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JOSÉ HILÁRIO

TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO
O Marco Zero da História do Norte do Paraná

A TÍTULO DE PREFÁCIO

N um relato histórico não existem verdades que precisem ser escondidas e nem mentiras
que mereçam ser inventadas; existe, isto sim, a liberdade para o historiador apresentar
aquilo que pelo menos julga ter acontecido. Dessa forma, vou tentar apresentar um
painel daquela parte da história que nem sempre é ministrada em salas de aula. A variedade de
temas aqui colocados - baseada em diferentes autores, mas nem por isso com os mesmos
enfoques – possibilitará ao leitor uma reflexão crítica do processo histórico norte-paranaense e de
suas abordagens. Contudo, não é uma obra pedagógica. Na realidade, é um trabalho alusivo à
essência política do Estado do Paraná. Desse ponto de vista, o método que estou usando se afasta
da linha meramente descritiva que utilizei na edição do livro comemorativo ao Cinqüentenário de
Maringá, por exemplo, descrevendo os fatos num contexto social e econômico mais abalizado,
centrado tanto na colonização e planejamento desta cidade, como na de alguns outros municípios
paranaenses.
Assim, acredito poder beneficiar a todos aqueles que nasceram ou adotaram Maringá para
viver, mas que ainda não conhecem os pormenores da sua história. No dia 09 de março de 1954,
por exemplo, aconteceu um evento memorável. Sim, memorável é o adjetivo correto – mas será
que o comum das pessoas ainda o guarda na memória? Difícil. Já faz muito tempo, e a cidade era
outra. Não tinha computador, videogame e muito menos telefonia celular, dá para acreditar?
Ouviam-se robustos long-plays – nada de fitas magnéticas, CDs e DVDs. Internet, então, nem
pensar. O grande símbolo do avanço tecnológico era o barulhento serviço de alto-falantes
instalado na hoje denominada Praça Napoleão Moreira da Silva, anunciando, de maneira
monótona e repetitiva, a partida dos desconfortáveis ônibus para vários pontos do então tenebroso
sertão norte-paranaense.
Como estava dizendo, no dia 09 de março de 1954 Maringá tornou-se sede de Comarca.
Foi um dos acontecimentos mais extraordinários daquela época, uma das manobras políticas mais
ousadas. Afinal, a cidade tinha apenas sete anos de fundação e somente três como sede
municipal. Rompiam-se definitivamente as relações com a Comarca de Mandaguari. Viviam-se
os bons tempos em que os principais problemas da população maringaense eram basicamente a
fumaça das queimadas, a poeira e a lama. E a chuva, entre elas, era o que havia de mais radical,
pior ainda que os pernilongos que não deixavam de azucrinar os forasteiros recém-chegados.
O comando municipal - apesar de Maringá já contar com prefeitura e câmara de
vereadores - ainda dependia dos mandos e desmandos da Companhia Melhoramentos Norte do
Paraná (CMNP) - empresa sucessora da inglesa Paraná Plantations e fundadora da cidade. E as
determinações daquela empresa significavam o ponto máximo de combustão, uma tendência
temida até pelos políticos mais destemidos e capacitados. Apesar dessas dificuldades, o então
deputado estadual Francisco Silveira da Rocha costurou com o governo estadual, durante longos
meses, a criação da Comarca de Maringá. E, para coroar seu trabalho, acabou assistindo a posse
do Dr. Zeferino Mozzato Krukoski e do Dr. João Paulino Vieira Filho, primeiro juiz e primeiro

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promotor de justiça, respectivamente, ambos empossados pelo desembargador José Munhoz de
Mello, então presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Hoje contando com
aproximadamente 15 juizes de direito e 18 promotores de justiça, a Comarca de Maringá já é
considerada de entrância final - aos moldes da própria Comarca de Curitiba. Mas não é dessa
plêiade de homens ilustres que quero falar. Vou me ater apenas à vida e à obra dos pioneiros do
Norte do Paraná, especialmente à daqueles que fizeram Maringá.
Mistura de investigação e criatividade, para escrever este livro, acompanhando a trajetória
do desenvolvimento político-administrativo do Estado do Paraná, precisei fazer pesquisas em
livros de muitos autores (vide bibliografia), mergulhando numa espiral de indícios, fantasias e
fatos reais. Também realço o mundo de egoísmos, vaidades personalistas e atropelos de toda
espécie que infelizmente ainda proliferam por aí, havendo pessoas que não fazem outra coisa que
não seja disputar posições políticas para se beneficiarem das contumazes falcatruas
administrativas. Sobre essas questões, em 2001 publiquei o livro Nada a Declarar. Embora
acostumado a lidar com uma variada gama de informações sobre assaltos aos cofres públicos,
nepotismos e outras formas de corrupção administrativa, no presente trabalho tive enormes
dificuldades para escoimar aquelas comuns manifestações de exaltação momentânea, assim como
as asserções habituais de simples imaginação criativa.
Enfim, este livro não atende a outra conveniência que não seja a de beneficiar as pessoas
interessadas em obter conhecimentos, questão que reputo da mais capital importância para o
futuro de Maringá. Contudo, é bem possível que espíritos timoratos e mais ou menos acanhados e
imprevidentes, presos ainda aos preconceitos de velhas e estapafúrdias idéias, julguem a minha
tentativa de explicar a história de Maringá – e do Estado do Paraná – atrevida demais e até
mesmo intempestiva, em desatenção ao momento histórico da nossa evolução social e política.
De qualquer forma, o declaro, com toda a candura de uma alma francamente democrática,
que minha determinação é a política da sinceridade e a religião da franqueza. Posso desagradar a
muitos, mas jamais prejudicar os ideais e as aspirações patrióticas de quem quer que seja, pois a
todo homem corresponde uma função e a toda função corresponde uma responsabilidade. Esta a
doutrina da moral e da ética. Um homem que se furta a essa responsabilidade, seja ele escritor ou
não, por falta de entusiasmo ou por não querer despender energia e coragem, é um homem de
valor negativo no funcionamento geral do organismo social e por isso mesmo inútil. É preciso,
portanto, que não cheguemos a esses extremos, que atiremos com mais ardor no campo da luta
social, defendendo com mais ardor e entusiasmo a nossa terra e a nossa gente.
O que mais me entristece, porém, é essa vacilação de alguns políticos de todas as
agremiações partidárias, que denotam mais fraqueza que prudência, mais incertezas que
circunspeções, mais receios em beneficiar a comunidade que representam do que o destemor em
encaminhá-la com dignidade, o que, de certa forma, não tem correspondido à nossa liberdade
constitucional. Tal tem sido o abandono da causa social que ninguém, em boa consciência, me
contestará se eu também disser que já não se ocupam alguns dos nossos governantes senão da
ganância meramente mercantilista. Mas graças ao comprometimento de alguns políticos
comprometidos com a causa das idéias sociais, posso dizer com franqueza que a solidariedade
tem se avolumado nestes últimos anos, abrindo a cada dia no coração e no espírito da
coletividade um ideal social cada vez mais largo, mais profundo e mais elevado do que aquele
dirigido pela nefasta orientação política de tempos idos. De políticos irresponsáveis não
precisamos mais, pois já os tivemos até de sobra.

MÃO E CONTRAMÃO

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T odo trabalho literário tem suas alegrias e seus descontentamentos. Até um modesto livro
como este tem essa duplicidade. Mas não reclamo, mesmo porque não estou solitário
nessa labuta. Dia desses, por exemplo, ao reler o livro Jacus & Picaretas, um clássico do
saudoso escritor mandaguariense Ildeu Manso Vieira, observei que ele também destacava a
dificuldade de escrever a História do Paraná como um todo, mencionando a disparidade histórica
paranaense, pois temos cidades como Paranaguá, Lapa e Curitiba com mais de trezentos anos,
enquanto que no norte do Paraná encontramos cidades com apenas setenta anos (caso de
Maringá), ou de até menos, onde ainda podemos ouvir pessoas como a jovem senhora Akemi
Ueta fazer afirmações como esta: “Foi meu pai que instalou o primeiro ateliê fotográfico de
Maringá”. E não tem nada demais em dizer que o pai dela ainda continua fotografando.
Foi por causa de declarações como esta que resolvi escrever este Trópico de Capricórnio.
Algumas falhas nossas dão-se por motivos variados, onde os principais são as versões
desencontradas que sempre surgem para um mesmo fato. Muitas vezes os difusores dessas
versões oficiosas procuram de todas as formas mante-las até o fim de seus dias, mesmo sabendo
que não são verídicas. Para fugir dessas informações errôneas, procurei consultar várias fontes de
informações sérias, entre as quais merecem destaque a revista Maringá Ilustrada, de Ary de lima,
editada em agosto de 1957; vários textos que Ludovico del Guércio publicou na hoje extinta
Folha do Norte do Paraná; antigos exemplares da revista Tradição, de Jorge Fregadolli; no livro
Terra Crua, de Jorge Ferreira Duque Estrada; no livro A Maria Fumaça, de João Antônio Corrêa
Júnior; e no recente livro Maringá e o Norte do Paraná, de Reginaldo Benedito Dias e José
Henrique Rollo Gonçalves.
Além dessa plêiade de escritores maringaenses, também procurei informações em alguns
livros do emérito professor de História da Universidade Federal do Paraná, Ruy Chistovam
Wachowicz, e, como não poderia deixar de ser, também em alguns livros do mitológico escritor
curitibano Romário Martins e no antiqüíssimo livro O Paraná no Centenário, de Rocha Pombo,
entre outros escritores ilustres, procurando reger este trabalho da forma mais transparente e
original possível.
Repleto de fatos inéditos, a edição deste livro foi a melhor forma que encontrei para
destacar a trajetória histórica do Paraná e, de maneira especial, a de Maringá. O livro, em linhas
gerais, também é fruto de intensas pesquisas junto a autores argentinos e paraguaios que
anteriormente se incumbiram de escrever os acontecimentos históricos da nossa região. Entre os
autores paraguaios, destaco o brilhante historiador Ramón Cardozo I., em seu belo trabalho El
Guayrá: História de la Antigua Província; e, sobre os argentinos, adotei os ensinamentos do
professor da Universidade de Buenos Aires, Leon Pomer (autor dos livros La Guerra del
Paraguai, El soldado Criollo e Conflitos en Cuenca del Plata. Além da tradução de alguns desses
livros, no Brasil ele publicou América: histórias, delírios e outras magias; Independências na
América Latina; História da América Colonial Hispano-Indígena; e o O Surgimento das Nações,
entre outros. Quando Leon Pomer afirma, em O Surgimento das Nações, que para que um livro
seja frutífero – e este que ora vos apresento pretende sê-lo – é preciso deixar bem claro o
significado de vários conceitos, afirmando que há poder – numa pessoa ou num grupo – quando
existe a capacidade de produzir resultados previamente desejados, com o auxílio de um número
variado de meios.
Portanto, há resultados e resultados, e tanto tem a capacidade de produzi-los o
responsável por uma oficina mecânica, o capitão de um navio, o general de um exército ou o
presidente de uma república. Este último possui uma aptidão específica de poder quantitativa e
qualitativamente diferente da dos outros: o poder de gerar resultados que atingem toda a
sociedade em determinado sentido. A este sentido e alcance, denomino de “Poder Político”. O
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responsável pela oficina, o capitão e o general produzirão resultados limitados às áreas de suas
atuações. O poder político, ao contrário, intervém nos processos e mecanismos por meio dos
quais se regulam as relações sociais e se dirigem as ações coletivas; produz resultados numa
escala macro social; ou dito de outra forma, em regras e contra-regras que abrangem toda a
sociedade.
Essa definição política pode explicitar-se mais circunstancialmente nos seguintes termos:
1) organiza a sociedade pela distribuição dos homens em camadas sociais e eventualmente em
espaços geográficos; 2) tutela a produção; 3) em alguns casos a organiza e/ou orienta; 4) vigia a
permanência de determinadas relações de trabalho; 5) às vezes as modifica; 6) cria um campo
específico de relações cujo eixo é o poder do Estado; 7) discrimina os valores que lhe convém e
estimula sua transformação em valores de toda a sociedade, de todos os grupos sociais; 8) cria
mecanismos para que os privilegiados – entre eles os próprios detentores do poder – continuem
gozando de seus privilégios.

A PÁTRIA E OUTROS CONCEITOS

O que significa pátria? Hipoteticamente, pátria é a mãe que, como uma árvore gigantesca,
protege seus filhos debaixo de uma prodigiosa e generosa ramagem. Tiradentes fez por
ela um abnegado sacrifício. Ao ser preso pelas tropas portuguesas, exclamou: “Não
destruam o sonho de liberdade do povo de minha pátria”. Mais adiante, e já com a corda no
pescoço para o inevitável enforcamento, com absoluta convicção disse ao padre que o
confessava: “A pátria sou eu, morro por ela”. O resto dessa história todos vocês já conhecem.
Segundo o saudoso filólogo Antenor Nascentes (1886-1972), pátria é o lugar onde
nascemos, trabalhamos, lutamos, sofremos, amamos. Em algum capítulo de Os Sertões - a
magistral obra de Euclides da Cunha -, recordo-me de ter lido um apontamento onde ele define a
pátria como sendo aquilo que devíamos ser e às vezes não somos. Isto foi expresso por aquele
insigne historiador brasileiro num momento de amargo pessimismo sobre o eterno problema da
seca nordestina.
Conforme o saudoso deputado Ulysses Guimarães (PMDB), a pátria está no Brasil vital e
não no Brasil oficial. Guimarães Rosa, o escritor brasileiro que tão bem soube definir a
calamidade sofrida pela população sertaneja do vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, in
Grande Sertão: Veredas assevera que a idéia de pátria responde a um conceito sentimental,
espiritual, romântico e místico. E, segundo Olavo Bilac, é através dela que os homens se
identificam com a terra que os viu nascer, com ela sonham e por ela lutam, amam, matam e até
se deixam matar.
Há em todo esse vocabulário um problema existencial. A pátria tem um hino e são as
suas notas musicais que em certos capítulos da história têm impulsionado milhares de seres
humanos a assumir atitudes heróicas. Ocorre-me recordar que por ocasião das disputas esportivas
internacionais, mesmo após terminarem os acordes tocados pela banda, os torcedores brasileiros
continuam a cantar o Hino Nacional nos ginásios e estádios, em louvor aos desígnios desportivos
da pátria.
O conceito de pátria é anterior ao de estado, república e nação. Com o transcurso do
tempo, apesar do progresso que o povo brasileiro tem usufruído, nosso passado de lutas ainda
nos parece muito presente. Antigo e moderno estão unidos sob o propósito deliberado de manter
em alto estilo o decoro e a soberania nacional, para assim conservar a sua identidade.
A pátria é coração, alma e sublimação do gentílico. Quando dizemos “pátria”, estamos
definindo uma atitude frente à vida, um estado de consciência por meio do qual justificamos

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nossas aspirações como povo. Por isso, é triste e contraditória a condição de apátrida. Uma
coletividade que careça do sentimento de pátria deixa de ser um agrupamento com fins de
transcendência para converter-se numa espécie de amorfo conglomerado que caminha a esmo e
sem destino definido.
Enfim, pátria é a família amplificada. É a sociedade devidamente constituída, tendo por
elementos orgânicos a honra, a disciplina, à fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma
harmonia instintiva de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivente de
almas entrelaçadas. Multiplicai a célula e tendes o organismo. Multiplicai a família e tereis a
pátria. Sempre o mesmo plasma, a mesma substância nervosa, a mesma circulação sangüínea. Os
homens não inventaram a pátria, antes adulteraram a fraternidade, de que Jesus Cristo lhes dera a
fórmula sublime ensinando-lhes a se amarem uns aos outros: Diliges proximum tuum sicut te
ipsum.
Entretanto, a pátria não é de ninguém: é de todos; cada qual tem no seio dela o mesmo
direito à idéia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um
monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar,
o berço dos filhos, o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Os
que a servem são os que não invejam, não inflamam, não conspiram, não sublevam, não
desalentam, não emudecem, não se acovardam, mas resistem, ensinam, esforçam-se, participam,
discutem, praticam a admiração e o entusiasmo, porque todos os sentimentos grandes são
benignos e residem originariamente na esperança e no amor que sentimos pela pátria.

A REPÚBLICA

S egundo o célebre filósofo grego Platão, em Diálogos, a idéia de República corresponde a


um conceito jurídico. Com ela a pátria assume uma estrutura legal e institucional para que
o homem possa viver conforme as normas de uma convivência feliz e civilizada. Sem uma
organização republicana a pátria continuaria conservando seu estado conceptual, mas iria
perdendo forma e estrutura. Assim, o homem estaria exposto a riscos e indignidades de diversas
espécies.
A República garante o funcionamento de um regime jurídico onde se pode viver em
liberdade, acatando a constituição e as leis e respeitando a condição humana do indivíduo. É
dessa forma que o direito adquire a plena vigência sob a administração de uma justiça racional e
honesta. Do contrário, se imporia a anarquia e o caos. A República é o governo do povo
soberano, o qual exerce essa soberania por meio de poderes públicos eleitos em legítimas
conflagrações eleitorais. A reformulação dos processos dialéticos acabou por fazer modificações
de forma ao conceito clássico e ortodoxo de República. Dessa forma, podemos hoje observar
como funcionam dentro da normalidade algumas monarquias republicanas, tais como a
espanhola, a inglesa e a sueca.
Platão é um dos marcos fundamentais da busca de soluções para os problemas humanos.
A cultura ocidental está profundamente impregnada pela sua presença na evolução do
pensamento filosófico. Seus diálogos, debates vivos de questões sempre atuais, deixa bem claro a
participação do pensador grego nessa evolução.
E entre os “Diálogos”, ressalta-se em importância incontestável “A República” que, com
as “Leis”, são o alicerce das primeiras intenções de uma ciência política. Apesar de toda a poesia
e simbolismo que o estilo de Platão apresenta, “A República” permanece uma lúcida tentativa de
sistematizar o fenômeno político.

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O problema central de que parte a sua obra, é o da justiça. E deste tema, Platão passa para
o da estrutura de um Estado bem constituído. A pergunta – “qual a essência da justiça?” – vai
sendo respondida nos “Diálogos”, à medida que seus participantes vão traçando, com
objetividade, a forma como ela se configura na sociedade. Por fim, o problema se reduz a uma
especulação de como recrutar e instruir os chefes ou guardiões da cidade, que têm por tarefa
moderar, coordenar, harmonizar.
Platão aspira, assim, a um Estado ideal, baseado no conceito de justiça. Entre os homens,
é preciso escolher os guardiões que sairão, naturalmente, dos guerreiros, classe já selecionada e
preparada. A educação dos guerreiros deve estar subordinada à ginástica e à música para que se
fortaleçam não em uma força animalesca, mas em virtude de sabedoria, temperança do comando
irascível e harmonia interior.
Mas os chefes ainda precisam de uma educação mais especial. A unidade constitui-se na
primeira virtude. Platão propõe, para atingi-la, uma vivência comunitária, onde se praticasse um
treinamento físico e moral para ambos os sexos e uma educação científica e política ministrada
pelos filósofos aos futuros chefes. Os filósofos, possuídos pelo amor à verdade, pelo gosto da
pesquisa, pela faculdade de bem discernir, são os que sabem situar as coisas num conjunto
ordenado.
Há ainda em “A República” uma distinção de Estados, que Platão observa na realidade,
em contraste com o seu Estado ideal. Faz o levantamento de seis formas: a ideal ou perfeita, e
cinco imperfeitas – o regime de Creta e Lacedemônia, a aristocracia, a oligarquia, a democracia e
a tirania. As formas imperfeitas vão-se sucedendo continuamente por um processo de corrupção
que lhes é implícito. Aqui se delineia a idéia de uma evolução necessária nas formas de governo,
tema que, após Platão, foi retomado por vários filósofos até chegarem à ciência política moderna.
“A República” termina por uma evasão nos caminhos poéticos da metempsicose. Mas o
que realmente continua valioso em Platão, além de sua arte poética, é o espírito político de exame
e proposição de soluções; isto é, a sondagem do político como agente na transformação e
superação dos problemas da sociedade.
Ainda segundo Platão, o princípio irredutível de “dar a cada um o que lhe pertence” não
poderia funcionar sem a vigência de uma forma republicana e democrática de governo. Seria a
negação daquela célebre máxima segundo a qual “todos os homens nascem iguais” – norma
institucional instituída no Congresso de Filadélfia e adotada pela Revolução Francesa.
Conforme os preceitos criados pela Maçonaria (a mais antiga associação política de que se
tem notícia) e adotados pela Revolução Francesa, a República deve nos dar a liberdade, assegurar
a igualdade e exigir a fraternidade. Sem essas regras, as garantias individuais estabelecidas nas
constituições modernas passariam a ser simples conceitos convertidos em letra morta.

O ESTADO

O Estado já recebeu um grande número de definições. Santo Agostinho buscava a sua


origem no pecado original: “Os homens devem viver sob uma autoridade capaz de
reprimir suas tendências a se maltratar mutuamente”. Para aquele “santo”, uma sociedade
humana sem Estado é pouco menos do que inconcebível: “Só o Estado permite que os homens
constituam famílias (casando-se ou não) e vivam numa sociedade organizada”. O celebre
pensador inglês Thomas Hobbes, que não foi santo, portanto sem ter a necessidade de recorrer ao
argumento do pecado original, pensava de forma semelhante a santo Agostinho.
Carl Schmitt, teórico do nazismo alemão, define o Estado como [...] “unidade que engloba
todos os contrários”. Diz o eminente sociólogo Emile Drurheim: “opressores e oprimidos são
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englobados pela estrutura estatal, esse jogo de forças, esse [...] conjunto de corpos sociais que
possuem a exclusividade de falar e atuar em nome da sociedade [...]”.
O famoso historiador Jacob Burckhardt observa que o poder faculta ao Estado o direito ao
egoísmo, negado aos indivíduos isolados. E diz: [...] “o Estado pensa, em primeiro lugar, em si
mesmo e atua em função de sua maneira de pensar”. E acrescenta [...] “o Estado constitui um
depositário do Direito, o baluarte da Justiça”. E, embora ele, Burckhardt, o aprove, não posso
deixar de assinalar que a Justiça e o Direito, na medida em que são elaborações do poder que se
apóia sobre uma denominação, devem ser encarados como realmente o são: o Direito e a Justiça
da dominação. O sociólogo francês Marcel Mauss, observa que o Estado na sociedade atual [...]
“encontra-se bastante desvinculado da vida geral da sociedade”.
Finalmente – e para não cansar o leitor com definições que poderiam multiplicar-se –,
Lawrence Krader assinala que a missão do Estado consiste em [...] “controlar e dirigir a vida das
pessoas sob sua guarda, por meio do poder social centralizado nas mãos de uns poucos”.

A DEMOCRACIA

N a teoria democrática, o povo é considerado soberano e os governantes, seus delegados ou


mandatários. A soberania brasileira foi retomada da tradição monárquica, na qual o
nosso imperador era a fonte de todos os poderes e governava por meio de ministros, seus
servidores pessoais. Na democracia, o povo pode ser comparado ao administrador de uma grande
empresa, na qual o trabalho administrativo central é sempre confiado a outras pessoas. A função
própria do administrador é a de fixar os grandes objetivos da atividade empresarial, escolher os
gerentes administrativos, dirigir o seu trabalho, fixar a sua remuneração e demiti-los quando se
mostram vagarosos, corruptos ou incompetentes.
No Brasil - assim como na maioria dos demais países ditos democráticos - o povo elege os
governantes: chefes do Poder Executivo, senadores, deputados e vereadores, mas não tem o poder
de lhes dar ordens, de obrigá-los a trabalhar, de fixar a sua remuneração ou de demiti-los quando
se revelam incompetentes, corruptos ou incapazes. A desculpa que se dá para justificar esse
arranjo torto é a de que há um outro tipo de democracia, dita representativa, na qual a soberania
do povo consiste, única e exclusivamente, em eleger os governantes (seus mandatários),
competindo a estes governar livremente. Mas essa explicação é inaceitável.
O mandatário recebe poderes do mandante para agir em nome e benefício deste. Os
poderes assim recebidos não podem ser acrescidos pelo mandatário, nem a este compete fixar
unilateralmente a sua remuneração. O mandatário que abusa dos poderes que lhe foram
confiados, ou deles se serve em seu próprio proveito e não em benefício do mandante, pode ser
por este destituído, devendo responder, civil e criminalmente, pelos abusos cometidos. Isto, sem
falar no fato de que o mandante pode, a todo tempo, romper a relação de mandato, quando perde
a confiança no mandatário.
Ora, no direito brasileiro, a relação de representação do povo pelos políticos por ele
eleitos é um falso mandato. São os políticos que fixam unilateralmente os termos dessa relação de
mandato, podendo alterá-la sem consulta nem aprovação popular. Senão, vejamos. A
Constituição em vigor foi votada pelo Congresso Nacional, sem ser referendada pelo povo. Nos
últimos anos, o Congresso Nacional também votou dezenas de emendas (ou remendos) ao texto
constitucional, sem que o povo fosse consultado ou convidado a se pronunciar em seguida.
Mais: o povo não tem iniciativa para propor alterações na Constituição, nem dispõe de
poderes para rejeitar as que são votadas exclusivamente pelo Congresso. Este, como não é difícil
imaginar, jamais aprova propostas de emendas constitucionais que retire, ainda que
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minimamente, algum poder dos deputados ou senadores, ou que torne mais difícil e arriscada a
sua reeleição. Além disso, como todos sabem, o Congresso sofre a influência determinante do
presidente da República, que jamais permitirá qualquer tentativa de redução de seus poderes, já
de si exorbitantes e quase sempre mal exercidos. Não bastasse isso, não podem os eleitores
dstituir aqueles que elegeram para cargos políticos, não só quando desaparece a confiança,
essencial em todo mandato, mas até mesmo quando os eleitos se revelam inescrupulosos ou
incompetentes. São os mandatários políticos que fixam sua própria remuneração, igualmente sem
consulta nem ratificação popular.
A Constituição de 1988, em louvável avanço democrático, declara que o povo, fonte de
todos os poderes, pode em certas circunstâncias exercê-los diretamente. As formas de exercício
direto da soberania popular foram declaradas no seu artigo 14. São o plebiscito e o referendo.
Pelo plebiscito, o povo manda ou autoriza que os órgãos do Poder Legislativo ou do Poder
Executivo procedam de acordo com a vontade popular. Com o referendo, o povo aprova ou
rejeita decisões já tomadas pelo Congresso Nacional ou pelo chefe do Poder Executivo, em casos
determinados.

O NORTE DO PARANÁ

C omo sabemos, o patrimônio cultural de um povo está associado intimamente ao seu


território, demarcando aspectos físicos e simbólicos, assinalando dimensões espaços-
temporais específicas, dentro de um contexto histórico, caracterizando a produção
cultural de um povo. Literatura, ciência, arte e cotidiano são domínios do ser humano na
construção da história, na mesma proporção em que a natureza lhe oferece o cenário para a
reprodução da vida.
A cultura norte-paranaense apresenta um repertório variado de temas, sons e cores,
configurando um importante recorte para a compreensão do Brasil enquanto nação, no
contratempo de um passado de dominação e hegemonia cultural européia. Diferente das demais
regiões brasileiras, entretanto, a região hoje compreendida como Norte do Paraná não teve
escravos africanos. Mas teve a escravização dos indígenas, principalmente nas doze reduções
jesuíticas da antiga Província Real del Guayrá, nos Campos Gerais e na região costeira de
Paranaguá.
Com a chegada dos bandeirantes paulistas, milhares desses índios foram levados como
escravos para os engenhos de açúcar do Nordeste. O doce do açúcar e a amarga escravidão
cobriam o país de vergonha, onde o branco dos engenhos e as índias escravas, no eito e no leito,
procriaram um povo miscigenado. Com a vinda dos negros africanos, o escravismo aumentou
enormemente na cultura brasileira, principalmente na mineira e na nordestina.
Com a destruição das reduções jesuíticas e a conseqüente escravização dos indígenas, a
antiga Província Real del Guayrá (Norte do Paraná) ficou praticamente abandonada por três
séculos, com algumas famílias de índios nômades vagando por aqueles ermos esporadicamente,
até a chegada dos ingleses da Paraná Plantations. Hoje, após a chegada de milhares de migrantes
nacionais e internacionais, a composição étnica norte-paranaense é composta de estrangeiros das
mais variadas regiões do mundo e de brasileiros do norte ao sul do país. Componentes afro-
brasileiros e caboclos se concentram nas periferias das grandes cidades, transformando essa
região em pluriétnica e multicultural, reforçando a tônica de um extenso processo de mestiçagem.
Baseado nessas premissas, este Trópico de Capricórnio representa um campo fértil de pesquisa
para as ciências humanas.

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Entretanto, até para escrever um simples livro como este o escritor precisa estar bem
informado sobre o assunto que pretende comentar. Não há, evidentemente, fórmulas mágicas para
alguém conhecer a história de determinado povo, país ou região, mas um dos principais segredos
certamente é a pesquisa. Outro, tão importante quanto, consiste em o escritor ter vivido os
acontecimentos que pretende narrar. Isso recicla a disposição, fortalece o cérebro e anima o
coração. Contudo, pode a história ser fantasiada? Pode. Mas se nos parece mais comum a idéia de
que ela seja uma narrativa objetiva dos fatos passados, com suas datas precisas, seus personagens
e acontecimentos vividos, este livro apresenta uma visão completamente diferente da versão
fantasiada. Suas páginas fazem a apresentação de imagens que se cristalizaram em minha
memória, como a de tipos inter-raciais brasileiros e estrangeiros que aqui aportaram para
desbravar a floresta que até então sombreava as ubérrimas terras roxas ainda inexploradas,
definindo valores e virtudes.
Muito antes de mim, porém, escritores mais antigos e competentes já tinham detectado a
construção do nosso imaginário coletivo em livros como O Trem de Ferro, (João Antônio Corrêa
Júnior - Zitão), O Pé Vermelho, (Túlio Vargas), e Terra Crua, (Jorge Ferreira Duque Estrada) –
livros que reconstituem uma das fases mais conturbadas da história de Maringá, oferecendo-nos a
fantasia de uma cidade planejada que se forjava no noroeste do Paraná em meados do século
vinte.
Mas, queiramos ou não, quase sempre o historiador encontra versões que já nasceram
fantasiadas, como, por exemplo, aquela em que os ingleses da Paraná Plantations sonhavam com
a fantástica construção da Estrada de Ferro Santos-Antofagasta para encurtar o caminho marítimo
dos cargueiros britânicos que levavam o cobre e outros metais do deserto chileno de Atacama
para a Europa, via Oceano Pacífico; se fossem pelo Oceano Atlântico reduziriam a distância em
milhares de milhas marítimas. E nisso os ingleses estavam certos. Mas estavam errados quando
pensaram em se apossar de terras brasileiras, paraguaias, argentinas e chilenas para tal finalidade.
Na verdade, conseguiram se apoderar de 515 mil alqueires de terras do Estado do Paraná, levando
seus trilhos até a cidade de Cianorte, amparados pela Lei Cincinato Braga e pela desprezível
política do nosso então presidente de República Arthur Bernardes, mas sem jamais terem
conseguido a sua realização. O que realizaram, na verdade, foi a completa destruição da natureza
do norte do Paraná, causando emissões de carbono maiores do que aquelas que hoje as queimadas
da Amazônia produzem.
Se os responsáveis pela preservação da Amazônia precisam de mais um aviso, ele está
dado: a destruição das florestas do norte do Paraná acelerou a mudança climática e exterminou
milhares de espécies de animais e vegetais. Considero que a conversão das florestas do norte do
Paraná em plantações de café e capim gerou um volume de dióxido de carbono maior do que o
registrado na China nos últimos anos, além de ter exterminado as populações locais de índios
xocréns e xetás.
Antes da chegada dos ingleses da Paraná Plantations, o norte novo do Paraná possuía
florestas nativas em 99,9% de seu território. Desde então, já perdeu praticamente tudo. A partir
de 1975 – quando as geadas obrigaram os fazendeiros a substituir o plantio de café pelo da soja,
os agricultores começaram a desmatar até as matas ciliares, levando suas plantações até para
dentro dos cemitérios, sem nenhuma proibição das autoridades governamentais até o momento.
Atualmente, apenas 0,1% da área do norte do Paraná seguem ocupadas por matas nativas.
No período compreendido entre 1924 e 1975 a região perdeu quase 100% da sua mata original. A
velocidade e a finalidade dessa transformação vivida pelo norte do Paraná não são comparáveis a
nenhum outro tipo de desflorestamento mundial. Como resultado disso, a emissão de CO2
proveniente das queimadas daquela floresta contribuiu para o aumento catastrófico da
9
temperatura mundial, ocasionando o desgelo dos picos nevados da Bolívia, da Argentina, do
Chile e do Peru.
Segundo cientistas da Unidade de Glaciologia do Instituto Nacional de Recursos Naturais
(INRENA), em Lima (Peru), o aquecimento global foi a causa do desaparecimento de geleira
Broggi, localizada na Cordilheira Branca peruana, a cerca de 400 quilômetros da capital. Em
1995, a geleira tinha mais de 1,8 mil km2, mas dez anos depois ela sumiu do mapa. Outra geleira,
a Pastoruri, também na Cordilheira Branca, retrocedeu de um nevado (montanha com neve
permanente) para uma simples cobertura de gelo, depois que 700 km2 dela derreteram. A
superfície da Cordilheira Branca, que atravessa o centro do país, teve uma diminuição de gelo de
25% em relação a 1970. Enquanto a média de retrocesso anual das geleiras era de 8 a 9 metros
entre 1948 e 1977, no ano 2000 esse número aumentou para 20 metros.
De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o gelo do
Pólo Norte pode desaparecer antes de 2015. Geralmente, no meio do ano, o gelo do local derrete
devido ao calor do verão, mas volta a endurecer no inverno. Nos últimos anos, no entanto, a taxa
de recongelamento é muito inferior à de derretimento. Esta última foi de 6 mil quilômetros
quadrados por dia em abril de 2008. Isso se deve ao calor na região do Oceano Ártico. Naquele
ano, a temperatura média subiu cinco graus Celsius acima do normal. Em 2009, por exemplo, a
capa de gelo diminuiu 1.000.000 de quilômetros quadrados em relação ao valor anterior. O fato
culminou na abertura da Passagem Noroeste à navegação.
Quando à Amazônia, se o que ainda resta da sua floresta não for preservado, as
populações humanas e de bichos da América do Sul também serão dizimadas, desaparecendo
muito mais rapidamente do que as florestas ainda existentes em seus países. Essa devastação
também está ocorrendo no cerrado do Brasil-Central, exterminando animais silvestres e secando
as fontes de água que alimentam a maioria dos grandes rios brasileiros. Se o governo brasileiro
não tomar providências, aqueles animais simplesmente desaparecerão, os mananciais secarão e o
próprio rio Paraná (o segundo maior do mundo em volume de água) não terá água suficiente para
movimentar as turbinas da Hidrelétrica de Itaipu. O mesmo acontecerá com a Usina de Tucuruí,
com as usinas de Paulo Afonso e com as demais usinas espalhadas pelo Brasil.
Sem energia elétrica, as indústrias serão obrigadas a fechar as portas e não teremos mais
alimentos. As raras chuvas que cairão serão ácidas e não mais teremos água potável para beber.
Aves e mamíferos marinhos atingidos por acidentes ecológicos também terão poucas chances de
sobreviver. Hoje, quando muitos ainda acreditam que essa catástrofe não vá acontecer, imagens
de aves marinhas – em geral as mais atingidas – com as penas encharcadas de petróleo provocam
grande comoção. As baleias, focas, leões marinhos, golfinhos e outros animais marinhos também
são vítimas constantes de acidentes ambientais. A limpeza de tanques de navios em alto-mar é
um dos motivos de aumento da incidência de desastres marinhos, tornando a maioria dos peixes
impróprios para o consumo humano. Imagine então o que poderá acontecer quando a Petrobrás
começar a explorar as jazidas petrolíferas do Pré-Sal?
De acordo com o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e a Sociedade de Zoologia de
Londres (LZS), o número de espécies aquáticas e terrestres caiu 27% entre 1970 e 2005. Segundo
o Índice Planeta Vivo, que acompanha cerca de 4 mil espécies, o peixe-espada é um dos mais
atingidos, com queda de 28% entre 2003 e 2008. As aves marinhas tiveram redução de 30%
desde a metade dos anos 1990 e espécies como o antílope africano e o tubarão-martelo correm
riscos de desaparecer. A WWF afirma que a destruição dos hábitos e o comércio de animais são
as maiores causas do declínio dessas populações. Tudo isso me emociona, mas talvez eu já não
esteja mais aqui quando isso acontecer. Entretanto, ainda sou capaz de perder noites de sono nem
que seja para tentar salvar uma única vida humana.
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HISTÓRIAS ANÔNIMAS

A té porque a história da companhia inglesa Paraná Plantations (leia-se Companhia de


Terras Norte do Paraná (CTNP) e a da paulista Companhia Melhoramentos Norte do
Paraná (CMNP) nunca tenham sido ministradas em salas de aula - principalmente nas
acadêmicas -, quase ninguém sabe que a faixa de domínio da Rede Ferroviária Federal entre a
cidade de Cianorte (onde os trilhos pararam) e a cidade de Guaíra (final do pretendido trecho
ferroviário em solo brasileiro) está sendo ocupada por agricultores particulares, sem que jamais
tenham adquirido aquelas terras do governo federal, abocanhando tudo, gerando enormes
prejuízos ao Estado, o que justificaria uma Ação Popular para a devida reintegração de posse.
Além destas, muitas outras histórias desconhecidas do grande público são relatadas neste
livro, firmando um dos cuidados que procurei ter para resgatar a diversidade dos acontecimentos
ocorridos na região norte do Estado do Paraná da primeira parte do século vinte e de alguns
países vizinhos, vestígios de um mesmo passado. Memória feita de fantasias e de verdades,
recheada com fascinantes mitos e versões desencontradas, essa história também faz parte da
minha própria formação física e intelectual. Eu vivi aquela época. Nada mais justo, portanto, que
este livro traga um pouco dessa particularidade.
Na verdade, aprendi a relacionar a história do Norte do Paraná com a da minha própria
vida no dia 10 de maio de 1995, quando ao fazer a apresentação do Catálogo do Acervo da
Divisão do Patrimônio Histórico e Cultural de Maringá, a hoje saudosa professora Marilin
Cordeiro Tupam, então secretária da Cultura do Município de Maringá, assim discorreu: “A lição
por excelência da História é a que advém do conhecimento dos fatos passados cuja seqüência lhe
cabe traçar; a de uma renovação incessante a qual amplia em nós o sentido da evolução e nos
previne contra erros de julgamento, apreciação do presente e planejamento do futuro”. Aos olhos
de quem acredita no valor da capacidade humana, a dissertação da saudosa professora representa
as qualidades fundamentais para construir, mudar, produzir e solidificar. Porque só assim
poderemos desenvolver nosso talento, nossa cidade e nosso país, preservando os nossos ideais
mais profundos e nunca abandonando a responsabilidade para desenvolver o bem-estar geral da
coletividade. É nos mantendo firmes e intocáveis neste propósito que a mentira se curva à nossa
verdade. É investindo no bem comum que os fatos se perpetuam para sempre. É seguindo em
frente que as dificuldades vão ficando para trás”, finalizou.
Acredito que a saudosa Marilin tenha tido muita razão ao fazer aquele discurso, pois o
conhecimento de causa além de proporcionar informações dos caminhos sofregamente trilhados
no passado, também fornece o cenário para o entendimento da evolução humana e serve como
elemento balizador dos rumos a serem seguidos pelos jovens nos caminhos do futuro. Ademais, a
História – série de acontecimentos notáveis e dignos de memória, ocorridos na vida da
Humanidade, de uma determinada região ou de um país – vem despertando a curiosidade de
nossa gente. Esta busca nada mais é do que a necessidade dessas pessoas em se integrarem na
sociedade em que vivem, uma vez que muitas delas ainda não tiveram a oportunidade de
conhecer a trajetória do desenvolvimento da terra para onde migraram ou que nela até nasceram.
E foi justamente por isso que procurei suprir essa lacuna, relatando o quanto possível os
principais eventos da emancipação política do Estado do Paraná e, principalmente, do Município
de Maringá, mas sem ter a pretensão de ser o dono da verdade e muito menos de querer esgotar o
assunto.

O ESTADO DO PARANÁ

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A travessado pela linha imaginária do Trópico de Capricórnio (razão do título deste livro),
o Estado do Paraná se encontra numa zona de clima suave, ligeiramente úmido: mais
quente no litoral e extremo Oeste; frio na região dos Campos Gerais, Planalto
Curitibano, Campos de Guarapuava e Sudoeste do Estado; e temperado na região Norte. Na
região Sul, o inverno é bastante rigoroso, descendo o termômetro até 13 graus negativos,
ocasionando abundantes geadas e, ocasionalmente, neve. Palmas, Curitiba e Guarapuava são,
respectivamente, as cidades mais frias dos Estado, enquanto Jacarezinho, Guaíra, Foz do Iguaçu e
Paranaguá são consideradas as mais quentes. A temperatura média, entretanto, não ultrapassa os
22ºC em todo o Estado.
Localizado ao norte da região sul-brasileira, o Paraná tem a seguinte latitude: extremo
Norte – 22”30’58”; extremo Sul – 26”43’00”. Longitude: extremo Leste – 48”05’37”; extremo
Oeste – 54”37”06”. Com uma superfície de 199.323,9 km2, limita-se ao Norte e Nordeste com o
Estado de São Paulo; a Leste com o Oceano Atlântico; ao Sul com o Estado de Santa Catarina e a
República Argentina; a Oeste com o Estado de Mato Grosso do Sul e a República do Paraguai.
Neste início de terceiro milênio, conta com uma população residente de aproximadamente
10 milhões de habitantes, representando uma densidade demográfica de 50,16 habitantes por
km2, distribuídos pelos seus 399 municípios, destacando-se os de Curitiba, Londrina, Maringá,
Ponta Grossa, Cascavel e Foz do Iguaçu como os seis mais populosos, respectivamente.
Na topografia paranaense, as serras que percorrem o Estado pertencem ao maciço
Atlântico, que aparece ramificado em serra do Mar e serra Geral. A primeira recebe as
denominações de Virgem Maria, Negra e Graciosa; a Segunda as de Esperança, Serrinha, Azul e
Furnas, apresentando três patamares ou terraços: o Ocidental, ou de Guarapuava, o Central, ou de
Ponta Grossa, e o Oriental, ou de Curitiba. O ponto culminante do Estado é o Pico do Marumbi,
com 1.800 metros de altitude, ao sul da cidade de Piraquara.
As baías mais importantes do Estado são: Paranaguá, que é considerada a segunda maior
do Brasil em extensão [a primeira é a Baía de Todos os Santos, no Estado da Bahia]; Antonina,
Guaratuba, Laranjeiras e Guaraqueçaba. No litoral encontram-se as ilhas de Cotinga, Teixeira,
Rasa, Pinto, Mel, Peças, Figueiras, Pilões, Itacolomy e Gaivota. Formadas pelo rio Paraná, no
trecho que este separa o Estado da República do Paraguai, há várias ilhas, principalmente
algumas formadas após a criação do lago artificial de Itaipu. Contudo, a maior ilha fluvial nesse
trecho é a de Icaraí. No trecho que o mesmo rio marca a divisa do Paraná com o Estado de Mato
Grosso do Sul são importantes as ilhas Grande e Bandeirantes. No rio Iguaçu, no trecho
fronteiriço entre o Paraná e a República Argentina, fica a ilha Pesqueira, havendo ainda diversas
ilhas e ilhotas nas proximidades das principais quedas do Rio Iguaçu.
Os principais rios das micro-bacias litorâneas do estado são o Ribeira de Iguape e o
Nhandiaquara. O primeiro tem como principais afluentes paranaenses o Açungüi, o Piedade, o
Rocha e o Pardo, na margem direita e o Itabirapuã na esquerda. Da foz deste último rio até a do
Pardo, o Ribeira de Iguape marca a divisa com o Estado de São Paulo e, a partir desse ponto,
passa a correr exclusivamente em território paulista. O rio Cubatão forma um salto com o mesmo
nome. O rio Paraná – segundo maior do mundo em volume de água – marca a divisa do Estado
do Paraná com o Estado de Mato Grosso do Sul e a República do Paraguai, no trecho
compreendido entre a foz do rio Paranapanema e a do rio Iguaçu. Atualmente submerso pelas
águas do lago artificial de Itaipu, o salto das Sete Quedas, na fronteira com a República do
Paraguai, divide o rio em Alto Paraná e Baixo Paraná. Este, tem no Paraná os seguintes afluentes:
Paranapanema, que nasce no Estado de São Paulo, marcando uma porção considerável de divisa
entre os dois estados; seus afluentes no Estado do Paraná, todos na margem esquerda,
12
evidentemente, são: a Itararé, que serve de divisa com o Estado de São Paulo; o das Cinzas,
depois de receber as águas do Laranjinha e do Tibagi; este forma em seu percurso os saltos dos
Aparados, Alemão, Mauá e Agudos, e a cachoeira das Sete Ilhas, recebendo ainda, na altura do
município de Sertanópolis, as águas dos ribeirões Cerne, Couro do Boi e Ibiaci; o Ivaí, que forma
o salto Visconde do Rio Branco, com 75 metros de queda e as cachoeiras Abóbora, Do Cobre e
Bufadeira, e os saltos da Figueira, dos Dois Pousos, da Bulba e das Bananeiras; o Piquiri, que
recebe os rios Goio-Erê, Cantú e dezenas de riachos, desaguando no rio Paraná vinte quilômetros
acima dos antigos saltos das Sete Quedas; o Santa Quitéria, o São João, o Jejui-Guaçu, o São
Francisco, o São Francisco Falso, o Iguaçu com seus afluentes Chopim, Negro e dezenas de
riachos, formando em seu percurso diversas quedas, como o salto Osório, salto Santiago e as
cataratas do Iguaçu, que são protegidas palas matas do Parque Nacional do Iguaçu – única
reserva biológica preservada no oeste do Estado do Paraná.
Além desses rios, o Estado do Paraná ainda conta com muitas lagoas. As mais
importantes, são: Parada, Divisa, Furta-Mar, Pereiros e Impossadas. No que se refere à
fitogeografia, a faixa costeira conta com uma vegetação de mata arbustiva, frutífera e manguezais
bastante interessante. No meio da serra, porém, a distribuição dos maciços vegetais naturais
difere do litorâneo, no lugar dos arbustos e da cultura de palmitos e bananeiras aparecem as
florestas de araucárias, intercaladas com bosques de bracatinga, imbuía, cedro e canela que se
alternam em campinas não muito extensas, havendo ali uma agricultura bem desenvolvida, com
tecnologia agrícola implantada pelos imigrantes europeus. É a parte do Estado de colonização
européia mais antiga.
O terraço dos Campos Gerais apresenta-se como uma vasta planície, na qual os rios e os
ventos escavaram profundos vales e que é dominada por altas montanhas ao norte, enquanto as
furnas e rochedos de arenito dominam a paisagem ao centro e ao sul. Predomina ali a vegetação
dos cerrados, mas nas elevações estendem-se florestas de araucárias, cedros e erva-mate. De
simples zona de pastagens primitivas, os Campos Gerais teve um grande desenvolvimento
agrícola a partir de 1970, fazendo surgir inúmeras e sofisticadas agroindústrias. Em boa parte
dessa região pratica-se também a criação de bovinos, suínos, caprinos, muares, eqüinos e ovinos.
Destaca-se ainda a avicultura, principalmente nos municípios de Imbituva, Prudentópolis e Ponta
Grossa. Já em Irati e em São João do Triunfo, além do artesanato em madeira, se produz uma
significativa quantidade de batata inglesa, trigo, milho e erva-mate. Quanto aos derivados de
leite, os municípios de Castro e Carambeí produzem o que existe de melhor na indústria láctea
paranaense.
O Terraço de Guarapuava constitui a parte mais extensa dos Campos Gerais. É um
verdadeiro planalto, com altitude quase uniforme de cerca de 1.000 metros de altitude. Em grande
parte está coberto pelas plantações de soja, maçã e trigo, e pela criação de caprinos, ovinos,
bovinos e suínos. Neste sentido, a agricultura meridional paranaense está bem desenvolvida. Na
região norte, noroeste e parte da oeste, cultivam-se café, cana-de-açúcar, fumo, algodão e,
sobretudo, a exemplo do sudoeste, a soja: hoje a maior riqueza agrícola estadual.
Sobre os recursos naturais, além das madeiras-de-lei o Paraná possui jazidas de ouro,
ferro, cobre, mercúrio, mármore, granito, antimônio, diamante, berilo, manganês, enxofre,
chumbo, sal-gema, salitre, alume, caulim, carvão-de-pedra, petróleo, calcário e várias fontes de
água mineral.

13
AS CAPITANIAS DO SUL

A lém da enorme e bem distribuída riqueza natural do seu interior, a história do Paraná
ainda nos dá conta de que o litoral compreendido entre as cidades de Cananéia (SP) e
Laguna (SC) foi o primeiro ponto explorado pelos portugueses no Brasil. Muito antes da
fundação de São Paulo, Martim Afonso de Souza, tentando defender suas capitanias dos assaltos
da pirataria inglesa, a primeira coisa importante que fez foi mandar fortificar a Capitania de Santo
Amaro.
Ao tempo em que se estabelecia a feitoria de São Vicente, de Cananéia para o sul a
navegabilidade do rio Iguape muito favoreceu aqueles exploradores, pois naqueles tempos a baía
de Cananéia - hoje assoreada - se comunicava perfeitamente com a baía de Laranjeiras,
favorecendo a navegação fluvial, fato que ajudou os portugueses a penetrar Paraná adentro.
Em 1524, o rei de Portugal dom João III havia dividido o Brasil em capitanias
hereditárias. O litoral sul foi repartido em quatro capitanias, doadas a dois donatários: Martim
Afonso de Souza e seu irmão Pero Lopes de Souza. A ambos couberam dois quinhões. O de
Martim Afonso de Souza era o mais setentrional e iniciava-se na altura de Macaé (hoje Estado do
Rio de Janeiro), indo até cerca de um terço da ilha de São Sebastião (SP). Abrangia o cabo de São
Tomé, a baía da Guanabara, Angra dos Reis e inclusive o território onde, em 1554, o padre
Anchieta fundou a vila de São Paulo de Piratininga. A parte meridional iniciava-se na barra de
São Vicente e terminava na barra da baía de Paranaguá, incluindo Itanhaem, Iguape e Cananéia.
Esses dois quinhões foram denominados Capitania de São Vicente.
As duas partes que couberam a Pero Lopes de Souza abrangiam dois terços da ilha de São
Sebastião até a barra de São Vicente (primeira parte), enquanto a segunda parte ia da barra de
Paranaguá até encontrar a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas (na atual cidade de Laguna,
Estado de Santa Catarina). Este quinhão era a parte mais meridional de toda a colônia portuguesa,
mas sua delimitação era bastante vaga, mesmo para os espanhóis e portugueses. Nos primeiros
tempos esse quinhão foi chamado de Sant’ana, mas com o correr do tempo, ambas as partes de
Pero Lopes passaram a ser conhecidas por Capitania de Santo Amaro. Na sua parte mais
setentrional estavam situadas as vilas de Santos e São Vicente e na meridional Sant’ana (atual
Laguna), as vilas de Paranaguá e São Francisco do Sul. O território onde hoje está situada a
capital do Estado do Paraná (Curitiba), estava, pois localizado a oeste da linha de Tordesilhas,
teoricamente em território espanhol.
Limitando-se somente a procurar ouro, prata e pedras preciosas, na verdade os dois
irmãos nunca se interessam seriamente pelo desenvolvimento das terras que lhes foram doadas.
Martim Afonso de Souza, por exemplo, nas correspondências que enviava à coroa portuguesa
nunca mencionou a Capitania de São Vicente. Por seu lado, seu irmão Pero Lopes de Souza
acabou vendendo a Capitania de Santo Amaro para o conde de Castanheira e, juntamente com
seu irmão Martim Afonso de Souza, em 1530 regressou a Portugal, nunca mais retornando ao
Brasil. Por sua vez, Castanheira também nada realizou naquelas terras, deixando-as a mercê da
pirataria inglesa e de degredados portugueses que as percorriam isolada, mas permanentemente.
Encontrando a Capitania de Santo Amaro relativamente abandonada, um dos primeiros
aventureiros a penetrar nela foi o português Diogo de Unhate, seguido do também português
Eliodoro Ébano Pereira. Este último, na ânsia por descobrir lavras de ouro e outras riquezas
minerais, chegou à baía de Paranaguá por volta de 1600, uns setenta anos após os irmãos Souza
terem partido para Portugal. Alguns anos depois, com a grande propaganda que se fez em São
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Vicente sobre a existência de ouro naquelas paragens, a região começou a ser invadida por
centenas de bandidos portugueses que se misturavam aos índios de inúmeras tribos. Essa é a mais
provável origem da cidade de Paranaguá e da miscigenação das raças litorâneas que acabou
originando o caiçara, ou seja, o caboclo litorâneo paranaense (e paulista).
Logo em seguida a região começou a ser percorrida por toda espécie de criminosos que
Portugal deportava para o Brasil e pelos paulistas não menos bandidos (bandeirantes) que
procuravam índios para aprisionar e escravizar. Aproveitando-se dessa bagunça, Unhate requereu
ao conde de Castanheira e obteve, em 1614, uma sesmaria entre os rios Ararapira e Superagui.
Por seu lado, Ébano Pereira continuava na procura de ouro e prata, não se fixando em lugar
algum, mas acabou deixando em Paranaguá várias famílias de colonos que havia trazido de São
Vicente, quando seguia em direção à Laguna. Anos mais tarde, trouxe mais gente de São Vicente,
levou-a para o planalto, acomodou-a junto às nascentes do rio Iguaçu e iniciou uma nova
garimparem. E foi com a ajuda dessa gente trazida de São Vicente, que Ébano Pereira acabou
participando da fundação da cidade de Curitiba. Isso é tudo que os livros oficiais contam sobre a
vida de Ébano Pereira. Mas acreditando ter sido ele um herói, e inconformado com essa falta de
informação documental, Rocha Pombo, em O Paraná no Centenário, criticou as autoridades
curitibanas da época provincial, afirmando que elas “deveriam ter-lhe dado algo mais do que a
honra que lhe fez a Câmara Municipal, dando seu nome apenas a uma modesta e insignificante
rua da capital”.
O que Rocha Pombo deixou de mencionar, é que quando Ébano Pereira chegou ao
primeiro planalto, hoje chamado de curitibano, já encontrou uma série de núcleos de garimpeiros
provisoriamente ali instalados, sem nenhuma construção de madeira ou alvenaria, habitando
choças feitas de galhos de árvores e folhas de palmeira. Esta população esparsa já vasculhava os
cascalhos do rio Ivo e de outros riachos à procura de ouro, atividade então largamente explorada
no litoral.
Poucos foram os garimpeiros particulares que conseguiam amealhar algum ouro no
Paraná. Comenta o historiador paranaense Francisco Negrão que, em 1680, um dos maiores
proprietários de minas no litoral foi o capitão Antônio da Veiga. Em 1719, porém, Veiga
ofereceu como dote de casamento a sua filha a quantia de mil oitavas de ouro. Mas levou quase
cinco anos para cumprir a promessa, justamente porque suas minas já estavam praticamente
esgotadas.
Além dos portugueses e caboclos que perambulavam pelo litoral paranaense, as matas
serranas eram habitadas pelos índios tingüi, uma linhagem pertencente à grande nação tupi-
guarani. Os faiscadores de ouro, sobretudo no litoral de Cananéia, Iguape, Paranaguá, Santos e
Curitiba foram organizados e mantidos em ordem por Ébano Pereira, então encarregado de
administrar as minas do sul. Como coordenador da mineração da região sulista, ele era a única
autoridade que ali representava o governo instalado no Rio de Janeiro. Mas nunca foi
efetivamente um colonizador. Por isso não acreditamos que tivesse intenção de fundar qualquer
vila no planalto curitibano. Sua participação na fundação de Curitiba teria acontecido por acaso,
justamente porque foi ele que trouxe de São Vicente muitos homens para faiscar ouro nos então
chamados “campos de serra acima”. Era natural que esses homens, juntando-se às mulheres
indígenas, gerassem muitos filhos e necessitassem se estabelecer em torno de um único núcleo
habitacional. Acreditamos que foi dessa forma que efetivamente aconteceu a fundação de
Curitiba, sem, contudo, tirar os méritos do ilustre paulista Ébano Pereira.

PRIMEIRAS ESCARAMUÇAS

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A pesar de naquela época já haver muitas famílias estabelecidas no litoral sul, o
desenvolvimento regional ocorreu muito lentamente, devido principalmente às
escaramuças que surgiam entre os habitantes de São Vicente e o pirata espanhol Rui
Mosquera, aliado dos tupiniquins. Este pirata chegou a tomar os povoamentos de Iguape e São
Vicente com vários outros piratas seus patrícios, sempre auxiliado pelo degredado português
Francisco das Chaves, conhecido na região como o Bacharel de Cananéia. Com a expulsão de
Mosquera para o Rio Grande do Sul (território então considerado espanhol), tiveram os paulistas
melhores condições para percorrer, organizados em bandeiras, tanto as regiões de Paranaguá e
Curitiba como a Província Real del Guayrá (atual noroeste do Paraná), região até então
considerada espanhola. Tudo indica que essas regiões já eram conhecidas de portugueses e
paulistas desde o ano da fundação de São Paulo (1554), pois os historiadores nos dão conta de
que os portugueses já faziam negócios com os índios, trocando ferramentas, anzóis e roupas
prontas pelo algodão que os silvícolas plantavam em escala considerável. Rocha Pombo
calculava que a região de Paranaguá era habitada por seis a oito mil índios carijós. Mas não era a
mais habitada, pois nos Campos Gerais e na então Província Real del Guayrá existiam centenas
de milhares de índios guaranis e chetás. É bom que se diga que os índios caingangues (também
conhecidos por xócrens, coroados ou guaianazes), até então habitantes do planalto de Piratininga
(São Paulo), só vieram para o Paraná após o extermínio dos guaranis: presos ou assassinados
pelos bandeirantes Antônio Raposo Tavares e os irmãos Manoel e Antônio Preto, por volta de
1632.
As atividades litorâneas paranaenses, exercidas pelos brancos, eram praticamente
dispersas. E foi somente com a notícia do descobrimento de ouro que para ali se dirigiu grande
número de degredados portugueses e criminosos paulistas vindos de São Vicente, Cananéia,
Santos e São Paulo. Contudo, em 1617, a região litorânea foi percorrida pela bandeira de Antônio
Pedroso, levando com ele o jovem espanhol Gabriel de Lara. Mais tarde, Lara acabou fundando
um povoado na ilha de Cotinga, para onde foram levadas inúmeras famílias que se encontravam
no continente, temerosas de ataques indígenas, ficando mais protegidas naquele local. Mas a ilha
era insalubre e imprópria para habitação. Por isso, Lara transferiu o povoado para a margem
esquerda do rio Taquaré, local hoje conhecido por Itiberê. A 6 de janeiro de 1648, foi levantado o
pelourinho e, a 29 de junho de 1648 as primeiras eleições para a câmara municipal do local.

FIDALGOS E CUNCUBINAS

N o início do século seiscentista, a linhagem descendente dos irmãos Souza


havia praticamente se extinguido tanto no Brasil quanto em Portugal.
Aproveitando-se dessa situação, o conde de Montesanto, alegando ser neto de
Martim Afonso de Souza, impetrou um processo na justiça portuguesa e conseguiu se apoderar de
uma área de 80 léguas da costa sul-brasileira, no mesmo território que havia sido doado por Dom
João III a Pero Lopes de Souza, em 1524. Mas o que o conde trapaceiro não sabia, é que ainda
existia uma verdadeira descendente de Martim Afonso de Souza, a formosa fidalga Mariana de
Souza Guerra, condessa de Vimieiro. Tomando conhecimento dessa descendente, em 1622 a
Câmara Municipal de São Vicente empossou-a como a verdadeira dona daquelas terras. Nessa
questão, a condessa se fez representar pelo também português João de Moura Fogaça.
Montesanto não radicalizou e, usando a sua lábia de conquistador inveterado, conseguiu seduzir
Mariana, dela tornado-se amante. Usando essa maquinação, conseguiu que Mariana lhe desse um
documento desistindo da posse daquelas terras e, em 1624, a Câmara Municipal de São Vicente
deu a reintegração de posse ao vigarista Montesanto.

