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A Agroindústria do Oeste Catarinense e o Desenvolvimento Regional

sustentável: os velhos e os novos desafios no novo século*

Darlan Christiano Kroth. Email: dckroth@uffs.edu.br. Universidade Federal da Fronteira Sul.

Introdução

A agroindústria do oeste catarinense, mais especificamente a de carnes e lácteos é uma das


mais representativas do país. De acordo com o IBGE (2014), a região Oeste concentrava em 2013,
71,5% da produção de suínos, 66% de frangos e 73,6% de leite do Estado e cerca de 12,2%, 7,7% e
6,3%, da produção nacional, respectivamente. Outro indicador de destaque da agroindústria
regional é o grande volume de exportações, que torna o Estado de Santa Catarina como um dos
maiores exportadores de carne suína e de frango do país (FACHINELLO; SANTOS FILHO, 2010).
Na região estão estabelecidas grandes empresas processadoras de alimentos, como BRF
(detentora das marcas Sadia e Perdigão), JBS (detentora da marca Seara), Aurora Alimentos e
Laticínios Tirol, que contribuem para a formação de um rico complexo agroindustrial, abrangendo
desde a produção genética e nutricional do plantel até a existência de uma indústria metal-mecânica
e uma rede de prestadores de serviços, que acompanham o paradigma tecnológico mundial
(WEYDMAN et al. 2008).
Considerando o tamanho do complexo agroindustrial, denota-se uma importância
significativa na geração de emprego e renda regional. Segundo Mior (2005) e Alba (2013), pode-se
considerar que o crescimento (e o desenvolvimento) socioeconômico da região confunde-se com o
desenvolvimento da agropecuária e da agroindústria. Nestes termos, verifica-se que, em 2012, cerca
de 30% da população vivia na zona rural e 50% dos municípios possuíam participação de mais de
25% da agropecuária sobre o PIB municipal. A produção agropecuária da região Oeste representa
40% do produto agropecuário estadual.
O principal diferencial competitivo da agroindústria do Oeste Catarinense é o seu modelo de
produção aliado ao capital social existente, ou seja, a produção agroindustrial está estruturada na
produção da matéria-prima por pequenas propriedades rurais com uso de mão de obra familiar, mais
conhecida como agricultura familiar. A organização dessa relação de produção é feita através de um
forte sistema de integração, que consiste na verticalização da produção pelas agroindústrias aliado,
em alguns casos, com um sistema cooperativista. A este modelo foram se agregando fornecedores

* Texto publicado em CORAZZA, G.; RADIN, J. C. (Org.). Fronteira Sul: ensaios socioeconômicos. Florianópolis-
SC: Insular, 2016.
de diversos elos da cadeia e empresas de pesquisa responsáveis pelo melhoramento tecnológico de
produtos e processos. Para Santos Filho et al. (1999), a quantidade, proximidade e relações entre os
agentes do complexo agroindustrial consolidaram a formação de um cluster de alimentos com
grande presença nacional e inserção internacional.
Segundo Testa et al. (1996) e Voltolini et al. (2011), essa vantagem competitiva encontrava-
se ameaçada no final do século XX, por um conjunto articulado de três fatores principais:
econômico, ambiental e social. No âmbito econômico aliavam-se a estratégia das agroindústrias em
ampliar sua competitividade, exigindo por parte dos produtores rurais maiores investimentos em
escala de produção, resultando em exclusão de produtores, e a necessidade de revisar investimentos
em virtude do déficit de grãos na região. Na parte ambiental, observava-se uma intensa poluição do
solo e mananciais em virtude da grande concentração de dejetos suínos. Por fim, a área social
acabava sendo reflexo das duas áreas anteriores, pois além da exclusão e êxodo rural, as
propriedades rurais remanescentes observavam a saída de jovens, apontando para problemas na
sucessão familiar dessas propriedades e a manutenção do modelo produtivo.
Um dos fatores que ajudam a explicar essa simbiose de problemas pode ser encontrado pelo
próprio desenvolvimento capitalista brasileiro, reflexo do movimento de globalização, como a
abertura comercial nos anos 1990, que intensificou a concorrência interna forçando a agroindústria
ampliar sua competitividade via ganhos de produtividade. É neste contexto que ocorre uma
reestruturação do setor de alimentos no país, como a terceirização de atividades pela agroindústria e
a entrada de grandes grupos estrangeiros.
Na virada do século, verifica-se, por um lado, a intensificação do novo paradigma de
produção, a ascensão econômica de países emergentes e novas crises do capitalismo (sendo a mais
grave a crise de 2008) e, por outro lado, um novo marco político-econômico (Governo Lula) no
âmbito interno. Cabe questionar em que medida tais ameaças continuam se fazendo presentes (bem
como suas novas dimensões) e quais seriam os novos desafios (e oportunidades) para o segmento
considerado chave para a economia regional.
Considerando esta conjuntura, o presente texto busca, a partir de uma revisão de literatura e
de entrevistas com atores do setor (representantes de entidades, pesquisadores de empresas de
pesquisa agropecuária e de IFES, diretores de agroindústrias, pequenos produtores rurais e
empresários), fazer uma síntese do quadro atual da agroindústria regional e discutir ações de
política pública que possibilitem a sustentabilidade do desenvolvimento regional. O
desenvolvimento regional sustentável trabalhado no texto segue definição de Sicsú et al. (2005), em
que o desenvolvimento é a transformação qualitativa da estrutura socioeconômica regional de forma
contínua, sem gerar externalidades negativas ao meio ambiente e garantindo a inclusão social.
O texto é construído em quatro seções, além desta introdução. Na segunda seção faz-se uma
apresentação da agroindústria regional, em termos de sua evolução no século passado, avaliação de
seu desempenho recente e apresenta algumas características das três principais cadeias produtivas
do complexo agroindustrial: carne de suíno, de frango e leite. A terceira seção apresenta uma síntese
dos principais pontos fortes e fracos da agroindústria regional e a quarta discute proposta de
políticas públicas para o setor. Na quinta seção realizam-se algumas considerações finais.

A agroindústria do oeste catarinense

Breve evolução e características da agroindústria regional no século XX

A região Oeste de Santa Catarina é conhecida nacionalmente como detentora de um cluster


