Você está na página 1de 27

Justiça Tributária: eficiência ou equidade?

Lilian Sendretti

liliansendretti@gmail.com

CEBRAP
DCP/USP

Trabalho a ser apresentado no 41º Encontro Anual da ANPOCS

SPG09

Democracia, justiça e liberdade: normatividade e conceitos

0
Lilian Sendretti1

Introdução

Da importância de discutir a tributação em termos de um problema de justiça

Será que poderíamos considerar justificável um sistema tributário no qual a maior


parte do ônus fiscal recai sobre as parcelas de renda mais baixas da população?
O clássico princípio de justiça tributária, muito comum na literatura de direito
tributário e finanças públicas, versa sobre a capacidade contributiva e trata os contribuintes
de acordo com os critérios de equidade “vertical” e “horizontal”, segundo os quais [...] as
pessoas que se encontram na mesma situação [econômica] devem arcar com o mesmo ônus,
e que as pessoas em situações [econômicas] diferentes devem arcar com ônus diferentes”2.
Sendo assim, baseando-se neste princípio de equidade fundamentado na capacidade
contributiva, certamente, reprovaríamos moralmente um sistema tributário que onera mais os
piores situados economicamente, isto é, em termos agregados, os mais pobres pagam mais
impostos que os mais ricos.
A justificação de normas tributárias baseadas sobre o princípio da capacidade
contributiva é, hoje, a mais corrente na legislação tributária internacional. No caso brasileiro,
por exemplo, quando olhamos especificamente para a incidência tributária sobre a renda e o
patrimônio, encontramos um escalonamento progressivo das alíquotas por faixa de renda, e,
portanto, poderíamos dizer que o princípio da capacidade contributiva é respeitado. No
entanto, quando decompomos a distribuição da carga tributária nacional, do conjunto de
impostos direitos e indiretos, de acordo com a capacidade contributiva dos indivíduos de
diferentes níveis de renda, têm-se um cenário no qual, em termos comparativos, maior parte
da renda dos mais pobres, e não a dos mais ricos, é despendida com impostos, ou seja, o
princípio da capacidade contributiva não é respeitado3.

1
Bacharela em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo. É mestranda em Ciência Política pelo DCP-USP e assistente de pesquisa do Núcleo de
Instituições Políticas e Movimentos Sociais do CEBRAP.

2
Murphy, Liam; Nagel, Thomas.( 2005). O mito da propriedade: os impostos e a justiça. São Paulo:
Martins Fontes, p. 17.
3
Pintos-Payeras (2010) em sua pesquisa sobre a progressividade da carga tributária sobre
população brasileira, na qual o autor analisa a decomposição da carga tributária indireta e direta em
cada região do país, aponta que as famílias de baixa renda destinam uma parcela maior da sua renda

1
À primeira vista, poderíamos dizer que este é um problema de aplicação de
princípios, uma vez em que não houve respeito às diretrizes do princípio da capacidade
contributiva. Contudo, neste caso, nosso questionamento é o seguinte: como as diretrizes do
princípio da capacidade contributiva não conseguem dar conta dos casos nos quais a
incidência de base tributária é indireta, como ocorre na tributação de consumo, então, nos
deparamos com um problema relativo a própria estrutura do princípio. Sendo assim, é como
se a maior parcela da carga tributária estivesse ao largo da discussão sobre justiça tributária.

Discutir a maneira pela qual um sistema tributário onera ou desonera aquilo que faz
parte da base tributária indireta como itens de alto consumo ou itens de consumo básico é tão
importante quanto discutir a progressividade da tributação da renda do trabalho, da renda do
capital, a propriedade e lucros e dividendos de pessoas jurídicas4. Grande parte da discussão
sobre justiça tributária tem privilegiado a dimensão direta da tributação ao enfatizar a
tributação de grandes fortunas, mas, em termos de impacto na redução das desigualdades que
o sistema fiscal, em sua estrutura regressiva, contribui para produzir, o debate sobre a
progressividade da tributação indireta é urgente. Em termos de justificação política, o
princípio da capacidade contributiva não é capaz de dar conta deste debate.

Neste sentido, é preciso voltarmos à discussão teórica normativa para refletirmos sobre
esta questão, e a partir de uma discussão teórica no nível das justificações normativas sobre
diferentes considerações de justiça distributiva, debatermos as distintas posições sobre o que
pode ser considerado um arranjo tributário equitativo.

para o consumo de subsistência, que, grosso modo, se refere ao gasto com alimentação, o que, por
sua vez, indica que o padrão de consumo das famílias mais pobres está sendo mais tributado do que o
padrão de consumo das famílias mais ricas (2010, p 168-170). Neste sentido, Pintos-Payeras (2010)
explicita que as taxas dos impostos estaduais sobre consumo (ICMS) são mais elevadas para os
produtos que fazem parte da alimentação básica e, consequentemente, oneram uma parcela maior da
renda dos mais pobres. Além disso, o autor indica outro fator que aprofunda este cenário de iniquidade, a
saber, o fato de que nas regiões com menor PIB per capita do país (norte e nordeste) os produtos de
alimentação básica são ainda mais tributados se comparado à taxa de tributação dos mesmos
produtos em outras regiões do país, como a sudeste. Fato este que agrava a desigualdade de renda
global entre a população, bem como a desigualdade territorial entre as regiões do país. Ver: Pintos-
Payeras (2010). “Análise da Progressividade da Carga Tributária sobre a população brasileira”. In.:
Pesquisa e Planejamento Econômico, v.40, n.2
4
Como no caso, por exemplo, da proibição da bitributação. Ver: Gobetti, S. (2015). Progressividade
Tributária: a agenda esquecida. Monografia; ou Gobetti, S.; Orari, R.(2015). Jabuticabas tributárias e
desigualdade no Brasil. In.: Valor Econômico. Acessado em: http://valor-
ri.com.br/opiniao/4336512/jabuticabas-tributarias-e-desigualdade-no-brasil-ii

2
Sendo assim, vamos buscar desvelar as justificativas normativas segundo as quais
certas concepções de tributação e, de maneira mais ampla, de justiça tributária, são
construídas na literatura. Quais são os valores políticos e morais sob os quais são justificadas
a escolha de certas bases tributárias, por exemplo, qual critério justifica a tributação
progressiva ou proporcional da renda, da propriedade ou do capital? Será que são critérios
meramente técnicos? Buscaremos demonstrar durante nossas discussões neste trabalho que a
arena fiscal é um campo perpassado por conflitos distributivos normativamente orientados.
Nas palavras de Gaisbauer et al, em seu “Philosophical Explorations of Justice and Taxation”
(2015, p. 2): “Such disputes cannot be settled based on “empirical facts” alone but demand
normative reasoning and also political debate”.

O problema da justiça tributária como parte da reflexão política normativa:

Como o Estado arrecada os recursos fiscais é uma questão distributiva fundamental5.


Antes da estruturação de políticas públicas, de repasses via transferências de benefícios
sociais ou mesmo da criação e manutenção de serviços públicos universais, é o campo
tributário o primeiro mecanismo de arrecadação das parcelas distributivas oriundas da
cooperação social.

É indiscutível que os tributos são parte essencial da estrutura pública e administrativa,


mas, além disso, buscaremos ao longo das discussões neste trabalho, demonstrar que os
tributos são também uma relevante questão de moralidade política, em torno dos quais as
reivindicações de justiça política e distributiva são construídas e disputadas. Neste sentido,
importa ressaltar que o modo pelo qual o sistema tributário se estrutura têm (i) consequências
distributivas importantes – como buscamos discutir brevemente na seção acima – e que dizem
respeito também (ii) aquilo que nós, enquanto sociedade, consideramos justificável em termos
de justiça distributiva. Para nossa discussão teórico-normativa é relevante ressaltar que a
estrutura tributária é “[...] também o instrumento mais importante por meio do qual o sistema

5
Nas discussões no âmbito da teoria política contemporânea há uma gama de autores que questionam o
enfoque concedido, sobretudo pelas teorias políticas de matriz liberal igualitária, à questão da distribuição
dos recursos. Sob esta perspectiva crítica, cujos principais expoentes são Young (1990) e Fraser &
Honneth (2003), o enfoque das relações patológicas produzidas por contextos de degradação simbólica
corresponderiam a uma abordagem mais completa para lidar com a injustiça social, em vista do enfoque
na distribuição de recursos. A perspectiva da autora desta proposta de trabalho não desconsidera a
relevância que as questões acerca do reconhecimento e da degradação simbólica têm sobre as questões de
justiça. Mas dado o recorte de pesquisa adotado, a saber, sobre a relação entre justiça e o sistema
tributário, as questões acerca da distribuição serão o foco analítico desta proposta de trabalho.