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Após conseguir seu intento, Montesanto abandonou Mariana, exigindo que ela fosse
expulsa de São Vicente. Mas a condessa, que realmente possuía belos atributos físicos, ainda
consegui as benesses de algumas autoridades vicentinas e, através desses recursos femininos,
consegui se apoderar de 100 léguas da costa sul brasileira, onde criou a Capitania de Nossa
Senhora da Conceição de Itanhaem, com sede na vila do mesmo nome. Mais tarde, Luís Carneiro,
conde da ilha do Príncipe, ao se casar com uma filha da condessa Mariana, acabou recebendo
como dote a dita capitania. Carneiro, fazendo valer os seus direitos, nomeou Diogo Vaz Escobar
para ser seu representante no Brasil. Este, em 16 de dezembro de 1653, tomou posse da baía de
Paranaguá e, depois de atrair para o se lado o fundador Gabriel de Lara, nomeou-o capitão-mor.
Trapaças à parte, a verdade é que Paranaguá muito deve a Escobar, pois foi ele que lhe deu os
primeiros provimentos, demarcou sua divisa com Cananéia, delimitou o Rocio, proveu a vila de
um pároco e projetou a construção da cadeia, entre outras benfeitorias públicas.
O conde de Montesanto, agora já agraciado pelo rei de Portugal com o título de Marquês
de Cascais, temeroso da expansão da Capitania de Itanhaem começou a boicotar seu
desenvolvimento e, em acordos feitos com Gabriel de Lara, criou em 1656 a Capitania de Nossa
Senhora do Rosário de Paranaguá, promovendo para governá-la o próprio Gabriel de Lara. Luís
Carneiro reagindo contra a demasiada autoridade de Gabriel de Lara, nomeou para tratar do
problema um seu sobrinho chamado Luís de Almeida. Este delegou a Simão Dias de Moura
[capitão-mor de Itanhaem] a tarefa de tomar posse das vilas de Iguape, Cananéia e Paranaguá. A
Câmara Municipal de Paranaguá prestou-lhe obediência, porém Gabriel de Lara, que já era
governador de Paranaguá, reagiu violentamente contra aquela determinação e fez correr muito
sangue naquelas paragens.
Em 1656, por ocasião da posse da nova Câmara Municipal de Paranaguá, Simão Dias de
Moura retornou à vila e renovou a posse do conde da Ilha do Príncipe. Segundo alguns
historiadores, foi nesta oportunidade que ordenou a Ébano Pereira que ocupasse os “campos de
serra acima” e neles criasse a freguesia de Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus do Perdão dos
Pinhais, que mais tarde receberia o nome de Curitiba. Outros dizem que isso jamais aconteceu, e
que Ébano Pereira agia por conta própria, levando índios escravizados para faiscar ouro nos
riachos que mais lhe apetecesse.
Com o sucesso de Simão Dias em Paranaguá, em nome do conde da Ilha do Príncipe,
parecia que o prestigio de Gabriel de Lara estava acabado. Nesse ínterim, porém, um novo
acontecimento fez provocar uma reviravolta política na região: em 1659 chegou a Paranaguá o
provedor* Pedro Souza Pereira, com a finalidade de recrutar índios carijós para a guerra contra os
holandeses que haviam invadido o nordeste brasileiro. Para que tal ocorresse, teriam que ser
aqueles índios retirados das companhias mineradoras. Isso representava grande prejuízo para a
população paranaguara, pois a força do trabalho escravo indígena era vital para a sua economia.
Os mineradores se opuseram ao recrutamento de índios e organizaram um levante.
Gabriel de Lara, na qualidade de representante do marquês de Cascais, aderindo às reivindicações
dos mineradores, juntamente com um numeroso grupo desses descontentes foi até a casa do
provedor, para expor-lhe os inconvenientes do recrutamento dos carijós. O provedor acatou os
argumentos de Lara, dizendo que iria comunicar essa resolução ao governo do Rio de Janeiro.
Em conseqüência desse fato, a liderança de Lara tornou-se cada vez mais forte.
Em 1660, a Câmara Municipal de Paranaguá reconheceu Gabriel de Lara como
representante do marquês de Cascais, capitão-mor, ouvidor e alcaide-mor da Capitania de Nossa
Senhora do Rosário de Paranaguá. No mesmo ano, o então governador do Rio de Janeiro,
Salvador Corrêa de Sá e Benevides, chegou a Paranaguá e confirmou Gabriel de Lara como
governador da Capitania de Paranaguá, até a solução do conflito entre os herdeiros de Martim
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Afonso de Souza. A ascendência de Gabriel de Lara como representante do marquês de Cascais
foi importante para a vitória judicial de Cascais contra as pretensões do conde da Ilha do
Príncipe.
A Capitania de Paranaguá existiu até 1709, ano em que foi comprada pela coroa
portuguesa, passando a fazer parte da então recém criada Capitania de São Paulo. A partir
daquele ano, Paranaguá entrou em decadência, até que em 1721 o problema foi amenizado pelo
ouvidor Pardinho. Este, entre outras providências, determinou: Reabertura da oficina de fundição
de ouro; Proposta para a recriação da ouvidoria de Paranaguá; Permissão para o comércio de
congonha (erva-mate) com a colônia de Sacramento (a parte ocidental do atual Uruguai).
A recém recriada ouvidoria de Paranaguá tinha jurisdição sobre toda a atual região
meridional do Estado do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai (inclusive a Colônia
de Sacramento), indo até o estuário do rio da Prata, na fronteira com a atual Argentina.
Em 29 de janeiro de 1722, porém, o conselho ultramarino português expediu uma
resolução do rei de Portugal solicitando uma franquia para que os paranaguaras pudessem
exportar os produtos que fabricavam ou cultivavam como cal de ostras, madeiras, telhas e tijolos
tanto para a Colônia de Sacramento como para todos os outros portos do Brasil, bem como para
Buenos Aires, para a até então brasileira Província Cisplatina e para a República do Chile, tarefa
exercida por muitos anos pelo espanhol Francisco de Alzugaray. Esse comércio se tornou muito
vantajoso para os paranaguaras, principalmente depois que também começaram a exportar a erva-
mate produzida nos campos de Curitiba.
Apesar desse desenvolvimento, a Capitania de Paranaguá era considerada de segunda
classe, isto é, dependente do governo central. Mas foi a primeira capitania e ser criada em terras
pertencentes a Pero Lopes de Souza. Só bem depois é que vieram as de Santa Catarina e a do Rio
Grande do Sul. Todas, porém, subordinadas ao governo do Rio de Janeiro, sendo que em 1710 a
de Paranaguá e a do Rio Grande do Sul foram literalmente incorporadas a de São Paulo,
tornando-se independentes em 1798, quando foram elevadas a capitanias gerais pelo vice-rei
conde de Rezende. A Capitania de Santa Catarina foi a única que continuou sendo dependente do
governo do Rio de Janeiro ainda por muitos anos.

NEM UMA SÓ ESTRADA TRANSITÁVEL

N aquela época, apesar do visível desenvolvimento paranaense, as povoações de São


Vicente e de São Paulo de Piratininga progrediam muito mais rapidamente que as vilas
paranaenses – principalmente Curitiba, que tinha sérios problemas de comunicação com
o litoral, visto a precariedade dos caminhos serranos. Entretanto, e apesar dessa falta de estradas,
diversos pontos entre Paranaguá e São Vicente - Itanhaem, Peruíbe, Ilha Comprida e tantos
outros - foram se desenvolvendo satisfatoriamente, o mesmo acontecendo no planalto, ao longo
dos caminhos que os tropeiros iam abrindo entre Curitiba a São Paulo - Itapeva, Itapetinga e
Sorocaba, entre outras localidades paulistas. Paralelo às localidades paulistas, lugarejos
paranaenses como Campina Grande do Sul, Furnas e Ribeira também começavam a se
desenvolver, principalmente depois da chegada dos novos colonos que iam se dispersando pelas
campinas e se relacionando com os nativos.
Naquela época, seguindo o exemplo dos indígenas, tanto os habitantes do litoral como os
do planalto viviam apenas da pesca, da caça e da pequena lavoura de subsistência. E foi desse
estreito relacionamento social entre portugueses e índios que surgiu a miscigenação das raças que
deu origem ao caboclo sul-paranaense, o mesmo indivíduo que, mais tarde, viria abrir os

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primeiros caminhos serranos que iam de Curitiba a Paranaguá, ajudando na construção de cidades
como Antonina, Morretes e, mais ao sul, Guaratuba e o pequeno núcleo de Cubatão.
Os caminhos serranos a que nos referimos, inicialmente eram apenas picadas abertas na
garganta do Itupava. Por esses caminhos, os viajantes que iam de Paranaguá à Curitiba faziam o
trajeto em canoas até a foz do rio Real (Nhundiaquara) e depois por esse rio até onde a correnteza
permitisse. Ficando o ponto final em canoas conhecido como Porto de Cima. Entre o primeiro
porto, ou Porto de Registro, os viajantes acampavam para pernoitar, e o lugar ficou tendo a
denominação de Porto do Meio, atual Morretes - por causa da existência de alguns pequenos
morros nas suas proximidades. Porto do Meio, em virtude das lavras de ouro que seu solo
continha, logo teve um desenvolvimento extraordinário, tornando-se ainda mais movimentado
que a própria Paranaguá - cidade que só veio a conhecer um desenvolvimento maior depois da
chegada dos padres jesuítas, que ali construíram vários edifícios, entre colégios, capelas, prédios
públicos e igrejas, movimento religioso iniciado por volta de 1610.
Foi por causa desse desenvolvimento extraordinário que, em 17 de junho de 1723, a vila
de Paranaguá foi elevada à categoria de comarca, com jurisdição sobre todas as outras povoações
existentes na região - caso da Fazenda Graciosa, então pertencente ao português Manoel do Valle
Porto, sargento-mor do bairro que, por autorização do bispo do Rio de Janeiro, Dom Francisco de
São Jerônimo, em 1714 mandou construir uma capela em suas terras. Dessa primitiva construção,
até meados do século dezenove ainda existia um pilar, de cuja circunstância se aproveitaram os
devotos para dar à santa que tinha que ser o orago da freguesia o nome de Nossa Senhora do
Pilar. A 6 de novembro de 1797, a freguesia da Graciosa foi elevada à condição de vila, mas já
com o nome de Antonina. Uns dizem que foi uma homenagem prestada ao capitão-general
Antônio Manuel de Mello, que então a administrava; outros afirmam que a homenagem foi
prestada ao príncipe Dom Antônio de Bourbon e Bragança, o filho primogênito do casal Dom
João VI e de sua mulher Carlota Joaquina, que faleceu prematuramente no Rio de Janeiro em
1810, aos cinco anos de idade.
Fato idêntico aconteceu no Porto do Meio (Morretes) e no Porto de Cima (Porto Real), no
rio Nhandiaquara, aonde também se iam agrupando algumas famílias. Guaratuba, a uns oitenta
quilômetros ao sul de Paranaguá, desenvolveu-se bem mais lentamente em virtude da sua difícil
localização, só sendo reconhecida como freguesia em 27 de abril de 1771.
Dessa época em diante, também foram se estabelecendo numerosas colônias nas costas da
baía de Laranjeiras e logo, num momento mais importante, criou-se o Segundo Distrito de
Polícia, circunstância que por muitos anos tornou a região conhecida pelo nome de “Segundo
Distrito”. Em 1838, Cypriano Custódio de Araújo e José Fernandes Corrêa construíram uma
capela, formaram uma povoação e pediram a criação de uma nova freguesia. Estava-se discutindo
isso na Assembléia de São Paulo, quando se fez a separação da Comarca de Curitiba da Província
de São Paulo, em 1853. De maneira que o segundo ato de Zacarias Gois de Vasconcelos, ao
assumir o governo paranaense, foi elevar o povoado de Guaraqueçaba à condição de freguesia.
Em dados gerais, era essa a situação da Comarca de Paranaguá quando o Paraná foi
emancipado de São Paulo, com suas populações aumentando regularmente, apesar do
esgotamento das lavras de ouro de Morretes e das péssimas condições de trânsito nos caminhos
que demandavam do litoral à Curitiba. A Estrada da Graciosa ainda era um sonho, e o caminho
mais apropriado da época fazia uma curva muito grande, passando por Cacatu, Jaguatirica e
Quatro Barras. Dali por diante, seguia pelos caminhos de Guereituba, até Curitiba.
Mas tanto esse caminho, como o antigo caminho do Itupava, tinham que ser ainda por
muito tempo o suplício dos tropeiros, dos viajantes, dos carregadores de mercadorias de
Paranaguá para Curitiba e dos transportadores de erva-mate de Curitiba ao porto de Paranaguá.
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Fazia-se necessário a abertura de um caminho melhor, pois apesar de Curitiba estar em franco
desenvolvimento, seu território era muito grande – abrangendo todo o território do atual Estado
do Paraná e o do Oeste Catarinense, até a divisa com o Estado do Rio Grande do Sul, pela banda
sul, e as barrancas do rio Paraná, na divisa com o atual Estado de Mato Grosso do Sul, pela norte.
Apesar dos seus mais de 250.000 km2 (hoje o Paraná tem apenas 199.000 km2, os outros
51000 passaram para Santa Catarina ao final da “Guerra do Contestado”), a povoação curitibana
estava literalmente isolada do restante do País. Tanto assim, que Curitiba só foi elevada à
condição de vila em 1793, data que é considerada como a de sua fundação. Depois disso, os
colonos estabelecidos no planalto de Piratininga e os do próprio planalto Curitibano começaram a
explorar mais detalhadamente alguns pontos do enorme território, apoderando-se das vastas
extensões de campos para a criação de gado, lavoura e mineração. Nessa aventura, acabaram
invadindo o segundo planalto, os chamados campos gerais. À custa de muito sacrifício, aquele
vastíssimo território também foi se enchendo de prósperos sítios, fazendas e povoações, tendo em
Curitiba o seu centro comercial.
Ao sul de Curitiba, no início do século dezoito se formou uma povoação que logo foi
capela curada sob a invocação de São José dos Pinhais, e elevada à categoria de freguesia em
1749. As famílias que foram morar naquela povoação desenvolveram muito a indústria do mate,
que exportavam via Paranaguá para Montevidéu e Buenos Aires. Foram esses mesmos colonos
que, entusiasmados pelo lucro que o mate lhes proporcionava, abriram as primeiras estradas na
direção sul, em busca da exploração daquela erva.
Ao nordeste de Curitiba também começaram a surgir numerosas povoações, hoje cidades
importantes como Colombo, Pinhais, Piraquara e muitas outras. Os próprios habitantes do lugar é
que iam abrindo novas estradas em todas as direções. Nos campos era muito mais fácil do que
nas matas e serras e, talvez por isso, o norte do Estado do Paraná continuou isolado do restante do
território paranaense desde 1632, quando o bandeirante Antônio Raposo Tavares derrotou os
jesuítas espanhóis e suas reduções na então denominada Província Real del Guayrá. Esse
isolamento praticamente continuou até 1924, quando os ingleses da Paraná Planations invadiram
o território paranaense setentrional.
Logo após os bandeirantes paulistas terem derrotado os jesuítas espanhóis e suas doze
reduções instaladas na Província Real del Guayrá, se começou a pensar na proteção daquela área
contra uma nova investida espanhola. Tanto, que em 1660 foi criada a Capitania de Paranaguá,
constituída pelos territórios que outrora compunham a Capitania de Sant’ana. Esta criação veio
beneficiar o marquês de Cascais, herdeiro de Pero Lopes de Souza, antigo donatário da Capitania.
Essa capitania existiu até 1710, quando foi extinta e incorporada aos territórios da
Capitania de São Paulo. Depois disso, devido a sua enorme extensão a Capitania de Paranaguá foi
dividida em duas comarcas, ficando a do sul com sede em Paranaguá, onde passou a residir o seu
ouvidor, e a do norte com sede em Cananéia. Em 1811, quando a Capitania de São Paulo foi
transformada em província, a sede de ambas as comarcas paranaenses foi transferida para
Curitiba, passando a denominarem-se “Comarca de Curitiba e Paranaguá”.
SINÓPSE HISTÓRICA DE ALGUMAS DAS CIDADES CITADAS

A mais antiga povoação do Paraná, a vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá foi criada por uma carta régia em 29
de julho de 1648, por influência de Gabriel de Lara. Em 1660 foi elevada a capitania e a 6 de novembro de 1842, pela lei
provincial de São Paulo Paranaguá recebeu a denominação de cidade. O território de Paranaguá é de 655 quilômetros
quadrados e conta atualmente com cerca de100 mi habitantes.
A paz que todos procuram as belezas naturais, a presença do passado histórico no casario centenário, tudo isso é
Antonina. Do Picão à ponta da Pita, passando pela praça da Matriz, o Mercado Municipal e o velho e ainda funcional porto de
Antonina, a antiga e a jovem cidade mesclam-se numa fusão entre a nostalgia e a animação da nova geração. Já se disse que

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Antonina é a “Parati do Paraná”, pela semelhança entre essas duas cidades históricas do litoral brasileiro. Aos poucos todos
começam a conhecer essa agradável e pitoresca cidade. Seus pratos típicos [Ah, a delícia de um barreado], o seu carnaval vivido
ao estilo antigo, a beleza do seu mar e a hospitalidade dos “capelistas”. Localizada no fundo da baía de Paranaguá, Antonina é um
marco da ocupação do Paraná a partir do litoral e, ao mesmo tempo, apesar do decurso dos anos, é uma cidade que se moderniza,
sem perder as suas características históricas. Fundada em 29 de agosto de 1797 por Antônio de Leão, Pedro de Uzeda e Manoel
Duarte, Antonina foi elevada a município em 6 de novembro de 1797. Tem 846 quilômetros quadrados de área territorial,
contando atualmente com cerca de 20 mil habitantes.
Fundada por Álvaro Botelho de Sampayo e Souza, em 5 de dezembro de 1765, Guaratuba através do decreto-lei n.º
7573, de 20 de outubro de 1938 teve extinguido o seu município, só sendo restabelecido após a publicação da Lei n.º 2, de 10 de
outubro de 1947. Tem uma área territorial de 2.289 quilômetros quadrados e cerca de 15 mil habitantes.
Morretes, um dos mais antigos municípios do Paraná, foi fundado em 1721. Elevado à categoria de município,
desmembrou-se de Antonina pela lei provincial n.º 270. Com uma área territorial de 663 quilômetros quadrados, conta com cerca
de 20 mil habitantes. O povoado de Guaraqueçaba surgiu a partir de uma capela construída por Cypriano Custódio de Araújo e
José Fernandes Correia, em 1838. Com 1916 quilômetros quadrados de área territorial, Guaraqueçaba conta com
aproximadamente 8 mil habitantes.

OS CAMINHOS DOS TROPEIROS

D o início da colonização do Paraná até os tempos do famoso tropeiro Francisco de


Paula Gomes (vide o capítulo “A Emancipação Política”), os caminhos das
tropas vindas do Rio Grande do Sul para São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro sempre foram traçados pelos campos, evitando-se o mais que possível as florestas e até os
pequenos capões de mato. Os tropeiros preferiam os campos abertos porque a conservação dos
caminhos era melhor que os das matas, e também para evitar os ataques de índios e animais
selvagens. Chegando à Curitiba, partiam para São Paulo via as atuais localidades de Barreirinha,
Rio Branco do Sul, Santa Quitéria, Castro, Piraí do Sul, Joaquim Murtinho, Calógeras,
Jaguariaíva, Wenceslau Brás, São José da Boa Vista (a atual) e dali até o Salto do Itararé e Barão
de Antonina (estas duas últimas já em território paulista), seguindo os caminhos de Taquarituba
ou de Itapeva e dali em direção à Itapetininga, Sorocaba, São Paulo, Juiz de Fora e Rio de
Janeiro. Haviam outros caminhos menos serranos na saída de Curitiba, mas eram muito mais
longos. Sobre esses outros caminhos, também se foram formando alguns povoados, tornando-se
mais prósperos aqueles onde os tropeiros costumavam pernoitar, como Vila Nova do Príncipe
(Lapa), Campo Largo, Palmeira, Iapó (Castro) e Sant’ana (Ponta Grossa).
Essas “pousadas” geralmente eram localizadas em fazendas onde já haviam alguns
colonos. Campo Largo, por exemplo, se formou em terras colonizadas pelo coronel Antônio Luiz
Tigre. Mais tarde, essas terras, já pertencentes a José Antônio Costa, foram demarcadas para a
construção de uma capela em uma área também destinada à fundação do “povoado”, como era
costume naqueles tempos. Em 1814, já haviam diversas famílias naquela área, porém somente em
1821 é que construíram uma igreja maior, passando a povoação a ser capela curada em 1828,
sendo nomeado capelão o padre Joaquim Ribeiro da Silva. A 12 de março de 1841, sob a
invocação de Nossa Senhora da Piedade, foi criada a freguesia de Campo Largo, a mais próxima
de Curitiba.
A então recém criada freguesia desenvolvia-se numa área demasiadamente grande. Num
bairro conhecido como Tamanduá, a muitos quilômetros da sede, antes da criação da freguesia já
existia a capela de Nossa Senhora do Carmo, construída pelos frades carmelitas no início do
século dezoito. Essa capela era o centro de toda a zona rural hoje compreendida pelos municípios
de Campo Largo e Palmeira, sendo o local de maior movimento da região. O terreno para a
construção dessa primitiva capela também foi doado pelo já citado coronel Antônio Luiz Tigre,
por volta de 1700.
Conforme relatório do primeiro presidente da Província do Paraná, o baiano Zacarias Góis
de Vasconcelos, apresentado à Assembléia Provincial em 15 de julho de 1854, a capela, com o
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passar do tempo foi crescendo, até que por alvará de 20 de março de 1813 foi desmembrada da
freguesia de Curitiba e elevada à freguesia colada. Mas começou a declinar quando o vigário
dela, Antônio Duarte dos Passos, sempre em desentendimento com o guardião do Carmo - ordem
a que pertencia a capela - resolveu transformá-la em Igreja e em outro local, obtendo de José
Manoel de Araújo a doação do terreno em que hoje está assentada a matriz da cidade de
Palmeira.

OS CAMINHOS DO PEABIRU

C omo vimos no capítulo anterior, nos primeiros séculos de colonização do Paraná


os meios de locomoção e as vias de penetração eram completamente precários e
insuficientes. Além dos então denominados “Caminhos dos Tropeiros”, as demais
vias existentes eram os chamados “Caminhos do Peabiru”, por onde só podiam transitar gente a
pé ou tropas de muares, devido às suas precárias condições de trânsito. As autoridades
portuguesas não se preocupavam com o problema do transporte paranaense e os caminhos
indígenas surgiam espontaneamente.
Na verdade, os primeiros caminhos terrestres tiveram sua origem com os índios guaranis.
Mas, os Caminhos do Peabiru, depois de serem utilizados largamente pelos jesuítas e
bandeirantes, em suas caminhadas pelo sertão, transformaram-se com o correr do tempo em
caminhos de jagunços e de bandidos de toda espécie, pelo menos no trecho que ia do oeste do
Estado de São Paulo à região de Paranavaí, no noroeste do Paraná, localidade então denominada
Fazenda Brasileira.
O nome “Peabiru”, de origem tupi, é a denominação que os indígenas davam aos
caminhos transcontinentais que ligavam o Peru, no Oceano Pacífico, com São Vicente, no
Oceano Atlântico. Eram caminhos pré-colombianos, isto é, existentes antes do descobrimento da
América. O Peabiru partia de São Vicente, no litoral paulista, atravessava a escarpa do mar,
penetrando pelo vale do rio Ribeira do Iguape, transpunha os Campos Gerais, ultrapassava os rios
Tibagi, Ivaí e Piquiri, e, pelo vale deste último, atingia a região de Guaíra; atravessava o rio
Paraná, penetrava em território paraguaio e, vencendo o “Chaco” e depois a Cordilheira dos
Andes, terminava no litoral peruano.
Na região que hoje compreende o Estado do Paraná, os caminhos do Peabiru possuíam
numerosas ramificações para o norte e para o sul. Além dos índios guaranis propriamente ditos,
os primeiros colonizadores e desbravadores de origem européia também se utilizavam,
freqüentemente, desses caminhos. Um dos primeiros desses aventureiros foi o aventureiro
espanhol Cabeza de Vaca, com 200 homens. Partindo do litoral de Santa Catarina, subiu pelo rio
Itapocu, ultrapassou a escarpa do mar, venceu os campos de Tindiqüera (hoje município de
Araucária) e foi encontrar a linha do tronco do Peabiru. Continuou então a trilhá-la para oeste, em
direção ao Paraguai.
Saliente-se que Cabeza de Vaca só poderia ter realizado tal façanha naquela época porque
tinha prévio conhecimento de tal caminho, e ainda se baseava no conhecimento de guias
indígenas. Os companheiros do alemão Hans Staden também o utilizaram na sua viagem ao
Paraguai, bem como outros aventureiros como o português João Ferdinando, o também alemão
Ulrich Schmidl e muitos outros forasteiros. Os jesuítas da Província Real del Guayrá deram a
esse caminho o nome de São Tomé, apóstolo que, pensavam eles, teria vindo à América para
catequizar os índios; os bandeirantes identificaram-no com um lendário personagem indígena
chamado Paí Zumé, que, segundo os indígenas, lhes teria ensinado tudo aquilo que conheciam.

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No início da década de 1950, quando meu pai estava abrindo uma gleba de terras no
sertão de Inajá, na divisa com o Estado de São Paulo e nas proximidades da Serra do Diabo, eu,
ainda um pivete de uns seis ou seta anos de idade, cheguei a trilhar um antigo ramal do Caminho
do Peabiru. Aquele ramal, é claro, estava coberto pela vegetação, mas ainda se podiam notar
perfeitamente os sulcos produzidos pelas rodagens das carroças jesuíticas e bandeirantinas,
esculpidos ali há mais de trezentos anos. Na sua parte central haviam nascido e crescido algumas
espécies arbóreas regionais, mas elas não tinham mais que quarenta centímetros de
circunferência, o que nos dava uma idéia da idade que deveriam ter as suas “irmãs” mais velhas
crescidas na mata fechada, muitas delas apresentando troncos que iam muito além dos dois
metros de circunferência. Contudo, na ânsia pela colonização a qualquer custo, tudo aquilo foi
queimado e arrasado, não deixando à ciência qualquer oportunidade para realizar futuras
pesquisas.
Naquela época, as queimadas eram verdadeiras hecatombes, com os rolos de fumaça
encobrindo a luz solar por vários dias. Mas, de repente, a luz do sol voltava a brilhar, a fumaça se
diluía no espaço, chovia e a vida voltava a irromper por toda a parte. Do chão enegrecido, brotos
nasciam com incrível força e rapidez. Flores se abriam numa explosão de cores, atraindo
pássaros, insetos e promessas de frutos suculentos. A água dos riachos também voltava a ser
cristalina, mostrando os peixes prontos para serem pescados, enquanto os animais selvagens
voltavam a percorrer as matas em busca de alimento ou de parceiros para o natural acasalamento.
Depois das derrubadas, das queimadas, da fumaça intensa, da escuridão e da fome,
mulheres pálidas, com seus filhos magros e caras enegrecidas pelo carvão, também deixavam as
suas toscas casas de pau-a-pique atraídas pelo espetáculo que a natureza lhes proporcionava.
Agora teriam comida em abundância. Também era tempo de preparar o solo para espalhar as
sementes que lhes garantiam boas colheitas e de fazer provisões para os próximos meses. Era
tempo, também, de tecer roupas novas, cantar, dançar e agradecer à natureza por aquela época de
vida renovada, antes que seus maridos resolvessem partir em busca de novas glebas para
derrubar, queimar e plantar.
Hoje, passados mais de sessenta anos daqueles episódios, resolvi revirar o baú mental
onde guardara definitivamente, ao que julgava, as recordações de uma vida bastante longa e
agitada. Revirando-o, assim como folheamos as páginas de um velho livro, perguntei-me qual foi
a fase, em toda a minha vida que tivera maior significado. Uma das perguntas que me fiz foi:
quando aprendi mais? E deparei-me com uma resposta inesperada: aprendi mais quando ainda era
criança e morava nos confins daquele sertão de Inajá. Com esse verbo “aprender”, quero referir-
me à sensação de ter conhecido o sofrimento e a alegria daquelas famílias de lavradores ou
reagido a algum desafio de uma forma que me permitisse, diante de um novo obstáculo ou
perigo, confiar em alguém. Essas ocasiões destacam-se em minha memória como se destacam as
copas das árvores daquele sertão, banhadas pelo sol daquelas antigas manhãs de primavera.
Quando criança, apesar de morar na roça eu era um garoto destemido. Fui criado na zona
rural da região noroeste do Paraná de modo fora do comum, isolado de outras crianças, entregue
aos meus próprios recursos, cuja diversão resumia-se em fazer solitárias incursões pelas matas ou
pescarias de samburá entre as samambaias que margeavam os ribeirões. O único amigo que tinha
para confiar era justamente o meu pai. Ele era ainda jovem, um homem sisudo que andava com
muita determinação, apresentando o mesmo tipo de respeito que fazia com que os mais novos
tirassem o chapéu e abaixassem a cabeça ao vê-lo passar.
Ele trabalhava muito e quase não comprava produtos alimentícios no comércio local.
Produzia quase tudo na sua roça: açúcar mascavo, rapadura, café, farinha de milho, toucinho,
ovos, carne suína e galinácea, fubá, arroz e feijão; além de abóboras, batatas-doces, melancias,
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pepinos, quiabos, pimentas, verduras e ervas aromáticas. Quando morávamos na zona rural de
Paranacity, num pequeno pasto nos fundos da casa ele criava quatro ou cinco vacas leiteiras, dois
muares para os arados e três bons cavalos de sela; enquanto ao redor da casa conviviam em
perfeita harmonia carneiros, galinhas, patos e perus. Ele também tinha um chiqueiro, onde eram
criados porcos que, quando abatidos, forneciam a carne, o torresmo e a banha que eram
armazenados em latas de folha de flandres para abastecer a família durante o inverno. Havia
fartura de tudo. Aliás, como meu pai dizia com seu carregado sotaque mineiro: “Não fartava nem
caça nos carrero das mata e nem peixe nos córgo”.
Do empório, da venda ou do armazém onde “pendurava” as suas contas anuais, ele
abastecia o guarda-comida do alpendre da casa com sal, bacalhau, farinha de trigo, chocolate em
pó, óleo de amendoim, creme dental, fósforos e latas de sardinhas em salmoura. Para a minha
mãe costurar as roupas da molecada, certo dia ele lhe comprou numa máquina de costura (de pé),
tecidos de chita, brins arranca-tocos para as roupas da molecada e lamê para ela fazer seus saiotes
e combinações. Para ele próprio, comprou umas calças de Brim Coringa, um chapéu de feltro, um
par de botinas rangedeiras, uma camisa Ramenzoni para ir à missa dominical, e meia dúzia de
cuecas samba-canção.
E, para o tradicionais banho de final de semana, ele sempre levava para casa sabonetes
Gessy, vidros de brilhantina Glostora, para untar os cabelos; tesouras da marca Mundial e
pacotinhos de giletes Blue Blad para ele próprio se barbear. Para agradar minha mãe, ele lhe
comprava perfumes das marcas Madeira do Oriente ou Tabu, caixas de pó de arroz Lady e batons
Coty. E, para matar o bicho, sempre que ia à venda comprava garrafas de cachaça três Fazendas.
Fumava pouco, por isso não lhe importava se os cigarros fossem da marca Mistura Fina, Saratoga
ou Isabel, ou até mesmo os de palha feitos com os fumos de corda do tipo Tietê e Arapiraca que
ele próprio produzia.
Quanto aos costumes da família, tudo era muito simples. Todas as tardes, ao voltar da
roça, ele trazia flores do campo para minha mãe e frutos silvestres para os filhos. E os dois riam
muito, se abraçavam e se beijavam. “Tive muita sorte de ter conhecido a mãe de vocês”, garantia
meu pai a mim e às minhas irmãs. Eu não entendia bem o que ele queria dizer. Mas acabei
entendendo. Hoje, do alto dos meus cabelos brancos tenho prazer em dizer que apesar de algumas
discussões meus pais sempre foram muito felizes. E quanto aos pais de várias pessoas que
conheço que nunca discutiram, mas que também não reservaram tempos para si mesmos? Muitos
se separaram antes mesmo dos filhos terem crescido. Com rusgas ou sem elas, meus pais
continuaram juntos até que ela se foi, ocasião em que ele chorou muito, pois não conseguia se
imaginar sem a presença dela.
Por falar naquela época, outro dia eu andava meio sorumbático porque imaginava não ter
saído completamente da crise da adolescência, ainda vivia a crise dos 40 e sentia-me em plena
crise dos 50, pertinho de entrar na crise dos 60, que, segundo dizem, é a pior de todas, só
superada pela crise dos 70. Então a imagem de meu pai veio à minha mente. Ele sempre foi um
homem precavido. Minha mãe, eu e meus irmãos nunca percebemos a pobreza que nos cercava,
porque ele não deixava que o flagelo da fome nos atingisse. Ia abrir outras glebas e derrubar
outras matas, sempre arrastando a família consigo. Mas nunca ia além de algumas dezenas de
quilômetros em qualquer direção. Seu ponto de referência sempre foi Maringá. A localidade mais
longínqua para onde nos levou foi a de Inajá. Era quase como se a vida o houvesse amarrado ao
noroeste do Paraná. Sempre trabalhou muito para ter alguma coisa na vida. E chegou aos noventa
e tantos anos de idade como um vencedor, e não como quem foi e já não é mais.
Escrevi o parágrafo anterior por muitas razões. Mas a principal foi para que vocês possam
vislumbrar uma cultura que está desaparecendo. Algumas pessoas até admitiriam, tenho certeza,
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que nunca souberam bem se deveriam sentir amor ou vergonha de seus pais. Eu tenho muito
orgulho do meu, um homem que, se não fosse pela colonização do noroeste do Paraná, a história
o teria ignorado, assim como teria ignorado a minha mãe, pessoas que ajudaram a desbravar
aqueles bravios sertões. Um homem e uma mulher como meus pais não deixam nada além de
lendas, todas contadas em segunda mão, enquanto alguém se lembrar deles. O que devemos
fazer, se pudermos, é escrevê-las. É por isso que quero registrar as suas histórias neste livro, bem
como a história daquelas fantásticas terras avermelhadas, campos férteis de esperança, que foram
palco do começo, meio e fim de muitas histórias como as deles, antes, durante e após o
desbravamento de suas glebas.
Num cenário tão vigoroso como o do noroeste do Paraná, de colonização ainda tão
recente - uma das principais áreas da produção agrícola brasileira -, a recuperação da memória
pioneira talvez ainda não ocorra no mesmo ritmo daqueles acontecimentos que destroçaram
cenários naturais e soterraram a história antropológica regional na poeira, no carvão e na cinza
das queimadas brutais e indiscriminadas durante os anos vigorosos da sua colonização. São bem-
vindas, portanto, as memórias daqueles que fizeram daquele chão avermelhado o seu mundo de
alegrias e do plantio dos imensos cafezais o espelho de suas esperanças.
Ao destacar tipos lendários como meus pais, que despontaram por aquelas terras
fantásticas do noroeste do Paraná, seja pela natureza e ingenuidade dos migrantes paulistas,
mineiros e nordestinos - todos envolvidos no mesmo exercício áspero de sobrevivência -, seja
pela ganância dos invasores ingleses da Paraná Plantations que por aqui chegaram por volta de
1924 - com o único e exclusivo objetivo de se apoderarem das terras dos antigos posseiros e
esbulhar o meio ambiente paranaense -, pretendo tão somente descortinar aquilo que se torna
fascinante num relato histórico. Aqui não prevalece o macro da história e os rostos da maioria
que a protagonizou, mas realça esta lupa de menino caipira que observou de perto o cotidiano dos
pioneiros, seus diálogos, o momento de decisão de deixar seus rincões natais, de cruzar divisas e
vir para estas paragens semear um pouco de democracia e um bocadinho da insipiente civilização
que conheciam.

A PROVÍNCIA REAL DEL GUAYRÁ

L ocalizada na linha imaginária do Trópico de Capricórnio, a região paranaense onde se


encontravam as cataratas das Sete Quedas ainda apresenta um bom número de micro
climas e ecossistemas bem protegidos. Ao seu redor hoje imperam a agricultura, a
pecuária e alguns recursos madeireiros. Segue-se depois o imenso lago artificial formado pela
Itaipu-Binacional, responsável pela maior produção de energia elétrica do Mundo. Por todos os
lados ainda crescem majestosas árvores, algumas das quais atingem grandes dimensões e são uma
espécie de ex-líbris daquela região. A partir desse local até à entrada da cidade, os campos estão
totalmente tomados pela moderna agricultura implantada por tecnologia de ponta. Mas por onde
quer que andemos, a velha cidade parece nos querer contar, com certa reserva, as histórias dos
seus tempos pioneiros, da “maldita” Companhia Mate Laranjeira e de seus assassinos
assalariados; da antiga Igreja Nuestro Señor del Perdón (construída totalmente de pedras e
atualmente coberta pela hera); do Atelier do Frei Pacífico e do Cruzeiro das Missões. E mais:
como a preservar ipis-literes a sua gloriosa e às vezes tenebrosa história, o Museu das Sete
Quedas também parece querer nos mostrar parte significativa daquela fantástica epopéia jesuítica
e bandeirantina, que se desenrolou nos então domínios castelhanos.
Os cerca de 30 mil habitantes que o município de Guaíra tem hoje, ainda vivem da pesca,
da agricultura e da agropecuária, apesar da cidade estar vocacionada para o eco-turismo como
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nova fonte de renda. E tem muitas razões para que isso aconteça, pois além do lago da Itaipu-
Binacional, da Lagoa Saraiva, do Parque das Sete Quedas, das trilhas ecológicas da Serra de
Maracaju (fronteira do sul de Mato Grosso do Sul com o Paraguai), da Casa do Artesão e da Ilha
Grande, também existem refrescantes praias de água doce no rio Paraná, que já começam a
receber a visita de algumas centenas de pessoas nos finais de semana ensolarados.
Também é nos arredores de Guaíra que teve início a Província Real del Guayrá, grande
núcleo habitacional, religioso e agrícola fundado pelos habitantes da colônia espanhola de
Asumpción. Seus dados perdem-se na poeira dos tempos, mas a história paraguaia nos dá conta
de que Guayrá foi um grande cacique guarani (gua quer dizer local, enquanto yrá significa forte:
local do homem forte, portanto), filho de uma linda e misteriosa mulher, “amalgama guaireño de
diosa y pantera que aun habita las águas del Gran Guayrá”.
Além deste esclarecimento etimológico, a exemplo dos antigo caminho do Peabiru,
infelizmente pouca coisa foi preservada naquela região paranaense. Até mesmo os escombros da
lendária Ciudad Real del Guayrá nunca receberam os necessários cuidados das autoridades
paranaenses, encontrando-se abandonados numa propriedade agrícola particular denominada
Fazenda Curupay, no município de Terra Roxa - apesar daquela área ter sido considerada de
preservação inalienável pela lei n.º 33, de 17 de janeiro de 1948, promulgada pelo então
governador Moysés Lupion e publicada no Diário Oficial do Estado do Paraná em 19 de janeiro
de 1948.
Na História de Guaíra, ainda cabe ressaltar a construção do lago da hidrelétrica de Itaipu.
Não sei se foi de propósito que deram o nome “Itaipu” àquela hidrelétrica. Mas sei que em
guarani ita significa pedra, enquanto ipu quer dizer som melodioso. Portanto, pedra que soa. Será
que o termo “Itaipu” também tem alguma coisa a ver com aquela velha índia da qual
graciosamente fala aquela suavíssima lenda guairenha? Ou será que ela se transformou numa
pedra e ainda hoje habita aquelas submersas cataratas? Seja como for, tudo isso não passa de
imaginação popular, cujos mitos acabaram criando aquela lenda fabulosa.
O que existiu de mais importante naquela região, entretanto, foi a dominação espanhola e
a expansão da então denominada Província Real del Guayrá – que se estendia da atual fronteira
com o Paraguai até as barrancas do rio Paranapanema, na divisa com o Estado de São Paulo. Essa
região pertencia à Espanha por direito assegurado pelo Tratado de Tordesilhas e fixados pela
denominada Linha Alexandrina. A divergência entre espanhóis e portugueses apenas existia
sobre a fiel demarcação daquela linha imaginária; ambos, entretanto, aceitavam a posse da
Espanha, posto que a região estivesse situada a oeste daquela linha imaginária.
Apesar dessa concordância, vários portugueses e paulistas organizaram “bandeiras”
(expedições armadas que partindo, em geral, da Capitania de São Vicente, desbravava aqueles
sertões em fins do século 16 a começos do século 18 com a finalidade de encontrar ouro e pedras
preciosas). E, não encontrando metais de valor, acabaram aprisionando índios para vendê-los
como escravos aos donos de engenhos de açúcar do Nordeste e aos das minas de ouro de Minas
Gerais, disputando esse vasto território que mais tarde acabou sendo anexado ao Brasil.

A COMPANHIA MATE LARANJEIRA

A origem da cidade de Guaíra remonta à época dos bandeirantes, mas seu desenvolvimento
só tomou impulso em 1882, ocasião em que o Império do Brasil, por um decreto de Dom
Pedro II, concedeu à família Murtinho direitos especiais para a exploração da erva-mate
daquela região, reconhecendo a colaboração de seus membros à tropa brasileira durante o
genocídio que praticou contra o povo paraguaio. O patrono da família, Joaquim Murtinho,
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médico sanitarista, foi nomeado senador imperial em 1881 e depois ministro da Fazenda da
República, entre 1898 e 1902.
De posse da concessão, ainda no período imperial Joaquim encarregou seu filho Francisco
Murtinho de atuar no ramo ervateiro em escala industrial. Este, associando-se a um inglês
homiziado no Paraguai desde o fim da guerra, chamado J. T. Larangeira (isso mesmo, com “G”)
e ao grileiro brasileiro Carlos Mendes Gonçalves, constituiu a “Larangeira, Mendes & Cia.”, cujo
nome foi modificado em 1929 para “Companhia Mate Laranjeira S/A”.
Nas cidades mato-grossenses de Iguatemi e Campanário (esta última hoje uma simples
fazenda localizada ente as cidades de Amambaí e Caarapó, no atual Estado de Mato Grosso do
Sul), foram instaladas sucursais para explorar os ervais da serra mato-grossense de Maracaju e os
da fronteira do Paraná com o Paraguai. Oficinas de industrialização e escritórios de
comercialização foram montados em Ponta Porã (MS), Porto Epitácio (SP), Rio de Janeiro,
Assunção e Buenos Aires.
Em 1902, Francisco Murtinho mandou construir um porto na margem esquerda do Rio
Paraná (a seis quilômetros acima das Sete Quedas), denominando-o de Porto Monjolo (uma
referência a um tipo de engenho tosco movido à água que a sua empresa utilizava para triturar a
erva-mate). Com o passar dos anos, Porto Monjolo recebeu muitos aventureiros, cresceu e foi
elevado à condição de vila, mudando seu nome para Porto Guaíra, em homenagem ao vizinho
povoado paraguaio de Puerto Guayrá. Aquele povoado (pueblo) paraguaio, na verdade era um
simples acampamento daquela empresa e que tinha a finalidade de apoiar os ervateiros em sua
labuta extrativista, também se desenvolvia a olhos vistos, transformando-se no que é hoje a
cidade de Salto del Guayrá, capital do Departamento paraguaio de Cañediju.
Naquela época, as viagens até Guaíra tinham que ser feitas exclusivamente pelo Rio
Paraná, ficando a região sem estradas de rodagem por muitos anos. Lembro-me que em 1964,
quando iniciei minhas viagens comerciais pelo Estado de Mato Grosso (do Sul), tinha que
transitar por uma estrada de chão batido, de trânsito carroçável, entre Umuarama e Francisco
Alves, mas quase intransitável a partir do rio Piquiri. Para atravessar um pequeno afluente do rio
Paraná, tinha que o fazer pelo seu leito. Aquilo, entretanto, já era muito desenvolvido se
comparado aos pioneiros tempos da Empresa Mate Laranjeira, do latifundiário Francisco
Murtinho e de seus sócios ingleses.
A história de Guairá nos dá conta de que durante os quatro anos em que Joaquim
Murtinho ficou à frente do Ministério da Fazenda roubou tanto dos cofres públicos que chegou a
comprar uma frota de navios para contrabandear a erva-mate da localidade ribeirinha paranaense
de Porto Mendes (hoje submersa sob o reservatório da Itaipu-Binacional) para Buenos Aires. Em
Porto Mendes (construído por Francisco Murtinho em homenagem ao seu sócio Carlos Mendes
Gonçalves), a 65 quilômetros rio abaixo a partir de Guaíra, os navios recebiam os fardos de erva-
mate provenientes de Mato Grosso (do Sul) e do Paraguai, transportados até ali em carroções ou
lombos de burros, em virtude das intransponíveis corredeiras das Sete Quedas. Até que, em 1913,
a empresa conseguiu os direitos de construção de uma ferrovia para o citado trecho, cuja obra foi
inaugurada em 1º de junho de l917. Transportando a congonha do Mato Grosso (do Sul) e do
Paraguai, navegando rio Paraná abaixo, dona absoluta da situação naquelas paragens, a Mate
Laranjeira negociava os fardos da sua congonha industrializada com a Argentina e o Uruguai, não
se incomodando, absolutamente, com os impostos alfandegários brasileiros.
Contou-me o hoje saudoso Dr. Antônio Augusto Gonçalves - que exerceu a advocacia em
Guaíra por muitos anos -, que a Mate Laranjeira não gostava de saldar as dívidas que tinha com
os trabalhadores: quando algum peão mais exaltado exigia os proventos, os capatazes lhe faziam
o pagamento, mas logo em seguida, viajando a pé pelas picadas das matas, era tocaiado e morto
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pelos jagunços daquela empresa. Abatido a tiros, seu cadáver era atirado no rio Paraná, enquanto
o dinheiro, são e salvo, voltava aos cofres da poderosa empresa.
Dessa forma, o patrimônio da Mate Laranjeira crescia a olhos vistos e, paralelo à extração
da congonha, a companhia foi se apoderando de tantas terras – com posseiros encima delas ou
sem eles - quantas pudesse abocanhar em sua sede latifundiária. Então, quando se viu proprietária
de enormes plantações de erva-mate, dos serviços de navegação e da ferrovia, aderiu de vez à
colonização das glebas devolutas ou griladas. De papel passado, o governo federal ainda lhe doou
mais 10 mil alqueires de terras e, invadindo outras glebas, devolutas ou particulares, a empresa
subdividiu-as e implantou um forte esquema de vendas de terras no Paraná, Paraguai e Mato
Grosso (do Sul).
Pode até parecer absurdo o que estamos contando, mas a história da Companhia Mate
Laranjeira não difere muito da implantada pelos ingleses da Companhia de Terras Norte do
Paraná (CTNP) a partir de Londrina; da implantada pelos paulistas da Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) em Maringá; e da desenvolvida pela Sociedade
Imobiliária Norte do Paraná (SINOP) durante a colonização de Ubiratã, Iporã e de tantas outras
cidades - todas entremeadas de episódios sangrentos na luta de jagunços e posseiros em conflitos
sangrentos ligados à ocupação das terras, geralmente posseadas. E, a exemplo de todas essas
localidades, naqueles tempos Guaíra também se transformou em antro de bandidos, pistoleiros e
aventureiros de toda espécie, misturando-se aos pioneiros que buscavam novas oportunidades de
vida. O rio Paraná, violento e traiçoeiro, era o sumidouro de cadáveres que se entrelaçavam nas
corredeiras das Sete Quedas. Na banda sul mato-grossense, as plácidas águas dos rios Iguatemi,
Do Morto e Ivinhema também recebiam muitas carcaças defuntas que serviam de pasto para os
cardumes das vorazes piranhas.
Apesar dessas matanças, Guaíra crescia a olhos vistos e atraía visitantes de todos os
quadrantes do Brasil e do Exterior, que se utilizavam de um novo serviço prestado pela Mate
Laranjeira: sofisticados barcos a vapor que faziam a ligação fluvial entre Guaíra e a localidade
ribeirinha paulista de Porto Epitácio. Guaíra, porém, não parecia um pedaço do Brasil, pois a
população só falava o espanhol e o guarani. Suas moedas eram o guarani paraguaio, o peso
argentino e os “vales” da Mate Laranjeira, cunhados com a cruz de malta. Estes representavam a
grande maioria da moeda corrente em toda a região guairenha e até fora dela.
Naqueles tempos, o avanço nas terras devolutas do setentrião paranaense e do sul mato-
grossense transformava aquelas bandas em campos de lutas violentas, e a mentalidade dos
homens que ali se metiam era medida em alqueires. Avançavam por aquele mundo perdido, de
extensas matas virgens, à espera de quem chegasse primeiro e tivesse peito para agüentar o
baralhado. A ordem da Companhia Mate Laranjeira e, porque não dizê-lo, da sua tranqüilidade,
eram mantidas por uma austera senhora chamada Winchester 44, amparada por Colt’s 38 e
cartucheiras belgas calibre 12.
As barrancas do rio Paraná eram os pontos de reunião de toda uma malta de jagunços, que
ali promovia ruidosas peixadas com muita profusão de pinga e tiros a granel. Nessas “festas”,
notava-se uma das mais estranhas coleções de bandidos, facínoras e assassinos egressos das
cadeias e da justiça de todas as regiões brasileiras. Mas seria uma conclusão errônea pensar que
os jagunços que se destinavam a expulsar os posseiros das terras o faziam porque lá não haviam
humanos. Os posseiros eram humanos sim, gente de carne e osso como qualquer um de nós,
apesar de viverem embrenhados nas matas como bichos. Inicialmente, os posseiros requeriam a
posse das terras ao governo do Estado. Depois eram obrigados a defendê-las contra o ataque
brutal da Companhia Mate Laranjeira, cujos jagunços, antes de se aproximarem de um posseiro
tinham o péssimo costume de primeiro verificarem se ele ainda não estava morto.
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Foi uma luta terrível levar um pouco de civilização àquele mundo perdido, povoado por
onças, serpentes e jacarés. E alguns intrusos, gente que às vezes também entrava nas terras
“griladas” pela Mate Laranjeira – e que por isso não era considerada humana -, podendo ser
“caçada” à vontade. A jagunçada tinha lá suas leis e suas maneiras de executá-las. Uma delas
consistia num modo estranho e cruel de se livrar dos inimigos sem gastar munição. Amarravam
os braços do infeliz para trás, colocando, em seguida, porungas (cabaças do mato) bem amarradas
nos seus pés, que também eram amarrados. Jogado n’água, a cabeça do desgraçado ia ao fundo,
enquanto as porungas, muito leves, flutuavam juntamente com os pés, descrevendo uma dança
desesperada, de macabros revolteios. Depois, lânguida e vagarosamente, o infeliz ia descendo rio
abaixo, dando adeus à terra que ia ficando para trás. Mas a Mate Laranjeira só aplicava essa
“justiça” contra algum incorrigível posseiro que tivesse sido expulso de suas terras rio abaixo e
tentasse invadir uma gleba rio acima.
A degola também não era rara, resquício das gauchadas dos tempos dos Maragatos, sendo
a velha adaga substituída por modernos facões. Sobre esse feio costume, alguns remanescentes
daqueles antigos jagunços da família Murtinho chegaram a contar-me histórias empolgantes,
embora jamais responsabilizassem seus ex-patrões por tais acidentes, dizendo que “aquilo era
fruto, em geral, da concupiscência de algum jagunço incorrigível” – gracejavam. Mas não há que
se pensar que aqueles homens eram malucos. Não. Eram homens normais, que viveram numa
época anormal e que, ao que tudo indica, terminaram seus “serviços” por volta de 1957, quando a
Mate Laranjeira foi vendida ao governo federal. Ou talvez ainda bem antes, em 1925, quando os
comboios ferroviários da Mate Laranjeira foram ocupados por tropas revolucionárias paulistas
que desceram o rio Paraná para ajudar a Coluna Prestes que estava cercada pelas forças
governamentais na região.
Naquela ocasião, o rebocador “Pancho” foi armado com um canhão de 75 mm e com seus
bombardeios afugentou as tropas do governo. Então os revolucionários puderam tomar Porto
Mendes, onde se encontraram com o herói brasileiro Luiz Carlos Prestes, há quase meio ano
escondido com sua gente nas grutas das barrancas do Rio Paraná.
Anos depois, regressando ao Rio de Janeiro, o grande líder da Coluna Prestes relatou a
situação da região guairenha ao novo governo federal presidido por Getúlio Vargas, que
imediatamente providenciou escolas e professores para que lá para que se ensinasse o português;
mandando também suprir a região com moedas nacionais. Entretanto, a Segunda Guerra Mundial,
que eclodiu em 1939, teve fortes reflexos na região de Guaíra. A Argentina, aliada dos nazistas e
contrária à política internacional brasileira, suspendeu suas importações de erva-mate, fazendo
forte recessão se abater sobre a Mate Laranjeira, que propôs a venda de suas instalações ao
governo federal.
Realizada a transação, em 17 de abril de 1944 o governo fundou o “Serviço de
Navegação da Bacia do Prata” (SNBP), levantando parte dos bens da Mate Laranjeira. Em 18 de
novembro de 1944, finalmente o SNBP se apoderou de todos o acervo da Mate Laranjeira ligado
à navegação, como a sua frota, dependências gerais, estaleiros, oficinas e casas de operários.
Também a ferrovia para Porto Mendes foi adquirida, com todo o seu patrimônio em trilhos,
estações e material rodante como locomotivas, vagões e acessórios, além dos imóveis. Em 1957 a
via férrea foi definitivamente desativada e todos os seus bens leiloados. Por interferência do
austríaco Ernest Mann, arquiteto naturalista e morador antigo de Guaíra, uma locomotiva, de
marca “Koppel”, alemã, com 7.500 kg foi doada ao município pela SNBP, passando a ocupar
uma praça central como símbolo de um passado de intrigantes patifarias. Parte dos trilhos foram
destinados à irmandade dos padres palotinos [fundadores da cidade de Palotina], para a
construção de uma igreja. O restante, locomotivas, vagões, trilhos e demais materiais foi leiloado
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pela SNBP, tendo sido adquiridos pela Fundição Guaíra, de Curitiba, como material reciclável.

MITOS E LENDAS

O desenvolvimento cultural dos índios guaranis daquela região não se resume somente a
mitos e lendas. Eram muito mais evoluídos do que muita gente imagina. Pesquisas em
história, botânica e ecologia mostram sinais de antigas aldeias que tinham vários
quilômetros de extensão e populações que chegavam a dezenas de milhares de indivíduos. E eram
mais adiantados que os de outras tribos. Já usavam roupas e faziam expedições comerciais
através dos Caminhos do Peabiru, percorrendo centenas de quilômetros de florestas. E como
sugerem alguns arqueólogos, já tinham uma proto-escrita; apenas um estágio primitivo de
comunicação com símbolos, mas tinham.
A história desses índios começou a ser escrita ainda nos tempos dos bandeirantes
paulistas, por aqueles mesmos jesuítas espanhóis que levaram aquela tribo à ruína com a sua
pretensa evangelização. Há quem diga que muitos jesuítas se embrenharam nas matas não para
evangelizar, mas para ir atrás dos tesouros mitológicos dos índios. Porém, nunca encontraram as
riquezas do Eldorado lendário, o que trouxeram foi apenas as roupas manchadas pelo sangue dos
índios que assassinavam.
Mas deixaram mapas e mais de uma vintena de relatos. Neles, aqueles escribas contam
que as terras entre os rios Paraná e Iguaçu eram organizadas em “pueblos” pertencentes a
diferentes povos, sendo que a maioria era guarani. Mas também havia xetás, caingangues, caiuás
e outros, num total de 15 etnias, espalhadas por centenas de quilômetros; a dos guaranis chegava
a 700 quilômetros de cumprimento. Os jesuítas espanhóis encontraram aldeias com mais de seis
mil índios. Padre Montoya falava assim dos índios guaranis “... não havia de uma aldeia a outra
mais do que o alcance de uma flecha, e houve aldeia que tinha mais de vinte quilômetros de
comprimento”. Também o impressionou a beleza da cerâmica, especialmente a de uma aldeia que
ficava às margens do rio Piquiri, e que os índios chamavam de “Ytabiraputanga”: “... é a mais
bela cerâmica que já vi” - escreveu Montoya.
Teria havido influência de outras culturas, como a inca, do Peru, nos índios guaranis?
Não, mas exatamente o contrário. Os indícios mostram que a cultura guarani é que chegou ao
sopé dos Andes pelos Caminhos do Peabiru. De fato, estudiosos apontam ocorrência de imagens
de sucuris, de antas e de onças pintadas em áreas próximas ao território inca, animais que jamais
pisaram naquelas montanhas geladas.
Aqueles vastos territórios indígenas eram governados, cada um, por um poder central
diferente. Governavam-se por chefes tribais e havia um chefe-geral a que todos obedeciam e
chamavam de Turucari, que quer dizer “Deus é como ele deve ser”. O relato do enterro de um
desses chefes, nos arredores de Guaíra, diz que sua esposa foi morta para acompanhar o marido
na sepultura. Em escala menor, podemos reconhecer aí algo similar ao que acontecia, por
exemplo, com os faraós do antigo Egito, cuja morte também acarretava a matança de outras
pessoas da corte. Era uma demonstração de poder pessoal.
As aldeias de um mesmo “pueblo”, por sua vez, não eram isoladas umas das outras, mas
viviam em constante comunicação graças a uma rede de caminhos que cortavam várzeas, serras e
florestas. Os caminhos eram largos e bons, feitos à maneira dos incas do Peru, exceto pelo muros
e corrimões, e a cada vinte quilômetros, aproximadamente, haviam “pousadas” para os índios
viajantes que iam de um pueblo a outro e de outras regiões próximas para a terra adentro. Por
esses caminhos funcionavam redes comerciais que teriam beneficiado jesuítas e bandeirantes.

