Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
* Texto publicado em CORAZZA, G.; RADIN, J. C. (Org.). Fronteira Sul: ensaios socioeconômicos. Florianópolis-
SC: Insular, 2016.
de diversos elos da cadeia e empresas de pesquisa responsáveis pelo melhoramento tecnológico de
produtos e processos. Para Santos Filho et al. (1999), a quantidade, proximidade e relações entre os
agentes do complexo agroindustrial consolidaram a formação de um cluster de alimentos com
grande presença nacional e inserção internacional.
Segundo Testa et al. (1996) e Voltolini et al. (2011), essa vantagem competitiva encontrava-
se ameaçada no final do século XX, por um conjunto articulado de três fatores principais:
econômico, ambiental e social. No âmbito econômico aliavam-se a estratégia das agroindústrias em
ampliar sua competitividade, exigindo por parte dos produtores rurais maiores investimentos em
escala de produção, resultando em exclusão de produtores, e a necessidade de revisar investimentos
em virtude do déficit de grãos na região. Na parte ambiental, observava-se uma intensa poluição do
solo e mananciais em virtude da grande concentração de dejetos suínos. Por fim, a área social
acabava sendo reflexo das duas áreas anteriores, pois além da exclusão e êxodo rural, as
propriedades rurais remanescentes observavam a saída de jovens, apontando para problemas na
sucessão familiar dessas propriedades e a manutenção do modelo produtivo.
Um dos fatores que ajudam a explicar essa simbiose de problemas pode ser encontrado pelo
próprio desenvolvimento capitalista brasileiro, reflexo do movimento de globalização, como a
abertura comercial nos anos 1990, que intensificou a concorrência interna forçando a agroindústria
ampliar sua competitividade via ganhos de produtividade. É neste contexto que ocorre uma
reestruturação do setor de alimentos no país, como a terceirização de atividades pela agroindústria e
a entrada de grandes grupos estrangeiros.
Na virada do século, verifica-se, por um lado, a intensificação do novo paradigma de
produção, a ascensão econômica de países emergentes e novas crises do capitalismo (sendo a mais
grave a crise de 2008) e, por outro lado, um novo marco político-econômico (Governo Lula) no
âmbito interno. Cabe questionar em que medida tais ameaças continuam se fazendo presentes (bem
como suas novas dimensões) e quais seriam os novos desafios (e oportunidades) para o segmento
considerado chave para a economia regional.
Considerando esta conjuntura, o presente texto busca, a partir de uma revisão de literatura e
de entrevistas com atores do setor (representantes de entidades, pesquisadores de empresas de
pesquisa agropecuária e de IFES, diretores de agroindústrias, pequenos produtores rurais e
empresários), fazer uma síntese do quadro atual da agroindústria regional e discutir ações de
política pública que possibilitem a sustentabilidade do desenvolvimento regional. O
desenvolvimento regional sustentável trabalhado no texto segue definição de Sicsú et al. (2005), em
que o desenvolvimento é a transformação qualitativa da estrutura socioeconômica regional de forma
contínua, sem gerar externalidades negativas ao meio ambiente e garantindo a inclusão social.
O texto é construído em quatro seções, além desta introdução. Na segunda seção faz-se uma
apresentação da agroindústria regional, em termos de sua evolução no século passado, avaliação de
seu desempenho recente e apresenta algumas características das três principais cadeias produtivas
do complexo agroindustrial: carne de suíno, de frango e leite. A terceira seção apresenta uma síntese
dos principais pontos fortes e fracos da agroindústria regional e a quarta discute proposta de
políticas públicas para o setor. Na quinta seção realizam-se algumas considerações finais.
Neste contexto, pode-se considerar que a agroindústria do Oeste de Santa Catarina entra no
novo século com a presença de grandes empresas, modernas e globais, tendo como estratégia a
intensa incorporação tecnológica e ampliação da produtividade. Paralelamente à atuação das
grandes agroindústrias, tem-se um cluster que começa a espraiar seus efeitos para outros nichos,
como pequenos e médios frigoríficos e a produção leiteira. O contexto socioambiental é menos
animador, pois verifica-se uma grande parcela de produtores excluídos, redução e envelhecimento
da população rural e problemas ambientais.
