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A Autonomia Fiscal nos Municípios é Premente: Então, como fazer aumentá-la?

Welles Matias de Abreu


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Constantino Cronemberger Mendes


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Thiago Silva e Souza


Mestre em estudos de gestão pela Universidade do Minho (Portugal). Atua como assessor de planejamento, orçamento e
pesquisador em Ciências Navais. Já exerceu o cargo de assistente e de coordenador geral substituto de políticas de
infraestrutura do plano plurianual no ministério da Economia. Membro da Sociedade Brasileira de Administração Pública.

O tema da reforma tributária constantemente aparece como solução política, econômica e social para
nossas históricas distorções e relevante penúria fiscal de muitas cidades em todo o país. Porém, nessa
recorrente busca por solucionar um desequilíbrio originário de nosso pacto federativo brasileiro,
mesmo que seja uma solução atraente, será essa a principal batalha a ser travada a cada novo ciclo de
governo?
Não há de se esquecer que o cidadão molda sua vida e de seus familiares ao local onde reside. Em
outras palavras, devemos ponderar que bens e serviços públicos (como construção de praças,
pavimentação de ruas, contratação de professores, campanhas de vacinação e etc.) são entregues de
acordo com as demandas locais. Assim, revela-se uma tentativa diária de compatibilização entre as
necessidades sociais e as ofertas públicas específicas, reforçando o fato de que quanto maior a
capacidade do governo local em oferecer bens e serviços maior a possibilidade de atendimento da
demanda pública.
Ainda assim, também devemos atentar para a grande diferença de situações entre os municípios (por
exemplo, conforme sua localização regional e/ou tamanho de sua população), onde as características
governativas são bastante desiguais do ponto de vista de capacidade fiscal própria. Neste caso, as
desigualdades sociais existentes no país implicam em diferentes graus de autonomia de nossos
municípios, ou melhor dizendo, o atendimento das necessidades e demandas sociais locais estão
diretamente relacionadas com o nível de autonomia municipal.
Logo, constata-se que são fatores essenciais para autonomia fiscal dos municípios: a capacidade
tributária, a gestão tecnológica e a governança pública. E essa conclusão foi possível a partir de
evidências encontradas em nossa mais recente pesquisa (premiada no Encontro Brasileiro de
Administração Pública de 2022 realizado na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo - EAESP/FGV),
intitulada “Autonomia fiscal dos municípios: o quê explica e o quê importa?”, onde pode ser
averiguado que tais elementos são interdependentes na medida em que, quanto maior a arrecadação
tributária própria, melhor deve ser a gestão e a governança local, contribuindo para uma maior
autonomia fiscal dos municípios diante dos demais entes federativos, assim, gerando melhores
resultados em termos de serviços públicos disponíveis à sociedade.
Durante toda essa reflexão, testemunhamos ser fundamental que essa tal autonomia fiscal também
levasse em conta aspectos regionais (localização do município) e o porte (tamanho) populacional.
Apesar disso, ainda foi possível questionar: E o motivo? Bem, primeiramente, observamos que o
contraste entres as regiões Norte/Nordeste e as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul (estas
consideradas mais prósperas pela literatura) evidencia as conhecidas e tão discutidas disparidades
regionais em relação à disponibilidade dos recursos por parte dos municípios, especialmente quando
da execução de suas políticas públicas. Um segundo fator de relevante registro está no fato de que os
maiores municípios tendem (e apenas tendem) a ter melhores resultados fiscais, para além de
apresentarem maior transparência nos resultados das ações públicas em sua região.
Toda essa discussão só foi possível a partir de análises estatísticas multivariadas, utilizando dados
em fontes como o IBGE e a FIRJAN. Dessa forma, buscamos construir, metodologicamente, uma
relação social empírica entre a Autonomia Fiscal e as variáveis Capacidade Tributária, Tecnologia e
Governança, todas estas controladas durante o processo de observação pelos aspectos Regional e
Populacional. Assim, foi possível obtermos resultados significativos quanto a especificidades locais
no nível de autonomia dos municípios que, em outras palavras, demonstraram seus efeitos diretos na
autonomia fiscal, com relevante destaque, aí sim, para a variável tributária.
Da mesma forma, atendendo às hipóteses teóricas da pesquisa, foi possível ratificar que a localização
e o tamanho dos municípios também contribuem para a autonomia local. Portanto, certificamos que
os municípios das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul possuem maior capacidade de autonomia do
