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O agronegócio para a natureza assemelha-se ao feiticeiro incapaz

de dominar as forças que invocara

Resumo: Este artigo analisa o agronegócio diante dos presságios da transição ecológica e
das vulnerabilidades da resiliência dos bens da natureza no território rural nacional, nos
termos da economia política, abordando três temas: a face externa do agronegócio, o
caráter da produção agrícola e as vulnerabilidades dos bens da natureza e transição
ecológica.
Palavras-chave: agronegócio; commodity; agricultura; recursos da natureza; transição
ecológica.

La agroindustria por la naturaleza se parece al hechicero incapaz de dominar


las fuerzas que convocó

Resumen: Este artículo analiza el agronegocio frente a los presagios de la transición


ecológica y las vulnerabilidades de la resiliencia de los bienes de la naturaleza en el territorio
rural nacional, en términos de economía política, abordando tres temas: la cara externa del
agronegocio, el carácter de la producción agrícola y las vulnerabilidades de los activos de la
naturaleza y la transición ecológica.
Palabras clave: agroindustria; mercancía; agricultura; recursos naturales; transición
ecológica.

Agribusiness for nature resembles the incapable sorcerer dominate the forces
that he summoned

Abstract: This article analyzes agribusiness in the face of the omens of the ecological
transition and the vulnerabilities of the resilience of nature's goods in the national rural
territory, in terms of political economy, addressing three themes: the external face of
agribusiness, the character of agricultural production and the vulnerabilities of nature's
assets and ecological transition.
Keywords: agribusiness; commodity; agriculture; natural resources; ecological transition.

Introdução

As mudanças climáticas decorrentes de ações antrópicas vêm expondo com muita


intensidade uma remota e atual questão: a necessidade de se construir uma agenda pela
vida e em defesa da manutenção dos recursos da natureza. Estamos diante de uma crise
ecológica, que se transforma, devido à mudança climática e a à destruição da
biodiversidade, numa crise de sobrevivência humana, parafraseando Michael Löwy (ano).
O presente artigo procura analisar o que está a porvir do apogeu do agronegócio
dentro dos marcos de captura dos recursos naturais e seus efeitos no meio ambiente,
compondo uma abordagem do setor agroexportador de commodities sob os augúrios da
transição ecológica e as vulnerabilidades da resiliência ambiental brasileira, nos termos da
economia política – ciência das leis sociais da atividade econômica, relações entre os
homens na produção e a estrutura social da produção (NETO; BRAS, 1990).
A metodologia teve o seguinte rumo: a análise dos fenômenos foi realizada
simultaneamente, dos mais gerais para os particulares, e de modo recíproco, privilegiando o
enfoque histórico, como fatos de um todo dialético, isto é, determinados e determinantes, a
fim de não serem entendidos como eventos isolados.
À vista disso, subsequentemente, se engatou-se três temas consecutivos. O
primeiro apreende a discussão da real face externa do agronegócio, o logo a seguir, se faz-
se um relato sucinto do caráter dependente do modo de produção agrícola ora em curso no
país e o terceiro expõe as vulnerabilidades dos bens da natureza e a transição ecológica,
além desta introdução e das considerações finais.

A face externa do agronegócio

Diante de distintas crises financeiras como ocorrera em 1999 ou mais recentemente


