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Trajetória do Agro
Elísio Contini, Adalberto Araújo Aragão e Zander Navarro
O objetivo deste texto é posicionar o agro brasileiro quanto à sua rica história,
notadamente a mais recente, analisar a evolução da produção, a eficiência produtiva e
sua contribuição para o abastecimento interno e para as exportações. Essa análise servirá
de base para a identificação de megatendências de futuro e de instrumentos para
superação de gargalos e potencialização de desenvolvimento setorial.
Períodos
Legado até a década de 1960
Até a metade do século XX, as regiões rurais no Brasil caracterizaram-se por ciclos de
produção de mercadorias destinadas à exportação, destacando-se a cana-de-açúcar, o
ouro, a borracha e, em especial, o café1 , este último já em meados do século XIX. Quanto
aos produtos de consumo interno, eles passaram a ser ofertados gradualmente a partir
da formação das aglomerações urbanas e, usualmente, decorreram de atividades
agrícolas em estabelecimentos de menor porte (Klein; Luna, 2020). As exportações
geravam divisas para as importações, principalmente de produtos industrializados, ao
mesmo tempo que sustentavam a necessidade de bens de capital e matérias-primas para
a industrialização que se acelerou nos anos 1930.
Em 1950, o Brasil era ainda uma sociedade rural, onde 63,8% do total da população vivia
no campo. Vinte anos depois, essa proporção havia caído para 44%, pois, entre as
décadas de 1950 e 1970, o Brasil observou as maiores migrações rural-urbanas de sua
história (Alves et al., 2011). No último censo demográfico de 2010, a participação da
população rural representava apenas 15,7% do total, e estimativas do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE, 2022b) para 2021 indicam que esse percentual reduziu-
se para 12,2%. (Figura 1).
Um novo ciclo expansivo da economia iniciou-se no final da década de 1960, com a
decisão governamental de acelerar e diversificar fortemente o processo de
industrialização, utilizando o favorável contexto de liquidez nos mercados financeiros
internacionais. Foram decisões que produziram elevadas taxas de crescimento do
produto nacional entre 1970 e 1980. A demanda de trabalho cresceu intensamente,
estimulando um rápido e forte movimento de migrações rural-urbanas. Ao mesmo
Figura 1. Evolução da distribuição por situação de domicílio (urbana e rural) da população entre 1950 e
2021.
Nota: As populações rural e urbana para o ano de 2021 foram estimadas com base nos
censos demográficos e estimativas do IBGE para população (IBGE, 2022a e 2022b).
Fonte: IBGE (2022a, 2022b).
Assistência técnica
Estabelecidos os alicerces da geração de conhecimentos e o desenvolvimento da
pesquisa agrícola e pecuária, o governo federal criou em 1975 a Empresa Brasileira de
Assisência Técnica e Extensão Rural (Embrater), cujo objetivo era coordenar o sistema de
extensão rural, a ser executado pelas empresas estaduais – as Ematers. Mas, em 1990, a
Embrater foi extinta, o que dificultou, a partir daquela década, o desenvolvimento do
sistema de apoio à assistência técnica nos estados, com falta de recursos e coordenação.
Em 2013, foi assinada a lei que criou a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural, ainda em implantação. Recentemente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa) assumiu sua coordenação e tem implantado diversos novos
programas, particularmente em apoio aos pequenos produtores.