na produção de alimentos, mais especificamente na industrialização de carnes suína e de frango, e
recentemente vem se especializando na produção de lácteos. O desenvolvimento desse cluster teve
início nos anos 1940, através da constituição de empresas familiares, que foram se expandindo e
formaram grandes grupos agroindustriais, a exemplo da Sadia, Perdigão, Frigorífico Chapecó, Seara
e o sistema cooperativista, liderado pela Cooperativa Central Oeste (Aurora).
O crescimento das agroindústrias deu-se inicialmente pela criação de mercado nacional e
pela aquisição de pequenas e médias empresas. Na segunda metade dos anos 1970 inicia suas
exportações, mas é a partir dos anos 1980 que intensifica seus esforços na abertura de mercados
externos, o qual passa a especializar-se nos anos seguintes, conquistando taxas constantes de
crescimento. (ALBA, 2013).
As principais estratégias utilizadas pela agroindústria regional para conquistar o mercado
doméstico foi, em primeiro lugar, a implantação de um sistema de distribuição e vendas diretas ao
consumidor – nos anos 1990, a Sadia atinge mais de 150 mil postos de venda em todo país. Uma
das primeiras inovações do grupo Sadia, por exemplo, foi o transporte aéreo de produtos para a
região Sudeste nos anos 1950, que mais tarde inauguraria a empresa aérea Transbrasil. Nos anos
1970 difunde-se o uso de transporte por caminhões frigoríficos terceirizados, resultando em uma
frota significativa de caminhões na região. Uma segunda estratégia foi o constante desenvolvimento
de novos produtos, como o “peru Sadia” e o “chester Perdigão” nos anos 1980, e comidas semi-
prontas (lasanhas, empanados ou nuggets e pizzas) nos anos 1990, acompanhando a mudança de
hábitos do consumidor e realizando agressivas campanhas publicitárias e de marketing. (MIOR,
2005).
Com relação ao mercado externo, a estratégia utilizada foi o desenvolvimento e a
incorporação constante de tecnologia, com fins de ampliar sua competitividade. Outra estratégia foi
a abertura de escritórios comerciais e filiais em outros países, como Argentina e Reino Unido. Nos
anos 1990, Sadia e Perdigão criam a BRF Trading, parceria visando explorar o mercado europeu. O
sucesso dessas estratégias pode ser avaliado em termos de volume exportado. Nos anos 1980 a
agroindústria exportou uma média de 250 mil ton./ano, sendo que em 1984 inicia a venda de cortes
especiais para o Japão. No início dos anos 2000 já ultrapassa a casa de 1,3 milhão de toneladas.
Ao avaliar a conquista dos mercados doméstico e externo, pode-se apontar como principais
características da agroindústria oestina (e suas principais vantagens competitivas) o sistema
integrado de produção de matéria-prima, as inovações ao longo das cadeias produtivas e a
capacidade de adaptação as mudanças do ambiente econômico nacional e internacional.
A eficiência na produção de matéria-prima pode ser considerada a base de sustentação do
modelo de produção da agroindústria do Oeste. O modelo, denominado aqui como Sistema de
Integração (SI), foi introduzido, nos anos 1950, pela empresa Sadia, à produção suinícola. Segundo
Bavaresco (2005), o SI consiste no fornecimento ao produtor rural familiar de todos os insumos
necessários à produção dos animais (suínos e aves), como matrizes e pintos, ração, assistência
técnica, medicação e transporte dos animais em garantia da aquisição do plantel.
Esse modelo foi se aperfeiçoando ao longo dos anos, como em 1960/70, quando incorpora
métodos mais modernos na produção (biogenética e nutrição animal), favorecidos pela política
agrícola da época. Nos anos 1970/80 o SI consolida-se e é difundido para outras culturas, como a de
frango. Por fim, nos anos 1990 intensificou-se a busca por ganhos de produtividade, ampliando o
tamanho do rebanho por propriedade, exigindo maiores investimentos em capital físico nas
propriedades rurais. (COLLETI e LINS, 2011).
Uma variante do SI é o modelo inaugurado pelas cooperativas regionais de produção, a qual
se denomina, aqui, como Sistema Cooperativista (SCo). O SCo surge através do movimento de
constituição de cooperativas de produção junto aos pequenos produtores rurais no final dos anos
1960, como forma de melhorar as condições dos suinocultores. Com o desenvolvimento dessas
cooperativas, passaram a constituir suas próprias agroindústrias, sendo a Aurora a principal
representante. O modelo produtivo do SCo segue o SI, porém com um apelo social maior que o SI
estritamente privado e suas estratégias de negócios procuram priorizar a região.
Alia-se à produção agropecuária e de abate a presença de uma vasta rede de fornecedores
responsáveis pela qualidade do rebanho (produtos biogenéticos), nutrição animal e medicamentos.
Estes fornecedores são, em grande parte, unidades de empresas multinacionais estrangeiras que
foram se estabelecendo na região, à medida que a produção agropecuária crescia. Outros setores de
atividades econômicas importantes que se constituíram à margem da agroindústria foram as
indústrias de bens de capital e de embalagens, que possibilitaram a incorporação tecnológica aos
aviários, chiqueiros e frigoríficos, bem como inovações na forma de acondicionar os congelados,
mantendo a qualidade dos produtos até o consumidor.
Junto a este conjunto de fornecedores se agregam algumas empresas de pesquisa e de
extensão rural, como a Embrapa Suínos e Aves (sediada no município de Concórdia), que
desenvolve pesquisa para melhoria do rebanho, e a Epagri (Centro de Pesquisa para Agricultura
Familiar), que, além de pesquisas, realiza Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).
Para Alves e Weydmann (2008), ao reunir-se uma gama de fornecedores e com a
possibilidade de realizar parcerias com alguns deles, possibilitam-se atualização tecnológica e
inovações na área. Para estes autores a agroindústria também realiza inovações, porém “a inovação
ocorre na adequação de métodos e processos das tecnologias geradas pelos demais elos e no
desenvolvimento de produtos, que, por sua vez, geram novos processos”. Neste quesito, conforme
Weydman et al. (2008), a agroindústria do Oeste possui um nível tecnológico equiparado ao
paradigma mundial, o que lhe confere uma segunda importante vantagem competitiva.
A capacidade de inovação tecnológica é encontrada em todos os elos da cadeia produtiva.
Em termos de melhoria genética, a parceria entre a Cooperativa Central (Aurora) e a Embrapa
rendeu o suíno light (MS60), que possui menor teor de gordura e incorporou 25% a mais de carne
na carcaça, além de outras vantagens em termos de sanidade animal. No segmento de aves, tem-se a
inserção de perus pela Sadia e o Chester da Perdigão. Com relação a máquinas e equipamentos tem-
se a construção de parceria entre empresas fornecedoras para a obtenção da Proteína Funcional de
Carne (PFC), aliando a melhoria no processo e desenvolvimento de máquinas e equipamentos
necessários para implementação do PFC. Em linhas gerais, podem ser apontados como principais
inovações da agroindústria do Oeste catarinense nestes 70 anos de história o sistema integrado de
produção de animais, o modelo de distribuição de produtos resfriados e congelados, o
melhoramento genético e o desenvolvimento de produtos, que se agrega à inovação no parque de
máquinas e de embalagens.
Esse esforço contínuo de melhoria nos processos e no produto capacitou a agroindústria
regional a ter importantes saltos de qualidade em sanidade animal. O estado de Santa Catarina
possui, desde 1997, o status sanitário máximo na Organização Internacional de Saúde Animal
(OIE), sendo considerado como área livre de aftosa sem vacinação e, recentemente (2014), adquiriu
o status de área livre de peste suína.
Por fim, a terceira característica da agroindústria regional é a sua capacidade de adaptação
ao ambiente econômico. Neste aspecto pode-se sintetizar, a partir de Mior (2005), Lins e Mattei
(2010), Fachinello e Santos Filho (2010), Colleti e Lins (2011) e Alba (2013), três grandes
momentos no século XX do desenvolvimento do cluster. O primeiro momento vai da criação dos
primeiros frigoríficos nos anos 1940 até meados dos anos 1970. Neste período teve-se a
inauguração do SI nos anos 1950 e a construção do sistema de distribuição e venda direta dos
produtos para o mercado nacional nos anos 1960. Nos anos 1970, observou-se o processo de
aquisição de pequenos e médios frigoríficos regionais (incluindo plantas no Sudoeste do PR e
Noroeste do RS) pelas grandes agroindústrias, como estratégia de reduzir a competição e ter maior
exclusividade ao acesso da matéria-prima. Neste período também ocorre a implementação da
integração de aves e o início das primeiras exportações.
Esta primeira fase é representativa da grande intervenção do Estado na economia brasileira e
da realização da política de modernização da agricultura (também conhecida como Revolução
Verde), que contou com extenso volume de créditos subsidiados, isenções fiscais, pesquisa e ATER,
abrindo oportunidades para grandes investimentos por parte da agroindústria regional. Nestes
termos, pode-se apontar conforme Alba (2013), que a agroindústria regional recebeu grandes
benefícios por parte do Estado para se desenvolver.
O segundo momento ocorre nos anos 1980, quando a agroindústria intensifica seus esforços
para ampliar mercados no exterior. A estratégia adequa-se às dificuldades encontradas pelo país
(crise da dívida e estagflação). Paralelamente à conquista de mercados externos, tem-se a
preocupação de consolidar a presença no mercado doméstico, com investimentos em qualidade,
marca, propaganda e marketing. Iniciam-se também investimentos em outros nichos, como os de
carne bovina e de peixes, bem como o início da produção de comidas semi-prontas. De grandes
empresas agroindustriais de primeiro processamento, transformam-se em empresas alimentares de
produtos finais (por exemplo, 85% da carne suína é industrializada). No final dos anos 1980
intensificaram-se esforços para ampliar a integração vertical e escala de produção.
Os anos 1990, considerado o terceiro momento do desenvolvimento do cluster
agroindustrial, é marcado por uma conjuntura de abertura comercial, desregulamentação econômica
e globalização. Neste período a agroindústria observou grandes transformações, como a
reestruturação do setor (patrimonial, organizacional e produtiva) e o amadurecimento do cluster de
carnes. Este período vive também a consolidação do consumo de carne de frango no Brasil (marco
do plano Real) e o reposicionamento da agroindústria, saindo dos segmentos de soja e bovino para
especializar-se na produção de carnes (frango e suínos) e em comidas semi-prontas.
Em termos de reestruturação patrimonial, ocorreram a passagem do controle acionário da
Perdigão para Fundos de Pensão e a Sadia alterando a gestão de seus negócios (substituição de
holding com cerca de 30 empresas para uma só empresa, a Sadia Concórdia S/A). Ainda em termos
de reestruturação patrimonial, observa-se a entrada de capital estrangeiro com a Bunge assumindo a
Seara (Ceval) em 1997, e o grupo argentino Macri adquirindo o Frigorífico Chapecó em 1999.
A reestruturação organizacional é observada na inauguração de processos de qualidade total
e pela terceirização de processos e serviços, como a manutenção de máquinas e ao final da década
passa a terceirizar parte da produção (abate e resfriamento). A reestruturação produtiva marca a
intensificação da escala de produção, maiores exigências aos produtores rurais e migração de
plantas para o Centro Sul do país.
Os novos investimentos da agroindústria no Centro Oeste (novo eldorado da produção
agrícola do país) decorrem da busca intensa por maior competitividade. Por exemplo, a Sadia
inaugurou unidades em Várzea Grande (MT) em 1997 e Granja Rezende (MG) em 1999; a Perdigão
iniciou projetos em Rio Verde (GO) e em Patos de Minas (MG) em 1996; a Seara colocou unidades
em Dourados e Rondonópolis (MS) em 1993. Na contramão deste movimento a Cooperativa
Central Oeste construiu três plantas na região (Quilombo, São Miguel do Oeste e Chapecó).
Para alguns autores, como Testa et al. (1996), essa reestruturação tem caráter de crise
regional, em virtude da exclusão de grande número de produtores rurais e pelos impactos
ambientais. Por conta desta exclusão, a década vive o período de reconversão produtiva, em que as
propriedades rurais passam à produção de leite. Segundo o IBGE, em 1995/1996 há mais produtores
de leite do que de suínos na região.
As intensas mudanças por que passa o setor também são analisadas em termos de
amadurecimento do cluster de carnes, ou seja, a constituição de um conjunto de pequenas e médias
empresas especializadas em segmentos da cadeia (empresas de medicamentos, nutrição animal,
insumos, indústria metal-mecânica e prestação de serviços), orbitando em torno das grandes
agroindústrias. O amadurecimento também é visto pela ótica do nascimento de pequenas
agroindústrias familiares que passam a absorver algumas atividades terceirizadas pelas grandes
agroindústrias e explorar espaços deixados por elas. Para Mior (2005),
O amadurecimento do cluster na região vem exercendo uma influência positiva na
estruturação e funcionamento destas pequenas e médias agroindústrias. Os efeitos de
aglomeração começam a fazer diferença. A proximidade espacial, e, portanto, a
rapidez na prestação de serviços de qualidade e a possibilidade de um fluxo de
informações continuado influenciam positivamente na performance destes novos
empreendimentos. (MIOR, p. 159).

