadas submedidas que
se adequam à proposta dos Painéis de Monitoramento do PBQ.

3.2.2.1. Conteúdo

O conteúdo da plataforma dos Painéis de Monitoramento do PBQ será avaliado


tendo como norte o objetivo proposto no primeiro plano da versão 2.0 do SMPPIR
que é “dar visibilidade às demandas sociais e à atuação do Estado, de maneira a
promover um melhor diálogo social e aprimorar a eficiência e eficácia das políticas
públicas”.
Esta análise está centrada no teor das propostas dos Planos Plurianuais, com
ênfase na edição 2012-2015. Este recorte foi adotado visto que o PPA 2016-2019
7  Dado o objetivo do Painel de Monitoramento do PBQ que é o de consulta a informações,
optou-se por não incluir a dimensão “funcionalidade” que seria mais adequada para avaliar a
plataforma de SEPPIR como um todo.

35
permite reduzidas conclusões diretas sobre as comunidades de quilombo (Produto
3). Contudo, deve-se considerar que mesmo no PPA 2012-2015 grande parte dos
objetivos, metas e iniciativas não dispõem de coletas e divulgação sistematizada
de dados, o que inviabiliza sua incorporação ao SMPPIR.
Conforme indica a Tabela 1, quinze programas do PPA 2012-2015 se relacionam
diretamente com a temática quilombola, estando eles presentes nos quatro eixos
dos painéis de monitoramento.

Tabela 1: Programas que envolvem ações voltadas para comunidades quilombolas identificados a
partir do PPA 2012-2015.

Programas que envolvem a questão quilombola no PPA 2012-2015 Órgão responsável


2012 - Agricultura Familiar MDA
2015 - Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde (SUS) MS
2019 - Bolsa Família MDS
2020 - Cidadania e Justiça MJ
Operações Oficiais de
2025 - Comunicações para o Desenvolvimento, a Inclusão e a Democracia
Crédito
2027 - Cultura: Preservação, Promoção e Acesso MinC

2029 - Desenvolvimento Regional, Territorial Sustentável e Economia Solidária MDA

2030 - Educação Básica MEC


2031 - Educação Profissional e Tecnológica MEC
2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial SEPPIR
2037 - Fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) MDS
2044 - Autonomia e Emancipação da Juventude PR
2062 - Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes SDH
2068 - Saneamento Básico MS
2069 - Segurança Alimentar e Nutricional MDS

Fonte: PPA 2012- 2015 (BRASIL, 2014).

Neste escopo, conforme destacado no Produto 3 e também identificado no


Acórdão 2771/2014 realizado pelo TCU (Anexo I):

Constatou-se também que os dados orçamentários não


estão disponibilizados para consulta pública no Sistema
de Monitoramento das Ações do PBQ gerenciado por essa
Secretaria. Nesse sistema, visualizam-se apenas dados relativos
aos indicadores de desempenho e metas físicas previstas nas
ações, específicas e de caráter universal, dos 4 (quatro) eixos
temáticos do programa, não sendo possível identificar os gastos
realizados no âmbito de cada ação do programa (TCU, 2014).

36
Conforme identificado em ambas as investigações, a falta de transparência
orçamentária acontece em parte devido o caráter transversal do PBQ, que desde
2004 encontra-se cada vez mais diluídos em diversos Programas, Objetivos
e Iniciativas. Soma-se a isso a dificuldade da gestão enfrentada pela própria
SEPPIR, que não dispõe de uma Subsecretaria de Planejamento, Orçamento
e Administração (SPOA) como os outros ministérios. Esta condição reduz a
transparência orçamentária dentro da própria Secretaria e se reflete na ausência
dessa informação nos Paineis de Monitoramento do PBQ. Com relação a esta
situação a representante da SEPPIR esclarece:

Todos os outros ministérios têm vinculado à Secretaria executiva


o que a gente chama de SPOA, que é uma secretaria que lida
com o dinheiro. Tanto a SEPPIR quanto a SDH não tinham essa
secretaria vinculada à secretaria executiva. Por que isso era
problemático? Por que o secretário executivo ele basicamente
era uma peça de ficção [...]. Ele tinha que influenciar na escolha
do Ministério, uma vez que você tinha uma secretária, ele tinha
que influenciar a secretaria para ela aceitar fazer o que ele estava
propondo. Essa história mostra que havia e ainda permanece
um descolamento muito grande entre o que é o tratamento
orçamentário da política e o tratamento da política que a gente
faz aqui, mais técnico. E há um desconhecimento dos dois lados.
Tanto a gente não sabe, quanto eles. Hoje se você me perguntar
quantos por cento a gente já utilizou do orçamento, nem a
Secretaria sabe dizer, porque essa informação mais atualizada
a gente não sabe (Produto 3).

