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e propostas de monitoramento de
políticas
Ministro de Estado dos Direitos Humanos
Gustavo do Vale Rocha
Secretário Executivo
Engels Augusto Muniz
Secretário Executivo Adjunto
Marcelo Dias Varella
Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial:
Juvenal Araújo Júnior
Secretário Adjunto de Políticas de Promoção da Igualdade Racial:
Marcelo Silva Oliveira Gonçalves
Consultora responsável pelo conteúdo
Juliana Mota de Siqueira
RESUMO.............................................................................................................................................. 6
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10
4. RECOMENDAÇÕES E CONSIDERAÇÕES........................................................................... 42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 45
SITES VISITADOS.............................................................................................................. 49
ANEXOS.............................................................................................................................. 50
4
Quilombos e Quilombolas: indicadores e
propostas de monitoramento de políticas
Resumo
6
Lista de abreviaturas e siglas
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IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística
ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
INCRA Instituto Nacional De Colonização e Reforma Agrária
INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA Lei Orçamentária Anual
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério da Saúde
MC Ministério das Comunicações
MCidades Ministério das Cidades
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MDSA Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
MEC Ministério da Educação
MI Ministério da Integração Nacional
MinC Ministério da Cultura
MJ Ministério da Justiça
MME Ministério de Minas e Energia
MP Medida Provisória
MPF Ministério Público Federal
MPU Ministério Público Federal
MS Ministério da Saúde
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
MUNIC Pesquisa de Informações Básicas Municipais
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial De Saúde
ONG Organização Não-Governamental
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PAR Programa de Ações Articuladas
PBF Programa Bolsa Família
PBQ Programa Brasil Quilombola
PDA Personal Digital Assistant
PENSE Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
PIA População em Idade Ativa
PIB Produto Interno Bruto
PIR Política de Igualdade Racial
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PME Pesquisa Mensal de Emprego
PNAD Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNBE Plano Nacional de Bibliotecas Escolares Temáticos
PNE Plano Nacional de Educação
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
PNPCT
e Comunidades Tradicionais
PNS Pesquisa Nacional de Saúde
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PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POF Pesquisa de Orçamentos Familiares
PPA Plano Plurianual
PPIGRE Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia
PR Casa Civil da Presidência da República
PRODOC Documento de Projeto
PT Partido dos Trabalhadores
RAIS Relação Anual de Informações Sociais
RD Razão de Dependência
RIDE Região Integrada de Desenvolvimento
RTID Relatório Técnico de Identificação e Delimitação
SDH Subsecretaria de Direitos Humanos
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SELOR Sistema Receita Federal e do Sistema de Elaboração Orçamentária
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SIAFI Sistema de Administração Financeira do Governo Federal
SIASG Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais
SICONV Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal
SIDRA Sistema IBGE de Recuperação Automática
SIEST Sistema de Informações das Empresas Estatais
SIGPLAN Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento
SIM Sistema de Informações de Mortalidade
SIOP Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento
SIPD Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares
SMPPIR Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SM Salário Mínimo
SPOA Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração
STF Supremo Tribunal Federal
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
TCU Tribunal de Contas da União
TI Terra Indígena
UFPR Universidade Federal do Paraná
UNCME Conselhos Municipais de Educação
UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UPAS Unidades Primárias de Amostragem
Inquérito Telefônico de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção
VIGITEL
para Doenças Crônicas
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1. Introdução
Somente após cem anos da abolição da escravatura os povos e comunidades qui-
lombolas conquistam, por meio da Constituição de 1988, o status de grupo forma-
dor da sociedade brasileira. Em seu Artigo 68, o texto da constituinte evoca pela
primeira vez não apenas uma “identidade histórica”, mas a expansão das políticas
de reconhecimento, defesa e reparação de prejuízos gerados com os processos de
escravidão e abolição longe de serem completados.
Desde então, entre avanços e retrocessos, o Estado tem jogado por vezes do lado
da solução e por outras do lado do problema. Atuando com frequência em defesa
da permanência de privilégios das elites econômicas, políticas e também culturais,
uma parcela do poder público passa a responder à abertura democrática e pressão
dos movimentos sociais por ações afirmativas de caráter integrador. Nesse con-
texto, ideais como inclusão, diversidade e diferença assumem posição de crescen-
te destaque no vocabulário das políticas públicas.
A partir dessa lógica, assentado em uma revisão crítica sobre as origens e trajetó-
rias da questão quilombola no Brasil, bem como na arquitetura do Programa Brasil
10
Quilombola refletida nos Planos Plurianuais, este trabalho propõe uma avaliação
de possibilidades presentes e futuras dos painéis de monitoramento do PBQ. Nes-
te processo são considerados aspectos como conteúdo, usabilidade e funcionali-
dade da plataforma, centrado na proposta de geoespacialização da informação.
Para isso, parte-se do pressuposto de que este movimento desanima os inúmeros
interesses contrários à manutenção e progresso do Programa, visto que corrobora
com a sinalização de horizontes límpidos para a ampliação de direitos do grupo em
questão.
11
2. Quilombos e quilombolas:
considerações sobre suas origens e
trajetórias
12
Cerca de 60 anos após a instituição do regime republicano, sobretudo
entre os anos 1950 e 1960, os discursos sociais e políticos apropriam-se da
questão quilombola para torná-la símbolo de resistência cultural, reprodução e
ressignificação do modo de vida africano. Esta perspectiva, que se destaca na obra
de autores como Ramos (1953), Carneiro (1958) e Batisde (1973), apoiada em uma
abordagem antropológica, tenta explicar os processos de continuidade, ruptura
e transformação de práticas culturais de afro-brasileiros em relação ao contexto
africano, ou seja, identificar a “África em nós”. (ARRUTI, 2008).
Um segundo aspecto simbólico assumido pelo quilombo, segundo Arruti (2008),
é o de resistência política e modelo de pensamento das relações de classes sociais
e hierarquias existentes no Brasil. Esta proposta, que se fortalece a partir de 1950,
segundo Lopes, Siqueira e Nascimento (1987), assume duas vertentes principais:
por um lado fundamenta-se nos ideais de igualdade e liberdade da Revolução
Francesa, posição política em que o quilombo é romantizado e idealizado, e por
outro, em concepções marxistas-leninistas, que associam o movimento a posturas
revolucionárias e de luta armada (LEITE, 2000).