Neste contexto, pode-se considerar que a agroindústria do Oeste de Santa Catarina entra no
novo século com a presença de grandes empresas, modernas e globais, tendo como estratégia a
intensa incorporação tecnológica e ampliação da produtividade. Paralelamente à atuação das
grandes agroindústrias, tem-se um cluster que começa a espraiar seus efeitos para outros nichos,
como pequenos e médios frigoríficos e a produção leiteira. O contexto socioambiental é menos
animador, pois verifica-se uma grande parcela de produtores excluídos, redução e envelhecimento
da população rural e problemas ambientais.
Desempenho recente, reestruturação e novos atores e segmentos

A produção pecuária da mesorregião Oeste de Santa Catarina apresentou crescimento nos


primeiros anos do século XXI. Conforme as Tabelas 1 e 2, observa-se que de 2002 a 2005 os
rebanhos de suínos, aves e vacas leiteiras apresentaram crescimento de 18,4%, 12,2% e 22,3%,
respectivamente. Pela Tabela 3 é possível avaliar que a produção industrial também obteve
evolução, a produção de carnes industrializadas (frangos, perus e suínos) apresentou crescimento de
76%, 56% e 46%, respectivamente, apesar da queda no número de animais abatidos dos plantéis de
perus e suínos.

Tabela 1: Participação do rebanho e produção de leite da mesorregião Oeste


Catarinense no total do estado de Santa Catarina e do Brasil, 2002, 2005 e 2013
Partic. % 2002 Δ% 02/05 Partic. % 2013 Δ% 05/13
Rebanho
Oeste/SC Oeste/BR Oeste Oeste/SC Oeste/BR Oeste
Bovinos 44,2 0,7 8,6 48,4 1 35,8
Suínos 76,8 12,8 18,4 71,5 12,2 -7,9
Frangos 71,9 11,2 12,2 66 7,7 -1,5
Vacas ordenhadas
58 1,9 22,3 65,1 3,2 70
Leite 66,3 3,7 40,1 73,6 6,3 93,8

Fonte: Produção Pecuária Municipal (IBGE, 2014), elaboração do autor.

Alguns elementos que ajudam a explicar esse desempenho é a entrada de um novo Governo
na esfera federal em 2003, o qual privilegiou a expansão do mercado interno e a redistribuição de
renda e, no âmbito externo, o ciclo de expansão da economia mundial que perdura até a crise
econômica em 2008.

Tabela 2: Efetivo de rebanho (em mil cabeças) e produção de leite (em mil litros) da mesorregião
Oeste Catarinense, de Santa Catarina e Brasil, 2002, 2005 e 2013
2002 2005 2013
Rebanho
Oeste SC SC Brasil Oeste SC SC Brasil Oeste SC SC Brasil
Bovinos 1.377 3.118 185.347 1.496 3.377 207.157 2.032 4.202 211.764
Suínos 4.110 5.354 32.013 4.868 6.309 34.064 4.481 6.271 36.744
Frangos 102.029 141.867 908.022 114.429 156.339 999.041 112.742 170.894 1.470.648
Vacas ordenhadas 355 612 19.005 434 722 20.632 738 1.133 22.955
Leite 791 1.193 21.644 1.108 1.556 24.572 2.147 2.918 34.255
Fonte: Produção Pecuária Municipal (IBGE, 2014).
Esse crescimento, porém, não se mantém ao longo dos anos. Pela Tabela 1 verifica-se que a
região apresentou queda na produção de suínos e frangos, -8% e -1,5%, no período de 2005 a 2013.
Em contraste, o número de vacas ordenhadas cresceu mais de 70% e a produção de leite quase
duplicou no período.

Tabela 3: Abate de frango, perus e suínos das principais agroindústrias do município de Chapecó –
2002 a 2007
Animal Tipo 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Δ% 2002/07
Nr. animais (mil) 34.961 42.880 45.028 46.309 48.648 53.991 54,43
Frango Carne in natura (ton) 92.147 104.864 108.856 107.494 89.763 52.874 -42,62
Carne industr. (ton) 26.080 25.930 28.629 24.523 24.668 45.873 75,89
Nr. animais (mil) 12.348 12.171 11.628 10.334 10.016 8.515 -31,04
Perus Carne in natura (ton) 85.471 80.668 89.305 85.130 63.154 35.950 -57,94
Carne industr. (ton) 19.647 18.417 21.280 26.725 26.440 30.597 55,73

Nr. animais (mil) 1.742 1.149 1.006 1.020 1.082 1.179 -32,32

Suínos Carne in natura (ton) 160.403 89.805 83.656 86.186 94.314 102.051 -36,38

Carne industr. (ton) 132.083 106.636 94.500 140.840 170.689 192.984 46,11
Fonte: Cadernos de Informações socioeconômicas do município de Chapecó – Curso de C. Econômicas/Unochapecó
(2008). Elaboração do autor.

Considerando que grande parte da produção do Oeste é direcionada para o mercado externo,
um elemento importante para explicar o desempenho pós-2005 é o desaquecimento da economia
global em virtude da crise econômica de 2008. Pode-se acrescentar que a região vem perdendo
competitividade em virtude de depender da produção de grãos de outras regiões, principalmente
milho, que é o principal insumo para a ração dos animais.