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Os vestígios dessas tribos grandiosas e desaparecidas estão sendo agora estudadas por
uma nova geração de pesquisadores brasileiros, argentinos e paraguaios. Tradicionalmente, a
arqueologia latino-americana considera a região andina como a única onde havia um grau de
desenvolvimento considerável antes da chegada do homem branco. Mas agora estão surgindo
evidências que confirmam a existência de sociedades mais complexas na fronteira do Paraná com
o Paraguai. Os primeiros sinais surgiram, na verdade, por ocasião do surgimento da Companhia
Mate Laranjeira e de tantas outras empresas predadoras. Mas só na década de 1980 foi que a
arqueologia conseguiu balançar o debate ao comprovar que a região dos vales dos rios Paraná,
Paranapanema, Tibagi, Ivaí, Iguaçu e Piquiri já era habitada há milhares de anos. Os guaranis
fabricavam cerâmica e cantavam suas façanhas desde pelo menos seis mil anos antes de Cristo.
Ainda hoje, o que restou dos guaranis cantam as mesmas canções dos tempos dos sonhos
enquanto caminham pelas matas paraguaias. Cada verso corresponde a um elemento físico – um
rio, uma colina, uma pedra, um bicho – criado pelos heróis dos céu no tempo antes do tempo.
Seguindo os versos de um tempo para outro, mantêm-se nos percursos pretendidos – chamados
“Caminhos das Canções” ou trilhas dos antepassados – através dos Caminhos do Peabiru. Tanto
os jesuítas como os bandeirantes e, posteriormente, os funcionários das companhias
colonizadoras, desconheciam essas trilhas dos antepassados dos guaranis, justamente porque os
invasores brancos chegaram ali não para fazer pesquisas arqueológicas, mas para desenvolver as
suas atividades de rapina, mercantis, mineradoras, madeireiras e agropecuárias.
Quando pela primeira vez cheguei à fronteira com o Paraguai, eu próprio cheguei a
promover a região como vocacionada essencialmente à criação bovina. Com pastagens
luxuriantes... E muita água... Afinal, tinha encontrado um clima subtropical e uma vegetação
adequada para criar gado vacum. Entretanto, alguns sonhos meus também tiveram que ser
abandonados – embora, mais tarde, algumas zonas da fronteira fossem consideradas propícias
não apenas para a criação de gado, como também para outras atividades pecuárias e a agricultura.
Mas nada disso ocorreu satisfatoriamente naqueles tempos, mesmo porque os interesses das
empresas colonizadoras sempre estiveram voltados para a rapinagem desenfreada da erva-mate e
das madeiras daquela região paranaense.
De uma maneira ou de outra, foi em conseqüência daquelas invasões que começaram a
nascerem pequenas cidades ao longo da região oeste do Paraná, verdadeiros centros de
abastecimento dos empregados das empresas colonizadoras que se internavam pelo interior mais
profundo. Mas foram os madeireiros que obtiveram os melhores direitos de exploração sobre
aquelas vastas áreas, concedidos por um governo despreocupado com a destruição das matas, da
poluição dos rios e da extinção dos animais silvestres.

A ESCRAVIZAÇÃO DOS INDÍGENAS

U ma pergunta que logo se impõe a todo pesquisador é a de como um número tão reduzido
de gente vinda de fora, inicialmente confundida pelos indígenas até com os deuses de
suas mitologias, conseguiu desencadear um espetacular processo de submissão aos
primitivos povos paranaenses? O que é escravidão? Certamente, para a maioria das pessoas
esclarecidas, vem logo à cabeça o tráfico de escravos negros da África para cá. Sabemos, porém,
que a escravidão indígena foi bem mais intensa, profunda e permanente do que aquela que os
historiadores nos tem apresentado.
Ainda recentemente, encontrei numa calçada do centro de Maringá uma velha índia
vendendo seu artesanato. Ela estava me dizendo que era da tribo caingangue e que vivia numa
comunidade indígena no município de Manoel Ribas, quando chegaram dois ficais municipais
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querendo confiscar a sua mercadoria. Deu o que fazer para explicar àqueles idiotas que o índio é
tutelado pelo Estado e que o artesanato que fabrica e vende é isento de quaisquer impostos e
taxas.
Apesar de aqueles dois funcionários municipais apresentarem ascendência negra, talvez
não lhes tenha passado pelas cabeças ocas que o índios também foram violentamente
escravizados no Brasil. Talvez também não soubessem que o Brasil começou a exportar índios
escravos antes mesmo de importar negros africanos. Muitas pessoas negras, como aqueles dois
fiscais municipais, talvez até participem de movimentos que enaltecem a “raça negra”, o que
acho válido. Mas se qualquer outra pessoa falar em “raça branca” logo é taxada de racista e
insultada. Existem muitos movimentos negros neste país, o que não existem são movimentos
brancos, amarelos ou indígenas. O que os negros estão querendo? Criar um Estado dentro de
outro Estado? É claro que respeitamos a história de seus antepassados. Mas não fomos nós, os
atuais descendentes de imigrantes europeus que implantamos a escravidão negra no Brasil. No
que me diz respeito, nunca fui contrário aos cidadãos de cor negra. No entanto, quando se tornam
famosos, alguns negros procuram mulheres loiras para se casarem. Dificilmente vemos algum
negro ator de televisão ou jogador de futebol famoso casado com uma negra. Nós brancos é que
somos racistas?
Aqueles dois fiscais (pardos) da prefeitura municipal de Maringá talvez não saibam que
no mundo racional só existe uma raça, a “raça humana”. Adolf Hitler tentou provar o contrário e
se deu muito mal. O que talvez também não saibam, é que os primeiros escravos indígenas foram
mandados para Portugal ainda em 1511. E com certeza também não saibam que a chegada de
negros ao Brasil, de forma sistemática, só teve início em 1568. Na verdade, saía muito mais
barato apanhar escravos índios na mata do que trazê-los, a altos custos, da África. O escravo
indígena custava centenas de vezes menos do que o escrevo negro. E apesar do risco de fugas ou
não sujeição prolongada aos novos trabalhos, mesmo assim, ainda era compensadora a
escravização de índios. Isso só foi alterado graças a algumas vozes jesuíticas em favor da
liberdade dos índios, particularmente na antiga Província real del Guayrá.
Para termos uma idéia da dimensão da escravidão indígena, basta lembrar que só os
bandeirantes escravizaram mais de 300 mil índios nas regiões hoje compreendidas como Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A maioria deles era das reduções jesuíticas da Província
Real del Guayrá, que foram sistematicamente atacadas pelo bandeirantes à procura de mão-de-
obra farta e gratuita. No entanto, cada índio capturado representava centenas de índios mortos. O
método usado era sempre o do ataque com armas de fogo, minar a resistência, capturar o máximo
de braços escravos e incendiar a aldeia, matando velhos, mulheres e crianças.
A força de trabalho indígena era considerada uma das principais riquezas dos senhores de
engenho do Nordeste. Os índios do sul passaram a ser o principal produto vendido naquela
região, ou nas plantações de arroz de São Paulo. Posteriormente, caso houvesse excesso deles, os
índios escravizados também eram levados pelos holandeses para as Antilhas.
Os bandeirantes paulistas os capturavam e escravizavam porque havia uma lei portuguesa
de 1611 que introduzia a escravidão legal dos índios brasileiros. Passaram a ser escravizados
através do “resgate” ou da “guerra justa”. Os resgates eram uma espécie de troca de objetos por
índios: povos indígenas aliados dos portugueses realizavam expedições de ataque às aldeias
inimigas e traziam prisioneiros que entregavam aos portugueses em troca de quinquilharias. As
guerras justas eram promovidas pelas “tropas de guerra” - grupos armados que invadiam
territórios indígenas buscando capturar o maior número possível de índios, inclusive mulheres e
crianças. Pela lei, essas guerras justas poderiam ser realizadas contra os índios que atacassem os
portugueses ou que impedissem os jesuítas da difusão do “Santo Evangelho”. Os índios
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aprisionados eram levados ao mercado de escravos para serem vendidos aos colonos, à Coroa
Portuguesa e aos próprios jesuítas.
Do ponto de vista do índio, a escravidão era um dos piores tormentos impostos pelos
portugueses. Contra ela os índios resistiam lutando, fugindo e até se suicidando. Por outro lado,
para os portugueses a escravidão era uma vantagem para os índios, uma forma deles “se
civilizarem”. Diziam que a obrigação do trabalho impunha-lhes a disciplina, a probidade e o
respeito pela ordem. Para os indígenas, os bandeirantes eram algozes, cruéis e desumanos, que
destruíam grupos de famílias e comunidades inteiras, aprisionando e matando os que lhes
oferecessem resistência.
O que terá acontecido às dezenas de milhares de índios temiminós, carijós, caiuás e xetás
arrancados do sertão guairenho e levados para São Paulo pelas expedições de Manoel Preto,
Antônio Preto, Raposo Tavares e Nicolau Barreto? Igual número de índios foram aprisionados
por outros bandeirantes nas reduções dos vales dos rios Tibagi e Paranapanema, em 1628,
levados para o litoral e depois vendidos para os usineiros do Nordeste. E os milhares de índios
guaranis também aprisionados por Raposo Tavares no vale do rio Ivaí, em 1632? E assim
sucederam-se as atividades criminosas de escravização e venda de índios durante mais de vinte
anos. Manoel Preto foi o primeiro bandeirante a atacar aldeias cristãs, vendendo os prisioneiros
como escravos. Depois, os demais bandeirantes foram perdendo qualquer escrúpulo em caçar,
matar e negociar índios - transformando-se nos grandes destruidores dos povos indígenas do
Paraná.
Simão Mazeta, um padre jesuíta que chegou a ser preso e levado acorrentado para São
Paulo, escreveu: “A vida desse bandido é ir ao sertão, trazendo índios presos com tanta crueldade
e violência para vendê-los depois como pombos”. Conforme relatos deixados pelo padre
Montoya, chefe da redução de Santo Inácio Menor, naquela ocasião Antônio Raposo Tavares e
Manoel Preto haviam aprisionado mais de 300 mil índios. Ele também afirma que no espaço de
130 anos os paulistas fizeram escravos mais de dois milhões de índios, dos quais 50 mil haviam
abraçado a religião cristã. Também disse que dos 500 mil índios existentes na Província Real del
Guayrá em 1610, quando abandonou a redução só restavam 12 mil.
Apesar de não existirem dados confiáveis sobre a religião antigamente praticada pelos
índios que habitavam o Paraná, sabemos que hoje eles são cristãos e, dentre estes, a maior parte
evangélicos pentecostais. É interessante observar que apesar dos padres jesuítas terem sido os
primeiros missionários a lhes ministrar à religião cristã, com o correr dos tempos à igreja católica
acabou perdendo espaço dentro das reservas indígenas justamente porque apresentava muito mais
ambigüidades e controvérsias do que aquela que apresentava nos tempos em que foi o principal
elemento construtivo e fundamental para a conquista e imposição do projeto colonizador
português - quando a sua “missão civilizadora” era praticada pelo amálgama da cruz e da espada.
Desde o início da colonização, os reis de Portugal estavam convencidos de que a catequese era a
maneira mais eficaz e de menor custo para o domínio dos povos nativos do Brasil. Portanto, a
catequese era uma obra fundamental para Deus e, muito mais, para o Rei. Mas nem todos os
indígenas aderiram à religião cristã. Conta-se a história de um padre jesuíta que tentou convencer
um cacique guarani, condenado à forca, de ser batizado para ganhar o céu. O indígena perguntou
se era para lá que iam todos os cristãos. Diante da resposta afirmativa do jesuíta, o índio negou-se
terminantemente a ser batizado, para não reencontrá-los. E, como sempre acontecia nesses casos,
o índio acusado de heresia não foi enforcado, mas queimado vivo numa fogueira, em nome da
Inquisição.
Do ponto de vista político, algumas experiências de presença e atuação religiosa dentro
dos limites do projeto colonial – e até mesmo em conflito com ele – foram a infiltração dos
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jesuítas. Esse modelo evangelizatório terminou sendo uma utopia político-econômica que chegou
a inspirar grande parte da humanidade. Seja como for, tanto a Espanha como Portugal
compreenderam as reduções primeiramente como uma estrutura de controle político e cultural.
Era necessária a homogeneização cultural das etnias indígenas. Era necessário unificar
ideologicamente os indígenas. O certo é que a cristandade usou o modelo de reduções para
evangelizar com autonomia relativa as comunidades indígenas. Certamente não foi uma
instituição revolucionária, mas dentro do seu reformismo alcançou graus de contradição profunda
contra a consciência nativa.
A conquista espiritual – das almas – perpassou esses cinco séculos e parece estar
chegando neste início de terceiro milênio de forma preocupante para a igreja católica. Se, para
ela, a “disputa” pela conquista de incorporação de fiéis para seus quadros parece coisa do
passado, as igrejas hoje conhecidas como “evangélicas pentecostais” vêm armadas da mesma
ideologia e penetram cada vez mais nas áreas indígenas com o propósito de “converter os índios”
para as suas lindes.
Como já foi amplamente explicado, a conquista inicial da Província Real del Guayrá foi
realizada pelos espanhóis, utilizando-se basicamente de duas bases essenciais: a cruz e a espada.
O poder centralizado do Estado dedicado ao privilégio privado, à autoridade e ao uso racional e
organizado da violência são duas das características persistentes dos jesuítas. A Província Real
del Guayrá (atual noroeste do Paraná) teria, à época da conquista espanhola, uma população
indígena que variava entre 800 mil a um milhão de índios, a maioria guarani. Este número caiu
verticalmente após o aprisionamento e matança provocada pelos bandeirantes paulistas. Hoje não
chega aos 20 mil. Tamanho genocídio quase “resolveu” em definitivo o problema indígena
paranaense. Inicialmente os jesuítas diziam que “índio bom era índio catequizado”. Para os
bandeirantes “índio bom era índio aprisionado”. E, para os portugueses, “índio bom era índio
morto”.
As armas de fogo davam uma superioridade psicológica e física ao bandeirante,
possibilitando o combate à distância. O cavalo e o cachorro deixavam os indígenas atônitos e sem
estratégia de defesa, já que muitas vezes não sabiam se fechavam o cavaleiro ou os animais.
Além do mais, a aliança dos bandeirantes com alguns povos indígenas explorados por outros
também nativos e mais fortes militarmente, foi decisiva na derrocada final destes. Ao chegar à
Província Real del Guayrá, Antônio Raposo Tavares logo percebeu o estado de fragmentação
existente na região. Então, utilizando-se do mecanismo de intervenção nas guerras entre os
indígenas, conseguiu conquistar, dominar e explorar aqueles povos com o menor custo financeiro
possível. Este fator estratégico-militar possibilitou que tão poucos dominassem a tantos em tão
pouco espaço de tempo.
A partir daquele episódio, os bandeirantes iniciaram o aprisionamento e a matança dos
indígenas restantes nas doze reduções jesuíticas então ali existentes. Suas aldeias foram
incendiadas para que se consolidasse a mão-de-obra escravizada. Ao final da carnificina, em
1632, os índios guaranis daquela região já haviam experimentado a destruição de suas casas, a
desintegração de suas sociedades e da sua cultura, considerada “pagã” e, portanto, inimiga do
catolicismo. Os poucos sobreviventes ficaram subordinados aos jesuítas. Contudo, o mecanismo
de conquista apresentava para os bandeirantes uma dupla conseqüência: se as terras estavam
livres para serem ocupadas, ao mesmo tempo a destruição dos locais de mão-de-obra obrigava-os
a aprisionar índios em outras regiões, implicando em mais gastos.
Esse genocídio, que começou com os conquistadores espanhóis, foi continuado pelos
bandeirantes paulistas e seguidos pelas empresas colonizadoras no início do século vinte. Para os
ingleses da Paraná Plantations, por exemplo, os poucos indígenas xetás ainda existentes na Serra
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dos Dourados (hoje município de Umuarama) eram simples “bugres” e como tais deveriam ser
caçados à vontade, já que, a exemplo dos posseiros, impediam o processo desenvolvimentista
daqueles capitalistas ingleses. As orelhas trazidas nas guaiacas dos jagunços eram a prova cabal
do sucesso da empreitada.
Inicialmente a cruz realizou um trabalho complementar ao da espada. Um conjunto de
circunstâncias de ordem espiritual entre os guaranis facilitou a tarefa dos jesuítas, já que uma
série de profecias e sinais assegurava a chegada eminente de novos deuses. E os jesuítas,
manipulando o imaginário daqueles indígenas, não tiveram dúvidas em se apresentar como tais.
O domínio do “sagrado” sobre o “profano” se materializou imediatamente.
Logo que as primeiras caravelas portuguesas começaram a aportar no sul da Bahia,
alguns jesuítas, como Manuel da Nóbrega e, pouco mais tarde, José de Anchieta, começaram a
defender a escravização de indígenas como meio necessário para o desenvolvimento da igreja
católica no Brasil. Nóbrega insistia que queria ver o gentio “sujeito e metido no jugo da
obediência dos cristãos, para se neles poder imprimir tudo quanto quiséssemos, porque ele é de
qualidade e que, domado, se escreverá em seus entendimentos e vontades muito bem a fé de
Cristo”. Apesar de sua paradoxal defesa da liberdade dos indígenas, o padre Manuel da Nóbrega
afirmava que a escravidão devia ser permitida e mesmo desejada em determinados casos, não
apenas para efeito de castigo, mas também como forma de atração de novos colonos a estas
terras. Em 1554, ao fundar a povoação de São Paulo de Piratininga, Anchieta propugnou a vinda
de cristãos para aquela região com o objetivo de “sujeitarem os índios ao jugo da escravidão e os
obrigarem a acolherem-se à bandeira de Cristo”. Tudo isso em nome de uma “guerra justa”.
Baseados nessas informações históricas, podemos até afirmar que esta “conquista
espiritual”, também denominada de “processo de cristianização” ou “ocidentalização”, em vários
sentidos, foi mais radical e violenta que a militar praticada pelos bandeirantes. Enquanto a espada
manteve certas estruturas sociais e de poder autóctones, os missionários se empenhavam em
destruir qualquer sobrevivência da concepção do mundo pré-colombiano, aniquilando as bases de
todas as relações espirituais – desde a figura dos sacerdotes até pajés e caraíbas (designação que
os índios davam ao homem branco). A espada e a cruz, portanto, constituíram os preliminares da
conquista e da dominação, ao desestruturar os sistemas político, econômico, cultural, moral e
religioso das nações indígenas. Tentou-se arrancar as raízes destes povos, bem como apagar a
memória histórica de suas lutas, seus triunfos, suas derrotas, seus heróis e seus mártires. Sabiam
os padres portugueses que um povo sem memória seria subjugado mais facilmente. E ao final a
espada e a cruz se refestelavam com o butim, pois onde houvesse ouro e prata ali os sacerdotes se
faziam presentes.
A miséria, hoje um processo endêmico em alguns aldeamentos indígenas brasileiros,
especialmente nos do Paraná, não é novidade, pois chegou com os bandeirantes. A mudança nos
hábitos alimentares e nos modos de produção e a migração interna forçada de regiões de clima
quente para as regiões mais frias desestruturaram a atividade produtiva dos indígenas, gerando a
miséria, que tomou conta de grande parte de suas populações. Sem penetrar no labirinto dos
números, é possível afirmar que mais de um milhão de indivíduos indígenas desapareceu no
litoral paranaense no decorrer dos últimos 500 anos. Também acredito não ser absolutamente
exagerado dizer que só na Província Real del Guayrá foram assassinados mais de 900 mil
indivíduos.
No entanto, diante desse massacre os indígenas resistiram aos invasores por meio de
“rebeliões”, quer de braços cruzados, quer de convulsões internas. Já não trabalhavam, já não
produziam alimentos, já não cuidavam de sua saúde. Com isso queriam espalhar a morte que
dizimaria tanto os explorados quanto os exploradores. Quando eram acusados de preguiçosos,
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indolentes e sem caráter, na verdade eles estavam se defendendo de toda uma cultura dominadora
que tentava modelá-los de acordo com os padrões religiosos portugueses. Depois lançaram mão
do mecanismo das rebeliões e perceberam que o europeu poderia ser a vítima de suas armas, por
mais rudimentares que fossem. Embora recebessem a acusação de violentos e inumanos,
principalmente por causa da antropofagia, não se levou em conta que essa se caracterizava muito
mais como punição ao cativo vencido que a satisfação famélica. Tanto que, apesar do êxito de
alguns religiosos na persuasão do abandono dessa prática, foi quase impossível inviabilizar a
morte do prisioneiro em ritos de terreiro.
Uma vez derrotada essa resistência, deu-se início, então, ao maior processo de sangria
que a história universal já registrou. Isto graças à escravização indígena, e posteriormente á
negra, já que os portugueses, ao não conseguirem integrar os primeiros à sociedade colonial sem
antes destruí-los, utilizaram-se da escravização negra para realizar sua acumulação. Com essa
acumulação de riquezas somada à ação de piratas, de saqueadores e de traficantes de mão-de-obra
africana, Portugal resolveu grande parte de seus problemas econômicos, financeiros, políticos e
sociais. Dava-se início, então, ao primeiro grande processo de globalização. Graças a essa política
de espoliação foi possível à Inglaterra apossar-se das matérias-primas dos território conquistados
pelos espanhóis e portugueses e incrementar a sua própria pirataria marítima.
Com isso acelerou-se o declínio dos modos de produção feudais e acumulou-se um
quantioso capital que foi desaguar na revolução industrial. A escravidão brasileira foi o mais
extraordinário motor que teve a acumulação de capital comercial inglês e este, por sua vez, a
pedra fundamental sobre a qual se construiu o gigantesco capital industrial dos tempos
contemporâneos – capital industrial que, necessitado como esteve prematuramente de produtores
e consumidores livres, atacou desde o século dezenove a instituição de escravidão como funesta
para seus objetivos. Pode-se afirmar, por isso, que a escravização, inicialmente de indígenas para
logo ser substituída pela dos negros, e seu conseqüente genocídio, bem como a expropriação das
matérias-primas do Brasil, serviram para que o Império Britânico iniciasse o seu processo de
transição do feudalismo para o capitalismo.

O GENOCÍDIO INDÍGENA

E ntre o ano de 1492 (descoberta da América) e o ano 2001 (início do terceiro milênio),
movidos pelos interesses mesquinhos da religião cristã - mais precisamente pela estupidez
da Igreja Católica -, foram exterminados mais de 70 milhões de índios em todo o território
americano – dos quais mais de 6 milhões somente no Brasil, principalmente na então denominada
Província Real del Guayrá (hoje noroeste do Paraná), entre os anos de 1610 e 1632, quando os
bandeirantes Antônio Raposo Tavares e os irmãos Manoel e Antônio Preto entraram em luta
aberta contra os padres jesuítas e assassinaram ou aprisionaram quase 1 milhão de silvícolas.
Se hoje as populações indígenas estão confinadas em pequenos espaços de seus próprios
territórios tradicionais, isso parece tributar-se à fatalidade da “lei do mais forte”. Se os povos
indígenas estão, em sua grande maioria, esmagados, e suas culturas dominadas e condenadas por
estruturas e ideologias homogeneizantes, justifica-se pela teoria da “evolução”, onde as “culturas
superiores” sempre se impuseram. Se, finalmente, as “almas” são encaminhadas à salvação, as
demais preocupações tornam-se secundárias.
No campo educativo, infelizmente, até hoje esse parece ainda ser o pensamento
extravagante quando olhamos para as salas de aula, onde mentiras históricas continuam sendo
contadas como verdades; preconceitos desfilam com desenvoltura e a relação com os índios
continua sofrendo forte discriminação. Tudo isso parece ficar ainda mais evidente quando

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olhamos para as classes dominantes em nosso país. Na década de 1970, ficaram famosas as
sugestões de políticos e governantes que chegaram a propor que todos os índios do Brasil fossem
colocados num lugar tipo “Parque do Xingu”, que acabara de ser aprovado. Foi essa, inclusive, a
sugestão do então presidente da República, general João Baptista Figueiredo, para os Waimiri-
Atroari que estavam se opondo à construção da BR 174 em seu território, no Estado de Roraima.
Essa sugestão fazia parte da “solução final” para o problema dos índios, sempre presente
no imaginário e nas ações dos nossos latifundiários e das nossas elites urbanas. Essa previsão do
“fim dos índios” antes que terminasse o século vinte foi posteriormente reafirmada por muitos
idiotas, como nas declarações do sociólogo Hélio Jaguaribe, em 1994. Só faltaram propor que
fossem criados no Brasil alguns campos de concentração para, além dos índios, também fossem
exterminados negros e brancos pobres brasileiros. Não delimitaram um lugar específico para que
isso ocorresse, mas o que temos visto ao longo dos últimos anos neste país é o aumento
assustador de miseráveis desempregados. Enquanto isso, os governos que se sucedem parecem
fazer vistas grossas aos problemas das multidões de flagelados famintos que acabam optando
pelo tráfico de drogas, assaltos a supermercados e assassinatos em larga escala.
Nada se tem feito para evitar o extermínio de milhões de brasileiros famintos e
andrajosos. Ao invés disso, contra eles são aplicadas diversas formas de violência física e social.
Para evitar o genocídio que hoje atinge principalmente a parte miserável do povo deste país,
lideranças indígenas, muitas vezes também sufocados pela maldita especulação internacional,
procuram a sua integração e emancipação, desencadeando um processo vigoroso de reconquista
de seus territórios, afirmação e reconstrução de suas identidades, de seus projetos de vida
presente e futura. Com isso, passaram de aproximadamente 100 mil, na década de 1960, para
mais de 200 mil, no final da década seguinte, chegando ao ano de 2010 a mais de 700 mil.
Ao mesmo tempo, foram ampliando seus apoios na sociedade nacional e internacional,
recolocando a questão indígena na pauta brasileira e agenda mundial, escrevendo um dos mais
marcantes capítulos na Constituição Brasileira, em 1988. Porém, se olharmos para o que se
passou no Brasil a partir do descobrimento, seremos obrigados a reconhecer que o tratamento que
demos aos índios foi um dos maiores genocídios já praticados contra a humanidade.
Para melhor entender o significado desse quase meio século de conquista das nações
indígenas, vou tentar enfocar alguns dos diversos aspectos e dimensões contidos nesse processo.
Vejamos: quando os latifundiários invadem terras indígenas – como no caso dos Caingangues de
São Jerônimo da Serra, Quedas do Iguaçu e Mangueirinha, no Paraná -, ou quando as serrarias de
Moysés Lupion destruíram extensões superiores a vários países europeus, nada mais estavam
fazendo do que dar continuidade ao processo de saque iniciado com os carregamentos de pau-
brasil e animais exóticos para a Europa, feitos pelos portugueses, há mais de 500 anos.

A REGIÃO NOROESTE

Q uem goste de história sabe que foi na região de Guaíra que teve início a colonização
(jesuítica) do noroeste do Paraná. Entretanto, há entre as pessoas menos avisadas o
consenso de que aquelas terras pertenciam ao Paraguai e foram-lhe tomadas por ocasião da
Guerra da Tríplice Aliança (como os paraguaios chamam a “Guerra do Paraguai”). Nada existe
de mais estúpido na imaginação popular do que essa inverdade. É apenas mais uma daquelas
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patranhas criadas pela insanidade de alguns cronistas estúpidos, e que acabaram marcando época.
Faz-se necessário saber que, naquela época, o Paraguai, a exemplo da Província Real del Guayrá,
nada mais era que uma simples colônia espanhola, ora subordinada ao vice-reinado do rio da
Prata (foram os paraguaios que fundaram Buenos Aires), ora sob os auspícios do vice-reinado do
Peru. Como é que o Paraguai, que só se tornou independente da Espanha em 14 de maio de 1811
– o primeiro país da América do Sul a tornar-se independente das cortes européias. O Brasil, por
exemplo, só se tornou independente de Portugal em 1822, e, mesmo assim, continuou sendo
governado por uma monarquia imperial até 1889 quando foi proclamada a República -, poderia
ser proprietário dessas terras em 1865 (início da Guerra da Tríplice Aliança), se o bandeirante
Antônio Raposo Tavares já as tinha tomado dos espanhóis em 1632, portanto 179 anos antes
daquele país se tornar nação.
Essa disputa começou em 1554 – ano da fundação da cidade de São Paulo. Os espanhóis
baseados na Linha Alexandrina, tentaram firmar-se à esquerda do Rio Paraná e, Irala, governador
da Província de Asunción [atual República do Paraguai], mandou Nuflo Chaves percorrer o
trecho localizado entre o rio Paraná e o rio Paranapanema. Encontrando um território
completamente desabitado, ou habitado apenas por índios guaranis, apossou-se daquelas terras e
fundou naquele mesmo ano o “pueblo Ontiveros”, uma pequena povoação junto às margens do
Rio Piquiri. Por ser o local alagadiço, dois anos depois Nuflo Chaves transferiu aquela povoação
para uma área mais alta, situada a uns trinta quilômetros acima das cataratas das Sete Quedas,
mas ainda às margens do Piquiri, porém trocando-lhe o nome para Ciudad Real del Guayrá.
Em 1576, na margem esquerda do rio Paraná, próximo da Ciudad Real del Guayrá, os
jesuítas espanhóis fundaram o pueblo Villa Rica del Espiritu Sancto, mais tarde transferido para a
foz do rio Corumbataí, perto da atual cidade paranaense de Fênix. Em 1603, prevendo uma
invasão paulista naquela área, Felipe III, rei da Espanha, nomeou seu soldado mais capacitado, o
capitão Hernando de Saavedra, para governar as províncias platinas, certo de que este resolveria
com os bandeirantes paulistas a questão da permanência espanhola na região do Guayrá.
Saavedra, reconhecendo os erros de seus antecessores, sugeriu ao rei a fortificação da Província
Real del Guairá e a assistência aos jesuítas que já se encontravam naquela região. Contudo, o rei
nada providenciou, até que em 1610 o marquês de Montes Claros, vice-rei do Peru, corroborando
as informações de Saavedra, comunicou ao rei que era melhor submeter a Província Real del
Guayrá à jurisdição de Asunción, devido a distância da Província do Rio da Prata (Argentina) à
qual naquele momento estava subjugada. O rei, tomando as providências que lhe pareceram mais
acertadas, encaminhou mais um contingente de jesuítas para aquela província. A princípio, o
resultado dessa iniciativa foi notório, pois já em 1611 o jesuíta Diogo Torres anunciou ao rei a
prosperidade das duas primeiras reduções: Nossa Senhora do Loreto e Santo Inácio Menor. Essas
duas reduções já contavam com mais de 4.000 índios aldeados. Todavia, os bandeirantes
paulistas continuaram excursionando pelo sertão, incendiando reduções, aprisionando índios,
matando soldados espanhóis e padres jesuítas.
Naquele ano, as forças espanholas se defrontaram com a bandeira paulista de Pedro Vaz
de Barros, que havia aprisionado mais de 500 índios naquela região. No meio da luta, os
espanhóis bateram em retirada. Em outros caminhos da mesma região, os irmãos Manuel e
Sebastião Preto continuavam praticando a maior violência possível. O próprio Saavedra, em
1616, pediu socorro ao rei da Espanha sobre as constantes investidas dos paulistas em seu
território. Em 04 de setembro de 1617, prevendo um genocídio, o então governador provincial,
Nicolau Duram, solicitou ao governo espanhol medidas urgentes para combater as investidas
paulistas. Os clamores de Duram também não foram ouvidos e os bandeirantes, aproveitando-se
da fraqueza dos espanhóis, dominaram a situação. Nessa altura, a Província Real del Guayrá
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estava virtualmente perdida para a Espanha, ocupada literalmente pelos bandeirantes paulistas. A
única esperança dos guairenhos resumia-se no fidalgo Dom Luís de Céspedes Xeria, nomeado
governador da Província de Asunción, em 1625.
Xeria chegou à Bahia em maio de 1626, mas, encantado com as belezas do litoral baiano,
ficou por lá durante dois anos, só aportando no Rio de Janeiro em fevereiro de 1628, não
exatamente para tratar de política, mas para se casar com Vitória de Sá, uma dama da nobreza
lusitana que havia lhe sido prometida em casamento por seu tio, Martim de Sá, então governador
fluminense.
Após o casamento, Martim de Sá convenceu Xeria a viajar por São Paulo - com a devida
permissão governamental, ajudantes e mantimentos –, apesar da expressa proibição paulista
existente. De São Paulo, Xeria escreveu ao então rei espanhol Felipe IV, a princípio com boas
referências sobre a recepção recebida; mais tarde contando horrores, crueldades, velhacarias e
traições recebidas dos paulistas. No entanto, em 08 de julho de 1628 Xeria e sua esposa exibiram
seus salvo-condutos e, no dia 16 do mesmo mês e ano, partiram de um porto então existente no
Rio Tietê, rio que percorreram durante 16 dias até chagar ao Rio Paraná, atingindo Loreto
(aldeamento então localizado na foz do rio Paranapanema, hoje município de Santo Inácio) no dia
8 de setembro e, no dia 15, a já moribunda Ciudad Real del Guayrá.
Em relatório de 08 de novembro de 1628, que chamou de “Lástimas sobre el Guayrá”,
Xeria escreveu suas considerações sobre uma propalada expedição bandeirantina de 900 homens
e três mil índios que os paulistas estavam organizando para destruir aquela província. Essa
expedição citada por Xeria, foi um dos maiores e mais notáveis episódios do bandeirantismo
paulista, iniciada em agosto de 1628 por uma coluna chefiada por Manuel Preto e Antônio
Raposo Tavares. Este lugar-tenente daquele, e a alma da expedição. Além de Xeria, os jesuítas
Justo Mansilha Van Surck e Simão Mazzeta também se referiram àquela incursão bandeirantina,
afirmando que “toda a população paulista apoiava ou participava da expedição”.
Transposto o rio Tibagi, em 28 de setembro de 1628, os bandeirantes logo aprisionaram
os índios da Redución Encarnación, ato que provocou protestos dos jesuítas. Mas, como os
bandeirantes também eram católicos fervorosos, após o entendimento com os jesuítas Manuel
Preto devolveu os presos, prometendo não mais atacar as reduções jesuíticas, mas somente prear
índios de tribos indômitas, acordo observado durante 120 dias. Contudo, a 30 de janeiro de 1629,
Antônio Raposo Tavares, assumindo o comando da bandeira, atacou a Redución de San Antonio,
efetuando um grande aprisionamento de índios. Seguiram-se, em 30 de março, as ocupações das
reduciones de San Miguel, por Antônio Bicudo Mendonça, e a de Jesus Maria, por Manuel
Mourato. Mas como a área dirigida pelos jesuítas fosse muito extensa, os bandeirantes decidiram
voltar a São Paulo com a presa já obtida, fato realizado em maio de 1629. Segundo o jesuíta
Simão Mazzeta, o número de cativos passava de nove mil. A marcha para São Paulo durou
quarenta e sete dias.
Antônio Raposo Tavares, o terrível e sanguinário bandeirante, voltou à cena dois anos
depois, com colunas bem municiadas. Para combatê-lo, de Asunción Xeria armou uma expedição
de milhares de homens. Contudo, o esforço de Xeria foi inútil frente ao melhor treinamento dos
bandeirantes. Entre os mais destemidos, encontrava-se o violento e intrépido bandeirante
Cristóvão Diniz, mais tarde fundador da cidade paulista de Itu. Em 25 de novembro de 1631,
Riquelme de Gusman, lugar-tenente de Xeria, acampou próximo à Ciudad Real del Guayrá com
seus homens, para defender a cidadela das investidas bandeirantinas. Todavia, reconhecendo a
real situação da província, e apavorado com os eminentes assaltos, ordenou o êxodo da população
de Loreto e de Santo Inácio Menor, as duas reduções ainda subsistentes.

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No início de 1632, os castelhanos já admitiam a humilhante derrota da Província Real del
Guayrá, pois a situação de Ciudad Real del Guayrá e Villa Rica se tornava cada vez mais crítica.
Por outro lado, todas as outras reduções jesuíticas já haviam sido totalmente destruídas e os
índios escravizados. O brilhante historiador paraguaio Ramón Cardozo I., em seu belo trabalho El
Guayrá: História de la Antigua Província, dá o ano de 1556 como os da fundação de Villa Rica
del Espiritu Sancto em campo aberto, Cuaraciberá, “lugar onde viviam os índios Ybyrayas”.
Inicialmente, o regime de prepotência e escravização imposta pelos espanhóis aos índios
Ybirayas redundou, sem demora, como era natural, em fracasso completo. Foi por causa desse
estado de calamidade que houve a incursão dos jesuítas naquelas paragens. A estes estava
reservada uma obra verdadeiramente humanitária, mas não compreendida e completada, de
conduzir os gentios à civilização, num embate de invulgar estoicismo de que só é capaz o
missionário da fé e da religião, como os da missão que os padres de Ignácio de Loyola
desenvolveram por quase toda a região daquele antigo território castelhano. Os primeiros padres
a chegar naquelas remotas “encomiendas” foram José Castaldino e Simão Mazeta, que saíram
pelos sertões inóspitos na busca dos índios Ybirayas, maltratados e arredios.
Depois que os bandeirantes dizimaram as reduções jesuíticas e a população Ybiraya,
cerca de trinta anos depois a região foi invadida pelos índios guaianazes [também chamados de
coroados, xocréns ou caigangues], expulsos dos campos de Piratininga. Conhecedores da situação
que levou os Ybirayas ao extermínio, evitavam o branco o quanto podiam, preferindo viver
errantes pelos campos e matas a levar vida de escravo. Diz Rocha Pombo: “A forma de conversão
usada pelos militares de Melgarejo, que sempre valia para o suposto converso as angústias do
cativeiro, nunca deixou de afugentar o gentio, advindo como conseqüência o despovoamento
daqueles postos e a necessidade de ser ali adaptado outro regime mais humano e adequado com
os objetivos da catequese”.
Os jesuítas alcançaram, a despeito de todas as dificuldades inerentes a essa cruzada
apostólica, esses objetivos, embora para vê-los, mais tarde, sacrificados pelas razias das bandeiras
paulistas. Castaldino e Mazeta fundaram, em 1610, nas margens do Rio Paranapanema, as
reduções de Loreto [edificada na foz do rio Pirapó, afluente da margem esquerda do
Paranapanema] e San Ignácio Menor [mais acima de Loreto, mas na mesma margem do
Paranapanema], que rapidamente floresceram graças à imediata concentração que se promoveu
ali de milhares de catecúmenos.
Com a notícia do sucesso obtido nas reduções chegando à Europa, imediatamente Loyola
mandou juntarem-se àqueles dois primeiros padres os jesuítas Antônio Ruy de Montoya, Diogo
de Moranta, Martin Urtrasun, Juan Vasco, Diogo Salazar, Christovam de Mendonça, Francisco
Diaz e muitos outros. Reforçando assim o pequeno exército da fé, os jesuítas logo começaram a
excursionar pelos domínios dos guaranis nas terras do cacique Tarobá, onde fundaram as
reduções de Siete Arcanjos e San Tomé (sobre a ribanceira do rio Corumbataí), Jesus Maria
(sobre a Corredeira de Ferro, no Rio Ivaí) e San António (também às margens do Rio Ivaí). Nas
terras do cacique Pindobé estabeleceram o aldeamento de Encarnación (na margem esquerda do
Rio Tibagi), hoje município de Telêmaco Borba, e nas dos caciques Maracanã e Atiguajé as
reduções de San Javier e San José (ainda às margens do Tibagi, e não muito longe de onde hoje
se encontra a cidade de Jataizinho). Incansáveis na obra de catequese, os jesuítas escalaram o alto
Tibagi e, já nos Campos Gerais, ergueram a redução de San Miguel no lugar hoje conhecido por
Igreja Velha, nas proximidades de Ponta Grossa. E assim esteve por vinte anos a antiga Província
Real del Guayrá, na sua integridade, sob a ação dos jesuítas, reunindo nos pequenos pueblos mais
de cem mil índios guaranis, caiuás e arés.

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Depois da derrota espanhola, por volta de 1660, os lendários campos do Paraná e os
sertões do rio das Cinzas e do rio Tibagi foram tomados pelos índios coroados [também
denominados Caingangues ou xocréns], vindos dos campos de Piratininga. Estes índios, inimigos
dos tupis e premidos pelo despertar da civilização no planalto paulista, invadiram, em massa, o
território paranaense e nele assentaram suas malocas, não muito longe das antigas reduções
jesuíticas. Traziam na alma uma ferocidade indômita e o ódio ao português. Por isso, muito
naturalmente, fugiam ao contato daquela gente intrusa. E foi dessa forma que tiveram início as
povoações daqueles ermos paranaenses. Mas para que aquelas terras ficassem a salvo de novas
investidas castelhanas, foi necessário criar a vigilância das fronteiras com o domínio espanhol
[ainda incertas naquela época]. Por isso, foram enviadas algumas expedições militares a Iguatemi
(hoje Mato Grosso do Sul), pretendendo-se montar naquelas remotas paragens da fronteiriças
com o Paraguai uma colônia militar. Curitiba foi o ponto de apoio dessa feitoria e os grandes rios
paranaenses, que rumam para o noroeste, foram as naturais vias de comunicação com o rio
Paraná e, consequentemente, com Iguatemi.
Assim é que, pouco tempo depois das descobertas das Minas de Pedra Branca (a 20 km
da cidade de Tibagi), começaram a cruzar o sertão paranaense tais expedições em demanda a
Iguatemi. A primeira delas, composta de 75 homens, sob o comando do capitão Estevão Ribeiro
Bayão, partiu de Curitiba a 20 de julho de 1769, cruzou o rio Tibagi no lugar denominado São
Bento, passou pelos Campos do Amparo e pelas Campinas Belas, chegando ao rio Ivaí [mais ou
menos onde hoje se encontra a cidade paranaense do mesmo nome], de onde Bayão destacou uma
esquadra que, sob o comando do tenente Francisco Lopes da Silva, desceu aquele rio em direção
ao rio Paraná.
Durante aquele trajeto, a esquadra descobriu, em 10 de março de 1770, na foz do
Corumbataí, as ruínas de Villa Rica, abandonadas há 138 anos pelos jesuítas de Montoya. A
descoberta foi de muita serventia para a tropa, pois além de ali encontrarem as ruínas, também se
depararam com laranjais ali deixados pelos jesuítas, de cujos frutos se abasteceram. E, para dar
continuidade ao abastecimento da tropa, a exemplo do que já haviam feito nas localidades de São
Bento e Ivaí, também ali foram deixados alguns homens para fazerem plantações. Isto até 1774,
ano em que aquele itinerário foi abandonado.
As próximas expedições passaram a descer o rio Tibagi e o rio Paranapanema para
chegarem ao rio Paraná. Daí em diante o trajeto foi muito mais fácil e a alimentação muito mais
farta, principalmente pela abundância de peixes naqueles rios. E, assim atingiram as Sete Quedas,
onde hoje se encontra a cidade de Guaíra. Contudo, até por falta de planejamento, ou por
negligência, aquele projeto nunca apresentou resultados satisfatórios, e os castelhanos só não se
apossaram daquelas terras porque não quiseram. Tanto isso é verdade, que quando conheci
Iguatemi, em 1973, a localidade ainda não passava de um amontoado de casas velhas, geralmente
feitas de madeira, e uma população que vivia da lavoura de subsistência, falando somente o
castelhano e o guarani.
Naquela ocasião, conversei com vários moradores que tinham nascido ali há mais de 60
anos, mas que apesar da proximidade com o Estado do Paraná nunca tinham ido à Guaíra, mas
conheciam muito bem cidades paraguaias como Salto del Guayrá, Pedro Juan Caballero, Coronel
Oviedo, e até a capital Asunción, para onde periodicamente se deslocavam para adquirir roupas,
utensílios domésticos, alimentos e fazerem tratamentos de saúde.

A REGIÃO OESTE

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E ntende-se por oeste paranaense o território compreendido entre os rios Guarani, Iguaçu,
Paraná e Piquiri. Desde os tempos em que os bandeirantes paulistas destruíram a
Província Real del Guayrá, com o aprisionamento de índios, esta região ficou
praticamente esquecida. Em 1777, a fronteira brasileira com as possessões espanholas foi
estabelecida pelo rio Paraná. A solidez dessa fronteira, passando por um dos rios mais caudalosos
do mundo, levou ao desinteresse de sua colonização durante vários anos. Além dos caminhos
indígenas do Peabiru, nenhum outro caminho ou picada foram abertos durante os períodos
colonial e imperial até as margens do rio Paraná. Por terra, era praticamente impossível chegar-se
àquela região fronteiriça.
Em meados do século dezenove, o Brasil assinou tratados de navegabilidade fluvial entre
a Argentina e o Paraguai. Estes países permitiram ao Brasil a navegabilidade dos rios da Prata (a
parte do rio Paraná que banha a Argentina) e o Paraguai liberou o rio Paraguai para que os
brasileiros pudessem chegar à então isolada Província do Mato Grosso. Em contrapartida, a
Argentina obteve do Brasil a permissão para navegar o rio Paraná até as cataratas das Sete
Quedas. Dessa forma, a região oeste do Paraná ficou mais exposta à penetração argentina, via
fluvial, do que a ligação terrestre com os grandes centros brasileiros.
Por volta de 1880, os argentinos iniciaram a exploração da erva-mate na região nordeste
do seu próprio território. Não demorou muito para que também chegassem ao oeste do Paraná,
atraídos pela enorme quantidade de erva-mate ali existente. O mate paranaense saía do Brasil
como contrabando, pois não havia autoridade alguma instalada na região para conter esse abuso.
Por isso, em 1888, na ausência de Dom Pedro II - que gostava de fotografar as pirâmides do
Egito, experimentando roupas novas em Paris e enchendo a cara com os vinhos das melhores
regiões vinícolas italianas -, após publicar a Lei Áurea, a regente princesa Isabel mandou instalar
perto da foz do rio Iguaçu uma colônia militar para guarnecer a então chamada “fronteira
guarani”. O capitão Belarmino Augusto de Mendonça Lobo, foi o militar escolhido para
administrar aquela colônia, partindo de Guarapuava em 10 de setembro de 1889, em virtude se
ser o núcleo urbano mais próximo.
Já naquela ocasião, comandando um pelotão que ia abrindo uma picada entre Guarapuava
e a fronteira com o Paraguai, Mendonça Lobo logo encontrou grupos de trabalhadores paraguaios
explorando a erva-mate paranaense para os ervateiros argentinos. O primeiro encontro se deu na
altura da atual cidade de Céu Azul, depois foram se multiplicando pelas regiões serranas de
Medianeira, Matelândia e São Miguel do Iguaçu.
Dadas as dificuldades que a densa floresta apresentava a expedição de Mendonça Lobo
só conseguiu alcançar a foz do rio Iguaçu no dia 22 de novembro de 1889. Na área onde hoje está
localizada a cidade de Foz do Iguaçu, já existia uma pequena povoação, cuja população era
composta de 324 habitantes, sendo 189 paraguaios, 126 argentinos e nove brasileiros. Ainda
foram necessários 16 anos para que aquela vila atingisse a cifra de mil habitantes, a grande
maioria paraguaia e argentina, evidentemente, falando somente o espanhol e o guarani. Conta-se
que Mendonça Lobo certa vez perguntou a uma mulher de que nacionalidade ela era, ao que ela
respondeu sem pestanejar: “Yo soy brasileña, señor capitan, y con mucho gusto, gracias a Dios”.
Os primeiros colonos vindos de Guarapuava para os domínios da colônia militar, tinham
que assumir o compromisso de plantarem pelo menos a agricultura de subsistência. Mas tal não
ocorria, porque acabavam abandonando os lotes que tinham recebido indo colher erva-mate nas
matas, contratados pelos obrageros argentinos *. Os próprios militares que para lá iam
destacados, consideravam-se desterrados e, durante os seus dias de folga, para ganharem um
dinheiro extra aproveitavam o tempo disponível para contrabandear erva-mate para a Argentina.

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Como a colônia militar não prosperava, em 1912 o governo federal transferiu aquele
destacamento para a responsabilidade do governo paranaense. Mas este também pouca coisa
podia fazer. Por isso, todas as mercadorias consumidas em Foz do Iguaçu vinham da Argentina.
Só os peixes eram abundantes naquela localidade. E haviam famílias que passavam meses
alimentando-se exclusivamente de peixe e mandioca. Assim, era natural que quando chegasse
algum barco argentino os moradores corressem em direção ao rio Paraná para comprar alguma
coisa: sapatos, roupas, farinha de trigo, bebidas e até tabaco.
Um dos maiores problemas da região oeste era a malária (chuncho, em guarani). A
epidemia ocorria geralmente após o mês de fevereiro, principalmente nas habitações ribeirinhas,
quando mais de 80% da população era atacada pelos mosquitos transmissores.
Naquela época, a única via de comunicação terrestre ainda continuava sendo o caminho
de Guarapuava. A região de Cascavel, hoje a maior cidade do Oeste do Paraná, só viria a ser
colonizada a partir de 1930, quando o caboclo Joaquim Silvério de Oliveira, o Nhô Jeca, fixou
residência no trecho entre Guarapuava e Foz do Iguaçu, em terras do Estado do Paraná, numa
lugar então chamado “Encruzilhada”, atraindo para lá grande número de pessoas.
Parece mentira, mas naquela época os políticos que se sucediam na administração estadual
nunca defenderam a nossa riqueza vegetal. Enquanto os ingleses da Paraná Plantations
contrabandeavam milhões de metros cúbicos de madeiras nobres do norte do Paraná para a
Europa e os argentinos escandalosamente surrupiavam as das matas do oeste paranaense, os
incompetentes curitibanos só se deleitavam com a visão paradisíaca da serra da Graciosa e com
os perfumes das flores dos Campos Gerais. Nenhum tipo de fiscalização pública coibia aqueles
abusos estrangeiros.
A bandeira daqueles políticos sempre foi a flâmula da ociosidade, da covardia, da
insensatez e do maucaratismo. Tudo o que não ficasse entre Paranaguá e Curitiba, ou entre
Curitiba e Guarapuava, não lhes interessava. Afinal, apesar de terem perdido a guerra para os
gaúchos maragatos, os curitibanos tinham os heróis da Lapa para venerar. Também tinham a
história do Contestado para contar a seus filhos e netos, apesar de terem perdido quase todas
aquelas terras para Santa Catarina.
Tinham muitas histórias para contar, só não contavam a história das obrages e a dos
jagunços das companhias imobiliárias que continuavam matando milhares de posseiros e suas
famílias em todo o noroeste, oeste e sudoeste do Paraná. Também não contavam a história da
diabólica Companhia Mate Laranjeira, da Fazenda Brasileira (origem do atual município de
Paranavaí) e do comportamento racista da Madeireira (colonizadora) Rio Paraná S/A (Maripá),
localizada no oeste do Paraná.
Na verdade, a Maripá foi a mais importante obrage imobiliária do oeste paranaense. O
controle acionário daquela empresa, desde o início ficou dividido ente um grupo de origem
italiana e outro de origem alemã. O grupo italiano liderado pela dupla Dalcanale-Ruaro, que
comprou a Fazenda Britânia para nela fundar cidades, ficou com 33% das ações. Cerca de 70%
das ações ficou com o chamado grupo alemão. Apesar de terem linhagens étnicas distintas,
ambos os grupos eram oriundos do Rio Grande do Sul. Uma das características mais marcantes
da colonização promovida pela Maripá foi a dicotomia: italiano-alemão e católico-protestante.
Nos primeiros anos da Maripá, predominou a orientação imprimida por Ruaro: os colonos que
chegavam eram em maior parte gaúchos de origem italiana. Mas, com a ascensão à chefia da
Maripá do chamado “grupo alemão”, houve uma mudança substancial na política de
recrutamento. Por isso, a cidade de Toledo ficou uma mistura de italianos e alemães, enquanto a
cidade de Marechal Rondon tornou-se um reduto de colonos de origem alemã.

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Essa política étnico-cultural-religiosa aplicada pela Maripá, foi arquitetada por Willy
Barth. Ele alterou a política inicial seguida por Ruaro e que se refletiu na composição étnica e
religiosa apresentada até hoje pela cidade de Toledo. A política de Barth não misturava no
mesmo local descendente de italianos e alemães, católicos e protestantes. As comunidades
deveriam aglutinar pessoas da mesma origem étnica e religiosa. Entretanto, Toledo e Marechal
Rondon deveriam conviver pacificamente, com respeito mútuo, porém vivendo isoladamente,
para evitar acasalamentos inter-raciais e a conseqüente geração de indivíduos de raça impura.
Imagine-se então a possibilidade de um brasileiro qualquer e que não tenha sangue alemão, morar
em Marechal Rondon?
Barth fundou o núcleo de Marechal Rondon para rivalizar e concorrer com Toledo, mas
deveria ser um núcleo formado exclusivamente por gente de origem alemã e com características
da religião luterana. Indiscutivelmente, Barth era um verdadeiro racista, transplantando para o
oeste do Paraná as idéias nazistas de Adolf Hitler. Quando os brasileiros de pele morena
visitavam Marechal Rondon, geralmente não eram tratadas com o devido respeito. Se pedissem
alguma informação ou se dirigissem há algum hotel para arrumarem um quarto para passar a
noite, sempre ouviam a mesma observação: “Perdoarr, senhorr, eu não falarr porrtuguês”.

A REGIÃO SUDOESTE

N o final do século dezenove e nas primeiras décadas do século vinte, o único meio de
transporte em todo o sudoeste paranaense ainda era o muar. O mate era transportado em
surrões de couro cru, um de cada lado dos animais. Todos os tropeiros e peões viajavam
a cavalo e bem armados, com uma pistola de cada lado da cintura, um espingarda à tiracolo e um
facão dependurado no arreiame cavalar. Também levavam machados, foices e até serrotes e
traçadores. Isto porque os caminhos eram demasiadamente estreitos e freqüentemente obstruídos
por árvores caídas, que precisavam ser removidas. É claro que alguns caboclos já criavam gado
vacum, muares, suínos e cavalos na região, mas a maioria desses animais era procedente das
províncias argentinas de Missiones, Entre Rios e Corrientes, ou da província brasileira de São
Pedro do Rio Grande do Sul.
Com a vinda dos colonos gaúchos, primitivamente trazidos para a região por Frederico de
Mascarenhas Camello em meados de 1860, e até as primeiras décadas do século vinte, o
contrabando da erva-mate para a Argentina ainda era constante. Os ervateiros preferiam vender a
erva na Argentina: primeiro, porque a viagem era feita em terreno plano; segundo, porque era
uma mercadoria que poderia ser trocada por tropas de cavalos, bois, mulas e jumentos. Junto com
a erva-mate, eles também levavam café, açúcar, ferramentas, cachaça e alguns utensílios
domésticos. No retorno, traziam farinha de trigo, sabão, roupas, querosene e frutas secas.
Ambicionando se apoderar das regiões ervateiras paranaenses, os argentinos
arrebanharam índios guaranis no Paraguai e passaram a invadir extensos territórios daquela
região fronteiriça, principalmente onde hoje se encontra a cidade paranaense de Santo Antônio do
Sudoeste, e pelo interior do hoje denominado oeste de Santa Catarina. Para combater essas
invasões, em 1903 foi fundada, na fronteira com a Argentina, a localidade de Dionízio Cerqueira;
do lado argentino já existia a localidade de Barracón. A parir de 1916, com a povoação de
Dionizio Cerqueira passando para a administração catarinense, os paranaenses fundaram então
uma terceira vila que, a exemplo da localidade argentina, também recebeu o nome de Barracão.
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Por sua vez, Barracón recebeu aquela denominação ainda em 1860, exatamente porque ali existia
um enorme barracão argentino para armazenar a erva-mate surrupiada do território paranaense,
ou para hospedar os seus tropeiros. A partir de 1864, aquele barracão foi usado como depósito de
armamento bélico inglês para abastecer as tropas do general argentino Bartolomeu Mitre, durante
o genocídio que a Inglaterra obrigou a Argentina, o Brasil e o Uruguai a praticarem contra o
inofensivo povo paraguaio.
A década de 1920 marcou o apogeu da exploração da erva-mate nativa do sudoeste
paranaense, manipulada por uma população fronteiriça basicamente constituída de argentinos e
paraguaios. Na década de 1940, com o pulso firme do governo do interventor Manoel Ribas, toda
a população que fosse pega falando o espanhol ou o guarani era presa e expulsa para o outro lado
da fronteira. Dessa forma, Manoel Ribas conseguiu garantir a integridade do território do
sudoeste paranaense, mas a região já não tinha uma produção satisfatória nos seus ervais nativos.
A posse na marra, pura e simples, era o sistema adotado para a aquisição de terras que
vigorava no sudoeste do Paraná no início do século vinte. As terras devolutas e antigas fazendas
improdutivas, ao passarem para seus herdeiros eram subdivididas. Mas essa subdivisão nem
sempre era feita legalmente. Os herdeiros, por sua vez, vendiam pequenos lotes e forneciam aos
compradores apenas contratos feitos em ordinários pedaços de papéis, a maioria deles escritos em
simples papel de padaria ou de maços de cigarros. Esses contratos não valiam nada. Dessa forma,
ao tomar posse do seu quinhão, o comprador tinha que o defender com ferro e fogo, sendo por
isso chamado de posseiro.
Na década de 1920, os terrenos da Colônia Pato Branco já estavam praticamente
ocupados. As regiões vizinhas de Vitorino, Chopinzinho, Dois Vizinhos, Enéas Marques,
Renascença, Itapejara do Oeste e Coronel Vivida também passaram a ser ocupadas por posseiros.
Quando os colonos gaúchos e catarinenses começaram a chegar à região já encontraram essas
terras “posseadas” pelos caboclos paranaenses. Iniciou-se então um processo de compra de posse,
por parte dos colonos sulistas. Na época, um posse para ser considerada “boa”, era preciso que
tivesse águas e fosse de “mato branco”, isto é, que não tivesse muitos pinheiros (araucárias)
nativos, pois este tipo de árvore tinha que ser derrubada e queimada para que a terra pudesse ser
aproveitada.
Feita a derrubada, os caboclos tocavam a sua terra com um arado puxado por um cavalo
ou um boi. Ao vendê-la para os sulistas, simplesmente registravam num simples papel de cigarros
sua desistência e embrenhavam-se no sertão, procurando abrir uma nova posse mais adiante. O
caboclo nunca resistia a uma oferta de compra de sua posse. Era só o colono sulista lhe fazer uma
proposta e o negócio estava feito. A terra era então muito barata, não valendo quase nada.

A
NOTA
ntiga legislação portuguesa, desde o século dezoito permitia esse tipo de propriedade. A “posse” também
passou a ser tolerada pela legislação brasileira, pelos seguintes motivos: 1 – as antigas propriedades do país
produziam preferencialmente para a exportação (café, cacau, açúcar, etc.); 2- a produção de subsistência
(arroz, feijão, milho, etc.) era descuidada nos grandes latifúndios; 3 – o tropeiro em suas andanças pelos sertões
abastecia-se principalmente dos produtos do posseiro; 4 – o posseiro derrubava a mata, abria caminhos, sem despesas
para o governo ou para os latifundiários; 5 – o posseiro era geralmente a vanguarda da colonização; 6 – os indivíduos
mais incômodos e perturbadores dos núcleos organizados deslocavam-se para esta frente da colonização: a posse era
um verdadeiro escape que aliviava as tensões sociais nas regiões já ocupadas; 7 – a posse era definitiva: quando os
agricultores com capital chegavam a uma região de vanguarda e expulsavam o posseiro à força.
Naquela época, o termo castelhano “obrage” (lugar próximo à barranca de um rio, onde se corta e prepara a madeira
destinada a descer por água) foi um tipo de exploração de homens e de propriedades alheias que se desenvolveu durante o século
dezenove e boa parte do século vinte no oeste do Estado do Paraná, pelos argentinos provenientes das províncias de Entre Rios e

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Missiones. A função do “obragero” era explorar a erva-mate e a madeira ali existentes. Esse tipo de exploração extrativista acabou
se perpetuando, sem que o governo paranaense pudesse conte-lo.
Como já foi explicado, a Argentina, em virtude dos navios brasileiros poderem navegar pelos rios da Prata e Paraguai,
adquiriu o direito de navegar pelo rio Paraná até as cataratas das Sete Quedas. Com isso, os argentinos se sentiam à vontade para
explorar as matas paranaenses, pois não havia fiscalização para impedi-los de praticar aquele extrativismo ilegal. Centenas de
índios paraguaios, os então chamados “mensus” *, eram contratados para trabalhar como verdadeiros escravos, levando consigo
alimentos e ferramentas para a colheita da erva-mate paranaense. Desembarcavam do vapor argentino na margem esquerda do rio
Paraná, subiam suas barrancas e penetravam na mata. Naquele local geralmente nascia um “pueblo”, que era o porto pelo qual
escoava a erva-mate e, posteriormente, a madeira de lei. Desta forma, toda a margem esquerda do rio Paraná, de Foz do Iguaçu à
Guaíra, encheu-se de “portos”, alguns deles de vida efêmera, outros de maior durabilidade. Em poucas décadas, a fronteira
paranaense foi ocupada por dezenas dessas “obrages”, e povoada por centenas de argentinos e milhares de índios guaranis
paraguaios escravizadas.
Quando nas obrages do rio Paraná havia necessidade de mensus * (os assalariados, o empregados), estes eram
recrutados junto aos caciques das tribos paraguaias, que os vendiam aos argentinos conforme a idade que tinham. Um mensu com
idade entre 18 e 25 anos valia o dobro de outro com 25 anos ou mais, e assim por diante. Geralmente os argentinos não pagavam
os caciques com dinheiro vivo, mas com a cachaça que “importavam” das comunidades brasileiras de Palmas, Guarapuava e
União da Vitória. Esta frente extrativista de erva-mate era, pois, de capital argentino, mão-de-obra paraguaia e matéria-prima
brasileira. Apesar do sofrimento, mesmo quando ficava desempregado o mensu não regressava à sua aldeia de origem, pelos
seguintes motivos: 1 - Sempre encontrava trabalho no escritório de outro recrutador [comisionero]; 2 - Quando o comisionero
aceitava o mensu, realizava-se o “conchavo”, ou seja, ocorria o tradicional “antecipo” [boletos emitidos pela empresa obragera,
que valiam como dinheiro na região] – nenhum mensu trabalhava sem o antecipo.
E, enquanto aguardava o vapor que o levaria até a obrage, tinha uma semana de folga para gastar o antecipo em
bebedeiras e farras nos próprios armazéns da empresa obragera. Tudo isso fiscalizado pelos jagunços dos obrageros.
Aparentemente, os obrageros gastavam muito dinheiro [no caso, mercadorias] com os mensus. Mas era só na aparência,
porque, na realidade, o que faziam era transformá-los em dependente daqueles boletos, transformando-os em verdadeiros
escravos. Quando o miserável e ignorante mensu gastava até o último tostão, para receber outro boleto era obrigado a seguir para
o eito e trabalhar por meses a fio. Ele era obrigado a comprar suas mercadorias no armazém da obrage e suas mulheres eram
proibidas de plantar qualquer coisa, e até mesmo criar galinhas, para aumentar a dependência do mensu, permanentemente preso à
obrage por uma conta praticamente impagável. Explorado ao máximo, quando o mensu manifestava qualquer descontentamento
era amarrado e chicoteado, como se fosse um verdadeiro animal.
* Palavra guarani, acastelhanada, que designava o indivíduo de pele acobreada, desconfiado e traiçoeiro que percorria o
sertão como empregado contratado do obragero.