Já na década de 1970, o quilombo é tomado como imagem da reivindicação pela
redemocratização do país e Zumbi e os quilombolas de Palmares, uma metáfora
de enfrentamento contra a ditadura (FIABANI, 2008). Ao mesmo tempo, cresce
a significação do quilombo como ícone da resistência negra e ideal aglutinador da
militância do movimento no Brasil (ARRUTI, 2008). No ano 1978, em concomitância
com a inauguração do “Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação
Racial” em São Paulo, propõe-se a criação do Dia Nacional da Consciência Negra,
tendo como referência central o assassinato de Zumbi dos Palmares. Apoiado no
mesmo princípio, 13 de maio assume o simbolismo de Dia Nacional de Denúncia
contra o Racismo, ao mesmo tempo que nega a abolição como um acontecimento
de emancipação dos negros.
O ano de 1988, significativo por coincidir com o Centenário da Abolição,
estimula tanto a participação política do movimento negro (nesse período já
organizado em praticamente todo o país), quanto a multiplicação de estudos
acadêmicos relacionados à escravidão. Além disso, após o período de repressão
política, a população em geral vê-se engajada no ideal de cidadania e projeta na
Constituinte um importante instrumento de construção de um Estado de direito.
Estas oportunidades são aproveitadas pelos movimentos de combate ao racismo,
que nesse momento esforçam-se por evidenciar a hierarquia racial incrustada na
sociedade brasileira e fortalecer os ideais da militância (FIABANI, 2008).
Foi também nesse momento que se sepultou o princípio da democracia racial,
que aliado ao discurso do Estado de elogio à mestiçagem, afirmava não haver um
13
“problema racial” no Brasil, mas sim uma segregação social a ser superada. Em
contraposição a esta ideia, autores como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e
Fernando Henrique Cardoso evidenciaram a reprodução da desqualificação social
dos negros como competidores, traduzida na forma de preconceito e discriminação.
É nesse contexto que se posiciona a formulação do artigo 68 da Constituição
Federal de 1988 (ADCT/ CF-1988), que é representativo por estabelecer um limite
temporal introdutório na intencionalidade de uma nova forma de relação entre
o Estado brasileiro e as comunidades quilombolas do presente. Esta legislação,
apesar de encontrar pouco consenso em sua formulação e dos inúmeros impasses
conceituais que evidencia e provoca, anuncia a disposição de reparação de
prejuízos gerados com o processo de escravidão e por uma abolição que não veio
acompanhada de medidas de inclusão e acesso a direitos. O texto aprovado pela
Constituinte versa:
14
organiza politicamente na busca de equilíbrio do binômio memória-direito.
Além disso, o artigo 68 representa uma importância singular para as comunidades
quilombolas, pois a despeito da forte pressão exercida pelas elites econômicas
nacionais, cem anos após a abolição da escravidão, se estabelece como o “único
instrumento legal [...] que se refere a direitos sobre a terra por parte de ex-escravos
e seus descendentes” (ALMEIDA, 1999, p. 11).
A primeira Lei de Terras lavrada no Brasil em 1850, além de coibir a posse e
instituir a aquisição legal pela via da compra, garante a exclusão definitiva dos
africanos e seus descendentes do acesso à terra ao enquadra-los na categoria
de “libertos” 1. Com isso, as oligarquias brasileiras asseguram a consistência e
perpetuação do tripé latifúndio/escravismo/monocultura e transformam o direito
elementar ao espaço de vida em um ato de luta, guerra e resistência ao caráter
excludente com que a questão agrária sempre foi tratada no Brasil (LEITE, 2000;
CARVALHO e LIMA, 2013).
Esta problemática ganha evidência com a denúncia de que até 1985 tudo o
que pudesse ser registrado na área rural deveria enquadrar-se nas categorias
“estabelecimento” (unidade básica de exploração empregada pelo Censo
Agropecuário do IBGE) ou “imóvel rural” (categoria cadastral baseado na ideia de
propriedade e com finalidade tributária adotada pelo INCRA). Em contato direto
com uma grande diversidade de situações, os movimentos camponeses denunciam
que as categorias tradicionalmente utilizadas para pensar as estruturas agrárias
não são suficientes para a identificação de ocupações diferenciadas, em que
pese o caso dos quilombolas, indígenas, babaçueiros, caiçaras, seringueiros, entre
outras formas comunitárias até então ignoradas pelo sistema fundiário brasileiro.
Com relação a esta diversidade, Almeida (2002, p. 45) esclarece:
1 Segundo Leite (2000), isso acontecia mesmo quando a terra era comprada ou herdada de
antigos senhores através de testamentos lavrados em cartório.
15
deputados da dimensão da temática quilombola2, culminam na aprovação do art.
68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (FIABANI, 2008).
Esta conquista política do campesinato negro foi também possível graças ao fato
de que os estudos e articulações políticas do movimento de pequenos produtores
rurais aconteciam justamente em áreas caracterizadas pela forte presença de
população negra. Desse modo, inaugurando uma pauta na organização do movimento
afrodescendente no país, que até então concentrava seus esforços no combate ao
racismo de contexto urbano, acontece em 1985 a primeira articulação camponesa
negra no Estado do Pará, nomeada “Encontros de Raízes Negras”. Mais adiante, em
1987, o “I Encontro das Comunidades Negras do Maranhão” funciona como motor
de novas organizações políticas estaduais e microrregionais (ARRUTI, 2008).
Amparados pela aprovação da Constituição de 1988, ratificada mesmo (ou talvez
justamente) sem um debate constitucional relativo à estrutura fundiária nacional,
consolida-se a aliança entre o campesinato negro e a militância pela Reforma
Agrária, que visualiza nessa legislação uma estratégia de consecução de suas
demandas. Segundo Arruti (2008, p. 323), o artigo 68 “aparecia como instrumento
que poderia fazer o ordenamento jurídico nacional reconhecer a legitimidade das
modalidades de uso comum da terra”, em um contexto de forte resistência das elites
econômicas nacionais. Esta conciliação política consolida também a perdurável
associação entre as questões quilombolas e fundiárias, ainda hoje centrais nas
bases teórica e jurídica do movimento.