Desempenho recente, reestruturação e novos atores e segmentos
Alguns elementos que ajudam a explicar esse desempenho é a entrada de um novo Governo
na esfera federal em 2003, o qual privilegiou a expansão do mercado interno e a redistribuição de
renda e, no âmbito externo, o ciclo de expansão da economia mundial que perdura até a crise
econômica em 2008.
Tabela 2: Efetivo de rebanho (em mil cabeças) e produção de leite (em mil litros) da mesorregião
Oeste Catarinense, de Santa Catarina e Brasil, 2002, 2005 e 2013
2002 2005 2013
Rebanho
Oeste SC SC Brasil Oeste SC SC Brasil Oeste SC SC Brasil
Bovinos 1.377 3.118 185.347 1.496 3.377 207.157 2.032 4.202 211.764
Suínos 4.110 5.354 32.013 4.868 6.309 34.064 4.481 6.271 36.744
Frangos 102.029 141.867 908.022 114.429 156.339 999.041 112.742 170.894 1.470.648
Vacas ordenhadas 355 612 19.005 434 722 20.632 738 1.133 22.955
Leite 791 1.193 21.644 1.108 1.556 24.572 2.147 2.918 34.255
Fonte: Produção Pecuária Municipal (IBGE, 2014).
Esse crescimento, porém, não se mantém ao longo dos anos. Pela Tabela 1 verifica-se que a
região apresentou queda na produção de suínos e frangos, -8% e -1,5%, no período de 2005 a 2013.
Em contraste, o número de vacas ordenhadas cresceu mais de 70% e a produção de leite quase
duplicou no período.
Tabela 3: Abate de frango, perus e suínos das principais agroindústrias do município de Chapecó –
2002 a 2007
Animal Tipo 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Δ% 2002/07
Nr. animais (mil) 34.961 42.880 45.028 46.309 48.648 53.991 54,43
Frango Carne in natura (ton) 92.147 104.864 108.856 107.494 89.763 52.874 -42,62
Carne industr. (ton) 26.080 25.930 28.629 24.523 24.668 45.873 75,89
Nr. animais (mil) 12.348 12.171 11.628 10.334 10.016 8.515 -31,04
Perus Carne in natura (ton) 85.471 80.668 89.305 85.130 63.154 35.950 -57,94
Carne industr. (ton) 19.647 18.417 21.280 26.725 26.440 30.597 55,73
Nr. animais (mil) 1.742 1.149 1.006 1.020 1.082 1.179 -32,32
Suínos Carne in natura (ton) 160.403 89.805 83.656 86.186 94.314 102.051 -36,38
Carne industr. (ton) 132.083 106.636 94.500 140.840 170.689 192.984 46,11
Fonte: Cadernos de Informações socioeconômicas do município de Chapecó – Curso de C. Econômicas/Unochapecó
(2008). Elaboração do autor.
Considerando que grande parte da produção do Oeste é direcionada para o mercado externo,
um elemento importante para explicar o desempenho pós-2005 é o desaquecimento da economia
global em virtude da crise econômica de 2008. Pode-se acrescentar que a região vem perdendo
competitividade em virtude de depender da produção de grãos de outras regiões, principalmente
milho, que é o principal insumo para a ração dos animais.
Tabela 4: Área colhida (em mil ha) e quantidade produzida (em mil toneladas) na mesorregião
Oeste de Santa Catarina – 2007-2013
2007 2013 Δ% 07/13
Rebanho
Área Qtde Área Qtde Área Qtde
Milho 448,5 2.445,30 279,7 1.974,50 -37,6 -19,3
Soja 221,5 614,4 277 833,5 25,1 35,7
Trigo 44,6 100,1 47,5 143,3 6,5 43,2
Feijão 40,4 63,2 26,4 43,8 -34,7 -30,7
Fumo 21,7 39,4 21,9 34,8 0,9 -11,7
Carne suína
No Brasil a produção de carne suína observou crescimento de 31% entre 2004 e 2013,
decorrente da ampliação do mercado interno (crescimento da renda) e abertura de novos mercados
no exterior (MAPA, 2013). O Estado de Santa Catarina é o maior produtor, porém vem perdendo
espaço para a região Centro-Oeste, a qual vem crescendo num ritmo muito superior. Segundo
Fachinello; Santos Filho (2010) e Epagri (2014), esse menor desempenho do estado catarinense
decorre de limitações relativas ao suprimento de matéria-prima, tratamento de dejetos e barreiras
sanitárias em alguns mercados externos.