Política agrícola
O Sistema Nacional de Crédito Rural, que foi instituído pela Lei nº 4.829, de 5 de
novembro de 1965, foi considerado o principal instrumento de política agrícola e o maior
responsável pela expansão da economia agropecuária. Essa política viabilizou a expansão
da produção agropecuária e os investimentos essenciais para a melhoria da eficiência
produtiva em praticamente todos os ramos produtivos e em quase todas as regiões. Com
a estabilização monetária (Plano Real), a disponibilidade de crédito aumentou
substancialmente, passando também a incluir recursos do setor privado (Wedekin;
Organizações privadas
No período compreendido entre 1960 e 2000, foram criadas e fortalecidas inúmeras
organizações privadas vinculadas às atividades produtivas agropecuárias4. Entre elas,
destacam-se as cooperativas agropecuárias, formas organizacionais de apoio aos
pequenos produtores, as quais foram introduzidas no País no início do século XX. A partir
de 1969, receberam forte impulso com a criação da Organização das Cooperativas
Brasileiras (OCB), entidade que passou a coordenar e defender os interesses das
cooperativas, principalmente de produção agropecuária.
Fundada em 1964, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) representa os
produtores rurais chamados de “patronais” e seus interesses. A CNA engloba também o
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Por sua vez, a Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) representaria os pequenos produtores,
atualmente intitulados de “familiares”. Recentemente, foi formada a Confederação
Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Contar). Em 1993, foi criada a
Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), cuja missão é a busca por equilíbrio nas
cadeias produtivas do agronegócio, de modo a valorizá-las. Entre as empresas privadas,
destaca-se a Agroceres, que promoveu o conceito de agronegócio no Brasil, incluindo a
publicação do clássico livro Complexo Agroindustrial – o "Agribusiness" Brasileiro
(Araújo et al., 1990)5.
Irrigação
Grande parte da produção do agro brasileiro é produzida sob o sistema de cultivo de
sequeiro, dependente de chuva. Entre as vantagens da produção agrícola sob irrigação
destacam-se a possibilidade de produzir até três safras por ano, dependendo da cultura,
e estabilizar a oferta no mercado. Segundo dados da Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico (2021), o Brasil irrigava, em 2020, 8,2 milhões de hectares, dos quais
2.903 mil eram de cana fertilizada, 1.304 mil de arroz, 749 de cana irrigada e 649 mil de
Mão de obra
Já foi demonstrado que a população rural no Brasil tem diminuído sistematicamente
desde 1950. Consequentemente, o mesmo fato aconteceu com a mão de obra
empregada na produção dentro da fazenda. Segundo análise de Maia e Sakamoto (2014),
em 2012, um contingente expressivo de 14 milhões de trabalhadores estava ocupado em
atividades agrícolas, com concentração no Nordeste. Apesar de ganhos inferiores em
relação às atividades urbanas, nos anos 2000 a produção agrícola evoluiu em todas as
regiões, devido ao aumento de produtividade e à melhor qualificação dos trabalhadores.
Políticas públicas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) também tiveram impacto positivo para os pequenos produtores.
Em análise mais recente sobre assalariados na agricultura, com base em dados do censo
agropecuário de 2017, Balsadi (2021) confirma o processo de redução da mão de obra
em atividades agropecuárias e chama a atenção para a necessidade de políticas públicas
para requalificação profissional. Além disso, observa a necessidade de novos
treinamentos e projetos de infraestrutura de conectividade (internet) para o avanço da
produtividade. Por sua vez, houve aumento do emprego em atividades antes e depois da
porteira, com profissionais mais qualificados e mais bem remunerados.
Cadeia Produtiva
Principais Grãos
A evolução da produção, da área colhida e da produtividade em grãos, entre os anos de
1974 e 2021, é apresentada na Tabela 2, onde os dados estão segmentados em dois
períodos: 1974–2000 e 2000–2021. No primeiro intervalo (1974 a 2000), a área cresce
0,41% ao ano, a produção 2,98% e os rendimentos físicos 2,57%. No segundo período
(2000 a 2021), a produção cresce mais de 5,12% ao ano, a área colhida 2,69% e os
rendimentos 2,43%. São dados que comprovam empiricamente um “novo momento”
observado na agricultura de grãos no País, na virada do século, saltando para patamares
mais elevados. Para o período como um todo (1974 a 2021), a área colhida aumentou
1,42%, a produção 4,11% e o rendimento 2,69% ao ano. A evolução dessas três variáveis,
ano a ano, pode ser melhor visualizada na Figura 5.
