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SUMÁRIO

1. Trajetória do Agro......................................................................................................2

2. LEGADO ATÉ A DÉCADA DE 1960......................................................................4

3. CONSTRUÇÃO DE UM AGRO PRÓSPERO: 1965 a 2000...................................6

4. Criação da Embrapa e fortalecimento das ciências rurais..........................................8

5. Assistência técnica...................................................................................................10

6. Política agrícola........................................................................................................11

7. Organizações privadas.............................................................................................12

8. Agroindústria de insumos e maquinaria...................................................................13

9. Irrigação...................................................................................................................15

10. Mão de obra..........................................................................................................16

11. Plano real e câmbio flutuante...............................................................................16

12. Logística: transporte e armazenagem...................................................................18

13. A TECNIFICAÇÃO DO AGRO NO SÉCULO XXI..........................................20

14. DESEMPENHO RECENTE DO AGRO NACIONAL.......................................22


1. TRAJETÓRIA DO AGRO

O objetivo deste texto é posicionar o agro brasileiro quanto à sua rica história,
notadamente a mais recente, analisar a evolução da produção, a eficiência produtiva e
sua contribuição para o abastecimento interno e para as exportações. Essa análise
servirá de base para a identificação de megatendências de futuro e de instrumentos para
superação de gargalos e potencialização de desenvolvimento setorial.

Períodos

Legado até a década de 1960

 A construção de um agro próspero: 1965 a 2000

A tecnificação do agro no século XXI

Desempenho recente do agro

Principais Grãos

Carnes

Ovos

Leite

Silvicultura

Algodão

Café

Frutas

Cana de açúcar

Aquicultura

Impactos socioeconômicos do desenvolvimento do Agro

Abastecimento Interno

Exportações
Renda no Campo

Preços da Cesta Básica


2. LEGADO ATÉ A DÉCADA DE 1960

Até a metade do século XX, as regiões rurais no Brasil caracterizaram-se por ciclos de
produção de mercadorias destinadas à exportação, destacando-se a cana-de-açúcar, o
ouro, a borracha e, em especial, o café1 , este último já em meados do século XIX.
Quanto aos produtos de consumo interno, eles passaram a ser ofertados gradualmente a
partir da formação das aglomerações urbanas e, usualmente, decorreram de atividades
agrícolas em estabelecimentos de menor porte (Klein; Luna, 2020). As exportações
geravam divisas para as importações, principalmente de produtos industrializados, ao
mesmo tempo que sustentavam a necessidade de bens de capital e matérias-primas para
a industrialização que se acelerou nos anos 1930.  

Em 1950, o Brasil era ainda uma sociedade rural, onde 63,8% do total da população
vivia no campo. Vinte anos depois, essa proporção havia caído para 44%, pois, entre as
décadas de 1950 e 1970, o Brasil observou as maiores migrações rural-urbanas de sua
história (Alves et al., 2011). No último censo demográfico de 2010, a participação da
população rural representava apenas 15,7% do total, e estimativas do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE, 2022b) para 2021 indicam que esse percentual
reduziu-se para 12,2%. (Figura 1).

Um novo ciclo expansivo da economia iniciou-se no final da década de 1960, com a


decisão governamental de acelerar e diversificar fortemente o processo de
industrialização, utilizando o favorável contexto de liquidez nos mercados financeiros
internacionais. Foram decisões que produziram elevadas taxas de crescimento do
produto nacional entre 1970 e 1980. A demanda de trabalho cresceu intensamente,
estimulando um rápido e forte movimento de migrações rural-urbanas. Ao mesmo
tempo, o governo decidiu instituir um conjunto de ações e políticas destinadas à
modernização da economia agropecuária do País.
3. CONSTRUÇÃO DE UM AGRO PRÓSPERO: 1965 A 2000

Industrialização

A política de industrialização mudou expressivamente a face social e econômica do


Brasil. O pós-guerra introduziu a meta do “desenvolvimento” para todos os países,
objetivo fortalecido pela descolonização ocorrida na época. Surgiram as instituições
multilaterais e o sistema das Nações Unidas. Já na década de 1950, o governo brasileiro
estabeleceu como principal diretriz de política econômica a aceleração da
industrialização.