O DESLEIXO BRASILEIRO

A grande preocupação dos obrageros era dificultar ao máximo o acesso de indivíduos


brasileiros àquela região. O Brasil não podia tomar conhecimento do que ocorria nas
obrages. Até a eventual visita de turistas que quisessem conhecer as Sete Quedas ou as
Cataratas do Iguaçu eram dificultadas. Eles eram atacados ao longo da picada mal construída,
com mais de 400 quilômetros, que seguia em direção à Guarapuava. Até 1920, o único acesso
confiável à Foz do Iguaçu era pelo rio Paraná, via Buenos Aires. O acesso à Guaíra era ainda
mais complicado, pois a população das obrages já ultrapassava 10 mil habitantes, quase todos
mensus paraguaios.
As principais obrages ao longo do rio Paraná, entre Foz do Iguaçu e Guaíra, eram: 1 – a
obrage dos irmãos Miguel e Valdemar Matte, sócios da Companhia Mate Laranjeira; 2 – a obrage
da Braviaco, a empresa que construiu para a empresa norte-americana Brazil Railway o ramal
ferroviário da São Paulo-Rio Grande, ligando Ponta Grossa à Guarapuava; 3 – a obrage da
Companhia de Colonização Espéria Ltda., originada em 1926, cujos proprietários eram
argentinos e italianos; 4 – a obrage do argentino Domingo Barthe, que explorava a erva-mate a
oeste da atual cidade de Cascavel; 5 – a obrage Lopeí, da empresa argentina Nuñes y Gibaja,
desde 1905, situada onde hoje estão os municípios de Corbélia e Cafelândia; 6 – a Fazenda
Britânia, cujos proprietários ingleses também eram os donos da Compañia de Maderas del Alto
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Paraná. Seu preposto na região era o poderoso político de Foz do Iguaçu Jorge Schimmelpheng; 7
– o Puerto Artaza, escoamento da pequena obrage de 400 alqueires pertencentes ao argentino
Júlio Tomas Allica, que também explorava os ervais das terras da Braviaco - de Cascavel até
Campo Mourão. O Puerto Artaza tornou-se símbolo obragero argentino no oeste do Paraná; 8 – a
Companhia Mate Laranjeira, que exportava a erva-mate mato-grossense e paraguaia para a
Argentina. A mesma empresa que fundou Porto Jofre em 1909, mais tarde denominado Porto
Guaíra, e hoje simplesmente Guaíra.
Em 1920, quando os cafezais do hoje denominado norte velho do Paraná começaram a
produzir, a erva-mate ainda era o principal produto da economia paranaense - apesar das
roubalheiras praticadas pelos argentinos. A indústria de manufaturas, que também dava seus
primeiros passos, começava a fabricar fósforos, sabão, velas, massas alimentícias e utensílios
domésticos, mas somente em Curitiba e nos seus arredores. O pinheiro (araucária), nativo do sul
do Brasil, ainda não era explorado como mercadoria de exportação. Apesar da grande quantidade
daquela madeira no Paraná, os paranaenses mais abastados ainda continuavam importando o
pinho de Riga da Europa, para a construção de móveis. A araucária só era usada para construções
de casas, pontes e cercas. Surpreendentemente, os paranaenses davam preferência àquela madeira
importada, em detrimento da nacional, que é de qualidade bem superior. Só faltava os curitibanos
importarem a erva-mate roubada do oeste paranaense e embalada na Argentina.
Nas obrages, os argentinos organizavam “ranchos”, onde eram instalados o sapecador, o
barbiquá e o cancheador de erva. No rancho eram também construídas casas rústicas onde
residiam os mensus. Destes ranchos é que partiam as picadas de penetração. Nas margens destas
picadas, eram formados os “ranchitos”. A erva era colhida nas “minas” ao redor desses ranchitos,
numa distância de até dois quilômetros. Colhidos os galhos, no final da jornada eles precisavam
ser transportados até os ranchitos. Esse trabalho, realizado pelos “mineros” (carregadores),
consistia em colocar as folhas numa espécie de fardo trançado com fitas largas de couro cru. Esse
fardo, chamado pelos mensus de “raído”, era feito de tal forma que seu peso iria repousar na
cabeça do minero por uma correia que era passada pela testa, ombros e costas, pesando de 100 a
120 quilos. Com o tempo de trabalho, o transporte do raído provocava o surgimento de uma
calosidade nos ombros do minero, deixando-o parecido com um bromedário.
Dos ranchos, a erva era transportada por carroças (depois caminhões) até o porto de
embarque, de onde os vapores argentinos a levava para Posadas, hoje a capital da Província de
Missiones. Na alfândega de Foz do Iguaçu (localizada no antigo Porto Meira), o mate era
apresentado como sendo proveniente do Paraguai e colhido pela empresa Mate Laranjeira, onde a
colheita era feita por mensus. Desta forma, era fácil o mate das obrages paranaenses ser
apresentado como paraguaio.
Na década de 1930, iniciou-se a decadência dos contrabandos de erva-mate. Os argentinos
haviam surrupiado sementes e mudas ao Paraná e plantado numerosos ervais em Missiones,
começando a Argentina a abastecer-se de erva-mate a si mesma. Sem ter mais o que fazer no
oeste paranaense, começaram então a nos surrupiar madeiras de lei, através daquelas antigas
obrages. As árvores começaram então a ser cortadas no sertão do oeste paranaense com bastante
freqüência e transportadas para as barrancas do rio Paraná através de um sistema denominado
“alçaprema” (alavanca para levantar pesos consideráveis). Consistia este meio de transporte de
um eixo de madeira em cujas extremidades eram colocadas duas rodas de raios de madeira, de
2,5 metros de diâmetro. Em cima do eixo eram amarradas as toras de madeira, para serem
puxadas por bois ou cavalos. Conforme o tamanho das toras, a alçaprema deslocava uma, duas ou
até três toras de cada vez.

47
Com o esgotamento de madeira naquelas paragens, as obrages começaram a surrupiar
madeira em até 100 quilômetros de distância das margens do rio Paraná. Quando algumas
milhares dessas toras já estavam empilhadas à beira rio, iniciava-se o processo de “tombada” para
as águas do rio. As toras eram então amarradas umas às outras, formando uma enorme jangada,
que os gatunos argentinos chamavam de “maromba” (esperteza, malandragem). Esta geralmente
continha mil, duas mil ou até mais de três mil toras de madeira de lei como cedros, perobas,
canelas, caviúnas, ipês, sassafrases e paus-marfim, entre outras.
A maromba descia o rio facilmente e, quando chegava a Posadas, os serradores a
desmontavam e levavam as toras para terra firme, onde eram serradas. Utilizando a baratíssima
mão-de-obra paraguaia, os argentinos roubaram tanta madeira ao Paraná, que, por volta de 1950,
quando os primeiros colonos brasileiros chegaram à região de foz do Iguaçu não encontraram um
só árvore de madeira de lei em pé, só madeira branca e mata arbustiva imprestável. Ainda hoje é
fácil comprovar o que estou dizendo: pago um sorvete para quem encontrar uma árvore que
preste no Parque Nacional do Iguaçu. Dali também os argentinos roubaram toda a madeira de lei
que existia, só deixando a capoeira que hoje conhecemos. Mesmo assim, aquela capoeira ainda
deixa os turistas estrangeiros maravilhados. Imagine o que eles diriam se vissem as enormes
árvores de antigamente?

OS CAMPOS DE GUARAPUAVA

P ode-se dizer sem medo de errar que a história de Guarapuava se confunde com a própria
história de Curitiba. Mas por ser uma região longínqua e de difícil acesso, somente em 27
de outubro de 1810 é que ali foi implantado um arraial com o nome de Atalaia - fortificado
por Diogo Pinto de Azevedo Portugal. Em 1852, Atalaia foi elevada à vila, e pela lei imperial nº.
54, de 2 de maio de 1859 à de comarca, mas já com o nome de Guarapuava. Depois de sucessivos
desmembramentos, o município de Guarapuava conta ainda com quase seis mil quilômetros
quadrados de território, sendo, portanto, o maior município do Paraná. Contando com uma
população em torno de 200 mil habitantes, o município guarapuavano conta hoje com
importantes distritos, destacando-se a colônia alemã de Entre Rios, de grande expressão
agropecuária, industrial, cultural e econômica.
Ocupados os campos de Guarapuava, em 1839 surgiu a notícia de que em direção ao
sudoeste existiam outros campos propícios à pecuária. Dois grupos interessados formaram-se
para explorá-los: um liderado por José Ferreira dos Santos e o segundo por Pedro de Siqueira
Cortes. Ambos os grupos revelaram muita pressa para concretizar esse objetivo. Essa pressa
justificava-se pelos seguintes fatos: 1 – se os brasileiros não ocupassem aqueles campos, com
certeza os argentinos o fariam: o problema de fronteiras internacionais entre os vales dos rios
Iguaçu e Uruguai ainda estava indefinido; 2 – a população paranaense estabelecida em
Guarapuava não poderia impedir que os argentinos ocupassem aqueles campos.
Apesar de não conseguirem colonizar nem um por cento dos campos que mantinham sob
seus domínios, aqueles dois grupos logo se desentenderam. A ganância latifundiária era tanta que
foi necessário a intervenção do governo provincial, que nomeou João da Silva Carrão e Joaquim
José Pinto Bandeira para arbitrarem a questão. Por outro lado, os índios, legítimos proprietários
daqueles terras, também se dividiram em relação aos incômodos latifundiários brancos. Na
impossibilidade de expulsá-los, surgiu então entre os índios um grupo que resolveu colaborar
com os invasores brancos, ajudando-os a ocuparem os campos de Palmas, e outro que preferiu
continuar hostilizando-os. O primeiro grupo era chefiado pelos caciques Vitorino e Viri,
enquanto o segundo ficou sob o comando do cacique Vaitom.
48
Com o apoio dos índios ou sem ele, a verdade é que após a emancipação do Paraná o
presidente da nova província incentivou aqueles fazendeiros dos campos de Guarapuava para que
também ocupassem os campos de Palmas. Mais tarde esses fazendeiros ainda descobririam
alguns campos e faxinais mais para o oeste de Palmas, denominando-os de Campo Erê. Para
comunicar Palmas com essas novas regiões, surgiram estes novos caminhos: 1 – o que ligava
Palmas com Guarapuava; 2 – o que comunicava Campo Erê com a Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul, via cidade de Nonoai; 3 – o que encurtava o caminho para Curitiba,
atravessando o rio Iguaçu no vau de Porto União, via Palmeira.
O caminho em direção ao Rio Grande do Sul denominou-se “Caminho das Missões”,
tornando-se, com o passar do tempo, numa importante variante para a “Estrada Geral”, o caminho
que ligava Sorocaba a Viamão, por onde transitavam muitos tropeiros; enquanto o caminho que
ligava Palmas a Curitiba, via Porto União e Palmeira, recebeu a denominação de “Estrada de
Palmas”, encurtando o caminho de Palmeira para Curitiba quase pela metade, apesar de
permanecer intransitável nos períodos chuvosos. Para quem hoje conhece aquela região, fica fácil
imaginar o absurdo que se praticava naquela época, quando os habitantes de Palmeira tinham que
viajar até Guarapuava para dali seguirem com seu gado até Curitiba, percorrendo uma distância
extra de 170 quilômetros, só de ida. A Estrada de Palmas, entretanto, prejudicou o comércio de
Guarapuava, onde os palmenses costumavam vender o seu gado, evitando assim que ele chegasse
muito magro em Curitiba. Assim, os guarapuavanos começaram a boicotar o trânsito naquela
estrada, causando muitos prejuízos aos habitantes de Palmas.
De qualquer forma, nas margens da Estrada de Palmas começaram a fixar-se inúmeros
caboclos posseiros que iniciaram um lento povoamento no médio Iguaçu. Já o Caminho das
Missões, que passava a cerca de 40 quilômetros a oeste de Palmas, obrigava os tropeiros há
perder um dia para entrar na cidade e outro para sair. Então os habitantes de Palmas resolveram
mudar a localização da povoação, transferindo-a para as margens da Estrada das Missões. Tal
pretensão foi impedida de se realizar pelos latifundiários da região. Então alguns comerciantes de
Palmeira começaram a invadir as terras juntos às margens daquela estrada, levando com eles
alguns caboclos e bandidos foragidos das cadeias do Rio Grande do Sul, que ali se fixaram,
dando origem à atual cidade de Clevelândia.
No ano de 1860, entretanto, um novo acontecimento iria estimular o aumento
populacional dos sertões do rio Uruguai, justamente porque o gaúcho Frederico de Mascarenhas
Camello construiu algumas embarcações em Nonoai e começou a navegar o rio Uruguai,
carregando a erva-mate paranaense para o vilarejo gaúcho de São Borja. Como recompensa pelos
serviços prestados à Província do Paraná, Camello recebeu de Francisco Cardoso, então
governador provincial paranaense, a concessão para a exploração da erva-mate daquela região. A
partir daquela impensada autorização governamental, Camello formou um verdadeiro cartel da
erva-mate, trazendo para aquela região inúmeros colonos gaúchos e argentinos que acabaram
juntando-se aos caboclos paranaenses e índios paraguaios, depredando quase todo o erval então
existente naquela região.

SINÓPSE HISTÓRICA DE ALGUMAS DAS CIDADES CITADAS

E m 27 de outubro de 1810 a implantação de um núcleo fortificado denominado Atalaia, por Diogo Pinto de Azevedo
Portugal, deu início ao que é hoje o município de Guarapuava. Em 1852 foi elevado à vila e à comarca pela lei n.º4, de 2
de maio de 1859. Depois de sucessivos desmembramentos, ainda conta com 5.373 quilômetros de área territorial,
possuindo cerca de 200 mil habitantes; na verdade, a fundação de Clevelândia deve-se ao movimento de tropas militares que
vigiavam a fronteira Brasil-Paraguai. Elevada à freguesia, com o nome de Bela Vista de Palmas [lei provincial n.º 799, de 16 de
outubro de 1884], passou a município em 28 de junho de 1892. Mas só tomou o nome de Clevelêndia pela lei 862, de 29 de março
de 1909.

49
A FRONTEIRA DO PARANÁ COM A ARGENTINA

F oi pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), que se definiram as fronteiras entre as terras
portuguesas e as espanholas no sul do Brasil. Por esse tratado ficaram definidos como
pontos fixos e definidos os rios Goyo-En (atual rio Uruguai), o rio Paraná e um trecho do
rio Iguaçu. Entre os rios Iguaçu e o Goyo-En, o referido tratado estabelecia que a fronteira
passasse pelo rio Peperi-Guaçu (afluente do Goyo-En) e pelo rio Santo Antônio (afluente do rio
Iguaçu).
Entretanto, as expedições mistas, demarcadoras dessa fronteira, por ambas as partes,
nunca chegaram e definir e colocar marcos de pedra para se saber exatamente quais os rios que
receberam estas denominações. Dessa forma, o território compreendido entre os rios Iguaçu e
Goyo-En não teve definida sua fronteira em 1777. Por cerca de 80 anos não se falou mais no
assunto. Em 1857, quando a Província do Paraná já estava independente da Província de São
Paulo, o governo imperial brasileiro, aproveitando-se de uma guerra civil que grassava na
Argentina reiniciou conversações a respeito. Os debates foram entabulados com o governo
separatista platino sediado na cidade argentina de Paraná, na Província de Entre Rios. Iniciava-se
a chamada “Questão de Palmas”.
O Brasil defendia a tese de que os rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio eram aqueles que
atualmente levam tais denominações. Mas o governo separatista argentino, embora concordasse
com a posição brasileira, não assinou nenhum acordo neste sentido com o Brasil. Foi somente em
1891, quando a Argentina já estava reunificada, que o governo de Buenos Aires definiu
claramente a sua interpretação sobre o Tratado de Santo Ildefonso (1777). Segundo os argentinos,
o rio Peperi-Guaçu dos brasileiros era o rio Chapecó, e o Santo Antônio, o rio Chopin*.
Desta forma, complicou-se a questão de fronteiras entre o Brasil e a Argentina, passando
os dois países a disputar uma área de 30.621 km2. Em 1888, a Argentina tentou ampliar o
território contestado, afirmando que o rio Chopin era, na verdade, o Jangada. Mas essa
“invencionice” argentina acabou não merecendo credibilidade por parte dos brasileiros.
Com a tentativa argentina de enganar as nossas autoridades, o Brasil resolveu precaver-se
com relação a um possível rompimento de relações diplomáticas com aquele país vizinho. Uma
possível invasão por parte dos platinos ao território em disputa bi-nacional, foi exaustivamente
estudada. Inicialmente, o Brasil não parecia temer essa invasão, já que a população daquele
território era formada basicamente por brasileiros, e a língua mais falada ali era o português. E
também existiam dois núcleos populacionais formados por paranaenses: Palmas e Clevelândia.
Mas o governo imperial, em 1859, ainda fez instalar naquela região duas colônias agro-militares,
ou seja, as colônias de Chapecó e Chopin. Entretanto, com a advento da guerra contra o Paraguai
(1864-1870), o Brasil aliou-se à Argentina e ao Uruguai (Tríplice Aliança), para combater o
adversário comum: o Paraguai. Nesta época de conturbação sul-americana, a questão de Palmas
foi temporariamente esquecida.
Terminada a guerra, novamente a questão de fronteiras voltou a preocupar o governo
brasileiro. Havia necessidade de uma comunicação rápida entre aquela região em disputa e os
grandes centros brasileiros. Naquela época só havia o antigo caminhos dos tropeiros, Sococaba-
Viamão, que passava pelo Paraná. O tipo de transporte era muito moroso e deficiente. Fazia-se
então necessário realizar a ligação do interior com o Oceano Atlântico, através de dois tipos de
transporte: 1 - Uma ferrovia que ligasse o porto de Paranaguá com a capital, Curitiba; 2 -
Implantação de navegação fluvial no rio Iguaçu (que corre do planalto curitibano para o oeste)
em vapores, até a localidade de Porto Vitória (hoje União da Vitória), numa extensão de 350

50
quilômetros. Concluídos os projetos, foi rápida a ação do governo imperial, pelos seguintes
motivos: 1 – Em 1880 teve início a construção da ferrovia Paranaguá-Curitiba; 2 – Em 1882 teve
início a navegação fluvial do rio Iguaçu; 3 - Ainda em 1882, foram instaladas definitivamente as
colônias militares de Chapecó e Chopin.
Durante a guerra contra o Paraguai, aquela região passou a ser povoada não somente por
caboclos e índios brasileiros, mas também por soldados negros desertores, receosos de
continuarem sendo escravizados quando o conflito terminasse - apesar da promessa de alforria
que o governo imperial havia lhes prometido. Também era para aquela região que o duque de
Caxias, quando comandante das tropas brasileiras no Paraguai, mandava os cavalos que seus
subordinas recolhiam dos soldados mortos, para posteriormente os vender aos estancieiros do Rio
Grande do Sul.
Em 1880, enquanto os brasileiros estudavam os planos de defesa da região disputada, os
argentinos criaram uma frente de penetração de mão-de-obra civil em massa pelo rio Goyo-En, a
fim de extrair a erva-mate então abundante naquela área. Como aquele território ainda estava
praticamente abandonado pelo Brasil, não foi difícil para os argentinos iniciarem aquela invasão.
Dessa forma, além da invasão dos ervateiros argentinos, para lá também debandaram criminosos
brasileiros e paraguaios, além de escravos fugitivos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. Nesse território sem ordem e sem lei, também circulavam boatos de uma possível
invasão armada argentina. E isso realmente aconteceu em 1881, quando um bando de mil e tantos
soldados argentinos ocuparam e trucidaram a população civil de Campo-Erê, fato que provocou a
debandada de quase a totalidade da população de Palmas. Inúmeras famílias refugiaram-se nos
campos de Guarapuava, São João do Triunfo, União da Vitória e Palmeira. Nesse mesmo ano, a
situação complicou-se ainda mais, quando os argentinos criaram a “Gobernación de Missiones”,
numa área que haviam tomado dos paraguaios durante a guerra, localizada entre os rios Iguaçu,
Uruguai e Paraná.
O Brasil não interferiu na disputa entre a Argentina e o Paraguai, com referência à
província argentina recém criada, mas a situação na região brasileira pretendida pelos argentinos
tornou-se tensa. Na fronteira, as populações, tanto a argentina como a brasileira, transformavam
qualquer bate-boca em incidente internacional. Qualquer atividade de um dos lados era vista com
suspeita pelo outro. Nessa situação, e com nenhum dos dois governos envolvidos encontrando
uma solução que não fosse a guerra, foram as próprias populações civis dos dois lados que,
unindo-se pela causa comum, propuseram a seus próprios governos que fosse encontrada uma
solução pacífica para a região. E foi assim que os dois países criaram, em 1885, uma comissão
mista para estudar mais profundamente a questão de fronteira naquela região.
Uma das soluções encontradas aconteceu em 1889, pouco antes da proclamação da nossa
República: o governo argentino propôs a divisão daquele território, mediante a criação de uma
linha de fronteira que fosse a mediana geográfica das pretensões territoriais de ambos os países.
Como o governo brasileiro rejeitou aquela proposta, concordaram ambos os países em submeter o
problema a um arbitramento internacional. O novo governo republicano brasileiro, instalado em
15 de novembro de 1899, apesar de ser constituído basicamente por militares, se acovardou –
apesar do arbitramento ter sido aprovado pelo Congresso Nacional – e concordou em que o
território contestado fosse dividido meio a meio. Esta posição governamental brasileira foi muito
festejada na Argentina, como uma autêntica vitória militar. Mas os deputados e senadores
brasileiros não aceitaram a divisão do território por 142 votos contra apenas cinco contrários.
Assim, para resolver o problema da região contestada, foi novamente sugerido o arbitramento
internacional. Mas o árbitro não poderia dividir o território. O ganhador seria o Brasil ou a
Argentina, na totalidade da região disputada.
51
O árbitro escolhido por ambos os países envolvidos foi o então presidente dos Estados
Unidos, Gruir Cleveland. Para organizar a argumentação brasileira foi escolhido o barão do Rio
Branco, conhecido batalhador em defesa das fronteiras brasileiras. No dia 6 de fevereiro de 1895,
o presidente norte-americano apresentou a sentença do seu arbitramento. O Brasil foi o ganhador.
1 – Portugal obtivera da Espanha os territórios a oeste da linha de Tordesilhas, porque possuía o uti possidetis (a terra deve
pertencer a quem a conquistou), isto é, detinha o domínio ou posse dessas terras; 2 – o Brasil obtivera ganho de causa contra a
Argentina na “Questão de Palmas” em virtude de possuir a seu favor o mesmo princípio do uti possidetis. A administração e a
população desse território eram brasileiras e paranaenses, e não catarinenses e, muito menos, argentinas; 3 – a constituição
brasileira de 1891 previa que os casos de fronteira entre os estados e a federação seriam resolvidos politicamente e não
judicialmente. Logo, as fronteiras estaduais só poderiam ser definidas, mediante aquiescência das respectivas assembléias
legislativas.

SINÓPSE HISTÓRICA DE ALGUMAS DAS CIDADES CITADAS

P almeira foi elevada à freguesia em 1833, com o nome de Nossa Senhora da Conceição. Antigo caminho de tropeiros, a
povoação surgiu ao longo do caminho que ia de Viamão a Sorocaba, passando por Ponta Grossa e Jaguariaíva. Elevada a
município pela lei imperial n.º 238, em 9 de novembro de 1977 e a comarca pela lei republicana n.º 952, de 23 de outubro
de 1889, seu município ainda conserva vestígios da época tropeira, especialmente na sua arquitetura. Situada nos Campos Gerais,
possui 1.552 quilômetros quadrados de área e cerca de 50 mil habitantes.
Também elevada à freguesia em 1833, mas ainda com o nome de Sant’ana, Ponta Grossa ainda continuou pertencendo
à vila de Castro por muitos anos, criando-se nela uma escola de primeiras letras em 1842. Hoje conhecida como a “Princesa dos
Campos”, a cidade foi fundada em 1812, sendo elevada a município pela lei provincial n.º 34, de 7 de abril de 1855. Localizada
nos Campos Gerais, possui uma área de 2.112,6 quilômetros quadrados, onde estão assentados cerca de 300 mil habitantes. O
município apresenta um grande desenvolvimento, tanto no perímetro urbano como no rural, contando com um favorável
equilíbrio econômico, incentivo à industrialização e ampliação constante do mercado agropecuário. É no município de Ponta
Grossa que se encontra o Parque Nacional de Vila Velha, uma grandiosa obra que a natureza esculpiu ao longo de milhões de
anos.
Piraí do Sul tinha o nome de Lança, e a exemplo de Ponta Grossa e Furnas, também pertencia à vila de Castro. Furnas,
hoje pertencente ao município de Ponta Grossa, nunca foi propriamente uma povoação, mas apenas três profundas crateras
envoltas num ambiente místico, onde é possível fazer uma visita ao interior de uma delas, através de um moderno teleférico.
Localizada na região dos Campos Gerais, Piraí do Sul passou a ser a freguesia do Senhor Menino Deus de Piraí, em 12
de abril de 1872. Elevada a município em 5 de março de 1881, pela lei provincial n.º 631, sendo elevada a comarca em 23 de abril
de 1947, recebeu o nome definitivo. Tem um território de 1.437 quilômetros quadrados e uma população de 30 mil habitantes.
A cidade de Castro foi formada junto ao rio Iapó. Em 1771, com o nome de Sant’ana do Iapó, a localidade transformou-
se em freguesia. Foi elevada a município em 20 de janeiro de 1854, através da lei provincial n.º 1. Também localizado nos
Campos Gerais, o município possui 3.169 quilômetros quadrados de área e conta com aproximadamente 80 mil habitantes.
Segundo o historiador Sebastião Paraná, pouco se sabe a respeito dos primeiros povoadores de Castro. Rocha Pombo
afirmava que foram os padres jesuítas procedentes de Ciudad Real del Guayrá os primeiros brancos a colocarem os pés naquela
região, quando fundaram a redução de São Miguel Arcanjo nas suas proximidades. O certo é que, além dos padres jesuítas,
também os bandeirantes paulistas percorreram o território que hoje forma os municípios de Castro, Tibagi, Carambeí, Piraí do Sul
e Telêmaco Borba, até as cabeceiras do rio Tibagi, em busca de ouro, pedras preciosas e aprisionamento de índios.
Igualmente localizada nos Campos Gerais, o município de Tibagi teve a sua fundação em 1782. Com a lei provincial n.º
15 [ainda paulista], de 16 de março de 1846, o povoado foi elevado à freguesia e em 18 de março de 1872. Possui 3.673
quilômetros quadrados de área, contando com 25 mil habitantes.
Rica em mineração, Tibagi foi o maior teatro de incursões bandeirantinas, ambiciosas por seus “caldeirões” dia -
mantíferos. Entretanto, nada existe de positivo na História do Paraná, ou mesmo na do Brasil, que comprove o real
estabelecimento de jesuítas em Tibagi. Tudo é especulação. Segundo Varnhagen, em sua “História Geral do Brasil”, os jesuítas
começaram a instalar-se nos Campos de Piratininga, a partir de 1544, dez anos antes da fundação da cidade de São Paulo,
auxiliados por Tibiriçá e pelo genro deste, o português João Ramalho. Dos Campos de Piratininga, os jesuítas penetraram, através
do rio Paranapanema, na região hoje denominada norte do Paraná, então Província Real del Guayrá, território pertencente à Espa-
nha, sob jurisdição do vice-reinado do Rio da Prata. É bem possível que, passando também pelas cabeceiras do rio Tibagi,
procurando descer por este até o rio Paraná para chegarem à Ciudad Real del Guayrá, os jesuítas tivessem lançado os fundamentos
de Castro e Tibagi, ao sul da citada região, mesmo porque entre essas duas localidades existiu um lugar denominado “Igreja

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Velha” provavelmente construída por esses mesmos jesuítas. Essa lendária e misteriosa igreja também pode ter sido alguma antiga
capela espanhola, alicerçando-se na hipótese de que os vales dos rios Iapó, Tibagi e a serra das Furnas já por aqueles primitivos
tempos da colonização do Brasil fossem conhecidos de algumas expedições espanholas, como a de Álvar Cabeza de Vaca, por
exemplo. Com toda a certeza já eram conhecidos quando os bandeirantes começaram a invadir a Província Real del Guayrá, pois
em 1629, quando rompeu a “guerra” contra as reduções jesuíticas, a Igreja Velha já era uma redução importante. O historiador
inglês Southey, que andou por aquelas paragens, muito vagamente conta na sua “História do Brasil” que a região já era conhecida
do aventureiro alemão Ulrico Schmidel, que em 1581 fez uma viagem de Assunção às terras de João Ramalho. Millet de Saint-
Adolphe, conforme transcrição de Rocha Pombo em “O Paraná no Centenário”, diz: "... a povoação de Castro começou por
aldeamento de índios 'guarapuavas'..." (?). Pelo sim, pelo não, a verdade é que aquela região, catequi zada pelos jesuítas ou
desbravada pelos bandeirantes paulistas com a notícia da fartura de pedras preciosas nos caldeirões do rio Iapó, foi sendo
colonizada paulatinamente por inúmeras famílias vindas dos campos de Piratininga. Entre elas, a família do português Manoel
Gonçalves Guimarães, considerado o fundador da cidade de Castro. O nome teria sido dado à localidade por Guimarães para
homenagear o marquês de Castro, do qual havia sido agregado em Portugal.
Telêmaco Borba chamou-se inicialmente Cidade Nova, depois Monte Alegre e, finalmente, o nome atual. Foi elevada a
distrito de Tibagi em cinco de julho de 1963. Também localizado nos Campos Gerais, o município possui1. 689 quilômetros
quadrados de área, contando com uma população de cerca de 80 mil habitantes.
Em 1817 começou a formar-se a às margens do histórico caminho dos tropeiros a povoação de Jaguariaíva, em terras
então pertencentes ao coronel Luciano Carneiro, que havia mandado construir ali uma capela em louvor ao Bom Jesus da Pedra
Fria. No início do século dezenove, o fazendeiro resolveu construir outra capela junto ao rio Jaguaria íva. Foi transferida para essa
nova capela a imagem que se achava no oratório da capela primitiva. Com o falecimento do coronel, começaram os
desentendimentos entre os seus descendentes, motivados pela repartição das terras, terminando com a destruição da nova capela,
criminosamente incendiada por um cunhado de Luciano Carneiro. Então, tomando as rédeas da questão, a viúva do coronel,
solicitando autorização das autoridades provinciais, removeu a sede do povoado para a margem esquerda do Rio Jaguariaíva, local
onde hoje se encontra a sede daquela cidade.
Jaguariaíva foi elevada à freguesia em 1823 e a município em 1875. Entretanto, voltou a ser freguesia em 1882. Em
1892 foi efetivada a sua autonomia administrativa, através da lei provincial n.º 15. Localizada no chamado norte velho, possui
1.748 quilômetros quadrados de área territorial, com uma população de aproximadamente 30 mil habitantes.
Já Salto do Itararé, na divisa com o Estado de São Paulo, era a mais setentrional povoação daquelas paragens após a
criação da Província do Paraná, tendo sido fundada através de um posto de fiscalização que ali se localizou por ser divisa com a
Província de São Paulo.
Seu primitivo nome foi Santo Antônio dos Índios. Colonizadas por migrantes oriundos de Minas Gerais, por volta de
1900, foi elevado a município pela lei estadual n.º 4.245, desmembrado do município de Siqueira Campos em 25 de julho de
1960. Situada na região do norte velho, o município possui uma área territorial de apenas 207 quilômetros quadrados, contando
com uma população de cerca de 10 mil habitantes.
Também localizada na região do norte velho, o município de São José da Boa vista foi elevado a município em 1934.
Mas voltou à condição de distrito em 1935, pertencendo a Wenceslau Braz, até o dia 25 de julho de 1960, quando pela lei estadual
n.º 4.245, voltou a ser município. Sua área territorial é de 438 quilômetros quadrados, tendo uma população de aproximadamente
15 mil habitantes.
O povoamento da região do norte velho onde está hoje o município de Wenceslau Braz, data de 1848. Depois de
chamar-se Novo Horizonte e Brazópolis, aquele povoado passou a pertencer à comarca de São José da Boa Vista, quando em 17
de janeiro de 1935, pela estadual lei n.º 21, a sede da comarca e a sede do município foram transferidas de São José da Boa Vista
para Wenceslau Braz e instalada oficialmente em 26 de novembro de 1935. O município possui uma área territorial de 388
quilômetros quadrados, contando com cerca de 30 mil habitantes.
Fundado em 1714 pelo coronel português Antônio Luiz Tigre, o então povoado de Piedade foi elevado a distrito em
dois de abril de 1870, desmembrando-se de Curitiba, mas já com o nome de Campo Largo. Instalado numa área territorial de
1.192 quilômetros quadrados, conta com aproximadamente 150 mil habitantes.
União da Vitória foi fundada em 1769 pelo capitão Antônio da Silveira Peixoto, às margens do rio Iguaçu, com o nome
de Entreposto de Nossa Senhora da Vitória. Foi elevada a município em 27 de março de 1890 pela lei provincial n.º 4.554.
Devido ao tratado de linhas [final da questão do contestado] entre o Paraná e Santa Catarina, a cidade ficou dividida ao
meio. A parte pertencente ao Paraná passou a chamar-se União da Vitória e do outro lado do rio, Porto União. União da Vitória
possui 721 quilômetros quadrados de área territorial e aproximadamente 50 mil habitantes.
As primeiras expedições aos campos de Palmas datam de 1726. Em 13 de abril de 1877 foi elevada à município, sendo
extinto mais tarde e restaurado pela lei provincial n.º 968, de 20 de novembro de 1889. Foi elevada à comarca em 18 de dezembro
de 1896, pela lei provincial n.º 233. Possui 3.145 quilômetros de área territorial e tem aproximadamente 40 mil habitantes.

53
A PRIMEIRA INICIATIVA SEPARATISTA

A desatenção que o príncipe regente Dom João de Bragança, chegado ao Brasil em 1808,
dispensara aos problemas da comarca de Curitiba e Paranaguá, bem como a conservação
do chamado caminho velho do Itupava, entre Morretes e Curitiba, fizeram as populações
locais almejarem um objetivo comum: a obtenção de um governo próprio. Para tanto, em 1811 a
cidade de Paranaguá foi a primeira a enviar ao príncipe uma representação nesse sentido,
explicando-lhe as vantagens que adviriam com a criação de uma nova capitania, com sede em
Paranaguá. O líder deste primeiro movimento emancipacionista foi Pedro Joaquim Correia de Sá,
que tinha pretensões de tornar-se governador da nova capitania. A Câmara de Paranaguá deu-lhe
todo o apoio necessário neste sentido, inclusive uma procuração que o autorizava a falar em
nome das aspirações do povo paranaguara no Rio de Janeiro. Apesar de tudo, depois de várias
tentativas, Correia de Sá viu fracassada a sua pretensão. De qualquer forma, foi este o primeiro
movimento em prol da emancipação política do atual Estado do Paraná.
Além de Pedro Joaquim Correia de Sá, diversos outros homens atuaram para que mais
intenso se tornasse o desejo de separação. A antiga Capitania de Nossa Senhora do Rosário de
Paranaguá havia governado a si própria por cerca de 80 anos. Eram os próprios políticos locais
(loca-tenentes e prepostos dos governadores gerais) que governavam a capitania. O governo da
metrópole nunca se preocupou com essa situação administrativa, até que os territórios
paranaenses foram incorporados à Capitania de São Paulo.
Acontece que a antiga Capitania de Paranaguá - que abrangia a região desde o extremo
norte de Iguape até o rio da Prata - nunca chegou a chamar a atenção dos licenciados e doutores
em leis saídos dos bancos acadêmicos de Coimbra. A alta judicatura era exercida pelos juizes
ordinários de Paranaguá, que continuaram a governar a terra como se fossem os próprios
donatários.
Quando a ação do governador da Capitania de São Paulo, Dom Luiz de Mascarenhas se
fez sentir mais ativa e exigente, mais forte também se tornou o desejo de emancipação
paranaense. A partir de então, o sentimento emancipacionista predominou no coração dos
paranaguaras e curitibanos, sem, contudo definir-se ou concretizar-se.
Desde 1811, o início da longa cruzada, que somente em 1853 conquistaria a vitória,
Paranaguá tomou para si a iniciativa separatista. Muitos movimentos foram realizados, mas
nenhum se igualou ao de 1821. Este também não saiu vitorioso, apesar do desprendimento de
Floriano Bento Viana. Sufocado o movimento, seguiu-se um período de perseguições e
violências contra os representantes daquela causa popular. Vários conjurados foram presos e
remetidos a São Paulo, onde o marquês de Aracati procurava sufocar o movimento separatista
paranaense agindo com excessivo rigor e crueldade. Entretanto, o ideal separatista ia ganhando
cada vez mais a adesão popular. Pode-se dizer que todos os partidos – saquaremas, farrapos e
luzias – o abraçaram como lema das suas facções: Paula Gomes, na imprensa; Correia Júnior na
Assembléia provincial; Silva Machado, o futuro barão de Antonina, trabalhando com afã pela
causa paranista. A revolução dos farrapos, no Rio Grande do Sul, deu mais esperanças aos
paranaenses, principalmente quando a regência governativa prometeu estudar as causas
farroupilhas e paranistas, em troca da fidelidade ao trono.
As autoridades da comarca realizaram então várias reuniões, nas quais foram discutidas
as seguintes questões: a ignorância e o despotismo dos comandantes militares da comarca; a falta
de justiça, devida à dificuldade que havia em impetrar recursos junto as autoridades de São
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Paulo; fornecimento, pela comarca, de grande número de praças de guerra às milícias
portuguesas, sobretudo para as entradas para desbravarem os sertões, deixando muitas famílias na
miséria; a falta de moeda na comarca, devido às grandes somas que eram remetidas, como
impostos, para São Paulo; o abandono em que se encontrava a comarca pela administração de
São Paulo, surda que era aos apelos e queixas dos paranaenses.
Em 1821, enquanto a já criada Província de São Paulo passava a ser a mais desenvolvida
do Brasil, a mais rica, a mais poderosa, a sua 5ª Comarca, uma vasta extensão de terras
praticamente virgens mais ao sul e povoada com os mesmos tipos de elementos humanos:
europeu, negro e índio, permaneciam em profundo estado de estagnação: uma enorme faixa de
campos e florestas habitadas somente por alguns fazendeiros e tropeiros que, vindos do Rio
Grande do Sul, Uruguai e Argentina, levavam suas mercadorias e tropas de muares para vendê-
las nas feiras de Sorocaba.
Enquanto nos sonolentos arraiais litorâneos a população mameluca se mantinha
praticamente da pesca, da lavoura de subsistência e de uma insipiente garimpagem de ouro, nas
pequenas vilas que começavam a se formar no planalto a classe política, dividida entre
conservadores e liberais, gritava e esperneava cada qual botando a culpa no outro pelo mal estar
que todos pareciam sentir. Enquanto os comerciantes de erva mate procuravam soluções para a
construção de uma estrada que levasse suas mercadorias ao porto de Paranaguá, os políticos
agrediam-se uns aos outros, insultavam-se, acusavam-se de mil crimes e inventavam que o
Paraná permanecia estagnado porque a dependência crônica do governo central era o tipo de
política praticada somente por seus adversários. Enchiam as cabeças da população com essas
suposições, mas eram os primeiros a correr ao Rio de Janeiro de chapéu na mão, a pedir esmolas
ao imperador.
Alguns desses políticos até que tinham alguma razão quando faziam tais acusações,
principalmente a partir de 1821, quando os curitibanos insuflaram um movimento que ficou
conhecido como “Conjura Separatista”. Em 14 de julho daquela ano, o capitão Floriano Bento
Viana acreditando nos ideais do sargento Francisco Gonçalves da Rocha e do capitão Ignácio
Lustoza de Andrade, disse: “Conheço demais o que me expõem, e se em mim está o bem de
minha pátria, amanhã, às horas competentes, darei o brado de convite para a nossa separação de
São Paulo, contanto que não me enganem”.
No dia 15 de junho de 1821, na presença do juiz de fora Antônio Azevedo Melo e Costa,
autoridades locais, toda a tropa e o povo, Bento Viana solicitou ao juiz a nomeação de um
governo provisório para governar Curitiba separadamente de São Paulo. O juiz, simples lacaio do
Partido Conservador, além de não atender os reclamos de Bento Viana, ainda respondeu
rispidamente: “O rei há de tomar conhecimento dessa insubordinação”.
Bento Viana respondeu-lhe: “O remédio se aplica ao mal quando este aparece, e,
portanto, não há ocasião melhor, nem mais oportuna que esta para resolver este impasse”.
Rocha e Andrade, que haviam garantido a Viana que ele teria a adesão daquele juiz à
causa separatista, naquela hora decisiva amedrontaram-se com a ríspida resposta do magistrado e
fugiram, deixando-o literalmente abandonado.
Depois que receberam o relatório do juiz, as autoridades do Rio de Janeiro, temerosas da
existência de um movimento subversivo em Curitiba, instalaram inquérito para apurar quem eram
os responsáveis por aquele movimento. Bento Viana conseguiu fugir para o Rio Grande do Sul,
mas alguns dos seus companheiros foram perseguidos, preso e torturados.

A REVOLUÇÃO FARROUPILHA

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A pesar do fiasco do movimento separatista de 1821, o ideal paranaense não esmoreceu.
Com o advento do império, as câmaras de vereadores de Paranaguá, Morretes, Antonina,
Vila Nova do Príncipe (Lapa), Curitiba e Santo Antônio do Iapó (Castro), passaram a
solicitar com freqüência a Dom Pedro I a autonomia política da Comarca de Curitiba. A
secretaria dos Negócios do Império, entretanto, continuou impondo obstáculos às pretensões
paranaenses.
Todas as solicitações da Comarca de Curitiba para obter a sua emancipação política não
surtiam o efeito desejado. Durante a regência, em 1842, surgiu então um fator decisivo para a
causa: a Revolução Liberal, uma séria complicação na vida política e militar do Brasil. Desde
1835, os liberais do Rio Grande do Sul haviam se indisposto contra os imperiais. Enquanto
evoluía este movimento, que mais tarde tomou o nome de “Revolução Farroupilha”, a situação
política no Rio de Janeiro também se achava complicada: o Partido Liberal estava profundamente
desgostoso com as novas leis imperiais, nitidamente conservadoras, que haviam sido decretadas.
A nova assembléia eleita tinha sido dissolvida pelo governo, sob a alegação de fraude eleitoral.
Inconformados, os liberais também iniciaram um movimento revolucionário em São Paulo e
Minas Gerais.
Para o governo regencial, a situação já difícil tornar-se-ia crítica: se os liberais de Minas e
São Paulo conseguissem unir-se aos farrapos do Rio Grande do Sul e formar uma frente única
revolucionária, seria muito difícil derrotá-los. Ora, este fato dependia da posição que tomasse a
Comarca de Curitiba, estrategicamente localizada entre São Paulo e o Rio Grande do Sul. Por
outro lado, a exemplo de São Paulo e de Minas Gerais, a política curitibana também era
dominada pelos liberais. Sua adesão à revolução ligaria as forças gaúchas com a “Coluna
Libertadora” de São Paulo e Minas Gerais. Para os chefes da Coluna Libertadora, era preciso
cativar os curitibanos, pois sua atitude seria realmente decisiva.
O liberal presidente da Província de São Paulo, Rafael Tobias (barão de Monte Alegre),
enviou para Curitiba um político cínico e mentiroso, chamado João da Silva Machado. O
ambiente em Curitiba estava tenso. Os políticos se reuniam diariamente na Câmara Municipal,
enquanto os maçons realizavam inúmeras reuniões secretas para analisar a situação. Para acalmar
os ânimos, o astuto Silva Machado conseguiu seduzir os curitibanos com a promessa de elevação
da Comarca à categoria de Província, caso colaborassem com a Coluna Libertadora. Disse
também que esta oferta tinha o aval do presidente da Província de São Paulo e do próprio chefe
militar das forças liberais. Essa informação, apesar de enganosa, muito agradou os políticos
liberais e os membros da loja maçônica instalada em Curitiba. Mas, finda a revolução com a
vitória dos legalistas, nenhum deles cumpriu a promessa feita aos curitibanos. Monte Alegre
apenas solicitou ao deputado paulista Carneiro de Campos que apresentasse um novo projeto na
Câmara. No documento que elaborou, Campos alegou que nenhuma outra parte do território
brasileiro era tão merecedora e tão necessitada da elevação à categoria de província, como
Curitiba.
Contudo, o conservador governo imperial não lhe deu atenção, teimando em colocar
obstáculos à causa curitibana. Um dos políticos que mais se impunham era justamente o regente
Padre Feijó. Paulista de nascimento, Feijó solicitava informações desnecessárias às câmaras
municipais da comarca, protelando o mais que podia na sua decisão, até que, em 1843, o projeto
do deputado Carneiro de Campos começou a ser discutido no legislativo. A luta parlamentar,
discussão e aprovação do projeto durou, entretanto, dez longos anos. A exemplo do Padre Feijó, a
maioria dos deputados paulistas procurava entravar ou arquivar o projeto a qualquer custo. A
principal desculpa daqueles políticos era a de que São Paulo não poderia subsistir sem a
contribuição da Comarca de Curitiba.
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Nessa fase, apareceu um homem que se interessou mais tenazmente e começou a lutar
pela autonomia paranaense: o tropeiro Francisco de Paula e Silva Gomes. Ele era bem
relacionado nos meios comerciais e políticos do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e
Rio de Janeiro. Em suas andanças nas capitanias do sul, empenhava-se a fundo na propaganda
pela emancipação da Comarca de Curitiba. Imprimia folhetos de propaganda e os distribuía em
suas viagens. Gastou muito dinheiro nesta atividade política, mas quando a emancipação
realmente veio estranhamente ele não pediu nada para si e voltou a tropear.
Depois de inúmeros argumentos favoráveis e contrários, o governo imperial, já no
mandato de Dom Pedro II, manifestou-se favorável à nova província, principalmente porque a
Comarca de Curitiba limitava-se com a Argentina e o Paraguai. Este, segundo o imperador,
ameaçando entrar em estado belicoso contra o Brasil. Mas nenhum argumento convencia os
demais deputados paulistas, que, para confundir os demais deputados, acabaram apresentando um
projeto que criava a Província de Sapucaí, na região sul de Minas Gerais. Isto foi o suficiente
para acirrar os ânimos entre os deputados mineiros, chegando alguns a irem às vias de fato com
os paulistas, durante algumas sessões legislativas. O estapafúrdio projeto da Província de Sapucaí
fez com que o projeto da 5ª Comarca fosse relegado ao ostracismo.
Apesar de todas essas dificuldades, Francisco de Paula Gomes continuou com a
propaganda pela emancipação, sobretudo na imprensa do Rio de Janeiro. Esse estado de coisas
vigorou até 1850, quando começou a ser discutido um projeto que criava a Província do
Amazonas. Voltou, então, a ser debatido o problema da emancipação política da Comarca de
Curitiba. Houve quem dissesse naquela época, que Paula Gomes quase foi à falência por causa da
propina que tinha que pagar ao senador Batista de Oliveira, para que este aderisse à questão. O
dinheiro falou mais alto. Então o senador, através de uma emenda no projeto de emancipação do
Amazonas, propôs que a emancipação daquela comarca fosse estendida à Comarca de Curitiba.
Diziam também que querendo engordar a sua conta bancária, o senador paulista Campos
Vergueiro chegou a tentar extorquir dinheiro de Paula Gomes. Como não foi atendido em sua
corrupta pretensão, cinicamente manifestou-se pela fusão da Comarca de Curitiba com a
Província de Santa Catarina. Isto somente para criar embaraços à proposição de Batista de
Oliveira. Ora, se a Comarca de Curitiba almejava ser independente da rica Província de São
Paulo, que vantagem teria em ser dependente da fraca Província de Santa Catarina? Essa proposta
só poderia ter saído da cabeça de um político corrupto.
Após acalorados debates e inúmeras sugestões, em que a maioria dos representantes
baianos e mineiros mostrava-se favorável aos interesses paranaenses - e os paulistas contrários -,
o projeto acabou sendo dividido em dois: um para a Comarca do Amazonas, e outro para a de
Curitiba. Nessa ocasião, os mais dinâmicos batalhadores e defensores da causa curitibana foram o
deputado Cruz Machado e o senador Carneiro Leão. Em 1850 foi aprovado o projeto que criava a
Província do Amazonas. Mas a do Paraná, ainda em discussão, enfrentando inúmeros entraves
apostos pelos representantes paulistas, mais uma vez foi engavetado.
O movimento separatista só voltou a evoluir em 1852, quando as eleições à Câmara
Municipal de Curitiba provocaram sangrentos combates em São José dos Pinhais. A partir daí, a
causa separatista começou a ser discutida com mais veemência no parlamento do Império, com o
deputado Cruz Machado e o senador Carneiro Leão defendendo a causa paranaense. Contudo, o
projeto só acabou sendo transformado na Lei Imperial n.º 704, em 20 de agosto de 1853. Estava
criada a Província do Paraná, cuja instalação deu-se em 19 de dezembro do mesmo ano.

A EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DO PARANÁ

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M uitos paranaenses ainda haverão de louvar as memórias do deputado mineiro Cruz
Machado e do senador Carneiro Leão, mas ninguém foi mais aguerrido pela
emancipação política da Província do Paraná do que o tropeiro e violinista curitibano
Francisco de Paula e Silva Gomes. Sempre agindo desinteressadamente, Gomes dedicou
extremada dedicação à causa paranaense, excedendo todos os pregadores de aspiração separatista.
Em todas as oportunidades – nas suas relações políticas e sociais no Rio Grande do Sul, em São
Paulo e no Rio de Janeiro - ele sempre apresentava seus argumentos sobre a necessidade de
criação de uma nova província nos domínios de Curitiba.
Paula Gomes tanto era conhecido no Paraná e na capital do Império como em São Paulo,
Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Em toda parte mostrava a integridade do seu caráter, a
elevação do seu patriotismo e a inteligência com que sabia seduzir simpatias para a causa de que
se fizera o mecenas maior. Anos e anos a fio ele fez o comércio de muares e de gado bovino entre
as estâncias do Rio Grande do Sul e as feiras de Sorocaba. Percorreu com suas tropas, vezes sem
conta, coxias e sertões gaúchos, catarinenses, paranaenses e paulistas. Depois que vendia seus
animais em Sorocaba, seguia para o Rio de Janeiro, onde abandonava a sua indumentária de
tropeiro e vestia as finas roupas de homem da sociedade. Ajeitando a longa cabeleira sob as abas
largas do seu inseparável chapéu chileno, freqüentava lugares sofisticados, tocava seu violino e
conversava tanto com gente do Partido Liberal, como com a do Partido Conservador, e os mais
diversos comerciantes, intelectuais e políticos imperiais. A esse tempo, nenhuma tipografia havia
na Comarca de Curitiba. Paula Gomes imprimia seus panfletos na “Tipografia Francesa”, então
localizada na rua São José, 664, no Rio de Janeiro, e os distribuía profusamente por toda a
Comarca de Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Em 19 de dezembro de 1853, Gomes viu finalmente seu sonho ser realizado. Mas
enquanto na nova província surgiam nomes sem nenhuma expressão galgando as posições
políticas mais destacadas, o tropeiro prosseguiu na sua profissão, sem ambições políticas, sereno
e com a sua consciência tranqüila, somente pretendendo refazer, pelo rude trabalho a que estava
afeito, a sua fortuna gasta na propaganda da causa vitoriosa. Mas ainda conseguiu angariar muito
dinheiro. Ao morrer, seu parente mais próximo, um primo chamado João Paula Gomes, dele
herdou os seus bens avaliados em 36.000$000, dos quais o bem mais valioso era justamente a sua
tropa de muares.
Francisco de Paula Gomes, o ardoroso propagandista paranaense, nasceu em Curitiba no
dia 4 de fevereiro de 1802 e faleceu em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, em 9 de abril de 1857,
assassinado por um tapuio de 16 anos de idade, que ele criara como filho e que era o piá de suas
tropas. O violino em que costumava tocar durante as suas viagens foi entregue a seu filho natural,
“Mestre Generoso” herdeiro do talento musical do patriarca da emancipação política do Paraná.
Chegando ao Paraná para instalar e presidir a nova província, o advogado baiano
Zacarias de Gois e Vasconcelos foi recebido na Câmara Municipal de Curitiba, onde os
vereadores ouviram-lhe as primeiras declarações, sugeriram-lhe os primeiros passos em ambiente
paranaense e, finalmente, realizaram a solenidade de posse, com cerimônia pomposa e de
acentuada imponência.
A documentação referente àquela solenidade, hoje bastante danificada pelo tempo,
apresenta uma linguagem simplista, ingênua e pitoresca, porém sincera, caracterizando, porém
mais a alma e o caráter paulista daquela época que propriamente o fervor pela emancipação
paranaense. Com efeito, percorrendo as páginas do Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba, na
parte dedicada às Atas das Sessões da Câmara - cuja fidelidade e compilação devemos ao
trabalho notável do historiador Francisco Negrão -, encontram-se, par e passo com os momentos
mais destacados daquela época, os nomes que merecem lembrança, não apenas pela persistência
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de suas atividades à frente dos destinos da região paranaense, mas também porque foram os
primeiros a estabelecer em Curitiba a semente dos bons serviços à coletividade, prestados através
dos cargos que a confiança popular lhes entregou.
Uma série de atas lavradas entre 1º de setembro de 1853 e 8 de maio de 1954, nos dá o
retrato fiel do que era o Paraná daquela época e de como se prepararam as autoridades e o povo
para receber e prestigiar o enviado imperial que vinha exercer aqui a primeira autoridade
provincial. É aí que se nota a importância dessas anotações legislativas, as quais não pretendiam
senão registrar as soluções da Câmara de Vereadores e que, no entanto, nos transmitem a imagem
colorida e interessante daquilo que se fez, disse e preparou no Paraná de há mais de 160 anos.
Um fato muito interessante, e que merece registro por causa da sua singularidade, ocorreu
depois da solenidade do Termo de Juramento. Ao apresentar o projeto do que viria a ser o hino
oficial da Província do Paraná, o professor João Batista Brandão de Proença foi surpreendido pela
sua aluna Maria da Glória Sá Sottomayor, então uma menina com apenas 16 anos de idade, que
lhe tomou a partitura das mãos, sentou-se ao piano e começou a tocar o hino. Ao terminar, foi
aplaudida de pé pelos presentes, inclusive pela esposa do presidente, que a presenteou com uma
presilha para prender os seus longos cabelos loiros.
Nas horas que se seguiram houve uma grandiosa festa em Curitiba, pois a presença do
presidente Zacarias foi, e não poderia ser de outra forma, um acontecimento importante para
aquela simplória população curitibana. Curitiba, apesar de já ser o maior agrupamento humano do
Paraná, ainda era um vilarejo insignificante, com suas casas esparsas por um matagal
relativamente grande. A presença da grã-finagem vinda do Rio de Janeiro causou muita
curiosidade: as casacas dos homens e os longos vestidos das damas impressionavam como era
natural. Por isso a cidade foi embandeirada, os sinos começaram a repicar continuamente,
enquanto pipocavam nos céus os fogos de artifício, tendo como pano de fundo uma banda de
música que tocava valsas e dobrados.
Depois da festa, o presidente e sua esposa Carolina foram convidados a se hospedarem na
casa do comerciante Fernandes Loureiro, onde ficaram acomodados até que a casa presidencial
ficasse pronta. Tudo foi improvisado, mas segundo alguns cronistas da época, Zacarias e sua
mulher tinham hábitos muito simples, tanto que desde que chegaram conseguiram modificar
alguns hábitos das pessoas mais abastadas. Por exemplo: naquele tempo, os ditos “homens de
bem” só iam à missa de traje preto, bengala e cartola, enquanto suas esposas trajavam vestidos de
seda preta, levando grossos cordões de ouro aos pescoços, exibindo braceletes e anéis de ouro
cravejados de diamantes, tendo seus rostos cobertos por véus ou mantilhas. Todos esperavam que
Zacarias e sua esposa fizessem o mesmo. Mas o casal Vasconcelos compareceu à primeira missa
que assistiram em Curitiba vestidos com simplicidade, surpreendendo o padre e escandalizando a
fidalguia presente.
Carolina, então uma jovem com apenas 15 anos de idade, tinha saído de um internato do
Rio de Janeiro para se casar. Seu pai a havia prometido em casamento a Zacarias, mas ela nem
conhecia o noivo, um homem já bastante maduro, beirando os quarenta anos de idade.
Acostumada ao recolhimento no luxuoso internato do Rio de Janeiro, era natural que Carolina se
sentisse apavorada na acanhada Curitiba. Tinha principalmente muito medo de sair à noite por
causa dos sapos, dos porcos e das vacas que dormiam nas praças e ruas da cidade. Dois anos
depois da sua chegada, o casal acabou tendo um filho em Curitiba. Mas preocupado com uma
grave enfermidade que o menino adquiriu um ano após o nascimento do filho Zacarias solicitou
um substituto para seu cargo, regressando com sua família ao Rio de Janeiro.
Conta-nos Ermelino de Leão que a data de instalação da Província do Paraná foi num dia
deveras festivo. A causa da emancipação política que, desde 1811, os paranaenses vinham
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pelejando, e que já havia causado os mártires de 1821, surgia de um sonho do tropeiro Francisco
de Paula Gomes para a mais radiosa realidade. Zacarias e sua comitiva já tinham sido
recepcionados festivamente em todas as povoações por onde passaram. Paranaguá esmerou-se,
proporcionando à comitiva o mais formal acolhimento. Antonina e Morretes os acolheram com as
honras merecidas. Contudo, quando instalou a província, Curitiba ainda não dispunha de um
destacamento militar.
O antigo Regimento de Milícias (Guarda Nacional) somente dava serviços policiais e
postais. Por isso, em Curitiba havia falta de um instrutor militar para adestrar a guarda palaciana
que deveria vigiar o palácio presidencial. Junto com a comitiva de Zacarias, havia vindo para
Curitiba um jovem chamado Joaquim Antônio Guimarães, filho do visconde de Nácar, que havia
aprendido as evoluções militares no Rio de Janeiro. Convocado para ensinar os guardas,
Guimarães prontamente iniciou as instruções militares, recomendando aos guardas que não se
esquecessem de apresentar armas sempre que o presidente saísse ou entrasse no palácio.
No dia 20 de dezembro, um daqueles guardas que se encontrava de sentinela ao palácio,
quando o presidente apareceu prontamente o pobre coitado se apresentou, oferecendo a arma que
empunhava ao presidente. Zacarias, austero e prepotente, lançou um olhar repreendedor e
indagou o que significava aquela indisciplina. O guarda titubeou uma explicação, dizendo que
recebera ordens de apresentar a arma ao senhor presidente sempre que aparecesse. E era isso o
que estava fazendo. Contado dessa maneira, até parece piada o fato dos curitibanos não terem
providenciado pessoal especializado para atender as necessidades governamentais.
Então, apercebendo-se do perigo que corria sem tal proteção, Zacarias convocou o
advogado Antônio Manoel Fernandes Júnior – que também tinha vindo na sua comitiva -,
atribuindo-lhe as funções de chefe de polícia e de relator das terras e das gentes que iria governar.