Este cenário é sintomático da ausência de padronização de procedimentos no


planejamento, estabelecimento de metas, acompanhamento e monitoramento das
ações da agenda quilombola, o que limita a oportunidade de participação social
(TCU, 2012 e Produto 3).
No que concerne ao conteúdo do Eixo 1 - Acesso à Terra, observa-se que
as informações reunidas e divulgadas pela FCP e INCRA são apresentadas de
forma clara e acessível. Nota-se que, sobretudo a versão 2.0 disponibiliza dados
atualizados (até 2016) e geolocalizados (comunidades, territórios, UF), o que
amplia a possibilidade de estudos detalhados sobre as diferentes modalidades de
reconhecimento territoriais dos povos e comunidades tradicionais.
Contudo, apesar dos avanços, considera-se que além de dados tabulares é
fundamental o compartilhamento de informações sobre localização, limites, área,
etc. de comunidades e territórios quilombolas em formatos vetoriais como shapefile

37
e klm e em formato matricial tais como TIFF/GeoTIFF, GIF, PNG, ERDAS e JPEG.
Estas informações devem ser preferencialmente apresentadas e compartilhadas
em relação a outras tais como malha municipal e estadual, infraestruturas públicas,
limites de Terras Indígenas, Unidades de Conservação (como prevê em parte a
versão 2.0 do Painel de Monitoramento do PBQ).
Recomenda-se ainda que a plataforma compartilhe informações já sistematizadas
de fontes como Comissão Pastoral da Terra que especifica pessoas e comunidades
quilombolas como grupos vítimas de assassinatos, violência, ameaças de morte,
entre outros conflitos ligados à terra.
No PPA 2012-2015, o Eixo 2 – Infraestrutura e Qualidade de Vida do PBQ está
diretamente vinculado aos seguintes programas: PROGRAMA: 2068 - Saneamento
Básico, PROGRAMA: 2069 - Segurança Alimentar e Nutricional e de forma geral ao
PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial.
Já no PROGRAMA: 2049 - Moradia Digna, PROGRAMA: 2033 - Energia Elétrica,
PROGRAMA: 2066 - Reforma Agrária e Ordenamento da Estrutura Fundiária,
benefícios como energia elétrica, água e habitação digna apresentam-se inseridos
em políticas universais.
Esses dados estão traduzidos no Painel de Monitoramento em informações
do CadÚnico (MDSA), quais sejam: número de famílias quilombolas por UF e por
situação de domicílio; proporção de domicílios quilombolas com energia elétrica,
tarifa social de energia e coleta de lixo; além da proporção de domicílios por
tipo de abastecimento de água e escoamento sanitário (2016). Observa-se que
estas informações foram selecionadas para compor o painel em detrimento de
outras como “material predominante na construção do domicílio” e “existência de
banheiros ou sanitários” também disponíveis no CadÚnico. Este fato evidencia
que as informações transparentes no Painel do PBQ passaram por uma seleção de
seu conteúdo, cujos critérios não estão claros.
Além disso, a v 2.0 apresenta informações da Caixa Econômica Federal de
unidades do Programa Minha Casa, Minha Vida contratadas (2012 e 2013),
proporção de ligações do Programa Luz para Todos por região (2015) (MME) e
recursos de saneamento rural contratados (2009 - 2013) (FUNASA). Nota-se que o
descompasso entre as temporalidades disponíveis dificulta estudos longitudinais,
além de nem sempre estarem atualizados.
Ainda no âmbito do PPA 2012-2015, o Eixo 3 – Desenvolvimento Local e
Inclusão Produtiva do PBQ está inserido nos seguintes programas: PROGRAMA:
2012 - Agricultura Familiar, PROGRAMA: 2069 - Segurança Alimentar e Nutricional
e PROGRAMA: 2029 - Desenvolvimento Regional, Territorial Sustentável e Economia