Naqueles anos, prevalecia a chamada “política de substituição de importações”,


orientação geral que mantinha o câmbio sobrevalorizado, adotando câmbios múltiplos
para desfavorecer bens de consumo e favorecer a importação de bens de capital, que
também eram beneficiadas pela concessão de empréstimos a taxas subsidiadas. Havia
um esforço para manter baixos os preços dos alimentos, para atrair mão de obra para o
incipiente setor urbano (Contini et al., 2010). Contudo, é importante ressaltar que
inúmeros estudos caracterizam essa política como discriminatória contra a agricultura,
orientação que se manteve até o final da década de 1960 (Goodman, 1986).

A política de industrialização transformou a economia brasileira e tornou-a


diversificada, criando mercados para os produtos agropecuários. Dados censitários
indicam que, entre 1960 e 1970, a população urbana superou a rural, perdendo o rural a
supremacia demográfica. Em um período de crescimento populacional e de rápida
urbanização, entre 1950 e 1990, a demanda por alimentos cresceu 6% ao ano (Alves et
al., 2011). 

A gradual redução da mão de obra no campo assim como a maior demanda urbana por
alimentos e outros produtos desencadearam um processo de intensificação tecnológica
na produção, elevando a produtividade. Esse movimento se manteve apoiado por
resultados da pesquisa agrícola e pela ciência em geral. Observa-se, nessa passagem, a
mudança de comportamentos sociais dos produtores, no passado, ancoradas apenas em
aumento da área plantada; o objetivo principal passou a reger-se pela incorporação de
tecnologia em busca da elevação da produtividade.

Alimentos para o consumo interno


 A resposta do setor agropecuário à crescente demanda, particularmente por alimentos
básicos, não foi rápida e sem sobressaltos. A literatura retrata dificuldades de
abastecimento do mercado interno nos anos 1960 e início de 1970, além de importação
para suprir as necessidades da população brasileira, utilizando as divisas acumuladas
com as exportações de café. No final de 1973, alguns dos principais países produtores
de petróleo elevaram o preço do barril em 400%, o que afetou fortemente o tênue
equilíbrio das contas externas do País. 

Esse desequilíbrio foi agravado no final da década de 1970, quando o preço do petróleo
foi novamente elevado bruscamente e quase triplicou. Dependente das importações de
petróleo, houve forte impacto na administração macroeconômica, com expressivo
aumento do endividamento externo para o fechamento das contas. Dessa forma,
encerrou-se o ciclo expansivo daquela década e abriu-se o caminho para uma
continuada escalada inflacionária que iria caracterizar a economia brasileira até o Plano
Real, em 1994. 

Embora a industrialização avançasse, ela não representava a solução para o equilíbrio


das contas externas. Porém, o abastecimento de alimentos para a população mantinha-se
como um desafio nacional. Considerando que a maior parte das terras férteis do Sul e do
Sudeste já estavam ocupadas com culturas, duas estratégias principais foram adotadas
para a superação do problema: a incorporação de terras marginais dos Cerrados2 no
Centro-Oeste e a intensificação produtiva nas áreas já ocupadas. Essas duas vias
previam a modernização técnica intensa da agropecuária, demandando esforços em
pesquisa, além de incentivos creditícios amplos que permitissem a elevação da produção
e da produtividade.
4. CRIAÇÃO DA EMBRAPA E FORTALECIMENTO DAS CIÊNCIAS
RURAIS

O Brasil sofria com a carência de tecnologias aplicáveis às suas condições de clima e


solo, e o arcabouço institucional federal então existente para a pesquisa agrícola era
insuficiente para encarar o desafio de tornar o Brasil autossuficiente na produção de
alimentos. Como resposta, em 1972, o governo federal criou a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com os objetivos de aumentar a produtividade de
áreas sob cultivo, incentivar a ocupação racional dos Cerrados e promover de forma
geral a modernização tecnológica da agropecuária do País. A partir desse modelo,
criaram-se ou modernizaram-se os sistemas estaduais de pesquisa em estados
importantes para a agricultura nacional.

Dois princípios orientaram a criação da Embrapa como empresa pública: a) organizar


um modelo concentrado de pesquisa, com centros de produtos estabelecidos em todas as
regiões, estruturados por temas importantes e voltados para a solução de problemas
concretos, incluindo aqueles relacionados aos alimentos básicos; e, b) capacitar recursos
humanos em centros de excelência no mundo. Outros princípios complementaram a
estratégia, como a não interferência política, a flexibilidade administrativa e financeira,
as claras prioridades de longo prazo, a transparência em ações e resultados, a
cooperação entre instituições públicas e privadas e a forte comunicação social
(Embrapa, 2007). 