1
Informação recebida pela equipe do Agropensa, por e-mail, de José Garcia Gasques, em 3 de março de
2022.
A Figura 6 apresenta a evolução da produtividade dos grãos feijão, arroz, milho, soja e
trigo. Analisando-se por produtos, arroz e milho foram os destaques em termos de
rendimentos físicos. O desempenho mais fraco foi do feijão, e, em posições médias, estão
a soja e o trigo. Em relação à soja, pode-se afirmar que a cultura já foi introduzida com
elevada produtividade no País, portanto esperava-se que sua evolução fosse mais
modesta no tempo2. A queda da produtividade do milho em 2021 deve-se à severa seca
no Sul do País.
2
Sobre produção e produtividade agrícola de diferentes cultivos e criações, consultar o livro Agricultura
Tropical: quatro décadas de inovações tecnológicas, institucionais e políticas, da Embrapa
(Albuquerque,Silva, 2008).
Carnes
A Figura 7 ilustra a evolução dos três principais tipos de carnes, no período de 2000 a
2021, em milhões de quilogramas de carcaças. As taxas de produção de carne bovina e
de frango crescem de forma similar até 2006, quando a carne de frango passa a se
distanciar. No período analisado, a produção de carne de frango cresce 142,6%; a bovina,
43,0%; e a de suínos, 115,2%.
Quanto à produção mundial de carnes, o Brasil ocupava, em 2020, a terceira posição,
depois da China e dos Estados Unidos, mas, nas exportações, ocupava a segunda posição,
com 7,4% do mercado mundial. No que se refere à carne bovina, foi o segundo maior
produtor, apenas superado pelos Estados Unidos, e o principal exportador. Na produção
de frango, também foi o terceiro maior produtor, sendo Estados Unidos e China os
primeiros; no mercado internacional, o Brasil ocupa a primeira posição com mais de 20%
do mercado (Estados Unidos, 2021)3.
3
Em relação à carne bovina, consultar Malafaia et al. (2021).
Ovos
O moderno setor de aves de postura no Brasil acompanhou a evolução do aumento da
eficiência em outros países, particularmente nos Estados Unidos e em alguns países da
Europa. O modelo dominante, adotado também no Brasil, caracterizou-se por produção
altamente especializada e com escala de produção. Uma grande revolução tecnológica
mundial ocorreu na área genética devido ao desenvolvimento de linhagens
especializadas na produção de ovos, no desenvolvimento de rações com alta densidade
de nutrientes, na prevenção e no controle de doenças.
Os méritos da pesquisa do Brasil consistiram em acompanhar a evolução tecnológica
mundial e viabilizar a adaptação de inovações, contribuir para a definição de produtos
para composição de rações, desenvolvimento de vacinas, recomendações de manejo,
modelos de construções e equipamentos e, mais recentemente, uso de inteligência
artificial e automação na produção de ovos. Mas há ainda desafios tecnológicos a serem
vencidos no Brasil, destacando-se requisitos de preservação do meio ambiente (dejetos),
bem-estar animal, segurança alimentar e biossegurança nas criações. Do ponto de vista
econômico, registra-se que a adoção desses pacotes tecnológicos em grande escala
permitiu o aumento da produção, a queda dos preços e maior consumo per capita.
A Figura 8 apresenta dados de produção de ovos (dúzias) no Brasil e nos principais
estados produtores, no período de 2000 a 2020 (IBGE, 2022f). A produção de ovos nesses
Figura 8 Produção brasileira de ovos e principais estados produtores no período de 2000 a 2020.