O PRIMEIRO RELATÓRIO PROVINCIAL

O relatório, que só ficou pronto em 6 de junho de 1854, dizia o seguinte: “A Província, na


sua parte política, tem 135 eleitores, que se reúnem em 8 colégios, a saber: 54 em
Curitiba, 11 na Vila do Príncipe (atual Lapa), 17 em Castro, 7 em Guarapuava e 46 em
Paranaguá. Na sua parte judiciária, a Província conta com 8 comarcas e 14 termos,
compreendendo 19 distritos com suas judicaturas de paz. A comarca tem o seu juiz de direito e
promotor. Nos termos de Curitiba, Paranaguá e Castro, há juizes municipais formados, nos outros
que são Antonina, Morretes e Príncipe há juizes municipais suplentes. Na parte policial, a
Província contém a Secretaria de Polícia na capital e 7 termos com 19 distritos. Os termos são os
mesmos da parte judiciária e mais um que é o Guarapuava, por determinação do governo, de 22
de fevereiro deste ano. Na parte eclesiástica, contém 45 freguesias e há capelas curadas. As duas
cidades existentes na Província são Paranaguá e Curitiba. São elas as cabeças dos termos
judiciários e policiais, onde existe um delegado. São vilas: Guarapuava, Antonina, Morretes, São
José dos Pinhais, Príncipe e Castro. As freguesias são: Campo Largo, Palmeira, Rio Negro, Ponta
Grossa, Jaguariaíva e Tibagi. São capelas curadas: Guaraqueçaba, Iguaçu, Votuverava e Palmas.
Recapitulando os mapas que acabo de ter a honra de apresentar a V. Ex., vê-se que a população
da Província é de 64.257 almas e tendo em atenção as dificuldades que sempre aparecem quando
se trata de formar uma estatística, principalmente em lugares tão extensos e em que a população
está tão disseminada, dando mesmo como certo, faltas tenha havido, pode-se sem medo de errar,
dar à Província a população de 70.000 almas, compreendendo 36.000 homens e 34.000 mulheres.
Leva-me crer que não é muito inexata como trabalho comparativo que faço com as estatísticas de
Muller publicada em 1838. Ele dá à Província do Paraná o número de 42.890 almas que para
60
70.000 está na razão de 163 e corresponde a mais de 1/3 de crescimento no espaço de 25 anos.
Quase a mesma proporção, guardam os nascimentos e óbitos. Assim, na de Müller, aparecem
2.315 nascimentos e 887 mortos. No meu trabalho, se acham 3.476 nascimentos e 969 mortos, o
que corresponde ao aumento de 1/3 ou 151 de nascimentos e ¼ ou 1.1 de óbitos. A de Müller dá
338 casamentos e na minha houveram 513, que corresponde a pouco mais de 1/3 ou 1, 79 de
aumento. Sendo a população da Província de 70.000 almas e o número de escravos de 10.489, vê-
se que eles estão na razão de mais da 6ª parte, ou 6,88, o que é bastante animador; sendo para
notar que todo o serviço da terra e da criação dos animais é feito por camaradas, ou homens
livres, havendo fazendas e grandes sítios que não têm um só escravo. Além disso, o número de
31.219 homens e 31.039 mulheres que mais trabalho apresenta, deve ser também satisfatório,
porque além de ser uma vantagem para o país a igualdade de sexos, prova isso que o povo é
monógamo, e que está longe da devassidão de costumes. E seja dito, em abono ao povo
brasileiro, o que se observa no Paraná acontece também na Corte do Rio de Janeiro, no Ceará,
Maranhão, Bahia, Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde o número
de homens é maior que o das mulheres, sendo para admirar que isto se dê em Santa Catarina,
província que sempre foi considerada como abundante viveiro de população feminina. O número
de 3.476 nascidos sobre o de 969 mortos, mostra o crescimento individual da população e é
indício seguro que o povo vive na abastança e não sofre ao flagelos que dizimam a sociedade e
estancam nela a sua ação produtiva. Esquecia-me de dizer que há de notável na Província a
existência de 10 macrobitas, dos quais residem 3 no Rio Negro, com mais de cem anos cada um;
1 em Guarapuava com 101 anos; 1 em Guaraqueçaba, outro em Guaratuba; 2 em Castro e 2 em
Curitiba, com 100 anos de idade cada um”.

PERÍODO PROVINCIAL (1853-1889)

O período provincial do Paraná teve uma duração de 36 anos, desde 1853 até 1889, quando
o Brasil aderiu ao regime republicano de governo. Nesse período, teve a Província do
Paraná 41 presidentes, o que significa em média, aproximadamente, oito meses e meio
para cada gestão presidencial. Este fato é uma demonstração cabal da instabilidade do governo
provincial, bem como de sua ineficiência administrativa. O presidente que mais governou foi
Adolfo Lamenha Lins, que permaneceu na chefia pouco mais de dois anos. Mas num tempo tão
exíguo como aquele, nem ele conseguiu realizar ações administrativas com eficiência.
Um episódio engraçado sobre essa questão, contava o hoje saudoso Néo Alves Martins,
que exerceu a função de exator de rendas estaduais em Maringá na década de 1950. Filho do
grande historiador paranaense Romário Martins, Néo disse que seu pai contava a seguinte estória:
em 1856, quando Zacarias de Gois e Vasconcelos deixou a presidência da Província do Paraná,
foi nomeado para substituí-lo o padre Vicente Pires da Mota, que logo ficou temeroso de ser
derrubado do cargo por seus adversários políticos. Depois da solenidade de posse, o padre
sentou-se à mesa presidencial para descansar e acabou dormindo. Minutos depois, o bispo de
Paranaguá, que havia se atrasado para assistir as festividades de posse do seu subordinado,
chegou, entrou no palácio e acordou o padre. Este, porém, não se levantou o que deixou o bispo
contrariado. “Padre, você não respeita o seu superior hierárquico?” – perguntou o bispo.

61
- Respeitar eu respeito Excelência – respondeu o padre, acrescentando: Acontece, que se
eu me levantar até mesmo o senhor haverá de querer sentar-se no meu lugar.
Néo Martins se divertia muito ao lembrar dessa história que seu pai contava, e
comentava: “A preocupação do padre não tinha motivo de ser, pois os presidentes das províncias
brasileiras eram escolhidos entre os elementos pertencentes ao partido político dominante no
cenário nacional e nomeados pelo imperador Dom Pedro Segundo”.
Verdade seja dita: o que o pai de Néo Alves Martins esqueceu de comentar é que a
maioria desses “nomeados” nem mesmo sabiam se o Paraná ficava no sul ou no norte do País. A
ganância política falava mais alto. Mas ao chegarem a Curitiba, e sendo recepcionados pelos
porcos que chafurdavam na lama e pelas vacas e cavalos que pastavam placidamente nas suas
ruas, logo se apercebiam que o lugar não era nada parecido com o conforto que desfrutavam no
Rio de Janeiro e, simplesmente, desapareciam.

PRESIDENTES PROVINCIAIS

Z acarias de Góis e Vasconcelos, 1853; Padre Vicente Pires da Mota, 1856; Francisco Liberato de Mattos, 1857; Francisco
Cardoso, 1859; Antônio Barbosa Nogueira, 1861; José Joaquim do Carmo, 1864; André Augusto Fleury, 1864; Polidoro
César Burlamaque, 1866; José Feliciano Horta de Araújo, 1867; Antônio Augusto da Fonseca, 1868; Antônio Luiz de
Carvalho, 1869; Venâncio José Lisboa, 1870; Frederico José de Abranches, 1873; Adolfo Lamenha Lins, 1875; Joaquim Bento de
Oliveira Júnior. 1877; Rodrigo Otávio de Oliveira Menezes, 1878; Manoel Pinto Dantas, 1879; João José Pedroso, 1880; Sancho
de Barros Pimentel, 1881; Carlos de Carvalho, 1882; Luiz Alves de Oliveira Bello, 1883; Brasílio Machado de Oliveira, 1884;
Alfredo D’Escragnolle Taunay, 1885; José Cesário Ribeiro, 1888; e Albino Cândido da Cunha, 1898. GOVERNADORES
PROVISÓRIOS [República] General Francisco Cardoso Júnior, 1889; José Marques Guimarães, 1890; Tenente-coronel
Inocêncio Correia, 1890; e José Cerqueira Lima; ainda em 1890. PRIMEIRO GOVERNO ELEITO Generoso Marques dos
Santos, 1891. JUNTA GOVERNATIVA Coronel Roberto Ferreira, Bento José Lamenha Lins e Joaquim de Carvalho e Silva,
todos em 1891. SEGUNDO GOVERNO ELEITO Francisco Xavier da Silva, de 1892 a 1893. PERÍODO
REVOLUCIONÁRIO (Durante a Revolução Federalista) Coronel Teófilo Soares Gomes; João de Menezes Dória; José
Francisco Júnior; Tertuliano Teixeira de Faria; Antônio José Ferreira Braga; e Vicente Machado de Lima, todos em 1894.
TERCEIRO GOVERNO ELEITO José Pereira Santos Andrade, de 1895 a 1899; Francisco Xavier da Silva, 1900; Vicente
Machado da Silva, 1901; Manoel de Alencar Guimarães, de 1902 a 1908; Francisco Xavier da Silva, 1908; Carlos Cavalcanti de
Albuquerque, de 1909 a 1916; Caetano Munhoz da Rocha, de 1917 a 1920. INTERVENÇÃO FEDERAL General Mário
Tourinho, 1930; Manoel Ribas, de 1931 a 1945; Clotário Portugal, 1945; Brasil Pinheiro Machado, 1946; Mário Gomes da Silva,
ainda em 1946; e Antônio Chaves, 1947. REDEMOCRATIZAÇÃO Moysés Lupion, 1947; Bento Munhoz da Rocha Netto,
1951; Antônio Anibelli, 1955; Adolpho de Oliveira Franco, ainda em 1955; Moysés Lupion, 1956; Guataçara Gomes Carneiro,
1960. PERÍODO MODERNO Ney Aminthas de Barros Braga, 1961; Agostinho Rodrigues, 1963; Antônio Ferreira Ruppel,
1965; Algacyr Guimarães, ainda em 1965; Paulo Cruz Pimentel, 1966; Haroldo Leon Peres, 1971; Parigot de Souza, 1972
(assumiu o governo após a caassação de Haroldo Leon Peres); Emílio Hoffmann Gomes, 1973(assumiu o governo após a morte
de Parigot de Souza); Jaime Canet Júnior, 1975; José Richa, 1982; João Elísio Ferraz de Campos, 1985; Álvaro Dias, 1986;
Roberto Requião, 1990; Jaime Lerner, 1994 e 1998; Roberto Requião, 2002 e 2006.

AS DUAS FASES PROVINCIAIS

N o Paraná, podemos dividir o período provincial em duas fases distintas: 1 - de 1853 até a Guerra do Paraguai (1864-
1870); 2 - do término daquela guerra até 1889, quando se proclamou a República. O primeiro período caracteriza-se pela
nomeação ao cargo de presidente de políticos procedentes de outras províncias do império. No segundo período, ocorreu
um aumento da autonomia da província, iniciando-se a libertação da tutela que o governo imperial exercia.
Sendo até então o Paraná uma província de pequena projeção econômica e política no império, possuindo em 1854
pouca mais de 70 mil habitantes, seu governo foi realizado por políticos vindos de fora e ambiciosos, como trampolim de suas
carreiras, credenciando-os dessa forma a aspirarem melhores cargos públicos no Rio de Janeiro.
Eram então as presidências das pequenas províncias consideradas como escolas de formação administrativa para seus
ocupantes. Para se chegar a ministro, por exemplo, era de praxe ter o candidato sido presidente de alguma delas, o que
demonstrava já certa maturidade política e administrativa. Entretanto, o Paraná foi grandemente beneficiado por ter como seu
primeiro presidente o advogado baiano e ex-conselheiro do Império Zacarias de Gois e Vasconcelos, homem de grande visão
política e administrativa, que tão bem soube orientar os primeiros passos da jovem província, de maneira dinâmica e eficiente.
Entusiasticamente recebido em Curitiba, tomou já no dia seguinte ao de sua posse uma importante decisão, ao encarregar o
advogado Antônio Manoel Fernandes Júnior de realizar, entre outras coisas importantes, um estudo minucioso das condições das
estradas que então ligavam Curitiba ao litoral.

62
Por mais incrível que pareça, no Paraná de 1853 não havia nem estradas próprias para o trânsito de carroças e carros de
boi. Este desleixo dificultava sobremaneira a colonização, o escoamento de safras agrícolas e o comércio da região, pois o
transporte existente era feito exclusivamente por tropas de muares. Zacarias compreendeu desde o início a urgência e a
necessidade de ligar Curitiba com o litoral, chegando a afirmar que não via razão para a criação da província se o planalto e o
litoral não se comunicassem por estrada de boa qualidade.
Outro acontecimento importante no início do seu governo, foi a confirmação da cidade de Curitiba como sede da capital
provincial, apesar das pretensões que tinham a esta regalia as cidades de Paranaguá e Guarapuava. Esta decisão foi aprovada pela
Assembléia Legislativa, sendo os argumentos a favor de Curitiba expostos pelo próprio presidente: 1 – Curitiba ficava mais no
centro da província, em posição avantajada com relação a Paranaguá, pois esta última só se comunicava com as vilas do litoral; 2 -
era Curitiba o município mais populoso, possuindo a maior parte dos eleitores; 3 - a localização de Curitiba tornava mais fácil a
distribuição da justiça, bem como facilitava a administração da província; 4 – a vila de Guarapuava estava muito afastada,
localizada em território pouco explorada e próxima de países estrangeiros. Além disso, no seu governo se fez: a] a divisão da
província em três comarcas: Curitiba, Paranaguá e Castro; b] a criação de uma corporação policial, a fim de proporcionar aos
cidadãos maior segurança individual; c] o início da construção da estrada que ligaria Curitiba a Antonina - estrada da Graciosa; d]
a organização de várias escolas primárias e a criação das cadeiras de francês, inglês e latim no Liceu Paranaense.

O ISOLAMENTO SETENTRIONAL

A pesar de o Paraná ter conseguido a sua emancipação política em 1853, por mais de
setenta anos a região norte do Estado ainda continuou estagnada, não gerando progresso
algum. O que se via em Curitiba, principalmente durante o final do regime imperial e
início do republicano, era apenas intrigas políticas. Os presidentes provinciais não conseguiam
completar seus mandatos, depostos por forças que só visavam fortalecer seus interesses pessoais.
Por outro lado, é interessante observar que, apesar da abertura administrativa, foi tão somente a
partir de 1924 - ano da chegada dos desalmados ingleses da “Paraná Plantations” que o Paraná
realmente encontrou os caminhos do desenvolvimento. Foi somente a partir daí que houve a
ocupação completa de seu território (199.000 quilômetros quadrados), dos quais mais de dois
terços ainda estavam cobertos por densas matas virgens. Seus pontos extremos, vagamente
povoados, não iam além de Guarapuava e Pitanga, enquanto Foz do Iguaçu e Guaíra viviam
isolados do resto do Brasil.
Após a chegada dos ingleses, enquanto a população do Brasil tinha um crescimento
vagaroso, a população paranaense teve um crescimento vertiginoso, passando de pouco mais de
um milhão de habitantes em 1920, para cerca de cinco milhões em 1960, praticamente dobrando
a cada década. E isso se deu sob o impulso da cafeicultura, que se deslocou do Estado de São
Paulo para as férteis terras roxas do norte do Paraná, a mais dinâmica fronteira agrícola daquela
época, fazendo de Londrina, Maringá, Cianorte e Umuarama os símbolos mais emergentes do
novo eldorado brasileiro, em contraposição com a estagnada região sulista. Mas também é bom
que se diga que, bem antes da chegada dos ingleses, o café já tinha sido introduzido no norte do
Paraná a partir da região de Jacarezinho. No início do século vinte, a produção cafeeira do Paraná
já correspondia a cerca de 1% da produção brasileira. Em1944, quando os ingleses venderam a
Companhia de Terras Norte do Paraná para o grupo paulista que lhe deu a nova denominação de
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, a produção cafeeira paranaense girava em torno de
3 a 4% do total nacional. Até então, a produção paranaense não conseguia um desenvolvimento
satisfatório, por que: 1 – sofria as conseqüências inibidoras das grandes regiões produtoras; 2 –
na década de 1920 o governo federal, influenciado por São Paulo, criou o imposto de 1$000 réis
por cafeeiro novo plantado no Brasil. Resultado: esse novo imposto veio representar um
empecilho sério à jovem cafeicultura paranaense. Os paulistas não queriam que a cafeicultura se
desenvolve no Paraná, dificultando inclusive o fluxo migratório que vinha de Minas Gerais, do
Nordeste e do próprio interior paulista. Foi o major Antônio Barbosa Ferraz [o provável fundador
da cidade de Cambará] que, com sua diplomacia, conseguiu modificar a lei que criava aquele

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imposto, ficando prevalecendo apenas para os estados que já possuíssem mais de 50 milhões de
pés de café. Como apenas o Estado de São Paulo possuía tal quantidade, foi o primeiro a se
“ferrar”. O feitiço tinha virado contra o feiticeiro.

O GENOCÍDIO SUL AMERICANO

M uitos foram os dissabores que a Inglaterra nos proporcionou ao longo dos tempos. O
pior deles, a meu ver, foi quando ela, abusando da nossa ingenuidade, contratou o
exército imperial para matar os indefesos cidadãos paraguaios. Tudo começou com a
implantação da indústria pesada na Inglaterra, onde se desenvolvia com muita rapidez a
fabricação de locomotivas, trilhos, vagões ferroviários e caldeiras a vapor. Expandindo seu
império comercial, os ingleses começaram a vender seus artefatos para os mais diversos países do
mundo, entre os quais os Estados Unidos, que iniciavam a construção de uma ferrovia leste-oeste,
a Union Pacific. O Brasil, através da iniciativa do Barão de Mauá, dava os seus primeiros passos
com a construção da Estrada de Ferro Leopoldina, ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis,
enquanto a Índia, país então subordinado à Inglaterra, construía inúmeras ferrovias. O Paraguai
também construía as suas ferrovias, mas de forma independente. Não importava trilhos e
máquinas ferroviárias da Inglaterra, mas importava tecnologia e implantava a Fundição de Ibicuy,
espalhando seus próprios trilhos por vastas regiões daquele país, mas criando uma desavença
comercial com a Inglaterra.
Os ingleses vendo que o Paraguai poderia se transformar num enorme concorrente
resolveram partir para as vias de fato “contratando” soldados brasileiros (geralmente escravos),
argentinos e uruguaios para promoveram a carnificina que desejavam. Naquela época, apesar do
Paraguai ter se transformado num país “fechado”, era auto-suficiente em agricultura de
subsistência. Cada cidadão paraguaio tinha o seu próprio pedaço de chão para plantar, todas as
crianças tinham escolas para estudar, todas os enfermos tinham hospitais para se tratarem, e
nenhum deles pensava em entrar em luta armada com quem quer que fosse. O advogado José
Gaspar de Francia, que lhe dera a independência em 1811 (o primeiro país da América do Sul a
conseguir tal feito), deixou aos paraguaios um sistema político socialista onde todos se ajudavam
mutuamente, política seguida por Antônio Carlos Lopes e futuramente por seu filho Francisco
Solano Lopes. Na verdade, Solano Lopes era infinitamente mais educado e culto do que os seus
algozes brasileiros Duque de Caxias, General Ozório e o conde D´Eu, e do argentino Bartolomé
Mitre, tendo estudado na Universidade de Sorbone em Paris, inclusive sendo casado com uma
sobrinha de Napoleão III, madame Linch.
Muito antes disso, porém, na Venezuela Simon Bolívar defendia a tese de que as colônias
ao sul do rio Bravo * deveriam buscar financiamentos externos para custear suas lutas
libertadoras. Entendia que sem esta ajuda, inicialmente materializada em dinheiro e armas para
mais tarde chegar a soldados, seria muito difícil que o processo emancipatório avançasse. No
entanto, aos capitalistas britânicos interessava muito mais os lucros que os princípios liberais. Daí
que a sua relação com os insurgentes se tornou um assunto estritamente comercial. Portanto, com
a independência política formal dessas terras, acentuou-se mais ainda a dependência ao parque
industrial inglês.
Nesse momento, a dominação inglesa – que já havia superado a holandesa – se apoiava
em seu predomínio comercial, naval e nos mercantilistas tratados internacionais. Não teve a
Inglaterra interesse imediato na questão política, já que esta acarretaria gastos administrativos e o
seu envolvimento em lutas entre facções internas. Daí sua participação em ajuda financeira e até
militar para que a independência política formal acontecesse. Na América do Sul, tiros de
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canhões eram dados do meio dos rios pelas naus britânicas para saudar as novas repúblicas que
passavam a aderir ao livre-cambismo inglês. Enquanto à classe dominante da América Latina
caberia a tarefa de governar povos e demarcar terras, cujas forças atuavam em um sentido
centrífugo; à Inglaterra coube a estratégia de ocupar os seus incipientes mercados nacionais.
Tanto que os luso-hispano-americanos passaram, a partir de 1825, a consumir mais por causa da
chegada das manufaturas estrangeiras, principalmente britânicas, o que gerou a conseqüente
liquidação dos produtos artesanais locais.
Os britânicos só se interessavam em “piratear” e vender os produtos que não conheciam,
não admitindo concorrentes. Muito antes de “contratarem” soldados brasileiros, uruguaios e
argentinos para assassinarem a sangue frio os indefesos paraguaios, agentes comerciais de
Londres, Manchester, Glasgow e Liverpool percorreram a Argentina e copiaram os modelos dos
ponchos santiaguenhos e cordobeses e dos artigos de couro de Corrientes, além dos estribos de
pau para se conformarem “ao uso do país”. Os ponchos argentinos valiam sete pesos; os de
Yorkshire, três. A indústria têxtil mais desenvolvida do mundo triunfava a galope sobre os teares
nativos, e outro tanto ocorria na produção de botas, esporas rédeas, freios e cravos. Por causa
dessa “pirataria”, a miséria assolou as províncias argentinas, que logo se levantaram contra o
"entreguismo" de Buenos Aires.
O Paraguai herdou das Missões Jesuíticas uma estrutura agrária sem latifúndio, o que
permitiu posteriormente que seus governos fundamentassem sua estabilidade sobre uma espécie
de democracia agrária. A força militar do país durante o século 19 baseou-se no nível de vida de
seus camponeses, que não conheciam a pobreza, o servilismo e a escravidão. Era o único país da
América Latina que havia buscado um desenvolvimento autônomo dentro de um projeto
nacionalista. Enquanto os demais estavam integralmente voltados para a economia primário-
exportadora, o país guarani trabalhava o seu mercado interno, não permitindo que o imperialismo
inglês “globalizasse” a sua economia. Na realidade, estava o Paraguai realizando o que os
Estados Unidos haviam feito algumas décadas antes diante da Inglaterra: o isolacionismo como
mecanismo de crescimento interno para tornar-se posteriormente competitivo em nível
internacional. Por isso, era necessário exterminar esse “péssimo” exemplo o mais rapidamente
possível, sendo a Guerra da Tríplice Aliança a estratégia utilizada. Os “heróis” da Guerra do
Paraguai, como Duque de Caxias, Conde D’Eu, General Ozório, Bartolomé Mitre e outros
assassinos, com certeza merecem estátuas de bronze, mas nas ruas de Londres.
No que se refere ao restante do cone sul, é evidente que a Inglaterra tinha interesse na
navegação dos rios da Prata, Paraná e Paraguai, mas encontrou forte oposição às suas pretensões
por parte do governo paraguaio, como encontrou oposição paraguaia na implantação de ferrovias
inglesas em seu território (o Paraguai já fabricava aqueles artefatos). Com uma boa infra-
estrutura agrária, o Paraguai, desde a sua independência em 1811, tinha o maior rebanho bovino
da América do Sul e, no que se refere à indústria ferroviária, ao invés de importar máquinas
prontas, importava tecnologia. Assim, o Paraguai, construindo a sua própria fundição [Ibicuy],
passou a ser um indigesto concorrente para os interesses ingleses.
Que motivo maior a Inglaterra teria para invadir o Paraguai, senão este? Soberana no
mundo inteiro, ela logo viu no país guarani um concorrente e, sendo assim, havia a necessidade
de destruí-lo. E quem melhor do que o Brasil, país fronteiriço e com um contingente militar
infinitamente maior poderia fazê-lo? A lógica da questão, naturalmente, correu em torno da nossa
dívida com a Inglaterra e, quem sabe, a simples proposta inglesa em perdoar tal endividamento,
pois não se conhece outro motivo que pudesse levar o Brasil a praticar tão desumano e medonho
genocídio.

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Por mais perverso que fosse o regime governamental paraguaio, não era o sentimento
humanitário que movia a Inglaterra contra aqueles governantes. Era simples temor de
concorrência comercial, e não o culto à liberdade, inadmissível por parte da nação mais
escravizadora do mundo, um país que se dizia defensor da liberdade, uma nação que gritava em
nome da democracia, mas mantinha uma aristocracia cheia de privilégios escandalizantes,
enquanto tratava com desprezo seus próprios cidadãos de baixa renda, deixando-os morrerem de
fome.
Essa era a Inglaterra daquele época: um grupelho de homens fabulosamente ricos que
vociferavam em nome da liberdade, mas que mantinham milhões de miseráveis nas periferias das
suas grandes cidades. E sobre este lodo de miseráveis, os ingleses assentavam os alicerces sólidos
da população operária: dois milhões de homens que trabalhavam para dar boa vida a oitocentos
mil burgueses. A miséria na Inglaterra era prolífica e os lordes ingleses, mais do que nenhum
europeu, eram insensíveis e animalescos. Tanto isso é verdade, que após visitar a Inglaterra e a
Índia no final do século dezenove, o escritor brasileiro Olavo Bilac, na página 189 do seu livro
Crítica e Fantasia, escreveu: “Aquela velha inglesa que com tão funda emoção quis antes de
morrer assegurar a felicidade dos bichanos órfãos, nunca se lembrou de certo de que, ali em
Londres, no imundo bairro de Whitechappel, há criaturas que morrem de fome e frio, mulheres
que se prostituem para comer, homens que se enchem de gin para aplacar as torturas do
estômago. Nunca ela se lembrou de que, na Índia ** cada ano traz consigo uma nova fome. Os
cadáveres se empilham pelas ruas, sem sepulturas...” Até Oscar Wilde, uma das maiores figuras
da literatura inglesa, na página 252 do seu livro O Retrato de Dorian Gray escreveu: “Os ingleses
são mais manhosos que práticos. Quando escrituram os seus livros, saldam a estupidez com a
riqueza, e o vício com a hipocrisia”.

(*) Este rio, que marca parte da fronteira entre México e Estados Unidos – portanto entre o Primeiro e o Terceiro Mundo -, é
chamado de Bravo pelos latino-americanos e Grande pelos estadunidenses. ** A Índia era colônia inglesa. Foi libertada por
Mahatma Ghandi, em 1948.

A VERDADE SOBRE A GUERRA DO PARAGUAI

M entem os historiadores oficiais quando afirmam que Solano Lopes, querendo uma
saída para o mar, houvesse decretado a invasão do nosso território. É fácil desmascarar
essa lorota, pois por mais desenvolvido que fosse o Paraguai, sua população, cerca de
900 mil habitantes à época, não poderia enfrentar o Brasil, então com 14 milhões, nem que todos
os paraguaios fossem transformados em super-soldados. Imaginem uma coluna militar paraguaia
avançando por este nosso enorme território em direção a São Paulo, via Mato-Grosso, por
exemplo. Seria derrotada até pela fome, antes mesmo que conseguisse atravessar o Pantanal, não
vos parece lógico?
Para empreender tamanha aventura Solano Lopes teria que ser louco. E não o era. Era,
isto sim, um estadista, homem comedido, educado na França e muito inteligente. O certo é que o
Brasil, aliando-se à Argentina e ao Uruguai, cometeu o maior genocídio que se tem notícia na
história do mundo, assassinando mais de 80% da população guarani. A matança foi tão brutal,
que o general argentino Bartolomé Mitre retirou suas tropas da escaramuça antes do término da
guerra, seguido pelos uruguaios e do próprio comandante das forças brasileiras Duque de Caxias
que, alegando problemas de saúde (na verdade ele era maçom e não podia lutar contra o seu
“irmão” Solano Lopes) entregou o cargo ao Conde D’Eu - um sádico francês, marido da Princesa
Isabel.

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Como comandante da chacina, D’Eu mandou matar todos os paraguaios que a tropa
encontrasse pela frente, não lhe importando se eram crianças, velhos ou mulheres grávidas,
determinando a destruição total da população civil do Paraguai. Nessa louca aventura, mandou
incendiar hospitais, escolas e todas as casas de moradia. Nossos soldados, em sua maioria
escravos alforriados, assaltavam, pilhavam, incendiavam e estupravam as vítimas, matando-as a
seguir. Uma dessas aberrações aconteceu na localidade de Acosta Ñu, perto de Caacupé. A turba
raivosa carbonizou mais de trezentas crianças que se encontravam sob a guarda de uma
irmandade religiosa.
Naquele sinistro espetáculo, as freiras foram as primeiras a serem violentadas. Depois, a
soldadesca animalizada estuprou e matou as crianças. Para completar o diabólico quadro, cada
criança que acabava de ser estuprada era espetada numa lança e atirada às fogueiras. A principal
dessas vítimas, uma menina de aproximadamente cinco anos de idade – a que mais sofreu nas
mãos dos algozes -, foi violentada por mais de uma dezena de soldados. Seu corpo, apesar dos
sofrimentos, foi encontrado dias depois em perfeito estado de conservação. Os paraguaios,
acreditando tratar-se de uma graça divina, a santificaram como a “Niña Mártir de Caacupé”. Nas
proximidades do massacre foi levantada uma cruz e, mais tarde, uma igreja. E hoje, o corpo da
“Padroeira do Paraguai” encontra-se dentro de um caixão mortuário coberto com a bandeira
nacional ao lado dos esquifes de Solano Lopes, de Dom Antônio Carlos Lopes, do Dr. José
Gaspar de Francia e do General Bernardino Caballero, no “Panteón de los Heroes”, no centro da
capital guarani, onde é venerada por milhões de devotos.
É desagradável escrever sobre esses episódios, fatos que aparentemente ferem o brio e a
honra dos brasileiros. Mas isso não é verdade, pois nos referimos tão somente a determinados
indivíduos que em determinadas épocas praticaram este ou aquele desatino, sem pretender ferir a
dignidade nacional. Mas a verdade tem que ser contada, doa a quem doer, e não sou o primeiro a
relatar algo que os historiadores oficiais pagos pelo governo nunca tiveram coragem de narrar.
José Chiavenatto, escritor ribeirão-pretano, quando escreveu o livro O Genocídio Sul-Americano,
em pleno regime militar, teve muitos problemas com a justiça por relatar a verdade sobre a
chamada “Guerra do Paraguai”. Entretanto, apesar de ter sofrido na carne as perseguições da
censura militar, conseguiu espalhar a verdade sobre aquela carnificina nos quatro cantos do país.
Seu livro nos foi de muita serventia para a elaboração deste texto.

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O PÓS-GUERRA

D epois da Guerra da Tríplice Aliança, a sociedade mercantilista inglesa nos deixou como
herança algumas estruturas de magnitude e transcendência histórica. Primeiramente,
uma integração assimétrica e dependente do Brasil ao sistema mundial de dominação
comandado pelo Reino Unido e, posteriormente, pelos Estados Unidos. Uma vez incorporado a
este sistema de dominação e exploração, o Brasil não tem conseguido livrar-se do status quo de
vassalo. É um país que luta por sua soberania econômica e política, mas se encontra cada vez
mais atado aos laços demoníacos daqueles organismos internacionais. Um exemplo dessas
barbaridades foi a aprovação, no início da década de 1990, da Lei de Extraterritorialidade pela
Corte de Justiça dos Estados Unidos. Com base nela, pode a Casa Branca invadir legalmente,
manu militari, qualquer país à procura de alguém que supostamente seja considerado culpado por
sua justiça.
O caso mais notório foi o da intervenção no Panamá, em 1989, e a conseqüente prisão do
general Noriega. Embora o Pentágono estivesse interessado na detenção do mesmo, o objetivo
fundamental era o de tentar erradicar o nacionalismo de Omar Torijos, que obrigava o
cumprimento dos tratados sobre o Canal do Panamá. Cabe lembrar que entre quatro mil a seis mil
panamenhos foram assassinados naquela ocasião, cifra superior ao massacre da Praça Tianamen
na China, se compararmos proporcionalmente as duas populações.
Outro exemplo de perda de soberania econômica e política foram as negociações do
governo brasileiro durante os meses de setembro e outubro de 1998 com o Fundo Monetário
Internacional. Enquanto o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do Banco Central,
Gustavo Franco, viajavam freqüentemente a Washington para acertar as medidas de ajuste, o
Congresso Nacional não conseguia que ambos explicassem àquela Casa os parâmetros de tais
acordos, graças a uma base parlamentar governista que impedia tal convocação. Uma vez
montado o pacote nos Estados Unidos, que afetou profundamente a vida de todos os brasileiros,
especialmente dos mais pobres, finalmente deu-se conhecimento ao grande público da
necessidade do ajuste fiscal.

A GANÂNCIA INGLESA

D ois anos depois da destruição do Paraguai, um navio sueco, o Lusitânia, transportando


passageiros oriundos da Suécia e da Inglaterra, começou uma viagem da Europa para o
Brasil, em 29 de maio de 1872, levando em seu bojo aventureiros ávidos por novos
descobrimentos, num lugar onde ficar rico era fácil: o Norte do Paraná. Os viajantes sabiam
muito bem o caminho do “Eldorado”. Sabiam que desde os tempos do sanguinário pirata inglês
Charles Drake falava-se na Europa de um lugar misterioso no sul do Brasil, no qual, por ordem
especial de Deus, estava oculto o paraíso terrestre. Este paraíso subtropical tinha sido ocupado
pelos espanhóis em tempos idos, quando o denominaram Província Real del Guayrá.
Segundo se comentava na Inglaterra, montanhas de ouro e pedras preciosas se escondiam
nas entranhas daquela terra, até maiores do que as imensas minas de salitre que já exploravam no
Chile. Isso despertava a cobiça daqueles aventureiros, ao mesmo tempo em que as nativas, dóceis
e gentis, aguçavam a sua insana sensualidade. A emoção dos aventureiros também se justificava
nas estórias que tinham ouvido sobre o Brasil, terra de oportunidades, de governos corruptos, de
lutas internas pela libertação dos escravos, de um povo eternamente subjugado aos interesses
capitalistas dos seus compatriotas. E isso era tudo. Ou melhor, num clima de revoltas e seguidos

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movimentos para conter a pirataria inglesa que assaltou nosso litoral durante séculos, chegava ao
Brasil mais uma matilha de lobos metidos em peles de cordeiros.
Com a nossa independência de Portugal, parecia que também tínhamos nos libertado da
prepotência da coroa britânica e de seus bandidos assalariados. Ledo engano. À bordo do
Lusitânia, um grupo de agrimensores e engenheiros, sob o comando do capitão Christian Palm,
oficial do exército sueco, tinha pela frente a missão de percorrer grandes extensões de solo
brasileiro, fazer levantamentos topográficos, pesquisar minerais e florestas, com um objetivo pré-
determinado: projetar a construção de uma ferrovia transcontinental ligando o porto de Santos à
cidade chilena de Antofagasta, como forma de negociar futuramente com a Inglaterra trilhos,
vagões, locomotivas e outros apetrechos ferroviários. Era a mesma pirataria inglesa de sempre em
ação, só que agora agindo de maneira mais comedida e diplomática.
Neste ponto é necessário comentar que Antofagasta é uma cidade chilena localizada no
litoral do Oceano Pacífico e na parte central do Deserto do Atacama. Um pouco mais a leste de
Antofagasta, no altiplano chileno denominado Pampa, embora este seja o lugar mais árido
daquele deserto, os ingleses ali descobriram grandes minas de salitre e ali montaram verdadeiros
centros industriais. Os ingleses concentravam ali todo o processo industrial daquele minério:
desde a extração do caliche [uma grossa capa de terra em que o salitre está misturado a outros
componentes], até a obtenção do material com enormes máquinas a vapor. A mão-de-obra era
obtida mediante uma técnica chamada de “enganche”: recrutavam-se os camponeses do sul do
país com a promessa de vida melhor no norte. Quando chegavam, porém, os trabalhadores viam
que o trabalho era duro, os salários miseráveis e o pagamento era todo feito em fichas (como no
caso da Mate Laranjeira) – discos de alumínio ou de borracha vulcanizada que só tinham valor
dentro da própria empresa mineradora. Os ingleses construíram estradas de ferro regionais,
mandaram equipamento para montar as oficinas e instituíram regras inflexíveis para o trabalho.
Em algumas oficinas, os funcionários eram obrigados a jantar todas as noites vestindo o uniforme
de gala da empresa: casaca preta, gravata-borboleta, luvas brancas e chapéu coco. Era o cúmulo
da humilhação para os trabalhadores. Mas, em contrapartida, o maior deleite para os
afrescalhados britânicos. “Deslumbramento de bichonas”, como diria hoje o comediante
brasileiro Paulo Silvino.
Em segundo plano, os ingleses também exploravam na região de Calama uma outra
riqueza produzida por aquele chão árido e aparentemente estéril, o cobre. O produto estava sob o
chão seco, cristalizado em minérios que garantiram uma boa parte das fortunas que os ingleses
conquistaram no Chile. Chiquicamata, vizinha de Calama, era um gigantesco complexo que
aglomerava milhares de trabalhadores - hoje sob a responsabilidade do governo chileno. E a
discreta Mina Escondida, ao sul do Salar de Atacama, por muito tempo explorada pelos ingleses,
e agora pelos chilenos, ainda hoje é a maior mina de cobre do mundo. Os ingleses ainda
exploraram ali o bórax e o potássio por dezenas de anos.
Da segunda metade do século 19 até à primeira metade do século 20, o salitre [nitrato de
sódio] chileno serviu de adubo e de pólvora, exportado pelos ingleses para todo o mundo. Em
quase toda a sua extensão o Deserto do Atacama estava coberto de mais de 300 “oficinas sal
iteras” – como eram chamadas as fábricas inglesas que extraiam o nitrato no deserto – uma ao
lado da outra. A cidade de Iquique, epicentro do salitre na época, era um dos portos mais ricos do
continente. Ainda estão de pé suas elegantes casas em estilo georgiano inglês que lhe dão um
incontestável ar europeu. Contudo, o salitre exportado para a Europa, a partir de Iquique, tinha
que praticamente dar a volta ao mundo para chegar à Inglaterra. Este foi o principal motivo da
tentativa de se construir uma ferrovia até o porto de Santos, onde o minério, embarcado em

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navios que só cruzavam o Oceano Atlântico chegariam à Europa com muito mais facilidade e
economia de tempo e combustível.
A ferrovia Santos-Antofagasta, como sabemos, conseguiu chegar até o noroeste do
Paraná, mas só não teve a sua conclusão até Antofagasta porque no final da segunda década do
século vinte os alemães descobriram o nitrato sintético, fazendo aquela indústria inglesa entrar
em decadência. As oficinas foram fechadas e entregues ao deserto. Ainda estão de pé duas das
maiores: as vizinhas Humberstone e Santa Laura, perto de Iquique. Ambas funcionaram por mais
de 100 anos e hoje não são nada além de pueblos fantasmas. Humberstone ainda mantém sua
sede urbana: a praça, o mercado, o clube social, a igreja, o teatro com as poltronas, uma piscina
olímpica e quase 300 casas para os funcionários. Mas isso é quase tudo que resta da memória do
salitre.
Atualmente, o governo chileno mantém apenas uma oficina em pleno funcionamento, a
Santa Elena. O resto são cidades fantasmas que se alternam com sinistros cemitérios à beira das
estradas e ferrovias. Com a saída do ingleses, o Atacama voltou a ser, enfim, um deserto, não
precisando mais daquela malfadada ferrovia Santos-Antofagasta, sonhada por Christian Palm.
Palm era especialmente favorecido pela amizade do rei da Suécia, interessado em
construir a ferrovia em parceria com os ingleses. Os ingleses, com enormes problemas na área
diplomática da América do Sul e, querendo reorganizar-se, pediram a ajuda da Suécia para essa
nova investida contra aquela parte do território sul-americano, onde, certamente, com a
construção da ferrovia, também ficaria mais fácil vender o entulho de ferro que tinham estocado
nos armazéns da ilha.
Aceitando o desafio, o rei da Suécia escalou o capitão Palm, homem de sua confiança,
para comandar a expedição de reconhecimento. Munido de farta documentação sueca, não foi
difícil ao capitão convencer o governo brasileiro a aceitar o seu ponto de vista, além da simpatia
do barão de Mauá - primeiro brasileiro a se interessar por ferrovias -, para o andamento do seu
projeto. O único inconveniente era o Paraguai, destroçado pela guerra e que, certamente, não teria
o dinheiro suficiente para a aquisição de tão vultoso material.
Mesmo assim, mais de um terço da largura do continente sul-americano seria palco das
explorações e levantamentos de plantas para esse projeto, já devidamente aprovado pelo governo
brasileiro e infantilmente coberto com as necessárias verbas oficiais. Palm, munido de farto
dinheiro brasileiro, acompanhado de 17 ingleses e suecos, com provisões suficientes para um ano
de permanência na selva, foi infeliz. Vencido pelos (nacionalistas) pernilongos, nove meses
depois veio a falecer de febre amarela no Rio de Janeiro. Os planos dos ingleses, todavia, não
sofreram alterações: funções foram redistribuídas e os aventureiros continuaram o
empreendimento. A expedição inglesa, inicialmente comandada pelo capitão Christian Palm, era
contratada pela companhia britânica Paraná and Mato Grosso Survay Expedition, especialmente
organizada para dar cumprimento ao desejo do governo inglês e ao histórico acerto com o
governo brasileiro para a construção da ferrovia que, de certa forma, mas por outros caminhos,
oito décadas mais tarde conseguiu chegar até Maringá - levando seus trilhos posteriormente até
Cianorte - mas sem jamais ter chegado pelo menos até Guairá, apesar da desapropriação de terras
para tal finalidade.
Dentre os membros da expedição sueco-britânica estava o engenheiro inglês Thomas
Plantagenet Bigg-Witter, com 26 anos de idade e dono de invulgar cultura. Foi destacado para
comandar os levantamentos e trabalhos gerais do projeto no setor do Paraná. Voltando à
Inglaterra em 1875, traduziu no livro Pioneering In South Brazil os episódios dessa viagem, que
classificou como “um passeio ao desconhecido mundo das maravilhas”. Esse livro motivou
reuniões de ricos empresários sobre o Paraná. No auge da produção de trilhos, locomotivas e
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vagões, a Inglaterra acumulava estoques e procurava colocá-los com urgência, como já o fizera
na Índia, com a construção da Estrada de Ferro Central de Bengala, na Rússia com a
Transiberiana e nos Estados Unidos com a Estrada de Ferro Union Pacific.
Tendo o capitão Telêmaco Morosini Borba como guia nas suas andanças pelos sertões do
Paraná, chegou a Tibagi, em fins de maio de 1874 o engenheiro inglês Thomas Plantagenet Bigg-
Witter, sendo recebido na cidade por seu compatriota Herbert Harrison Mercer, um jovem inglês
ainda solteiro que lhe deu a melhor acolhida possível, inclusive hospedando-o em sua casa que
ficava numa chácara das imediações. Sobre essa sua estada em Tibagi, assim escreveu Bigg-
Witter em seu livro Pioneering in South Brazil: “No primeiro dia de junho de 1874, eu estava de
pé no alto de um morro sem vegetação (Alto do Simão) olhando para a cidadezinha de Tibagi,
cujas dimensões eram ainda menores vistas de distâncias e devido ao plano inferior em que
estava situada. Perguntei a meu conterrâneo a razão da povoação do Tibagi. O fenômeno em
questão, Mercer explicou-me da maneira seguinte: as chácaras e casas haviam sido habitadas por
mineiros”.
Com o abandono das minas, esses homens, ao contrário do que se observa no Brasil,
acharam melhor ficar onde estavam e cultivar o solo fértil, comparado ao de outras terras da
planície. Tecendo considerações sobre as minas de Pedra Branca (imediações de Tibagi), ainda
escreveu Bigg-Witter: “... ao ficarem esgotadas as minas, ou para falar mais acertadamente, ao se
tornarem menos lucrativas, a prosperidade com que elas começaram inicialmente não foi
repentinamente interrompida, como aconteceu com tantas outras povoações brasileiras. Os
mineiros trocaram apenas de profissão, tornando-se pequenos fazendeiros, cujo grau de
prosperidade é limitado por suas próprias necessidades, que, infelizmente para o progresso rápido
destas zonas, são poucas e simples, sendo facilmente supridas com a atividade de três meses de
trabalho ao ano. A decadência da região mineira são duas: uma é a posição desvantajosa da
povoação para fins agrícolas; outra é devido ao fato de que as minas de diamantes nunca foram
exploradas por nenhuma companhia importante. A exploração regular e sistemática das minas (se
é que podemos usar tal denominação) foi interrompida em 1871, ano em que foi calculado que
apenas quatro mil libras das preciosas pedras haviam sido exportadas dali. Até esse ponto a
informação me foi dada por um homem, o negociante principal da cidade de Tibagi, José Manoel
da Silva, negociante antigo e de boa reputação no lugar”.
“A uma distância de menos de três milhas da cidade de Tibagi, situada na região que
agora é propriedade de cerca de 100 pessoas, ficam os trabalhos principais da exploração das
minas diamantíferas. Uma manhã bem cedo, um dia ou dois depois de nossa chegada à cidade, fui
com Mercer a este local, com intenção de dedicar o dia em informar-me e averiguar não só a
respeito desse trabalho especial, mas também a respeito de toda a região circunvizinha onde
haviam encontrado ou onde disseram haver achado diamantes”. Em seguida, Bigg-Witter
escreveu que, com Mercer, certo dia foi visitar a fazenda do tenente-coronel José Florentino Sá
Bittencourt (que havia prometido a Mercer uma das suas filhas em casamento). Do contato que
manteve com aquela família, relatou: “Mercer havia cumprido seu dever, ensinando à família de
sua futura esposa os costumes e as maneiras da vida civilizada. Por exemplo, a esposa e filhas
sentaram-se à mesa ao jantar, embora fosse evidente que o novo regime não lhes ficava
completamente bem”.
A fazenda a que se referiu Bigg-Witter, era e ainda é conhecida pelo nome de Fazenda
Santo Antônio, situada bem próximo à cidade de Tibagi. Regressando da fazenda, novamente
escreveu Bigg-Witter: “Quando eu e meu companheiro chegamos de volta à cidade, já estava
escuro: os habitantes já haviam se retirado para descansar e nós atravessamos as ruas de uma

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cidade como a dos mortos, sem encontrar vivalma até chegarmos à chácara Mercer, que fica a
meia milha além dos arredores, no outro extremo”.
O casamento de Herbert Harrison Mercer com Maria Antônia de Sá Bittencourt (Lilica),
falecida em sete de maio de 1904, a primeira filha do tenente-coronel José Florentino de Sá
Bittencourt e de sua segunda esposa, Francisca Ubaldina de Almeida Taques, realmente
aconteceu no dia 13 de junho de 1874, com a solenidade sendo celebrada pelo padre Pedro Del
Gáudio. Com o falecimento de seu sogro, Mercer acabou recebendo 1/3 da herança do falecido e,
de posse desse dinheiro, em 1876 fez uma viagem à Londres, entrou em contato com alguns
capitalistas ingleses, mostrou-lhes o que tinha escrito Thomas Plantagenet Bigg-Witter e
conseguiu convencê-los a montar uma empresa mineradora nas proximidades do Salto da Lavra,
no Rio Tibagi. Em 1877, Herbert Harrison Mercer mandou buscar seu irmão, Frederick Harrison
Mercer, em Guarapuava, para trabalhar naquela companhia inglesa de mineração. Entretanto, em
1888 a abolição da escravatura destroçou os planos do escravocrata Mercer e de seus
compatriotas ingleses, arruinando as atividades daquele empreendimento, levando-os a decretar a
falência da empresa, em 1891.
Livres dos grilhões que os faziam trabalhar como animais de carga nas minas de Pedra
Branca e nos caldeirões do Rio Tibagi, os ex-escravos se espalharam pela região, indo formar a
povoação de São Dâmaso, conservando, porém, os nomes dos seus antigos patrões. É por isso
que ainda hoje existem em Tibagi muitas famílias negras denominadas Taques, Bittencourt,
Ferreira, Barbosa, Ribeiro, Machado, Novaes, Mercer, etc.

A REVOLUÇÃO FEDERALISTA

N o final do século dezenove e início do século vinte, o então presidente da república


marechal Floriano Peixoto suspeitava das tendências políticas monárquicas e
parlamentaristas de Silveira Martins, líder político gaúcho. Por esta razão aproximou-se
de Júlio de Castilhos, seu opositor, na luta comum contra Silveira Martins, apesar de Castilhos ter
apoiado o marechal Deodoro quando este tentou um golpe de estado para tornar-se ditador
vitalício. Nas eleições para governador do Rio Grande do Sul, saiu vitorioso Júlio de Castilhos.
Os federalistas partidários de Silveira Martins, inconformados com a derrota, procederam a
invasão do Rio Grande do Sul em 1893, com tropas procedentes do território uruguaio, onde se
haviam organizado. Teve início, então, a mais sangrenta das revoluções brasileiras, aterrorizando
por longo tempo várias regiões sul - brasileiras, sendo que a cidade sul-paranaense da Lapa foi a
mais prejudicada.
Desde o início daquela revolução, ambos os grupos beligerantes receberam apelidos
populares, pelos quais passaram a ser conhecidos. Os florianistas, que eram os legalistas, ficaram
conhecidos por pica-paus, devido ao tipo de armamento de possuíam. Os federalistas receberam a
alcunha de maragatos, que é um termo pejorativo de origem argentina e que significa pessoa
desqualificada ou até mesmo homossexual, no sentido pejorativo.
Os chefes dos maragatos nunca tiveram unidade de ação e nem, ao menos, os mesmos
objetivos políticos. Suas tendências eram as mais variadas possíveis. Desde as monárquicas do
almirante Saldanha da Gama, das republicanas de Custódio de Mello, até as separatistas de
Gumercindo Saraiva, que queria criar um novo país, formado pelo Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Uruguai; sem falar nos caudilhos que aderiram à revolução para satisfazerem
suas aspirações políticas e ambições de mando, como o conhecido Juca Tigre, João Francisco e
outros revolucionários.
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Esta falta de objetivos comuns dos chefes federalistas fez com que nunca houvesse um
comando realmente unificado e, em conseqüência disto, grande foi a dispersão de suas forças.
Entretanto, nem todas as forças do exército, sediado no Rio Grande do Sul, aderiram à revolução.
O senador Pinheiro Machado se pôs à frente das forças que permaneceram fiéis ao governo do
Rio de Janeiro e organizou, no interior gaúcho, a famosa “Divisão do Norte”, que iria fustigar,
continuamente, e pela retaguarda, as tropas federalistas.
Em setembro de 1893, a Esquadra Brasileira (como era chamada a Marinha naqueles
tempos), que era chefiada pelo almirante Custódio de Mello, sublevou-se na baía da Guanabara,
recebendo o apoio do almirante Saldanha da Gama. Com a sublevação instalada na Marinha, a
revolução adquiriria, repentinamente, âmbito nacional. A situação do presidente Floriano Peixoto
tornou-se crítica, pois não poderia mais abastecer por mar suas tropas no sul, e teria que manter,
na capital da República, poderosa força militar para impedir o desembarque de tropas
revolucionárias gaúchas. Custódio de Mello, que saíra da baía da Guanabara com alguns navios
de guerra, tomou o litoral de Santa Catarina, inclusive a cidade de Desterro, e ali organizou um
governo a fim de forçar a neutralidade das nações estrangeiras, procurando dessa forma impedir o
fornecimento de armas ao governo legal do marechal Floriano Peixoto.
Após uma ocupação relativamente fácil da ilha de Santa Catarina (Florianópolis), os
revolucionários conceberam um plano audacioso, qual seja o de invadir e ocupar o Paraná.
Consistia em atacar o Estado do Paraná por três frentes. Paranaguá, Tijucas e Lapa,
concentrando-se após em Curitiba, antes de tentarem a conquista de São Paulo.
Enquanto o interior paranaense era ameaçado pelas tropas dos maragatos, no litoral a
esquadra de Custódio de Mello realizava o bloqueio dos portos. Paranaguá, ponto final da estrada
de ferro, que ia do litoral ao planalto, e principal porto exportado do Paraná, foi o primeiro lugar
a ser atacado. Os legalistas tomaram todas as medidas a seu alcance para a defesa da cidade. É
preciso salientar que era grande o número de simpatizantes com que os federalistas contavam,
não só em Paranaguá, mas em Curitiba e em todo o interior do Paraná.
Em Paranaguá, os federalistas paranaenses organizaram um movimento de sublevação
para facilitar a tomada da cidade, porém este falhou e as cadeias públicas encheram-se de presos
políticos e soldados sublevados. A invasão da baía de Paranaguá deu-se em janeiro de 1894, com
navios de guerra poderosamente armados. Face ao poderio de fogo demonstrado pelos navios que
forçavam a baía de Paranaguá, a velha e histórica fortaleza da barra rendeu-se imediatamente,
desguarnecendo a defesa da cidade. Nestas circunstâncias, a resistência foi fraca e o desembarque
procedeu-se sem que se observassem grandes combates.
Procedente de Minas Gerais, o então coronel e depois general Antônio Ernesto Gomes
Carneiro, após receber o comando do general Argolo, teve como preocupação máxima a
organização da defesa da cidade da Lapa. Instalando-se na cidade, em 14 de janeiro de 1894 suas
tropas foram atacadas de frente por um contingente chefiado por Gumercindo Saraiva, enquanto
as tropas comandadas por Jaques Ouriques, Aparício Saraiva e Juca Tigre cobriam a retaguarda
gaúcha. Assim, Gomes Carneiro viu-se cercado na Lapa. Temendo não poder resistir, mandou
emissários a Castro e à Curitiba para pedir auxílio ao Dr. Vicente Machado e à Divisão Norte
comandada por Pinheiro Machado.
Sem terem como ajudá-lo, ou talvez acovardados, nenhum dos dois lhe respondeu. Sem
poder contar com ajuda externa, mas tendo como seu lugar-tenente o valoroso coronel Aminthas
de Barros Braga, a única solução que o coronel Gomes Carneiro encontrou foi a resistência total e
sem tréguas. Rendição nem pensar. Então a cidade da Lapa foi violentamente bombardeada pela
artilharia federalista. Foram rechaçadas todas as propostas de rendição formuladas por
Gumercindo Saraiva. Dia a dia, o cerco da Lapa aumentava e os combates já se travavam corpo a
73
corpo pelas ruas e escombros da cidade, sendo as tropas de Juca Tigre as mais ferozes entre os
invasores.
Mas e eficiente e pertinaz resistência oferecida pelo coronel Gomes Carneiro irritava os
adversários, que apertaram ainda mais o cerco. Em sete de fevereiro de 1894, o bravo coronel,
agora já promovido a general, à frente da sua tropa recebeu um ferimento mortal, e dois dias
depois veio a falecer, rodeado por aqueles que comandava, em meio à consternação geral. A
partir daí, a fome e a falta de munição instalaram-se entre os soldados e a população lapeana
sitiada. Não chegava nenhum auxílio. A continuação da resistência seria completamente inútil.
Assim, a cidade foi invadida pelos federalistas e os legalistas tiveram que capitular.
Gumercindo Saraiva comandava as forças maragatas terrestres vindas do Rio Grande do
Sul, que atacaram Tijucas. A resistência, desta vez imposta pelos pica-paus, foi denotada,
conseguindo impor-se aos maragatos, inúmeras vezes, pesados reveses. Os dias 15, 16 e 17 de
janeiro de 1984 foram de contínuos combates. Mas como era impossível uma retirada, por se
acharem os legalistas cercados e sem cavalaria, a munição acabando, a alimentação e a água
difíceis de conseguirem, renderam-se, face à impossibilidade de continuar a resistência, mesmo
porque Paranaguá já havia sido ocupada e o governo paranaense, chefiado por Vicente Machado,
já havia covardemente fugido de Curitiba para Castro.
O coronel e escritor Carolino Azevedo, em Anais do Primeiro Congresso de História da
Revolução de 1894, escreveu: “A Lapa seria a barreira que os revolucionários deveriam encontrar
em sua invasão. Nele deveriam morrer as derradeiras marretas da revolução, ante o desânimo que
se apossaria dos vencedores de encontros anteriores. Carneiro chumbou seu destino ao da cidade
mártir. Lá se deixou ficar como um foco de resistência, cumprindo a incumbência trazida do Rio
de Janeiro de não deixar passar a revolução por aquela cidade, onde se jogou a sorte da revolução
e de República. Floriano sabia que estava exigindo de Carneiro um extremo sacrifício. O que se
visava com a resistência da Lapa era evitar a invasão de São Paulo”.
Walter Spalding, no mesmo trabalho, escreveu: “A Revolução Federalista de 1893 a 1895,
que atingiu o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e o Paraná, foi, não há dúvida, a
mais negra página da nossa história. Nunca um movimento armado no Brasil, dos mais remotos
aos mais recentes, houve a intensa criminalidade que foi registrada de parte a parte. O ódio maior
era contra Gumercindo Saraiva. Por quê? Não o sabemos ao certo... As forças criminais foram
parelhas de ambos os lados. Mas isso nunca será motivo para se apoiar as figuras de Pinheiro
Machado, Júlio de Castilhos, Silveira Martins ou Gumercindo Saraiva. Ou então, são todos
igualmente bandidos, porque foram de suas parcialidades os perpetradores dos crimes
verificados. A série de depoimentos e memórias de um e de outro lado, que compulsamos, lemos
e examinamos as notícias de jornais da época, o vasto documentário inédito que consultamos, de
fonte oficial, legal, e em mãos de particulares e que pertencia aos federalistas provam assaz o
ódio intenso que movia os republicanos (pica-paus) contra os rebeldes (maragatos)”.