de em 2009, o agronegócio foi galgado a gerar saldo no comércio exterior para suprir a
solvência do Balanço de Pagamentos (registro de todas as transações econômicas que o
país realiza com a economia mundo), tendo em vista, um comércio externo propício para um
conjunto pequeno de commodities agrícolas: soja, milho, carnes (bovina, suína e de aves),
açúcar-álcool, celulose e café, que passaram a ter, a partir de 2000, ter uma presença
significativa, entre os vinte primeiros produtos na pauta exportadora do país.
Isto, do ponto de vista da solvibilidade do saldo comercial, foi efetivamente
eficiente. E agora, diante da crise atual?
Tudo permanece como dantes. O quantum exportado de commodities pelo setor
continuou em franca expansão, sendo beneficiado tanto pelos movimentos de apreciação do
dólar frente ao real, como pelas cotações dos preços em alta no mercado externo e, mais
recentemente, acentuados pelo conflito Rússia-Ucrânia, o que acarretou desiquilíbrios na
circulação global dos produtos agrícolas.
Na perspectiva comercial, é evidente que o agronegócio tem desempenhado um
papel importante como fonte de recursos para os sucessivos superávits da Balança
Comercial. Essa possibilidade de solvência resultou, nos últimos 20 anos, da combinação da
apreciação do câmbio, do crescimento significativo e contínuo do volume da produção de
commodities e da expressiva demanda de soja e carnes pelo mercado asiático, destacando
o consumo chinês.
Segundo o CEPEA¹ (2022), o agronegócio, no primeiro semestre de 2022, superou
US$ 79 milhões de vendas ao exterior, alta de 26% em relação ao obtido no mesmo período
de 2021. Esse resultado esteve atrelado ao preço médio em dólar, que aumentou 28% no
primeiro semestre de 2022 frente ao mesmo período do ano passado, tendo em vista que o
volume exportado se manteve praticamente estável, apresentando leve queda de 1%. Os
preços se mantiveram em alta no mercado internacional como consequência da escassez
da oferta de produtos, sobretudo devido à guerra na Ucrânia. A China é o principal destino
das vendas externas do agronegócio brasileiro, sendo que a participação do país asiático no
total das exportações do agronegócio brasileiro ficou em 36%, em segundo ficou a Europa,
com 16%, e logo a seguir, os Estados Unidos, com 7%.
O agronegócio, em conluio com o governo e conexo com os meios midiáticos de
massa, difunde uma noção difusa de gerador de divisas no mercado internacional. Esta
associação política difunde uma noção difusa de modernidade, de produtor de alimento, de
produção sustentável e de gerador de divisas no mercado internacional, infundindo certo
consenso mítico nacionalista junto à sociedade.
Por seu turno, o agronegócio, de fato, é um modo de produção de commodities
desnaturalizado, com caráter dependente e associado ao capital financeiro global, como
segue.
Sob o ponto de vista dos interesses nacionais, a exportação de produtos básicos,
como grãos de ração (soja e milho) e de manufaturas intensivas em bens naturais (carnes,
celulose e açúcar), entronizou no processo de acumulação vigente a captura: das vantagens
comparativas naturais, da renda da terra e da superexploração do trabalho, expressões do
processo de extração do excedente rural, tendo por fator causal tanto a concentração dos
recursos fundiários e a da renda, como a demanda agrícola externa e a especulação
financeira.
Neste Nesse contexto, há que se ressaltar que essa entrada excessiva de recursos
financeiros externos ocorreu em uma economia acometida pela doença holandesa, pela
crescente exportação de recursos naturais e pelo declínio do setor manufatureiro, este
quadro acontece com constante valorização da taxa de câmbio. (BRESSER-PEREIRA,
2010).
Ademais, com a desindustrialização, as rendas provenientes da exportação das
commodities foram usadas para a aquisição de bens comercializados no exterior,
consequentemente, um forte atrelamento a à inovação e ao progresso técnico de fora. Isto,
tem paralelo com o que foi anteriormente apontadoa por Furtado (2008) em sua análise
sobre a economia venezuelana na década de 1950, da abundância de divisas, formando
uma conjugação entre a modernização e a baixa diversificação produtiva, acentuando a
dependência (MARINI, 2001).
A produção de commodities produzgera, em linhas gerais, grandes rendas
econômicas, que resultam no ingresso de considerável volume de moeda estrangeira no
país, sendo este ingresso o principal responsável pela apreciação de sua taxa de câmbio,