No campo teórico, como tentativa de acompanhar essas constantes
transformações e de encontrar um eixo de identificação unívoco, mas que
respeitasse a diversidade de acesso à terra pelo campesinato negro, culminou-
se na formulação sociológica terra de uso comum. Este conceito que permite a
generalização de conformações sociais como Terras de Santos, Terras de Preto, Terras
de Parentes, Terras de Irmandade, Terra de Herança e Terra de Índio potencializa a
visibilidade e entendimento político tanto dentro do movimento campesino negro,
quanto de sua articulação com outras esferas político-organizacionais (ARRUTI,
2008; LEITE, 2000).
A partir dessa grande conquista, sob a forma de um movimento de resistência
às elites econômicas políticas, sociais e também culturais, os quilombolas se
reafirmam com crescente potência no cenário sócio-político nacional, localizados
com frequência “em algum lugar entre trabalhadores sem terra, os indígenas, as favelas
e os universitários cotistas” (ARRUTI, 2010, p. 10).
2 Leite (2002) e Arruti (1997) defendem que imperava um desconhecimento sobre a questão
por parte dos parlamentares, que pensavam tratar-se somente de casos pontuais, como o do
Quilombo de Palmares.
16
2.2. A questão quilombola, o Estado e as políticas públicas no
cenário recente
17
Com isso, baseado na ideia de “grupos étnicos” proposta por Barth (1969) e na
evidenciação de alguns traços distintivos da territorialidade - como o predomínio
de uso comum baseado em relações de solidariedade e reciprocidade e respeito
à sazonalidade das atividades -, a ABA expõe a necessidade de representar a
variedade de experiências dos agentes sociais que vivem as situações denominadas
quilombo.
No mesmo ano, no âmbito do “IV Encontro de Comunidades Negras Rurais do
Maranhão”, apoiadas no tripé Sindicatos de Trabalhadores Rurais/ Organizações
Não Governamentais ligadas ao movimento camponês e indígena/ Pastorais da
Igreja Católica, amplia-se a rede nacional de comunidades, até então concentrada
nos estados do Maranhão e Pará. Orientados pelo tema “Os quilombos
contemporâneos e a luta pela cidadania”, realizou-se um amplo debate sobre a
necessidade de reduzir incertezas, estabelecer rotinas jurídicas, além de avançar
na regulamentação de áreas de quilombos já reconhecidas pelo artigo 68 (ARRUTI,
2008; FIABIANI, 2008).
Em 1995, ano do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, foi mais uma
vez emblemático e mobilizador de militâncias sociais, poder público e finalmente
da mídia nacional. Neste ano, realiza-se a “Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o
Racismo, pela Cidadania e a Vida”, que reúne cerca de 30 mil pessoas de todas as
regiões do país no alerta sobre a perpetuação do racismo no Brasil e a exigência
de medidas de promoção da igualdade racial. Além disso, nesse ano acontece
o primeiro encontro da “Articulação Nacional Provisória das Comunidades
Remanescentes de Quilombos” (ANCRQ), que elabora um documento listando as
50 comunidades demandantes de reconhecimento (ARRUTI, 2008).
Em 27 de abril de 1995 a senadora Benedita da Silva encaminha o Projeto de Lei
nº 129/95 que “regulamenta o procedimento de titulação de propriedade imobiliário
aos remanescentes das comunidades dos quilombos” (BRASIL, 1995). A senadora do
PT do Rio de Janeiro, membro do movimento negro urbano, indica o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) “como instituição responsável
pela discriminação e demarcação dessas terras” (SILVA, 1996, p. 31). Além disso, Silva
defende que é preciso “evitar que terceiros, aproveitadores e oportunistas viessem a
se beneficiar do direito constitucionalmente assegurado” e, segundo Arruti (2008),
menciona até mesmo a possibilidade de serem realizados exames de sangue.
Em consulta à ABA feita pela senadora, o antropólogo João Pacheco de Oliveira,
entre outras críticas, discorda da proposição de critérios baseados em aspectos
biológicos e raciais. Além disso, propõe o Ministério da Cultura como condutor
do processo “uma vez que, se trata de assunto que em última instância, interessa ao
seu mandato de preservação do patrimônio cultural brasileiro em um de seus aspectos
18
mais salientes, o da diversidade étnica e cultural” (OLIVEIRA, 1996, p. 85).
Em 13 de junho de 1995, o deputado Alcides Modesto, ex-padre católico ligado
à militância da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e advogado da comunidade de
Rio das Rãs, juntamente com outros parlamentares, propõem um novo modelo
de regulamentação do artigo 68. Baseado em ideais de proteção à cultura
e ao património cultural brasileiro e a partir de uma leitura ressemantizada da
experiência quilombola, Modesto (1996, p. 30) defende que “os procedimentos
de reconhecimento das comunidades e delimitação das terras deve ser realizado em
conjunto pelo Órgão Fundiário e pela Fundação Cultural Palmares (FCP)” (ARRUTI,
2008).
Mesmo em meio a estes impasses políticos, a despeito das discordâncias, decide-
se no seminário público realizado na Câmara dos Deputados pela unificação das
proposições, restando estabelecer entre o INCRA e a FCP a responsabilidade pela
titulação das terras.
Em dezembro de 1996, por meio de um decreto presidencial, o Governo
Fernando Henrique Cardoso cria o Grupo de Trabalho Interministerial, que
integra os Ministérios da Cultura, Justiça, Meio Ambiente e Recursos Naturais
e da Amazônia Legal, INCRA, FCP e Instituto de Patrimônio Histórico Nacional
(IPHAN). No ano 2000, sob forte pressão das lideranças das comunidades e do
movimento negro, o governo emite uma Medida Provisória (MP) que define a
FCP como executora exclusiva dos trabalhos de reconhecimento e titulação dos
territórios quilombolas (ARRUTI, 2008; FIABANI, 2008).
Em 2001, esta MP é transformada no Decreto Presidencial n. 3.912/01, que
estabelece entraves como o prazo máximo de um ano para o encaminhamento
de demandas por regularização fundiária quilombola e comprovação histórica
de no mínimo cem anos de posse pacífica da terra (BRASIL, 2001). Além disso,
acrescentavam-se os argumentos de que os direitos deveriam ser destinados aos
indivíduos e não à comunidade, desvirtuando seu caráter coletivo e, impedindo a
continuidade da atuação do Ministério Público Federal (ARRUTI, 2008).