A CAPITULAÇÃO DA LAPA

O s oficiais abaixo assinados, pertencentes às referidas brigadas, por eles foi convencionada
a capitulação da Praça da Lapa, sob as seguintes condições: os três generais, como
representantes do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil,
aceitam a capitulação, concedendo aos comandantes e mais oficiais da guarnição, todas as honras
de guerra, tendendo à forma heróica porque defenderam a praça, rendendo-se apenas por
circunstâncias especiais... Aos oficiais é concedida plena liberdade e meios de transportes dentro
do Estado, para seus bagageiros tomarem o destino que lhes convenha, sob a condição de não

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mais tomarem em armas contra a revolução... É do mesmo modo garantida a liberdade, vida e
propriedade de todos os civis, que se acharem em armas e que não queira aderir à nossa causa,
devendo também fazer entregas de armas e munições. E por se acharem todos conforme, lavrou-
se a presente ata que assinaram: Gumercindo
Saraiva. Antônio da Silva Piragibe... coronel Julião A. Serra Martins, Coronel Joaquim
Lacerda, etc.”.
Ao ser invadida a cidade da Lapa, em 17 de janeiro de 1894, eram inúmeros os boatos e
notícias verídicas que circulavam sobre as vitórias dos federalistas, entre a população curitibana.
Nessa época, era comandante das tropas legalistas sediadas no Paraná o general Pego Júnior. O
governador do Paraná, Dr. Vicente Machado, com medo de ser preso pelos maragatos, resolveu
transferir a capital de Curitiba para a cidade de Castro, o que realmente aconteceu. O general
Pego foi com ele e, covardemente, não deixou qualquer força militar em Curitiba, para garantir a
segurança e a ordem da população, em dias nos quais a exaltação dos ânimos era intensa. Em
dificuldades, a população curitibana solicitou à Junta do Comércio que organizasse uma guarda
policial improvisada, para oferecer um mínimo de segurança às suas famílias.
Quando Gumercindo Saraiva entrou com suas tropas em Curitiba, por sinal sem
nenhuma resistência, foi a Junta do Comércio, então presidida por Idelfonso Pereira Correia, o
barão do Cerro Azul, que tratou da obtenção de avultada quantia em dinheiro para que ele não
saqueasse a cidade. Acuado por essa trapaça, a principal preocupação do barão do Cerro Azul
passou a ser a segurança da população curitibana, notadamente os comerciantes, ameaçados de
um saque de conseqüências imprevisíveis, por parte dos maragatos.
Assim, o barão tratou de arrumar dinheiro com o chefe do novo governo provisório, que
se instalara em Curitiba, Dr. Menezes Dória, nomeado pelos próprios federalistas. A população
curitibana vivia dias de constrangimento, e o barão do Cerro Azul não teve alternativa senão a de
pagar a propina exigida, porém sempre sem completar, propositadamente, as quotas estipuladas.
Os federalistas ficaram em Curitiba durante dois meses, passando-os em festas,
espetáculos e diversões, cujas despesas eram sempre pagas por Menezes Dória, com dinheiro
público, participando ele próprio dessas orgias. Nessa balada, bêbados e escandalizados,
finalmente os maragatos desprezaram o plano inicial de invadir São Paulo; deram-se apenas ao
trabalho de ocupar Ponta Grossa e mandar continentes de reconhecimento a Castro, donde o Dr.
Vicente Machado e o general Pego Júnior já tinha fugido para o Rio De Janeiro; e a Piraí do Sul.
Por já não contarem com nenhuma possibilidade de resistência, essas cidades foram saqueadas e
muitas de suas mulheres violentadas.
Enquanto os maragatos saqueavam e se divertiam no Paraná, o marechal Floriano Peixoto
organizava tropas em São Paulo para contra-atacá-los; ao mesmo tempo, conseguira adquirir e
aparelhar, nos Estados Unidos, uma nova frota de guerra, a qual, sob o comando do almirante
Jerônimo Gonçalves, a 13 de agosto de 1894 mudou os rumos da revolução, vencendo as tropas
de Saldanha da Gama no mar e afastando dessa maneira o perigo dos revolucionários gaúchos
invadirem o Rio de Janeiro. Essa vitória naval, além do pânico que estabeleceu nas hostes dos
maragatos, facultou a Floriano o envio para o sul de numerosa tropa e abundante material bélico,
vindo dos Estados Unidos da América.
Quando fugiu da Lapa para Paranaguá, após a rendição dos legalistas, o coronel Lacerda
conseguiu enviar um telegrama ao presidente da República, nos seguintes termos: “... Custódio
partiu para Desterro... para receber forças e tentar com sete vapores golpear... Rio Grande com
2.800 homens, Gumercindo com 2.000 homens em Ponta Grossa. Guarnição Curitiba e Morretes
pequenas... Levaram toda a artilharia para concentrar esforços Rio Grande. Fugiram Rio da Prata

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Dória, Piragibe... Ourique... e outros. Desarmonia entre os chefes é constante. Gumercindo
seguirá por terra”.
O governador provisório, Menezes Dória, era federalista. Por isso, e percebendo que ia
sofrer um violento contra-ataque das tropas de Floriano Peixoto, se acovardou, abandonou o
cargo e fugiu para lugar incerto e não sabido, o mesmo acontecendo com Gumercindo Saraiva,
Juca Tigre e muitos outros chefes federalistas. Com a fuga de seus chefes, o pânico tomou conta
da soldadesca maragata, que também debandou, não deixando nem as marcas dos seus rastros.
E isso aconteceu justamente porque os revolucionários gaúchos não conseguiram se
unificar, e seus chefes não tinham conseguido detectar essa falha. Se unidos estivessem, a história
que hoje contamos seria bem diferente. Mas, com suas tropas divididas e sem uma coordenação
central, muitas vezes brigando entre si, estraçalharam a revolução federalista e debandaram para
o Rio Grande do Sul e Uruguai, onde ainda por algum tempo ofereceram certa resistência.
Curitiba, Lapa, Paranaguá, Ponta Grossa, Castro e Pirai do Sul foram evacuadas pelos maragatos,
acovardados pela iminente chegada dos legalistas que, ao chegarem, nenhuma resistência
encontraram.
Por isso, os legalistas, em maior número, perseguiram os maragatos em Santa Catarina e
no Rio Grande do Sul, abatendo-os de maneira cruel e selvagem. Nesse entrevero, morreram
muitos chefes revolucionários, inclusive Gumercindo Saraiva. A morte deste revolucionário
trouxe completo desânimo ao que restava das tropas federalistas. Seu irmão, Aparício Saraiva,
acossado por todos os lados, ainda conseguiu fugir para a Argentina.
O Paraná desempenhou importante papel naquela revolução estúpida e sangrenta,
proporcionando ao governo central o tempo suficiente para adquirir, no estrangeiro, uma
esquadra naval, bem como para a organização das forças necessárias para deter e repelir o avanço
federalista. A prolongada resistência da Lapa foi decisiva na concretização destes planos e
impediu o ataque ao Estado de São Paulo, o qual, desta forma, teve o tempo necessário para
mobilizar-se.
Finalmente, é preciso dizer que não foram somente as milhares de pessoas que perderam
a vida, nem os enormes prejuízos materiais causados ao Paraná que caracterizaram a revolução
federalista, e sim, a sua crueldade. De ambos os lados, inúmeras foram as atrocidades cometidas.
Houve degolas e enforcamentos realizados por ambas as partes, assaltos à casas comerciais e
residências particulares, destruição de hospitais, tortura e massacre de prisioneiros que se
rendiam com a promessa de vida e garantias, sendo depois impiedosamente executados, aos
milhares. Depois da retirada de Gumercindo Saraiva de Curitiba, as tropas governamentais
comandadas por um monstro paulista chamado general Ewerton Quadros ocuparam a capital
paranaense, iniciando a vingança dos legalistas. Os políticos e os maragatos presos eram levados
ao cemitério, obrigados a cavar suas próprias sepulturas, e cruelmente executados. A cadeia
pública era insuficiente para abrigar a grande quantidade de prisioneiros. Utilizou-se então um
teatro como prisão improvisada, onde os prisioneiros, muitos deles inocentes, também foram
violentamente seviciados.
Porém, o crime que iria abalar o Paraná seria perpetrado no quilômetro 65 da Estrada de
Ferro Curitiba-Paranaguá, onde o barão do Cerro Azul, juntamente com mais cinco
companheiros, foi barbaramente trucidado por ordem do estúpido general Ewerton Quadros e da
conivência do covarde Dr. Vicente Machado, aquele mesmo crápula que havia fugido para
Castro, e depois para o Rio de Janeiro, deixando a população curitibana à mercê da sanha dos
maragatos. Existem coisas que não consigo entender na política paranaense. Uma delas refere-se
a justamente burrice da Câmara Municipal de Curitiba que até hoje ainda preserva o nome de
Vicente Carvalho numa das principais avenidas da capital paranaense.
76
SINÓPSE HISTÓRICA DE ALGUMAS DAS CIDADES CITADAS

A cidade da Lapa, fundada em meados de 1731, representou papel importante na história do Paraná e do Brasil. Na época
da sua fundação, com o nome de Capão Alto, e depois Vila Nova do Príncipe, a Lapa teve seus primeiros impulsos de
desenvolvimento baseado no pioneirismo de homens e mulheres como João Ferreira Braga (ascendente do saudoso ex-
governador do Paraná, Ney Aminthas de Barros Braga) e dona Josefa Gonçalves. A prosperidade que teve no decorrer dos séculos
dezoito e dezenove, fez com que as autoridades provinciais de então criassem a sua comarca, que teve seu fórum instalado em 11
de maio de 1871. Em 1872, a cidade da Lapa foi elevada à condição de município, já com a denominação atual.
Em 1894, a cidade contava com aproximadamente 200 casas dispostas ao longo de 4 ou 5 ruas, que se formavam no
sentido por onda passavam as tropas que, desde Viamão, seguiam às feiras de Sorocaba. Ironicamente, a Lapa estava situada
numa região que proporcionava condições adversas para resistir à uma investida inimiga. Entretanto, no dia 17 de janeiro de 1894,
uma legião de 639 homens formada por tropas regulares e patriotas, chefiada pelo coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro,
enfrentava bravamente as forças revolucionárias de Gumercindo Saraiva, formada por cerca de 3 mil combatentes. A Lapa ainda
resistiu por 26 adias. Mesmo ferido mortalmente, Carneiro repetia a seus homens: “Resistência, resistência a todo transe.
Resistamos camaradas, porque nós, soldados, não temos direitos, mas apenas deveres a cumprir, e os deveres de um soldado
resumem-se num único: queimar o último cartucho e depois morrer”.
A coragem do povo desta pequena cidade e de seus heróis proporcionou ao governo central de Floriano Peixoto o
tempo suficiente para angarias as forças necessárias para deter as forças federalistas. A república que a Lapa consolidou com o
general Carneiro, Dulcídio Pereira, Aminthas de Barros, Joaquim Resende correia de Lacerda e outros bravos, não era apenas um
projeto de Benjamim Constant, mas um sonho dos que queriam um Brasil livre e governado por brasileiros.
Em 2002, quando a visitei, seu município contava com 2.105 km2 de território, contando com uma população de cerca
de 40 mil habitantes. Contava com 3.361 propriedades agropecuárias que produziam milho, batata, feijão, arroz, soja e
fruticultura. Na pecuária, criava-se gado bovino, suínos, aves de corte e postura. Tinha escolas de primeiro e segundo graus. Era
servida por importantes cooperativas agropecuárias e contava com 76 indústrias, 392 estabelecimentos comerciais e 72 de
serviços, 2 hospitais e 4 bancos.
Localizado na região sudoeste do Paraná, o município de Tijucas do Sul teve um papel muito importante por ocasião da
Revolução Federalista de 1993. Mesmo sendo uma das mais antigas cidades paranaenses, Tijucas do Sul somente foi elevada a
município em 14 de novembro de 1951, através da lei estadual n.º 790. Possui uma área territorial de 686 quilômetros quadrados,
contando com uma população de aproximadamente 10 mil habitantes.

A QUESTÃO PARANÁ-SANTA CATARINA

A té a emancipação política da Comarca de Curitiba, a Província de São Paulo, à qual ela


pertencia, estendia-se na sua parte meridional até o rio Uruguai (então chamado de
Goyo-En), o qual a limitava com a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Em
1853, quando a Comarca de Curitiba veio a constituir a Província do Paraná, seus limites
meridionais continuaram a ser os mesmos, uma vez que o Paraná passou a ser o legítimo herdeiro
dos limites paulistas no sul. Sua divisa com a Província de Santa Catarina iniciava-se então na
barra do rio Saí-Açu, no Oceano Atlântico, seguia por este até encontrar as nascentes do rio
Negro; daí pelo seu afluente, o rio Preto, até suas nascentes na Escarpa Geral; pelo divisor de
águas desta, até as nascentes do rio Marombas; por este até o rio Pelotas, afluente do rio Uruguai,
e pelo rio Uruguai, fazendo já então divisa com o Rio Grande do Sul, até encontrar o limite com a
Argentina, formado pelos rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio.
Desta forma, o Paraná, em 1853, estendia-se até o Rio Grande do Sul, às margens do rio
Uruguai; porém tanto o primeiro presidente da Província do Paraná, Zacarias Góis de
Vasconcelos, como os demais que o seguiram até a proclamação da República, não eram
paranaenses, mas simples aventureiros que por aqui passavam simplesmente para melhorar seu
currículo político e assim poderem disputar cargos mais altos no Rio de Janeiro.
Salvo Alfredo D’Escragnolle Taunay, que iniciou sua presidência em 1885 - após ter sido
capitão do exército na guerra que o Império moveu contra Paraguai e conhecedor da fronteira do
Paraguai com o atual Mato Grosso do Sul, onde participou da célebre “Retirada de Laguna”
comandada pelo coronel Camisão, e dos caminhos que então demandavam aos então chamados
“Campos da Farinha Podre”-, a maioria dos presidentes daquele período provincial paranaense
77
era formada por políticos que não enxergavam um palmo à frente do nariz, limitando-se a “levar
a vida na flauta”, encher a pança de finas iguarias e a cara do bom vinho que os imigrantes
italianos começavam a produzir na colônia de Santa Felicidade. Por que iriam se preocupar com
as questões de divisas entre o Paraná e Santa Catarina, se estavam em Curitiba apenas de
passagem, esperando ansiosamente pelo regresso ao Rio de Janeiro? É de se imaginar que a
maioria daqueles homens (vindos da Bahia, de Minas Gerais, de Goiás e de tantas outras
províncias distantes) nem sabiam onde ficava Santa Catarina e, muito menos, a região disputada
pelas duas províncias sulistas. O que se poderia esperar do Paraná daquele época, senão
estagnação total?

LAURO MÜLLER

E m 1895, o Brasil saiu vitorioso na questão do contestado com a Argentina, ficando


definida a fronteira internacional na região. Ao mesmo tempo estava sendo construída a
ferrovia São Paulo-Rio Grande, que passava em pleno território contestado entre o Paraná
e Santa Catarina. Em conseqüência, as terras da região começaram a valorizar-se. Por isso, em
1901 Santa Catarina entrou no Supremo Tribunal Federal reivindicando todo o território
contestado como sendo seu, colocando o Paraná, seu legítimo proprietário, no banco dos réus. De
mocinho, na questão com a Argentina, o Paraná tinha virado bandido.
E isto aconteceu, porque, enquanto os estúpidos políticos paranaenses Francisco Xavier
da Silva e Vicente Machado da Silva, ex-presidente e presidente, respectivamente, viviam se
digladiando, Lauro Müller, um experiente político catarinense, conseguindo unir Santa Catarina
em torno da sua candidatura a presidente da República, também passou a possuir maior influência
na esfera federal. Por isso, apesar da constituição federal dizer o contrário, o Tribunal Federal
abraçou a causa catarinense, que não era da sua competência.
A tal ponto os paranaenses vinham negligenciando a causa, que foi somente em 1897,
durante o governo de José Pereira Santos Andrade, que se nomeou uma comissão para estudar os
direitos do Paraná na região em conflito. Santos Andrade até acabou “pagando um mico” ao
mandar um dos membros daquela comissão a Portugal, a fim de verificar a autenticidade dos
documentos que os catarinenses diziam possuir. Então o rei português lhe falou:
O quê vocês brasileiros ainda querem de nós portugueses? Vocês ainda não se
contentaram com o território que nos roubaram há 75 anos, ou ainda não sabem que o Brasil já
têm governo próprio e que não é mais colônia de Portugal?
-Acontece...
- Não acontece nada. Eu cá já tenho muitos problemas a resolver. Por que vocês não vão
lavar a roupa suja em suas próprias casas, que nem me interessa saber onde ficam!
Os idiotas paranaenses, vendo que tinham dado com os “burros n’água”, enfiaram “o
rabo entre as pernas” e imediatamente regressaram ao Paraná. Depois ainda dizem que português
é burro. Asnos foram aqueles vereadores curitibanos que colocaram o nome daquela besta
chamada José Pereira Santos Andrade numa das principais praças de Curitiba.
Se bem que seja verdade que o membro daquela comissão não encontrou absolutamente
nada em Portugal referente àquela encrenca entre paranaenses e catarinenses, também é verdade
que, ao defender os interesses paranaenses em 1904, o conselheiro Joaquim da Costa Barradas
utilizou uma argumentação sem qualquer fundamentação jurídica, acabando derrotado pelo
defensor de Santa Catarina, que afirmou, entre outras invencionices, que “Santa Catarina tinha o
direito por possuir os direitos naturais”, ou seja, de ter como divisa com o Paraná os rios Saí-

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Guaçu, Negro e Iguaçu. O que ele queria. que Santa Catarina tivesse como limites naturais com o
Paraná os rios Amazonas, Araguaia e o São Francisco?
É claro que o defensor do Paraná não aceitou tal argumentação, mas os embargos que
opôs só foram julgados entre 1909 e 1910, quando novamente era presidente do Paraná Francisco
Xavier da Silva que, não constituindo um defensor competente, deixou que o Tribunal Federal
desse ganho de causa ao Estado de Santa Catarina. Essa decisão, no entanto, não foi executada de
imediato, em virtude do juiz federal de Curitiba, João Batista da Costa Carvalho, aceitar a
alegação paranaense de que a execução da decisão da Suprema Corte só poderia ser realizada
mediante lei federal. Enquanto se discutia a questão, os ânimos se inflamaram nos dois estados, e
o “pau comeu feio” na região contestada, atingindo até o mais humilde cidadão.
Isto aconteceu porque a maioria dos habitantes do território entregue ilegalmente pelo
judiciário à Santa Catarina, negava-se a aceitar a administração catarinense. Acostumados a se
comunicarem com Curitiba, alegavam que seriam esquecidos pelo governo de Florianópolis. Isto
era um pensamento unânime tanto daqueles habitantes como do político Caetano Munhoz da
Rocha, que começava a despontar na política paranaense, sendo eleito governador em 1920.
Rocha dizia em seus discursos, que o governo paranaense jamais deveria entregar aquela região
para Santa Catarina. Mas que se isso forçosamente ocorresse, as lideranças políticas daquela
região deveriam lutar para formar um Estado próprio em todo o território do contestado. Essa
idéia vingou e imediatamente as lideranças políticas do contestado escolheram inclusive o nome
da futura provável nova unidade da federação: Missões. Foi até confeccionada uma bandeira e
formado um governo provisório com sede em União da Vitória. Então, para se vingar da derrota
que tinha sofrido de Santa Catarina, o governo do Paraná chegou a assinar um compromisso com
o governo provisório do Estado das Missões. Mas, na verdade, o que o governo paranaense
realmente queria era recuperar o território perdido.
A situação voltou a ficar tensa na região contestada e uma conflagração armada começou
a ser articulada. Foi então que interveio na questão o presidente da República, Wenceslau Braz.
Era preciso evitar um conflito armado a qualquer custo.
Por outro lado, Santa Catarina temerosa com a perspectiva de voltar a ser reduzida a um
ínfimo território a beira-mar resolveu então ceder e negociar com o Paraná a definição de suas
divisas. As discussões entre os dois estados foram longas e difíceis. O Paraná cedeu o chamado
“Contestado Norte”: Itápolis, Papanduva e Canoinhas. Ficando os territórios a oeste do rio do
Peixe divididos grosso modo pelo divisor de águas entre as bacias do Iguaçu e Uruguai, a
chamada “linha Wenceslau Braz”. Desta forma, o Paraná recuperou o sudoeste (Palmas e
Clevelândia) e perdeu as terras da vertente do rio Uruguai. O Paraná ficou com 20.000 km2 da
região contestada e Santa Catarina com 28.000 km2, cujo acordo foi assinado em 1916, já no
governo paranaense de Carlos Cavalcanti de Albuquerque.
À partir desse acordo, toda a região do contestado ficou como que abandonada por muito
tempo. Seus habitantes viviam na marginalidade. Sua população cabocla era densa, ignorante e
vivia quase quem em completo abandono. Os sertanejos eram ingênuos e dominados por
superstições fetichistas ligadas a devoções católicas. Mesmo assim, agitavam-se estas populações
com as transformações que estavam ocorrendo na região. Uma dessas transformações era a
construção da ferrovia que ligaria o Estado de São Paulo com o Rio Grande do Sul e que passava
pelo vale do rio do Peixe, em direção a Marcelino Ramos, no Rio Grande do Sul. A partir de
1908, a construção dessa ferrovia passou para um grupo econômico norte-americano denominado
Brazil Railway Company, ligado às empresas do então milionário norte-americano Percival
Farquhar, o mesmo que construiu a malfadada Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Rondônia.

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O Brasil não tinha condições de pagar a construção da Ferrovia São Paulo-Rio Grande, e
o contrato de concessão, assinado em 1908 com o próprio Percival Farquhar, estipulava que a
mesma seria paga em terras. As terras estipuladas a Farquhar seriam equivalentes a oito
quilômetros de cada lado da ferrovia. A titulação dessas terras coube ao Estado do Paraná, e não à
União, já que pela constituição de 1891 todas as terras devolutas pertenciam ao domínio estadual.
Foram então tituladas àquela empresa norte-americana extensas glebas, desde o vale do
rio Ivaí até o rio Uruguai, na divisa com o Rio Grande do Sul. Na região do Contestado estas
terras, que passaram à empresa norte-americana, estava em parte povoadas por posseiros. Os
norte-americanos [como mais tarde os ingleses viriam fazer no norte do Paraná] resolveram
“limpá-las” da indesejável presença daqueles posseiros. Para concretizar tal objetivo, a Brazil
Railway Company criou uma espécie de guarda fardada e bem armada, com carta branca para
executar a “quebra de milho”, caso fosse necessário. Passaram os caboclos a serem ameaçados e
expulsos de suas posses e, quando reagiam, eram sumariamente abatidos a tiros de carabinas,
tendo seus ranchos e plantações incendiadas.
Naquela época, os posseiros eram protegidos dos chamados “coronéis papa-terras”, que
usavam o seu trabalho braçal para o desmatamento de suas glebas. Mas, com a chegada da
ferrovia e a conseqüente valorização das terras, esses latifundiários também passaram a hostilizar
os posseiros, procurando tirá-los de suas lindes, pois sem a presença deles seria mais fácil
revendê-las e obter maior lucro. Abandonadas pelos governos do Paraná e Santa Catarina, e
ameaçadas tanto pelos norte-americanos como pelos coronéis latifundiários, as populações
sertanejas começaram a revoltar-se e a culpar o regime republicano por suas desgraças. No tempo
do Império, nunca ninguém os havia incomodado. Com o advento da república, vieram os norte-
americanos com sua violência e a hostilidade dos coronéis e das polícias do Paraná e Santa
Catarina, complicando suas vidas.
Para trabalharem na construção da ferrovia, de repente começou a chegar gente de todo o
mundo. Eram espanhóis, portugueses, alemãs, italianos, russos, cubanos, mexicanos, porto-
riquenhos, árabes, índios norte-americanos e até presidiários brasileiros, retirados das
penitenciárias para ali trabalharem em troca da diminuição da pena. Havia conversas em polonês,
inglês e francês, enquanto se comia bacalhau, toucinho, farofa mineira, churrasco gaúcho e
pinhão paranaense. Nos dias de pagamento, grupos de jogadores percorriam os acampamentos e
as cenas de Far West eram freqüentes. A vida era dura, mas o pior eram os ataques de índios que
os posseiros sofriam. Os assaltos às suas posses eram alarmantes.
Dessa forma, pode-se avaliar o ambiente moral existente entre as turmas de operários que
construíam a ferrovia e as populações sertanejas. Os assaltos aos trens pagadores também eram
freqüentes. Os caboclos sentiam-se cercados de inimigos: o governo federal republicano, os
coronéis papa-terra e seus capangas, a polícia ilegal dos norte-americanos, os operários da
ferrovia e as polícias legais do Paraná e Santa Catarina. Tudo isso revoltava os sertanejos. Mas
ainda havia o fato do governo federal vender extensas áreas em lotes pequenos a imigrantes
europeus que ali se fixavam, porém nada fazendo para melhorar a vida dos sertanejos nativos
daquela região. Por aí logo se vê que para estourar uma rebelião só faltava alguém que liderasse
os caboclos. Esse líder era esperado e desejado pelos sertanejos. E ele surgiu na pessoa de Miguel
de Lucena, um católico desmiolado que se autodenominava “Monge José Maria”.

FANATISMO RELIGIOSO

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E ntre o início da segunda metade do século dezenove até 1912, grande parte da região sul-
brasileira foi percorrida por figuras sinistras que a população sertaneja chamava de
“monges”. A partir de 1850, um daqueles fanáticos religiosos habitava uma gruta na
cidade da Lapa, tinham barba cerrada, longa cabeleira, sandálias feitas de couro cru, usando um
barrete de pele de onça na cabeça, um bordão na mão e um terço dependurado no pescoço,
passando a maior parte do dia percorrendo as serras e as florestas da região. Era o ex-padre da
Ordem de Santo Agostinho, Giovani D’Agostini, um imigrante italiano chegado na cidade da
Lapa em 1844, sendo pároco na igreja matriz da cidade, até 1845. Ainda bastante jovem e
incomodado com as normas eclesiásticas que o celibato lhe impunha, acabou juntando-se a uma
cabocla, com a qual viveu alguns anos, abandonando a batina. Depois que ela morreu, D’Agostini
adotou o nome de João Maria e passou a percorrer todo o Sul do Brasil, exortando os homens à
prática das virtudes do bem, receitando ervas como remédios a quem solicitasse, dando conselhos
aos aflitos, fincando cruzes recobertas de miçangas pelos caminhos por onde peregrinava.
João Maria morreu não se sabe onde e nem como, mas logo que começaram a sentir a sua
falta os caboclos paranaenses também começaram a chamá-lo de “Santo João Maria”. Para eles,
um homem tão bom e tão milagroso teria que ser beatificado. E imaginavam que um dia ele
haveria de voltar. Nesse ambiente de fanática expectativa, certo dia apareceu o segundo monge.
Era o gaúcho Anastás Marcaf, que chegou à cidade da Lapa junto com as tropas do maragato
Gumercindo Saraiva, durante a Revolução Federalista de 1894. Dizia ter conhecido o monge João
Maria, de quem se tornara discípulo, e autodenominava-se João Maria de Jesus. Era de índole
pacífica, não se intrometeu no conflito que Saraiva promoveu ao cercar a Lapa, nunca fez mal a
ninguém e nem procurou afastar qualquer pessoa do catolicismo. Seguia, porém, suas próprias
idéias religiosas. Uma vez o então pároco da Lapa, frei Rogério, solicitou que ele fosse assistir a
uma missa. O monge retrucou asperamente: “Minha reza vale tanto quanto uma missa”; e não
compareceu à igreja.
Dos três monges que apareceram na cidade da Lapa, Anastás Marcaf, o monge João
Maria de Jesus, foi o que mais se perpetuou na lembrança dos sertanejos. Mas desapareceu da
Lapa misteriosamente, em 1906. Desconsolados com o desaparecimento do monge, a população
lapeana se perguntava: “Onde andará o nosso mestre, o nosso médico, o nosso confidente, o
nosso conselheiro”? O que não imaginavam é que o monge tinha ido para a região contestada,
onde a tensão política e social aumentava o problema das populações sertanejas daquela área em
disputa interestadual, causado pelos desmandos das polícias paranaense e catarinense, e
principalmente pelos assaltos dos bandidos assalariados da companhia ferroviária norte-
americana.
Neste estado de calamidade pública, era justamente no chamado Estado das Missões que
se fazia necessário um líder espiritual para comandar os sertanejos esfomeados; um guia que os
chefiasse numa revolta armada. Mas sendo o monge João Maria de Jesus inimigo da violência, só
conseguiu lhes dar um pouco de alento espiritual, não conduzindo os sertanejos à luta armada.
Essa revolta só aconteceu quando por lá apareceu o terceiro monge, que era na realidade um
bandido chamado Miguel Lucena, fugitivo de uma cadeia do Paraná – provavelmente um
daqueles antigos maragatos das tropas de Gumercindo Saraiva. Este bandido, aproveitando-se da
tensão então existente na região contestada, arvorou-se em monge, nome de tão gratas
recordações aos sertanejos, e aliciou ao seu redor os posseiros desgostosos, os sertanejos
injustiçados, os homens perseguidos, os prisioneiros que trabalhavam na companhia ferroviária,
os bandidos que perambulavam pela região e deu-lhes instruções militares, armando-os com
espadas de madeira, facões, espingardas pica-pau e garruchas. Seus seguidores foram chamados
de “pelados” e os adversários de “peludos”.
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Este monge bandido apareceu inicialmente em Palmas e reapareceu nos sertões de
Campos Novos, autodenominando-se José Maria de Agostinho e dizendo-se irmão do primeiro
monge. Usava as qualidades de persuasão do primeiro e realizava “milagres”. Assim tornou-se
chefe e guia dos caboclos, criando os chamados “quatro santos”, que eram redutos de resistência.
Ao mesmo tempo, montou uma guarda pessoal, com 24 sertanejos fortes e decididos, a quem
chamou de “os onze pares de França”, por influência de um livro que lera.
Entretanto, sua ordem era clara: “não atacar, mas resistir”. O número de seus adeptos
cresceu rapidamente. O pretexto para a guerra surgiu quando o monge recusou-se a atender uma
pessoa doente da família do coronel Albuquerque, grande latifundiário naqueles sertões e
presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. A partir daí, as autoridades
catarinenses procuraram dispersar os sertanejos, não os perseguindo. Porém, com diplomacia,
convenceram o monge a atravessar o rio do Peixe, entrando dessa forma em território paranaense.
Dessa forma, os fanáticos de José Maria instalaram-se nos campos de Irani (hoje
território catarinense). A polícia paranaense armou uma expedição militar bem armada,
comandada pelo coronel João Gualberto, o qual, chegando a Irani, intimou o monge a comparecer
com urgência à sua presença, para explicar o motivo de tanta gente armada. Também lhe mando
dizer que caso não comparecesse, seu reduto seria atacado. O monge não compareceu, e João
Gualberto resolveu atacar. Daquele momento em diante, cada sertanejo tornou-se uma fera,
matando qualquer pessoa que julgasse adversária, atacando os soldados dentro da mata, numa
luta corpo a corpo, sangrenta e cruel. Foram enormes as baixas de ambos os lados, mas a tropa
policial foi totalmente aniquilada. No embate também morreram o coronel João Gualberto e o
falso monge José Maria.
Após aquele vitória, os sertanejos, apoderando-se do farto armamento deixado pelos
soldados mortos e, sem chefe, abandonaram a então paranaense povoação de Irani, seguindo para
a catarinense Campos Novos. Teriam se dissolvido, não fosse o aparecimento de um novo líder:
Eusébio Ferreira dos Santos. Chefiados por este, organizaram forte resistência em Taquaruçu. A
memória do monge José Maria era freqüentemente invocada. A neta de Eusébio jurava ter visto
várias vezes o monge, que lhe aparecera em sonho e ordenara que continuassem a luta. Assim,
Eusébio passou a dar ordens em nome do “Santo José Maria”.
Estabelecendo-se no município catarinense de Curitibanos, os fanáticos prepararam o
reduto de Taquaruçu, inclusive com seção de artilharia, para a guerra contra uma nova fora
militar que havia sido providenciada pelo governo federal na tentativa de derrotá-los. Os militares
atacaram Taquaruçu com violento bombardeio e fogo de metralhadoras. Os sertanejos
debandaram, fortificando-se desta vez em Caraguatá. Nesta altura dos acontecimentos, a luta
perdeu toda a sua característica religiosa, para se transformar em banditismo armado. O nome de
José Maria deixou de ser lembrado, pois os amotinados tornaram-se simplesmente jagunços,
salteadores e facínoras que lutavam para saquear e roubar, não tendo qualquer outro objetivo em
mente.
A fome, o tifo e a malária grassavam em suas fileiras. Já não esperavam ser atacados. Ao
contrário, a partir de 1914, eram eles que partiam para o ataque, quando ocuparam Papanduva e
Itaiópolis, ameaçando invadir Rio Negro. Surgiram entre eles os líderes Afonso Voland,
Carneirinho e Gregório. Este, percebendo que o reduto de Caraguatá estava em péssimas
condições higiênicas, transferiu seu estado-maior para a localidade de Santa Maria.
O governo federal percebendo que estava desperdiçando tempo, homens e munições ao
organizar pequenas expedições, resolveu então organizar uma campanha de envergadura,
mobilizando uma divisão de infantaria, um batalhão de artilharia e outro de cavalaria, para cercar
a zona conflagrada pelos quatro cantos, estreitando-a cada vez mais. Os militares começaram
82
então a colecionar vitórias, destacando-se a ação do capitão Potiguara com o estrangulamento do
reduto de Santa Maria. Ali, entre os sertanejos desesperados, renasceu o misticismo, aliado ao
banditismo. Esperam a ressurreição de algum monge, que haveria de dar-lhes felicidade e fartura.
Mas bombardeado continuamente, o último reduto dos fanáticos cedeu. A maioria dos caboclos
conseguiu fugir, mas nunca mais tentaram reagrupar-se. Terminada a Guerra do Contestado,
foram contabilizadas 13 expedições para conseguir desbaratar os fanáticos e 61 anos de lutas
(desde 1853, quando o Paraná se tornou independente de São Paulo e iniciou as conversações
com a Argentina e, posteriormente, com Santa Catarina), perdendo-se milhares de vidas, entre
soldados e caboclos.
Quando o monge José Maria e o coronel João Gualberto iniciaram a guerra nos campos de
Irani, os sertanejos não tinham uma idéia formada em relação ao Contestado. Não tomavam
partido nem a favor nem contra qualquer dos dois lados envolvidos naquela questão. Na época,
foram governadores do Paraná, sucessivamente, Vicente Machado da Silva, Manoel de Alencar
Guimarães e Francisco Xavier da Silva. Se algum daqueles três paspalhões tivesse tido a
hombridade de tirar a bunda das cadeiras palacianas, ido até a região contestada, conversado com
as lideranças caboclas, verem de perto os verdadeiros motivos sociais da inquietação sertaneja e
soubessem aproveitar a força que esses milhares de homens representavam, solucionando-lhes
seus principais problemas; ou seja, dando-lhes terras e alguma subsistência, teriam garantido para
o Paraná todo o controle da região contestada. Mas ao invés de fazerem isso, impuseram-lhes um
regime de terror, dispersando-os à bala e, não satisfeitos, ainda procuravam expulsá-los das terras
que, finalmente, o Paraná perdeu para Santa Catarina.
Em 1918, depois que o Paraná perdeu para Santa Catarina o que é hoje a parte oeste
daquele Estado, inúmeros foram os paranaenses daquela região que, por motivos diversos, não
quiseram permanecer sob o governo catarinense. Para proteger essa gente e tentar reunir no
sudoeste paranaense essa população cabocla, o governo do Paraná criou a colônia do Bom Retiro,
no município de Clevelândia, em terras de uma antiga fazenda que levava esse nome. Só mais
tarde é que a localidade foi denominada Pato Branco. Essa colônia, porém, foi quase que
totalmente destruída pela revolução de 1924, mas aos poucos conseguiu recuperar-se. Antes,
porém, em 1920, toda a colonização do sudoeste paranaense, dirigida pelo próprio governador do
Estado do Paraná, Caetano Munhoz da Rocha, sofreu um revés. O governador foi obrigado a
titular aos norte-americanos da Brazil Railway Co., extensas glebas em pagamento pela
construção do ramal ferroviário entre Ponta Grossa e Guarapuava. A gleba Chopin foi totalmente
titulada aos norte-americanos em pagamento da construção da referida ferrovia, e a de Missões
pela construção do ramal estadual. Dessa forma, quase todo o sudoeste paranaense passou a ser
propriedade daquela multinacional norte-americana.

BREVE HISTÓRICO DE SANTA CATARINA

A inda hoje há quem costume dizer que Santa Catarina é um pedaço diferente do Brasil, às
vezes sem esconder que, com isso, procura insinuar que Santa Catarina é como se não
fosse um pedaço do Brasil. Se as pessoas são mais ou menos morenas no resto do país, o
indivíduo louro é quase uma característica de Santa Catarina. Entre todos os brasileiros, o
“Catarina louro e forte” foi sempre o soldado mais solicitado para as tropas de elite das Forças
Armadas, especialmente para a Polícia do Exército (PE). Santa Catarina é diferente, sim. Mas
quem diz que ela não parece Brasil nunca conheceu a doçura de suas frutas, o sorriso de suas
moças de coxas grossas, seios volumosos e olhos azuis, nem o perfume de seus campos onde
florescem os lírios-do-brejo.

83
O litoral de Santa Catarina situa-se nas terras de Sant`Ana, donatária de Pero Lopes de
Souza. Habitada pelos índios carijós, foi com freqüência visitada por navegantes portugueses e
espanhóis, que demandavam as terras do sul e as descobertas no Pacífico, e por missionários
jesuítas em missões de catequese. Atribui-se a Sebastião Caboto (1526), a denominação de
“Santa Catarina”, mas só na segunda metade do século dezessete seriam tentadas as primeiras
ocupações estáveis na sua costa, com a fundação, por vicentistas das póvoas de Nossa Senhora
das Graças (São Francisco do Sul), em 1658, Nossa Senhora do Desterro (mais tarde
Florianópolis, em homenagem ao marechal Floriano Peixoto), entre 1675 e 1678, e Santo
Antônio dos Anjos (Laguna), em 1676. Em 1711, as terras de Pero Lopes de Souza foram
readquiridas pela coroa portuguesa aos herdeiros do donatário e, pouco depois, de Laguna,
partiram os primeiros exploradores da região de São Pedro (atual Rio Grande do Sul) chefiados
por João de Magalhães, genro de Brito Peixoto, fundador de Laguna. O ouvidor Rafael Pires
Pardinho, em correição, organizou a vida das fundações e, em 1726, o ouvidor Lanhas Peixoto
deu à povoa do Desterro os foros de vila.
Extremamente pobres e abandonadas, as fundações catarinenses arrastaram-se sem
qualquer progresso até 1739, quando chegou à vila do Desterro, para governar aquela capitania-
subalterna, o brigadeiro José da Silva Paes, que lhe prestou notável animação, tomando a
iniciativa de numerosas construções – fortalezas, casas do governo e igreja matriz, entre outras –
e promovendo o povoamento do litoral com famílias açorianas que, de 1748 a 1756, foram
transportadas das ilhas dos Açores para Santa Catarina, em número superior a 4 mil pessoas. Em
1749 foi criada a ouvidoria de Santa Catarina e dados á capitania-subalterna os seus primeiros
limites.
Em 1753, foi criado, com os moradores, um regimento de linha logo apelidado de barriga-
verde (por ser composto de litorâneos), que com o passar dos anos transmitiria a alcunha a todos
os filhos da terra. Com a distribuição dos casais açorianos foram criadas numerosas freguesias e
povoados - São Miguel, São José, Enseada do Brito, Paulo Lopes, Vila Nova de Santa Ana,
Garopaba – e maior desenvolvimento atingiram as antigas fundações vicentistas.
Em 1766, no planalto, sobre o caminho que ia da localidade gaúcha de Viamão à feira de
Sorocaba, o governador da Província de São Paulo, Morgado de Mateus, exorbitando as suas
atribuições, determinou a fundação da vila de Nossa Senhora dos Prazeres das Lajes, sob os
protestos do governador da capitania-subalterna de Santa Catarina, que tinha jurisdição sobre
aquela parte do planalto. Em 1777, os espanhóis comandados por Pedro de Zeballos – 9 mil
homens transportados em 100 navios – tomaram e ocuparam a ilha de Santa Catarina, que no ano
seguinte seria restituída a Portugal em conseqüência do tratado de Santo Idelfonso.
Depois disso, numerosas embarcações destinadas à pesca e à industrialização de baleias
surgiram em toda a costa de Santa Catarina, dentro do monopólio vigente para o litoral brasileiro
e a navegação e o comércio foram as principais atividades do homem do litoral, fracassando a
tentativa de estabelecer uma economia em base agrícola, conduzindo a um, a grave crise nos fins
do século dezoito.
O século dezenove veio encontrar, entretanto, uma pequena capitania, com uma
população de 20 mil pessoas aproximadamente, distribuídas e três vilas, cuja vida econômica e
social ia em expansão, e numerosas freguesias distribuídas principalmente na zona litorânea,
continuando o planalto isolado. Em 1822, com a Independência, Santa Catarina tornou-se uma
das províncias do Império (trinta e seis anos antes do Paraná) e a vila do Desterro (a sua capital),
em 1823, recebeu os foros de cidade, passando a ser a sede do governo provincial e do Conselho
Geral da Província, substituído, em 1835 pela Assembléia Legislativa Provincial.

84
Em 1829, iniciou-se o movimento colonizador da Província, com a admissão dos
primeiros imigrantes de etnia diversa da lusitana, fundando-se São Pedro de Alcântara com
colonos alemães, movimento que culminaria em 1850, 1851 e 1860 com a instalação das grandes
colônias de Joinville, Blumenau e Brusque. Em 183l, apareceu o primeiro jornal da Província – O
Catarinense – fundado por Jerônimo Francisco Coelho, que além de jornalista, viria a ser a maior
expressão política de Santa Catarina nos tempos do Império. Em 1835, a Província de Santa
Catarina criou a sua primeira força policial.
A República Juliana, expansão da República de Piratini e conseqüência da revolução
Farroupilha, foi proclamada em Laguna a 29 de julho de 1839, mas teve curta duração, caindo a
15 de novembro do mesmo ano, apesar da bravura de seus defensores, inclusive de Anita
Garibaldi, que viria mais tarde a ser consagrada, depois das lutas na Itália, como a heroína de dois
mundos. Ao atingir a metade do século dezenove, a população de Santa Catarina já era de 80 mil
habitantes, contando-se os cerca de 14 mil escravos, dividindo-se em duas comarcas, 6
municípios e 22 freguesias. Em 1889, a República veio encontrar Santa Catarina com 320 mil
habitantes, elevando-se o número de municípios a 20 e o de comarcas a 12.
Palco de sangrentos acontecimentos, em 1894, devido à Revolução Federalista que se
desenvolveu em grande parte no território então disputado com o Paraná (contestado), Santa
Catarina teve a cidade do Desterro (atual Florianópolis) como sede do Governo Provisório,
instalado pelo almirante Frederico Guilherme de Lorena. As lutas políticas originadas na divisão
da população do Estado, em dois campos opostos, conseqüência da Revolução Federalista, só em
1902 encontraram seu fim, com a pacificação iniciada por Lauro Muller com sucesso, formando-
se as duas correntes em torno do Partido Republicano Catarinense, que governou o Estado até
1930.
De 1912 até 1915, na região do contestado, desenvolveu-se a luta dos fanáticos e,
em 1917, um acordo entre os estados de Santa Catarina e Paraná colocou fim à velha questão de
limites, originadas nas aventuras expansionistas de Morgado Mateus, no século dezoito.
Passaram para a jurisdição de Santa Catarina cerca de 28 mil quilômetros quadrados. Apesar de
aquela região possuir cidades importantes como Xaxim, Xanxerê, Chapecó e Concórdia, entre
outras, é na região de colonização alemã, principalmente no vale do Itajaí, que se encontram as
principais cidades do Estado de Santa Catarina. Joinville possui inúmeras fábricas de produtos
metalúrgicos, material rodoviário, máquinas e motores, geladeiras, fogões, plásticos, têxteis e
produtos alimentícios. Blumenau é o maior centro têxtil do sul do Brasil, abrigando, ainda,
numerosas outras atividades industriais, como metalurgia, fábricas de bebidas, de cristais,
produtos químicos e produtos alimentícios. Brusque e Jaraguá do Sul são especializadas em
produtos têxteis.
Muitas outras cidades na mesma área e em outras possuem importantes indústrias,
destacando-se Concórdia (Sadia), Chapecó (Perdigão), Tubarão (pescados), São Bento (móveis),
Rio do Sul (tecidos), Lajes (embutidos), Criciúma (carvão mineral) e Joaçaba (frutas). As
indústrias madeireiras são de importância fundamental na economia de Santa Catarina,
salientando-se a de móveis e a de erva-mate. As melhores praias do sul do Brasil também estão
em Santa Catarina, destacando-se a de Cabeçudas, da Joaquina, do balneário de Camboriú, de
Itapema, do Pinho (naturalista), da Penha (onde está o famoso circo do Beto Barreiro) e do Porto
Belo.
Quanto aos brasileiros ilustres, Santa Catarina ainda nos deu Anita Garibaldi (heroína da
Revolução Farroupilha e da unificação da Itália), Jerônimo Coelho, Vitor Meirelles, Luís Delfino,
Cruz e Sousa, Fernando Machado, Guilherme Xavier de Sousa, Lauro Muller, Hercílio Luz,
Colombo Sales, Felipe Schmidt, Vidal Ramos, Vitor Konder e Nereu Ramos.
85
A OCUPAÇÃO DO NORTE VELHO

O início da colonização da região paranaense hoje conhecida como norte velho, ou norte
pioneiro, retrocede ao ano de 1840, quando duas iniciativas econômicas, independentes,
deram inicio à ocupação daquelas terras compreendidas entre os rios Itararé,
Paranapanema e Tibagi, pelos seguintes motivos: 1 – a necessidade estratégica de ligar o litoral
brasileiro com a Província do Mato Grosso, liderada por João da Silva Machado, o futuro barão
de Antonina; 2 – o desejo dos tropeiros - que estacionavam suas tropas em Sant’ana do Itararé
para pagar os impostos naquele antigo posto fiscal – por aquelas terras novas e férteis, levaram-os
a iniciar uma organização que acabou tomando posse de algumas áreas naquela região.
Estava também em questão a comunicação com o Mato Grosso, um dos grandes
problemas do governo imperial: não havia nem mesmo caminhos tropeiros que ligassem o Rio de
Janeiro com aquela província. A única comunicação possível era a fluvial que partia de Buenos
Aires e, através do rio da Prata e depois pelo rio Paraguai, os aventureiros conseguiam chegar à
atual cidade de Cáceres e depois, por terra, seguindo um picadão, conseguiam chegar até a cidade
de Vila Bela da Santíssima Trindade [na atual fronteira com a Bolívia], a capitania mato-
grossense que, com a criação daquela província, foi transferida para Cuiabá.
É claro que nos meados do século dezenove já existia um caminho terrestre para Mato
Grosso, via Minas Gerais, que, atravessava o chamado Triângulo Mineiro e demandava à atual
cidade sul mato-grossense de Paranaíba e, daí por diante, transpondo os campos de Camapuã,
Coxim e Campo Grande, atingia as cidades de Aquidauana, Miranda, Corumbá e o restante
daquele então inóspito território.
Mas sendo este um caminho muito longo, penoso, perigoso e impraticável para quem
demandava da região sul, fazia-se necessário para o Paraná encontrar um caminho terrestre mais
viável. João da Silva Machado, que tinha interesse em grilar terras em Mato Grosso, interessou-se
pelo problema e, para viabilizar o seu projeto, contou com a colaboração do sertanista João
Francisco Lopes e do agrimensor inglês Jonh Henry Elliot que, depois de realizarem algumas
expedições por aquela província, concluíram que o melhor caminho para Mato Grosso, partindo-
se de Curitiba, era o caminho tropeiro que passava por Castro, Jaguariaíva e pelos campos de
Ventania, até atingir a margem esquerda do rio Tibagi. Dali por diante, navegando-se rio abaixo,
os viajantes facilmente poderiam atingir o rio Paranapanema e, na foz deste, o rio Paraná, divisa
natural do Paraná com o Mato Grosso. Seria, portanto um caminho terrestre-fluvial, mas o mais
prático para as suas pretensões latifundiária. Também é interessante observar que, por onde
passava o insaciável latifundiário ia se apoderando de tantas terras quantas pudesse grilar e
registrar em seu nome.
E foi assim que surgiram as fazendas Lagoa, Congoinhas, Santa Bárbara e,
posteriormente, a São Jerônimo que, como as outras, possuía mais de 30 mil alqueires. Para
concretizar o projeto desse caminho, o latifundiário João da Silva Machado constatou a
necessidade de: 1 – fundar nas margens do Tibagi uma colônia agro-militar mesclada de brancos
[geralmente criminosos retirados das cadeias públicas] e escravos negros. Os primeiros para
garantirem a segurança do projeto, em troca de uma aparente liberdade, e os segundos para
trabalharem gratuitamente na terraplanagem do caminho, roçadas e construção de pinguelas; 2 –
organizar nas margens do mesmo rio um aldeamento indígena para obtenção de mão-de-obra
barata especializada em navegação fluvial.
Em 1878, a gleba São Jerônimo já registrava 76 famílias brancas, além da população
indígena. Mas um inglês chamado Herbert Harrison Mercer, morador da vila de Tibagi,
86
ambicionava apoderar-se daquelas terras. E, para conseguir seu intento, conseguiu afastar até o
pároco do aldeamento. Em seguida, tentou transferir os índios para a outra margem do rio Tibagi.
Não conseguindo, armou a jagunçada que tinha em Tibagi, invadiu aquela área e se fixou como
posseiro, nomeando para comandar a sua posse o agrimensor e seu patrício Jonh Henry Elliot,
que acabou falecendo em São Jerônimo, em 1888.
É triste constatar que o barão de Antonina, tido e havido como herói paranaense, não agia
para beneficiar qualquer outra coisa que não fosse os seus mesquinhos interesses pecuniários,
mesmo usando e abusando do dinheiro Imperial. Com esse dinheiro, iniciou a colonização de
Jataí por volta de 1850, quando foram iniciados os serviços preliminares para a instalação
daquela povoação. Mas, oficialmente, a Colônia agro-militar do Jataí e do aldeamento de São
Pedro de Alcântara só foram criados pelo decreto imperial n.º 751, de dois de janeiro de 1851 e
sua fundação deu-se em oito de dezembro de 1854, sendo seu primeiro diretor o major Thomaz
José Muniz. Quatro anos antes, porém, Muniz havia feito algumas expedições pelas margens do
Tibagi e Paranapanema, quando constatou que não havia índios naqueles trechos. Sem a
colaboração indígena não serie possível desenvolver aquele empreendimento. Resolveu então o
barão de Antonina trazer índios caiuá do Mato Grosso. Em fins de 1859, porém, a população de
Jataí teve uma grande surpresa: apareceram na povoação dezenas de índios caingangues, ferozes
inimigos dos caiuás. Mas o que os caingangues disseram é que estavam vindo do planalto de
Piratininga [São Paulo] e só queriam achar um lugar para seu aldeamento.
Aproveitando-se dessa nova e inusitada situação, o esperto barão de Antonina vendeu
para o inocente governo imperial, por um preço bem acima do que realmente valia a fazenda São
Jerônimo [hoje município de São Jerônimo da Serra], distante 60 quilômetros de Jataí e situada às
margens daquele já referido caminho de Jaguariaíva, onde fundaram o Aldeamento São Pedro de
Alcântara, para onde foram levados os índios caingangues. Naquele ano, a população de Jataí era
de 154 habitantes, sendo que 91 eram escravos negros procedentes de São Paulo, 52 brancos de
Curitiba, três caboclos de Minas Gerais e oito mamelucos oriundos de Antonina, no litoral
paranaense. Em 1880, a população passou para 306 habitantes e, seis anos depois, as autoridades
imperiais emanciparam a localidade de a tutela militar, entregando-a à administração civil da
Província do Paraná. Hoje, com a denominação de Jataizinho, aquele município tem o mérito
histórico de ter sido o primeiro núcleo colonizado oficialmente no norte do Paraná.
Quanto aos índios, com o correr do tempo os caingangues reconciliaram-se com os
caiuás, passando o aldeamento de São Pedro de Alcântara a ser habitado por elementos
pertencentes a essas duas nações indígenas. Em 1874, o aldeamento foi elevado à categoria de
freguesia. Porém, em 1877, ocorreu uma terrível epidemia de varíola, contra a qual os índios não
possuíam resistência, exterminando, em apenas dez dias, mais de 400 indivíduos. Despovoado o
aldeamento, a sede da freguesia foi transferida para a outra margem do rio. Isto é, para o território
da colônia Jataí, embora o aldeamento continuasse a existir.
Entretanto, até a criação do Serviço de Proteção ao Índio [SPI], em 1910, aqueles índios
jamais tiveram quem os defendesse. Grileiros, posseiros e políticos tibagianos aproveitavam-se
daquela situação para invadirem as terras indígenas com a sua jagunçada. Em 1920, Deolindo
Corrêa de Mello conseguiu junto ao então governador do Paraná, Caetano Munhoz da Rocha, a
criação do município de São Jerônimo da Serra, tanto em terras indígenas quanto nas que hoje
abrangem os municípios de Uraí (Pirianito), Jataizinho, Assaí, Congoinhas e Curiúva. O SPI não
reconheceu aquele município, mas de nada adiantou. Em 1924, o filho de Herbert Harrison
Mercer, Edmundo Alberto Mercer, chegou a tentar a aprovação de uma lei federal extinguindo o
aldeamento, para vender aqueles terras aos ingleses da Paraná Plantations que haviam chegado ao
norte do Paraná. Apesar de não ter conseguido a aprovação da lei, acabou apoderando-se de 85%
87
daquela área, à custa de muito derramamento de sangue. O aldeamento não foi extinto, mas os
índios acabaram ficando com apenas 15% da área original.

O VALUTO

A ocupação do norte velho começou por volta de 1840, quando muitos agricultores
mineiros “quebrados” começaram a tentar a sorte como tropeiros, indo comprar muares
no Rio Grande do Sul e Argentina para os vender na sua terra natal. Ao passarem pelo
Paraná, tomaram conhecimento que ao norte de Jaguariaíva havia muitas terras exuberantemente
férteis e devolutas. Após a Revolução Liberal de 1842, muitos mineiros implicados naquela
escaramuça, com receio de serem perseguidos ou até presos, começaram a debandar para o sul.
Em 1843, um daqueles tropeiros mineiros, chamado Domiciano Corrêa Machado, vendeu a sua
fazenda em Brazópolis (MG) e migrou para uma região do norte do Paraná então conhecida como
“Valuto”. Faziam parte da sua comitiva, além da sua família inteira, amigos, parentes e muitos
escravos, fazendo a sua posse na margem esquerda do rio Itararé; isto é, na chamada “água” do
Itararé.
Depois de registrada a sua “água”, Domiciano doou próximo às margens do Itararé um
terreno para que servisse de patrimônio (povoação) ao pequeno núcleo urbano da região: São
José do Cristianismo. Pouco mais tarde, um dos seus agregados fundou o núcleo de São José da
Boa Vista *. Como São José do Cristianismo estava localizada numa terra onde grassava a
malária, a localidade foi incorporada em 1875 por São José da Boa Vista, resultando na extinção
do primeiro núcleo.
Ainda em 1843, no divisor das águas entre os rios Itararé e Cinzas, surgiu a posse de
Joaquim José de Sena, que a trocou cinco anos após por uma espingarda de carregar pela boca
(pica-pau). Em 1853, o novo proprietário a vendeu por 700$000 réis para uma empresa que
iniciou um núcleo chamado “Colônia Mineira”, hoje o município de Siqueira Campos. Os
mineiros mais abastados continuavam fazendo suas posses sempre em direção ao oeste, entre os
vales dos rios das Cinzas e Laranjinha. Um desses posseiros chamava-se Joaquim José de
Azevedo, que chegou a possuir 42 mil alqueires naquela região.
Em 1867, o Major Thomaz Pereira da Silva, um desertor das tropas brasileiras que faziam
a guerra contra os paraguaios, ficou com medo de ser preso em Minas Gerais e em companhia do
seu amigo Domiciano Corrêa Machado, da sua família e de 200 soldados, que também tinham
desertado, e de dezenas de escravos, fugiu de Itajubá para fixar-se às margens do rio das Cinzas.
Das terras que tomou posse, em 1878 surgiu a povoação que deu origem à atual cidade de
Tomasina.
É interessante observar que, inicialmente, muitos mineiros ricos vinham para o Paraná,
adquiriam suas terras (compradas com dinheiro vivo) e depois regressavam para Minas Gerais,
onde ficavam aguardando a valorização das suas glebas. Entre esses mineiros abastados,
encontrava-se João Gonçalves da Costa, natural de Alfenas, que adquiriu uma enorme área de
terras nas margens do rio Laranjinha (Posteriormente, Costa também adquiriu uma grande área na
região de Porecatu). Este fluxo mineiro ocupou praticamente todas as terras entre os rios Itararé,
Cinzas e Laranjinha. O grande problema dos mineiros, principalmente depois da libertação dos
escravos, era a mão-de-obra agrícola. Mas, como tinham fartura de dinheiro, foi fácil angariar a
mão-de-obra do caboclo paranaense, principalmente a dos nativos dos campos de Ponta Grossa.
* Por volta de 1844, a população de São José da Boa Vista estava assim formada: 60% de paranaenses, 30% de mineiros e 10% de
paulistas. Em 1903, havia 80% de paranaenses, 27% de paulistas e insignificantes 3% de mineiros. À partir de 1930, praticamente

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já não havia nenhum mineiro original no norte velho, os que tinham ficado no Paraná migraram para as terras do norte novo,
colonizadas pelos ingleses da Paraná Plantations.

A SAGA DA MULHER INDÍGENA

S e é verdade ou não, o certo é que um antigo morador de Jacarezinho dizia que um seu
antepassado, Joaquim Gonçalves da Costa, era primo de Cláudio Manoel da Costa, e que
também havia participado da Inconfidência Mineira. Depois da delação de Joaquim
Silvério dos Reis, Joaquim Gonçalves da Costa amarrou a sua traia no lombo de uma mula,
arreiou outra para uma índia chamada Maria Ferreira, que era sua criada, e caiu no mundo,
terminando por chegar ao que é hoje o norte velho do Estado do Paraná, no final do ano de 1790.
Com a proclamação da independência, aquele desbravador voltou para Minas Gerais,
deixando aquela índia na foz do rio Itararé, junto ao Paranapanema, cujo local mais tarde ficou
conhecido como Porto Maria Ferreira. A Antigüidade de sua presença na região faz crer que ela
foi uma das primeiras pessoas a se fixarem no norte velho. Perto daquele porto, acabou
desenvolvendo-se um núcleo que mais tarde foi denominado Espírito Santo do Itararé. Mas,
como o lugar estava muito sujeito à malária, foi transferido para um lugar mais alto,
transformando-se no que é hoje a cidade de Ribeirão Claro, colonizada por elementos paulistas,
assim como também o foi o antigo núcleo de Jaboticabal, hoje o município de Carlópolis.
Em1884, outro mineiro de Alfenas, Severo Batista, gozava da amizade do então
presidente da Província do Paraná, o também alfenense Basílio Machado de Oliveira. Tinham
crescido juntos no sul de Minas Gerais, mas enquanto Oliveira seguiu a carreira diplomática no
Rio de Janeiro, Batista foi para o interior da Província de São Paulo, plantar algodão. Tomando
conhecimento da existência de boas terras roxas na região do Valuto, Batista foi à Curitiba,
encontrou o seu antigo amigo e acabou sendo agraciado por este com extensa área naquela região
norte-paranaense.
Em 1888, após ter levado um enorme prejuízo com a libertação dos escravos, Antônio
Alcântara da Fonseca vendeu sua propriedade rural no município mineiro de Airuoca e, a convite
de Severo Batista, foi estabelecer-se na região do Valuto. Mas não conseguiu comprar ou
apossar-se de terras, indo inicialmente trabalhar nas terras pertencentes a Batista. Alguns anos
depois, requereu a sua própria posse junto à margem esquerda do Paranapanema e, como era
costume entre os mineiros, batizou a propriedade de Água da Prata. Depois disso, apossou-se e
abriu mais algumas glebas, sendo as principais delas a Água de Ourinho, a Água do Alambari e a
Água da Capivara.
Em 1895, Severo Batista reclamando aquelas terras como sendo pertencentes à sua
primitiva posse, entrou em conflito com o seu antigo amigo Antônio Alcântara da Fonseca, mas
este não reagiu provocando violência e simplesmente pagou o que Batista reclamava, iniciando o
núcleo que hoje é conhecido como Jacarezinho. Resolvida essa questão, Fonseca voltou à Minas
Gerais e com ele trouxe várias famílias mineiras, fixando-as um pouco mais ao sul de
Jacarezinho, nas margens do rio das Cinzas, local que primeiramente recebeu o nome de Água
das Bicas, depois Água do Boi Pintado. Foram, portanto, aquelas famílias mineiras que, em 1895,
organizaram o núcleo que hoje é conhecido como Santo Antônio da Platina.
Com a propaganda que se fez daquelas terras em Minas Gerais, o fluxo migratório
mineiro aumentava a cada ano que passava. A maioria daqueles migrantes conheciam aquela
região apenas como Valuto, não sabendo que o Paraná já era independente de São Paulo e muito
menos da existência de Curitiba. Os que já haviam ouvido falar daquela cidade imaginavam que

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ela até pertencesse a outro país, ou a outro planeta. Para eles, a capital do Valuto era São Paulo,
onde iam fazer suas compras e tratar de seus doentes.