Conforme a Epagri (2013), a produção de suínos na região Oeste mais do que duplicou no
período de 1990 a 2013, saindo de 2,2 milhões de cabeças para 4,5 milhões. Neste último ano, essa
produção representava 71,5% da produção de suínos do Estado de SC e 12,2% da produção
nacional, configurando-se como um dos maiores polos suinícolas do país. Em termos de produção
industrial da carne suína, o Estado de Santa Catarina industrializa pouco menos de 25% da
produção nacional, sendo a região Oeste a maior responsável por essa industrialização.
O destino da produção regional é basicamente o mercado externo. Santa Catarina exporta
33% do total exportado de carne suína do país. Tem como principais países de destino a Rússia,
Hong Kong, Ucrânia, Cingapura e Angola. Em 2013/2014 abriu importantes mercados como o do
Japão e dos EUA.
Em termos de mercados internacionais, o Brasil é o quarto maior produtor, atrás da China,
EUA e União Europeia. Em termos de consumo, o Brasil está na quinta colocação, apresentando um
consumo per capita anual de 13 Kg/ano, bem atrás do consumo da China (40 Kg/ano) e da média da
Europa (superior a 50 Kg/ano). Apesar do elevado consumo, a China e os países europeus também
possuem grande produção própria.
No comércio internacional, há quatro importantes importadores mundiais (Japão, Rússia,
México e China); os quatro concentram mais de 54% das importações mundiais. Esses dados
demonstram uma grande oportunidade para a agroindústria catarinense, pois além de possuir
algumas vantagens (como área livre de aftosa sem vacinação), iniciou processo de exportações para
o Japão em 2013, que é uma referência para mercados do Oriente. Em 2014 Santa Catarina ampliou
as exportações para Rússia em virtude das sanções impostas pelos países europeus devido à a crise
da Ucrânia.
Considerando a perspectiva de ampliação do mercado, a FIESP (2013) projeta crescimento
na produção suinícola do país em 31% no período de 2012 a 2023 (equivale ao crescimento de 2,4%
a.a.), sendo esse crescimento estimulado pelo aumento de 31% da demanda interna e 25,2% das
exportações. O MAPA (2013) projeta crescimento de 20,6% na produção de carnes, sendo o
mercado interno o responsável por mais de 80% dessa evolução. Na região Sul esse crescimento
será menor, demonstrando que o Centro-Oeste se manterá crescendo forte. A FIESP (2013) também
estimou que o consumo per capita do brasileiro passe dos atuais 13,4 Kg/ano para 16,2 Kg/ano, bem
abaixo do consumo per capita de carne bovina e de frango, demonstrando que há espaço para
campanhas publicitárias e desenvolvimento de novos produtos captarem maiores fatias da
preferência do consumidor.
Carne de frango
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial e o maior exportador mundial (desde 2004),
responsável por 33,5% do total exportado. Esse desempenho poderia ser ainda maior, caso o setor
não enfrentasse barreiras sanitárias (influenza aviária) que restringem a entrada do produto
brasileiro em determinados países, como o mercado europeu, que é o quarto maior importador
mundial.
A produção de frango na região Oeste permanece oscilando na faixa de 100 a 115 milhões
de cabeças (rebanho efetivo) entre 2006 a 2013, atingindo o pico em 2008 (Tabela 2). A região
acompanhou o desempenho nacional (crescimento de 1% entre 2010 e 2013), mantendo-se como
uma das principais produtoras do país. Em 2013, conforme dados do IBGE (Tabela 1), a região foi
responsável por 8,3% da produção nacional e 67% da produção catarinense.
Além da produção física, a região Oeste é responsável (junto com o estado) pela maior fatia
das exportações brasileiras, cerca de 33,6% em volume e 37,5% em receita, tendo em vista que SC
consegue exportar cortes diferenciados com maior valor agregado que os estados vizinhos. Os
principais destinos são Arábia Saudita (20%) e, Japão (14%), e vem ganhando destaque Hong Kong
e Venezuela, com 7% cada do total exportado.