Após uma sequência de portarias e decretos, que mesmo depois de quatorze
anos de implementação da Constituição de 1988, além de não favorecerem a
regulamentação e efetivação deste dispositivo legal, tentaram impor conceitos
reducionistas à experiência social quilombola. Em função disso paralisam-se por
algum tempo as ações governamentais sobre a temática.
O assunto volta a tomar fôlego na ascensão do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em 2003, que no dia 21 de março, por meio da Lei n. 10.678, cria a Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) vinculada à
19
Presidência da República, cujo compromisso principal é a “formulação, coordenação
e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial” (BRASIL,
2003a) e o Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial (CNPIR). Este órgão
colegiado de caráter consultivo, além de três membros notáveis indicados pela
Secretaria, é composto atualmente por 22 órgãos do Poder Público Federal e 19
entidades da sociedade civil, entre as quais estão representantes quilombolas, que
em respeito à Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais, passam a ter
acesso direto ao governo.
Em 20 de novembro de 2003, dia Nacional da Consciência Negra, o Decreto
Presidencial n.4.887, dá um importante passo rumo à efetivação da Constituição
de 1988, que em seu artigo 2º, define remanescentes de quilombos como:
20
definição não coincide necessariamente com a área diretamente ocupada, mas
com o espaço de vida de cargas materiais e simbólicas necessário a “reprodução
física, social, econômica e cultural” dessas comunidades (BRASIL, 2003).
Configura-se a partir de então uma intencionalidade positiva – e constantemente
ameaçada - em prol da ampliação de políticas e dutos institucionais em torno
da pauta quilombola. Centralizadas principalmente na Secretaria Especial de
Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e no Programa de Promoção da Igualdade
de Gênero, Raça e Etnia (PPIGRE) do então Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), essa abertura favorece também a agregação de novas temáticas, tais como
saúde e educação, âmbito em que se começa a discutir a pertinência de escola e
currículo diferenciado3. Além disso, é também nesse contexto que se inaugura em
2004 o Programa Brasil Quilombola (PBQ) e em 2007 a Agenda Social Quilombola,
instrumentos políticos de força e amplitude crescentes nas conquistas de direitos
da população quilombola em todo o país.
No ano 2005, o INCRA põe em vigor a Instrução Normativa n. 20, que direciona
os procedimentos administrativos necessários para o cumprimento do Decreto
4.887 e cria a Coordenação-Geral de Regularização de Territórios Quilombolas,
a fim de normalizar os processos de identificação, reconhecimento e titulação de
terras em todo o país.
No dia 7 de fevereiro de 2007, o Decreto n.6.040 institui a “Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais” que
tem como objetivo central “promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia
dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e
valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições” (BRASIL,
2007a). Este decreto configura-se como o primeiro instrumento jurídico de garantia
de direitos e reconhecimento de formas de comunidades tradicionais, para além
de grupos indígenas ou comunidades quilombolas.
Outra iniciativa que sinalizou a disposição do governo em ampliar os
recursos destinados aos quilombolas foi a aprovação em 10 de julho de 2010
da Lei n.12.288/10 que promulga o Estatuto da Igualdade Racial, anteriormente
apresentada pelo deputado Paulo Paim nos Projetos de Lei n.3.198/2000 e
203/2003. Este dispositivo legal, entre outros grupos sociais e questões, inclui a
garantia de direitos das populações quilombolas em áreas como saúde, educação,
cultura e acesso à terra (BRASIL, 2010).
Em conformidade com a “Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial”,
3 Estas medidas são discutidas em instrumentos como as “diretrizes curriculares nacionais para
a educação escolar quilombola na escola básica” (BRASIL, 2012).
21
em janeiro de 2013 a SEPPIR lança o “Plano Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana”. Este plano
foi elaborado a partir de um intenso debate com representantes de diferentes
matrizes africanas das cinco regiões do país e do Grupo de Trabalho formado por
outros 11 órgãos do Governo Federal (SEPPIR, 2013b).
Em 9 de maio de 2016, por meio do Decreto 8.750/10 institui-se o “Conselho
Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais” diretamente vinculado à estrutura
do então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Composto por
44 membros titulares, dos quais 29 são representantes de grupos tradicionais de
diferentes segmentos e os outros 15 de diferentes órgãos públicos, entre outras
atribuições o Conselho visa “coordenar, acompanhar e monitorar a implementação
e a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
e Comunidades Tradicionais - PNPCT e do Plano Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em colaboração com os órgãos
competentes por sua execução, e as previsões orçamentárias para sua consecução”
(BRASIL, 2016).
Como marco do início de um contra-movimento, em 12 de maio de 2016, com o
afastamento da presidente Dilma Roussef, o governo interino revoga a Lei n. 10.683
de 28 de maio de 2003 e edita a Medida Provisória n.726. Entre outras mudanças,
esta iniciativa promove a fusão entre os Ministérios do Desenvolvimento Agrário
e Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o que define um enorme retrocesso
na pauta do desenvolvimento agrário e agrícola do país. Além disso, esse decreto
retira uma vez mais do INCRA a competência pela delimitação e demarcação de
terras quilombolas, que passa a ser de responsabilidade do recém criado Ministério
da Educação e Cultura.
No dia 20 de maio do mesmo ano, a MP 726 é retificada de modo a manter a
titulação das terras quilombolas com o INCRA, que agora se vincula ao Ministério do
Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA). Contudo, como símbolo da resistência
política do novo governo quanto à manutenção e ampliação dos direitos das
populações quilombolas, o Artigo 2º do Decreto 8.780 de 27 de maio de 2016
estabelece a transferência do MDSA para a Casa Civil da Presidência da República
a competência pela “delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos
quilombos e determinação de suas demarcações, a serem homologadas por decreto.”
(BRASIL, 2016b). Na sequencia, em 29 de setembro ainda de 2016 o presidente em
exercício Michel Temer, por meio do Decreto 8.865, transfere a Secretaria Especial
de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário e INCRA para a Casa Civil.