AS ESTRADAS DE FERRO DO NORTE DO PARANÁ

E m 1895, “engordando os olhos” na produção agrícola que os mineiros estavam realizando


no Valuto, o então presidente da Província do Paraná José Pereira Santos Andrade,
chegou até a pretender ligar Curitiba com aqueles núcleos populacionais, mas faltando-lhe
visão e capacidade administrativa, seu projeto não passou da intenção, enquanto a Província de
São Paulo já levava os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana para Ourinhos **. Se bem que
aquela iniciativa paulista tenha beneficiado as populações do Valuto, também é certo que ela
beneficiou muito mais os paulistas, visto que as relações comerciais entre aqueles dois povos
tornou-se cada vez mais acentuada. E, de certa forma, isto continua acontecendo até os dias
atuais, sendo de prever-se que continue por tempo indeterminado. Os próprios ingleses que
colonizaram o norte novo entraram por Ourinhos e não por Jaguariaíva ou qualquer outra
localidade paranaense. Para os habitantes do Valuto, o governo do Paraná não os beneficiava em
nada, os únicos prédios públicos que construía naquela região eram somente aqueles destinados à
cobrança de taxas e pesados impostos.
Com a chegada dos trilhos da Sorocabana em Ourinhos, a região de Jacarezinho começou
a produzir café em quantidades exportáveis. Enquanto isso, os norte-americanos da Brazil
Railway Co., construíam a Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, que interligaria o sistema
ferroviário paulista ao gaúcho, passando pelos Campos Gerais do Paraná.
Em 1905, procedente de São Paulo, chegou à Jaguariaíva o primeiro comboio ferroviário,
e em 1924 a Estrada de Ferro Sorocabana levou seus trilhos até a cidade paranaense de Cambará,
localizada a 29 quilômetros de Ourinhos, canalizando toda a produção agrícola do norte velho
para São Paulo e o porto de Santos. Esse relacionamento comercial entre o norte do Paraná e São
Paulo continuou crescendo de maneira acentuada, principalmente depois de 1954, quando o
governo federal levou os trilhos da Estrada de Ferro SãoPaulo-Paraná até Maringá.
Em 1903, o governo do Paraná tentou construir uma rodovia entre Jaguariaíva (onde os
trilhos da São Paulo-Rio Grande já estavam chegando) e Jacarezinho, mas como sempre, aquela
iniciativa paranaense também acabou não saindo do papel, mesmo por que a população de
Curitiba, acostumada a usar a erva-mate, nem imaginava o que era o café. Naquele ano, um
daqueles técnicos que haviam ido à Jaguariaíva analisar as condições do terreno para a
construção da estrada até Jacarezinho, acabou levando dois pacotes de café do tipo Sumatra para
Curitiba, fato que até virou notícia de jornal. Enquanto essa ignorância com referência ao café
continuava prevalecendo na mentalidade demasiadamente tradicionalista do povo curitibano, o
governo paulista construía uma ponte ferroviária sobre o rio Paranapanema e uma linha
telegráfica ligando o noroeste do Estado de São Paulo com o norte velho do Estado do Paraná.
Foi somente em 1912, durante o governo do presidente Carlos Cavalcanti de
Albuquerque, que o Paraná começou a construir o chamado “Ramal do Paranapanema”, uma
estrada de ferro que mais tarde acabou ligando Jaguariaíva a Jacarezinho. Mas a construção
daquela pequena ferrovia foi tão lenta que os paulistas acabaram a apelidando de “ferrovia dos
desmaios”.
De grande importância para a região do norte velho foi a presença do fazendeiro paulista,
oriundo de Ribeirão Preto, major Antônio Barbosa Ferraz, que iniciou uma enorme plantação de
café em Cambará, por volta de 1910. Barbosa Ferraz adotou a política de que não era preciso
somente produzir, era necessário exportar. Baseado nessa política, em 1920 Barbosa Ferraz
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acabou sendo agraciado pelo governo federal para explorar por um período de 70 anos uma
ferrovia que, partindo da conexão da Sorocabana em Ourinhos, cortasse o rio das Cinzas e o
Laranjinha, passando pela antiga colônia de Jataí, e fosse até a margem esquerda do rio Paraná,
na fronteira com a República do Paraguai, projeto conhecido como Cincinato Braga, o antigo
sonho dos ingleses em construir uma ferrovia transcontinental unindo o Oceano Atlântico ao
Pacífico, ou seja, a realização da ferrovia Santos-Antofagasta. Barbosa Ferraz, entretanto, sabia
de antemão que não possuía capital suficiente para prosseguir com essa estrada de ferro. Mas, em
1924, o destino acabou colocando os ingleses da Paraná Plantations no seu caminho. Comprando
os direitos para a exploração daquele ferrovia, em 1928 seus trilhos já tinham alcançado as
localidades de Andirá, Bandeirantes, Santa Mariana e Cornélio Procópio. Em 1929 já tinham
transposto a localidade de Ibiporã, inaugurando a Estação Ferroviária de Londrina em 1930.
À partir da década de 1920, a região que seria polarizada pela ferrovia São Paulo-Paraná
sofreu um progresso tão vertiginoso, que superou o de todo o restante do Estado do Paraná e até
mesmo o das mais progressistas regiões do interior paulista. Foi dentro desse contexto que, em
1922, uma missão japonesa, chefiada por Enzo Yamashima, adquiriu uma parte da gleba
Congonhas, que Barbosa Ferraz havia comprado dos descendentes do barão de Antonina.
Contudo, novamente o governo do Paraná impôs restrições para aquela transação
internacional, protelando a documentação das terras por muitos anos, o que prejudicou em muito
a migração japonesa para o norte do Paraná. Por isso, a colonização daquela área pelos japoneses
só começou realmente em 1936, por determinação do interventor Manoel Ribas, que autorizou a
Companhia Nambei à fundar a cidade de Pirianito (atual Uraí). Antes disso, porém, os japoneses
já tinham comprado novas áreas naquela região, como a Fazenda Três Barras, onde mais tarde
fundaram a colônia de Assaí, a maior concentração japonesa do Brasil. Apesar disso, os
japoneses jamais impediram que grupos de brasileiros também se instalassem naquela colônia.
Pelo contrário, até colaboraram para que isso pudesse acontecer. Afinal, logo que estavam no
Brasil, precisavam aprender o idioma e os costumes brasileiros com a maior rapidez possível.
Na terceira década do século vinte, principalmente após a queda do governador Caetano
Munhoz da Rocha e da intervenções federais do general Mário Tourinho e Manoel Ribas, a
construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande começou a fazer sentir a sua importância na
economia daquela região. Até então, a gordura mais usada na culinária brasileira era a banha
suína. O Paraná ainda não produzia essa gordura e dependia praticamente da banha
industrializada em São Paulo pelas “Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo” (IRFM), ou do
azeite de oliva importado de Portugal e das regiões produtoras da Argentina. A rápida
urbanização de Curitiba, aliada à construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande, estimulou o
desenvolvimento da suinocultura. O mercado de banha e derivados suínos aumentou
substancialmente.
A política de substituição do uso da banha produzida em São Paulo pela produzida no
Paraná, veio estimular a produção paranaense (se bem que a banha da IRFM ainda continuasse
sendo a única usada por largo tempo na região norte). A partir de então, desenvolveu-se a
produção, comercialização e industrialização do suíno, principalmente quando o futuro
governador Moysés Lupion entrou nesse ramo, inaugurando suas fábricas em Ponta Grossa,
União da Vitória e Curitiba, tornado estas cidades grandes centros de comercialização e
distribuição do produto.
A suinocultura também começou a se desenvolver nas antigas colônias de imigrantes
espalhadas pelo interior do estado, principalmente nas entradas dos sertões do sudoeste.
Tornaram-se então grandes produtores de suínos as regiões de Pato Branco, Catanduvas,

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Laranjeiras do Sul, Pitanga, Ortigueira e Faxinal. O sudoeste tornou-se a maior região produtora
de suínos do Brasil.
Os núcleos mais antigos do chamado norte velho, como São José da Boa Vista, Siqueira
Campos, Tomasina, Santo Antônio da Platina e Sant’ana do Itararé também se caracterizaram
como grandes produtores de suínos. O grande problema desses núcleos era a comunicação com
São Paulo e com o restante do território paranaense, havendo somente a precariedade dos
caminhos que davam passagem às tropas de muares e varas de suínos. Os preços das mercadorias
de primeira necessidade eram aviltantes e vendiam-se à base da troca. Até os salários eram pagos
em mercadorias. O dinheiro que entrava, era reservado para as compras de roupas, calçados e
medicamentos.
No início do século vinte, a acelerada urbanização da cidade de São Paulo e o avanço das
Estrada de Ferro Sorocabana em direção a Ourinhos também trouxeram algum progresso ao norte
do Paraná. A produção agrícola daquela região não tinha bom mercado em São Paulo, mas a
banha suína sim. Então, a exemplo da região sudoeste, a suinocultura também passou a ser a
atividade predominante no norte velho, usando-se o mesmo sistema de safra. De São José da Boa
Vista e Siqueira Campos as porcadas eram vendidas principalmente em Sengés, Jaguariaíva e
Sant’ana do Itararé, ou na cidade paulista de Itapeva. Havia casos em que enormes varas de
suínos caminhavam do norte velho do Paraná até as longínquas cidades paulistas de São José da
Boa Vista e Batatais.
Até nos municípios produtores de café a economia passou a ser dividida com a
suinocultura. Deles, as porcadas eram conduzidas até as cidades paulistas de Ourinhos, Piraju,
Xavantes ou Santa Cruz do Rio Pardo e dali embarcadas em vagões ferroviários para São Paulo.
A região de Santo Antônio da Platina era considerada a melhor praça paranaense para a
venda de porcos, e seu maior comprador chamava-se Antônio Batista da Veiga. Seu mercado
atingia os sertões de Abatiá, Jundiaí do Sul, Ribeirão do Pinhal, Ventania e Monte Alegre,
atraindo a atenção das empresas frigoríficas Armour, Matarazzo e Swift, entre outros grandes
frigoríficos brasileiros. A empresa paulista Matarazzo chegou a instalar um grande matadouro em
Jaguariaíva, aproveitando os trilhos da Ferrovia São Paulo-Rio Grande, espalhando compradores
pela regiões de Siqueira Campos, Joaquim Távora, Curiúva, Ibaiti, Ribeirão do Pinhal, Siqueira
Campos e até nos sertões de Londrina, Apucarana, Maringá, Campo Mourão e Faxinal.
Todos os porcos dessas regiões eram tropeados para Jaguariaíva até a abertura da Estrada
do Cerne, na década de 1940, quando os safristas passaram a transportar os porcos em
caminhões, quando a suinocultura norte-paranaense começou a declinar por causa da peste suína
que se abateu sobre toda a região. Por isso, o Frigorífico Matarazzo fechou suas portas em 1947,
deixando em Jaguariaíva somente um enorme barracão que hoje é utilizado pela prefeitura
municipal.
Apesar da sua total falta de capacidade construtiva, o governo do Paraná, temendo que
toda a produção do norte do Paraná fosse exportada pelo porto de Santos, colocou toda espécie de
obstáculos para que o fazendeiro Barbosa Ferraz não conseguisse realizar o seu sonho. Mas de
nada adiantou. Com a chegada dos ingleses, pelas vias legais, ou ilegais, não importa aqui
discutir essa questão, aquela ferrovia acabou avançando solenemente em direção à Londrina.
Outra preocupação do governo paranaense era a de que os mineiros, aliados dos paulistas,
continuassem ditando ao governo federal as diretrizes que melhor lhes interessasse. Por outro
lado, criou-se entre a sociedade paulista o slogan de que “São Paulo era uma locomotiva que
puxava 21 vagões vazios” (os “vagões” em questão eram os demais estados da federação). E os
cafeicultores paulistas ainda diziam que “onde houvesse café, aí devia estar a presença de São
Paulo”. De certa forma, o governo federal sempre apoiou essa teoria paulista. Tanto é verdade,
92
que não liberava verbas para que o governo do Paraná construísse obras de grande vulto. Foi
somente em 1920, durante o governo de Caetano Munhoz da Rocha, que foi concluído o ramal
ferroviário entre Wenceslau Braz, Ibaiti e Tomasina. Mas a chamada “ferrovia dos desmaios”
ainda continuava a passo de tartaruga.
À proporção que se aproximava a eleição presidencial de 1930, o conflito de interesses
entre São Paulo e Paraná se acentuava. O Candidato situacionista (indicado pelo então presidente
Washington Luiz) era o paulista Júlio Prestes. Se fosse eleito, a invasão paulista ao norte do
Paraná era coisa certa. Dentro dessa conjuntura política, compreende-se o motivo da rápida
adesão dos paranaenses à “revolução” implantada por Getúlio Vargas. Entre outras coisas,
Vargas pretendia impedir que Prestes assumisse a Presidência da República. Por este motivo, e
em apoio à Vargas, o governo paranaense mandou suas tropas para Itararé, na divisa com o
Estado de São Paulo.
Foi naquela ocasião que o historiador paranaense Romário Martins acabou “inventando”
uma fictícia “batalha de Itararé”, entre paulistas e paranaenses, batalha esta, que, aliás, jamais
aconteceu. Por esse motivo, a literatura antológica paulista criou um personagem fictício,
mentiroso e contador de lorotas, chamado “Barão de Itararé”, quem sabe, o próprio Romário
Martins.

O MUNICÍPIO DE TIBAGI

A região onde hoje está localizada a cidade de Tibagi sempre foi uma área mineradora.
Mas, até por falta de mão-de-obra escrava, por muitos anos aquela atividade esteve
parada. Contudo, em 1912 os garimpos tibagianos começaram a receber nova força de
trabalho com gente vinda do Nordeste. Naquele ano, trazendo consigo as suas famílias, chegaram
a Tibagi os irmãos Santos: Augusto, Orlando, Mário e Abílio, estabelecendo-se com casas
comerciais em Barreirinho, Mandaçaia e Lajeado Bonito – as duas primeiras às margens do Rio
Tibagi e a última em Campina Alta.
Paralelamente ao comércio, foram eles mantendo os garimpeiros às margens do rio
Tibagi ou de seus afluentes, conseguindo bons resultados nas lavras de ouro e diamante. Daí em
diante, numerosas levas de garimpeiros começaram a se estabelecer ali. Em 1916, com a notícia
da descoberta de novas minas, foram para Tibagi, entre outros, os nordestinos Izaias Malaquias
da Ressurreição e os irmãos Rogaciano Ferreira de Souza e Manuel Saturnino de Souza. Nesse
mesmo ano também foram descobertas as minas de carvão mineral no Salto dos Aparados, na
Serra de Apucarana.
Quanto à expedição comandada pelo capitão Palm, narrada no livro de Bigg-Witter, está
mais do que provado que aquela expedição, além do interesse em nos vender seus entulhos
ferroviários, também vinha bisbilhotar as minas auríferas e diamantíferas de Tibagi, as reservas
florestais do norte do Paraná e arrumar uma maneira para se apoderarem delas, o que realmente
aconteceu décadas depois, cuja chefia coube ao inglês Simon Joseph Fraser, o Lord Lovat, que,
ainda adolescente, deve ter se entusiasmado com o livro de Bigg-Witter, o escritor da expedição
Palm.
É interessante salientar que o interesse daqueles britânicos pelas terras da antiga Província
Real del Guayrá, que o próprio cartógrafo que projetou e loteou o município de Tibagi era um
inglês, procedente dos Estados unidos, chamado Jonh Henry Elliot, falecido no interior do atual
município de São Jerônimo da Serra, em 1888.
O livro de Bigg-Witter teve consagradora difusão na Inglaterra. Bastou a sua publicação
por John Murray, da Albermale Street, um dos mais famosos editores do mundo daquela época,
93
para corroborar o sucesso, visto que ele também dava notícias das potencialidades agrícolas das
terras, a fortuna que poderiam auferir com exploração da madeira da portentosa mata atlântica,
enfatizando que os registros geológicos também evidenciavam riquezas no seu subsolo. Os
recursos inexplorados do norte do Paraná acusavam a presença de grandes veios de ouro, de
diamante e de outros minerais, enriquecendo os relatórios e cadernetas de campo daqueles
homens. Em junho de 1876, Thomas Plantagenet Bigg-Witter proferiu palestra na Real Sociedade
Geográfica de Londres sobre o vale do rio Tibagi. O êxito dessa exposição pode ser aferido pelo
acolhimento que lhe deu a austera e tradicional entidade, fazendo-o de imediato seu afiliado.
Thomas Plantagenet Bigg-Witter assumiu, posteriormente, postos de importância na
construção da Estrada de Ferro Central de Bengala, no então Império Britânico das Índias;
transferindo-se depois para Gorakhpur, quase nos confins do Himalaia. Em abril de 1887 assumiu
a direção técnica da estrada de ferro daquela região e supervisionou a construção de novos
ramais. Tinha quarenta e quatro anos de idade quando, a 19 de julho de 1890, em uma viagem de
volta para a Inglaterra, a bordo do navio Assam, faleceu em alto mar, tornando-se o Oceano
Índico a sepultura do escritor do engodo Pioneering In South Brazil, o livro isca que atrairia na
segunda década do século vinte outros ingleses na busca de oportunidades, de tramóias e de
enriquecimento ilícito a qualquer custo.
Neste ponto, faz-se necessário abrir um parêntesis para falarmos de alguns outros
ingleses. Como já nos referimos em outra ocasião, é sabido que o município de Tibagi abrangia
praticamente toda a região onde hoje está localizado o Norte do Paraná. E a exemplo do
decendente de ingleses Willie Brabazon da Fonseca Davids (então prefeito de Jacarezinho e o
primeiro prefeito nomeado de Londrina), também entrou em cena o topógrafo, político e
historiador tibagiano Edmundo Alberto Mercer. Nascido na Fazenda Santo Antônio, nos
arredores da cidade de Tibagi, às 4 horas da manhã do dia 1 º de outubro de 1878, Edmundo era o
terceiro filho de Herbert Harrison Mercer e de Maria Antônia de Sá Mercer. Seu pai era natural
de Ransgate, Condado de Kent, Inglaterra, enquanto sua mãe era uma cabocla gaúcha de Passo
Fundo.
Edmundo Alberto Mercer tornou-se órfão de pai com a idade de 15 anos e, com seu
irmão João José Mercer (Jango) assumiu a responsabilidade de gerir a casa comercial deixada por
seu pai. Mais tarde aprendeu o ofício de marcenaria, instalando uma oficina em sua própria casa,
atividade que durou pouco tempo em virtude de um acidente que sofreu aos 17 anos e que lhe
resultou uma hemiplegia. Afilhado de batismo de seu tio Frederick Harrison Mercer - o
engenheiro inglês que ficou em Tibagi como remanescente daquela fracassada empresa britânica
de mineração, à qual já nos referimos -, aprendeu com este o manejo dos instrumentos de
engenharia, tornando-se agrimensor. Adotando a agrimensura como sua nova profissão, acabou
por conhecer os sertões da antiga Província Real del Guayrá, até então inabitados ou habitados
somente pelos índios guaranis e coroados.
Herdeiro do desprendimento do seu avô, o tenente-coronel José Florentino de Sá
Bittencourt – aquele que o engenheiro e escritor inglês Bigg-Witter visitou e descreveu como
“um talentoso capitão de Far West”, em seu livro Pioneering in South Brazil, publicado em
Londres, em 1878 -, palmilhou aqueles sertões, estudando-os, medindo-os, abrindo picadas e
estradas por onde, pouco depois, também entraram os ingleses da Paraná Plantations.
Bem antes desses acontecimentos, porém, ainda em 1910, a serviço de outra empresa
inglesa, a “Colle & Weiss”, Edmundo Alberto Mercer chefiou a construção da primeira estrada
de rodagem no oeste do Paraná, abrindo um “picadão” que, do salto Ubá, no Rio Ivaí, estendeu-
se por mais de 220 quilômetros em plena selva, até as barrancas do rio Paraná; destinada à
“importação” de gado magro do Estado de Mato Grosso para engordá-lo nos Campos Gerais.
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Estamos falando da hoje conhecida “Estrada Boiadeira”, cujo trecho entre Campo Mourão e
Cruzeiros do Oeste ainda não está asfaltado, apesar das promessas de todos os governadores do
Paraná que cheguei a conhecer.
Falando inglês fluentemente, a figura de Edmundo Alberto Mercer foi de substancial
importância para as pretensões dos ingleses da Paraná Plantations e depois aos da Companhia de
Terras Norte do Paraná (CTNP). A ele os ingleses devem o completo conhecimento da imensa e
rica região compreendida entre os rios Piquiri, Ivaí, Tibagi e Paranapanema, que Mercer, nos seus
apontamentos, chamava de “Eldorado Paranaense”, intermediando as negociações de parte
daquelas terras entre a CTNP e o governo do Estado do Paraná.
E era tanta a sua afeição pelos ingleses, que em 1917 conduziu até o Paraguai uma
comissão britânica interessada na instalação de frigoríficos naquele país, fazendo os estudos
preliminares para seus assentamentos. Antes dessa aventura, porém, ainda em 1915, exercendo as
funções de Comissário Estadual de Terras, organizou um mapa do então município de Tibagi,
que abrangia 1/3 do Estado do Paraná e, em 1918, após a sua segunda penetração pelos sertões do
Gran Guayrá, publicou um mapa mais atualizado daquele município. Dessa forma, e de posse de
toda a documentação referente aos proprietários daqueles terras, conhecedor de todos os
meandros dos cartórios e da prefeitura de Tibagi (aonde chegou a ser prefeito e juiz de direito),
foi fácil para ele realizar aquela tramitação com os ingleses. Além disso, ele era deputado
estadual na época em que a CTNP começou a se instalar no Paraná, cargo que lhe facilitou ainda
mais o sucesso daquela fraudulenta transação.

FAZENDA FORTALEZA

F ernão Dias Paes Leme, na procura de esmeraldas, quando de sua longa estada nos sertões
de Monte Alegre (atual Telêmaco Borba) e na serra de Apucarana, arrebatou cerca de 5
mil índios caingangues e os recambiou para as margens do rio Tietê. Com isso, como seria
natural, cresceu entre aqueles índios o ódio ao homem branco: daí a epopéia da Fazenda
Fortaleza (fundada em fins do século dezoito e situada a 20 quilômetros da cidade de Tibagi),
onde o sargento-mor José Félix da Silva Passos, cedendo ao arrojo do paulista, abandonou a
Passagem da Lança (atual Piraí do Sul), pequena demais para conter suas ambições, e galgou o
planalto que encima a Serra das Furnas, firmando ali suas posses; mas teve que se entender com a
recalcitrância dos caingangues, que não entregaram a serra senão a custo de muito sangue. E a
luta se abriu cruenta e intrépida.
José Félix, levantando muralhas em derredor da sede da sua fazenda, também organizou a
milícia necessária para combater os caingangues. Antônio Machado Ribeiro (Machadinho), seu
capitão-do-mato, se aventurou em lances épicos e quebrou a resistência daqueles índios num
lugar que ficou conhecido como “Mortandade”, um campo aberto na Fazenda Fortaleza. Como
recompensa por aquela carnificina, José Félix mandou Machadinho tomar posse dos campos do
quadrante Iapó-Tibagi. Entretanto, com o advento das sesmarias, na sua desmedida ambição José
Félix da Silva Passos fez constar na sua Carta as lindes que abrangiam as terras que havia doado
a Machadinho.
Cedendo à prepotência do ingrato sargento-mor, mas sem perder o ânimo, Machadinho
cruzou o Tibagi e, na sua margem esquerda, há menos de um quilômetro para cima da
confluência do Iapó, entre 1790 e 1794 estabeleceu uma nova possessão. Nessa aventura,
novamente teve de combater os caingangues. E os venceu com relativa facilidade. Em auto
judicial (que se encontra arquivado no Cartório de Tibagi), firmou os seus direitos e o escrivão
lhe deu a posse das terras que havia conquistado. Algum tempo depois, encontrando-se
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Machadinho com José Felix - o usurpador da sua primitiva feitoria -, segundo crônicas da época
houve entre eles o seguinte diálogo:
- Como vai o compadre Machadinho em sua nova fazenda?
- Bem – disse Machadinho, apoiando a mão direita na sua espingarda. – Tenho, é verdade,
sofrido muito, perdi dois filhos varados pela flechas dos bugres, mas graças a Deus legalizei
minhas posses e agora quero lhe prevenir de uma coisa: - se o compadre fizer como da outra vez,
a sua vida vai ficar dentro deste cano. E apontou-lhe a espingarda que hoje se encontra no Museu
Paranaense.

A GANÂNCIA EUROPÉIA

A cobiça pelas riquezas então existentes nas terras paranaenses e sua extração voraz e
continuada veio desde o projeto mercantilista da Paraná Plantations, que motivou a
invasão do norte do Paraná, e das colonizadoras que se apoderam do sudoeste do Estado.
Isso, de certa forma, está se repetindo nas atuais invasões e saques de territórios indígenas na
Amazônia pelo sistema de capital neoliberal, no âmbito do atual imperialismo, no contexto da
chamada “globalização”.
Como exemplo, podemos lembrar a nau Bretoa que, em 1511, deixou Lisboa em 22 de
fevereiro, aí retornando dentro de oito meses “com carga de cinco mil toros de madeira do Brasil
e alguns animais e pássaros vivos, levou para a Europa trinta e tantos índios cativos”. Comenta
José Oscar Beozzo (Leis e Regimentos das Missões – Política Indigenista no Brasil, Edições
Loyola, São Paulo, p. 10, 1983): “Tudo que o mercantilismo toca torna-se, como que por encanto,
em ‘mercadoria’, com seu preço e seu lugar definido no circuito comercial, perdendo todas as
suas qualidades e direitos, seja a terra, sejam as árvores, sejam as pessoas”.
Talvez seja um desafio conseguirmos aproximar em números todas as riquezas que as
terras do Paraná – pertencentes a dezenas de povos indígenas – tinham por ocasião da invasão da
baía de Paranaguá, em 1524, pelos donatários portugueses Martim Afonso de Souza e seu irmão
Pero Lopes de Souza, e que foi o motivo maior de seu extermínio. Só avaliando a quantidade de
ouro e outros minérios do Paraná levados, a quantidade de especiarias das florestas, a madeira de
araucária e outras centenas de espécies, até a atual biodiversidade existente ainda em algumas
regiões, como a central e a da serra do Mar, poderíamos ter uma idéia de quanto custaram as
milhares de vidas nativas. Hoje, chegamos ao ápice deste processo expropriatório quando até
mesmo o sangue indígena é sugado por projetos como o “Genoma” para finalidades que fogem
totalmente do controle desses povos. Dessa “empresa vampiresca” não apenas participam
cientistas, comerciantes, industriais e outros bandidos, mas também os mais diversos atores do
projeto colonizador, como políticos, militares, missionários e intelectuais.
Atualmente, temos um lobi permanente dos latifundiários da soja e dos pecuaristas junto
ao Congresso Nacional, exigindo a regulamentação da exploração agrícola das terras indígenas.
As madeireiras paranaenses – onde ainda existem quantidades de madeiras maiores, como
Mangueirinha e Quedas do Iguaçu – forçam o cerco sobre as terras e lideranças indígenas, ou
aliam-se a setores que visam impedir a demarcação e regularização das terras indígenas. Portanto,
a cobiça, o roubo e o saque ainda continuam.

THE PARANÁ PLANTATIONS

J usto é sem dúvida assinalar que além do grande interesse que se reveste o tema “Colonização
do norte do Paraná” para toda pessoa interessada no assunto, ou pela curiosidade que todos
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temos de entender o enigma da aparentemente benéfica colonização da The Paraná Plantations
naquela região brasileira, também é bom lembrar a violência que os ingleses, através dos tempos,
praticaram contra o Brasil. Isso encerra para o leitor uma importância fundamental. Tanto durante
a Colônia, Império ou República, os ingleses, como verdadeiros vândalos, sempre participaram
de forma muito estranha na evolução geral da história brasileira, chegando a participar de forma
muito particular na colonização do norte do Paraná (leia-se “Missão Montagu"), quando se
apresentaram como um bálsamo para todas as dores paranaenses daquela época.
Daí a necessidade que temos em revelar a verdadeira “preocupação” dos ingleses naquele
episódio e questionar se não havia outro meio mais honesto e mais patriótico para resolver o
problema da colonização do setentrião paranaense que não fosse através daquela rapinagem
internacional. Paradoxalmente, como a reforçar a nossa opinião, o próprio livro comemorativo ao
cinqüentenário da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, já na sua apresentação transcreve
um texto que Arthur Thomas publicou no “Times of Brazil” e que manifesta bem a idéia de
ganância, do lucro rápido e das riquezas naturais que aqueles estrangeiros surrupiaram do norte
do Paraná.
Diz o texto: “Para o homem imaginativo, há qualquer coisa de irresistível na
contemplação de mapas onde aparecem grandes áreas desabitadas, mas com grandes
potencialidades. Seu pensamento voa ao encontro de meios e maneiras de acesso, colonização e
desenvolvimento, e seus sonhos logo descortinam um futuro no qual o deserto se cobre de flores
e da terra brotam imensas riquezas. Tais foram homens como Raleigh e Penn, Cook e Rhodes e,
em tempos mais recentes, o falecido Simon Joseph Frazer, o Lord Montagu”.
Tinha razão o inglês Arthur Thomas de pensar dessa forma, pois sabia que seus patrícios
sempre tiveram uma paixão desenfreada pela utilidade particular e exclusiva daquilo que não lhes
pertence por direito, faturando, fixando, cultivando, pilhando e atuando sobre a capacidade de
mover a seu favor, de captar, de granjear, de alcançar, de provocar e de usufruir de um negócio
proveitoso, fosse ele de caráter honesto ou não. O que lhes interessava eram os lucros, tanto fazia
se mesquinhos e danosos ao restante da humanidade. No norte do Paraná abusaram dos migrantes
mineiros, paulistas e nordestinos, que ofereciam a mão-de-obra quase escrava e indispensável à
sobrevivência de seus projetos, dentro de condições incompatíveis com a dignidade humana,
subjugada ao capitalismo selvagem que atentava contra a própria soberania nacional.
Entre as pessoas que mais sofreram aquela brutalidade britânica, estavam,
principalmente, os primeiros posseiros brasileiros que foram para lá buscando um mundo melhor,
buscando o mesmo anseio que tem sido acariciado pelo homem em todas as épocas, desde o dia
mesmo em que a humanidade começou a conhecer a dor que a oprime. Neste sentido, escritores
e filósofos; sábios e homens da ciência; governadores e estadistas dedicaram seus afãs a elaborar,
na teoria ou na prática, procedimentos novos e sistemas sociais e políticos que assegurassem um
estado perfeito de bem-estar social. A República, de Platão; A Política, de Aristóteles; a busca da
Pedra Filosofal e do Elixir da Longa Vida da alquimia medieval; a Utopia, de Thomas More; A
Cidade do Sol, de Campanella, não são mais do que exemplos deste afã milenar do ser humano.
Entretanto, mesmo durante aquela verdadeira escravização que os ingleses lhes proporcionaram,
muitos homens simples, a maioria analfabetos e sem recursos, mas plantando esperanças,
conseguiram escrever a história do norte do Paraná rasgando o chão e semeando o progresso com
uma simples enxada nas mãos.
Todas aquelas barbaridades inglesas aconteceram justamente porque o governo retardou
muito uma ação progressista no setentrião paranaense. Na verdade, salvo alguns títulos de terras
doados a posseiros pelos antigos governadores Dr. A. Lamenha Lins, Caetano Munhoz da Rocha,
Manoel Ribas e Moysés Lupion, as demais autoridades curitibanas nunca moveram uma palha
97
neste sentido. Já no final do século dezenove, por exemplo, só estiveram por lá alguns sertanistas
mais audaciosos como o engenheiro Monteiro Tourinho, André Rebouças, Joaquim Lopes,
Antônio Mendes dos Santos e Telêmaco Borba, aventureiros que vasculharam trechos da antiga
Província Real del Guayrá, mas por sua própria conta e risco. Ironicamente, foi necessário que
um grupo de ingleses, após algumas tentativas frustradas, iniciassem a derrubada das matas para
a sua efetiva colonização.
Chega-se a admitir, por lógica de pesquisa, que a missão econômica inglesa chegada ao
Brasil em 1924, comandada por Simon Joseph Fraser, o Lord Montagu, que se ligava diretamente
à colonização do Norte do Paraná, veio com endereço certo, após o fracasso, ou descaso da
primeira expedição. Dizia-se naquela época, que a Missão Montagu teria vindo ao Brasil para
aplicar recursos, a convite do então presidente da República Arthur Bernardes. Acredito não ser
verdadeira tal afirmativa. Ao contrário, a política econômica inglesa apressava a liquidação de
créditos no exterior e a busca de novos recursos em suas áreas de influência imperialista, para
cobrir as despesas que tivera durante a Primeira Guerra Mundial. Jamais levar divisas para fora
da Inglaterra e sim carreá-las para o país, de onde estivessem. E ainda: o Norte do Paraná estava
desde a expedição Palm nos planos estratégicos dos banqueiros N. M. Rothschild & Sons, com
esse interesse começado quando encomendaram a fatídica expedição de 1872 e, depois, em 1919,
quando patrocinaram a segunda investida contra o Paraná.
Combinada a expedição, em 10 de dezembro de 1923, o navio inglês “Araguaya” deixou
a Inglaterra com destino ao Brasil. A bordo, entre tripulantes e demais passageiros, encontravam-
se o Right Honorable Edwin Montagu - que havia sido secretário de Estado para as Índias e
secretário financeiro do tesouro da Grã-Bretanha - e Simon Joseph Fraser, o Lord Lovat, décimo
sexto barão do Reino Unido e diretor da Sudan Plantations Syndicate Ltd. Lovat, conforme
acreditavam as autoridades brasileiras, devia trazer a incumbência de realizar alguns estudos para
a aplicação de capitais ingleses no Brasil. Entre seus assessores, Sir Charles Addis, diretor do
Banco da Inglaterra e presidente do Hong-Kong and Shangai Banking; Sir Hartley Withers,
conde de Londres;
Segundo dados oficiais, Montagu era esperado pelas autoridades brasileiras, a convite do
presidente Arthur Bernardes, que nutria grande esperanças de novos investimentos de libras
esterlinas no Brasil. Ora, como negociante internacional, o que Montagu realmente queria era a
liquidação das nossas dívidas com os banqueiros ingleses - e não com o governo inglês, como
então se insinuava. Por isso, estava preocupado com a nossa inadimplência e a ruinosa
administração de nossas finanças. E, para culminar os desacertos, apesar de estarmos em atraso
com os pagamentos dos juros bancários, Arthur Bernardes ainda havia pedido aos britânicos um
novo empréstimo de 25 milhões de libras esterlinas.
A edição de 1º de janeiro de 1924 do “Jornal do Commércio”, do Rio de Janeiro, publicou
extensa matéria sobre o assunto, enaltecendo de tal maneira os “honoráveis visitantes”, que
mesmo para o mais desinformado dos leitores ficava claro que a matéria tinha sido encomendada:
“O Brasil hospeda atualmente personagens da mais alta representação dos meios políticos,
financeiros e industriais da Inglaterra. Pelo Araguaya, chegou a esta capital Rigth Honorable
Edwin Montagu... essa visita que o governo habilmente conseguiu é muito honrosa e será
seguramente do maior alcance para o nosso país... da sua visita ao Rio de Janeiro é natural que
leve a impressão de que o Brasil é um país de grandes potencialidades econômicas...”.
E tanto o jornal estava mentindo, que durante os dias em que permaneceu na então capital
federal o tal “Honorable” nem solicitou audiência ao presidente da República, limitando-se a
gastar seu tempo entre os panos verdes dos cassinos e as lindas prostitutas dos cabarés do bairro
da Lapa. Não fosse o gordo Fraser tê-lo pego pelo braço e o embarcado num vagão da Ferrovia
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Central do Brasil, certamente Montagu teria feito uma parceria com Donga, tocado cuíca no
conjunto Sete Batutas e curtido noites de boêmia ao lado de Noel Rosa e Pixinguinha.
Depois de ter enxugado um litro de uísque no vagão restaurante, Montagu chegou
completamente bêbado em São Paulo, em 15 de janeiro de 1924. Mas o jornal “O Estado de São
Paulo” destacou a notícia com a seguinte redação: “Um trem especial que deverá entrar na
Estação da Luz às 15 horas, trazendo a esta capital Lord Montagu. Sua Excelência será recebido
pela comissão incumbida de promover a recepção dos financeiros ingleses e pelas diretorias da
Associação Comercial, da Bolsa de Mercadorias, da Liga Agrícola Brasileira e de outras
corporações. Após curta permanência nesta capital, o nosso ilustre hóspede visitará a Fazenda
Salto Grande em Vila Americana, indo depois a Ribeirão Preto e cidades do interior e ao Paraná,
onde vai estudar a exploração das madeiras nacionais...” Estudar a exploração das madeiras
nacionais? Isso não era proibido? As madeiras eram nacionais sim, mas de nacionalidade
brasileira, não inglesa. E ainda tinha gente besta que acreditava que eles iam emprestar dinheiro
ao Brasil. Como dizia o comediante Jô Soares nos seus melhores tempos de televisão: “Essa nem
português acredita”.
Entretanto, a visita de Montagu e Lovat era de tão grande importância para os planos dos
dirigentes da Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná – carentes de dinheiro para seus projetos
-, que os idiotas fizeram publicar no dia seguinte, 16 de janeiro de 1924, no mesmo jornal O
Estado de São Paulo, extensa matéria que deveria chegar às mãos do nobre inglês por qualquer
artifício. A aplicação dos capitais ingleses no empreendimento realmente foi feita, mas só depois
do surgimento da empresa “Brazil Plantations Sindycate Ltd”, quando se apossaram de tudo:
trilhos, vagões, locomotivas, terras, florestas, vidas humanas... tudo!

A HECATOMBE

A qui já não se faz necessário gastar tanta tinta e papel para contar uma história já centena
de vezes contada. Por isso, vou me ater a dizer apenas que foi a partir da Missão
Montagu que foi criada a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), subsidiária da
Brazil Plantations Syndicate Ltd, que terminou por fundar Londrina e levar os trilhos da estrada
de ferro até Apucarana. De certa forma, a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP),
sucessora da CTNP, adquirida por um grupo de empresários paulistas, também foi uma “herança”
daquela missão. Entretanto e paradoxalmente, foram mais de cinqüenta cidades fundadas na
região por aquela empresa, todas elas bem sucedidas, sendo algumas delas autênticas metrópoles
em nossos dias.
O que os ingleses evitaram comentar é que houve muita violência ligada à ocupação de
suas glebas. Muito sangue jorrou, muitos barracos foram queimados, até com famílias inteiras
sacrificadas à sanha bestial da poderosa oligarquia que estabelecia feudos incontidos na
desenfreada ambição do lucro fácil e volumoso. As matas foram impiedosamente destruídas,
indiscriminadamente, legando aos nossos dias as erosões, a desertificação criminosa de enormes
regiões, em holocausto à sofreguidão dos desbravadores na extração da madeira, na busca do
lucro fácil e vantajoso a qualquer custo.
Existem enormes fortunas feitas à custa do sacrifício de vidas humanas nessas
colonizações, mas em contraposição muitas famílias lá criaram seus filhos e prosperaram à custa
de muito trabalho, suor, sangue e sacrifício. Mas torna-se difícil catalogá-las, identificá-las, na
ferrugem do esquecimento que corrói as lembranças com o passar dos anos. Por outro lado, na
reconstituição do passado esse novo mundo oferece poucos subsídios ao historiador. Cartórios
foram incendiados, arquivos violados, mapas desaparecidos dos registros imobiliários, somam-se
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aos fatos rotineiros dos meios criminosos para a eliminação de provas e evidências que poderiam
elucidar melhor as dúvidas sobre muitas questões.
A maioria das crônicas preservadas demonstra a passividade de seus autores diante da
realidade danosa de muitos fatos, denotando preocupação de agradar os dominadores, ou fazer de
um trabalho sério, como deveria ser o de escrever, apenas um instrumento de bajulação, das
louvaminhas de encomenda ou de um retorno remuneratório imediato.
A história dessa região tem sido adulterada, deixando-a quase desconhecida, salvo em
seus aspectos ufanistas. Os historiadores não contam, por exemplo, que a venda das terras só
enriqueciam os ingleses e seus corretores desonestos. Dizem, porém, que as fazendas produziam
tanto café como jamais fora visto no mundo; evitando dizer que foram os esfomeados retirantes
nordestinos que produziram toda aquela riqueza, oferecendo mão-de-obra quase escrava.
Na exploração mercantil, os comerciantes abarrotavam seus armazéns de secos &
molhados; as organizações bancárias instalavam centenas de agências de um dia para o outro;
enquanto as belas prostitutas saciavam de sexo os pioneiros nas zonas do meretrício. Os ingleses,
em busca das fortunas, faziam com que por lá também aparecessem levas de golpistas,
malandros, jogadores, picaretas, pistoleiros de aluguel e jagunços em busca das sobras dos lucros.
No norte do Paraná daquela época também se misturavam os usos, costumes e
regionalismos, criando um linguajar característico e uma sociedade mesclada de todos aqueles
fatores e pelas condições tentadoras que os ingleses ofereciam na compra de suas glebas. Então, o
irracional animal humano invadiu a floresta, matou seus bichos, massacrou os posseiros e
destruiu a natureza em nome de uma civilização estúpida, cruel e mentirosa.
Cabe, portanto, ao historiador, a busca de todos esses fragmentos para a exposição ao
leitor, com conclusões sinceras, evitando o comprometimento dos fatos com a ótica
eventualmente personalista. A leitura das entrelinhas, a análise fria dos argumentos expostos, o
entendimento correto nas nuances interpretativas dos relatos, somam-se em fatores capazes de
estabelecimento real daquilo que se investiga. Outra não é a minha preocupação, que o
descerramento da cortina que insiste em se colocar sobre a colonização do norte do Paraná.
Apesar de tudo, é inquestionável a colonização feita pela CMNP. Mas nem por isso, pela
sua excepcional relevância, esteve a salvo das ganâncias de alguns e da violência de outros. A
pusilanimidade de alguns escritores mascara os acontecimentos e deturpa os fatos. Cultores
fanáticos de mentiras, os farsantes vêm ludibriando leitores descautelosos, narrando-lhes
mentiras, evitando explicar os reais motivos que trouxeram os ingleses ao Paraná, silenciando
acerca dos fatores que geraram e ainda continuam gerando violências. Raros, raríssimos, são os
livros que aludem à atuação dos jagunços nas empreitadas de “quebra-de-milho” nas terras roxas
do Paraná, de onde poderosos fazendeiros tinham que expulsar os posseiros para estenderem os
seus imensos cafezais.

A AQUISIÇÃO DAS TERRAS

E m outubro de 1925, os ingleses da Paraná Plantations “compraram” duas glebas de terras


no norte do Paraná. A primeira, de 350 mil alqueires, juntamente com uma concessão
ferroviária, negociada com a Companhia Marcondes de Colonização, Indústria e
Comércio, cujo presidente era o ex-diretor do Banco do Brasil, Custódio José Coelho de
Almeida, que a possuía através de “contrato de bolso” com o governo do Paraná. Em 1928 os
ingleses propuseram a reforma contratual ao governador do Paraná, Dr. Caetano Munhoz da
Rocha. Este, com a sua “benevolência”, determinou a lavratura do respectivo contrato]; a
segunda, também com documentação fria, de 100 mil alqueires, foi negociada com o próprio Dr.
100
Custódio José Coelho de Almeida. Assim, de 1926 a 1928 os ingleses tomaram posse da
Companhia Tibagi Ltda. (leia-se Edmundo Alberto Mercer) os direitos concessionários sobre
15.017 alqueires; de Antônio Alves de Almeida, iguais direitos sobre 30 mil alqueires; do
engenheiro Francisco Beltrão, títulos definitivos de 20 mil alqueires.
Portanto, da fundação da CTNP até 1928, de uma forma ou de outra os ingleses se
apossaram de 515.017 alqueires, dos quais apenas 20 mil estavam relativamente documentados. E
foi respaldada por essa papelada fria que, montada num caminhão Ford, no dia 21 de agosto de
1929 uma caravana chefiada por outro inglês, o ainda jovem George Craig Smith, chegou ao
vilarejo paranaense de Jatahy (Jataizinho) com o pensamento voltado para a imensidão verde que
teria que enfrentar. A viagem de Ourinhos (SP) até Jatahy (naquela época apenas um ponto
perdido no mapa do Paraná) foi uma verdadeira aventura. Mas, se até Jatahy a viagem tinha sido
cansativa e difícil, daí para frente seria ainda muito pior, uma missão quase impossível. Mas as
dificuldades não acovardaram aquele moderno pirata inglês. Smith estava ansioso para enfrentar
o desafio. Ele estava bem preparado pela “Claysmore School”, de Winchester, Inglaterra e, já no
Brasil, pela Brazil Plantations Syndicate Ltd., durante o período que estagiou na Fazenda Caiuá,
de Barbosa Ferraz, em Cambará.
Da caravana fazia parte o engenheiro Alexander Rasgulaeff, um aventureiro russo que
havia conseguido fugir do sistema político implantado por Joseph Stalin na União Soviética.
Chegando ao Brasil e tomando conhecimento da imensidão de terras devolutas existentes no
Paraná, ele também passou a sondar a possibilidade de “grilar” para si uma boa gleba na
imensidão verde das matas subtropicais que se estendiam de Tibagi à fronteira com o Paraguai;
acabando, anos mais tarde, por fundar várias cidades na região e lotear o hoje denominado
“Jardim Alvorada”, em Maringá.
O topógrafo da comitiva era um italiano que havia aportado no Brasil por vias duvidosas,
chamado Spartaco Bambi, trazendo com ele dois auxiliares brasileiros: Alberto Loureiro e
Joaquim Barbosa, e um cozinheiro alemão que atendia pelo nome de Erwin Froelich. Estes eram
os principais elementos encarregados da hecatombe que a Brazil Plantations Syndicate Ltd iria
provocar nas terras “compradas” de “brasileiros patriotas” - principalmente aquelas expostas no
mapa de Edmundo Alberto Mercer -, naturalmente respaldados por uma legião de tropeiros,
carregadores, machadeiros e outros operários brasileiros mal remunerados.
Ainda na margem esquerda do Rio Tibagi, Smith, orientado por um remanescente dos
índios guaranis, que tudo sabia sobre as veredas do sertão e de tropas de muares, comprou em
Jatahy várias mulas para o transporte das tralhas. O caminhão Ford tinha chegado ao ponto
máximo que um veículo motorizado poderia chegar. Sem ponte e com uma profundidade
razoável, o rio Tibagi seria o primeiro obstáculo a ser vencido, sendo que o caminho dali para
frente deveria ser enfrentado no lombo daquelas mulas. Canoeiros do rio Tibagi ajudaram na
travessia do rio, o que aconteceu sem maiores problemas. Terminada a travessia, a caravana
iniciou uma longa caminhada pela serra de Ibiporã, enfrentando caminhos íngremes e picadas
indígenas pedregosas e tomadas pela selva.
As mulas, xucras e nervosas, preocupavam os aventureiros. Um delas se assustou com um
animal selvagem qualquer, motivando todas as outras a saírem em disparada, tirando dos seus
lombos as tralhas, desaparecendo na imensidão verde. O índio guarani, atendendo a uma ordem
de Smith saiu pelas matas no encalço das mulas. Depois de localizá-las e acalmá-las com seus
modos pacientes, catando uma tralha no pé de uma árvore e outra no chão mais adiante,
conseguiu, depois de algumas horas, recuperar toda a bagagem. Os aventureiros ficaram
impressionados com a forma como aquele índio se entendia com os animais. Falando em guarani

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e gesticulando muito, ele conseguiu capturar todas as mulas, recarregá-las e ajudar os
aventureiros a seguirem adiante, sem mais interrupções.
Aqueles homens, pouco afeitos a viagens daquela natureza, já estavam com as pernas
bambas e os músculos em frangalhos, mal conseguindo andar. Só o índio conseguia dominar os
passos e comandar as mulas na travessia do chão pedregoso ou lamacento daquela imensa mata
verde.
A imensidão da hiléia paranaense preocupava. As picadas indígenas pareciam túneis que
iam se abrindo no meio da selva, entre galhadas, cipós e imensas serpentes enrodilhadas sobre
folhas e troncos de árvores apodrecidas. A mata era tão fechada, que o meio da tarde já parecia
noite, escondendo espinhos venenosos, plantas urticantes, pernilongos transmissores da malária,
diversas espécies de mosquitos, lacraias, aranhas e os indecifráveis sons vindos da floresta.
Inteiramente desconhecida da maioria dos membros daquela comitiva, a selva só não
assustava aquele índio guarani, que ensinava os homens a pisarem com segurança, transmitindo
aos aventureiros o ânimo que precisavam para vencer tamanhas dificuldades. O índio tinha total
intimidade com a mata e parecia brincar com o perigo. Afinal, as árvores gigantescas que
cobriam aquele mundo exuberante, os animais selvagens e aqueles ruídos indecifráveis, tudo,
absolutamente tudo, fazia parte do seu mundo. Nada lhe era estranho. Hostil e ameaçadora, a
selva só representava perigo para os homens brancos e seus alquebrados carregadores negros e
mestiços. Chegando num pequeno povoamento, o engenheiro russo olhou para uma nesga de céu
que aparecia entre a mata, pegou aquele mapa desenhado por Edmundo Alberto Mercer, analisou,
riscou alguma coisa e, pegando alguns outros papéis, retirou um lenço do bolso, enxugou o suor
da testa e falou: “Chegamos!”.
A caravana tinha acabado de pisar em terras da Gleba Três Bocas (futura Londrina), o
“marco zero” das terras que só os meandros das negociatas brasileiras e das maracutaias
internacionais sabiam explicar, passaram aos domínios da Brazil Plantations Syndicate Ltd, ou
melhor, da sua subsidiária anglo-brasileira CTNP, a maior destruidora das matas paranaenses.
Enquanto isso, os chefes ingleses, bem acomodados nos seus belos escritórios e mansões
de São Paulo e Londres, sonhavam com o farto dinheiro que iriam ganhar com a rapinagem
daquilo que o Paraná tinha de mais valor: a enorme quantidade de madeira de lei. Por seu turno, a
vanguarda de seu “exército” apocalíptico, se embrenhado nas matas, comandava o barulho surdo
dos machados, fazendo tombar árvores milenares, que desciam em velocidade crescente até se
chocar com o chão daquela fantástica terra roxa que já fora anteriormente tingida de vermelho
com o sangue que as expedições bandeirantinas fizeram jorrar dos jesuítas e dos indefesos índios
guaranis.
Os ingleses queriam fazer os loteamentos rurais e urbanos o mais rápido possível, pois os
futuros colonos, vindos de todas as partes do Brasil e do exterior, como aves de rapina ávidas
pelas terras que lhes propiciaria o plantio do café, não demorariam a chegar. Então, o projeto de
como seriam as futuras cidades, os núcleos urbanos, suburbanos e as vias de acesso, foram saindo
da prancheta de Rasgulaeff. Dia após dia ele mandava seus peões derrubarem novas glebas,
enquanto a mata, os animais silvestres e todo um ecossistema milenar nem sequer sonhavam com
o destino que os ingleses haviam traçado para eles.
A devastação foi total a partir do marco zero: 515 mil alqueires de matas virgens foram
derrubadas e carbonizadas pelos ingleses. Uma parte das toras de madeira de lei foi devorada
pelas serrarias para se transformar em coberturas de casas, paredes, móveis ou carvão. Mas a
grande maioria delas foi contrabandeada para a Inglaterra, sem que o Brasil recebesse um único
centavo de impostos daqueles modernos piratas britânicos.

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Quanto à chamada “madeira branca”, aquela que não tinha grande valor comercial no
mercado internacional, foi relegada ao chão para secar e se transformar na grande combustão das
queimadas que coloriam o céu de negro-acizentado com suas línguas de fogo avermelhadas e
enormes, destruindo os humos milenares expostos sobre aquelas ubérrimas terras roxas. Nessa
dinâmica, não era difícil imaginar que o vencedor daquela luta certamente não seria a mãe
natureza. A ganância inglesa não deixava espaço para lamentações, piedade, respeito e, muito
menos, comportamentos sonhadores. Era preciso aproveitar aquela oportunidade de ouro para
resolver o problema financeiro de suas vidas com urgência. Mas até que tinham consciência de
que, no futuro, alguém iria pagar um preço muito alto pelo desatino que praticavam. Mas, no
futuro, quem fosse viver por lá que se danasse, que resolvesse os problemas ecológicos à sua
maneira. Essas coisas não interessavam aos ingleses, mesmo porque em bem pouco tempo
estariam de volta à Inglaterra, onde se deliciariam com o dinheiro ganho naquelas longínquas e
selvagens paragens. Paraná? Droga! Que inglês iria se importar com o marco zero da história?

AS DUAS GOVERNANÇAS DE MOYSES LUPION

E m seguida às eleições de 1945, quando os eleitores escolheram o marechal Eurico Gaspar


Dutra para presidente da República, os Estados da Federação se mobilizaram para sua
organização legal, com base em um novo sistema partidário, no qual se destacaram, entre
outros, o Partido Social Democrático (PSD), União Democrática Nacional (UDN), Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Social Progressista
(PSP), Partido Republicano (PR), Partido da Representação Popular (PRP) e Partido Liberal
(PL).
A luta política se desenvolvia entre forças ainda sem uma consciência muito clara de seus
interesses e aspirações, à exceção das minorias radicais opostas das extremas esquerda e direita.
De um lado, e de um modo geral, se posicionavam os estamentos sociais que haviam perdido o
poder com a queda de Getúlio Vargas e se estruturaram no PSD, com apoio dos ex-interventores,
mas logo voltaram ao governo da União com a eleição de Dutra, graças a adesão em última hora
do PTB getulista, que reunia as lideranças sindicais em fase de arregimentação política. De outro
lado, se arregimentavam as correntes mais liberais ligadas à burguesia urbana e industrial,
formando uma UDN aguerrida e fortemente antigetulista, com apoio de prestigiosos generais,
antes “tenentistas”. O Certo é que o presidente Dutra resolveu formar um governo de coalizão,
notadamente entre o PSD e a UDN, a fim de atravessar a transição da ditadura estadonovista
anterior para a plenitude democrática, mas que, na verdade, nunca chegou a se completar.
A partir daí, e por longo tempo, as agremiações e seus candidatos que soubessem atrair o
apoio das massas assalariadas dos campos a das cidades, representadas notadamente pelo PTB e
outras organizações de conotação trabalhista, tinham sua vitória plenamente assegurada nas
urnas. Foi o que aconteceu com o próprio Dutra e, sucessivamente, nas eleições de Getúlio
Dornelles Vargas, Juscelino Kubtschek de Oliveira e Jânio da Silva Quadros.
Por essa época, a abertura de novas fronteiras agrícolas criava no Paraná uma legião de
políticos ativos – alguns, até ativos demais – cuja ambição de lutar para engordar as suas próprias
contas bancárias não poderia desprezar as oportunidades de uma área em explosão demográfica e
agropecuária favorecida pela diversidade de climas e de solos. Foi nesse contexto que no Paraná
despontou a figura insinuante de Moysés Lupion – homem a quem se poderia chamar de “político
novo” em contraposição às lideranças herdadas das antigas oligarquias (parentas) da capital e do
litoral paranaense.