3
político põe em prática uma determinada concepção de justiça econômica ou distributiva”
(Murphy e Nagel: 2005: 6), pois o modo pelo qual os tributos são arrecadados tem relevante
impacto distributivo para a produção ou redução das desigualdades e um debate sobre justiça
distributiva não pode ficar alheio a estas questões.

Dessa forma, a partir de arcabouços analíticos próprios da teoria política normativa,


pretendemos debater as posições teóricas que justificam diferentes arranjos tributários, e, por
isso, divergem em relação ao (i) alcance, ao (ii) tipo e ao (iii) modo como a distribuição via
tributação seria política e moralmente justificada por meio da determinação de limites aos
quais a competência da demanda fiscal deve ser restringida.
A problemática que balizará esta análise é o trade-off entre eficiência e equidade.
Quando se trata de discutir sobre mecanismos distributivos, tanto teóricos empíricos (Stigtliz:
1999: 94); (Musgrave: 1996: 11); quanto teóricos normativos (Murphy e Nagel: 2005: 124);
(Roemer: 1998: 862) afirmam que há um trade-off entre eficiência e equidade no que se refere
à finalidade da tributação. Enquanto o debate empírico diz respeito à magnitude deste trade-
off, isto é, para reduzir a desigualdade quanto se envolveria em custos de eficiência6 e vice-
versa; o debate normativo está centrado na discussão sobre o valor que atribuímos a cada uma
dessas posições. Dito de outro modo, a preocupação no terreno da teoria normativa está em
oferecer justificações a respeito de qual desses valores (eficiência ou equidade) iremos
priorizar quando se trata de questões de justiça distributiva e, em específico, de arranjos
institucionais tributários7. Nosso questionamento, a partir deste enfoque, será: qual o estatuto
do trade-off entre eficiência e equidade para uma concepção de justiça distributiva
preocupada com a tributação? E, mais especificamente, quais as implicações deste trade-off
para uma teoria distributiva preocupada com a equidade?
Para discutirmos estes pontos, este trabalho irá se estruturar em (vi) seções. Na (i)
seção, iremos apresentar algumas definições básicas sobre as diferentes funções de um
sistema tributário; na (ii) seção discutiremos como o trade-off entre eficiência e equidade é

6
A definição de eficiência será discutida na seção (iii) deste trabalho.

7
A questão do trade-off entre eficiência e equidade tem sido, portanto, um tema de relevância e bastante
controvérsia entre a literatura pertinente a esta temática dentro do campo de diversas áreas das Ciências
Sociais e das Ciências Sociais Aplicadas, como a Economia. Esta proposta de trabalho insere-se dentro
deste debate sob a perspectiva da teoria política normativa sobre a tributação. Desse modo, para as
finalidades desta proposta de trabalho, tal trade-off é aqui concebido dentro dos limites da discussão
acerca da justiça tributária e, assim, mesmo que haja a necessidade do diálogo com a literatura de teoria
econômica, isto será feito a partir da discussão sob o ponto de vista da justificação moral dos argumentos
apresentados.

4
apresentado na literatura. Após esta apresentação iremos, durante a (iii) seção, nos questionar
acerca das bases normativas que envolvem este trade-off, bem como das distintas concepções
de eficiência e de equidade que dele emanam. Em uma (iv) seção, tendo já esclarecido
algumas tensões deste trade-off, buscaremos discutir a relação entre algumas concepções
libertárias de justiça e como elas entendem o papel e o alcance da tributação; nesta seção
debateremos as posições de alguns autores clássicos como Buchanan (1984; 2000 [1975]) e
Hayek (1976; 2013 [1960]), que são autores libertários que discutem mais diretamente a
questão tributária. Por fim, na última seção, (v), concluiremos com uma discussão sobre os
limites do alcance deste trade-off entre eficiência e equidade na justiça tributária.

1. A tributação enquanto mecanismo distributivo:

O sistema tributário desempenharia três tipos de funções públicas (Musgrave: 1996 p.


6) uma função de (i) alocação do orçamento público; uma função (ii) estabilizadora; e, uma
função (iii) distributiva. Musgrave, em seu clássico “Public Finance in Theory and Practice”
(1996, p. 6-14 [1959]) define o primeiro tipo, a função alocativa, como a capacidade que o
sistema tributário tem de prover bens públicos – “social goods”. Já a função (ii)
estabilizadora, estaria associada ao uso da política orçamentária do governo para manter o
nível de emprego, o grau estável dos níveis de preços (inflação), a taxa de crescimento da
economia e o equilíbrio da balança de pagamentos do governo. Com relação à (iii) função
distributiva, Musgrave a define como: “Adjustment of the distribution of income and wealth
to ensure conformance with what society considers a “fair” or “just” state of distribution, here
referered as the distribution function” (Musgrave: 1996, p. 6). A partir desta definição de
Musgrave, fica mais claro que o que está fundamentando o alcance e os limites da função
distributiva da tributação são juízos normativos sobre a justiça8.

Na discussão teórica, e em certa medida também no debate político público, as


diferentes argumentações sobre a função distributiva da tributação desenvolve-se em torno de
disputas acerca da (i) progressividade, (ii) proporcionalidade e (iii) regressividade9 dos

8
Dessa forma, poderíamos dizer que quando Musgrave vincula o patamar do desempenho da função
distributiva da tributação com algum padrão de justiça compartilhado na sociedade, este autor
implicitamente associa o desempenho da função distributiva àquilo que Rawls chamou de juízos
ponderados de justiça e é também neste sentido que a questão da moralidade política de princípios de
justiça pode ser vista de modo mais evidente no debate sobre o sistema tributário.
9
Piketty (2014, p. 482) faz uma descrição simples e objetiva sobre as diferenças entre cada tipo de
tributação: “Um imposto é dito proporcional quando a sua taxa é a mesma para todos (falamos, assim, de

5
tributos10, que neste debate geralmente se referem aos impostos sobre a renda e sobre o
capital, como Musgrave aludiu em sua definição, citada acima.

Neste sentido, há duas considerações normativas que perpassam a discussão sobre as


funções da tributação e, principalmente, sobre qual seria a forma mais adequada de taxação,
se progressiva, proporcional ou regressiva. Por um lado, têm-se o debate sobre a relevância
das considerações de eficiência do sistema tributário no desempenho de suas funções, em
especial, a alocativa e a estabilizadora, mas também em sua função distributiva. Por outro
lado, o debate se estrutura em torna das considerações acerca da equidade no que diz
respeito, principalmente, à função distributiva11 do sistema tributário12.

Sendo assim, a tensão entre considerações de eficiência e equidade se coloca, de modo


mais evidente, no debate sobre a função distributiva da tributação. A questão central é que
qualquer movimento em direção à distribuição envolve, necessariamente, custos de eficiência.
Desse modo, cabe entender “what constitutes an efficient use of resources, based on a given
pattern of distribution and effective demand. But there is the further question of what
constitutes a fair or just state of distribution” (Musgrave: 1996: 10). Na próxima seção iremos
discutir justamente este ponto. Nosso objetivo será apresentar o que constitui o trade-off entre

uma taxa fixa, “flat tax”). Um imposto é progressivo quando a sua taxa é mais alta para os mais ricos
(aqueles que possuem uma renda, um capital ou um consumo mais elevado terão um imposto progressivo
para renda, capital e consumo) e mais baixa para os mais humildes. Um imposto pode ser também
regressivo quando a taxa diminui para os mais ricos”.
10
De modo geral é ponto tácito na literatura que os impostos podem ser cobrados de forma direta ou
indireta. Os primeiros correspondem às cobranças de cargas tributárias que incidem de modo direito
sobre a renda, de trabalho ou capital, à propriedade, à herança dos contribuintes. Por outro lado os
impostos cobrados indiretamente são aqueles que incidem sobre os preços de produtos e de serviços e,
em geral, correspondem aos impostos sobre o consumo.
11
Embora o debate sobre distribuição via tributação se concentre na função distributiva desta, tal qual
definida por Musgrave acima, vale ressaltar que as funções alocativa e estabilizadora da tributação
também têm impactos distributivos, não sendo, portanto, mais prescindível para uma teoria da justiça
tributária do que à função distributiva. É claro que esta última tem um impacto mais direto sobre a
distribuição, entretanto, todas as funções tributárias têm consequências sobre a estrutura de incentivos
econômicos e, por isso, é importante que o sistema tributário, e não apenas sua função distributiva, seja o
foco de uma discussão sobre justiça.
12
Uma posição contrária à centralidade da discussão sobre a progressividade ou regressividade do
sistema tributário pode ser verificado em Buchanan (1984). Neste artigo, o autor discute que a teoria
fiscal normativa (normative tax theory) tem se preocupado em justificar “this or that degree of progression
in the tax rate structure” pautando-se em argumentos sobre a equidade vertical e horizontal. Esta
literatura tradicional, segundo Buchanan, estaria negligenciando a questão sobre as despesas do processo
fiscal (Buchanan: 1984: 102). Para Buchanan a discussão sobre tributação deve levar em consideração os
limites para o nível absoluto de tributação em vista da eficiência econômica. Neste sentido, o ponto de
Buchanan é que as discussões que envolvem escolhas de eficiência ou equidade na tributação devem estar
pautadas sobre o que constitui um “set limits on the absolute level of taxation” (Buchanan: 1984: 103), e
não sobre o grau de progressividade ou regressividade do sistema tributário.