Atualmente liderada pelo Ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS), a Casa Civil da
Presidência da República assume uma clara postura em benefício dos grandes
22
empresários do campo do agronegócio, o que caracteriza inequívocos retrocessos
sociais, ambientais e políticos. Somado a este golpe, neste momento tramita
no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta em 2004 pelo
Partido Democrata (DEM). Esta Ação questiona o Decreto 4.884/2003, que é
precisamente o principal instrumento normativo de regulamentação dos direitos
das comunidades quilombolas estabelecidos na ADCT 1988.
O julgamento que se estende desde 2012 será retomado no dia 16 de
agosto de 2017. Nesta ocasião caso os Ministros do Supremo Tribunal Federal
votem a favor da inconstitucionalidade do Decreto, para terem seus territórios
reconhecidos, as comunidades quilombolas deverão comprovar cientificamente a
sua organização social em data anterior à abolição legal da escravidão. Além disso,
ficará estabelecido que somente comunidades na posse de seus territórios na data
da promulgação da Constituição, terão o direito à titulação.
Como resistência a estas notórias involuções, deu-se inicio à campanha “O Brasil
é quilombola: Nenhum direito à menos” que circula amplamente nas redes sociais. A
ação é um convite à sociedade para a assinatura de uma petição on-line que será
enviada aos ministros do STF em apoio à manutenção do Decreto 4.884/2003.
#nenhumquilomboamenos!
23
como o protagonismo das comunidades quilombolas e dos movimentos sociais na
proposição de diretrizes e monitoramento da política.
Com a finalidade de transparecer e dar efetividade às estratégias e instrumentos
políticos que orientam o Programa Brasil Quilombola cria-se em 20 de novembro
de 2007 a Agenda Social Quilombola (ASQ). Definida pelo Decreto n.6.261/07,
em seu Artigo 1º estabelece (BRASIL, 2007b):
24
Decreto 4.886/03, define a “execução e acompanhamento dos trâmites necessários
para a certificação e regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem
título coletivo de posse das terras tradicionalmente ocupadas”; 2) infraestrutura e
qualidade de vida – “consolidação de mecanismos efetivos para destinação de
obras de infraestrutura (saneamento, habitação, eletrificação, comunicação e vias
de acesso) e construção de equipamentos sociais destinados a atender as demandas,
notadamente as de saúde, educação e assistência social” ; 3) inclusão produtiva e
desenvolvimento local – “apoio ao desenvolvimento local e autonomia econômica,
baseado na identidade cultural e nos recursos naturais presentes no território, visando
a sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das comunidades”;
e 4) direitos e cidadania – “fomento de iniciativas de garantia de direitos promovidas
por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil, junto às comunidades
quilombolas considerando critérios de situação de difícil acesso, impacto por grandes
obras, em conflito agrário, sem acesso à águas e/ou energia elétrica e sem escola” . Além
destes, atualmente o CGASC discute a inclusão da agenda socioambiental como
um eixo específico de atuação das políticas voltadas às populações quilombolas
(SEPPIR, 2013a).
Como um indicador das forças colaborativas e de atrito para o pleno
desenvolvimento do PBQ, observa-se um constante retorno à discussão dos
conceitos que giram em torno do tema. Estes muitas vezes resistem em reconhecer
que igualdade e diversidade não são princípios excludentes e a responsabilidade
do Estado em afirmar a diferença.
25
Falar em quilombos é, portanto, falar de resistência e luta política. Sendo assim,
não surpreende que neste campo, como em tantos outros em que há coincidência
entre vulnerabilidade econômica e política, a conquista desses direitos seja
conflituosa e oscilante.
Além disso, como declarou Arruti (2008), a noção de quilombo está sempre
(implícita ou explicitamente) acompanhada de um qualificante. Eles são, por isso,
históricos/ contemporâneos, urbanos/rurais, permanentes/nômades, isolados/
integrados, autossuficientes/dependes, extrativistas, agrícolas, de modo que a
abrangência do conceito seja ela mesma objeto de disputa.
Posicionada na linha de frente dos sintomas sociais, a percepção sobre fatos
e eventos que definem a questão quilombola não estabelecem seus limites
em esquemas inertes, uniformes e autocontidos. Como um objeto que “não ‘é’,
mas sim ‘está em curso’” (ARRUTI, 2008, p. 315), a questão quilombola se forma
justamente no encontro de suas polissemias e dessemelhanças empíricas, atributo
este que deve ser constantemente defendido da tentativa de instrumentalizá-lo
como um argumento de contestação de sua existência ou de legitimidade de suas
reivindicações enquanto grupo social.
Ademais, deve-se considerar que esta vastidão de significados cujo centro se
desloca em função das diferentes posições de seus segmentos, é complexificada
pela inevitável sobreposição de categorias sociais, que não permitem enquadrar
os povos e comunidades negras tradicionais em caixinhas e prateleiras bem-
acabadas e detalhadas. Além de identificarem-se como quilombolas, este grupo
se reconhece em pautas diversas, que em sua heterogenia interna, deve ter o
potencial de fortalecer o cumprimento de suas demandas. Com relação a esta
coexistência de identidades, Almeida (2002, p. 72) declara:
26
Na tentativa de conexão entre a proposição teórica, governamental e normativa,
ante a complexidade do tema e aos conflitos de interesses que engendra, encontrou-
se no significante “etnicidade” o estimo remoto que unificaria a caracterização
da organização social quilombola. Esta solução mediadora teria, portanto, o
potencial de romper com perspectivas conservadoras ou idealizadoras (tais como
a legislação repressiva do século XVIII ou o romantizado modelo pombalino) e
iluminar os processos sociais e simbólicos vividos cotidianamente pelas populações
quilombolas em sua heterogenia e dinamismo4.
A partir desse prisma teórico, segundo Almeida (2002), promove-se a afirmação
da identidade coletiva, em que o mais importante não é como uma ONG, partido
político ou a própria academia define e projeta a questão quilombola. Ao contrário,
segundo essa perspectiva, os critérios de classificação que interessam são aqueles
que invertem a prática histórica de se pensar os princípios político-organizativos
de fora para dentro e do global para o local, de modo a preservá-los de categorias
estigmatizantes e possíveis conveniências regimentais.