Tabela 4: Área colhida (em mil ha) e quantidade produzida (em mil toneladas) na mesorregião
Oeste de Santa Catarina – 2007-2013
2007 2013 Δ% 07/13
Rebanho
Área Qtde Área Qtde Área Qtde
Milho 448,5 2.445,30 279,7 1.974,50 -37,6 -19,3
Soja 221,5 614,4 277 833,5 25,1 35,7
Trigo 44,6 100,1 47,5 143,3 6,5 43,2
Feijão 40,4 63,2 26,4 43,8 -34,7 -30,7
Fumo 21,7 39,4 21,9 34,8 0,9 -11,7

Fonte: Produção Agrícola Municipal (IBGE, 2014). Elaboração do autor.

A Tabela 4 apresenta a evolução da produção e da área plantada de grãos na região, e


denota-se que a área colhida de milho reduziu em 38% no período de 6 anos, tendo impacto sobre a
produção, que decresceu 20%. Segundo Epagri (2013), dado à rentabilidade do preço do milho, os
produtores passaram a substituir as lavouras de milho pelas de soja, que tanto em termos de área,
como em termos de quantidade produzida ampliou em 25% e 36%. Grande parte da produção de
milho que ainda se mantém na região é utilizada para silagem na produção de leite.
O problema da escassez de milho não é recente e pode ser considerado um gargalo
importante para a expansão da produção regional, pois a importação do milho amplia o custo da
produção regional em cerca de 20%. Considerando-se a entrada em vigor do novo código florestal
que exige que 20% da área das propriedades rurais sejam direcionadas para Áreas de Preservação
Permanentes (APPs), essa limitação deve ser ampliada. Uma das estratégias da agroindústria vem
sendo importar milho da região Centro-Oeste e/ou de países do Mercosul (sobretudo Paraguai). A
outra estratégia é deslocar plantas industriais ou investir em unidades de produção no Centro-Oeste,
conforme apontado no item anterior.
A migração de plantas industriais das agroindústrias privadas para outras regiões continua
sendo um motivo de apreensão na região, dado a perda de investimentos e o seu respectivo impacto
na geração de emprego e renda. Por outro lado, o capital social regional gera uma vantagem
competitiva muito forte e vem garantindo a manutenção de investimentos. Um exemplo disso é que
a instalação de unidades fabris no Centro-Oeste enfrentou algumas restrições, como a não
especialização da mão de obra para o trabalho nos frigoríficos, a distância dos grandes centros e as
restrições de infraestrutura (energia). Em virtude dessas restrições, ainda no final dos anos 1990 e
início dos anos 2000, a Perdigão amplia e moderniza seus frigoríficos no Oeste catarinense e a
Seara inaugurou nova unidade na cidade de Itapiranga (2001), voltada para exportações. A Aurora
também realiza investimentos, como a inauguração de plantas em Pinhalzinho e Joaçaba.
Em que pese o desempenho da produção mencionado, a conjuntura agroindustrial recebeu
novos contornos na primeira década dos anos 2000, quando da suspensão das atividades do
Frigorífico Chapecó em 2003. O Frigorífico Chapecó foi uma das primeiras agroindústrias a ser
criada no Oeste, em 1952, e enfrentava dificuldades desde 1997, quando foi assumido pelo BNDES.
Conforme Gretzler et al. (2010), antes de suspender suas atividades e pedir concordata em 2005, o
frigorífico era responsável por abater cerca de 5 mil suínos e 490 mil frangos/dia em 8 unidades
produtivas, com 1,5 mil produtores rurais integrados e 5 mil empregos diretos. Atualmente as
unidades produtivas do Frigorífico estão arrendadas, das quais a Aurora é detentora de duas.
A crise econômica de 2008 também gerou impactos significativos na agroindústria do Oeste.
O principal resultado foi a criação da BRF (fusão entre Sadia e Perdigão), depois da Sadia obter
grande prejuízo pelo uso de derivativos financeiros. Ainda como desdobramento da crise, a marca
Seara (que possui importantes unidades de abate na região) passa por constantes mudanças de
grupos controladores (estava sendo controlado desde 2005 pela Cargil, em 2009 passa para a
Marfrig e desde 2012 está com o grupo JBS). Na esteira desse movimento, tem-se o sistema
cooperativista, liderado pela Aurora, que vem ampliando sua participação regional com a estratégia
de assumir frigoríficos em dificuldades e/ou manter investimentos na região, como foram os casos
das plantas industriais dos frigoríficos Chapecó e Diplomata e da aquisição do Frigorífico Bondio.
Paralelamente a esse movimento da agroindústria de carnes, observa-se um avanço
significativo na produção de lácteos com vários empreendimentos inaugurados na região a partir
dos anos 1990, como a constituição da Cooper Oeste (Leites Terra Viva) no ano de 1996, em São
José do Cedro-SC. No início dos anos 2000 a Perdigão entra no setor de lácteos através de parceria
com a Parmalat. A partir de então inicia um processo de aquisição de empresas como a Batavia em
2006, a Eleva (dona da marca Elegê) e a Cotochés em 2008, tornando-se líder do setor no país.
Outros investimentos privados são observados, como a instalação da unidade de lácteos pela Aurora
em Pinhalzinho (2011), laticínios da Piracanjuba em Maravilha (2011) e a ampliação da Leites Tirol
(nova unidade em Treze Tílias em 2004 e aquisição de unidade em Chapecó em 2008), bem como o
estabelecimento de outros laticínios menores.
Para o produtor rural, o direcionamento para a produção de leite deve-se ao fato, segundo
Fachinello e Santos (2010), deste produto representar uma importante fonte de renda para os
pequenos agricultores, bem como pela regularidade no recebimento dos pagamentos (mensal). Para
Santos et al. (2006), a produção leiteira regional é resultado da reconversão produtiva das atividades
suinícolas e avícolas e das culturas anuais que migraram para o leite, devido à instabilidade de
renda daquelas atividades, entre outros fatores. Neste sentido, Testa et al. (2003) expõem que a
produção leiteira tornou-se a principal atividade das propriedades rurais do Oeste (atividade âncora)
e desempenha hoje o papel que a suinocultura desempenhou no passado, ou seja, possui/exerce um
papel social de extrema importância.
Essa maior produção, aliada com a implantação de lacticínios, vem consolidando uma cadeia
produtiva forte, que apesar de ainda não estar tão organizada como a indústria de carnes, já possui
um amplo conjunto de fornecedores, a exemplo da biogenética do gado, a nutrição e medicação
animal, a assistência técnica e as máquinas e os equipamentos (ordenhadeiras, resfriadores).
Um segundo movimento importante iniciado ao longo dos anos 1990 e que veio se
consolidando nos anos 2000, de acordo com Mior (2005), é a criação de agroindústrias familiares,
ou seja, pequenas agroindústrias estabelecidas no meio rural e que passam a agregar valor à
matéria-prima produzida na propriedade. Para o autor, esse movimento é derivado da organização
de entidades para o fortalecimento da agricultura familiar que buscam uma alternativa para a
reestruturação realizada pela grande agroindústria nos anos 1990. Ele também considera que o
amadurecimento do cluster de carnes, com a presença de empresas de máquinas, equipamentos e
insumos, bem como a prestação de serviços, tenha contribuído para a criação dessas agroindústrias.
O estudo de Marcondes et al. (2012) vislumbrou um total de 836 empreendimentos desta espécie na
mesorregião Oeste em 2009.