6
eficiência e equidade a partir de uma discussão sobre as distintas conceitualizações de
eficiência e de equidade empregadas pela literatura. É importante ressaltar que, dado o
andamento da pesquisa, essas distinções não serão feitas de modo exaustivo.

2. Um trade-off inescapável?

“How much of economic pie must be sacrificed in order to divide it more equally?”
(Samuleson et al: 2010, p. 323). É com esta indagação que Paul Samuelson inicia sua
discussão sobre a existência de um trade-off entre eficiência e equidade em seu clássico
“Economics” (2010 [1948]). A questão exposta por Samuelson é emblemática para
apresentar como parte da literatura compreende este trade-off, isto é: quais são os custos
aceitáveis da (re)distribuição? (Buchanan: 2000); (Wilkinson 2000, p. 39); (Musgrave: 1996,
11); (Ulrich: 2011, p. 164). Dito do outro modo, e em consonância com a frase de Samuelson:
o quanto de eficiência econômica teremos que abrir mão em nome da equidade?

Sendo assim, o ponto para o qual quero chamar atenção é o de que esta visão avalia o
trade-off entre eficiência e equidade a partir da métrica da eficiência. A questão, portanto,
não seria: quais são os custos que a escolha pela eficiência nos impõe à maior equidade ou o
quanto de equidade teremos que abrir mão para aumentar a eficiência. Mas, a métrica de
avaliação, sob essa perspectiva, é o custo em termos de eficiência que se perde com a
(re)distribuição13.

O enfoque do trade-off a partir da “métrica eficientista” é definida pela literatura14 a


partir de diversas, e complementares, definições: como um conflito irredutível entre, por um
lado, distribuição – como proxy de equidade – e, por outro, crescimento econômico,
produtividade, nível de investimento e inovação, incentivos ao trabalho e à poupança, ou, de
uma maneira geral, entre distribuição e produção de custos de eficiência em termos de rent-
seeking e de um amplo15 leaky bucket16.

13
Cabe ressaltar que, a despeito da preocupação com a eficiência, a concepção do “trade-off”, isto é, de um
conflito dilemático estruturado por custos de escolha, se mantém. Há trade-off pois há custos e há perdas.
Não é possível conciliar, portanto, mais eficiência com mais distribuição.
14
(Buchanan, 1984; Buchanan: 2000; Le Grand, 1990; Kenworthy, 1995; Samuelson, 2010; Okun, [1975]
2015; entre outros).
15
A noção de “amplo” aqui é bastante relevante, pois a ideia de leaky bucket em si mesma não representa
uma preferência à métrica eficientista, apenas esclarece a representação do trade-off entre eficiência e
equidade.
16
Estes conceitos serão explicados mais adiante.

7
Sob este ponto de vista, a existência de tal trade-off implica em limitações do alcance
que a tributação desempenharia em sua função distributiva. Neste sentido, mesmo se
tomarmos a existência de tal trade-off como um fato empírico – e há controvérsias sobre a
magnitude de seus efeitos17 –, é necessário fazer escolhas normativas sobre o que entendemos
por eficiência e por equidade18. E, sobretudo, qual destes valores – partido do pressuposto,
questionável, de que eficiência é um valor19 – iremos, enquanto sociedade, privilegiar. Como
mencionado na introdução deste trabalho: não são apenas fatos empíricos que importam20
sobre a questão tributária e distributiva, mas orientações normativas que nos guiam a respeito
do que é moralmente aceitável em termos de desigualdade social e moralmente desejável em
termos de equidade. Para alguns teóricos, como iremos discutir com maiores detalhes nas
próximas seções, a desigualdade não é um problema para o qual a autoridade pública tem o
dever moral de interferir, seja por meio de gasto social ou por meio de arrecadação fiscal – e
aqui vale destacar que desigualdade e pobreza não correspondem nem ao mesmo fenômeno e
nem têm as mesmas implicações em termos de demandas distributivas, de modo que é
coerente que uma posição teórica seja favorável às medidas anti-pobreza e contrária às
políticas distributivas mais amplas. Para tais teóricos, não seria justificável modificar a
dinâmica do mercado por meio de incentivos artificiais do governo. O ponto central é: quanto
mais a autoridade pública interfere na dinâmica de alocação de preços do mercado, mais se
produz custos em eficiência. E quais são estes custos em eficiência, afinal? A seguir iremos
conceitualiza-los e discuti-los.

A mais famosa metáfora desse trade-off foi cunhada por Arthur Okun em “Equality
and Efficiency: The Big Trade-Off” (1975)21. Para este autor, tal trade-off, para além de uma
questão empírica dilemática, seria a expressão de uma tensão relativa aos valores
fundamentais que constituem as sociedades contemporâneas com regime político democrático
e economia de mercado (2015, p. 1-5). Okun faz uma distinção analítica entre o que ele
chamou: (i) “The Domain of Rigths” e (ii) “The Domain of Dollars”. O primeiro se refere aos
valores políticos da sociedade democrática e aos direitos e liberdades políticas e civis dela
provenientes, neste domínio a “igualdade” seria o princípio fundamental. Já o segundo
domínio diz respeito ao âmbito do mercado e das instituições econômicas (marketplace), aqui
as diretrizes da eficiência seriam as prevalecentes. Nas palavras de Okun:
17
Ver: Kenworth et al (1995); Blank, R. (2002).
18
Adiante veremos que há diferentes concepções de eficiência e de equidade.
19
Ver: Le Grand (1990)
20
Gaisbauer et al (2015, p. 2)
21
Estamos utilizando a edição ampliada publicada em 2015 pela Brookings Institution Press.

8
“[...] the domain of social and political rights in which society gives
priority, at least in principle, to equality over economic efficiency. Into
the marketplace and other economic institutions, in which efficiency gets
priority and a large degree of inequality is accepted.” (Okun: 2015, p. 86)

“Such is the double standard of a capitalist democracy, professing and


pursuing an egalitarian political and social system and simultaneously
generating gaping disparities in economic well-being.[...] To the extent
that the system succeeds, it generates an efficient economy. But that
pursuit of efficiency necessarily creates inequalities. And hence society
faces a tradeoff between equality and efficiency. (Okun: 2015, p. 1)

A dicotomia entre as conflituosas demandas por igualdade do domínio dos “Rigths”


e, por outro lado, das demandas por eficiência proveniente da dinâmica do domínio dos
“Dollars” não foi a metáfora de Okun que ficou célebre – embora isso não queira dizer que ela
não seja relevante. Mas, com base neste seu diagnóstico de que “[...] both equality and
efficiency are valued, and neither takes absolute priority over the other, then they conflict,
compromises ought to be struck”22, o autor formulou a célebre metáfora da representação do
trade-off a partir de um “leaky bucket”.

Assim, considere que ao elaborar políticas de redistribuição de renda dos ricos para
os pobres por meio de tributação progressiva, os governos podem comprometer, em diferentes
graus, a eficiência econômica e, com isso, reduzir o rendimento nacional disponível para
realizar a distribuição ao longo prazo. Mas, se a igualdade é um bem social que a sociedade
considera relevante, então, a questão diz respeito a quanto estamos dispostos a pagar em
custos de eficiência. E aonde entra o “leaky bucket”, então? Para demonstrar os dilemas
envolvidos na questão acima descrita, Okun elabora um experimento descritivo no qual o
trade-off é representado pela figura de um balde afunilado dentro do qual será depositado um
montante X com a finalizada distributiva. Digamos, por exemplo, que este montante é de 4
reais. Agora, suponha que este balde afunilado contenha vazamentos e o montante inicial de 4
reais depositados tornam-se, ao final, apenas 2 reais. Isso ocorre, pois durante o
processamento deste montante até a sua distribuição ocorreram vazamentos no balde, estes
vazamentos correspondem a uma analogia aos efeitos dos (i) custos administrativos do
aparato estatal público responsável por gerenciar a distribuição; aos desincentivos que
impostos progressivos geram ao (ii) trabalho e a produtividade; à (iii) poupança e aos
investimentos (fuga de capitais); e ao (iv) crescimento econômico (Okun: 2015: p. 93-98).
Desse modo, com a noção de “leaky bucket”23, Okun conseguiu incorporar as diversas, e

22
Okun, 2015, p. 86-87.
23
E O processo de leaky bucket descrito por Okun assemelha-se ao deadweight losses. Este conceito chama
atenção que, em situações nas qual preferimos equidade à eficiência, os ganhos advindos dos benefícios

9
complementares, definições de eficiência econômica, bem como demonstrar qual o resultado
da interação destas com as medidas distributivas: a produção de custos em eficiência.