103
A ascensão política de Lupion não aconteceu exatamente durante o apogeu do ciclo do
café, nascente no setentrião paranaense, mas de um empreendimento apoiado na economia da
erva-mate, do pinho e das demais madeiras nobres do sudoeste do Paraná. Ele enriqueceu durante
o seu primeiro mandato, quando os mercados internacionais se abriram para o Brasil,
proporcionando às suas empresas de fachada e imobiliárias ilegais instaladas na região sudoeste,
lucros extraordinários, transformando aquela região num verdadeiro campo de guerra entre
modestos posseiros, empresários poderosos e policiais corruptos. A ordem era matar todos os
oponentes, fossem eles homens, mulheres ou crianças; grileiros ou posseiros; brasileiros ou
estrangeiros. Dessa forma, a carnificina se generalizou, tingindo aquela região de rubro.
Moysés Lupion de Tróia nasceu em 25 de março de 1908 na cidade de Jaguariaíva, filho
do espanhol João Lupion de Tróia e da paranaense (lapeana) Carolina Willie Lupion. Esta por sua
vez, filha do casal Theodoro Gustavo Willie e Florisbela Düepfer. Os pais de Moysés casaram-se
na cidade da Lapa em outubro de 1893, portanto à época da Revolução Federalista, onde o
imigrante espanhol tinha um armazém de secos & molhados. Intimado a fornecer mercadorias às
tropas revolucionárias gaúchas de Gumercindo Saraiva, acabou falindo e mudando-se para
Jaguariaíva, onde montou uma pequena padaria.
Menino pobre, filho de um modesto padeiro e de uma humilde dona de casa, Lupion
iniciou sua carreira vendendo amendoim torrado e doce de leite nos vagões da estrada de ferro
que seguiam de Jaguariaíva para Piraí do Sul. Por aqueles tempos, jamais poderia imaginar que
um dia pudesse ser um homem rico e chegasse a governar o Paraná em duas oportunidades. Com
a ajuda do pai e com os biscates que fazia na estrada de ferro, em 1924 conseguiu concluir o
curso ginasial em Curitiba, bem como o de guarda-livros - feito em período noturno na escola do
professor Raul Gomes. Já contador, mas com apenas 16 anos de idade, foi para São Paulo,
iniciando suas atividades profissionais na empresa Ribeiro & Sguarlo, que operava na exportação
de madeiras, enquanto à noite cursava Economia. Concluídos os estudos universitários,
transferiu-se para a firma A. E. Carvalho, do mesmo ramo, aonde chegou a ser gerente e, depois,
sócio. Em 1930 voltou ao Paraná e casou-se em Pirai do Sul com Armênia Moura, filha de Pedro
Ralem de Moura e Joana Hilária Borba. Esta filha do sertanista Telêmaco Borba. Com o dote que
recebeu do pai da noiva ao se casar, o jovem oportunista se tornou muito rico, conhecido e
respeitado.
A partir daí, em sociedade com seus irmãos José, Pedro e David, construiu um verdadeiro
império econômico, representando em 1943 um faturamento da ordem de 50 milhões de
cruzeiros, o equivalente a 25% do orçamento do Estado do Paraná. Suas empresas não paravam
de crescer e, em 1945, Lupion conseguiu faturar cerca de 220 milhões de cruzeiros. Ou seja, um
faturamento empresarial superior ao orçamento estadual daquele ano, conseguido através das
seguintes empresas: uma fábrica de engradados em Ponta Grossa, uma metalúrgica em Castro e
uma fábrica de fósforos em Piraí do Sul. Ele já era muito rico quando chegou ao governo do
Paraná. Contudo, só ficou realmente milionário quando autorizou a instalação das “arapucas”
imobiliárias “Comercial”, “Citla” e “Apucarana” na região sudoeste, das quais ele era o chefe,
apesar de nunca ter deixado seu nome transparecer.
Elegendo-se governador, logo fez instalar uma fábrica de papel e celulose em Arapoti,
uma serraria em Rio do Peixe e um entreposto de madeira em Morungava, para fornecimento de
madeira à indústria de papel e celulose que adquiriu em Itararé (SP). Indústria que contava até
com um desvio ferroviário particular para carregamento de madeira.
Grilando as terras onde montou as fazendas Andrada, São Domingos, Piquiri e La Paz,
acabou tornando-se sócio majoritário da empresa argentina Barthe, que detinha as fazendas Barro
Preto e Santa Helena, todas no sudoeste do Paraná. Enquanto isso, seus irmãos iam adquirindo a
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maioria dos terrenos ao longo das ferrovias que então cortavam o Norte Pioneiro do Estado do
Paraná, enriquecendo cada vez mais o chamado “Grupo Lupion”. Após dominar quase toda a
produção de mate do sudoeste do Paraná, Lupion chegou a montar um porto particular em Foz do
Iguaçu, para contrabandear erva-mate para a Argentina, através diversas embarcações que
manipulava. E para transportar as madeiras de suas serrarias para o Rio de Janeiro, Buenos Aires
e Montevidéu, via Oceano Atlântico, adquiriu vários navios cargueiros. Por terra, suas madeiras
eram levadas a São Paulo por uma frota de setenta e tantos caminhões. Ou por centenas de
vagões próprios, operados pela então Viação Paraná - Santa Catarina.
No decorrer da sua administração, suas empresas continuaram crescendo, a ponto de
conseguir manter simultaneamente 18 serrarias nas novas áreas de terras griladas e pinhais em
diferentes regiões do Paraná, inclusive quatro mil alqueires no município de Sertanópolis;
destilaria de álcool no Rio de Janeiro; depósito de madeiras em Jaguaré (SP); fábrica de
compensados em Curitiba; agência da Chevrolet em Piraí do Sul; controle dos bancos Meridional
da Produção, Figueira Rocha e Nacional Paulista; sociedade no Banco América do Sul;
mineração de grafite no Rio de Janeiro; fábrica de papelão em Mogi das Cruzes (SP); indústria
Vita Mate (refrigerantes) em Curitiba, com filiais em São Paulo e no Rio de Janeiro; destilaria de
xisto betuminoso em São Mateus do Sul; proprietário do jornal “O Dia”, em Curitiba, e ações da
“Gazeta do Povo”, também de Curitiba; sete emissoras de rádio, lideradas pela Guairacá; rede de
farmácias e de casas de material de construção em Curitiba; frota de milhares de automóveis e
caminhões; organização aérea BOA, com 12 aeronaves; centenas de postos de gasolina em
Curitiba e em todo o interior do Paraná; exploração de petróleo em Rio Claro (SP); exploração de
urânio em Figueira e, ainda, a propriedade da fazenda Morungava, com 38 mil alqueires.
Esses dados demonstram claramente que Lupion era uma verdadeira ave de rapina,
usando o poder para organizar suas empresas. Não foi governador por ideologia, mas por uma
desmedida ambição. Um verdadeiro canalha. Durante o exercício dos seus dois mandatos, porém,
não recebia seus irmãos, sócios e demais asseclas no palácio. Os assuntos particulares eram
tratados em Piraí do Sul, a fim de dissimular uma separação entre o setor público e seus
mesquinhos interesses privados.
Moysés Lupion apareceu no cenário político paranaense procedido de um derrame
publicitário que o apresentava como um dos maiores “brian-trust”, senhor de múltiplas empresas.
Sua candidatura foi articulada de tal forma que nenhuma força seria capaz de derrotá-la. Tinha o
apoio dos três maiores partidos nacionais (PSD, UDN e PTB) e até, a um só tempo, dos
integralistas e comunistas. Tudo isso, além dos amplos recursos financeiros de que dispunha.
Também contava com a amizade do presidente Eurico Gaspar Dutra – o velho marechal mato-
grossense de cara chupada, que no Rio de Janeiro era chamado de “boca de chupar ovos”. E
mantinha, também é bom que se diga aquele ar enigmático dos mafiosos sicilianos: careca,
gordinho e mau caráter, Lupion sempre usava ternos pretos e óculos de grau com aros de ouro,
impondo uma imagem de homem truculento e extremamente impiedoso.
Seus adversários políticos ainda tinham outros motivos para temê-lo: ele era o primeiro
político do norte do Paraná a se eleger governador. E, contra ele, aparecia a figura magérrima do
professor Bento Munhoz da Rocha Neto, disputando espaço político. Herdeiro político das
lideranças dominantes da primeira república [1889-1930], numa campanha tardia de apenas três
meses, mais literária e moralista do que político-eleitoral Bento Munhoz da Rocha Netto
conseguiu só um terço dos votos do eleitorado. Os outros dois terços foram dados a Lupion, para
dar início a um domínio político do PSD, que o então senador Flávio Guimarães antevia de, no
mínimo, 50 anos, repetindo a façanha do antigo PR na primeira república. Na verdade, o
lupionismo do PSD dominou durante cerca de 20 anos (1946-1964), no curso dos quais Moysés
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Lupion foi duas vezes governador (1947-1950 e 1956-1960), além de senador e deputado federal
presidindo o PSD em nível nacional por longo tempo.
Seria um erro afirmar que naquela época de explosão social e econômica do Paraná tudo
estivesse por se fazer no setor da administração pública. A longa interventoria antes exercida por
Manoel Ribas (1932-1945), só interrompida pelo curto entreato constitucional de 1934-1937, fora
extremamente profícua em obras, principalmente no norte do Paraná, e especialmente em
Londrina, e depois com a chamada “Marcha para o Oeste”, uma das grandes iniciativas do
governo Vargas.
Embora um tanto truculento e vingativo, mas também sabendo ser amigo dos ingleses da
Paraná Plantations, o interventor Manoel Ribas notabilizou-se como um homem trabalhador e um
administrador capaz. Deu um grande impulso à agropecuária, expandiu a malha viária e
aparelhou o porto de Paranaguá para a nova etapa de desenvolvimento da cafeicultura do norte
paranaense, criando institutos de pesquisa e tecnologia visando aumentar a rentabilidade do
aparelho produtivo. Sua atenção também se voltou para a visão empresarial do seu apadrinhado
político Moysés Lupion, dando-lhe condições para montar uma das maiores indústrias de papel
do país, em Arapoti. Também saneou as finanças estaduais, permitindo que seu sucessor - o
próprio Lupion -, encontrasse o Estado do Paraná em boas condições administrativas. Os três
antecessores imediatos de Lupion – Clotário Portugal, Brasil Pinheiro Machado e Mário Gomes –
que governaram o período de transição política (1945-1947) não tiveram tempo de fazer grande
coisa, mas também não dilapidaram a boa administração deixada pelo interventor Manoel Ribas.
Moysés Lupion, apesar de ter demonstrado uma desmesurada aptidão para o poder e a
rapinagem, algumas delas conseguidas no sudoeste a poder de muito derramamento de sangue,
inicialmente, e de certa forma, também foi um continuador da obra inacabada de Manoel Ribas:
construiu em Curitiba o Colégio Estadual do Paraná [sucessor do antigo Ginásio Paranaense] e
consolidou a rodovia do Cerne. Contudo, esta obra já foi uma realização interesseira, justamente
porque aquela estrada, que passou a ligar o norte do Paraná com o porto de Paranaguá, foi
projetada visando beneficiar as suas terras em Jaguariaíva e Piraí do Sul. Lupion pretendia
perpetuar-se no poder.
No plano nacional, o presidente Dutra mantinha a duras penas a coligação PSD-UDN,
mediante um convívio forçado entre dois partidos inimigos, a fim de evitar a volta de um inimigo
ainda pior a UDN. No plano paranaense essa coligação tornou-se insustentável, dada a
voracidade de todos os grupos políticos, a se devorarem uns aos outros nos municípios
interioranos, voracidade em particular insaciável por parte da UDN, cujos dirigentes haviam
estado afastados do poder durante a interventoria de Manoel Ribas. De repente, a UDN passou
para a oposição e desencadeou uma campanha elucidativa para mostrar o que estava acontecendo
no governo Lupion, mostrando quem realmente era o governador: um político que provocava a
maior calamidade que o Paraná jamais conhecera.
Esse clima desencadeado em final do mandato de Lupion, contribuiu para reacender a
candidatura de Bento Munhoz da Rocha à sucessão estadual, desta vez com o apoio maciço não
só de todas as forças políticas expressivas das regiões norte, oeste e sudoeste paranaenses
descontentes com o governo Lupion, bem como pelo ressuscitado Partido Republicano (PR), que
fora a legenda das oligarquias de Caetano Munhoz da Rocha e de Afonso Camargo,
respectivamente pai e sogro de Bento Munhoz da Rocha Netto. Nessa ocasião, o PSD de Lupion
viveu sérias crises internas, a começar pela rebeldia da própria bancada estadual, os chamados
“Quatro Granadeiros”: Lopes Munhoz, Firman Netto, Pinheiro Júnior e Acioly Filho, criando
sérios problemas para o incomensurável latifundiário Moysés Lupion.

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Nas eleições de 1950, o candidato de Lupion à sua sucessão era o engenheiro Ângelo
Lopes (PSD), mas não conseguiu vencer a coligação em favor de Bento Munhoz da Rocha, que
contava inclusive com o apoio do getulismo, cristalizando a candidatura de Getúlio Vargas à
Presidência da República através da legenda do PTB. Moysés Lupion perdeu as eleições. Mas
não perdeu tudo, elegeu-se senador e, nas eleições de 1955, retornou ao governo estadual para
cumprir o seu segundo mandato, com o PSD renovado em seu poderio, graças à conquista da
Presidência da República por Juscelino Kubtschek de Oliveira.
Nessa segunda gestão, Lupion foi bem pior do que na primeira, na medida em que se
agravavam pelo sudoeste diversas questões de terras, resultantes das titulações irregulares que ele
próprio havia feito em seu primeiro mandato. A situação se agravou através de soluções mal
resolvidas. E as ilegais companhias imobiliárias que mantinham vastas áreas sob seu domínio, e
das quais Lupion era o sócio majoritário - se bem que “por debaixo dos panos” -, tiveram que ser
desativadas. Ao final desse segundo mandato, com o qual se completaria o período lupionista, a
imagem em geral do governo estadual e a do PSD, em nível nacional, iria se defrontar com o
termômetro do “janismo”, carismático e populista, que capitalizou para si o saudosismo getulista
e as predisposições populares contra os políticos tradicionais. E, pela segunda vez, o candidato de
Lupion à sua sucessão, Plínio Franco Ferreira da Costa, foi derrotado por Ney Braga, embora este
tenha sido lançado por uma legenda de pouca expressão.
Eleito governador, Ney Braga mandou instaurar inquéritos para apurar a responsabilidade
de Moysés Lupion naquelas atrocidades do sudoeste, o que fez o ex-governador fugir do país,
ficando no exterior por um bom tempo. Contudo, como neste país a lei parece não existir, e quem
tem dinheiro não vai para a cadeia, regressando ao país Lupion conseguiu concorrer às eleições
parlamentares de 1962, ficando na primeira suplência. Graças à, entre aspas, compra do mandato
do candidato eleito, Lupion conseguiu assumir uma cadeira na Câmara Federal, onde passou dois
anos fazendo a sua autodefesa. Com o advento do golpe militar de 1964, Moysés Lupion teve seu
mandado de deputado cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos, bem como parte
dos seus bens confiscados. Assim terminou a carreira política daquele que se julgava o dono do
Paraná.

UM RESUMO

C omo vimos, de todos os governantes que o Paraná já teve o mais desonesto e maior
grileiro de terras foi Moysés Lupion de Tróia. Eis a sinopse histórica de seus dois
mandatos. Em 1931, o interventor no Paraná, general Mário Tourinho, assinou um
decreto fazendo retornar ao domínio do Paraná, entre outras glebas, a denominada Missões. Em
1940, o governo federal incorporou todos os bens da ferrovia São Paulo - Rio Grande ao
patrimônio da União, incluindo a gleba Missões. O governo estadual e o federal foram aos
tribunais de justiça para decidir quem realmente era o legítimo dono daquela gleba. A justiça
ainda não havia se pronunciado a respeito, quando em 1943 o ditador Getúlio Vargas criou dentro
da gleba Missões uma colônia agrícola. Era a Colônia Nacional General Osório (Cango). A
criação desta colônia foi um ato ditatorial ilegal, pois nenhuma das duas partes podia usar aquelas
terras antes do pronunciamento da justiça. Contudo, a sede da Cango acabou se transformando no
que é hoje o município de Francisco Beltrão.
A criação da Cango foi um gesto improvisado. O decreto federal que a criou não
estabelecia seus limites. Apenas determinava que sua extensão não poderia ser inferior a 300 mil
hectares. O objetivo prático da nova colônia era atrair o excedente de mão-de-obra agrícola do
Rio Grande do Sul para o sudoeste paranaense. Por isso, todas as condições necessárias foram

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criadas para fixar os colonos: 1 – as terras seriam distribuídas gratuitamente; 2 – a madeira seria
doada para a construção das casas e dos galpões dos colonos; 3 – as ferramentas agrícolas e as
sementes seriam fornecidas pela Cango; 4 – os exames médicos e dentários seriam gratuitos na
medida em que os colonos necessitassem; 5 – a produção agrícola seria levada aos centros de
comercialização por caminhões da própria empresa Cango.
Apesar de tudo, a Cango foi a mais perfeita colonização já feita no Paraná. Sua população
cresceu assustadoramente. De 467 famílias residentes em 1947, subiu para 2.725 em 1956.
Acontece que desde 1946 alguma coisa sinistra começou a interferir no desenvolvimento da
Cango, justamente quando o marechal Eurico Gaspar Dutra, então eleito presidente da República,
permitiu que dois poderosos grupos político-econômicos se instalassem no sudoeste: 1 – a
Clevelândia Industrial e Territorial Limitada (Citla), ligada ao Partido Social Democrático (PSD);
2 – a Pinho e Terras (PT), ligada aos partidos de oposição; ou seja, o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) e a União Democrática Nacional (UDN).
Ambos os grupos aproveitaram-se da desorganização do governo Dutra para realizarem
vantajosos negócios na região. Em novembro de 1950, por exemplo, o governo da União vendeu
à Citla toda a gleba Missões e parte da gleba Chopim. Poucos dias depois, vendeu à PT 11.500
alqueires da própria gleba Missões. E, para completar, ainda vendeu 300 mil pinheiros (em pé)
para uma madeireira argentina chamada Compañia de Maderas del Alto Paraná.
A aquisição pela Citla da Gleba Missões, embora realizada com inúmeras irregularidades,
só foi possível graças à interferência política do então governador do Paraná Moysés Lupion. A
Citla tentou registrar a compra nos cartórios imobiliários da região. Diante da negativa dos
cartorários, Moysés Lupion arbitrariamente criou um cartório em Santo Antônio do Sudoeste e a
Citla foi imediatamente registrada. Concluída a pilantragem, rapidamente foram instalados
escritórios da Citla em Francisco Beltrão e Santo Antônio do Sudoeste.
Um problema inesperado, porém, veio atrapalhar os desonestos propósitos da Citla: a
eleição do oposicionista professor Bento Munhoz da Rocha para o governo do Paraná. Uma das
primeiras coisas que Bento Munhoz da Rocha fez após a sua eleição, foi proibir as coletorias
estaduais da região de forneceram a Sisa [imposto estadual recolhido na ocasião da escrituração
de um imóvel], para impedir que a Citla pudesse passar escrituras aos compradores de seus lotes
de terras. Rocha assim agiu por que: 1 – o Paraná disputava na instância judiciária a gleba com a
União; 2 – a União propôs na justiça o cancelamento da escritura da Citla; 3 – o Instituto
Nacional de Imigração e Colonização (INIC) estava na justiça para salvaguardar os direitos da
Cango; 4 – a PT também estava na justiça para salvaguardar os seus pretensos direitos nos 11.500
alqueires ilegalmente adquiridos da Citla.
Devido a esta atitude do governo de Bento Munhoz da Rocha, a Citla ficou praticamente
imobilizada por todo o período de seu governo [1951-55]. Enquanto isso, os colonos oriundos do
Rio Grande do Sul e Santa Catarina afluíam em grande número para a região. Cada dia entravam
mais de 20 famílias só em Francisco Beltrão. O rápido crescimento populacional fez aumentar os
problemas políticos já existentes entre os grupos de situação e de oposição ao governo do Estado
do Paraná.
Os partidos políticos que apoiavam o governo Bento (PTB e UDN), não poderiam
consentir que uma imobiliária ligada ao PSD colonizasse a região. Isto seria o mesmo que
entregar por longo tempo o controle político das prefeituras e câmaras municipais ao PSD. Na
eleição de 1955, foi esmagadora a vitória do PSD. Moisés Lupion voltou ao cargo de governador
e o seu partido conquistou todas as prefeituras do sudoeste. A proibição do fornecimento da Sisa
para as escrituras foi suspensa. Mas a Citla foi obrigada a aceitar mais duas imobiliárias formadas
por elementos do chamado “Grupo Lupion”: 1 – a Companhia Comercial e Agrícola Paraná Ltda.
108
(Comercial); 2 – a Companhia Colonizadora Apucarana Ltda. (Apucarana). À Comercial
couberam 21.000 alqueires na região de Verê, e à Apucarana 6.000 alqueires na região fronteiriça
com a Argentina. Era preciso de qualquer maneira vender e cobrar dos colonos as terras. Havia
apenas três anos para isso, pois esse era o tempo que restava da segunda administração de
Lupion.
A Citla acelerou então a abertura da chamada “Estrada da Integração”, que ligaria Pato
Branco, Francisco Beltrão e Barracão. Para angústia da imobiliária, a abertura dessa estrada
estimulou mais ainda a entrada de migrantes sulistas. Através dela passavam de 20 a 30 famílias
por dia.
Foram iniciadas grandes medições em regiões próximas à fronteira argentina. Ao mesmo
tempo, uma forte campanha publicitária foi executada, principalmente pelas rádios de Pato
Branco e Francisco Beltrão. Os colonos eram convidados a se dirigir aos escritórios das
companhias, a fim de regularizarem sua situação. Os políticos de oposição se alvoroçaram. O
senador Othon Maeder enviou uma carta circular a todos seus correligionários explicando os
motivos pelos quais os colonos não deveriam assinar documento algum. O deputado Antônio
Anibelli, do PTB, percorreu a região e apelava: “não assinem nenhum contrato”. As companhias,
junto com o contrato, passaram a exigir que os colonos assinassem as notas promissórias de sua
dívida. Muitos colonos assinaram os papéis. Outros se negaram. Essas notas promissórias eram
descontadas na agência do Banco do Estado do Paraná (Banestado), em Pato Branco. Em
conseqüência, o pagamento do funcionalismo estadual ficou atrasado mais de seis meses.
Enormes somas passavam para as companhias e o Banestado nunca mais recebeu o valor das
notas promissórias.
Os colonos que se negavam a assinar os papéis passaram a ser ameaçados de morte.
Tratores passavam por cima de suas casas, com a alegação de que por ali passaria uma estrada.
As companhias contrataram jagunços e pistoleiros; muitos bandoleiros eram tirados das
penitenciárias estaduais ou recrutados junto à Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
(CMNP) que colonizava a região noroeste do Paraná. Os apelos dos colonos às autoridades
estaduais e federais não encontravam acolhida. Os capangas das companhias passaram a andar
ostensivamente armados, inclusive nas cidades. Pistoleiros perigosos como Dico Negreiro, Marta
Rocha, Santão, Diabo Loiro e Carne Seca, que já haviam prestado seus “serviços” em Maringá
para a CMNP e posteriormente para os famosos grileiros de terras Aníbal Goulart Maia e Alberto
de Andrade, o famoso Galo Cego, como no episódio em que Maia mandou dar uma surra no
então prefeito municipal de Maringá, Américo Dias Ferraz, tendo em seguida a sua residência
(localizada na rua Silva Jardim) incendiada pela população maringaense enlouquecida, faziam
parte desse malta, e eram vistos circulando armados até os dentes por todas as localidades do
sudoeste paranaense.
Indignados com essa falta de lei, os posseiros da região fronteiriça foram os primeiros
que iniciaram uma reação armada contra os jagunços da Apucarana. O bandido Marta Rocha
havia assassinado um posseiro da fronteira a sangue frio. Revoltado, o filho deste, um menino de
apenas onze anos de idade, encontrando o pistoleiro de costas para um buraco, encostou-lhe uma
faca na barriga e pediu-lhe satisfações. Pego de surpresa, o jagunço pulou para trás, caiu no
buraco e acabou quebrando o pescoço. Empolgados com esse episódio, os posseiros também
passaram a contratar pistoleiros na Argentina, no Paraguai e, principalmente, no Rio Grande do
Sul, os chamados “farrapos”. A partir de 1957, começaram os primeiros choques armados entre
os dois grupos. Nos dias que se seguiram, já não era novidade alguma serem encontrados corpos
degolados, assassinados a tiros ou enforcados pelos caminhos. Apavoradas com esse estado de

109
beligerância, muitas famílias colonas fugiram para a Argentina, Paraguai ou retornavam aos seus
estados de origem.
As companhias então começaram a tomar conta das estradas e dos entroncamentos,
inclusive cobrando pedágio dos colonos. A partir de então, só entrava o colono que pagasse a
taxa para transitar e assinasse os papéis. Nas delegacias de polícia as imobiliárias colocavam um
capanga para ser chefe do próprio delegado. Desenvolveu-se então uma forte repulsa contra os
policiais que acobertavam os criminosos e perseguiam os colonos. Entre as violências cometidas,
o policiamento só abria inquérito contra os colonos, acobertando os jagunços das companhias.
Comandados por um farrapo chamado Pedro Santin, um grupo de colonos armados
invadiu e conseguiu tomar as delegacias de polícia e as sedes das companhias de Capanema e
Pérola do Oeste. A Companhia Apucarana resistia como podia em Santo Antônio do Sudoeste.
Esses acontecimentos chamaram a atenção da imprensa nacional e internacional. Repórteres e
fotógrafos chegavam à região a todo o momento. A oposição explorava ao máximo aquelas
sangrentas escaramuças, pedindo a intervenção federal no sudoeste e a renúncia do governador
Moysés Lupion.
Enquanto isso, do norte do Paraná a Companhia Apucarana conseguiu levar para Santo
Antônio do Sudoeste mais de uma centena de jagunços. Moysés Lupion, que detinha o governo
do Estado do Paraná, ficou então com dois dilemas: 1 – empregar a força contra os colonos
rebelados e arcar com todas as conseqüências; 2 – empregar métodos persuasivos, retirando a
Apucarana da região, fazendo os colonos voltar à tranqüilidade. A opção escolhida foi a segunda.
Feito isso, Lupion mandou para a região em conflito um grande contingente policial,
comandado pelo coronel Alcebíades Rodrigues da Costa. Este chegou a Capanema, via Foz do
Iguaçu, encontrando na região milhares de colonos armados. Para desestruturar os colonos
rebelados, Alcebíades teve uma idéia genial: escolheu entre os colonos revoltados alguns homens
mais valentes e convidou-os a trabalharem no policiamento, com remuneração semanal, dando-
lhes carta branca para prenderem tanto jagunços como colonos que não quisessem obedecer a lei
estadual.
Enquanto Alcebíades agia em Capanema, o secretário de Segurança Pública mandou para
Santo Antônio do Sudoeste o coronel José Henrique de Souza Dias (que em 1964 viria a ser o
meu primeiro sogro), que com muita dificuldade conseguiu retirar os homens armados da
Companhia Apucarana. Dessa forma, foi impedido o confronto entre as partes conflitantes.
Enquanto isso, a Companhia Comercial agia na região de Francisco Beltrão, Verê, Dois
Vizinhos, Jaracatiá e Cataratas do Iguaçu. O governo havia substituído os delegados e inspetores
de quarteirão, por homens simpáticos ou assalariados da Comercial. Em fins do mês de abril de
1957, os colonos da região do Verê apelaram ao vereador do PTB de Pato Branco, o popular
Pedrinho Barbeiro, por eles eleito, afim de que fosse até o presidente da República resolver suas
angústias. Mas, no início do mês de maio do mesmo ano, quando se preparava para ir até o Rio
de Janeiro, Pedrinho acabou assassinado por um pistoleiro de aluguel da Comercial. O delegado
de Pato Branco preferiu não apurar os fatos e, alguns dias depois daquele assassinato, a
Comercial voltou a instalar nas estradas de Verê e Dois Vizinhos, pedágios que passaram a
controlar a entrada e saída dos colonos da região. O Fórum de Clevelândia foi assaltado e,
curiosamente, sumiram somente os processos contra a Imobiliária Comercial.
Sucediam-se as violências contra os colonos que se negavam a assinar os contratos e as
respectivas notas promissórias. A primeira reação armada contra a Comercial ocorreu na
localidade de Alto Verê (hoje Presidente Kennedy). Os colonos se organizaram e atacaram os
escritórios da imobiliária. Morreram no ataque dois colonos e um jagunço. Mas o policiamento

110
de Pato Branco preferiu não se intrometer, mesmo depois do acontecimento de um crime bárbaro
que estarreceu a opinião pública: a chacina da família Saldanha, com requintes de crueldade.
Os ânimos da população se exaltaram, com a população ameaçando invadir a delegacia
de polícia e atacar novamente a Imobiliária Comercial. O governo do Paraná resolveu retirar a
Comercial da região, como havia feito com a Apucarana na fronteira. Mas a Comercial se negou
a sair, alegando que já havia feito muitos investimentos e não podia ficar no prejuízo. Os
políticos oposicionistas resolveram então agir para provocar a intervenção federal na região.
Queriam dominar as cidades e entregá-las ao controle do governo federal. Nestas articulações,
destacaram-se o senador Othon Mäeder e o advogado de Pato Branco, Edu Potiguara Nublitz.
O sudoeste foi então “dividido” em três regiões: Pato Branco, Francisco Beltrão e Santo
Antônio do Sudoeste. O levante branco deveria ser comandado a partir de Pato Branco e
Francisco Beltrão, porque essas duas cidades já possuíam estações de rádio, fundamentais para as
comunicações com o interior daquelas áreas. Em Pato Branco, o levante administrado por uma
“junta governativa”, foi iniciado no dia 9 de outubro de 1957.
No dia seguinte, com a presença de um agrupamento do exército [quando se destacou o
médico Walter Pecoits, comandando os colonos], o levante estourou em Francisco Beltrão e
Santo Antônio do Sudoeste. Naquela ocasião, também foi muito importante a contribuição do
advogado Bublitz, que conseguiu trazer o cônsul brasileiro destacado em Posadas, Argentina,
para que este visse de perto as escaramuças que estavam acontecendo em Santo Antônio do
Sudoeste O levante dos posseiros estava ameaçando tornar-se um caso internacional, podendo
envolver os territórios adjacentes da Argentina e do Paraguai. Com esse propósito, centenas de
colonos armados se refugiaram naqueles países.
Os jagunços que tinham sido expulsos ou estavam sendo perseguidos no sudoeste,
também começaram a assaltar fazendas localizadas nas províncias argentinas de Entre Rios e
Corrientes e nos departamentos paraguaios de Alto Paraná, Caaguazu e Cañendiju. Naquela
ocasião, a cidade paraguaia de Hernandárias, localizada a poucos quilômetros de Foz do Iguaçu,
foi literalmente invadida e saqueada por um grupo de ex-policiais comando pelo ex-sargento
Reis, que haviam sido expulsos da corporação, no sudoeste paranaense.
A situação tanto no sudoeste paranaense como na região fronteiriça dos três países estava
se tornando insustentável. O então ministro da Guerra, general Teixeira Lott, após ler o relatório
do cônsul, deu um ultimato ao governador Moysés Lupion: ou ele fechava as companhias
imobiliárias e acomodava os colonos, ou haveria intervenção federal na região. Apesar de estar
ficando cada vez mais rico com aquela situação, pois tudo levava a crer que ele era o principal
acionista daquelas companhias imobiliárias, Lupion, vendo o seu cargo de governador ameaçado,
imediatamente desmantelou aquelas fraudulentas companhias, utilizando o mesmo estratagema
que havia dado certo em Capanema: chegou a Pato Branco o major Reinaldo José Machado (que
foi meu comandante quando ingressei na polícia militar) apresentando-se como delegado especial
para o sudoeste e protetor dos colonos contra as companhias imobiliárias e seus jagunços.
Em Francisco Beltrão, os colonos haviam afastado as autoridades policiais, executivas e
legislativas e saqueado os escritórios das companhias. O chefe de polícia naquela ocasião,
Pinheiro Júnior, teve que ir pessoalmente a Francisco Beltrão para analisar a questão. Nesse
ínterim, porém, o exército já havia concentrado tropas em União da Vitória, para intervir no
sudoeste. Em final de mandato, o presidente da República, Juscelino Kubtscheck de Oliveira,
estava cauteloso. Uma intervenção no Paraná faria seu partido, o PDS, perder muitos votos nas
eleições presidenciais de 1960. Por isso, ao invés de intervenção, determinou a seu ministro da
Guerra, marechal Lott, e seu futuro candidato à Presidência da República, que mandasse tropas

111
para a região. Determinou também que o governado do Paraná afastasse definitivamente aquelas
companhias do sudoeste.
O corrupto policiamento jamais chamou aquelas companhias a responderem por seus
crimes, porque não poderiam contrariar os mesquinhos e desumanos interesses do governador
Moysés Lupion. Mas acabaram fechando-as, quando a determinação partiu, não de uma canetada
corrupta do Palácio Iguaçu, mas simplesmente de uma ordem irrevogável do próprio presidente
da República. Juscelino não queria ver seu partido político perder votos nas eleições de 1960.
Ao chegar ao sudoeste, o capacho do governador, Pinheiro Júnior, não teve alternativa
senão a de fechar aquelas diabólicas companhias imobiliárias, acabando por nomear Walter
Pecoits como delegado de Francisco Beltrão. Em Santo Antônio do Sudoeste, após três dias de
ocupação da cidade pelos colonos, Pinheiro Júnior acertou um acordo com eles, comprometendo-
se a não mais permitir a volta da Imobiliária Apucarana para a região. Proposta aceita, no dia
seguinte os colonos retornaram para as suas casas.
O mais interessante de toda essa questão, é que, inicialmente, Moysés Lupion acusava os
colonos de estarem sendo manipulados pelas forças políticas que lhe faziam oposição, com
muitos dos líderes colonos almejando cargos de vereador, prefeito e até mesmo de deputado.
Mas, terminada a luta, curiosamente nenhum deles demonstrou qualquer pretensão eleitoral. Os
beneficiados foram apenas alguns líderes urbanos como Walter Pecoits e alguns outros
profissionais liberais que tinham apoiado os colonos nas suas reivindicações. Para os colonos,
sobrou somente a terra. E isso já era muito, pois era tudo o que eles queriam para a manutenção
de suas famílias.

O PRIMEIRO CAFÉ DO PARANÁ

Q uando da chegada dos ingleses ao norte do Paraná, a região hoje chamada Norte Velho já
tinha cerca de 18 milhões de cafeeiros plantados, distribuídos pelos municípios de
Jacarezinho, Ribeirão Claro, Santo Antônio da Platina, Siqueira Campos e Cambará, onde
o próprio major Barbosa Ferraz possuía uma fazenda com mais de 2 milhões de pés daquela
rubiácea. Em contrapartida, o Estado de São Paulo tinha mais de 800 milhões de cafeeiros
produzindo, ou seja, 46 vezes mais que o Paraná. De qualquer forma, tanto o café paulista com o
paranaense eram exportados via porto de Santos. Então o governo paranaense lutou pela
construção de uma estrada de ferro que ligasse o norte do Paraná ao porto de Paranaguá. Mas
quando a ferrovia chegou à Colônia Mineira [atual Siqueira Campos], o governo paranaense
percebeu que a produção do norte do Paraná dificilmente fluiria satisfatoriamente para
Paranaguá, pelos seguintes motivos: 1 – pela ausência de empresas paranaenses compradoras e
beneficiadoras de café; 2 – pelos laços de amizade que ligavam os donos das firmas instaladas
naquela região com os exportadores paulistas. Resultado: toda a produção agrícola do norte do
Paraná continuou escoando-se para o Estado de São Paulo: em cada saca de café exportado pelo
porto de Santos, o Paraná perdia 8$000 réis. Começou então o Paraná a forçar a exportação via
porto de Paranaguá, da seguinte forma: 1 – criando empresas particulares para concorrer com as
paulistas; 2 – diminuindo o valor das taxas de exportação.
Mas São Paulo não queria perder aquele privilégio e reagiu através do Departamento
Nacional do Café, que criou diversos embargos pelo efeito do imperialismo paulista, o que
obrigou o Paraná a continuar exportando a sua safra cafeeira através do porto de Santos.
Na década de 1940, com o advento das companhias inglesas, o eixo produtor de café
deslocou-se do norte velho para a região de Londrina. Contudo, toda essa nova produção
continuou sendo exportada pelo porto de Santos, através da Estrada de Ferro São Paulo-Paraná
112
[então propriedade dos ingleses da Paraná Plantations na parte paranaense] e Sorocabana. Para
tentar concorrer com esse esquema ferroviário, o interventor Manoel Ribas resolveu construir
uma ligação rodoviária entre Paranaguá e Jataizinho, a conhecida Estrada do Cerne. Os
curitibanos, ingenuamente pensavam poder concorrer com os ingleses, mas esqueceram-se da
falta de caminhões, dos atoleiros e de outras dificuldades que aquela estrada de chão batido
apresentava.
A Estrada do Cerne ficou na inutilidade por muitos anos, sendo que a exportação do café
via porto de Paranaguá só veio realmente a surtir alguns resultados a partir de 1961, quando foi
inaugurada a ferrovia que hoje liga Apucarana a Ponta Grossa. Naquela época, porém, a produção
de café no norte do Paraná começou a ser comprometida pelos seguintes fatos: 1 – por causa das
geadas de 1963, 64,66 e 75; 2 – motivada pela política de erradicação de cafeeiros e queima da
produção esticada, a fim de diminuir a produção nacional e alcançar melhores preços no exterior;
pelo desenvolvimento de um novo produto agrícola de grande aceitação internacional, a soja; 3 –
pelo receio de novas geadas. Resumindo: se a lavoura cafeeira exigia grande mão-de-obra
humana, com extensas colônias nas fazendas produtoras, a nova política agrícola implantou a
mecanização e “expulsou” o homem do campo, obrigando-o a migrar para as zonas urbanas das
maiores cidades regionais, ocasionando uma sociedade ociosa que acabou por gerar a
marginalidade que estamos acostumados a ver nos dias de hoje.
Finalmente, ainda é necessário explicar que o norte do Paraná jamais viveu
exclusivamente do café. Outros produtos daquela época áurea, como o milho, o algodão, o arroz e
o feijão também foram produzidos em grande quantidade. Contudo, a maior parte dessas riquezas
não ficou no norte do Paraná, sendo carreada para Londres e São Paulo pelos colonizadores, ou
depositada nas contas bancárias de muitos políticos da capital paranaense. Curitiba, até então um
pequeno lugarejo puxado pelos carroções poloneses, transformou-se numa cidade moderna,
enquanto os habitantes das pioneiras cidades norte-paranaenses eram obrigados a respirar a
fumaça das queimadas, “comer” poeira de terra roxa e escorregar no lamaçal que se formava nos
dias chuvosos.

A REGIÃO DO ARENITO

C omo já comentamos à exaustão, tanto o governo imperial como o republicano que o


sucedeu, nunca deram real importância à região setentrional do Paraná, relegando-a a um
plano extremamente secundário, deixando-a entregue à completa estagnação. Cadê a
coragem para pegar no cabo de um machado, de uma foice ou de uma enxada, se o sul
paranaense lhes dava tudo o que queriam para satisfazer a sua demagógica ociosidade e sua a
incompetência administrativa?
Será que não existia uma fórmula para colonizar a região norte que não fosse à iniciativa
inglesa e paulista? Não sei. Só sei que o governo curitibano nunca moveu uma palha para
colonizar o setentrião, a não ser cobrar impostos quando a coisa já estava feita. Na dependência
de Curitiba, certamente o norte do Paraná ainda seria um sertão cheio de posseiros, grileiros,
onças e jagunços. Não fosse assim, os governantes não teriam entregado aquelas terras aos
ingleses a preço de bananas.
Com a volta dos ingleses para a Europa, foi necessário que a iniciativa privada paulista
novamente tomasse conta da situação, teoricamente até 1965, quando foi eleito governador o
paulista que residia no norte do Paraná, Paulo da Cruz Pimentel e, depois, o carioca Haroldo
Leon Perez e os paulistas Jaime Canet Júnior, José Richa e Álvaro Fernandes Dias, colocando um
ponto final na oligarquia política sulista. Até então, a maioria dos sulistas só tinha ouvido falar
113
que o Dr. Muricy e o Dr. Edmundo Barros haviam se deslumbrado com as notáveis quedas
d’água de Sete Quedas e das Cataratas do Iguaçu, precedidos pelo “intrépido filho do Paraná”,
Telêmaco Borba que, em 1875, havia empreendido uma viagem, patrocinada pelo então
governador Lamenha Lins por aquele reino da luxúria e da fantasia.
Baseado nessas bobagens, o engenheiro baiano André Rebouças, que trabalhou na
construção da ferrovia Curitiba-Paranaguá, chegou a dizer que o setentrião paranaense deveria ser
preservado: “... daqui a milhares de anos”, disse ele, “poderão nossos descendentes ir ver aquela
região tal qual Deus a criou; encontrar intactas os mais belos espécimes da flora e da fauna que
não têm rival no mundo”. Do ponto de vista ecológico, aquele baiano até que tinha alguma razão,
mas no que se refere ao progresso ele não enxergava um palmo além do nariz; tanto que jamais
preconizou que hoje a história do setentrião pusesse ser contada não através dos ecologistas, mas
pelos depoimentos que nos deixaram os pioneiros mineiros, paulistas, nordestinos e tantos outros
que não sabiam nada daquela arte, mas que acabaram descrevendo aquele epopéia não com uma
caneta, mas sim com uma simples enxada nas mão. Assim, depois que viu o êxito da colonização
implantada pelos ingleses e consolidada pelos migrantes brasileiros, o interventor Manoel Ribas
acabou percebendo a besteira que seus antecessores tinham feito e resolveu lotear as terras que
ainda pertenciam ao Estado do Paraná naquela região ou que estivessem em disputa judicial,
como era o caso da antiga Fazenda Brasileira que deu origem ao município de Paranavaí.
Dessa determinação governamental, surgiram então as colônias oficias de Jaguapitã
(1943) e Centenário do Sul (1944), entre outras. Dessas colônias, a que mais progrediu foi
justamente a de Paranavaí (1942), localizada a oeste das terras da CMNP. Essa colonização
oficial veio também favorecer a criação de diversas pequenas companhias imobiliárias, como a
Universo que colonizou Paranacity, e outras que vieram colonizar Paranapoema, Inajá, São João
do Caiuá, Alto Paraná, Paraíso do Norte e Rondon, entre tantas outras cidades localizadas na
região do arenito.

114
A EPOPÉIA FEMININA

S ei que é extremamente chato contar uma história que a maioria dos leitores parece já
conhecer, bater na mesma tecla que muitos historiadores bem mais competentes que eu já
bateram. Mas poucos deles falaram e eu ainda também não falei nada sobre a epopéia que
o sexo feminino desenvolveu no decorrer daquela colonização. Por isso, é preciso falar das
angústias e desesperanças daquelas mulheres que jamais souberam o que era dinheiro, higiene e
saneamento básico; falar dos seus problemas sentimentais e dos seus sofrimentos físicos; falar da
água potável que elas só conseguiam em poços profundos; da lenha que tinham que rachar para
acender o fogo de seus primitivos fogões; das suas camas “patentes” e dos seus colchões
recheados com palha de milho; do seu trabalho diário em casa e na roça; da dominical lavagem
de roupas, que eram “batidas” em tábuas fincadas junto a riachos palúdicos; dos seus cabelos
amarfanhados e das suas rugas antes do tempo; dos seus precoces cabelos brancos, das suas bocas
desdentadas e dos seus seios caídos pelo excesso de amamentação; falar daquelas donas de casa
que eram trepadas por maridos que só faziam sexo quando estavam bêbados. Enfim, falar dos
filhos que elas pariam às dúzias, da morte da maioria deles e das forças que elas tinham para criar
os seus nanicos gabirus sobreviventes.
Enfim, o trabalho feminino durante a colonização do Norte do Paraná foi quase uma
tragédia para aquelas mulheres pioneiras. Mas também foi em conseqüência do seu gigantesco
labor que seus homens conseguiram derrubar as matas para plantar esperanças. Contudo, era
bastante constante os ingênuos desencontros familiares, as inúmeras surras que levavam de seus
maridos, os terríveis assassinatos, as trapaceiras tramóias e as misturanças de raças e costumes.
Esse padecimento, amargura e resignação era um verdadeiro martírio, representando muito mais
que dor física e espiritual. Era o caos, a suprema humilhação do ser humano, enquanto o futuro ia
se abrindo cheio de esperanças apenas para as mulheres ricas, esposas de grandes proprietários
das terras. Isto é, o progresso chegando, mas somente para os grandes latifundiários. São
acontecimentos como esses que se transformam em cenários propícios para o escritor que, como
eu, é dono da sua própria história. Isso certamente nos deixa à vontade para falarmos um pouco
mais daquilo que chegamos a conhecer, apalpar, sentir, amar e até mesmo repudiar e odiar.

A POLÍTICA BRASILEIRA DOS ANOS 1920

N o decorrer da segunda década do século vinte, o progresso no Paraná já era notável,


sobretudo pela pujança dos cafezais que os migrantes mineiros e paulistas cultivavam no
hoje chamado norte velho, e da agricultura branca desenvolvida pela imigração européia
no sul do estado. Mas o descontentamento estadual predominava, devido à situação política que
imperava. Desde a emancipação política do Paraná e, principalmente, depois da proclamação da
República, todas as eleições para governador, indicadas pela situação, ganhavam por que: 1 –
havia corrupção eleitoral; 2 – valiam os votos de pessoas já falecidas; 3 – os eleitores do interior
eram controlados pelo chamado “voto de cabresto”, com os “caciques” políticos regionais os
intimidando à mão armada; 3 – o voto não era secreto e as mulheres simplesmente não votavam.
Isso, entretanto, não acontecia só no Paraná, ocorria em todo o território nacional, sendo
que no Estado de São Paulo a situação era a pior de todas. Assim, descontente com essa situação,
um grupo paulista fundou o Partido Democrático (PD) e organizou um movimento armado, entre
1922 e 1924, recebendo a adesão de muitos outros partidos políticos, que tinham os mesmos
ideais.

115
No Brasil, havia uma profunda crise social. Desde a Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), ocorriam manifestações públicas de inspiração social. A revolta do operariado, surgida em
conseqüência dos baixos salários e das longas horas de trabalho, era muito difícil de ser
controlada. Havia no país somente uma lei social: a do seguro ferroviário; trabalhava-se de 12 a
14 horas por dia, e não 8 horas como acontece hoje; para os operários daquela época não havia
domingos, nem feriados – eram obrigados a fazer, neste dias, a limpeza nas instalações das
fábricas; não havia nenhuma estabilidade no emprego e nem salário mínimo; o trabalho das
mulheres e das crianças era preferido ao dos homens, por receberem salário menor ao executarem
a mesma tarefa. Essa situação agravou-se ainda mais quando a queda da bolsa de valores de Nova
Iorque em 1929 gerou uma crise mundial. O Brasil, até então um país essencialmente agrícola,
mas não conseguia exportar suas safras. Só para se ter uma idéia, os estoques nacionais de café
superavam até o valor da moeda circulante do Brasil.
Foi nesse ambiente que se realizaram as eleições para presidente da República, em 1930.
Concorreram o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas pela oposição e o paulista Júlio Prestes pela
situação. Era tida como certa a vitória de Vargas, mas o governo do então presidente Washington
Luiz, manipulando as eleições ao sabor das corrupções, proclamou Prestes como candidato eleito.
Mais uma vez os gaúchos se rebelaram. Em três de outubro, Vargas, à frente de um poderoso
grupo de revoltosos, seguiu para o Rio de Janeiro, e, no dia 24, amarou seu cavalo em frente ao
palácio do Catete (sede do governo federal), depôs Washington Luiz e assumiu a Presidência da
República.

OS TENENTES REVOLTOSOS

P ara que melhor possamos entender essa história, faz-se necessário voltar a nossa atenção
para o ano de 1920. Naquele ano, generalizou-se entre os políticos e as forças armadas a
convicção de que era preciso uma mudança radical na política do país. Esse movimento foi
inicialmente elaborado por alguns jovens oficiais do exército no Forte de Copacabana, NO Rio de
Janeiro. Eram os chamados “tenentes”. Para eles, o governo federal perdera a autoridade, porque
não mais possuía legitimidade. E, para piorar a situação, em 1922 foi eleito presidente da
República o mineiro Artur Bernardes, logo transformado pelos tenentes em símbolo da corrupção
e da fraude.
Os tenentes, depois de algumas manifestações anteriores, resolveram agir, escolhendo
para liderá-los um general da reserva chamado Isidoro Dias Lopes. O levante foi marcado para
cinco de junho de 1924. Várias guarnições militares também pegaram em armas em São Paulo,
mas nem os cariocas e nem os paulistas conseguiram tomar o palácio do governo.
Enquanto isso, em vários outros estados do País os sublevados também se manifestavam,
porém com pouca expressividade militar. A maior manifestação, porém, ocorreu nos quartéis do
Rio Grande do Sul. Em São Paulo, os tenentes revoltosos, prevendo uma repressão por parte de
seus superiores, resolveram deixar a capital paulista e irem se encontrar com os sublevados do
Estado de Mato Grosso. Impedidos de entrar naquele estado resolveram então encontrar-se com o
rebelado engenheiro militar gaúcho e capitão do exército, Luiz Carlos Prestes, que estava com
suas tropas nas proximidades de Foz do Iguaçu.
O encontro das duas forças deu-se da seguinte forma: os tenentes paulistas chegaram a
Guaíra, via rio Paraná, tomaram de assalto o vapor “Pancho”, da Companhia Mate Laranjeira,
armaram-no com um canhão de 90 milímetros e conseguiram derrotar os legalistas que estavam
atacando as tropas de Luiz Carlos Prestes, então estacionadas a mais de seis meses junto às
barrancas do rio Paraná. Os revoltosos gaúchos e paulistas, agora unidos, e sob o comando de
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Luiz Carlos Prestes, resolveram avançar de Foz do Iguaçu para o leste paranaense. Seu objetivo
inicial era ocupar Guarapuava, Ponta Grossa e a ferrovia São Paulo - Rio Grande.
No oeste do Paraná, o setor norte dos revolucionários foi entregue a Miguel Costa, como
sede no Porto Piquiri. O setor sul, com sede em Catanduva, foi entregue a Newton Stela Leal. Em
direção ao leste, o máximo que os rebeldes alcançaram foram as localidades de Belarmino e a
serra dos Medeiros (atual Guaraniaçu).
Para deter o avanço dos rebeldes, o presidente Artur Bernardes precisou fazer uma
campanha de grande envergadura. Para comandante, foi nomeado o general Cândido Mariano da
Silva Rondon. Inicialmente, este concentrou suas tropas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná e Bahia. Enquanto Rondon instalava seu quartel general em Ponta Grossa, os revoltosos
instalaram-se em Catadunvas. No mesmo dia foram atacados na serra dos Medeiros. Iniciava-se a
batalha de Catanduvas. No total, eram 12 mil legalistas contra três mil rebelados. A desproporção
de forças era evidente. Em Laranjeiras do Sul, a 50 quilômetros a leste de Belarmino, Rondon
mandou construir um aeroporto e usou dois aviões para lançar panfletos, estimulando os
rebelados a se renderem. A estratégia funcionou: 42 rebeldes entregaram-se às forças legalistas.
A moral dos rebeldes abalou-se ainda mais quando chegou a notícia de que no rio Paraná
o major Arlindo havia se rendido com 230 homens e faro armamento. Diante dos sucessos
alcançados, Rondon mudou seu quartel general para Laranjeiras do Sul e depois para Formigas.
Nessa localidade, quase foi aprisionado pelo tenente Cabanas.
Para os rebeldes, os únicos reforços eram os que vinham do Rio Grande do Sul, enquanto
as tropas legalistas eram continuamente renovadas. A batalha final de Catanduvas iniciou-se em
23 de março de 1925. Renderam-se 407 revolucionários. Os rebeldes resolveram então recuar
para Foz do Iguaçu e esperar Luiz Carlos Prestes que tinha ido ao Rio Grande do Sul buscar mais
reforços. Quando Prestes chegou com 800 homens, encontrou a região de Santo Antônio do
Sudoeste, Campo Erê e Barracão, já ocupada por aqueles revoltosos que tinham montado o seu
quartel general em Foz do Iguaçu, comandados pelo tenente Fidêncio de Melo. Decidiu então
Prestes enviar 250 homens a Clevelândia, a fim de tomar Palmas. Isto obrigaria Rondon a
deslocar tropas de Catanduvas para o sudoeste, desafogando a pressão sobre aquela cidade. Mas
Rondon não ignorava o perigo que Prestes representava. Deslocou tropas do Rio Grande do Sul
pela ferrovia e mandou avançar em direção ao sudoeste. Os revolucionários estacionados no
sudoeste eram comandados pelos tenentes João Alberto e Fidêncio de Melo e os legalistas pelo
coronel Firmino Itaim Filho. O primeiro choque entre as duas forças ocorreu no dia 18 de
fevereiro de 1925, a 35 quilômetros de Clevelândia, na região de Pato Branco. Os rebeldes foram
obrigados a recuar.
Com a queda de Catanduvas, os rebeldes cometeram um dos maiores erros no Paraná.
Miguel Costa evacuou as tropas revolucionárias de Guaíra. O general Isidoro se assustou e
convocou uma reunião em Foz do Iguaçu. A maioria dos oficiais concordou com Isidoro em
pedir asilo na Argentina, mas Miguel Costa, Luiz Carlos Prestes e Juarez Távora não
concordaram. Terminava dessa forma a Campanha do Paraná e iniciava-se a histórica Coluna
Prestes.
Luís Carlos Prestes saiu de Foz do Iguaçu e avançou em direção ao Nordeste brasileiro.
Derivou por território paraguaio para penetrar no Mato Grosso. Atingindo o Estado de Goiás,
continuou a sua marcha em rumo norte, enquanto as façanhas heróicas de seus comandados
repercutiam nacionalmente, preocupando seriamente seus opositores. Inicialmente, a intenção dos
revoltosos era a mudança do governo central, mas o grande comandante da Coluna, em seu
patriotismo incrível, já deixara para segundo plano esse propósito, dizendo: - “O que tínhamos
em vista, principalmente, era despertar as populações do interior, sacudindo-as da apatia em que
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viviam mergulhadas, indiferentes à sorte do país, desesperançadas de qualquer remédio para os
seus males e sofrimentos”.
Prestes transformava a revolta militar de São Paulo e do Rio Grande do Sul no início de
uma revolução social. Já não lhe interessava derrubar o governo com um golpe apenas. Não
bastaria meramente substituí-lo por uma oposição resultante das mesmas forças econômicas que
haviam elegido o outro presidente [Washington Luiz]. Era preciso levantar o povo em defesa dos
seus direitos, dar-lhes a visão dos seus problemas, criar lideranças ligadas a esses problemas.
Avançaram em direção a Minas Gerais, sempre combatendo as forças governistas.
Chegaram ao Maranhão decididos a rumar para o Piauí, de onde desceriam para o Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia. A meta era o Rio de Janeiro, então
capital federal. Contra Prestes, a pecha de comunista atravessou os tempos e, historicamente,
depois de tanto sofrimento e perseguições, fixou-se como um dos maiores brasileiros de todos os
tempos, de reconhecido e inflamado patriotismo.
Em 1º de março de 1922 foram eleitos Arthur Bernardes para a presidência do Brasil e
Estácio Coimbra para vice-presidente, políticos que não apresentaram boa administração,
promovendo grande perturbação na ordem pública. A “Aliança Libertadora” era o partido de
oposição aos eleitos. O presidente, para fortalecer o poder executivo, promoveu no Congresso
Nacional a reforma da Constituição de 1891 e o habeas-corpus garantia determinados direitos. No
Rio Grande do Sul também começaram a surgir manifestações contra o governo de Borges de
Medeiros. A pacificação foi feita pelo ministro da guerra, general Setembrino de Carvalho. Mas,
rebentou, para maior insegurança nacional, a revolução em São Paulo, em cinco de julho de 1924,
estendendo-se por todo o país.
Sob a chefia de Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa, as tropas paulistas rebelaram-se
contra o presidente Arthur Bernardes. Os rebeldes, em número de 6.000, foram cercados por
30.0000 soldados da legalidade e retiraram-se para o Sul. No Rio Grande do Sul, lutaram contra o
Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo e o capitão Luís Carlos Prestes lançou um manifesto
assegurando ao povo brasileiro ordem e respeito às famílias e à propriedade alheia.
Juntando-se aos de São Paulo e do Rio Grande do Sul, os revoltosos formaram uma
coluna voluntária, percorrendo 25.000 quilômetros de sertões brasileiros, durante dois anos e
meio. Em abril de 1925, Luís Carlos Preste contava 26 anos de idade e iniciava a grande jornada
da Coluna Miguel Costa, depois conhecida como Coluna Prestes. Grandes aventuras, sofrimentos
e lutas acompanhavam os revoltosos, na esperança de uma contribuição para derrubar o regime.
A Coluna Prestes destacou-se na tática de guerrilhas, atacando, recuando, emboscando,
aparecendo e desaparecendo, aparentando desistir da luta e logo executando estratégias e
empregando disfarces em seus combates decisivos. Os revoltosos, no final, não se sagraram
vitoriosos. Todavia, Prestes declarou que sua audácia concorreu para que o Brasil ficasse a par da
miséria social dos que viviam nos campos.
Uma das coisas que mais tenho orgulho é a de ter conhecido Luís Carlos Prestes. No dia
18 de abril de 1989 ele compareceu a consagrado encontro de lideranças cívicas de Maringá,
quando falou a um público enorme em promoção do Centro Patriótico Tiradentes. Falou mais de
três horas sem parar, sem tomar um simples copo d’água sequer e sem levar cansaço à platéia.

PARTE FINAL

N o decorrer do século vinte, muitas ditaduras se implantaram na América Latina, na


África e na Ásia, por conta da “guerra fria” travada desde 1947 entre os Estados Unidos
da América do Norte (USA) e a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),
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quando o capitalismo e o comunismo duelaram para obter a supremacia mundial.
O golpe militar de 1964 jamais foi um contragolpe para neutralizar o propalado golpe
preparado pelo presidente João Goulart ou pelos comunistas, tanto assim que o governo Goulart
caiu sem opor resistência para não haver derramamento de sangue, repetindo a circunstância
ocorrida na “campanha da legalidade” em 1961 para a posse de João Goulart, depois da renúncia
de Jânio Quadros, quando Jango aceitou a solução parlamentarista, recusando a pressão política e
popular para repetir 1930, com marcha que se antecipava vitoriosa até a capital da República (Rio
de Janeiro em 1930 e seria para Brasília, em 1961).
A história registrará que João Goulart, com sua personalidade generosa e alto espírito
público, evitou luta fratricida por duas vezes, em 1961 e 1964. Ela não terá complacência com os
20 anos de regime militar, que afastou da vida pública e do exercício de mandatos conferidos
pelo voto centenas de políticos idealistas, que empenhavam todas as suas energias para a
grandeza econômica da Pátria e o bem-estar do povo.
Congresso por longos períodos fechado; eleições indiretas para presidente da República e
governador por colégios eleitorais sem representatividade; nomeação de prefeito das capitais e
dos municípios considerados de segurança nacional; julgamento de civis por tribunais militares e
suspensão do habeas-corpus; cassação de magistrados, cientistas e professores; fechamento da
UNE e intervenção em sindicatos; coerção à liberdade intelectual, com censura ou proibição de
peças teatrais, musicais, novelas, filmes, livros, jornais, rádios e televisões; prisões, torturas e
mortes, tudo isso significando violação de direitos que a consciência jurídica e política do país
jamais esquecerá.
O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e as demais agremiações foram extintos em fins
de 1965 pelo Ato Institucional n.º 2, assinado pelo presidente Castelo Branco, constituindo-se no
mais destrutivo crime contra a democracia praticado pela chamada “Revolução”. O PTB, fundado
por Getúlio Vargas, congregava os trabalhadores, dirigentes sindicais, muitos estudantes e
intelectuais, e defendia a doutrina do trabalhismo, tendo como expoente ideológico o gaúcho
Alberto Pasqualini; a União Democrática Nacional (UDN) reunia profissionais liberais,
estudantes, setores da classe média e antigos militantes contrários à ditadura do Estado Novo,
implantado em 10 de novembro de 1937; o majoritário Partido Social Democrático (PSD)
congregava antigos colaboradores e Getúlio Vargas, empresários da indústria, comércio e do
campo e apesar do nome era um partido conservador; o Partido Social Progressista (PSP)
defendia as idéias populistas do ex-governador de São Paulo Adejar de Barros; o Partido
Democrata Cristão (PDC) de Ney Braga esposava os princípios da doutrina cristã da Igreja
Católica. Ainda havia agremiações menores como o Partido Libertador [parlamentarista], o
Partido da Representação Popular (PRP), que proclamava a doutrina integralista de Plínio
Salgado, o velho Partido Republicano (PR), que abrigava expoentes como o nacionalista ex-
presidente Artur Bernardes e o culto Bento Munhoz da Rocha Neto, e o pequeno Partido
Socialista, onde se abrigavam intelectuais como os juristas João Mangabeira, Hermes Lima e
Evandro Lins e Silva [faltava apenas legalizar o Partido Comunista para completar-se o quadro
democrático].
Esses partidos vinham da redemocratização de 1945, tinham militância aguerrida e
doutrinas definidas e a dissolução deles pela força do arbítrio, seguindo-se ao bi-partidarismo
forçado pelo regime militar com Arena (governo) e MDB (oposição consentida), desarticulou a
continuidade da vida democrática do país, e os partidos que vieram a se formular após 1979 –
quando Arena e MDB foram extintos – não se revestem de coesão, disciplina, fidelidade e
práticas políticas, que despertem o respeito da sociedade, com raras exceções para justificar a
regra.
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No plano econômico, identifico grandes realizações e profícuas iniciativas dos presidentes
militares: criação da Embratel (1965), da Embraer (1969), da Embrapa (1973), o programa de
telecomunicações em geral, a construção de monumentais hidrelétricas como Itaipu e Tucuruvi; a
expansão das atividades da Petrobrás, com a descoberta do ouro negro na bacia de Campos e
construção de refinarias de petróleo, que tornaram o Brasil auto-suficiente em derivados de
petróleo até 1994; a implantação da indústria petroquímica; política externa independente com o
imediato reconhecimento diplomático das ex-colônias portuguesas e o restabelecimento de
relações comerciais com ma República Popular da China; a denúncia do Acordo Militar Brasil-
Estados Unidos; impulso ao desenvolvimento econômico. Compete a nós, brasileiros, que
desfrutamos das insubstituíveis liberdades democráticas, reconhecer sem preconceitos os méritos
do regime militar em diversas ações governamentais, principalmente as de caráter nacionalista.
Ditadura, porém. Nunca mais.

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Cuenca del Plata; América: histórias, delírios e outras magias; Independências na América
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