38
Solidária e de forma geral no PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e
Promoção da Igualdade Racial. Além disso, o PROGRAMA: 2049 - Moradia Digna
dispõe de informações como presença de cisterna que podem incluir quilombolas
em políticas universais.
Esta seção exibe as seguintes informações do CadÚnico: renda média das
Famílias Quilombolas por UF e total per capita; número e proporção de famílias
por faixa de renda; proporção de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família
e proporção de trabalhadores dedicados ao extrativismo (2016). Com isso,
confirma-se mais uma vez uma seleção previa dos dados a serem apresentados na
plataforma, visto que, por exemplo, outras ocupações não estão disponíveis.
Este Eixo representa também informações do MDA, a saber: declaração de
aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)
(2003-2013), número de famílias que vendem ao Programa de Aquisição de
Alimentos (2012-2013), proporção de famílias atendidas e valor investido por
região no Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (data não especificada).
Para além dos dados já apresentados, recomenda-se a inclusão no Painel
do PBQ, bem como em suas outras plataformas (DataSEPPIR, Serviço PBQ,
Pesquisa Quilombola e ELT) de informações investigação institucional e de
registro administrativo da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC)
e Estaduais (ESTADIC). Estas pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) dispõem de informações sistematizadas sobre
ações e estrutura administrativa dos governos municipais e estaduais nas áreas de
Segurança Alimentar e Nutricional (questionário básico 2014) e Inclusão Produtiva
(questionário suplementar 2014 ) (Produto 2).
O Eixo 4 – Direito e Cidadania está presente em grande parte dos programas
do PPA 2012-2015 que tem como público alvo as populações quilombolas, quais
sejam: PROGRAMA: 2012 - Agricultura Familiar, PROGRAMA 2015 - Aperfeiçoamento
do Sistema Único de Saúde (SUS), PROGRAMA: 2019 - Bolsa Família, PROGRAMA
2020 - Cidadania e Justiça, PROGRAMA 2030 - Educação Básica, PROGRAMA 2031
- Educação Profissional e Tecnológica, PROGRAMA 2037 - Fortalecimento do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), PROGRAMA 2044 - Autonomia e Emancipação da
Juventude, PROGRAMA 2062 - Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes,
além do PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade
Racial.
Esta seção apresenta dados do CadÚnico - Famílias que recebem Bolsa Família
por UF e total, população quilombola por escolaridade e faixa etária em 2016 -
;Censo Escolar/ INEP – número de escolas quilombolas (2012-2015), proporção

39
com energia elétrica e abastecimento de água ligado pela rede pública, acesso à
internet e material específico para quilombola (2014) - ; DataSUS – número de
equipes de saúde da família atuando em territórios quilombolas (2008 a 2013) e
número de médicos do Programa Mais Médicos atendendo populações quilombolas
(2013) e finalmente; Ministério da Educação – estudantes quilombolas beneficiados
com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) entre 2009 e 2013.
Neste Eixo constata-se mais uma vez a decalagem temporal dos dados, bem
como sua não atualização em alguns casos. Além disso, repete-se a prática de
seleção de informações a serem apresentadas, mesmo quando estas estão
disponíveis nas bases de dados de referência, tais como “presença de laboratórios
de ciências e informática” em escolas quilombolas.
Como conteúdo complementar, assim como no Eixo 3 recomenda-se a inclusão de
informações de investigação institucional e de registro administrativo da Pesquisa
de Informações Básicas Municipais (MUNIC) e Estaduais (ESTADIC). Estas bases
de dados incluem informações sistematizadas de temas nos níveis municipais e
estaduais tais como: identificação de povos e comunidades quilombolas entre
os grupos assistidos pelos serviços socioassistenciais, presença de órgão gestor de
direitos humanos que execute ações em grupos específicos, entre outros (para
mais detalhes, ler Produto 2).
Além disso, acredita-se que esta seção poderia incluir estatísticas do próprio
Ministério dos Direitos e SEPPIR, tais como chamadas do Disc 100 e Ouvidoria
Nacional de Igualdade Racial. Presume-se que a divulgação dessa informação
estimularia tanto a prática de denuncias que envolvam violações de direitos contra
povos e comunidades negras tradicionais quanto novos níveis de compreensão
sobre os elementos imbricados nessas denúncias.
Por fim, no âmbito geral defende-se que o Painel de Monitoramento PBQ
incorpore seções como Biblioteca de Fotos, Vídeos, assim como bases de dados
de pesquisas quantitativas e qualitativas que, entre outras origens, possam ser
alimentadas pelas próprias populações quilombolas.
A partir dessas considerações sobre o conteúdo do Painel do PBQ é possível
identificar as seguintes fragilidades:

• Muitas informações são apresentadas de forma estática no tempo, além


de nem sempre estarem atualizadas, o que dificulta a prática de estudos
longitudinais do conteúdo da plataforma;
• Limitação quanto ao conteúdo disponível, visto que muitas das pesquisas
apresentam informações (e mesmo recortes) adicionais que não estão
disponíveis na plataforma;

40
• Pequenos erros de digitação foram observados no texto dos Paineis.