Análogo a tais definições de custo em eficiência está a concepção de rent-seeking,


que pode ser resumida da seguinte forma: ao interferir na economia coletando tributos e
transferindo recursos, o Estado incentiva a formação de grupos (lobbys) que buscam rendas
estatais, os renters seekings (ou os “caçadores de renda”). Estas rendas, por sua vez, não
geram investimentos e ativos na dinâmica econômica, pois correspondem a atividades
improdutivas que seriam incapazes de agregar valor por meio da competição e da alocação de
preços, como ocorre no mercado, uma vez que a concorrência entre os grupos rent-seeking se
configuraria a partir de um jogo de soma zero. Portanto, sob a lógica do rent-seeking, políticas
distributivas criariam distorções na competição do mercado e, como decorrência, gerariam
ineficiência. A proposição geral destas teorias é a de que “[...] o mercado aloca recursos para
todos os usos mais eficientemente do que as instituições políticas”24.

Pode-se dizer que os rent-seeking equivalem, portanto, a grupos predatórios das


atividades públicas que dissipam o valor das rendas e produzem custos sociais (desperdício de
recursos e custos em eficiência) no próprio processo de disputa pelos recursos oferecidos pelo
Estado (Tullock, 1967; Tollison: 1982; Buchanan: 1980)25. Uma definição precisa do conceito
de rent-seeking foi elaborada por Tollison (1982, p.77), para quem: “Rent-seeking is the

sociais e tributação redistributiva (bens públicos, que são entendidos de modo geral por essa literatura
como “rendas”) são sempre menores que os custos sofridos por àqueles que financiaram estas
transferências.

24
(Przeworski: 1995, p. 26).
25
Segundo Congleton, Hilman e Konrad (2008, p.4) “In the second half of the twentieth century, there
were a variety of efforts to place the normative analysis of public policy on firmer analytical ground”, estas
análises correspondem a literatura sobre rent-seeking. O artigo de Gordon Tullock (1967) é considerado o
evento fundador da teoria do rent-seeking (Tollison: 2011: 75. Tradução minha). Como também indica
Congleton et all (2008) “Tullock focused on the efficiency consequences of income transfers [...] Tullock
reasoned that the resources used in activities of persuasion should be counted as a cost to society”
(CONGLETON et all: 2008: 2). Ainda Congleton et all argumentam que o foco teórico da literatura sobre
rent-seeking “is the computation of social loss through the value of the resources unproductively used
because of the presence of the rents or prizes that are assigned by the personal discretion of others, as
when political decision makers determine public policies [...] The social loss from rent seeking similarly
occurs ex ante, through unproductively used resources and initiative before policy decisions are made”
(CONGLETON et all: 2008: 2-3). James Buchanan é considerado também um dos principais expoentes
desta literatura, segundo Tollison (2011, p. 74), Buchanan teria publicado um volume de artigos sobre
rent seeking que influenciaram de forma salutar o desenvolvimento posterior do campo. Em 1980 foi
publicado um livro composto por uma coletânea de artigos de autores dedicados a esta literatura,
“Toward a theory of rent seeking society” foi organizado por Buchanan, Tollison e Tullock e é considerado
a principal obra de referência desta literatura.

10
expendure of scare resources to capture an artificially created transfer”. A referência à
capturação dos recursos num quadro criado artificialmente é um ponto central desta
abordagem, dado que a atividade de rent seeking existiria apenas em decorrência da regulação
econômica do mercado pelo governo. Neste sentido, é a interferência na alocação do mercado
que cria incentivos aos atores, que nesta literatura sempre são modelados como auto-
interessados26 (self-seekings), a maximizar seus ganhos em atividades rent-seeking. Como
ainda salienta Tollison (2011):

“The concept of rent seeking is applied to cases where governmental


intervention in economy leads to the creation of artificial or contrived
rents. Seeking such returns leads to social costs because output is fixed by
definition in, for example, a governmental regulatory regime.”
(TOLLISON: 2011: 75).

Então, se aceitarmos tais diagnósticos sobre os efeitos nocivos que a ação pública em
favor de políticas distributivas tem sobre a dinâmica econômica, certamente, a visão que
teremos do tamanho do leaky bucket produzido pelas demandas conflitantes entre eficiência e
equidade será amplo o bastante, de modo que consideraremos que os custos em eficiência não
seriam aceitáveis. Mas, quais razões teríamos para aceitar o diagnóstico de que os “recursos
são improdutivamente usados em atividades rent-seeking27 e que isto produziria custos
inaceitáveis de eficiência28? E mais, qual seria o limite aceitável para o tamanho do leaky
bucket?
Para alguns autores, como Meade, Rawls, e em certa medida até Okun29, é possível e
defensável uma solução de compromisso entre eficiência e equidade. Para outros, tais como

26
Tal perspectiva é exposta por Buchanan (1980, p.47), para este autor: “The term rent seeking is
designed behavior in institucional settings where individual efforts to maximizar value generate social
waste rather than social surplus”
27
(CONGLETON et al: 2008: 2. Tradução minha).

28
Przeworski (1995) discuti a relação entre a alocação eficiente de recursos no mercado e a alocação por
meio de governos democráticos, “uma política não é ineficiente” mesmo que do ponto de vista econômico,
como defendido pela literatura debatida aqui, haja ineficiência. A questão é que “[...] a menos que uma
alternativa [aqui pensada em termos das possibilidades paretianas] deixe cada um igual ou melhor que
antes, uma política não é ineficiente” (Przeworski: 1995:33). O autor argumenta que a utilidade, isto é, a
eficiência, não pode ser medida em dinheiro (recursos desperdiçados), então, Przeworski prossegue a sua
argumentação afirmando que: “Assim, mesmo que seja verdade que as intervenções governamentais
necessariamente diminuem a renda agregada, as inferências relativas a perdas de bem-estar, a partir de
perdas de renda, não podem ser sustentadas” (Ibdem).
29
Não foi possível, nesta seção, discutir mais profundamente o texto de Okun, bem como suas posições
normativas, apenas fizemos uma breve descrição de como a metáfora do “leaky bucket” proposta por este
autor explica bem o trade-off entre eficiência e equidade. De maneira mais geral, o objetivo de Okun em
“Equality and Effiency; The Big trade-off” é apontar para uma solução de compromisso (p. 129), na qual “A
social preference for equality implies a willingness to pay some costs for equalization. [...] Thus, society

11
Buchanan, Hayek e também Nozick, no entanto, a possibilidade de produção de leaky bucket
ou deadweight losses é, grosso modo, inaceitável e injustificável. Nas seções seguintes
buscaremos debater estas duas posições presentes na literatura: a (i) solução de compromisso
na qual a preferência pela equidade, entendida aqui como tributação progressiva, não
desconsidera os custos de eficiência; e uma (ii) posição eficientista, que é contrária, por
princípio, à tributação progressiva. E, vale relembrar, como estas duas posições não são
simplesmente expressões de necessidades pragmáticas, dados os constrangimentos da política
econômica, mas são também expressões de posições normativas conflitantes, iremos, na seção
que segue, discutir mais especificamente as bases normativas do trade-off entre eficiência e
equidade.

3. As bases normativas do trade-off: a eficiência é um valor?


Agora que já temos esclarecidas as definições, as tensões e as principais posições
sobre o que a literatura diz acerca do trade-off, podemos dar um passo além e discutir suas
bases normativas.

O primeiro ponto a ser considerado é: (i) equidade e (ii) eficiência são, ambas, valores
morais? No caso da equidade não há controvérsias de que ela envolve valores morais –
embora haja, sim, muitas controvérsias normativas sobre o que a equidade é –, mas no caso da
eficiência, esta também seria, em si mesma, um valor informado normativamente? Na seção
anterior discutimos diferentes entendimentos do que a eficiência é, e todas as perspectivas
discutidas fazem referências aos custos e perdas em termos econômicos. E o que isso significa
em termos valorativos?

Para começarmos a explorar este ponto, a posição exposta por Le Grand em “Equity
Versus Efficiency: The Elusive Trade-Off” (1990) é, para nós, muito pertinente. De acordo
com este autor, o debate político e, sobretudo o acadêmico, acerca do trade-off entre
eficiência e equidade, cometeria alguns equívocos30. O principal deles é não fazer uma
distinção entre dois tipos diferentes de trade-offs31: um que ocorre no nível dos valores e
outro que ocorre no nível da produção. Quanto a discussão deste trade-off no nível da

Will carry the leaky bucket to pursue equality up to the point where the added benefits of more equality
are just matched by the added costs of lesser effiency”. (Okun: 2015, p. 129-130).
30
Não poderemos discutir todos os pontos do artigo de Le Grand.