segundo Laplane et al. (2014).
Segundo Delgado (2020), há um movimento de centralização do capital nos
mercados agrícolas e agroindustriais, que pressupõe a concentração a partir da órbita
financeira; ao mesmo tempo em que sua estratégia privada persegue a forma líquida do
dinheiro, ou seja, a liquidez, como condição de plena de mobilidade setorial e internacional.
Para o autor (DELGADO, 2020), a industrialização e a urbanização intensivas e a
diversificação do comércio exterior não são mais os eixos de demanda efetiva puxando o
crescimento da produção agropecuária ora em curso, de maneira oposta, há dois outros
processos qualitativamente invertidos: a desindustrialização da economia e, principalmente,
de suas exportações; e a especialização primário-exportadora do comércio externo em meia
dúzia de commodities.
Um número restrito de empresas globais (oligopólio) controla os principais produtos
agrícolas, com uma infraestrutura financeira e especulativa própria. De dimensão
transnacional, essas empresas têm a capacidade de manipular a produção, a distribuição e
os preços das cadeias de suprimento dos insumos e das commodities de maneira
organizada no mundo.
Além disso, essas transnacionais intervêm nas flutuações financeiras das
mercadorias a jusante e a montante do agronegócio aqui no país e alhures no mundo,
inclusive provocando essas flutuações. Anteriormente, os derivativos agrícolas eram
utilizados como instrumento de hedge, contrapondo volatilidades dos preços, hoje, as
commodities se tornaram uma classe de ativo financeiro.
Houve a incorporação desses mercados pela especulação mundial, estabelecendo
uma correlação entre as commodities e outros segmentos financeiros, um processo rentista
descolado da produção real. Bancos, como o Goldman Sachs, o Morgan Stanley e o
Citibank, assim, como outros atores financeiros, migraram para esse mercado, por exemplo,
a BLACKROCK, uma das maiores empresas de investimento do mundo. Esses setores da
especulação financeira têm Fundos para investir em ativos como: mercado futuro de
commodities agrícolas, terras rurais e empresas transnacionais de suprimento de
commodities e insumos. Em sua carteira de ações estão as da MONSANTO, SYNGENTA,
TYSON FOODS, DEERE & CO e a ADM, entre outras grande trades de comercialização e
suprimentos agrícolas.
Segundo Belluzzo (2022), os derivativos ganharam vida própria e se transmutaram
em formas financeiras que abrem espaço para manobras especulativas de enorme potencial
desestabilizador das atividades que impactam a geração de riqueza, renda e emprego para
a nação.
A variação dos preços dos alimentos está, praticamente, dissociada tanto de sua
produção quanto de sua oferta. Por que isso está acontecendo? Porque quem investe nos
mercados financeiros de commodities, como: bancos, fundos de pensão, plutocratas ou
simplesmente pessoas, estão comercializando ações, o que lhes permitem apostar nos
preços futuros de determinadas produtos agrícolas, paradoxalmente, com efeitos reais em
seu preço mundial.
Esses oligopólios exercem controle hegemônico na volatilidade dos preços
agrícolas subordinando a soberania alimentar do país, como o caso de redução da produção
e do movimento altista dos preços de itens básicos da dieta do povo em plena pandemia,
como o caso a exemplo do arroz, do óleo de soja, por exemplo. As commodities não estão
sendo reguladas nem por regras nacionais e nem por mecanismos de mercado, há um vazio
regulatório (DOUBOR, 2017).
De mais a mais, os processos de remessa de capital (lucros, dividendos e juros)
para o exterior por parte de empresas filiais instaladas no país, de certa forma, vão correndo
parte das divisas geradas pelas exportações de commodities agrícolas, como mostra a
tabela 1.
Percebe-se na tabela 1 que o total de remessa de lucros, dividendos e
amortizações representam, em média, cerca de 50% da conta de Rendas (registra entradas
e saídas da remuneração do capital e trabalho, nas formas de: lucros, juros e salário) do
Balanço de Pagamentos, nos anos de 2010 a 2021. E desse total remetido, o peso da
remessa de capital do agronegócio foi de 23% em média, no período. Pode-se, ainda,
observar que, ao longo dessa década, o total da remessa cresceu somente de 6%,
enquanto, a o do setor foi de 337%, identificando uma dependência estrutural das
exportações sob hegemonia dos grandes grupos transnacionais de comercialização de
commodities.