Deve-se considerar que estas conclusões e considerações são extraídas a partir


das versões do Painel PBQ 1.0 e 2.0, que ainda estão em fase desenvolvimento.
Algumas inconsistências como a não concordância entre as datas dos gráficos e
mapas com a descrição das variáveis, bem como no próprio conteúdo das descrições
e pequenos erros de digitação são possivelmente atribuíveis a este fato.

3.2.2.2. Usabilidade

A usabilidade segundo Brasil (n.d.) e Villela (2003) refere-se à facilidade de uso


de uma determinada ferramenta. No presente contexto, esta propriedade deve
assegurar que qualquer pessoa consiga utilizar os Painéis de Monitoramento do
PBQ internet e que estes funcionem de forma esperada e constante.
Neste sentido, considerando que a plataforma ainda está em desenvolvimento
é possível recomendar a inclusão de ferramentas que facilitem a navegação, tais
como mapas do site, indicadores de novas informações disponíveis, ferramentas
de busca, etc. Além disso, recomenda-se a criação de um canal de comunicação
entre os usuários e um interlocutor competente (telefone e email), que possa
esclarecer dúvidas e fornecer sugestões tanto sobre o conteúdo, quanto sobre
suas ferramentas. Estes suportes podem ser complementados com seções de
ajuda e Perguntas Frequentes (FAQ).
Caso necessário, deve-se indicar ainda a existência de um ou mais browsers
preferenciais para a plena visualização e consulta dos dados. Além disso, deve-
se garantir que todos os recursos do portal possam ser acessados por mídias
variadas, tais como computadores, celulares e palm-tops. Por fim, recomenda-se
que a plataforma incorpore mecanismos especiais para pessoas portadoras de
deficiências.
A partir dessas considerações, sobre a usabilidade do Painel do PBQ é possível
identificar as seguintes fragilidades gerais:

• Em alguns casos a distribuição das informações não é intuitiva. Por


exemplo: número total de famílias inscritas no CadÚnico está inserido no
Eixo 2, enquanto sua divisão por Faixa Etária encontra-se no Eixo 3;
• Ausência de ferramentas de interação e participação social em caso de
dúvida, sugestões e colaboração;
• Ausência de mecanismos facilitados de pesquisa, tais como mecanismos
de busca e mapas do site.

41
4. Recomendações e considerações

Os Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola representam um


significativo avanço no sentido de permitir uma melhor gestão do Programa entre
as diferentes instituições comprometidas com o seu sucesso. Além disso, a partir
da integração e disponibilização de informações, reforça o compromisso com a
transparência e com a busca de estratégias para o aprimoramento das políticas
públicas voltadas à comunidades quilombolas no Brasil.
Neste contexto, assentado na revisão crítica das origens, trajetórias e conceitos
que giram em torno das populações quilombolas, do este trabalho somou esforços
no sentido de aprimorar tanto o conteúdo quanto as funcionalidades presentes
nessa plataforma, que entre as recomendações é possível destacar:
Conteúdo

• A incorporação do formato do DataSEPPIR (ou seja, de um formato aberto)


aos Painéis de Monitoramento do PBQ, o que conferirá mais transparência
e versatilidade nas consultas, tanto no que se refere ao seu conteúdo,
quanto escalas espaciais e temporais;
• Manutenção do fluxo atualizado das bases de dados, tendo por princípio a
goespacialização das informações;
• Fortalecimento da institucionalização interna e externa por meio da
Assinatura de Cooperação Técnica com órgãos participantes ou não do
Comitê Gestor do PBQ tais como: IBGE, MEC, INCRA e FCP;
• Fortalecimento das trocas de informações e estudos com as universidades,
sociedade civil e em especial com as próprias comunidades quilombolas;
• Incorporação de informações sobre o orçamento destinado e
efetivamente gasto no âmbito do PBQ presentes em fontes como Sistema
da Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) e Sistema de
Informações Gerenciais Avançadas (Siga Brasil) (Para maiores detalhes, ler
Produto 3);
• Compartilhamento via download de informações cartográficas sobre
características das comunidades e territórios quilombolas em formatos
vetoriais (tais como shapefile e klm) ou matricial (como TIFF/GeoTIFF, GIF,
PNG, ERDAS e JPEG);
• Disponibilização via download de informações cartográficas adicionais
tais como malha municipal e estadual, infraestruturas públicas, limites das
Terras Indígenas e Unidades de Conservação que permitam a apreensão

