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e mercado de trabalho*
TARCISIO PATRICIO DE ARAÚJO,
ALDEMIR DO VALE SOUZA e ROBERTO ALVES DE LIMA
P
OR PERMITIR particularizar a experiência regional, o processo de integração
regional pode ser destacado, na literatura especializada, como o contexto
analítico para a discussão de mudanças no mercado de trabalho do Nordes-
te. A ênfase na particularização do caso nordestino não exclui, entretanto, reco-
nhecer a importância das interpretações clássicas que enfatizam o papel das mu-
danças na estrutura do sistema econômico e no âmbito dos mercados de traba-
lho, à medida em que avança o desenvolvimento das economias capitalistas ma-
duras (1). Reconhece-se também a importante contribuição de autores cepalinos
que identificaram no estudo das economias latino-americanas, com notável in-
fluência nas investigações dos problemas regionais, traços típicos de desenvolvi-
mento industrial tardio (2).
Em particular no caso nordestino, alguns autores destacam duas fases his-
toricamente distintas do desenvolvimento regional recente. Uma, de relativo
isolamento regional e letargia, herança ainda das recorrentes e prolongadas cri-
ses do setor primário-exportador; a outra, de crescente articulação regional,
notadamente com o Sudeste do país, caracterizada inicialmente na década de 40
e, em particular, nos anos 50 por uma etapa concorrencial; posteriormente, por
um período de integração da estrutura produtiva inter-regional, mediante a trans-
ferência de capitais – sob a égide do Estado – das regiões mais desenvolvidas do
país para o Nordeste (3). A fase de isolamento, um atributo da economia brasi-
leira de então, constituída por economias regionais quase completamente isola-
das, no caso nordestino estende-se às primeiras décadas deste século.
Tal alternativa perdurou até o início dos anos 30, quando os principais
estados consumidores do açúcar nordestino localizados no Sudeste praticamente
se tornaram auto-suficientes e passaram, logo no pós-guerra, a se orientar para o
mercado nacional. Então, já sob o controle do Estado, com a criação do Institu-
to do Açúcar e do Álcool em 1933, o mercado nacional de açúcar foi paulatina-
mente ocupado pela produção dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Aos produtores nordestinos, em posição secundária, não restou outra
alternativa senão o mercado externo. Viabilizada pela proteção à produção regio-
nal e pela eliminação da competição inter-regional, a solução efetivou-se sem
que fossem alteradas substancialmente a estrutura produtiva do setor e as rela-
ções de trabalho prevalecentes.
Tais fatores, que faziam com que a rentabilidade do sistema fosse mantida
ou não fosse tão erodida em momentos de crise comercial, explicam porque,
mesmo quando tinha a dominância do mercado do açúcar, o Nordeste foi inca-
paz de criar qualquer outra alternativa de exploração econômica de vulto. Prati-
camente restringiu-se à atividade da monocultura açucareira por longo período,
até que a industrialização se acelerasse como fruto da política de incentivos exe-
cutada pela Sudene a partir da década de 60. Embora tal hipótese seja de difícil
demonstração formal, certamente a atitude conservadora das elites empresariais
locais dominantes, formada num contexto de atraso cultural e de apoio paternalista
do Estado, constitua importante explicação para a relativa defasagem econômica
da região com relação ao Sudeste e ao Sul.
A esse propósito deve ser notado que hoje três estados que se encontram
entre os mais defasados em termos de ritmo de crescimento – Paraíba, Pernambuco
e Alagoas – são aqueles onde a atividade açucareira foi mais intensa e ainda é
significativa. Pernambuco é um caso à parte por pelo menos três razões: sua
dimensão geográfica é o dobro da do estado da Paraíba, mais de três vezes a de
Alagoas, historicamente uma economia mais desenvolvida e industrializada que
Fonte: Brasil. Sudene. Agregados Econômicos Regionais: Produto Interno Bruto. Formação de Capital. Con-
sumo do Governo. Nordeste do Brasil, 1965-95. Recife: Sudene, DPO, 1996, tabela 25, p. 181.
Tabela 2
Brasil, Nordeste e estados: taxa de urbanização (%), densidade demográfica (hab/km2)
e participação regional e dos estados na população do Brasil (%)
Taxa de Densidade
Discriminação urbanização Demográfica Participação
Fonte: Sudene. Nordeste – Indicadores Econômicos e Sociais da Região Nordeste e do Brasil (síntese). Recife,
nov. 1994. Dadosdo Censo Demográ·fico de 1991 e Anuário Estatístico do Brasil (População residente).