que aqueles das regiões Norte e Nordeste. E, nessa mesma toada, também ficou atestado que
municípios com mais de 50 mil habitantes são mais autônomos.
Outro aspecto a ser destacado se relaciona com a capacidade de arrecadação própria, uma vez que
impacta positivamente e fortemente na autonomia fiscal dos municípios. Este denominado “achado
de pesquisa” está coerente com a ideia de que a melhoria arrecadatória (própria) promove avanços na
autonomia fiscal de cada município. Isto é, depreende-se como fundamental que os entes locais
busquem aperfeiçoar suas capacidades institucionais, incluindo sim sua gestão tributária, com vistas
a buscar um maior esforço fiscal e assim superar as distorções provocadas pelas transferências de
recursos intergovernamentais.
Ademais, está cientificamente confirmado que quanto maior a capacidade tecnológica do município,
maior a sua autonomia fiscal. Isto significa que o aperfeiçoamento da gestão tecnológica permite
ganhos nas capacidades fiscais, conferindo assim fator complementar à gestão tributária na
autonomia municipal. Logo, os ganhos de performance administrativa observados diante da
digitalização de processos tributários, em especial, são considerados motivos extremamente
relevantes para o aumento da autonomia fiscal dos entes locais.
Por fim, notamos que a maturidade de governança é diretamente proporcional à respectiva autonomia
fiscal dos municípios, coerente com a adoção de boas práticas de governança colaborativa pública,
gerando assim melhores resultados. Isto posto, iniciativas participativas de transparência e de
prestação de contas (accountability) atuam em prol da melhoria de resultados na autonomia fiscal
dos municípios com melhores níveis de governança.
Entendemos, como contribuição inovadora, que os resultados encontrados na pesquisa contribuem
com achados inéditos para o avanço teórico sobre os temas envolvidos de autonomia fiscal,
governança e gestão tributária e tecnológica, uma vez que o modelo aplicado – o qual denominamos
“Modelo da Autonomia Fiscal Municipal” – foi testado e validado estatisticamente, dando suporte
empírico à revisão do contexto teórico atual.
De forma complementar, esperamos que as constatações encontradas estimulem a promoção de
novas pesquisas e reflexões sobre o tema, inclusive ao possibilitar revisitar o modelo proposto ou
mesmo resultar no achado de outros novos modelos. A partir daí, pesquisas futuras podem responder
questões envolvendo as causas e as formas de promoção do aumento de arrecadação, da melhoria
tecnológica ou aprimoramento da governança, no entendimento de serem prementes para um maior
nível de autonomia fiscal nos municípios. Ademais, destacamos e incentivamos que novas
investigações ampliem esse escopo, aplicando outras tantas variáveis que colaborem na maior
explicação e em ações públicas que promovam a autonomia fiscal dos municípios.
Com base nos nesses resultados, ressaltamos que a autonomia fiscal municipal não ocorre de forma
isolada, mas sim por meio da composição de diversos fatores. Assim dizendo, o esforço dos
municípios para manter os “seus gastos” por meio da arrecadação de recursos provindos de “seus
próprios tributos” depende do incentivo para melhorias na capacidade tributária, na gestão
tecnológica e na governança pública.
Portanto, não há dúvidas que a autonomia fiscal tem potencial prático para colaborar, por exemplo,
com gestores na tomada de decisões baseadas em teoria e evidências empíricas na melhoria
institucional, de gestão e de políticas públicas, em especial quando se é projetada para os municípios
das regiões Norte, Nordeste e aqueles de menor dimensão, pois tendem, na média, a precisarem de
maior esforço, capacidade e autonomia fiscal para a melhoria da qualidade de vida dos seus
cidadãos.
Esse debate denota ser fundamental a preocupação de se evitar medidas que incentivem
transferências federais e estaduais para os municípios sem que haja uma perspectiva da autonomia
local de decisão, ou seja, decisões de, minimamente, de como, onde e a forma de alocação dos
recursos públicos. Outro importante aspecto está no fomento de medidas que permitam a elevação de
arrecadação própria ao logo do tempo (e não o contrário), de forma compensada com a dos outros
entes locais e não por meio de oneroso aumento da carga tributária brasileira.
Para tanto, entendemos que o melhor momento é o hoje, ao incentivarmos reflexões (como ora
realizada) e a inclusão na pauta de reformas do governo federal (que também ora se inicia) de um
programa sob sua coordenação, que tenha por objetivo suportar e buscar a consolidação da
autonomia fiscal dos municípios brasileiros, demonstrada sim como fundamental para equalizarmos
nossas diferenças regionais e, dessa forma, não mais somente “dando o peixe, mas (efetivamente)
ensinando (a gestão municipal) a pescar”.

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