Esta necessidade de modelização, como declarou Arruti (2008, p. 339)
estabelece, portanto, “um jogo de fuga e captura entre modelização e diversificação,
entre norma e variante, no qual os discursos antropológico, jurídico e político estão em
permanentes deslizamentos e reapropriações”. Uma evidência desse processo reside
na proposta de auto-atribuição, que se por um lado liberta o modelo de quilombo
de estruturas com vestígios coloniais, por outro o aprisiona em casos em que o
próprio grupo se reconhece politicamente em tal formação social. Esta condição,
que pode ser construída somente a partir da existência de trabalhos de base e
auto-discussão, evidencia o caráter nativo desse grupo denominado quilombola,
em que o que está em jogo é a capacidade do sistema normativo em reconhecê-lo
e nunca o contrário.
Por fim, deve-se atentar a muitas vezes bem-intencionada e naturalizada
correlação que se estabelece entre as questões indígenas e quilombolas. Sem
desconsiderar os casos em que esta conexão é realmente intrínseca e dissociável,
como nas Terras de Índios, de modo geral estas temáticas caminham por estruturas
de referências políticas e sociais muito distintas. Arruti (1997) argumenta que
enquanto a temática indígena está ligada à frequentemente romantizada noção
de autóctones, que possuem direitos naturais ligados à identidade do país,
os quilombolas são muitas vezes encarados como externos, que devem ser
controlados, educados e dissociados das categorias sociais nacionais.
4 A partir dos aportes teóricos de Weber (2004), para comunidades étnicas, e de Barth (1969)
para grupos étnicos, converge-se na concepção de etnicidade como elemento unificador da
vontade política, que se reconhece a partir da auto-atribuição e não da cultura ou contato com
grupos étnicos diferentes.
27
Também como um sintoma central do princípio de expansão de direitos e
visibilidade da questão quilombola, crescem as iniciativas em torno da ampliação
estatísticas e cartografias sociais de qualidade para esse grupo. Desenvolvida e
defendida por diferentes setores da sociedade, esta conquista promete avançar
nas indefinições sobre a abrangência e características gerais e específicas do
fenômeno referido e com isso inseri-los de forma definitiva em uma perspectiva
contemporânea, dotada de passado, mas também de presente e futuro.
Para isso, reconheceu-se como imperativo a existência de uma plataforma
que amplie os canais de comunicação entre os diversos setores da sociedade. A
solução encontrada foi a construção de um ponto nodal denominado Sistema de
Monitoramento de Políticas de Promoção da Igualdade Social, entre outras intenções,
objetiva avançar com transparência no debate sobre as (in)definições, políticas
públicas e transformação social das populações quilombolas no Brasil.
28
3. Produção, gestão e diagnósticos de
informações no âmbito do Programa
Brasil Quilombola: em que ponto estamos
e para onde nos direcionamos?
3.1. Introdução
29
em coletar, organizar, disseminar e interpretar informações que intencionem saber
quantos, como vivem e onde estão os povos e comunidades negras tradicionais
do Brasil.
Este novo nível de comprometimento do Estado se traduz em iniciativas como
a coleta de dados sobre grupos tradicionais pelo CadÚnico e Chamada Nutricional
Quilombola, que permitem estimar que em 2016 a população negra tradicional é
formada por 639.677 pessoas, o que representaria cerca de 0,3% da população
brasileira. Cresce também o reconhecimento de que este grupo (que se aproxima
dos 817.963 pessoas que segundo o Censo Demográfico se declaram como
indígenas no Brasil em 2010)5, apesar da sua representatividade numérica, superior
à população de cerca de 70% dos municípios nacionais, deve ser quantificado e
localizados não somente por sua profusão quantitativa. A partir do princípio da
representatividade pela qualidade, mesmo os grupos menores e mais isolados
devem ser visibilizados, pois tendem a indicar com ainda mais potência a extensão
do genocídio colonial e a urgência em repará-lo.
Neste contexto, ainda que se observe uma grande divergência nos dados,
fato que se explica pelos diferentes recortes amostrais, desenho conceitual e
capacidade operacional das diferentes instituições, estas informações são capazes
de revelar a grave situação de vulnerabilidade social a que estão expostas às
famílias quilombolas, além de oferecer parâmetros para pesquisas subsequentes
sobre essa temática.
Nessa perspectiva, estes dados, juntamente com outras fontes de informação,
estão sendo organizados e divulgados pelo projeto de integração e disseminação
de dados do Programa Brasil Quilombola, que representa uma iniciativa de grande
êxito, mesmo frente aos inúmeros desafios encontrados.
5 Vale destacar que as informações sobre povos e comunidades negras tradicionais provêm de
um registro administrativo, enquanto sobre povos indígenas do Censo Demográfico, o que não
permite uma comparação definitiva sobre o montante populacional desses dois grupos.
30
Parágrafo V - coordenar, acompanhar e monitorar a
implementação e a regulamentação da Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais - PNPCT e do Plano Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em
colaboração com os órgãos competentes por sua execução, e as
previsões orçamentárias para sua consecução;
Parágrafo IX - promover a ampliação e o aperfeiçoamento dos
mecanismos de participação e controle social por intermédio de
órgãos congêneres municipais, estaduais, distritais, regionais e
territoriais e outras instâncias de participação social;
Parágrafo XVI - estimular o diálogo com outros órgãos e esferas
da sociedade e a troca de experiências com os institutos de
pesquisa e com a sociedade civil de outros países que já iniciaram
processos de inclusão de povos e comunidades tradicionais em
suas pesquisas;
Parágrafo XVII - propor medidas para a implementação, o
acompanhamento e a avaliação de políticas relevantes para
o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades
tradicionais, respeitando sua autonomia, seus territórios, suas
formas de organização, seus modos de vida peculiares e seus
saberes e fazeres tradicionais e ancestrais. (BRASIL, 2016).
31
e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), implementa-se em 2013
o projeto de integração de dados e gestão da informação do PBQ no âmbito do
SMPPIR (SEPPIR, 2013b).
Este projeto converge as demandas dos movimentos sociais por transparência
na evolução dos quatro eixos estruturais do programa e dos gestores por
aprofundamento e ampliação dos subsídios para a implementação de políticas
públicas. O resultado desse esforço colaborativo é um arranjo institucional e
tecnológico inovador e exitoso.