Fonte: IBGE, Anuário Estatístico 1993. Tabela extraída de Tarcisio Patricio de Araújo e Aldemir do Vale Souza,
Mercados de trabalho metropolitanos: diferenças inter-regionais, Anais do X Encontro Nacional de Estudos
da População, 1996, v. I.
Nota: Brasil 1980/91, taxas anuais de crescimento da população residente: Total, 1.93%; Urbana, 2.96%; Metro-
politana, 2%.
Tabela 4
Brasil, Nordeste e outros estados selecionados
Coeficiente de Gini, com base na renda dos chefes de domicílio (1991)
Brasil 0,6366
Maranhão 0,6012
Piauí 0,6298
Ceará 0,6474
Rio Grande do Norte 0,6459
Paraíba 0,6381
Pernambuco 0,6597
Alagoas 0,6316
Sergipe 0,6321
Bahia 0,6533
Rio Grande do Sul 0,5981
Santa Catarina 0,5650
São Paulo 0,5797
Desemprego
Pelo exposto sobre o tema do desemprego metropolitano, deve-se consi-
derar alguns indicadores diretos relativos ao mercado de trabalho.
Uma das particularidades encontradas no Nordeste refere-se à manuten-
ção de taxas de desemprego mais altas que as do Sudeste e do Sul – a julgar pelos
dados disponíveis referentes às regiões metropolitanas. As informações disponí-
veis da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, publicadas desde maio de 1982,
atestam que as maiores taxas de desemprego se encontram nas regiões metropo-
litanas de Recife e Salvador (17), bem acima dos níveis verificados em outras
quatro grandes regiões metropolitanas (Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São
Paulo, Porto Alegre).
Por outro lado, é peculiar, no caso de Recife, ter gerado em média, desde
o início da série PME até abril de 1994 – fato a ser comprovado adiante –, a maior
taxa de desemprego no conjunto das seis principais regiões metropolitanas.
As razões por que o desemprego e a distribuição de rendimentos no mer-
cado de trabalho da região metropolitana do Recife se caracterizam por indica-
dores tão perversos ainda são objeto de estudo, dependendo de análises de da-
dos mais desagregados e de estudos da economia das famílias e dos mecanismos
de acesso aos meios educacionais. Pode-se deduzir, no entanto, que tais estatís-
ticas ajudam a explicar porque o Recife tem se singularizado, na região, como a
capital e a área metropolitana com os mais altos índices de pobreza e criminalidade.
De fato, é hoje sabido que são o desemprego e os contrastes sociais os fatores
básicos que, além do comércio e consumo de drogas, respondem pelo aumento
da violência urbana no mundo (18).
Os gráficos 1 a 4 ilustram tais afirmações sobre desemprego metropolitano
e tornam evidentes outros fatos.
Do gráfico 1 podem ser extraídas as seguintes evidências:
• a região metropolitana do Recife, único mercado a gerar taxas médias
Outros indicadores
Em mercados de trabalho de regiões menos desenvolvidas, outras caracte-
rísticas estão em geral presentes: baixa qualificação da mão-de-obra, alta propor-
ção de relações informais de trabalho, grande importância relativa do setor pú-
blico.
Com respeito ao primeiro aspecto, o indicador mais prontamente disponí-
vel é o nível de escolaridade. Dados da PNAD/1995 (25) informam que, no Nor-
deste, a proporção – na população ocupada (acima de 10 anos de idade) – de
pessoas sem instrução ou com menos de um ano de escolaridade alcança 31,7%
(o que representa uma sensível melhora com relação a 1990, quando dados da
mesma fonte davam uma proporção de 35,2%). Para o Sudeste, a PNAD/1995
fornece 8,4% como sendo o valor da estatística similar. A discrepância é evidente
e auto-ilustrativa.
Em termos de relações informais de trabalho, os indicadores apontam para
uma informalização de proporções assustadoras. Ainda segundo a PNAD/1995,
quase 44% da população ocupada do Sudeste não contribuem para a previdência
social (ou seja, empregados não registrados ou autônomos não-contribuintes, e
empresas que não recolhem a contribuição); no Nordeste, a proporção alcança-
ria 75,8%. Por outro lado, a fração dos empregados com carteira assinada (inclu-
sive trabalhador doméstico) em relação ao total da população ocupada seria de
40% no Sudeste e de apenas 15,6% no Nordeste.