Foram também apoiados os cursos de ciências agrárias nos centros federais


universitários e os institutos de pesquisa estaduais. Surgiram os cursos de graduação e
pós-graduação nas principais áreas das ciências rurais, fortalecidos pelo treinamento de
inúmeros professores em centros de excelência no exterior. Destacam-se a Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo, a Universidade
Federal de Viçosa, a Universidade Federal de Lavras, entre outros cursos universitários
distribuídos pelo território nacional (Teixeira et al., 2013).

Destaca-se também a cooperação técnica recebida pelo Brasil, a partir da década de


1970, para aumentar a eficiência da produção na agricultura. Nesse âmbito, devem ser
mencionadas as contribuições das universidades americanas, dos institutos de pesquisa
da França e dos centros internacionais de pesquisa do sistema Consultative Group on
International Agricultural Research (CGIAR), notadamente em fornecimento de
germoplasma de produtos importantes para a alimentação dos brasileiros, como feijão,
arroz, milho, mandioca e fruteiras. Particularmente na conquista do Cerrado, salienta-se
a forte colaboração do governo do Japão, que, por meio da Japan International
Cooperation Agency (Jica), alocou pesquisadores japoneses na Embrapa Cerrados por
longo tempo, contribuindo também para a doação de equipamentos de pesquisa. Em
financiamento da pesquisa, além dos esforços do governo federal, cabe lembrar os
inúmeros empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco
Mundial.
5. ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Estabelecidos os alicerces da geração de conhecimentos e o desenvolvimento da


pesquisa agrícola e pecuária, o governo federal criou em 1975 a Empresa Brasileira de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), cujo objetivo era coordenar o sistema
de extensão rural, a ser executado pelas empresas estaduais – as Ematers. Mas, em
1990, a Embrater foi extinta, o que dificultou, a partir daquela década, o
desenvolvimento do sistema de apoio à assistência técnica nos estados, com falta de
recursos e coordenação. Em 2013, foi assinada a lei que criou a Agência Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural, ainda em implantação. Recentemente, o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) assumiu sua coordenação e
tem implantado diversos novos programas, particularmente em apoio aos pequenos
produtores. 
6. POLÍTICA AGRÍCOLA

O Sistema Nacional de Crédito Rural, que foi instituído pela Lei nº 4.829, de 5 de
novembro de 1965, foi considerado o principal instrumento de política agrícola e o
maior responsável pela expansão da economia agropecuária. Essa política viabilizou a
expansão da produção agropecuária e os investimentos essenciais para a melhoria da
eficiência produtiva em praticamente todos os ramos produtivos e em quase todas as
regiões. Com a estabilização monetária (Plano Real), a disponibilidade de crédito
aumentou substancialmente, passando também a incluir recursos do setor privado
(Wedekin; Rodrigues, 2019). Principalmente em tempos de preços deprimidos por fraca
demanda ou produção em regiões afastadas de mercados, a Política de Preços Mínimos
tem permitido aos agricultores permanecer na produção, aguardando tempos melhores3.
7. ORGANIZAÇÕES PRIVADAS

No período compreendido entre 1960 e 2000, foram criadas e fortalecidas inúmeras


organizações privadas vinculadas às atividades produtivas agropecuárias4. Entre elas,
destacam-se as cooperativas agropecuárias, formas organizacionais de apoio aos
pequenos produtores, as quais foram introduzidas no País no início do século XX. A
partir de 1969, receberam forte impulso com a criação da Organização das Cooperativas
Brasileiras (OCB), entidade que passou a coordenar e defender os interesses das
cooperativas, principalmente de produção agropecuária.