Tabela1: Renda Primária, 2010 a 2021 – US$milh.


Discriminação 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
renda primária -70245 -69731 -63876 -37484 -49427 -37935 -41543 -43170 -58824 -57272 -38264 -50471

remessa de lucros, dividendos


-35503 -29163 -24432 -26851 -25154 -18526 -22998 -29683 -27297 -28291 -22083 -33490
e juros mais amortizações

remessa do agronegócio 3045 4309 2382 2385 3999 6706 4913 5828 8300 6054 11580 13317

Fonte: Banco Central. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/>.

O comportamento deficitário da conta renda primária vem colaborando em levar a


conta de transações correntes do balanço de pagamentos a apresentar sucessivos déficits
ao longo desses últimos 12 anos1, os quais foram financiados com entradas de capitais. Isto,
de certa forma, consumiu a solvência comercial das transações externas subvertendo a
tática de liquidez com as exportações de commodities.
O sofisma da solvência comercial para suprir as debilidades externas do país
congrega um discurso deliberadamente enganoso com um raciocínio pérfido – parece
verdade, mas não é!

Caráter da produção agrícola

Desde 1970, a agricultura, nos termos da economia política, passou de uma


dinâmica interna – industrialização centralizando o comércio externo e o abastecimento
interno dos produtos agrícolas, com repartição de atividades entre multinacionais, empresas
estatais e empreendedores nacionais –, para uma dinâmica externa, coordenada pelo
capital global, de “reprimarização” (conceito de DELGADO, 2010)” e “desindustrialização”
(conceito de CANO, 2018), por meio de processos de:

i. reorganização e distribuição dos complexos agroindustriais, no caso de


grãos e de suprimento de insumos, as respectivas cadeias produtivas globais
foram dispersas alhures na economia mundo e;
ii. fusões e aquisições (centralização de ativos) no caso das manufaturas
intensivas de bens naturais (açúcar, celulose, carnes, laranja e café)
alicerçados pelo capital financeiro global. Nessa transição os complexos
agroindustriais se estabeleceram muito além da fronteira do Estado nacional.

1
Por exemplo, segundo Banco Central do Brasil (2022), no ano de 2021, o déficit em transações correntes
somou US$ 28,1 bilhões, e essa insuficiência de saldo deveu-se ao aumento do desprovimento de US$12,2 no
balanço da conta renda primária.
Nessa transição, os complexos agroindustriais se estabeleceram muito além da
fronteira do Estado nacional e sua trajetória de acumulação se firma no crescimento
econômico liderado pelas exportações de commodities.
No caso da cadeia de valor dos grãos de ração (soja e milho), foi mediante as redes
verticais de comércio externo capitaneadas por empresas transnacionais, por exemplo:
ARCHER DANIELS MIDLAND (ADM), BUNGE, CARGILL E LOUIS DREYFUS COMPANY.
Juntas elas são conhecidas como grupo ABCD, sendo que as três primeiras são empresas
norte-americanas e a LOUIS DREYFUS holandesa. As quais, em 2019, foram as principais
exportadoras desses produtos no país, sendo que a CARGIL liderou o comércio externo de
soja e milho com embarques somados de 17 milhões de toneladas, seguida pela BUNGE,
que acumulou quase 15 milhões (COSTA, 2022).
Essas empresas oligopolizadas centralizam o comércio de commodities,
controlando de 60% a 70% da produção nacional, com capacidade de manipular os preços e
a oferta de produtos agrícolas e agroindustriais numa dimensão transnacional, como
também estão interessadas nas flutuações rentistas das commodities, inclusive com
estrutura financeira correspondente.
Na manufatura de bens intensivos de recursos naturais houve uma transformação
do perfil da gestão, tanto com a presença de capitais estrangeiros no controle da cadeia de
valor, como com a internacionalização de ativos nacionais, através de fusões e aquisições
comandadas por bancos e outras instituições financeiras. No caso dos complexos
sucroalcooleiros, por exemplo, houve entrada de capital externo: a RAÍZEN surgiu como
uma joint venture entre a COSAN e a SHELL do Brasil. Noutra perspectiva, o setor de
processamento da carne se internalizou:

i. a BRASIL FOODS (BRF) expandiu-se na Argentina, no Oriente Médio e na


Tailândia; a JBS comprou a SWIFT, a PILGRIM’S PRIDE e parte da
SMITHFIELD FOODS, as três das maiores produtoras de carne dos EUA,
atualmente, criou uma joint venture com a HALAL PRODUCTS
DEVELOPMENT COMPANY (HPDC), braço do PUBLIC INVESTMENT FUND
(PIF), fundo de investimento público da Arábia Saudita, para avançar no
mercado helal;
ii. a MARFRIG comprou a NATIONAL BEEF PACKING dos EUA. A MINERVA
FOODS concentrou sua produção industrial de carne bovina na América do
Sul, e recentemente, se tornou a maior frigorífico de cordeiros da Austrália com
aquisição AUSTRALIAN LAMB COMPANY (ALB), a maior indústria de
cordeiros do país.
A recente dinâmica do agronegócio também se consolidou na dependência externa
de insumos agrícolas (fertilizantes, agrotóxicos, máquinas e equipamentos, e sementes),
que são produzidos em diversas regiões do mundo e controladas controlados por poucos
grupos internacionais. Os agrotóxicos, nos últimos anos, advêm de empresas internacionais,
como SYNGENTA, BAYER, BASF e DUPONT. Essas empresas adotaram como estratégia
de importações o conceito matriz-filial, realizando somente a formulação no território
nacional. A participação de empresas nacionais resume-se em produtos formulados (sem
ocorrência de reações químicas, sendo submissas de à importação).
Na mesma toada, cerca de 80% dos fertilizantes provêm de importações. O
mercado brasileiro está hegemonizado pelas empresas YARA (líder mundial de
fornecimento de fertilizantes minerais, do grupo industrial norueguês NORSK HYDRO) e
MOSAIC (maior produtora mundial de fosfatos, de capital americano).
No caso das sementes com a recente onda de fusões e aquisições, o grupo das
chamadas "big six" (MONSANTO, BAYER, BASF, SYNGENTA, DOW e DUPONT) ficou
reduzido a quatro: BAYER, SYNGENTA (CHEMCHINA), BASF e CORTEVA
(DOW/DUPONT). Esses conglomerados controlam cerca de 60% do mercado global de
semente, pois administram a comercialização de quase todas as plantas geneticamente
modificadas e a maioria das patentes e direitos de propriedade intelectual relacionados a
plantas.
O setor de máquinas e implementos agrícolas no Brasil apresenta duas
configurações diferentes: há um setor altamente concentrado que é o de fabricação de
máquinas agrícolas com maior complexidade tecnológica e investimentos em P&D (como
tratores e colheitadeiras automotrizes), no qual três companhias globais responderam por
mais de 90% das vendas do mercado interno (a corporação estadunidense DEERE &
COMPANY (líder do mercado), detentora da marca JOHN DEERE; a CNH Industrial
(pertence ao grupo Fiat) que detém entre suas marcas a CASE, NEW HOLLAND, STEYR,
MAGIRUS e IVECO; a AGCO, dos EUA, com a marcas GLEANER, DEUTZ-FAHR, FENDT
e MASSEY FERGUSON); e o setor de implementos agrícolas, equipamentos com menor
complexidade tecnológica, no qual há dezenas de empresas atuando no mercado brasileiro.
O controle das tecnologias de informação e comunicação (TIC’s), digitalização e
automação, como a internet das coisas (IoT), inteligência artificial, analytics e big data, além
de dispositivos de sensoriamento e rastreabilidade utilizadas no circuito do agronegócio
estão se concentrando nas mãos de poucas empresas, abrindo mercados para empresas
agrotech, joint ventures e aquisições, por exemplo: a AGCO e a produtora de agrotóxicos
DUPONT anunciaram que trabalhariam juntas na transmissão de informações digitais; a
CNH e a MONSANTO assinaram um contrato para desenvolver tecnologias de plantio de
precisão; a CNH introduziu tratores que se auto conduzem. A operadora CLARO e a JOHN
DEERE, umas das maiores empresas de máquinas agrícolas do mundo, fecharam uma
parceria para levar conectividade a 15 milhões de hectares de lavouras no Brasil.
O relatório da UNCTAD (2021) observa que a dependência de commodities é um
empecilho para a indústria. Tal fato, aqui no Brasil, está comprovado nos dados sobre o PIB
do agronegócio calculados pelo CEPEA (2022¹), de 1996 para 2021 houve um declínio da