Deve ser considerado no entanto que, apesar do caráter estrutural das re-
Comentários finais
As transformações por que passa o mercado de trabalho no Brasil e parti-
cularmente no Nordeste são cruciais no sentido de que, dependendo das solu-
ções gestadas no presente, o perfil desse mercado será afetado de forma bem
diferente no futuro próximo.
Trata-se de um momento em que coincidem três processos: o que pode
ser o final de longa transição iniciada com o esgotamento do modelo de substi-
tuição de importações; aceleração e aprofundamento de mudanças tecnológicas;
Notas
7 Cf. Olímpio de Arroxelas Galvão, Desenvolvimento do Nordeste: das suas elites agrá-
rias e da sua integração tardia na economia nacional. Ciência e Trópico, v. 2, n. 1, p.
189-204, 1992.
8 Dados da Sudene (Boletim Conjuntural Nordeste do Brasil, ago. 1996, p. 171) mos-
tram que desde 1990 o Rio Grande do Norte passou a contribuir mais que a Bahia
para a produção nacional de petróleo bruto (o primeiro passa de 11.6% em 1990 para
12.1% em 1995, enquanto o segundo cai de 11.1% para 8.3% da produção nacional de
petróleo).
9 Pode-se argumentar que os empregos gerados pela política cearense têm como pilares
agressiva política de incentivos fiscais (isenção fiscal) e baixos salários (para grupos
que antes atuavam no Sul/Sudeste, regiões onde os salários são mais altos). Tais fato-
res atraem, por exemplo, indústrias de calçados do Rio Grande do Sul. No Nordeste
como um todo o salário médio é mais baixo e a região tem a mais alta proporção de
empregos que remuneram pelo salário mínimo. No entanto, o governo cearense tem
induzido os novos investimentos a se localizarem no interior. Como resultado, surgiu
expressiva parcela de mão-de-obra contratada que nunca trabalhara antes numa fábri-
ca e exercia ocupações informais ou de rendimento abaixo do salário mínimo; ou seja,
se por um lado há uma perda quando indústrias de calçados eliminam empregos
melhor remunerados no Sul e criam empregos de salário mínimo no Nordeste, por
outro há o ganho para a fração da mão-de-obra nordestina, antes remunerada abaixo
desse patamar. Ademais, no caso particular da indústria de calçados do Rio Grande do
Sul, outros fatores respondem pela crise do setor, com destruição de empregos –
entre eles, a concorrência com importados.
11 Não há espaço para uma caracterização com números sobre os pólos econômicos,
aqui mencionados apenas para compor o quadro da heterogeneidade de situações na
economia do Nordeste. Algumas informações, no entanto, podem ser dadas sobre o
meio-oeste baiano por ser um caso relativamente pouco divulgado; trata-se de região
com epicentro dinâmico em Mimoso do Oeste, um lugarejo no município de Barrei-
ras onde se desenvolve desde 1980 intensa atividade de produção de grãos (soja,
milho, feijão, café), impulsionada por migrantes do Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul). A região já seria responsável por 2% da produção nacional de grãos,
ou algo como dois terços da produção da Bahia (Cf. informações no artigo A con-
quista dos gerais, por José Casado, no jornal O Estado de S. Paulo, de 6 out. 1996, p.
B6). Os casos do meio-oeste baiano e da área irrigada do São Francisco (eixo Petrolina/
PE-Juazeiro/BA) são exemplos de pólos de crescimento que, mesmo na ausência de
planejamento regional, florescem e floresceram enquanto a economia brasileira esta-
va em profunda crise, embora com breves intervalos de crescimento, durante os anos
80 e início dos anos 90.
Este trabalho foi viabilizado com auxílio do CNPq, que financia projeto de pesquisa
individual do primeiro autor, pela concessão de bolsa de pesquisa; a FACEPE (Fundação
de Amparo à Ciência e à Pesquisa/Governo de Pernambuco) proveu o equipamento
computacional e a impressora, além do material de consumo necessário. Registram-se os
agradecimentos a essas duas instituições de apoio à pesquisa acadêmica, e também ao
estudante de Ciências Econômicas da UFPE, Fábio de Oliveira Pinheiro, que vem colabo-
rando com os autores em suas atividades de pesquisa, pelo auxílio na utilização do pro-
grama Excel.