Fonte: IBGE (2022)
Leite
Na Figura 9, é apresentada a produção de leite em milhões de litros. No período de 2000
a 2020, o crescimento da produção foi de 78,3%, e manteve-se quase linear até 2014,
com queda nos anos seguintes, atingindo o nível anterior somente em 2020 (IBGE,
2022c). Esse desempenho retrata a crise recente pela qual o Brasil passou, com queda da
renda das famílias e consequente menor crescimento do consumo de leite, já que é um
produto quase exclusivamente de consumo interno.
As exportações são insignificantes e o maior temor dos produtores tem sido a
importação, principalmente de países do Mercosul. A produção no Brasil está se
concentrando em menos produtores. A inserção de pequenos produtores depende da
Silvicultura
A produção da silvicultura brasileira referente ao período 2000 a 2020 está representada
na Figura 10, onde se encontram dois grupos de produtos (carvão e outros; lenha e
madeira). No grupo carvão e outros, a produção do período cresceu 133,9%, enquanto
no grupo lenha e madeira o crescimento foi de 72,9%. Desses valores, a madeira em tora
destinada à produção de papel e celulose correspondeu a 58,7% do total em média
durante o período (IBGE, 2021c).
Algodão
A produção de algodão em caroço aumentou em 212,8% no período considerado,
passando de 2.007 mil para 6.279 mil toneladas (Figura 11). Embora tenha tido uma
tendência de alta em todo o período, o maior crescimento foi observado nos últimos
anos, a partir de 2018, mas com queda em 2021 (IBGE, 2022c). China, Índia e Estados
Unidos são os maiores produtores, sendo o Brasil o quarto maior produtor em 2020.
Esses três países representam quase 2/3 da produção mundial (FAO, 2021). A forte
tecnificação do setor e a produção em grandes propriedades nos Cerrados,
principalmente em Mato Grosso e no Oeste da Bahia, tem sido responsável pelo recente
progresso.
Café
A tradicional cultura do café no Brasil, em área, nos últimos 22 anos perdeu 420 mil
hectares, mas tem mantido volumes de produção elevados e relativamente constantes
devido à produtividade crescente (Figura 12). O Brasil lidera a produção mundial e
também a exportação. Há espaço para evolução tanto da produção como da
produtividade, pela aplicação de tecnologia. O Consórcio Brasileiro de Pesquisa e
Desenvolvimento do Café tem a responsabilidade de conduzir pesquisas para melhorar a
produtividade da cultura (Mourão et al., 2008).
Frutas
A produção total de frutas no Brasil encontra-se estagnada em cerca de 59 milhões de
toneladas, e as mais importantes são a laranja, a banana e o abacaxi (Figura 13). Na
produção mundial, observa-se que o Brasil é o terceiro maior produtor, depois da China
e da Índia, países populosos. A maior parte da produção de laranja destina-se ao
processamento de sucos. Grande parte da produção brasileira de frutas destina-se ao
mercado interno. O Brasil concentra suas exportações em um número pequeno de frutas,
como uva, manga, mamão, melão, maçã. O País ainda não conseguiu uma abertura para
as exportações, a exemplo de outros países como o Chile (FAO, 2021).
Cana de açúcar
A cultura da cana tornou-se importante no agro brasileiro devido à produção e A cultura
da cana tornou-se importante no agro brasileiro devido aos recordes na produção e
exportação de açúcar, bem como a sua contribuição para a combustão de carros via
etanol e a geração de energia pelo bagaço. O Brasil é o maior produtor e exportador
mundial de açúcar, com participação superior a 30% nos últimos anos e receita cambial
da ordem de 8,7 bilhões de dólares em 2020, mas já chegou a 12 bilhões de dólares em
2017 (Souza, 2018). O etanol contribui para a substituição da gasolina em carros,
possibilitando a redução na pegada de carbono e consequentemente menor emissão de
gases de efeito estufa, conforme Acordo do Clima de Paris (COP 21).