Perspectivas para cadeias produtivas de carne suína, de aves e lácteos

Carne suína

No Brasil a produção de carne suína observou crescimento de 31% entre 2004 e 2013,
decorrente da ampliação do mercado interno (crescimento da renda) e abertura de novos mercados
no exterior (MAPA, 2013). O Estado de Santa Catarina é o maior produtor, porém vem perdendo
espaço para a região Centro-Oeste, a qual vem crescendo num ritmo muito superior. Segundo
Fachinello; Santos Filho (2010) e Epagri (2014), esse menor desempenho do estado catarinense
decorre de limitações relativas ao suprimento de matéria-prima, tratamento de dejetos e barreiras
sanitárias em alguns mercados externos.
Conforme a Epagri (2013), a produção de suínos na região Oeste mais do que duplicou no
período de 1990 a 2013, saindo de 2,2 milhões de cabeças para 4,5 milhões. Neste último ano, essa
produção representava 71,5% da produção de suínos do Estado de SC e 12,2% da produção
nacional, configurando-se como um dos maiores polos suinícolas do país. Em termos de produção
industrial da carne suína, o Estado de Santa Catarina industrializa pouco menos de 25% da
produção nacional, sendo a região Oeste a maior responsável por essa industrialização.
O destino da produção regional é basicamente o mercado externo. Santa Catarina exporta
33% do total exportado de carne suína do país. Tem como principais países de destino a Rússia,
Hong Kong, Ucrânia, Cingapura e Angola. Em 2013/2014 abriu importantes mercados como o do
Japão e dos EUA.
Em termos de mercados internacionais, o Brasil é o quarto maior produtor, atrás da China,
EUA e União Europeia. Em termos de consumo, o Brasil está na quinta colocação, apresentando um
consumo per capita anual de 13 Kg/ano, bem atrás do consumo da China (40 Kg/ano) e da média da
Europa (superior a 50 Kg/ano). Apesar do elevado consumo, a China e os países europeus também
possuem grande produção própria.
No comércio internacional, há quatro importantes importadores mundiais (Japão, Rússia,
México e China); os quatro concentram mais de 54% das importações mundiais. Esses dados
demonstram uma grande oportunidade para a agroindústria catarinense, pois além de possuir
algumas vantagens (como área livre de aftosa sem vacinação), iniciou processo de exportações para
o Japão em 2013, que é uma referência para mercados do Oriente. Em 2014 Santa Catarina ampliou
as exportações para Rússia em virtude das sanções impostas pelos países europeus devido à a crise
da Ucrânia.
Considerando a perspectiva de ampliação do mercado, a FIESP (2013) projeta crescimento
na produção suinícola do país em 31% no período de 2012 a 2023 (equivale ao crescimento de 2,4%
a.a.), sendo esse crescimento estimulado pelo aumento de 31% da demanda interna e 25,2% das
exportações. O MAPA (2013) projeta crescimento de 20,6% na produção de carnes, sendo o
mercado interno o responsável por mais de 80% dessa evolução. Na região Sul esse crescimento
será menor, demonstrando que o Centro-Oeste se manterá crescendo forte. A FIESP (2013) também
estimou que o consumo per capita do brasileiro passe dos atuais 13,4 Kg/ano para 16,2 Kg/ano, bem
abaixo do consumo per capita de carne bovina e de frango, demonstrando que há espaço para
campanhas publicitárias e desenvolvimento de novos produtos captarem maiores fatias da
preferência do consumidor.

Carne de frango

O Brasil é o terceiro maior produtor mundial e o maior exportador mundial (desde 2004),
responsável por 33,5% do total exportado. Esse desempenho poderia ser ainda maior, caso o setor
não enfrentasse barreiras sanitárias (influenza aviária) que restringem a entrada do produto
brasileiro em determinados países, como o mercado europeu, que é o quarto maior importador
mundial.
A produção de frango na região Oeste permanece oscilando na faixa de 100 a 115 milhões
de cabeças (rebanho efetivo) entre 2006 a 2013, atingindo o pico em 2008 (Tabela 2). A região
acompanhou o desempenho nacional (crescimento de 1% entre 2010 e 2013), mantendo-se como
uma das principais produtoras do país. Em 2013, conforme dados do IBGE (Tabela 1), a região foi
responsável por 8,3% da produção nacional e 67% da produção catarinense.
Além da produção física, a região Oeste é responsável (junto com o estado) pela maior fatia
das exportações brasileiras, cerca de 33,6% em volume e 37,5% em receita, tendo em vista que SC
consegue exportar cortes diferenciados com maior valor agregado que os estados vizinhos. Os
principais destinos são Arábia Saudita (20%) e, Japão (14%), e vem ganhando destaque Hong Kong
e Venezuela, com 7% cada do total exportado.
Em termos estaduais, Santa Catarina é o segundo maior produtor, atrás apenas do Paraná. A
região Centro-Oeste é a que mais vem crescendo nos últimos anos (+10% a.a. contra +4,5% a.a. da
região Sul, de 2008 a 2013), influenciada pela oferta de grãos e do próprio investimento das
agroindústrias do Sul do país.
Considerando estimativas da FIESP (2013) e MAPA (2013) para o desempenho da produção
até 2023, a primeira prevê uma expansão de 24,2% e a segunda prevê aumento de 46,4%. O que
deve sustentar esse crescimento é o mercado doméstico (+25,3%) e o mercado externo (+20%). Em
termos de consumo doméstico, o Brasil, além de ser um dos maiores consumidores mundiais da
carne, passou de 34 Kg/ano p.c. em 2002 para 46 Kg/ano p.c. em 2013, com projeção para chegar
em 52 Kg/ano p.c. em 2023, influenciados pelo aumento da população e da renda.

Lácteos

Com 73,6% da produção estadual e 6,3% da produção nacional, a região Oeste configura-se
como uma das principais bacias leiteiras do país. A produção em 2014 superou a casa dos 2,2
bilhões de litros, obtendo uma das maiores taxas de crescimento do país, cerca de 8,6% a.a. nos
últimos 10 anos conforme IBGE (2014). A produtividade da região está acima da média estadual
(2.907 litros/vaca/ano da região contra 2.577 litros/vaca/ano do Estado), mas ainda está abaixo dos
principais centros produtores do país, como o Centro Oriental Paranaense (4.563 l/vaca/ano), Oeste
Paranaense (3.460 l/vaca/ano), Sudoeste Parananse (3.406 l/vaca/ano) e Noroeste Gaúcho (3.243
l/vaca/ano).
O aumento da industrialização de leite pode ser resultado da expansão do consumo interno
(principal mercado consumidor do leite brasileiro), o qual apresentou crescimento de 33% nos
últimos 10 nos (o consumo per capita que era 129 litros em 2002 passou para 171 litros em 2012),
reflexo do crescimento da renda da população. O Brasil é o sexto maior produtor mundial com
cerca de 5% da produção total e suas exportações são insignificantes. Exceto pelos anos de 2007 e
2008, o Brasil apresenta déficit na sua balança comercial leiteira, tendo como principais
fornecedores a Argentina e o Uruguai (81% do total importado). O volume importado equivale a
3,5% do consumo doméstico e está concentrado em leite em pó, manteigas e queijos. Atualmente, o
país exporta produtos lácteos para mais de 70 países, sendo os principais compradores: EUA
(19,1%), Emirados Árabes e Arábia Saudita (14,5%), Venezuela (16,6%) e Angola (8,2%).
Os maiores importadores do produto são China, Rússia, México e Indonésia. Um produto
que é muito comercializado internacionalmente é o leite em pó integral. Com a perspectiva do
aumento do consumo chinês, abre-se espaço para o produto brasileiro.
Em termos de projeção da produção para os próximos anos, a FIESP (2013) projeta
crescimento de 42% até 2023, sustentado basicamente pelo crescimento do consumo doméstico. Já
o MAPA (2013) prevê crescimento de 20,7% no período, dando destaque para o incremento de
33,3% nas exportações.
Os principais diferenciais competitivos e gargalos da produção agroindustrial da região
Oeste Catarinense