Fundada em 1964, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) representa os


produtores rurais chamados de “patronais” e seus interesses. A CNA engloba também o
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Por sua vez, a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) representaria os pequenos
produtores, atualmente intitulados de “familiares”. Recentemente, foi formada a
Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Contar). Em 1993, foi
criada a Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), cuja missão é a busca por
equilíbrio nas cadeias produtivas do agronegócio, de modo a valorizá-las. Entre as
empresas privadas, destaca-se a Agroceres, que promoveu o conceito de agronegócio no
Brasil, incluindo a publicação do clássico livro Complexo Agroindustrial – o
"Agribusiness" Brasileiro (Araújo et al., 1990)5.
8. AGROINDÚSTRIA DE INSUMOS E MAQUINARIA

Como seria esperado, expandiram-se significativamente as indústrias de insumos


agropecuários (defensivos agrícolas, fertilizantes e calcários), as de nutrição animal e a
indústria de alimentos. Segundo dados da Associação Nacional de Defesa Vegetal
(Andef), as principais pragas, como percevejos, helicoverpa, mosca-branca, falsa-
medideira, ferrugem, lagarta-do-cartucho, bicudo e pulgão, podem causar perdas anuais
superiores a 21 bilhões de dólares americanos ao agro brasileiro. Fertilizantes e calcário
tornaram-se insumos fundamentais para a elevação da produtividade da agricultura
brasileira nas últimas décadas. A elevação da produtividade animal também teve forte
colaboração da indústria de nutrição animal, como fábrica de rações, principalmente
para suínos e aves. A indústria de alimentos também vem dando contribuição para
abastecimento regular da sociedade brasileira e para as exportações (Costa et al., 2018). 

A indústria de máquinas e equipamentos agrícolas teve importância fundamental no


aumento da produtividade das culturas e criações, bem como na melhoria do
desempenho da mão de obra. O setor, no Brasil e no mundo, caracteriza-se por forte
concentração de mercado, economias de escala e escopo, tornando quase inviáveis
pequenas empresas. A indústria caracteriza-se como um oligopólio diferenciado-
concentrado globalizado, com conglomeração de empresas por meio de fusões e
aquisições. Ao longo dos anos, houve um processo de padronização, com foco na
automação e na maior potência principalmente para tratores e colheitadeiras (Vian et al.,
2013). 

A evolução da mecanização no agro, segundo dados dos censos agropecuários do


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é analisada por Silva et al. (2020).
Entre 1960 e 2017, houve um crescimento do número de tratores por mil hectares de
0,06 para 17,1 (trator por hectare). A potência média por hectare passou de 0,38 para
1,71 (cv por hectare) no período. Os autores constatam também um crescimento
acentuado de tratores (50%) entre os censos de 2006 e 2017, o que indicou forte
modernização agropecuária no período recente. Também trazem informações sobre a
distribuição regional de tratores e outras máquinas agrícolas.
No Brasil, o setor encontra-se bem organizado, sob a égide da Associação Brasileira da
Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). O programa Moderfrota, liderado
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), também teve
impacto na modernização da maquinaria agrícola, com financiamento para aquisição de
tratores, colheitadeiras, plataformas de corte, pulverizadores, plantadeiras, semeadoras e
equipamentos para beneficiamento de café.
9. IRRIGAÇÃO

Grande parte da produção do agro brasileiro é produzida sob o sistema de cultivo de


sequeiro, dependente de chuva. Entre as vantagens da produção agrícola sob irrigação
destacam-se a possibilidade de produzir até três safras por ano, dependendo da cultura, e
estabilizar a oferta no mercado. Segundo dados da Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico (2021), o Brasil irrigava, em 2020, 8,2 milhões de hectares, dos
quais 2.903 mil eram de cana fertilizada, 1.304 mil de arroz, 749 de cana irrigada e 649
mil de café. A agricultura utiliza 49,5% da água disponível, o que é elevado
considerando-se a competição com outros usos. O mesmo estudo estima um potencial
irrigável total de 59,85 milhões de hectares, sendo o potencial efetivo (curto e médio
prazos) de 16,7 milhões de hectares, portanto o dobro do atual. Pelos dados da Agência
Nacional de Águas (ANA), constata-se um grande potencial para o aumento da
produção no Brasil via irrigação.
10. MÃO DE OBRA