31
“[...] there are two different kinds of phenomenon to which the phrase “equity-efficiency trade-off” could
refer. The first concerns values; the second, what might be termed production” (p. 555).

12
produção econômica, nós já pudemos debatê-lo no seção anterior. Agora, vamos prosseguir
buscando articular quais são os valores moralmente estimados quando se trata deste mesmo
trade-off. Wilkinson32 (2000, p. 41) aponta para eficiência enquanto um lugar que precisa ser
ocupado por valores que são socialmente considerados de primeira ordem:

"Conceptions of efficiency can differ in how they answer the question


‘efficiency of what?’ If efficiency is to be the basis of an objection to
equality, its space must be some first-order value such as welfare,
resources, or capabilities. The objection would then be that the efficient
production or achievement of these first-order values is both incompatible
with and more important than equality”.

Neste sentido, como exposto por Wilkinson, se eficiência é a base de objeção à


equidade, então, ela só faz sentido na medida em que é uma expressão de outros valores como
recursos e bem-estar, por exemplo. Mas isso implica duas questões: (i) a eficiência não é um
valor, ao menos no que diz respeito aos valores de primeira ordem (e a equidade, por sua vez,
é um valor de primeira ordem); (ii) a eficiência é um instrumento de maximização, no qual
outros valores, tais como bem-estar, produtividade (recursos) podem ter expressão – neste
caso, a eficiência, em si mesma, teria um valor apenas instrumental. Este ponto é interessante,
pois quando autores que chamamos de eficientistas, tais como Buchanan (2000 [1975]),
defendem que a eficiência econômica, no caso entendia como a não intervenção na dinâmica
de mercado, não pode ser sacrificada em nome de mais distribuição, estes autores estão
mobilizando, nas bases justificatórias de sua argumentação, que a livre dinâmica do mercado
é a melhor expressão da liberdade individual. Então, neste caso, o valor de primeira ordem
aqui é a liberdade individual, e não a eficiência. Como sugere Wilkinson (2000, p. 55):
“Efficiency is not itself a value: the value is whatever is the right space for efficiency”.

Desse modo, se assumirmos que a eficiência não é um valor substantivo, mas apenas
instrumental, que serve para expressar a situação de maximização de algo, então, precisamos
de uma definição mais precisa do que a “eficiência” é. Vejamos, então, a definição de
“eficiência paretiana”, que é a definição mais importante e comumente usada pela literatura:

“The Pareto principle says that we should prefer those allocations ins
which at least some individuals are better off and no one is worse off”
(Stiglitz: 1999, p. 99)

32
Este livro seria bastante importante para a nossa discussão, mas ele será analisado nos próximos passos
desta pesquisa.

13
A função de eficiência paretiana é uma função de bem-estar que serve para avaliar
resultados distributivos. No entanto, na definição Pareto-Ótima não há nada inerente a ela
mesma que indique alguma definição do “quanto” e “do quê” está sendo distribuído em
estado Tᵢ para estado T₁. Sendo assim, essencial para saber em que medida uma distribuição é
Pareto-Ótima é a baseline distributiva inicial, ou seja, o (Tᵢ), que está sendo considerado. E
este o ponto! Se (i) a eficiência não é um valor substantivo, mas apenas instrumental; e (ii) se
a definição de eficiência a partir da optimilidade de Pareto depende ponto de partida
distributivo que será considerado na comparação entre estados de eficiência, então, a zona de
conflito normativo está justamento em definir qual é este ponto de partida ou baseline
comparativa. Pois, é na baseline comparativa que as disputas sobre o alcance e os limites da
distribuição serão definidas, pelo menos do ponto de vista teórico. Considere, por exemplo,
uma posição teórica na qual a baseline comparativa são as titularidades provenientes de uma
aquisição inicial de propriedades (Nozick: 1974, p. 171), uma distribuição eficiente em termos
da optimilidade de Pareto, neste caso, é aquela na qual a distribuição de titularidades é
eficiente se melhorar a posição de X sem piorar a posição que Y, dado a posição de Y no
estado inicial em termos de titularidades.

Sendo assim, fica mais claro o valor instrumental que a noção de eficiência
desempenha. Como aponta Le Grand (1990):

Efficiency is not an objective in the sense that equity is an


objective; rather, it is a secondary objective that only acquires
meaning with reference to primary objectives [...]” (Le Grand:
1990, p. 560)

Even if effiency is interpreted in such a way as to make it a


primary objective, in terms of economic growth or Pareto-
optimality, for instance, there are serious problems in teasing out
precisely what is being traded off against what (in either value or
production terms)” (Le Grand: 1990, p. 566).

As bases normativas do trade-off, portanto, são expostas quando olhamos para os


valores primários (Wilkinson) ou objetivos primários (Le Grand) que são mobilizados em
nome da eficiência. Na seção seguinte, iremos aprofundar este debate ao analisar as posições
normativas de Buchanan (1984; 2000 [1975]), Hayek (1976; 2013 [1960]), em relação à
função distributiva da tributação sob o pano de fundo deste trade-off entre eficiência e
equidade.

4. Eficiência como a maximização da liberdade individual:

14
Buchanan e Hayek e os limites à tributação

Escolhemos James Buchanan e Friedrich Hayek, pois, além destes autores debaterem
mais especificamente a questão da tributação, eles são, com a licença para o trocadilho, um
dos mais ”clássicos” representantes contemporâneos de posições normativas libertárias em
justiça distributiva e, também, nas discussões sobre economia política

4.1. Entre a Anarquia e Leviatã: Buchanan e os limites contratualistas para a tributação


4.1.2. As bases normativas de Buchanan: a díade libertária

O núcleo normativo33 da teoria de Buchanan é composto por uma díade


inseparável: liberdade individual e direito de propriedade. A elas tudo se conecta na estrutura
argumentativa de Buchanan34. A liberdade individual é o objetivo primordial da política,
afirma Buchanan35, e os direitos de propriedade são a principal expressão da salvaguarda
desta liberdade:
“The basic function of property in any social order that embodies
individual liberty as a value must be clearly understood. By allocating or
parcelling out ``rights'' among individuals in a community [...]”.
(Buchanan: 2000, p. 13).

Em síntese, o raciocínio da construção teórica de Buchanan é o seguinte: do ponto de


vista de um individualista a anarquia é uma utopia. Entretanto, como um realista, uma força
de agência coletiva, o Estado, é uma necessidade (2000, p. 17). Assim, o individualista
realista, e Buchanan afirma ser um, entende que os indivíduos são racionais e self-seeking,
logo, em um estado de anarquia o conflito é inevitável e, por isso, a preservação da
propriedade e da liberdade individual é irrealizável. Neste cenário, o contrato que funda, ao
menos epistemicamente, o Estado é fruto de um acordo baseado em um cálculo individualista
auto interessado. A salvaguarda dos direitos e liberdades individuais, e aqui o direito à
propriedade é central, é a justificativa e o objetivo primordial do Estado. Neste sentido, os

33
No entanto, recusa expressamente qualquer fundamentação normativa de suas posições teóricas (1974,
p. 153; 2000, p. 2-3). Como discutiremos em detalhes mais adiante, nós discordamos que a postura de
Buchanan seja desprovida de preferências normativas fortes. Podemos até dizer que a recusa expressa por
não desenvolver uma teoria estruturada normativamente é, em si mesma, uma preferência normativa e
não apenas analítica.
34
“My approach is profoundly individualistic, in a ontological-methodological sense [...] The approach
must be democratic, which in this sense is merely a variant of the definitional norm for individualism. [...]”
(Buchanan: 2000, p. 3-4)
35
“Individual freedom becomes the overriding objective for social policy” (Buchanan: 2000, p. 4)

15
limites da ação do poder público coercitivo, i.e. o Estado, estão dados pelas justificavas
ancoradas nos direitos e liberdades individuais, como salienta Buchanan (2000, p. 17):
“[...] what are the limits of law? The necessity for an enforcing agent
arises because of conflicts among individual interests, and the enforcing
role for the state involves the protection of individual rights to do things,
including the making and carrying out of valid contracts.”

