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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CATALÃO

UNIDADE ACADÊMICA ESPECIAL DO INSTITUTO DE GEOGRAFIA –


CATALÃO/GO
Discente: Letícia Silva Plácido
Docente: Prof.ª Drª Carmem Lucia Costa
Disciplina: Geografia Urbana

FICHAMENTO TEXTO 2:
MOREIRA.R. A nova divisão territorial do trabalho e as tendencias de
configuração do espaço brasileiro

• É sabido que a divisão territorial do trabalho é um fato da produção e das trocas


que compõem a estrutura das modernas economias. É nas sociedades de base
industrial que melhor se aplica a máxima smithiana de que o tamanho do mercado
é o tamanho da divisão do trabalho e, vice-versa, o tamanho da divisão do trabalho
é o tamanho do mercado.
• No Brasil, as sucessivas formas de divisão territorial do trabalho costuraram uma
relação sociedade-espaço cujos efeitos sociais (distribuição das oportunidades de
emprego e renda), econômicas (custos de produção e escoamento) e
socioambientais (desarrumação dos espaços) são evidentes, ensejando pressões
generalizadas por reconfigurações e mudanças
• Como a sucessão das configurações de espaço vai acumulando uma superposição
de realidades e alianças político-sociais históricas diferentes, os conflitos crescem
em tensão de territorialidades, que se acumulam igualmente, hoje chegando a um
ponto explosivo diante da desintegração dos esquemas de regulação nacional do
espaço brasileiro.
• O papel da atual divisão territorial do trabalho e da reestruturação que a
acompanha em vista das tendências e problemas que trazem de organização da
relação sociedade-espaço no Brasil é o tema deste texto.
• A evolução industrial moderna no Brasil tem início nos anos 1870-1880. Desde
então, diferentes modos de organização de espaço são conhecidos, numa relação
entre sociedade e espaço que espelha a divisão territorial do trabalho e de trocas
existente. Quatro distintas formas de divisão territorial do trabalho e de
respectivas configurações de espaço-tempo se sucedem a partir de então.
• o espaço é industrialmente concentrado e diferenciado. Nos anos 1970 a
centralização toma conta da organização do espaço brasileiro, liberando para a
desconcentração e diferenciação regional das indústrias. Por fim, hoje tende-se a
uma configuração que designaremos por globalizada e nacionalmente
desintegrada, indicando a entrada da sociedade brasileira numa fase "pós-
industrial"
• De um certo modo a década de 1880 exprime uma ruptura na forma histórica de
relação sociedade-espaço no Brasil até então existente, mercê da presença daí em
diante de um modo de produção e de trocas próprio de uma sociedade de economia
industrial.
• O processo se inicia com as transformações ocorrentes naquela década, entre elas
a abolição do trabalho escravo e a instituição do estado republicano. O Brasil fazia
parte então de uma divisão territorial internacional do trabalho e das trocas
vinculada à acumulação primitiva europeia, determinadora internamente de uma
organização do espaço dispersa e indiferenciada do ponto de vista da natureza e
distribuição da indústria.
• São indústrias de um Brasil rural e agroexportador A partir de 1880 a fábrica
moderna entra no Brasil, em alguns casos para ocupar o lugar da indústria de
beneficiamento, como no caso dos frigoríficos, em outros da indústria doméstica,
como no caso da indústria têxtil e de alimentos
• Temos, então, no geral, um parque industrial de indústrias de bens de consumo
não-duráveis, em que a tecnologia da fábrica moderna coexiste aqui e ali com a
tecnologia tradicional das indústrias domésticas e de beneficiamento
remanescentes.
• A abolição da escravatura, significando a "expulsão" do custo da reprodução da
força de trabalho para fora dos custos gerais da produção em uma economia por
muito tempo ainda de fundo rural (agroexportadora, diga-se), leva a surgir no
Brasil um "mercado interno" de bens industriais de consumo leve, para o qual as
indústrias de beneficiamento e domésticas, da classificação de Castro, irão
mostrar-se despreparadas e insuficientes.
• A nova indústria desenvolve-se, pois, vinculada a este acanhado e pobre, rural e
disperso mercado, trazendo para o país as fábricas nascidas da revolução industrial
europeia do século XVIII.
• Abre-se a economia assim para uma divisão territorial do trabalho internamente à
sociedade brasileira, juntando a agropecuária de exportação, a lavoura de
subsistência, a indústria e os serviços urbanos, em particular os relacionados aos
meios de transferência.
• Daí a distribuição dispersa, a natureza rural, a qualidade inferior dos produtos e a
precariedade das condições de funcionamento dessa nova indústria, tal qual as
indústrias de beneficiamento e domésticas de antes, mas também a razão pela qual
ela sobrevive a tudo isso.
• O período dos anos 1920 a 1950 vai registrar as primeiras mudanças. Um estudo
da equipe do Grupo de Geografia das Indústrias do IBGE, coordenado pelo