Já foi demonstrado que a população rural no Brasil tem diminuído sistematicamente


desde 1950. Consequentemente, o mesmo fato aconteceu com a mão de obra empregada
na produção dentro da fazenda. Segundo análise de Maia e Sakamoto (2014), em 2012,
um contingente expressivo de 14 milhões de trabalhadores estavam ocupados em
atividades agrícolas, com concentração no Nordeste. Apesar de ganhos inferiores em
relação às atividades urbanas, nos anos 2000 a produção agrícola evoluiu em todas as
regiões, devido ao aumento de produtividade e à melhor qualificação dos trabalhadores.
Políticas públicas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) também tiveram impacto positivo para os pequenos produtores.
Em análise mais recente sobre assalariados na agricultura, com base em dados do censo
agropecuário de 2017, Balsadi (2021) confirma o processo de redução da mão de obra
em atividades agropecuárias e chama a atenção para a necessidade de políticas públicas
para requalificação profissional. Além disso, observa a necessidade de novos
treinamentos e projetos de infraestrutura de conectividade (internet) para o avanço da
produtividade. Por sua vez, houve aumento do emprego em atividades antes e depois da
porteira, com profissionais mais qualificados e mais bem remunerados.

11. PLANO REAL E CÂMBIO FLUTUANTE

Na década de 1990, duas políticas macroeconômicas foram fundamentais para reforçar a


modernização da economia agropecuária brasileira. Primeiramente, o controle da
inflação pelo Plano Real possibilitou melhor gestão dos negócios por parte dos
produtores rurais e de empresas de insumos e processadoras, ao eliminar a “ilusão
monetária”. Investimentos da atividade do setor tornaram-se mais previsíveis do que em
presença de inflação elevada. 
A outra iniciativa do governo federal, ainda em vigência, foi a substituição da taxa
cambial fixa para um sistema flutuante (Prates et al., 2008) (Figura 2). A nova política
cambial, que, em um momento inicial veio acompanhada da depreciação do real,
possibilitou ao setor o crescimento das exportações, atingindo em anos recentes ao redor
de 100 bilhões de dólares, com expressivos saldos cambiais, o que compensou os saldos
negativos de outros setores, especialmente o industrial. A economia agropecuária e suas
cadeias produtivas tornaram-se, em consequência, um vetor fundamental para o
equilíbrio das contas externas do País (Ianoni, 2009).
12. LOGÍSTICA: TRANSPORTE E ARMAZENAGEM

A interiorização da produção agrícola, principalmente rumo ao Centro-Oeste, encontrou


uma logística muito deficiente, que elevava os custos de deslocamento de insumos às
fazendas e da produção rumo aos mercados, reduzindo a renda dos produtores. Ao
longo de governos, foram construídas estradas, implementadas novas ferrovias e
sistemas de logística foram integrados também via fluvial. A saída Norte mereceu
destaque pelo impacto do crescimento recente da produção do Centro-Oeste. Também
os portos mereceram atenção dos setores público e privado na sua modernização. Outra
área que recebeu atenção especial foi a de armazenamento nas fazendas, para que os
deslocamentos da produção ocorressem em tempos mais alongados, o que garantia a
qualidade da produção por mais longo tempo e, ao mesmo tempo, barateava o custo de
transporte (Caixeta Filho, 2018).

Figura 2 Histórico de eventos na construção do agro brasileiro.

 
Para concluir esta fase da construção do moderno sistema agroalimentar brasileiro,
cabem expressões de Navarro (2020), que caracteriza esse período mais recente como o
abandono do “modelo agrário bimodal, típico de seu passado, e segue na rápida direção
de um modelo unimodal, alicerçado na ampla hegemonia da agropecuária empresarial
de larga escala. Reduzem-se, portanto, os espaços para a produção agropecuária de
menor porte econômico”. 
13. A TECNIFICAÇÃO DO AGRO NO SÉCULO XXI

No presente século, duas forças motrizes vêm se destacando: do lado da produção, a


forte intensificação tecnológica, não exclusiva dos ramos produtivos diretamente
ligados às exportações; e, do lado da demanda, o aumento da procura internacional,
principalmente por parte da China. Uma vez garantido o abastecimento do mercado
interno, são as exportações que impulsionam a produção, principalmente de grãos (soja
e milho) e de carnes. 
Segundo os censos agropecuários, a intensificação tecnológica em inúmeras cadeias
produtivas é comprovada pela sua importância no crescimento da produção. Apurados
os dados censitários de 2006–2007, a tecnologia explicava 68,1% do crescimento do
valor da produção. No último censo de 2017, o valor manteve-se elevado, embora
caindo para 46,3% (Tabela 1). 