Nesta estrutura teórica, a concepção de pessoa livre está associada, necessariamente, à


posse de direitos, como afirma o autor: “Persons are defined by the rights which the posses
and are acknowledge by others to posses” (2000, p. 14). Dito isso, Buchanan, constrói a
concepção de pessoa sob o ponto de vista de um espectro, no qual suas extremidades são
ocupadas, por um lado, pelo escravo, que é destituído até mesmo do direito de posse de si, e,
por outro lado, do tirano, que detém a posse da pessoa de todos36. No entanto, esta não parece
ser somente uma definição analítica, uma vez que a concepção de pessoa evocada pelo autor
permite justificar a desigualdade. A sociedade, para ele, não é um contrato entre iguais, mas,
um contrato entre indivíduos e estes, por sua vez, são necessariamente desiguais uns dos
outros, não só em propriedades, mas em dons, talentos e capacidades. Assim: “We live in a
society of individuals, not a society of equals” (Buchanan: 2000, p. 16). O que deve ser
preservado pelas instituições políticas não é uma noção de igualdade humana fundamental,
mas uma noção de tratamento igual para desiguais. Do ponto de vista de Buchanan, o lócus no
qual a expressão sobre o “tratamento igual de desiguais” se exprimi é na realização de
contratos, nos quais o fundamento deve ser o respeito igual entre os contratantes.
Em suma, o acordo mútuo que funda o Estado é fruto, portanto, de um cálculo sobre
quais são os meios mais eficientes para alcançar nossos objetivos enquanto indivíduos. Como
diz Buchanan37:

“We live together because social organization provides the efficient


means of achieving our individual objectives and not because society
offers us a means of arriving to some transcendental common bliss”
(Buchanan: 2000, p. 3).

Em vista disso, do ponto de vista da teoria buchaniana, qual deve ser o papel e os
limites da ação pública nesta “sociedade de indivíduos”, principalmente, no que diz respeito à
distribuição? Adiante vamos discutir este assunto.

36
Ver: p. 14
37
Com essa afirmação, podemos dizer que Buchanan se afasta de tradições contratualistas modernas, tais
como a rousseaniana e a kantiana, mas também de contratualistas contemporâneos, como Rawls (1971)
ao negar qualquer fundamento substantivo justificação do acordo sob qual se baseia o contrato.

16
4.1.2. Buchanan e os limites “éticos” à tributação:
Dentre os vários trabalhos de Buchanan sobre tributação, resolvemos discutir um
específico no qual o autor procurar discutir os “limites éticos” da tributação, mas
especificamente, debater quais seriam as bases para julgarmos como justas ou razoáveis o
nível absoluto de renda auferido por um sistema tributário (Buchanan, 1984). Sua
argumentação é especialmente relevante para os propósitos desta pesquisa na medida em que
o autor procura defender que uma argumentação contratualista tal como formulada por Rawls
(2008 [1971]) impõe limites ao nível absoluto de tributação de uma sociedade.
Buchanan (1984) afirma que grande parte das teorias normativas de tributação estão
exclusivamente preocupadas com a distribuição dos encargos entre grupos de pessoas. Nesse
aspecto, para Buchanan, o princípio da diferença proposto por Rawls embasaria a defesa,
formulada por muitos autores, de uma sistema tributária altamente progressivo.
O que Buchanan busca ressaltar é que essa discussão não diz nada a respeito do o nível
absoluto de tributação. Por exemplo, o princípio da diferença não conseguiria diferenciar uma
situação na qual 90% da renda fosse tributada de outra onde 10% assim o fosse.
Para avaliarmos essa situação, o autor defende o recurso à prioridade do que Buchanan
chamou de “maximal liberty” em relação ao princípio da diferença, sublinhando que Rawls
teria estabelecido uma prioridade léxica para o primeiro princípio de justiça. É a partir desta
leitura particular e controversa dos princípios de justiça rawlsianos que Buchanan defende que
anteriormente à discussão sobre as proporções de encargos tributários para cada grupo, o que
deve ser priorizado teoricamente é a discussão sobre o nível absoluto de tributação.
A tese de Buchanan (1984) é que o princípio de “máxima liberdade” implica em
restrições ao nível de tributação que pode ser considerado justo. Particularmente, o autor
defende que o direito à liberdade de saída da comunidade política (polity) implica em limites
razoáveis à tributação.
Mesmo raciocinando hipoteticamente em cenários onde o nível de tributação não afeta
os incentivos ao trabalho, o autor procura mostrar que indivíduos mais produtivos podem
razoavelmente rejeitar um arranjo tributário excessivo, que lhes concede uma renda pós-
tributação menor que aquela que seria obtida em um outro cenário.
Dessa forma, buscamos ressaltar aqui duas coisas: (i) Buchanan chama atenção para a
importância de se pensar o nível absoluto da tributação, e não apenas a distribuição das taxas
entre os grupos e (ii) em um ponto que discutiremos no desenvolvimento da pesquisa, é que o
autor pode estar cometendo incoerência interna entre o arranjo contratualista que utiliza e os
resultados que alcança: o argumento que indivíduos mais produtivos poderiam rejeitar

17
arranjos tributários viola o suposto do véu de ignorância espesso que embasa o procedimento
argumentativo de Rawls que Buchanan assume adotar para discutir a questão dos limites
éticos à tributação. A utilização da argumentação contratualista baseada em Rawls, bem como
a interpretação do princípio de diferença que Buchanan mobiliza para argumentar em favor de
suas posições restritivas à função distributiva da tributação é bastante questionável.
Pretendemos analisar com cuidado este ponto no desenvolvimento futuro da pesquisa, e
argumentar que o uso que Buchanan faz da teoria rawlsiana é equivocada. No atual momento,
nosso objetivo seria mais descritivo.

4.2. Hayek e os constrangimentos éticos à tributação em uma sociedade livre


4.2.1. O objeto da justiça para Hayek: um breve esclarecimento
Podemos dizer que para Hayek a justiça é uma virtude individual. O indivíduo é, ao
mesmo tempo, o agente responsável e o fundamento da justiça. É seu agente no sentido de
que (i) apenas a conduta individual pode ser objeto de avaliação moral, agentes coletivos e
instituições não agem moralmente; e, é seu fundamento na medida em que a (ii) liberdade
individual é o baluarte da justiça. Deste ponto de vista, algo como a “justiça social ou
distributiva”, na qual as autoridades e instituições públicas teriam o dever de preservar e a
sociedade teria de assumir a sua responsabilidade coletiva diante da produção de injustiças,
para Hayek, não faria sentido38.
E, além disso, a distribuição natural do mercado, enquanto uma ordem impessoal,
não intencional e espontânea, não poderia ser objeto de avaliação normativa sobre a justiça ou
injustiça de seus resultados, e muito menos objeto de aplicação de princípios de justiça:

[...] o atributo da justiça pode ser usado no caso de resultados desejados,


mas não no caso de circunstâncias que não tenham sido deliberadamente
provocadas pelos homens. A justiça requer que no tratamento de um ou
mais pessoas, por exemplo, por ações intencionais que possa prejudicar o
bem-estar alheio sejam observadas certas regras de conduta, iguais para
todos. Obviamente isto não tem nenhuma aplicação no modo em que o
processo impessoal do mercado distribui o domínio sobre bens e serviços
a determinadas pessoas: isso não é justo e nem injusto, pois os resultados
não são desejados e nem previstos e dependem de uma grande quantidade
de circunstâncias que, em sua totalidade, não são conhecidas por
ninguém. A conduta dos indivíduos nesse processo pode muito bem ser
justa ou injusta; mas, uma vez que suas ações completamente justas têm
para outrem consequências que não foram desejadas e nem previstas,

38
“Enquanto [...] tive de defender o conceito de justiça, entendido como fundamento e limitação
indispensável de qualquer lei, quero [...] criticar o abuso desse termo, que ameaça destruir o conceito de
lei como baluarte da liberdade individual”. (Hayek: 2005 [1976], p. 367)

18
essas consequências não podem tornar-se justas ou injustas. (Hayek: 2005
[1975], p. 379-380).39

A justiça, portanto, diz respeito somente à conduta intencionalmente motivada das


pessoas enquanto agentes econômicos dentro do jogo do mercado, e nada mais. Tal é o objeto
da justiça para Hayek. Diante disso, podemos nos questionar: quais as implicações desta
concepção da justiça para a questão da tributação enquanto mecanismo distributivo?