Reconhecido com o prêmio de Inovação na Gestão Pública promovido pela Escola
Nacional de Administração Pública (ENAP), o projeto enfrenta desafios como a
pulverização de dados em diferentes instituições públicas - que possuem processos
e sistemas de monitoramento e gestão igualmente heterogêneos, capacidade
de manejo e armazenamento de grandes bases e ausência de normatização no
tratamento dos dados dentro da própria SEPPIR. Com isso elimita-se o acúmulo
de informações redundantes e a necessidade de retrabalhos de modo a garantir
a reprodutibilidade nos processos de identificação, catalogação, consolidação e
cruzamento de informações.
6 O Programa Juventude Viva é coordenado pela SEPPIR juntamente com a Secretaria Nacional
de Juventude e a Secretaria-Geral da Presidência da República. O Programa tem como objetivo
reduzir a vulnerabilidade dos jovens negros por meio de ações de prevenção. Estas se concen-
tram em quatro eixos: Fim da Cultura de Violência Inclusão; Emancipação e Garantia de Direitos;
Transformação de territórios e; Aperfeiçoamento institucional (PR, 2014).
32
Figura 1: Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola
33
Figura 2: Plataforma DataSEPPIR
Por sua vez, a Pesquisa Quilombola é uma ferramenta com a qual servidores da
SEPPIR, FCP, INCRA e MDSA alimentam informações sobre certificação e titulação
de Territórios Quilombolas, bem como sobre as comunidades que formam estes
territórios. Para isso, a fim de reduzir a redundância e inconsistência dos dados e
ampliar a possibilidade de cruzamento de informações entre diferentes fontes do
governo, cria-se um identificador único (ID_Quilombola).
O Serviço PBQ consiste em um diretório que agrega todas as políticas públicas
(Minha Casa, Minha Vida; Luz para Todos; Água para Todos, etc.) monitoradas pelo
PBQ. Com isso, o Serviço contribui para a evolução e padronização do conteúdo
das Políticas que circundam a temática quilombola, bem como dos produtos e
resultados das ações governamentais do Programa.
Finalmente a ferramenta ETLs (Extração, Transformação e Carga) são recursos
de programação que permitem converter de forma automática o formato de bases
de dados demandados pelos diferentes sistemas (SEPPIR, 2013c, 2016).
34
informações estatísticas e geoespaciais à versão anterior. Além disso, estas parcerias
objetivam a qualificação das informações já incorporadas, divulgação e capacitação
dos diferentes públicos que se relacionam com a ferramenta (Figura 3).
3.2.2.1. Conteúdo
35
permite reduzidas conclusões diretas sobre as comunidades de quilombo (Produto
3). Contudo, deve-se considerar que mesmo no PPA 2012-2015 grande parte dos
objetivos, metas e iniciativas não dispõem de coletas e divulgação sistematizada
de dados, o que inviabiliza sua incorporação ao SMPPIR.
Conforme indica a Tabela 1, quinze programas do PPA 2012-2015 se relacionam
diretamente com a temática quilombola, estando eles presentes nos quatro eixos
dos painéis de monitoramento.
Tabela 1: Programas que envolvem ações voltadas para comunidades quilombolas identificados a
partir do PPA 2012-2015.
36
Conforme identificado em ambas as investigações, a falta de transparência
orçamentária acontece em parte devido o caráter transversal do PBQ, que desde
2004 encontra-se cada vez mais diluídos em diversos Programas, Objetivos
e Iniciativas. Soma-se a isso a dificuldade da gestão enfrentada pela própria
SEPPIR, que não dispõe de uma Subsecretaria de Planejamento, Orçamento
e Administração (SPOA) como os outros ministérios. Esta condição reduz a
transparência orçamentária dentro da própria Secretaria e se reflete na ausência
dessa informação nos Paineis de Monitoramento do PBQ. Com relação a esta
situação a representante da SEPPIR esclarece:
37
e klm e em formato matricial tais como TIFF/GeoTIFF, GIF, PNG, ERDAS e JPEG.
Estas informações devem ser preferencialmente apresentadas e compartilhadas
em relação a outras tais como malha municipal e estadual, infraestruturas públicas,
limites de Terras Indígenas, Unidades de Conservação (como prevê em parte a
versão 2.0 do Painel de Monitoramento do PBQ).
Recomenda-se ainda que a plataforma compartilhe informações já sistematizadas
de fontes como Comissão Pastoral da Terra que especifica pessoas e comunidades
quilombolas como grupos vítimas de assassinatos, violência, ameaças de morte,
entre outros conflitos ligados à terra.
No PPA 2012-2015, o Eixo 2 – Infraestrutura e Qualidade de Vida do PBQ está
diretamente vinculado aos seguintes programas: PROGRAMA: 2068 - Saneamento
Básico, PROGRAMA: 2069 - Segurança Alimentar e Nutricional e de forma geral ao
PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial.
Já no PROGRAMA: 2049 - Moradia Digna, PROGRAMA: 2033 - Energia Elétrica,
PROGRAMA: 2066 - Reforma Agrária e Ordenamento da Estrutura Fundiária,
benefícios como energia elétrica, água e habitação digna apresentam-se inseridos
em políticas universais.
Esses dados estão traduzidos no Painel de Monitoramento em informações
do CadÚnico (MDSA), quais sejam: número de famílias quilombolas por UF e por
situação de domicílio; proporção de domicílios quilombolas com energia elétrica,
tarifa social de energia e coleta de lixo; além da proporção de domicílios por
tipo de abastecimento de água e escoamento sanitário (2016). Observa-se que
estas informações foram selecionadas para compor o painel em detrimento de
outras como “material predominante na construção do domicílio” e “existência de
banheiros ou sanitários” também disponíveis no CadÚnico. Este fato evidencia
que as informações transparentes no Painel do PBQ passaram por uma seleção de
seu conteúdo, cujos critérios não estão claros.
Além disso, a v 2.0 apresenta informações da Caixa Econômica Federal de
unidades do Programa Minha Casa, Minha Vida contratadas (2012 e 2013),
proporção de ligações do Programa Luz para Todos por região (2015) (MME) e
recursos de saneamento rural contratados (2009 - 2013) (FUNASA). Nota-se que o
descompasso entre as temporalidades disponíveis dificulta estudos longitudinais,
além de nem sempre estarem atualizados.