É provável que essa queda relativa se explique pela comparação com o censo de 2006,
que captou um período de fulgurante desenvolvimento tecnológico. O que chama a
atenção é o baixo valor explicativo do fator terra, uma clara evidência empírica
comprobatória do esgotamento de comportamentos “rentistas” no campo, quando a
propriedade da terra se prestava à especulação patrimonial. 

A partir do início do novo milênio, os investimentos públicos e privados em geração de


conhecimentos e sua aplicação em inovação começaram a produzir frutos mais
impactantes. Pesquisas realizadas sobretudo em instituições públicas trouxeram
resultados, e a legislação de proteção de inovações na agricultura pelo setor privado
nacional e internacional favoreceu fortemente sua ação no setor. A oferta de inovações
respondeu às demandas do setor, fornecendo insumos (fertilizantes, defensivos),
máquinas e implementos, sementes, sistemas produtivos, gestão, processamento e
comercialização. 
As megatendências do documento Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira
(Embrapa, 2018) já apontavam vários caminhos dessa transformação em curso. O
recente livro Agro é Paz dedicou capítulos sobre Tecnologia e Inovação no Agro e
diversas incursões sobre temas correlatos, como A Indústria do Agro, Tendências do
Agronegócio, Defesa Agropecuária, Logística: Transporte e Armazenagem, Segurança
Jurídica, Cooperativismo e Agroenergia (Rodrigues, 2018).

O processo de tecnificação acarreta impactos mais abrangentes no setor produtivo, mas


igualmente na sociedade como um todo. A aplicação maciça de tecnologias mais
produtivas aumenta a produtividade da terra, reduzindo a expansão de área a ser
cultivada (efeito poupa-terra). Conforme poderá ser observado adiante, a eficiência
produtiva foi o motor do crescimento da produção no Brasil, principalmente de grãos, e
não mais decorre do aumento da área plantada. Outra consequência desse processo é a
sua seletividade, devido aos investimentos necessários para ser partícipe da tecnificação
e usufruir dos seus benefícios: lucratividade. A seletividade requer também capacidades
importantes de educação dos agricultores e de gestão do empreendimento.

Maior volume de capital necessário, níveis de educação e gestão são fatores que limitam
a entrada de agentes econômicos no moderno processo produtivo. Relativamente poucos
produtores participam de volumes enormes de produção, marginalizando grande
contingente de agricultores do processo. 
14. DESEMPENHO RECENTE DO AGRO NACIONAL

O recente desempenho da economia agropecuária brasileira é um reconhecido caso de


sucesso. De forma agregada, pode ser demonstrado pela taxa de crescimento da
Produtividade Total dos Fatores (PTF), indicador definido como a relação entre o
produto total e a soma de todos os fatores de produção (insumos). O produto é definido
pela soma de todos os resultados das lavouras e da pecuária, enquanto os fatores de
produção representam os insumos empregados na produção, como máquinas agrícolas,
defensivos, fertilizantes, terras de lavouras e pastagens e mão de obra. A PTF é um
parâmetro que indica, sobretudo, a eficiência geral da atividade, superando antigos
indicadores, como “rendimentos físicos por hectare”, já que o cálculo agrega um
conjunto muito mais amplo de fatores (Gasques et al., 2020).

Na Figura 3, observa-se o desenvolvimento da PTF agregada e, separadamente, a


produtividade específica dos fatores mão de obra, terra e capital, entre os anos de 1975 e
2020. No período, o crescimento da PTF atingiu significativos 3,33% ao ano, com
destaque, em nível desagregado, para a produtividade da mão de obra. Os dados
contidos no gráfico indicam aceleração do crescimento a partir do ano 2000. De 1975 a
2000, a PTF cresceu 123%, enquanto a contribuição da mão de obra foi de 158%, a da
terra 128% e a do capital 106%. Em 2020, considerando o início em 1975, a PTF atinge
crescimento de 278%, sendo 484% para mão de obra, 377% para terra e 246% para
capital. 

 
Nota: os dados de 2020 foram calculados por Gasques (comunicação pessoal)6.

A PTF também pode ser desagregada quanto à evolução do produto e aos insumos, no
tempo. A Figura 4 comprova o extraordinário crescimento do produto de 405% no
período de 1975 a 2020, enquanto o aumento dos insumos foi de apenas 33%. Observa-
se uma aceleração da própria PTF total e do produto a partir dos anos 2000. Isso
comprova a elevada eficiência da produção agropecuária brasileira.

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