4.2.2. Hayek e as implicações éticas da progressividade tributária


No capítulo XX de “The Constitution of Liberty” (2013 [1960]), Hayek faz uma
discussão específica sobre a questão da tributação progressiva em relação ao seu impacto na
dinâmica espontânea do mercado e, também, sobre os tensionamentos éticos nos quais ela se
justifica. O ponto principal da discussão de Hayek neste capítulo é o de argumentar que um
sistema tributário progressivo não é compatível com a existência de instituições livres.
O desenvolvimento de sua argumentação passa pela mobilização de dois tipos de
razões, uma econômica e outra ética: (i) os efeitos de ineficiência econômica que a tributação
progressiva produz sobre a dinâmica espontânea do mercado; e a (ii) impossibilidade de se
justificar eticamente a tributação progressiva em uma sociedade democrática com instituições
livres.
Como vimos acima, a compreensão de Hayek sobre a justiça tem um fundamento
eminentemente individualista. Deste ponto de vista, algo como princípios de “justiça
distributiva” aplicada às instituições políticas, sociais e econômicas, não seria razoavelmente
defensável. Consequentemente, para Hayek, o uso da política tributária para fins distributivos
seria uma grave distorção40 do que a justiça efetivamente é.
Do ponto de vista econômico, os efeitos da progressividade tributária seriam tão
nocivos que, no limite, impulsionaram a formação de mercados monopolíticos – e, como
consequência, isso teria profundas implicações para a preservação da liberdade individual. O
raciocínio de Hayek é o seguinte: a adoção de tributação progressiva sobre a renda produziria

39
Estou usando uma compilação de escritos de Hayek, do vol. 2 “The Mirage of Justice, retirados de Law,
Legislations and Liberty (1976) e publicados em Salvatore, V.; Malffettone, S. (2005) como capítulo 4, na 4º
parte “A Justiça dos Contemporâneos”. In.: A idéia de Justiça de Platão Rawls. 1. Ed. São Paulo: Martins
Fontes.
40
Neste sentido, Hayek argumenta que a justificativa mobilizada pelos defensores da tributação
progressiva não tem nenhuma básica científica, estatística ou econômica, sendo puramente um postulado
político, isto é, como uma tentativa de impor à sociedade um padrão distributivo determinado pela
maioria em detrimento da minoria. (2013, p. 437).

19
desincentivos à produtividade no trabalho, à formação de poupança; resultando no
esgotamento das oportunidades de investimento globais na economia. Estes elementos estão
correlacionados e, em conjunto e no longo prazo, minam as possibilidades de surgimento de
novos empreendedores, uma vez que os custos para acumulação de capital se elevaram por
conta da progressividade dos tributos. Portanto, no longo prazo, no mercado, devido às
intervenções e as medidas artificialmente criadas pelo Estado, a dinâmica espontânea da
competitividade livre vai sendo paulatinamente assolapada. Tal é o diagnóstico
macroeconômico de Hayek.
Neste sentido, Hayek argumenta que a tributação progressiva teria consequências
paradoxais. Para seus defensores, seu objetivo seria promover a distribuição, mas, para
Hayek, seu resultado seria perpetuar e contribuir para a preservação das desigualdades. Mas
como? Esse diagnóstico do autor depende de premissas normativas sobre o que deve ser
considerada uma desigualdade legítima ou não.
Em uma sociedade fundada na iniciativa livre, o princípio do mercado aberto aos
talentos é o mais importante fator para a reparação das desigualdades. E, segundo Hayek, a
eliminação deste elemento é decorrência do efeito da tributação progressiva e da contínua
interferência artificial na dinâmica espontânea do mercado. Do ponto de vista ético, a
tributação progressiva não oferece nenhum critério do que pode ser considerado um patamar
razoável de tributação, neste sentido, ela não estabelece nenhum limite para sua aplicação.
Daí, Hayek conclui que ela é, fundamentalmente, arbitrária. A definição deste limite será uma
escolha política e, como tal, pode ser arbitrariamente influenciada pelas preferências da
maioria em detrimento da minoria. Nas palavras de Hayek:

“It is no slur on democracy, no ignoble distrust of its wisdom, to maintain


that, once it embarks upon such a policy, it is bound to go much further
than originally intended. This is not to say that “free and representative
government is a failure”19 or that it must lead to “a complete distrust in
democratic government,”20 but that democracy has yet to learn that, in
order to be just, it must be guided in its action by general principles. What
is true of individual action is equally true of collective action, except that
a majority is perhaps even less likely to consider explicitly the long- term
significance of its decision and therefore is even more in need of guidance
by principles. Where, as in the case of progression, the so- called
principle adopted is no more than an open invitation to discrimination
and, what is worse, an invitation to the majority to discriminate against a
minority, the pretended principle of justice must become the pretext for
pure arbitrariness.
What is required here is a rule which, while still leaving open the
possibility of a majority’s taxing itself to assist a minority, does not
sanction a majority’s imposing upon a minority whatever burden it
regards as right. That a majority, merely because it is a majority, should
be entitled to apply to a minority a rule which does not apply to itself is

20
an infringement of a principle much more fundamental than democracy
itself, a principle on which the justification of democracy rests”. (Hayek:
2013, p. 441).

Diretamente associada a esta crítica de Hayek está a sua posição de discordância em


relação aos rumos que a discussão sobre tributação tomou desde o início do século XX. As
clássicas proposições sobre a justeza da tributação proporcional baseada no que ficou
conhecido como “princípio do benefício” 41 teriam sido gradualmente modificadas ao longo
do tempo, até que o mainstream da discussão tributária passou a ser o “princípio da
capacidade de pagar” – que faz uma distinção entre os contribuintes em dois tipos de
tratamento: a equidade vertical e a equidade horizontal; e, assim, estabelece um ônus
tributário diferenciado para indivíduos com níveis de renda e consumo diferentes. Quais são
as implicações disso para a justiça tributária?

Vamos tomar como exemplo um arranjo tributário estruturado segundo o “princípio do


benefício”42. De acordo com este princípio, a justa distribuição do ônus fiscal deve ser
dividida segundo a proporção dos benefícios e serviços que os cidadãos/contribuintes recebem
do governo. Portanto, um imposto fundamentado sobre este princípio deve tributar igualmente
todos os cidadãos, sem levar em consideração as diferenças de rendas, riqueza e capacidade
econômica destes na medida em que todos, igualmente, são destinatários e usuários de
serviços públicos fundamentais (ex.: segurança pública). O conhecido “Poll Tax”
(oficialmente Community Charge), que foi implantado por Margareth Tatcher em 1990 no
Reino Unido é um exemplo concreto da aplicação do princípio do benefício sobre a
tributação. Este imposto impunha uma taxa única, com alíquota regressiva, a ser cobrada por
habitante, independentemente das variações de renda e riqueza destes.

Do ponto de vista normativo, quais valores estão justificando tal concepção de


tributação e, de modo mais geral, de justiça tributária? Quando os tributos são compreendidos
como um valor de troca pelos serviços prestados pelo governo, estamos diante de uma
abordagem que integra “[...] a determinação de tributos e despesas públicas com a alocação de
recursos no mercado” (Guimarães: 1982, p. 122). Assim, a distribuição enquanto um dever
que cabe às instituições políticas e econômicas incentivar é, em si mesma, objeto de
controvérsias. E por qual razão? A principal e mais fundamental delas é a de que não é

41
Uma explicação mais detalhada deste princípio pode ser encontrada em Musgrave, 1959, 61-68 e no
cap. 2 de Murphy e Nagel, 2005, p.16-55.
42
Vide nota n. 44.

21
legítimo e nem justo alterar por meio do tributo a distribuição de renda e riqueza que ocorre
no livre mercado (Hayek: 1975; 2013). Neste sentido, não seria justo que as instituições
políticas-econômicas alterassem as distribuições de titularidades legítimas dos indivíduos,
isso corresponderia a uma violação das liberdades individuais que o Estado deveria preservar.
Por isso, para Hayek, um sistema tributário progressivo não é compatível com a existência de
instituições livres.

5. Considerações finais e implicações para trabalhos futuros:


O esforço que se buscou fazer neste trabalho foi, principalmente, de apresentar e
discutir os principais tópicos sobre a relação entre o trade-off entre eficiência e equidade no
que se refere à questão distributiva em relação a tributação. Nosso enfoque foi discutir como
argumentos normativos são mobilizados, mesmo que não explicitamente pelos autores, para
fundamentar e justificar posições em relação a este trade-off.
Desse modo, a discussão sobre tributação, mesmo aquela que pretende ser definida
dentro apenas dos contornos da Economia Política e que busca esquivar-se de argumentações
normativas, é, no fim das contas, normativamente orientada43. Assim, pudemos expor as
razões que Buchanan e Hayek mobilizam para justificar os limites à tributação. A questão
distributiva, para eles, deve ser enquadrada sobre este ponto de vista: daquilo que não deve
ser feito e sobre as consequências perversas do aumento da tributação em sua função
distributiva sobre a liberdade individual. É uma concepção, portanto, negativa sobre a função
distributiva da tributação.
Além disso, como discutido a partir de Le Grand e Wilkison, a eficiência não é um
valor em si mesma, portanto, àqueles que advogam somente em prol de considerações de
eficiência, estão, na verdade, levantando o mastro de outros valores. Neste texto, buscamos
ressaltar que os valores que vestiam a capa do discurso eficientista eram a liberdade
individual e os direitos de propriedade enquanto expressão do pleno funcionamento de
instituições livres, isto é, da estrutura de mercado competitivo sob o contexto de existência de
um aparato público mínimo.