Na Figura 14, observam-se dados de produção, área colhida e rendimento da cana-de-
açúcar, no período de 2000 a 2021. Para o período como um todo, a produção mais do
que dobra, situando-se acima de 700 milhões de toneladas no período de 2010 em
diante. A área colhida também dobra de 4,8 milhões de hectares em 2021 para 9,9
milhões de hectares. O que surpreende é o comportamento do rendimento, com forte
crescimento de 2006 a 2010. A partir desse período, houve registro de decréscimos
acentuados. Em 2009, o rendimento médio da cana no Brasil superou as 80 t/ha e, em
2021, ficou em 74,0 t/ha.
Aquicultura
Segundo o último documento da FAO (2020), a aquicultura mundial cresceu 5,3% ao ano
no período de 2001 a 2018. Ainda no ano de 2018, a produção atingiu um recorde
histórico e chegou a 114,5 milhões de toneladas em peso vivo. Em paralelo, de 1961 a
2017, o consumo mundial de pescado apresentou aumento anual de 3,1%, percentual
quase duas vezes maior que o crescimento anual da população mundial no mesmo
período (1,6%) e acima do crescimento anual de outros alimentos (carne, laticínios, leite,
etc.), que aumentaram 2,1% ao ano (FAO, 2020).
Atualmente a atividade pesqueira nacional não tem condições de atender toda a
demanda do mercado consumidor (em parte em razão da atividade pesqueira
extrativista, como era praticada no passado, que provocou declínio dos estoques naturais
das populações selvagens). O cultivo de espécies ameaçadas tem sido apoiado pelos
governos e por empresas privadas no intuito de promover o repovoamento de áreas de
instabilidade populacional.
O Brasil não é, ainda, um país de grande destaque no cenário mundial da produção
aquícola. A produção de pescado no Brasil saltou de 578 mil toneladas (2014) para pouco
mais de 802 mil toneladas (2020) (Associação Brasileira da Piscicultura, 2021).
Entretanto, o Brasil possui, além de 8.500 km de zona costeira, aproximadamente 12%
Figura 15 Distribuição dos principais grupos de espécies de pescado produzidas nos Estados do Brasil.
Fonte: Valenti, et al. 2021.
O progresso na produção e exportação foi enorme nos últimos anos. Mas ainda há
desafios a serem vencidos na concretização do potencial que o Brasil possui, entre quais
se destacam os compromissos ambientais. O Brasil tem tido avanços consideráveis na
adoção de técnicas de cultivo mais sustentáveis, como o já consolidado sistema de plantio
direto, que evitou milhões de toneladas de perda do solo por erosão, a fixação biológica
de nitrogênio e a adoção de sistemas mais complexos de produção, como a integração
lavoura-pecuária-florestas (ILPF), em complemento aos sistemas de monocultivos,
principalmente de grãos.
Há forte pressão social, nacional e internacional para que a produção do agro caminhe
para sistemas mais naturais, com utilização de bioinsumos, em substituição ou
complemento aos químicos, principalmente para defensivos e fertilizantes (Brasil, 2021).
Na área animal, exigências de bem-estar animal e maior cuidado com a sanidade foram
fortalecidas depois dos impactos na saúde humana provocados pela pandemia de covid-
4
O Programa Nacional de Bioinsumos propõe ampliar e fortalecer o segmento de insumos de base
biológica, ofertando ao usuário tecnologias, produtos, processos, conhecimento e informações aplicados
à nutrição do solo; ao controle de pragas, parasitos e doenças; aos tratos culturais e zootécnicos; e à
otimização de produtos e processos relacionados à pós-colheita e à agroindústria.
O que preocupa são os cerca de 3,2 milhões de pequenos estabelecimentos rurais, que
têm baixa eficiência produtiva e, em muitos casos, estão à margem do mercado.