Nesta seção faz-se uma síntese da revisão de literatura bem como dos diálogos junto aos
atores da agroindústria regional em relação aos principais pontos fortes da agroindústria (os
diferenciais competitivos da região) e os principais pontos frágeis (gargalos). Apresentam-se aqui os
pontos em termos genéricos para as três indústrias consideradas neste texto (carnes suína e de
frango e produtos lácteos) e alguns comentários específicos de cada segmento quando necessário.
Neste sentido, consideraram-se aqui os trabalhos que avaliaram cadeias específicas, ou
avaliaram a agroindústria como um todo, conforme os trabalhos de Testa et al. (1996), Testa et al.
(2003), Santos et al. (2006); Weydman et al. (2008); Alves e Weydman (2008), Facchinelo e Santos
(2010) e Coletti e Lins (2011). Também foram considerados os resultados de alguns fóruns
realizados na região que procuraram avaliar potenciais e gargalos da economia regional e propor
políticas públicas de apoio, como: i) Fórum da Mesorregião da Grande Fronteira do Mercosul
conforme Perin (2004); ii) Projeto “Meu Lugar” (2008) em âmbito do Governo do Estado de SC e
PNUD; iii) I Conferência de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFFS em 2010 conforme Trevisol et
al. (2011); e, iv) Projeto Chapecó 2030 em âmbito da entidade civil organizada Sociedade Amigos
de Chapecó (SAC, 2014).
Através da análise deste conjunto de trabalhos pode-se agrupar os principais diferenciais
competitivos da agroindústria da região Oeste catarinense em quatro grandes pontos, e os principais
gargalos em cinco pontos. Na sequência apresenta-se sucintamente cada um desses fatores.
Em termos de diferenciais, o principal da agroindústria do Oeste catarinense refere-se ao seu
capital social, ou seja, do modelo produtivo estabelecido que engloba a agricultura familiar, a
experiência dessas famílias na produção agropecuária e o modelo de integração (SI) conjugado em
muitos casos com o sistema cooperativista (SCo). Esse modelo possibilita a manutenção da oferta
de matéria-prima em volume e custos adequados para a agroindústria ter grande competitividade
internacional. A experiência dos agricultores contribui para a fácil assimilação e introdução de
inovações tecnológicas (seja de genética animal, seja de equipamentos) que propiciam ganhos
constantes de escala, produtividade e qualidade dos produtos para a indústria. Este mesmo capital
social pode ser encontrado também no meio urbano da região, onde estão localizados os
abatedouros. O perfil deste tipo de trabalhador exige um conhecimento tácito e uma aptidão para
exercer as atividades árduas das funções das unidades fabris da agroindústria que dificilmente é
encontrado em outras regiões do país.
Um segundo diferencial é o elevado nível tecnológico utilizado pelas agroindústrias, que
seguem o padrão internacional. Neste sentido, há uma extensa rede de fornecedores de insumos
(cluster), bem como instituições de pesquisa, que, em parceria com a agroindústria, desenvolvem
novos insumos para a cadeia. Nestes termos, além da incorporação de tecnologia, há existência de
inovações no setor a montante e a jusante, tornando várias empresas líderes em certos segmentos.
Citam-se aqui os casos de espécies geneticamente melhoradas, nutrição animal, máquinas e
equipamentos na propriedade rural e abatedouros/frigoríficos, produtos finais e embalagens,
conforme apontado na seção 2.
Um terceiro ponto forte, aliado ao anterior, é o status que o Estado possui em termos de
sanidade animal. O Estado de Santa Catarina é o único no país considerado como área livre de
aftosa (zoonoses) sem vacinação, isto é, a agroindústria possui um processo produtivo com
condições de higiene seguindo critérios internacionais. Outro elemento ligado à sanidade animal
refere-se ao alto grau de articulação e de coordenação da cadeia produtiva, que possibilita rápida
intervenção na eventualidade de ocorrência de algum problema sanitário.
Por fim, um quarto elemento importante é o elevado portfólio de produtos e a capacidade de
inovação (e agregação de valor) em produtos finais, alinhados com novos hábitos e exigências do
mercado consumidor. Esses diferenciais credenciam a região para manter seu dinamismo,
principalmente para buscar novos mercados no exterior.
Com relação aos gargalos ou principais desafios da agroindústria no novo século, que
impõem sérios limites à continuidade do modelo e manutenção do desenvolvimento regional,
verifica-se que a maioria é antiga, ou seja, existem (ou vem se agravando) e foram diagnosticados
há pelo menos 20 anos, mas que ainda não foram totalmente solucionados ou as soluções dadas até
agora foram insuficientes ou ineficazes.
O primeiro gargalo e mais importante está relacionado com a sustentabilidade ou a sucessão
familiar nas propriedades rurais. Esse gargalo vem se agravando à medida que se verifica a redução
e o envelhecimento da população rural, em especial da população jovem. Considerando que a
principal vantagem competitiva da região é a existência da agricultura familiar, a redução dos
estabelecimentos pode, além de redirecionar investimentos para outras regiões, conforme apontado
na seção 2, fortalecer a estratégia de ampliação da escala de produção nas propriedades rurais, ação
que resultou em grande exclusão de agricultores nos anos 1990.
Um segundo gargalo é o déficit na produção de milho, principal insumo para a produção de
ração dos animais. Conforme exposto anteriormente, a baixa rentabilidade da cultura do milho está
fazendo com que muitos agricultores destinem sua área para outras culturas, como a da soja e de
pasto. A falta do milho impõe a importação do grão, que encarece a produção e tira uma parcela
significativa da competitividade da indústria regional. Uma estratégia que a agroindústria vem
adotando para recuperar essa perda de competitividade é a redução do preço pago ao produtor rural.
Uma situação relacionada ao gargalo do déficit de insumos, e que amplia a restrição ao
pequeno produtor rural, refere-se à exigência de manter 20% da propriedade em APPs, conforme a
nova legislação ambiental (Lei nº 12.651/2012). Conforme Castro (2014), o estado de Santa
Catarina destina em média 14,1% da área agrícola da propriedade para APPs (é a melhor da região
Sul, mas abaixo da média nacional de 15,7%) enquanto a legislação exige 20%. Nestes termos,
adequar-se à legislação implicará em menor utilização da área para as atividades produtivas da
propriedade rural.
A falta ou precariedade da infraestrutura regional, em termos de malha logística e energia, é
apontado como o terceiro gargalo. A falta ou má conservação das rotas (ferrovias e rodovias) impõe
uma barreira para a expansão da produção, em termos de ampliação do custo. Conforme apontado
por Castro (2014), o custo do frete amplia em pelo menos 18%, em virtude das más condições das
rodovias. Também relacionado à logística, um ponto que vem recebendo maior atenção é a má
conservação das estradas municipais, que ligam as propriedades rurais com a sede urbana do
município. Esse ponto, além de inviabilizar economicamente muitas propriedades, também interfere
no bem-estar e na fixação dos agricultores.
O quarto gargalo está relacionado com a sustentabilidade ambiental. A poluição do solo e de
mananciais através da concentração de dejetos suínos é significativa e não é nova. Esse problema é
maior na produção de carne suína e menor na produção avícola e leiteira, pois há formas
alternativas de uso dos dejetos. Na área de dejetos suínos, a agroindústria vem realizando pesquisas
para mitigar o problema, como a redução na concentração de químicos no esterco, a introdução de
biodigestores nas propriedades de maior porte e o tratamento dos dejetos nas propriedades. A
intensificação de pesquisas, incluindo parcerias entre agroindústria e universidades e a
desconcentração espacial da produção (conforme apontados em Testa et. al. 1996) seriam as
principais alternativas de curto prazo.
O último gargalo refere-se à baixa interação e cooperação entre os diversos atores que
compõem a cadeia produtiva, como empresas, universidades, associações de classe, governo e
centros de pesquisa e extensão. Há vários desses órgãos na região, muitos dos quais com objetivos
distintos que dificultam uma maior sintonia/articulação e parceria para ampliar esforços. A falta de
cooperação entre os atores impõe desperdício de recursos, falta de foco e não resolutividade dos
problemas, sustentando os gargalos para o desenvolvimento regional. O maior exemplo dessa falta
de articulação é o conjunto de políticas públicas para o setor rural, que, além da diversidade e
sobreposição, em muitos casos são ineficazes e não dialogam com os atores envolvidos.
Abre-se aqui um espaço para apontar algumas dificuldades enfrentadas na produção leiteira.
Essas dificuldades ganham destaque à medida que o setor se difere da produção de carnes (não está
envolvido em um sistema de integração por exemplo) e constitui-se na principal fonte de renda das
pequenas propriedades rurais. Os principais desafios consistem na constante exigência de melhoria
na qualidade da produção, que implica a necessidade de investimentos na propriedade rural
(Instruções Normativas n. 51 e n. 62); na organização da cadeia produtiva, em termos de transporte
e comercialização; e mais recentemente as falhas de fiscalização estadual originaram casos de
adulteração do leite, conforme Diário (2008), implicando em grandes perdas aos produtores.
A exposição dos diferenciais e dos gargalos da agroindústria do Oeste catarinense demonstra
que se, de um lado, há grandes oportunidades para a região manter seu dinamismo e desencadear
mais fortemente um processo de desenvolvimento sustentável, por outro, a superação dos gargalos é
imprescindível. A próxima seção buscará apontar algumas estratégias de política pública para
contribuir na resolução de tais gargalos.