Em termos estaduais, Santa Catarina é o segundo maior produtor, atrás apenas do Paraná. A
região Centro-Oeste é a que mais vem crescendo nos últimos anos (+10% a.a. contra +4,5% a.a. da
região Sul, de 2008 a 2013), influenciada pela oferta de grãos e do próprio investimento das
agroindústrias do Sul do país.
Considerando estimativas da FIESP (2013) e MAPA (2013) para o desempenho da produção
até 2023, a primeira prevê uma expansão de 24,2% e a segunda prevê aumento de 46,4%. O que
deve sustentar esse crescimento é o mercado doméstico (+25,3%) e o mercado externo (+20%). Em
termos de consumo doméstico, o Brasil, além de ser um dos maiores consumidores mundiais da
carne, passou de 34 Kg/ano p.c. em 2002 para 46 Kg/ano p.c. em 2013, com projeção para chegar
em 52 Kg/ano p.c. em 2023, influenciados pelo aumento da população e da renda.
Lácteos
Com 73,6% da produção estadual e 6,3% da produção nacional, a região Oeste configura-se
como uma das principais bacias leiteiras do país. A produção em 2014 superou a casa dos 2,2
bilhões de litros, obtendo uma das maiores taxas de crescimento do país, cerca de 8,6% a.a. nos
últimos 10 anos conforme IBGE (2014). A produtividade da região está acima da média estadual
(2.907 litros/vaca/ano da região contra 2.577 litros/vaca/ano do Estado), mas ainda está abaixo dos
principais centros produtores do país, como o Centro Oriental Paranaense (4.563 l/vaca/ano), Oeste
Paranaense (3.460 l/vaca/ano), Sudoeste Parananse (3.406 l/vaca/ano) e Noroeste Gaúcho (3.243
l/vaca/ano).
O aumento da industrialização de leite pode ser resultado da expansão do consumo interno
(principal mercado consumidor do leite brasileiro), o qual apresentou crescimento de 33% nos
últimos 10 nos (o consumo per capita que era 129 litros em 2002 passou para 171 litros em 2012),
reflexo do crescimento da renda da população. O Brasil é o sexto maior produtor mundial com
cerca de 5% da produção total e suas exportações são insignificantes. Exceto pelos anos de 2007 e
2008, o Brasil apresenta déficit na sua balança comercial leiteira, tendo como principais
fornecedores a Argentina e o Uruguai (81% do total importado). O volume importado equivale a
3,5% do consumo doméstico e está concentrado em leite em pó, manteigas e queijos. Atualmente, o
país exporta produtos lácteos para mais de 70 países, sendo os principais compradores: EUA
(19,1%), Emirados Árabes e Arábia Saudita (14,5%), Venezuela (16,6%) e Angola (8,2%).
Os maiores importadores do produto são China, Rússia, México e Indonésia. Um produto
que é muito comercializado internacionalmente é o leite em pó integral. Com a perspectiva do
aumento do consumo chinês, abre-se espaço para o produto brasileiro.
Em termos de projeção da produção para os próximos anos, a FIESP (2013) projeta
crescimento de 42% até 2023, sustentado basicamente pelo crescimento do consumo doméstico. Já
o MAPA (2013) prevê crescimento de 20,7% no período, dando destaque para o incremento de
33,3% nas exportações.
Os principais diferenciais competitivos e gargalos da produção agroindustrial da região
Oeste Catarinense
Nesta seção faz-se uma síntese da revisão de literatura bem como dos diálogos junto aos
atores da agroindústria regional em relação aos principais pontos fortes da agroindústria (os
diferenciais competitivos da região) e os principais pontos frágeis (gargalos). Apresentam-se aqui os
pontos em termos genéricos para as três indústrias consideradas neste texto (carnes suína e de
frango e produtos lácteos) e alguns comentários específicos de cada segmento quando necessário.
Neste sentido, consideraram-se aqui os trabalhos que avaliaram cadeias específicas, ou
avaliaram a agroindústria como um todo, conforme os trabalhos de Testa et al. (1996), Testa et al.