geógrafo Pedro Pinchas Geiger, datado de 1963 (GGI, 1963), mostra o teor dessas
transformações: a dispersão vai dando lugar a uma crescente concentração
quantitativa da indústria nos estados da região Sudeste.
• Tal é a configuração de espaço característica dessa época: ao mesmo tempo
concentração e indiferenciação territorial da indústria. A indústria encontra-se já
concentrada em 1958, mas do ponto de vista da estrutura é ainda fortemente
indiferenciada. Contraditam estrutura espacial e estrutura setorial.
• Há, portanto, uma duplicidade geográfica na estatística industrial do país: se pelo
lado da distribuição territorial a indústria é um fenômeno concentrado nos estados
do Sudeste, já em 1907 e mais ainda em 1958, pelo lado da distribuição setorial é
um fenômeno pouco diferenciado entre os estados brasileiros no seu todo.
• Daí a diferenciação que regionaliza, mas sob a forma de uma divisão regional
estruturada em regiões homogêneas (as regiões naturais flagradas em 1941 por
Macedo Soares), típica da hegemonia do capital mercantil.
• Uma profunda transformação econômica aconteceu no período dos anos 1920 a
1950, diferindo do ponto de vista da natureza da indústria 1958 de 1907. O motor
da mudança é o processo substitutivo de importações. Tema controverso, seja
como for, há uma impulsão industrial para frente, empurrada por três "choques
adversos", representados pela primeira guerra, a crise de 1929 e a segunda guerra,
respectivamente.
• A indústria moderna assim se multiplica, se diversifica e se afirmar no Brasil,
ultrapassando o esquema acanhado de antes de 1920 descrito por Francisco de
Oliveira. Em 1939 o Brasil pode-se considerar um país praticamente auto-
suficiente na produção e consumo de bens industriais de consumo não-duráveis.
E é esta aceleração que vemos estatisticamente condensar-se em São Paulo e Rio
de Janeiro.
• O período de 1950 a 1970 conhece uma mudança radical. Já nos anos 1940 uma
nova estrutura industrial se prenuncia. Os ramos alimentícios, têxtil, de fumo e
químico de óleos vegetais, todos do setor de não-duráveis, cobrem 70% do valor
da produção industrial. Mas a produção de ferro-gusa sobe de 50.000 toneladas
em 1930 para 100.000 toneladas em 1940. A produção de cimento cresce nove
vezes nesse mesmo período. Em 1941 inicia-se a construção da Usina Siderúrgica
Presidente Vargas, da CSN, em Volta Redonda, estado do Rio de Janeiro. É dessa
década a abertura da estrada Rio-Bahia. E o Plano SALTE (1946), anunciando a
era da industrialização estatalmente induzida.
• A indústria conhece uma revolução até então nunca vista. Davidovich (1974) dá-
lhe a dimensão estatística: tomando 1940 igual a 100, o índice de crescimento
industrial em valor da produção foi de 186 em 1950 e 291 em 1960, a produção
praticamente triplica em apenas vinte anos. Vistos setorialmente, estes índices
mostram-se mais impressionantes: material elétrico, 1344; borracha, 1118;
mecânica, 866; material de transporte e comunicações, 733; papel, 548;
metalurgia, 537; química, 400.
• O fato é que a revolução brasileira desigualiza a estrutura industrial a favor de São
Paulo, subsidiariamente dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, vindo o
parque industrial dos estados do Sudeste a diferenciar-se agora quantitativa
qualitativamente da indústria dos demais estados e regiões. No lugar do espaço
industrialmente disperso e indiferenciado de antes, instala-se no Brasil um espaço
de padrão polarizado, concentrado e diferenciado, com pólo nacional em São
Paulo, um padrão que doravante irá orientar o fluxo das relações cidade-campo e
inter-regionais, setorial e locacionalmente no conjunto do território brasileiro.
• Fica evidente o contraste desta estrutura industrial com a que vimos para 1875-
1885, e mesmo 1907 e 1958. Não se trata, pois, mais, de uma desigual densidade
territorial de indústrias de mesmos ramos como flagrado para o período pré-anos
1950, mas de uma estrutura industrial regionalmente de todo diferenciada e
polarizada no espaço nacional brasileiro
• O Sudeste aumentou sua participação na renda industrial do Brasil e a diminui na
renda agrícola. No sentido contrário, o Nordeste e o Sul aumentaram sua
participação na renda agrícola e diminuíram-na na renda industrial. O Centro-
Oeste acompanhou, no geral, mas de modo diferenciado, pela via da agro-
indústria, o Nordeste e o Sul. O Norte não foi aparentemente afetado, dado seu
isolamento interno dos eixos de circulação
• Portanto, ao tempo que nacional e intrarregionalmente o Nordeste e o Sul se
tornam menos industriais e mais agrários, o Sudeste se torna mais industrial e
menos agrário, o Centro-Oeste e o Norte incorporam-se a esta divisão inter-
regional do trabalho como típicas fronteiras de expansão agropastoril do Sul e de
São Paulo.
• Dessa forma, a diferenciação-concentração industrial chega a um grau