A grande implicação da discussão que realizamos neste paper e que pode ser
entendida como o próximo esforço para trabalhos futuros nesta alçada temática é, justamente,
discutir e buscar oferecer razões que não priorizam considerações de eficiência em detrimento

43
Este ponto não é nada trivial, embora pareça, pois, uma robusta parte da literatura que se dedica a
discussão deste assunto, por exemplo, aquela associada a abordagem economicista da política, como é o
caso da Public Choice, explicitamente ignora a discussão normativa.

22
da equidade. Sendo assim, será que do ponto de vista moral é justificável recorrer às
fundamentações que se baseiam na eficiência enquanto proxy da expressão da liberdade
individual para justificar o que devemos uns aos outros(as) enquanto cidadãos de uma
sociedade democrática no que se refere a questão tributária?

Sob uma abordagem liberal-igualitária da justiça, inspirada em Rawls, acreditamos ser


possível justificar que a preferência pela equidade, enquanto valor fundamental de justiça
distributiva, não implica na negligência das considerações sobre a eficiência. Embora a
eficiência, em si mesma, não seja um valor normativo, ela é expressão de preocupações que
não podem ser negligenciadas quando pensamos em termos de impactos distributivos, como é
o caso do crescimento econômico ao longo do tempo. Assim, para preservação da justiça de
fundo ao longo das gerações, a preocupação com a eficiência é legítima, a questão é que ela
não pode ser a principal razão das instituições tributárias (Rawls, 2003; Rawls, 2008; Meade,
2012).

Desse ponto de vista ao recolocarmos a questão que abriu nosso debate, a saber, “se
consideramos justificável um sistema tributário no qual a maior parte do ônus fiscal recai
sobre as parcelas de renda mais baixas da população”, precisaríamos passar por três
importantes pontos: que a (i) justiça deve ser entendida como uma virtude que cabe às
instituições aplicar; que a (ii) sociedade tem responsabilidade coletiva sobre as
desigualdades e injustiças; e, por fim, que (iii) um princípio de justiça distributivo é razoável
se, e somente se, ele pode ser razoavelmente justificável para aqueles que ocupam as
posições menos favorecidas na sociedade.
Ao lançar estes pontos neste momento do texto, sabemos que estamos adiantando
as implicações, bem como o posicionamento teórico que tomaríamos em discussões futuras
sobre a temática. Este movimento, na verdade, não é trivial. Um ponto salutar que podemos
depreender da discussão neste presente trabalho: é que quando se trata do debate sobre a
relação dilemática entre eficiência e equidade no que tange a tributação, não há uma resposta
peremptória em prol de um destes lados. Uma solução responsável não poderia ser colocada
em termos de “mais equidade” ou “mais eficiência”. O ponto é: nossa sentença não
precisaria ser necessariamente interrogativa (eficiência ou equidade?), mas, poderia ser
aditiva, eficiência e equidade importam – embora não importem da mesma forma.

23
6. Referências bibliográficas:

BLANK, R. (2002). Can equity and Efficiency complement each other?. Ins.: Labour
Economics, n. 9, pp. 451-468.

BUCHANAN, J; TOLLISON, R; e TULLOCK, G. (Orgs.).(1980). Toward a theory of rent


seeking society. College Station: Texas A&M University Press.

BUCHANAN, J.; TULLOCK, G.(1962). The Calculus of Consent: Logical Foundations of


Costitucional Democracy. University of Michigan Press: Ann Arbor.

BUCHANAN, J. (1968). “What kind of redistributioin do we want?”. In: Economica, vol. 35,
PP. 185-190.

_____________.(1980). “Rent seeking and profit seeking”. In: BUCHANAN, J; TOLLISON,


R; e TULLOCK, G. (Orgs.). (1980). Toward a theory of rent seeking society. p. 3-15.

_____________.(1984). “The Ethical limits of taxation”. In: Scand. Journal of Economics,


vol 86, p. 102-114.

_____________. (2000). The limits of liberty : between anarchy and Leviathan. 2.ed.:
Indianapolis: Liberty Fund.

CONGLETON, R., D.; HILMAN, A., L.; e KONRAD. A., K.,(Orgs.). (2008). Forty years of
research on rent seeking: an overview. Heidelberg: Springer.

FRASER, N; HONNETH, A. (2003). Redistribution or recognition? A Political-


Philosophical Exchange. London and New York: Verso.

GAISBAUER et al. (2015). Philosophical Explorations of Justice and Taxation: National and
Global Issues. 1 ed. Springer

GUIMARÃES, R. (1982) “Considerações teóricas sobre os princípios básicos de um sistema


tributário”, Revista ABOP, n. 16.

HAYEK, F. (2013 [1960]). The Constitution of Liberty. Chicago: University of Chicago


Press.

___________. (1976). Law, Legislation and Liberty. London and New York: Routledge Press

24
KENWORTHY, K. (1995). Equality and efficiency: the illusory tradeoff. In.: European
journal of Political Research. No. 27, pp. 225-254.

LE GRAND, J. (1990). Equity Versus Efficiency: The Elusive Trade-Off. In.: Ethics. Vol.
100, No. 3. Pp.554-568.

MEADE, J. (2012 [1964]). Effiency, Equality and the Ownership of Property. 2. Ed.
Routledge

MUSGRAVE, R.,A. (1959). The theory of Public Finance. Nova York: McGraw-Hill.

MUSGRAVE, R., A.; MUSGRAVE, P., B. (1996). Public Finance in Theory and Pratice.
Nova York: McGraw-Hill.

MURPHY,L.; NAGEL, T. (2005). O Mito da Propriedade. 1.ed.: São Paulo: Martins Fontes.

NOZICK, R.(1974). Anarchy, State and Utopia. New York: Basic Books.

OKUN, A. (2015). Equality and efficiency: the big tradeoff. Washington: Brookings
Institution Press.

PELTZMAN, S. (1976). “Toward a more general theory of regulation”. In: Journal of Law
and Economics, vol. 19, p. 211-240.

PIKETTY, T. (2014). O Capital no século XXI. 1.ed. Rio de Janeiro: Intrínseca.

PIKETTY, T. (2015). A Economia da Desigualdade. 1.ed. Rio de Janeiro: Intrínseca.

PINTO-PAYERAS, J. A.; HOFFMAN, R. (2009). “O Sacrifício Equitativo na Tributação


Brasileira”. In.: Revista Economica, Vol. 10, Nº 4.

PINTO-PAYERAS, J. A. (2010). “Análise da Progressividade da Carga Tributária sobre a


população brasileira”. In.: Pesquisa e Planejamento Econômico, v.40, n.2

__________________. (2008). A carga tributária no Brasil e sua distribuição. 139 p. Tese


(Doutorado em Economia Aplicada) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz,
Universidade de São Paulo.

PRZEWORSKY, A. (1995). Estado e economia no capitalismo. 1. Ed.: Rio de Janeiro:


Relumé Dumará.

25
RAWLS, J. (2003). Justiça como equidade: uma reformulação. 1.ed.: São Paulo: Martins
Fontes.

_________. (2008). Uma Teoria da Justiça. 1.ed . São Paulo: Martins Fontes. Tradução:
Álvaro de Vita.

ROEMER, J. (1998). “Does egalitarianism have a future?”. In: Journal of Economic


Literature, vol XXXVI, p. 861-902.

Samuelson, P. et all. (2010). Economics. 19º ed. New York: McGraw-Hill/Irvin

STIGLIZ, J. (1999) Economics of the public sector. 3ª edição. Nova York/Londres: W.W.
Norton and Company

TOLEDO JR., R. (1996). “Buchanan e a análise econômica da política”. In: Lua Nova, n. 38,
p. 125-145.

TOLLISON, R. D. (1982). “Rent-seeking: A survey”. In: Kyklos, vol. 35, p. 575-601.

_______________. (2011). “The economic theory of rent seeking”. In: Public Choice, vol.
152, p.73-82.

Ulrich,H. (2011) . Public Finance in Theory and Practice. 2 ed. Routledge Press

VITA, A. (2011). “Liberalismo, justiça social e responsabilidade individual”. Dados vol. 54,
4, p. 569-650.

________. (2007). A Justiça Igualitária e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes.

________. (1999). “Uma concepção liberal-igualitária de justiça distributiva”. In: Revista


Brasileira de Ciências Sociais, vol. 39, p. 41-59.

WILKINSON, M., T. (2000). Freedom, Efficiency and Equality. MacMilliam Press

YOUNG, I. M. (1999). Justice and the politics of dierence. New Jersey: Princeton University
Press.

26

Você também pode gostar