(2003), Santos et al. (2006); Weydman et al. (2008); Alves e Weydman (2008), Facchinelo e Santos
(2010) e Coletti e Lins (2011). Também foram considerados os resultados de alguns fóruns
realizados na região que procuraram avaliar potenciais e gargalos da economia regional e propor
políticas públicas de apoio, como: i) Fórum da Mesorregião da Grande Fronteira do Mercosul
conforme Perin (2004); ii) Projeto “Meu Lugar” (2008) em âmbito do Governo do Estado de SC e
PNUD; iii) I Conferência de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFFS em 2010 conforme Trevisol et
al. (2011); e, iv) Projeto Chapecó 2030 em âmbito da entidade civil organizada Sociedade Amigos
de Chapecó (SAC, 2014).
Através da análise deste conjunto de trabalhos pode-se agrupar os principais diferenciais
competitivos da agroindústria da região Oeste catarinense em quatro grandes pontos, e os principais
gargalos em cinco pontos. Na sequência apresenta-se sucintamente cada um desses fatores.
Em termos de diferenciais, o principal da agroindústria do Oeste catarinense refere-se ao seu
capital social, ou seja, do modelo produtivo estabelecido que engloba a agricultura familiar, a
experiência dessas famílias na produção agropecuária e o modelo de integração (SI) conjugado em
muitos casos com o sistema cooperativista (SCo). Esse modelo possibilita a manutenção da oferta
de matéria-prima em volume e custos adequados para a agroindústria ter grande competitividade
internacional. A experiência dos agricultores contribui para a fácil assimilação e introdução de
inovações tecnológicas (seja de genética animal, seja de equipamentos) que propiciam ganhos
constantes de escala, produtividade e qualidade dos produtos para a indústria. Este mesmo capital
social pode ser encontrado também no meio urbano da região, onde estão localizados os
abatedouros. O perfil deste tipo de trabalhador exige um conhecimento tácito e uma aptidão para
exercer as atividades árduas das funções das unidades fabris da agroindústria que dificilmente é
encontrado em outras regiões do país.
Um segundo diferencial é o elevado nível tecnológico utilizado pelas agroindústrias, que
seguem o padrão internacional. Neste sentido, há uma extensa rede de fornecedores de insumos
(cluster), bem como instituições de pesquisa, que, em parceria com a agroindústria, desenvolvem
novos insumos para a cadeia. Nestes termos, além da incorporação de tecnologia, há existência de
inovações no setor a montante e a jusante, tornando várias empresas líderes em certos segmentos.
Citam-se aqui os casos de espécies geneticamente melhoradas, nutrição animal, máquinas e
equipamentos na propriedade rural e abatedouros/frigoríficos, produtos finais e embalagens,
conforme apontado na seção 2.
Um terceiro ponto forte, aliado ao anterior, é o status que o Estado possui em termos de
sanidade animal. O Estado de Santa Catarina é o único no país considerado como área livre de
aftosa (zoonoses) sem vacinação, isto é, a agroindústria possui um processo produtivo com
condições de higiene seguindo critérios internacionais. Outro elemento ligado à sanidade animal
refere-se ao alto grau de articulação e de coordenação da cadeia produtiva, que possibilita rápida
intervenção na eventualidade de ocorrência de algum problema sanitário.
Por fim, um quarto elemento importante é o elevado portfólio de produtos e a capacidade de
inovação (e agregação de valor) em produtos finais, alinhados com novos hábitos e exigências do
mercado consumidor. Esses diferenciais credenciam a região para manter seu dinamismo,
principalmente para buscar novos mercados no exterior.
Com relação aos gargalos ou principais desafios da agroindústria no novo século, que
impõem sérios limites à continuidade do modelo e manutenção do desenvolvimento regional,
verifica-se que a maioria é antiga, ou seja, existem (ou vem se agravando) e foram diagnosticados
há pelo menos 20 anos, mas que ainda não foram totalmente solucionados ou as soluções dadas até
agora foram insuficientes ou ineficazes.
O primeiro gargalo e mais importante está relacionado com a sustentabilidade ou a sucessão
familiar nas propriedades rurais. Esse gargalo vem se agravando à medida que se verifica a redução
e o envelhecimento da população rural, em especial da população jovem. Considerando que a
principal vantagem competitiva da região é a existência da agricultura familiar, a redução dos
estabelecimentos pode, além de redirecionar investimentos para outras regiões, conforme apontado
na seção 2, fortalecer a estratégia de ampliação da escala de produção nas propriedades rurais, ação
que resultou em grande exclusão de agricultores nos anos 1990.