42
do contexto em que estão inseridas as comunidades quilombolas no Brasil
(como prevê em parte a versão 2.0 do Painel de Monitoramento do PBQ);
• Disponibilização via download de informações tabulares com o ID de
referência na escala mais detalhada possível, a fim de facilitar a integração
de dados de forma geolocalizada;
• Compartilhamento e fortalecimento de informações já sistematizadas de
fontes como Comissão Pastoral da Terra;
• Inclusão de bases de dados do IBGE, com destaque para a MUNIC e
ESTADIC;
• Inserção de potenciais informações do próprio Ministério dos Direitos e
SEPPIR, tais como chamadas do Disc 100 e Ouvidoria Nacional de Igualdade
Racial relacionadas à denuncias que envolvam povos e comunidades
tradicionais;
• Inclusão de Bibliotecas de Fotos, Vídeos e bases de dados de pesquisas
quantitativas e qualitativas que, entre outras fontes, possam ser alimentadas
pelas próprias populações quilombolas;
• Implementação de estratégias de mídia por meio da produção de vídeos e
materiais didáticos;
• Criação de ferramentas para a emissão de relatórios de dados.

Usabilidade

• Inclusão de links que remetam à origem da informação apresentada (quando


disponível);
• Revisão da divisão do conteúdo da plataforma;
• Inserção de um canal de comunicação (telefone e email) no próprio Painel
que disponha um interlocutor capacitado para orientar o usuário em caso
de dúvida ou sugestões quanto ao conteúdo e ferramentas do portal;
• Incorporação de recursos que possam facilitar a navegação, tais como
mapas do site, indicadores de novas informações disponíveis, ferramentas
de busca, etc;
• Inclusão de recursos como seção de ajuda e perguntas frequentes (FAQ);
• Formação dos gestores, populações quilombolas e demais públicos
relacionados à temática por meio de cursos presenciais, apostilas ou vídeos;
• Caso haja, indicação de browsers preferenciais para a plena consulta no
site;
• Garantia de que todo o conteúdo e ferramentas estão disponíveis também
em mídias tais como celulares e palmtops;

43
• Segundo o princípio da diversidade, incorporação de recursos especiais
para pessoas portadoras de deficiências.

Com isso, parte-se do pressuposto de que este movimento desanima os


inúmeros interesses contrários à manutenção e progresso das políticas destinadas
à populações quilombolas no Brasil, visto que corrobora com a sinalização de
horizontes límpidos para a ampliação de direitos e manutenção de conquistas.

44
Referências Bibliográficas

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libertemos das definições arqueológicas. In: Leitão, S.(Org.). Direitos territoriais das
comunidades negras rurais. São Paulo, Doc. ISA n°05, 1999.
. Os Quilombos e as Novas Etnias. In: O’DWYER, Eliane C. Quilombos:
Identidade Étnica e Territorialidade. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002.
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Anexos
1. Acórdão 2771/2014 TCU

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de relatório de auditoria de natureza


operacional no Programa Brasil Quilombola – PBQ.
ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão
do Plenário, ante as razões expostas pelo relator e com fundamento no inciso III
do art. 250 do Regimento Interno do Tribunal, em:
9.1. recomendar à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República – Seppir/PR que:
9.1.1. publique os dados relativos à execução orçamentária de todas as ações,
específicas e de caráter universal, no âmbito da Agenda Social Quilombola – ASQ
no Sistema de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola – PBQ;
9.1.2. elabore e divulgue relação das ações orçamentárias, previstas no PPA
2012-2015, que beneficiem comunidades quilombolas, de modo a contribuir
para melhoria da transparência, do acesso e controle social da Agenda Social
Quilombola – ASQ;
9.2. recomendar aos órgãos integrantes do Comitê Gestor da Agenda Social
Quilombola – ASQ que:
9.2.1. estabeleçam mecanismos que assegurem apresentação dos dados
orçamentários e financeiros pelos órgãos executores para todas as ações,
específicas e de caráter universal, da agenda quilombola;
9.2.2. adotem mecanismos e instrumentos institucionalizados de coordenação,
com vistas a formulação, implementação e monitoramento da Agenda Social
Quilombola – ASQ, que possibilitem a atuação conjunta das partes interessadas
no desenvolvimento das ações integrantes dessa política pública transversal;
9.3. determinar à Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado
– SecexAdministração que monitore o cumprimento das recomendações dos
subitens 9.1 e 9.2 acima;
9.4. encaminhar cópia deste acórdão, bem como do relatório e do voto que
o fundamentaram, à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos
Deputados (CDHM), à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República – Seppir/PR e aos órgãos integrantes do Comitê Gestor
da Agenda Social Quilombola – ASQ; e
9.5. arquivar os autos.

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