Estratégias utilizadas e propostas de políticas para o desenvolvimento regional

A presente seção discute algumas propostas para a promoção do desenvolvimento regional


sustentável da região Oeste de Santa Catarina pela ótica da produção agroindustrial que visa à
geração de emprego e renda no meio rural. Assim como na seção anterior, é considerado aqui o
escopo produzido pela literatura, pelos vários seminários e fóruns, confrontados com as opiniões
dos atores locais, conforme exposto na seção 3. Destaca-se que as propostas estão apresentadas em
linhas gerais e devem ser referendadas com o diálogo entre os agentes envolvidos.
Em termos de uma estratégia de desenvolvimento regional e da proposição de políticas, é
consensual para a literatura e para os atores envolvidos que o grande desafio da agroindústria do
Oeste catarinense é garantir a presença do agricultor e de sua família na propriedade rural, ou seja,
garantir a manutenção do capital social existente, que consiste no principal diferencial competitivo
da região. Neste sentido, considera-se que as ações mais proeminentes devem concentrar-se nesta
direção, principalmente no tocante à geração e ampliação da renda das propriedades, melhoria do
bem-estar e autoestima dessa população.
Ao fazer menção à população rural, deve-se ter em mente que conforme definição de Testa
et al. (2003), os agricultores familiares da região podem ser divididos em três grupos: i) agricultores
capitalizados (Grupo 1), composto pelo grupo de agricultores que possuem área e estrutura em
condições de gerar renda suficiente para remunerar os fatores de produção e acumular capital.
Segundo o estudo, este grupo compreende cerca de 13% das famílias e estão de algum modo ligadas
aos modelos SI e SCo; ii) produtores “em transição” (Grupo 2), conjunto de agricultores com renda
familiar per capita entre 1 e 3 salários mínimos mensais, que detém pouco capital e a renda gerada
na propriedade é insuficiente para ampliar seu capital. Abrange 29% das famílias e de acordo com
Testa et al. (2003), o termo “em transição” refere-se ao fato que estas famílias poderiam ascender
ou descender (deixando o campo), dependendo do teor das políticas; iii) produtores descapitalizados
(Grupo 3), caracterizado pelos agricultores com pouca área e que se mantêm com baixa renda
(menos de 1 salário mínimo por mês), ou ainda que já vêm trabalhando em frigoríficos ou outras
empresas nas cidades. Este grupo composto de 42% famílias, além de maior fragilidade de renda,
possui menor qualificação/nível de instrução e está, portanto, mais propenso a deixar a propriedade.
Ao avaliar este contexto, verifica-se que há estratégias privadas e políticas públicas para
lidar com o problema da sucessão rural. No âmbito das estratégias privadas pode-se apontar pelo
menos três estratégias em curso para garantir a sucessão da agricultura familiar. A primeira é da
agroindústria privada per se (ex.: BRF, Seara), que vem selecionando produtores e estimulando a
ampliação das plantas visando escala. Esse processo não é novo e teve início nos anos 1990,
responsável por grande parte da exclusão de pequenos produtores. Porém, nos anos mais recentes,
pode-se considerar que há uma pequena variação dessa estratégia, que consiste em selecionar os
produtores localizados mais próximos das agroindústrias e propor contratos mais longos, com
preços um pouco melhores para viabilizar os grandes investimentos em aviários e equipamentos.
Para a agroindústria de mercado e do ponto de vista de alguns atores entrevistados, a
estratégia de concentração e de ganho de escala, é um movimento irreversível em virtude da saída
de jovens do campo e do envelhecimento da população rural. Nesta perspectiva a solução é ampliar
e modernizar ao máximo as propriedades.
Uma segunda estratégia é da agroindústria cooperativista (ex.: Aurora), que além de
intensificar seu modelo de “parceria” – em termos de remuneração ao produtor, mantém um preço
médio que o beneficia em épocas de crise, mas não o compensa totalmente em épocas de expansão
– e estimular a associação dos produtores, vislumbrando a distribuição de lucros, vem adotando
projetos de capacitação dos produtores. Os projetos seguem uma linha empresarial, em termos de
gestão da propriedade e qualidade dos produtos, objetivando que o produtor consiga planejar-se,
gerenciar e empreender novas fontes de renda na propriedade. O programa “Qualidade Total Rural”,
em parceria com o SEBRAE, é um exemplo desse tipo de ação. O sistema cooperativista também
avalia a propriedade rural como uma fonte de renda alternativa para o jovem que vem para a cidade
e, neste sentido, atores desse tipo de agroindústria apontaram o fato de que não é excludente morar
na cidade (inclusive possuindo emprego urbano) e manter atividades no meio rural.
A terceira estratégia refere-se aos empreendimentos familiares, conforme analisados por
Mior (2005), estimulados por associações e sindicatos, que buscam, na criação de pequenas
agroindústrias familiares, uma maior autonomia na produção e uma alternativa aos modelos SI e
Sco.
Importante destacar que no segmento de lácteos ainda há espaço para criar um modelo mais
inclusivo, nos termos de Testa et al. (2003) e Mior (2005). Atualmente, esse segmento não possui
um modelo de SI consolidado, e os produtores possuem maior autonomia e barganha, pois há um
grande número de unidades industriais; o setor de leite não está tão concentrado como o setor de
carnes, o que gera uma certa competição pela matéria-prima. Uma dificuldade é a relativa baixa
cooperação dos produtores, que dificulta projetos em conjunto que poderiam suprir alguns gargalos
do setor, como a questão do frete e o acesso a mercados. O maior problema hoje consiste na
fiscalização da qualidade do produto, pois os problemas de adulteração apontados na seção anterior
prejudicaram significativamente os pequenos produtores.
O segundo conjunto de estratégias dá-se no âmbito das políticas públicas. Nesta esfera
observa-se por parte do Governo Federal um rol bastante amplo, principalmente após 2002, como o
fortalecimento do Pronaf, programas de geração de renda no campo (PAA, PNAE, Territórios da
Cidadania), de assistência técnica, de capacitação (Pronatec Campo), bem como outras políticas que
acabam estimulando o meio rural, como de infraestrutura (moradia, energia elétrica rural e
máquinas para melhoria de estradas rurais). Na esfera estadual há também iniciativas que, muitas
vezes, se sobrepõem com as medidas federais, como é o caso do Programa SC Rural.
No que se refere às políticas públicas para a agricultura familiar da região Oeste, reconhece-
se que as ações avançaram muito nas últimas duas décadas, porém se verifica que há espaço para
seu aprimoramento, tendo em vista a não resolutividade dos problemas enfrentados na região.
Como principais debilidades, têm-se: i) a existência de vários programas e ações de diferentes
ministérios, órgãos e/ou esferas de governos (federal, estadual e municipal), com pouca
complementaridade entre si. Neste sentido, as ações, ao serem realizadas de forma isolada, não
possuem a amplitude necessária para gerar impacto positivo, causando desperdício de recursos
públicos; ii) a falta de diálogo e de pesquisa socioeconômica com os atores regionais no desenho
das políticas (produtores, cooperativas, sindicatos, pesquisadores, extensionistas e agroindústrias), o
que muitas vezes gera ações inadequadas; e, iii) falha na coordenação, condução e articulação das
políticas, somada à falta de metas bem estabelecidas e de monitoramento das ações realizadas.
Esse diagnóstico da política agrícola é muito próximo com o observado em outras áreas da
política pública brasileira, como é o caso da política industrial. Para Suzigan e Furtado (2010), a
grande dificuldade da política industrial brasileira consiste na falha de governança da política, e as
dificuldades residem, em parte, na sua extrema complexidade e ausência de atuação sistêmica, pois
há um número excessivo de órgãos que tendem a atuar de forma autônoma e assincrônica. Além
disso, esses órgãos possuem precária capacidade de mobilizar recursos, assim como quadros
técnicos com pouca formação adequada que administram instrumentos dispersos e desarticulados.
Outro problema relacionado à governança é a fragilidade do comando político e da coordenação das
ações governamentais em articulação com o setor privado, protagonista maior dessa política.
Dado esse quadro das políticas agrícolas e a necessidade de aprimoramento, entende-se que
a proposição de políticas deve, em primeiro lugar, unir esforços das diferentes esferas e órgãos
governamentais em um projeto/programa conjunto. Para tanto, abre-se espaço para um agente
coordenador, que pode ser uma câmara ou agência composta por membros dos diferentes atores que
desenhe a política e coordene as ações. Em segundo lugar, pode-se apontar para a proposição de
ações específicas para os diferentes públicos rurais (grupos 1, 2 e 3). Por fim, as políticas
necessitam de metas específicas e de monitoramento para avaliação dos resultados e aprimoramento
constante.
Em termos de ações para cada grupo, avalia-se que a estratégia para a grande agroindústria
seria readequar os modelos SI e SCo visando grandes metas macroeconômicas, como a expansão de
mercados externos. Para esse segmento a estratégia das políticas públicas seria ampliar os acordos
comerciais (abrir mercados no exterior), crédito subsidiado para garantir, às propriedades, os
investimentos em capital e tecnologia necessários, maior parceria entre universidades e
agroindústria, visando ampliação da qualidade e tecnologia e melhoria da infraestrutura regional
(energia e modal logístico).
O elevado custo social/público destas políticas deveria vir acompanhado de metas, como
ampliação de exportações, investimentos em tecnologias limpas, transbordamento das
pesquisas/inovações realizadas para as agroindústrias familiares e a construção de uma agência de
regulação do setor que fiscalizaria e negociaria as ações, a exemplo dos preços pagos aos produtores
rurais, da qualidade do produto, avaliação das metas e dos subsídios ao setor.
Essa proposta estaria mais voltada ao grupo dos agricultores capitalizados e parte dos
agricultores em transição (aqueles que tivessem interesse em se manter ou aderir aos modelos SI
e/ou SCo) e ampara-se nos pontos fortes da agroindústria regional, que a reúne bons elementos para
ampliar sua participação no comércio internacional de carnes suína e de frango conforme apontados
na seção 3. Segundo a FIESP (2014), a conjuntura internacional vem reunindo condições para
ampliar a demanda por alimentos e o comércio exterior. Como principais pontos, tem-se o
encaminhamento do fim do ciclo recessivo (iniciado com a crise de 2008), o crescimento dos países
emergentes (China, Índia e países da África), que deve melhorar o padrão de dieta destas
populações, e a valorização das moedas dos países desenvolvidos, mantendo nossos produtos mais
baratos no exterior e beneficiando nossas exportações.
A segunda estratégia estaria voltada para os agricultores pertencentes aos grupos 2 e 3. Neste
sentido, as ações seriam voltadas a propiciar condições para a agroindústria familiar desenvolver-se:
i) organização da produção em âmbito das pequenas propriedades para garantir o suprimento de
matéria-prima, com papel destacado, aqui, para a ATER; ii) capacitação desses produtores; iii)
ampliação de parcerias com universidades e centros de pesquisa, com vistas à melhoria e ao
desenvolvimento de novos produtos; iv) criação de um observatório econômico, com vistas à
realização de pesquisas de mercado e divulgação dos produtos; e, v) criação de mercados regionais.
Aliado a essas estratégias de organização produtiva e mercadológica, necessitaria a
ampliação de linhas de crédito subsidiadas e melhoria da infraestrutura rural (comunicação e
estradas rurais). Por fim, há a necessidade de um agente aglutinador e gestor que fizesse o papel de
liderança de todos os processos. Um bom exemplo deste tipo de agente é encontrado na experiência
cooperativista de Mondragon, no país Basco/Espanha.
Essa estratégia está ancorada na perspectiva de suprir uma demanda interna crescente e que
deve manter-se nos próximos anos, segundo estudos da FIESP (2013) e MAPA (2013),
principalmente com produtos de maior valor agregado. A expansão da renda (ou melhor distribuição
de renda no Brasil nos últimos anos, aliado com programas sociais que vislumbrou a expansão da
classe C abre espaço para nichos de mercados importantes, a exemplo dos produtos derivados de
carne suína (embutidos) e lácteos. Neste arcabouço, a nova agroindústria familiar ganha importante
espaço.
Por fim, uma terceira estratégia estaria focalizada no Grupo 3, que seria a criação de
condições de geração de renda para este público. As ações variam de concessão de bolsas de auxílio
(bolsa família) à criação de mercados institucionais (PAA e PNAE). Essas ações devem vir
acompanhadas de ATER e metas de produção. Verifica-se que pequenas áreas podem viabilizar a
produção de hortifrutigranjeiros, matas nativas (com pagamento por serviços ambientais) e
produção leiteira. Para a organização dos mercados institucionais, verifica-se que há um espaço
muito interessante para entes municipais organizarem tal mercado, como transporte, incentivos à
produção, etc. Ressalta-se que estas políticas devem vir acompanhadas de manutenção de
oportunidades de capacitação (cursos superiores), infraestrutura rural (moradia, estradas, energia,
comunicação e lazer) e ATER.