Avaliações de estudos sinalizam que suas chances de progresso tecnológico são
reduzidas, devido às exigências de capital, domínio tecnológico, incluindo conhecimentos
em gestão. O governo vem empenhando esforços na modernização de pequenos e
médios produtores, com créditos diferenciados via Pronaf. No Centro-Sul do País, o
associativismo e, principalmente, as cooperativas têm agregado pequenos produtores,
dando assistência técnica na produção e na compra e venda de produtos. Igualmente, a
integração na produção pecuária – suínos e aves – agregou pequenos produtores de
gestão familiar ao mercado, criando condições de progresso econômico.
O maior problema reside no Nordeste, notadamente na região do Semiárido, assolada
por secas periódicas e historicamente com problemas de capitalização dos pequenos
produtores. Ainda há assentados de reforma agrária no Nordeste e Norte do País que não
possuem condições mínimas de desenvolvimento. Outro instrumento de viabilidade de
pequenos produtores é a assistência técnica e extensão rural, em reformulação pelo
Mapa. Outras propostas incluem programas de “renda mínima” para agricultores
excluídos ainda do mercado. (Alves et al., 2020; Hoffmann; Jesus, 2020).
Exportações
As exportações do agro vêm impactando positivamente as contas externas brasileiras,
com crescimento dos 21 bilhões de dólares no ano de 2000 para 121 bilhões de dólares
em anos recentes (+485,7%). Embora o crescimento seja constante no período, o maior
impacto se observa a partir de 2010, resultado em parte devido à depreciação cambial e
ao crescimento da demanda internacional. As importações do setor permanecem
praticamente estáveis, abaixo dos 20 bilhões de dólares. Consequentemente, o saldo
comercial é elevado, alcançando 105 bilhões de dólares em 2021 (Brasil, 2022a), o que
contribui para o equilíbrio das contas externas do País (Figura 17).
Renda no Campo
A Figura 18 apresenta o valor bruto da produção de lavouras e pecuária para o período
de 2000 a 2022 (valores projetados), deflacionados pelo Índice Geral de Preços –
Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – janeiro/2022. O
valor total das duas atividades, neste século, ampliou-se de forma expressiva, crescendo
190,2%. O valor das lavouras no período de 2000 a 2021 cresceu 193,7%, enquanto a
pecuária aumentou 183,1%. Surpreende, igualmente, o crescimento acelerado de 2021
em relação a 2019, da ordem de 29,2% para as duas atividades, com lavouras em 37,8%
e pecuária em 13,6%. Projetam-se valores elevados também para o ano de 2022. Esse
desempenho pode ser atribuído ao aumento da produção e a melhores preços, tanto no
Figura 18 - Valor bruto da produção (VBP) agropecuária brasileira: Total, Lavouras e Pecuária (valores
deflacionados pelo IGP-DI da FGV - janeiro/2022).
Nota: ** (projeção)
Fonte: Brasil (2022b)
Considerações Finais
Com base nos dados e nas análises realizadas, é possível extrair as seguintes
características e tendências principais para a agricultura brasileira:
a) Na trajetória do agro brasileiro, identificaram-se três grandes fases: 1) do Brasil
Colonial a 1965; 2) a gradual construção de um agro que se tornaria pujante, entre os
anos de 1965 e 2000; e 3) o período atual, neste século, caracterizado pela intensificação
produtiva e tecnológica, com crescente vinculação às cadeias globais de valor.
b) O desempenho recente do agro, segundo diversos indicadores, pode ser adjetivado
como espetacular, pois é setor receptivo às inovações, o que garante persistente
crescimento da produtividade total de fatores, reforçando assim a capacidade
competitiva do setor nos mercados internacionais.
c) A partir de 2000, o agro brasileiro tem suprido o mercado interno regularmente e
avançado na conquista do mercado internacional, destacando-se a soja, o milho, o
algodão e as carnes. A tecnologia foi a força motriz dessa transformação.
d) A tecnificação do agro permitiu maior eficiência de amplos elos das cadeias produtivas,
possibilitando a redução do preço da cesta básica, o aumento da renda no campo e
exportações superiores a 100 bilhões de dólares, com amplo saldo comercial no setor.
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