Ainda no âmbito do PPA 2012-2015, o Eixo 3 – Desenvolvimento Local e
Inclusão Produtiva do PBQ está inserido nos seguintes programas: PROGRAMA:
2012 - Agricultura Familiar, PROGRAMA: 2069 - Segurança Alimentar e Nutricional
e PROGRAMA: 2029 - Desenvolvimento Regional, Territorial Sustentável e Economia
38
Solidária e de forma geral no PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e
Promoção da Igualdade Racial. Além disso, o PROGRAMA: 2049 - Moradia Digna
dispõe de informações como presença de cisterna que podem incluir quilombolas
em políticas universais.
Esta seção exibe as seguintes informações do CadÚnico: renda média das
Famílias Quilombolas por UF e total per capita; número e proporção de famílias
por faixa de renda; proporção de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família
e proporção de trabalhadores dedicados ao extrativismo (2016). Com isso,
confirma-se mais uma vez uma seleção previa dos dados a serem apresentados na
plataforma, visto que, por exemplo, outras ocupações não estão disponíveis.
Este Eixo representa também informações do MDA, a saber: declaração de
aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)
(2003-2013), número de famílias que vendem ao Programa de Aquisição de
Alimentos (2012-2013), proporção de famílias atendidas e valor investido por
região no Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (data não especificada).
Para além dos dados já apresentados, recomenda-se a inclusão no Painel
do PBQ, bem como em suas outras plataformas (DataSEPPIR, Serviço PBQ,
Pesquisa Quilombola e ELT) de informações investigação institucional e de
registro administrativo da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC)
e Estaduais (ESTADIC). Estas pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) dispõem de informações sistematizadas sobre
ações e estrutura administrativa dos governos municipais e estaduais nas áreas de
Segurança Alimentar e Nutricional (questionário básico 2014) e Inclusão Produtiva
(questionário suplementar 2014 ) (Produto 2).
O Eixo 4 – Direito e Cidadania está presente em grande parte dos programas
do PPA 2012-2015 que tem como público alvo as populações quilombolas, quais
sejam: PROGRAMA: 2012 - Agricultura Familiar, PROGRAMA 2015 - Aperfeiçoamento
do Sistema Único de Saúde (SUS), PROGRAMA: 2019 - Bolsa Família, PROGRAMA
2020 - Cidadania e Justiça, PROGRAMA 2030 - Educação Básica, PROGRAMA 2031
- Educação Profissional e Tecnológica, PROGRAMA 2037 - Fortalecimento do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), PROGRAMA 2044 - Autonomia e Emancipação da
Juventude, PROGRAMA 2062 - Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes,
além do PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade
Racial.
Esta seção apresenta dados do CadÚnico - Famílias que recebem Bolsa Família
por UF e total, população quilombola por escolaridade e faixa etária em 2016 -
;Censo Escolar/ INEP – número de escolas quilombolas (2012-2015), proporção
39
com energia elétrica e abastecimento de água ligado pela rede pública, acesso à
internet e material específico para quilombola (2014) - ; DataSUS – número de
equipes de saúde da família atuando em territórios quilombolas (2008 a 2013) e
número de médicos do Programa Mais Médicos atendendo populações quilombolas
(2013) e finalmente; Ministério da Educação – estudantes quilombolas beneficiados
com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) entre 2009 e 2013.
Neste Eixo constata-se mais uma vez a decalagem temporal dos dados, bem
como sua não atualização em alguns casos. Além disso, repete-se a prática de
seleção de informações a serem apresentadas, mesmo quando estas estão
disponíveis nas bases de dados de referência, tais como “presença de laboratórios
de ciências e informática” em escolas quilombolas.
Como conteúdo complementar, assim como no Eixo 3 recomenda-se a inclusão de
informações de investigação institucional e de registro administrativo da Pesquisa
de Informações Básicas Municipais (MUNIC) e Estaduais (ESTADIC). Estas bases
de dados incluem informações sistematizadas de temas nos níveis municipais e
estaduais tais como: identificação de povos e comunidades quilombolas entre
os grupos assistidos pelos serviços socioassistenciais, presença de órgão gestor de
direitos humanos que execute ações em grupos específicos, entre outros (para
mais detalhes, ler Produto 2).
Além disso, acredita-se que esta seção poderia incluir estatísticas do próprio
Ministério dos Direitos e SEPPIR, tais como chamadas do Disc 100 e Ouvidoria
Nacional de Igualdade Racial. Presume-se que a divulgação dessa informação
estimularia tanto a prática de denuncias que envolvam violações de direitos contra
povos e comunidades negras tradicionais quanto novos níveis de compreensão
sobre os elementos imbricados nessas denúncias.
Por fim, no âmbito geral defende-se que o Painel de Monitoramento PBQ
incorpore seções como Biblioteca de Fotos, Vídeos, assim como bases de dados
de pesquisas quantitativas e qualitativas que, entre outras origens, possam ser
alimentadas pelas próprias populações quilombolas.
A partir dessas considerações sobre o conteúdo do Painel do PBQ é possível
identificar as seguintes fragilidades:
40
• Pequenos erros de digitação foram observados no texto dos Paineis.
3.2.2.2. Usabilidade
41
4. Recomendações e considerações
42
do contexto em que estão inseridas as comunidades quilombolas no Brasil
(como prevê em parte a versão 2.0 do Painel de Monitoramento do PBQ);
• Disponibilização via download de informações tabulares com o ID de
referência na escala mais detalhada possível, a fim de facilitar a integração
de dados de forma geolocalizada;
• Compartilhamento e fortalecimento de informações já sistematizadas de
fontes como Comissão Pastoral da Terra;
• Inclusão de bases de dados do IBGE, com destaque para a MUNIC e
ESTADIC;
• Inserção de potenciais informações do próprio Ministério dos Direitos e
SEPPIR, tais como chamadas do Disc 100 e Ouvidoria Nacional de Igualdade
Racial relacionadas à denuncias que envolvam povos e comunidades
tradicionais;
• Inclusão de Bibliotecas de Fotos, Vídeos e bases de dados de pesquisas
quantitativas e qualitativas que, entre outras fontes, possam ser alimentadas
pelas próprias populações quilombolas;
• Implementação de estratégias de mídia por meio da produção de vídeos e
materiais didáticos;
• Criação de ferramentas para a emissão de relatórios de dados.
Usabilidade
43
• Segundo o princípio da diversidade, incorporação de recursos especiais
para pessoas portadoras de deficiências.
44
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46
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