Considerações finais

O presente texto procurou discutir a problemática do desenvolvimento regional sustentável


da mesorregião Oeste de Santa Catarina a partir da avaliação do seu complexo agroindustrial. A
análise do setor teve como principal objetivo propor políticas públicas para garantir a sucessão
familiar das pequenas propriedades rurais, apontado no texto como o principal diferencial
competitivo da região.
Neste sentido, o texto apresentou uma breve síntese sobre a evolução da agroindústria de
carnes (suínos e frango) e de lácteos da região Oeste de Santa Catarina, procurando dar um
panorama sobre as principais características contemporâneas da agroindústria regional. A partir de
revisão de literatura, da avaliação de fóruns regionais e entrevistas com agentes do setor,
identificaram-se quatro pontos fortes, chamados de diferenciais competitivos e cinco pontos frágeis,
denominados gargalos. Os diferenciais apontados foram: i) o capital social da região, que
compreende um modelo produtivo calcado na pequena propriedade com gestão familiar, aliado aos
modelos de integração SI e SCo; ii) o elevado nível tecnológico utilizado pelas agroindústrias, que
seguem o padrão internacional; iii) o status do Estado em termos de sanidade animal; e, iv) o
desenvolvimento de novos produtos e a capacidade de inovação (e agregação de valor) em produtos
finais.
Com relação aos principais pontos frágeis, ou gargalos, tem-se: i) dificuldades com a
sucessão das propriedades rurais, com envelhecimento e redução da população rural; ii) déficit na
produção de milho, que encarece a produção em cerca de 20%; iii) infraestrutura regional
deficitária; iv) sustentabilidade ambiental; e, v) baixa interação e cooperação entre os diversos
atores que compõem a cadeia produtiva.
Como exercício final, o texto apresentou um conjunto de medidas (ou políticas públicas),
com ênfase na proposição de ações para geração de renda da agricultura familiar e redução dos
problemas com a sucessão familiar das propriedades rurais. As propostas remetem para ações
específicas para os três grupos de agricultores (capitalizados, em transição e descapitalizados),
articuladas com ações para a agroindústria convencional e para a nova agroindústria familiar.
Uma orientação dessa política é a necessidade de estipular metas específicas para cada
segmento, a realização do monitoramento das metas e sua revisão, mediante um agente responsável
por coordenar as ações. O maior esforço consiste em viabilizar, de um lado, uma maior articulação
entre setor público e privado e, de outro, a articulação das diferentes esferas do poder público,
visando otimizar os esforços das políticas.
As principais ações para o grupo 1 (agricultores capitalizados) seria ampliação de acordos
comerciais no exterior, crédito subsidiado para garantir às propriedades os investimentos em capital
e tecnologia necessários, maior parceria entre universidades e agroindústria, visando à ampliação da
qualidade e tecnologia e melhoria da infraestrutura regional (energia e modal logístico). Essas ações
têm como principal meta a expansão das exportações.
A segunda estratégia, voltada para os grupos 2 e 3, estaria centrada na organização da
produção e capacitação das pequenas propriedades para garantir o suprimento de matéria-prima, a
ampliação de parcerias com universidades e centros de pesquisa, com vistas à melhoria e ao
desenvolvimento de novos produtos; criação de um observatório econômico e criação de mercados
regionais. Essa linha de ação visaria ao desenvolvimento da agroindústria familiar. Mais
especificamente para o Grupo 3, as ações se voltariam à geração de renda, em termos de concessão
de bolsas de auxílio (bolsa família), aprimoramento dos mercados institucionais (PAA e PNAE) e o
suporte necessário (ATER) para essas propriedades.

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