Um segundo gargalo é o déficit na produção de milho, principal insumo para a produção de
ração dos animais. Conforme exposto anteriormente, a baixa rentabilidade da cultura do milho está
fazendo com que muitos agricultores destinem sua área para outras culturas, como a da soja e de
pasto. A falta do milho impõe a importação do grão, que encarece a produção e tira uma parcela
significativa da competitividade da indústria regional. Uma estratégia que a agroindústria vem
adotando para recuperar essa perda de competitividade é a redução do preço pago ao produtor rural.
Uma situação relacionada ao gargalo do déficit de insumos, e que amplia a restrição ao
pequeno produtor rural, refere-se à exigência de manter 20% da propriedade em APPs, conforme a
nova legislação ambiental (Lei nº 12.651/2012). Conforme Castro (2014), o estado de Santa
Catarina destina em média 14,1% da área agrícola da propriedade para APPs (é a melhor da região
Sul, mas abaixo da média nacional de 15,7%) enquanto a legislação exige 20%. Nestes termos,
adequar-se à legislação implicará em menor utilização da área para as atividades produtivas da
propriedade rural.
A falta ou precariedade da infraestrutura regional, em termos de malha logística e energia, é
apontado como o terceiro gargalo. A falta ou má conservação das rotas (ferrovias e rodovias) impõe
uma barreira para a expansão da produção, em termos de ampliação do custo. Conforme apontado
por Castro (2014), o custo do frete amplia em pelo menos 18%, em virtude das más condições das
rodovias. Também relacionado à logística, um ponto que vem recebendo maior atenção é a má
conservação das estradas municipais, que ligam as propriedades rurais com a sede urbana do
município. Esse ponto, além de inviabilizar economicamente muitas propriedades, também interfere
no bem-estar e na fixação dos agricultores.
O quarto gargalo está relacionado com a sustentabilidade ambiental. A poluição do solo e de
mananciais através da concentração de dejetos suínos é significativa e não é nova. Esse problema é
maior na produção de carne suína e menor na produção avícola e leiteira, pois há formas
alternativas de uso dos dejetos. Na área de dejetos suínos, a agroindústria vem realizando pesquisas
para mitigar o problema, como a redução na concentração de químicos no esterco, a introdução de
biodigestores nas propriedades de maior porte e o tratamento dos dejetos nas propriedades. A
intensificação de pesquisas, incluindo parcerias entre agroindústria e universidades e a
desconcentração espacial da produção (conforme apontados em Testa et. al. 1996) seriam as
principais alternativas de curto prazo.
O último gargalo refere-se à baixa interação e cooperação entre os diversos atores que
compõem a cadeia produtiva, como empresas, universidades, associações de classe, governo e
centros de pesquisa e extensão. Há vários desses órgãos na região, muitos dos quais com objetivos
distintos que dificultam uma maior sintonia/articulação e parceria para ampliar esforços. A falta de
cooperação entre os atores impõe desperdício de recursos, falta de foco e não resolutividade dos
problemas, sustentando os gargalos para o desenvolvimento regional. O maior exemplo dessa falta
de articulação é o conjunto de políticas públicas para o setor rural, que, além da diversidade e
sobreposição, em muitos casos são ineficazes e não dialogam com os atores envolvidos.
Abre-se aqui um espaço para apontar algumas dificuldades enfrentadas na produção leiteira.
Essas dificuldades ganham destaque à medida que o setor se difere da produção de carnes (não está
envolvido em um sistema de integração por exemplo) e constitui-se na principal fonte de renda das
pequenas propriedades rurais. Os principais desafios consistem na constante exigência de melhoria
na qualidade da produção, que implica a necessidade de investimentos na propriedade rural
(Instruções Normativas n. 51 e n. 62); na organização da cadeia produtiva, em termos de transporte
e comercialização; e mais recentemente as falhas de fiscalização estadual originaram casos de
adulteração do leite, conforme Diário (2008), implicando em grandes perdas aos produtores.
A exposição dos diferenciais e dos gargalos da agroindústria do Oeste catarinense demonstra
que se, de um lado, há grandes oportunidades para a região manter seu dinamismo e desencadear
mais fortemente um processo de desenvolvimento sustentável, por outro, a superação dos gargalos é
imprescindível. A próxima seção buscará apontar algumas estratégias de política pública para
contribuir na resolução de tais gargalos.
Considerações finais
Referências