insustentável, criando efeitos contrários à própria lógica que em sua origem a
presidia. Uma deseconomia de escala, visível já na virada dos anos 1960 e 1970,
afetando custos e produtividade, congestiona a continuidade do processo
industrial e põe em compasso de marcha-ré a continuidade do ritmo do
desenvolvimento brasileiro.
• A fórmula da recuperação industrial dos estados e regiões é a política de instalação
de indústrias de bens intermediários, em geral na forma de pólos mínero-
industriais, e de usinas hidrelétricas de grande porte em pontos estratégicos da
periferia nacional, localizadas ao longo das periferias regionais de São Paulo,
acompanhada de uma expansão da fronteira agrícola e maior difusão dos meios
de transferência pelo território nacional, de modo a atender a demanda de
circulação de transportes, comunicação e energia entre regiões e pólos e favorecer
o florescimento industrial para além do Sudeste.
• Observe-se que os pólos são instalados estrategicamente nas outras regiões que
não o Sudeste e localizados preferencialmente na linha de fronteira, em pontos da
Amazônia, do Nordeste, do Sul e do Centro-Oeste, com enorme repercussão na
distribuição dos transportes, meios de comunicação e rede de transmissão de
energia, fluidificando e nacionalizando o espaço brasileiro através da difusão
desses meios de transferência.
• O efeito Mercosul é um dado posterior, e indica, numa aparente contradição, a
estratégia dos países do Cone Sul de uma reação regional à economia de mercado
globalizado. Deve-se observar que entre 1990 e 2000, em apenas dez anos, o
comércio somado de importações e exportações entre os parceiros do Mercosul
aumentou de 2,5 bilhões de dólares para 20 bilhões, informa Diniz. Que o Brasil
exporta principalmente produtos industriais sofisticados. E que mais de 90%
dessas exportações saem das áreas industriais do polígono.
• O planalto central aloja a segunda região de divisão territorial do trabalho. Trata-
se de uma extensão de território que avança das fronteiras da região Sul para as
fronteiras com a Amazônia ("nortão" do Mato Grosso) e o Nordeste (oeste da
Bahia e sul do Maranhão e Piauí), e grande parte da qual sobrepõe-se ao território
da região do polígono industrial. No que nos interessa, o domínio dos cerrados é
o seu centro de gravidade. Daí, que reproduz-se do outro lado da floresta
amazônica, nos cerrados de Roraima.
• É a implementação do Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, que irá provocar
o começo do fim da instituição binomial. Destinado a levar para o campo os
benefícios trabalhistas já previstos para o trabalhador da cidade, o Estatuto do
Trabalhador Rural vai produzir ao longo dos anos 1960 e 1970 a onda de expulsão
e transformação que irá converter esse campesinato num trabalhador volante, o
bóia-fria, e forjar a modernização generalizada das relações de produção no
campo (D'Incao e Mello, 1977 e 1984), assim capitalizando o latifúndio,
extinguindo o chamado minifúndio dominial e dissolvendo a relação binomial nas
áreas agrícolas de latifúndios modernizados
• A instituição da moderna agroindústria vai dissolver esta estrutura, nas áreas
coloniais do Sul e nas grandes fazendas de lavoura e gado do Centro-Oeste. No
latifúndio transformado em empresa rural, a modernização tecnológica expulsa,
tal qual na abolição a agroexportação fizera com o trabalho escravo, a indústria
de benefíciamento para fora dos custos da estrutura produtiva, forjando sua
autonomização.
• Com a chegada da soja e dos pólos mínero-industriais, fundem-se, na faixa de
interseção do Centro-Oeste e da Amazônia, as estratégias de modernização do
campo e de redistribuição da infraestrutura e das indústrias do Sudeste que
orientam a filosofia do I e II PNDs. E com ela os grandes projetos de usinas
hidrelétricas. A Amazônia é então transformada numa região dos grandes pólos
de agropecuária, madeira e mineração. E protótipo da política dos grandes
projetos.
• Assim, diante da privatização das empresas estatais e da reforma que esvazia o
papel regulador do Estado, a unidade histórica da organização do espaço nacional
polarizado em regiões hierarquizadas se dissolve. O Sudeste integraliza-se com o
Sul na região do polígono industrial. O Sul assim desaparece. O Centro Oeste
dissocia-se do Centro-Sul para formar uma região que incorpora para além do
antigo território o sul da Amazônia e a porção oriental do Nordeste, unidos ao
centro de gravidade do complexo da soja, uma estrutura vinculada a corredores de
exportação. O Nordeste se quebra numa porção oriental e ocidental que se dão as
costas.
• A profundidade dos conflitos de territorialidades. O tensionamento das relações
de espaço e contra-espaço que são fruto de espacialidades de sujeitos de natureza
social contraditórias. E então o fermento dos debates sobre a configuração de
relação sociedade e espaço que temos e queremos.

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