participação do ramo industrial no PIB do agronegócio de 34,7% para 22,6%.
Por outro lado, a dependência de commodities intensifica o crescimento da
produtividade do trabalho (graças, praticamente, a à inovação e ao progresso técnico
externo do setor de insumos), caracterizada por uma desestruturação do emprego no setor
agrícola. Apesar do agronegócio ter gerado mais renda com aumento de produtividade,
houve uma redução significativa de postos de trabalho nas atividades conhecidas como
“dentro da porteira”. Entre 2012 e 20192, 17,2 % da população ocupada, cerca de 1,8
milhões de pessoas, deixaram suas atividades. Como também 812 mil que trabalhavam por
conta própria (maioria camponeses). E ainda, houve a precarização do trabalho, acentuada
com a reforma trabalhista de 2017 – Lei 14467/2017. A informalidade, que vinha em queda
até 2014, voltou a crescer desde então, com os trabalhadores do setor privado sem carteira
passando de 18% do total do setor agropecuário no terceiro trimestre daquele ano para 23%
em igual período de 2019 (CEPEA, 2022).
O agronegócio emprega pouco e tem uma capacidade muito restringida de difundir
impacto sobre as outras áreas da economia porque eles importam muito, como disse o
professor Belluzzo (2022).
Nessa transformação recente da agricultura também ocorreu a sua subordinação a
à especulação financeira global. As commodities passaram a ser um ativo negociado nas
bolsas de valores, como também a propriedade da terra. Sob auspícios da renda financeira,
os produtos agrícolas com mercados globais vêm sendo impulsionados por títulos,
configurando-se como a forma fictícia e abstrata de capital, ganhando características
virtuais, se integrando de forma plena no circuito especulativo enquanto geração de riqueza.
O agronegócio, submetido a essa lógica, transitou para uma inserção de submissão
da terra e da produção aos desígnios do capital rentista.
O mercado de terra local e o rentista mundial se mesclaram no território nacional,
com o investimento do capital financeiro na busca de valorização e especulação fundiária, o
qual se tornou aparente após 2008, em decorrência da crise econômica. A compra de terras
combinada com a especulação nos mercados financeiros determinara a expansão de
empresas de negociação de terras agrícolas (compra, venda e arrendamento), tendo como
principal fonte de recursos financeiros os fundos de investimento globais – a terra, um ativo
financeiro global.
2
Desconsiderou os anos 2020 e 2021, por serem atípicos devido à COVID-19.
Por exemplo, a SLC Agrícola (maiores produtores de grãos e fibras do mundo)
administra a SLC Land em joint venture com o fundo inglês VALIANCE, controlando cerca
de meio milhão de hectares de terra. A companhia Radar Imobiliária Agrícola S/A,
controlada pelas empresas COSAN limited e Mansilla Participações, (sócia majoritária, da
qual o fundo de pensões TIAA – Teachers Insurance and Annuity Association of America –
é proprietário integral), administra cerca de 300 mil hectares.
O capital financeiro terceiriza os negócios com terras, se isentando-se de
responsabilidade por impactos causados com a especulação no campo brasileiro, já que
não são proprietários diretos das terras. , uma característica oculta na apropriação a
respeito da origem de fato do capital.
Por fim, o capital financeiro global busca alçar à a terra a à lógica rentista,
transformando a propriedade fundiária em uma oportunidade de ativo financeiro,
independentemente da produção primária real.
A estratégia de transição para esse novo momento histórico do agronegócio
ocorreu por dentro do aparelho de Estado, estimulando uma reorganização do setor rumo às
vantagens comparativas naturais. A ação estatal orientou o capital agrário para a demanda
global de commodities por meio de uma política primário-exportadora, com o uso do fundo
público (crédito rural e benefícios e inações fiscais). O Estado foi um plexo condensador da
reprodução do capital e das exigibilidades do processo de acumulação, envolvendo uma
complexa trama no aparato de governo. Isto resultou:

i. na participação débil das empresas nacionais nos mercados internos e


externos de produtos e insumos agrícolas, a burguesia agrária associou-se
como parceira menor do capital externo;
ii. na especialização das atividades produtivas em função do mercado mundial;
iii. na subordinação da economia nacional à flutuação dos preços de
commodities;
iv. na expansão do progresso técnico via importação;
v. na acumulação de capital por meio da produção de bens primários e
manufaturas intensivas em recursos naturais.

Nesse contexto, esta associação público-privado privada também vem construindo


garantias e requerimentos para manter a hegemonia da concentração fundiária tanto para
remota captura das vantagens comparativas dos bens naturais e da renda da terra como
para promover a integração do mercado de terras com agentes financeiros globais e da
propriedade da terra com os mercados de ações.
Os frutos do agronegócio associado ao grande capital global não levaram ao
desenvolvimento rural, quer dizer, o acesso da massa da população aos benefícios dos
incrementos na produtividade do trabalho, como propunha Furtado (1992); pelo contrário,
servem para concentrar a terra e a renda, espoliar os recursos naturais, acentuar o
desemprego e comprometer a reprodução de outras formas de produção (alimentos básicos,
arroz e feijão, por exemplo). Questões que reacendem os traços estruturais da questão
agrária nacional.

Agronegócio: vulnerabilidades dos bens da natureza e transição ecológica

A vida está diante de um fenômeno que transforma a terra, a água, o ar que


respiramos em mercadoria, e que não conhece outro critério que não seja a acumulação de
lucro e a expansão dos negócios (LÖWY, 2013).
O processo de devastação da natureza e de mudança climática se acelerou a tal
ponto nas últimas décadas, que não se discute um porvir, e sim as emergências ambientais
que estão em curso, o limite da catástrofe de destruição dos bens da natureza já é uma
realidade no cotidiano da vida do planeta. Para a humanidade, se reduz-se o tempo histórico
para se tentar impedir, parar e conter esse processo desastroso.
Percebe-se que a resolução das questões de degradação dos bens da natureza
(solo, água e biodiversidade) e da crise climática estão está na agenda da economia mundo.
A ONU e outras instituições internacionais vêm se dando conta da urgência do
imperativo da transição ecológica. O ano de 2021 marcou foi marcado pela ocorrência de
eventos globais nas questões da biodiversidade e das mudanças climáticas:

i. a primeira parte da 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre


Diversidade Biológica (COP15), em outubro, e;
ii. a 26ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas
sobre Mudanças do Clima (COP26), em novembro.

Essas Cúpulas tiveram como objetivo: apontar alternativas ao bem- estar ambiental
e social em uma economia global complexa e excludente. No entanto, essas Cimeiras se
revelaram incapazes de propor uma alternativa com vistas a uma transição ecológica.
Todavia, há que se ressaltar que apenas os governos nacionais têm capacidades
de realizar as principais estruturas (sociais, econômicas, agrárias e culturais ) e
infraestruturas para conter, amenizar e até resolver em alguns casos os resultados das
mudanças climática e da deterioração dos bens da natureza na escala de tempo prevista
pelas distintas Cimeiras mundiais, e, por outro lado, um importante aparato público
impulsionador e disseminador das consciências local e global sobre os temas. Conforme
expressou o professor Belluzzo (2021), o meio ambiente não é uma questão nacional, é
uma questão global que precisa ser administrada por um organismo em que seja possível a
participação de todos, mas olhando para cada situação específica nacional.
Não são poucos os eventos que tem têm demonstrado os desordenados incidentes
ambientais ao redor do mundo, incluso o caos que está acontecendo com os biomas
nacionais, nos últimos tempos.
Os bens da natureza encontram-se sob forte tensão de degradação e supressão,
decorrentes de atividades antrópicas, trazendo impactos a à regulação climática e a à
sobrevivência humana e de outras outros seres.
O quinto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
destacou que o aquecimento global é inequívoco. Cada vez mais os eventos climáticos,
como seca, calor, inundações e frio, acontecerão de forma acentuada e prolongada. Entre
suas projeções para o Brasil estão o avanço da seca no Nordeste, na Amazônia e no
Centro-Oeste, além da mudança no regime das monções da Amazônia afetando as chuvas
no centro-sul.
De acordo com a Global Forest Watch3, cerca de 40% dos desmatamentos globais
de floresta tropical ocorreu no Brasil e, segundo o Boletim do IPAM 4, os focos de calor, entre
janeiro e maio 2022, tiveram aumento de 22% em relação a igual período do ano passado.
De acordo com o Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o
Cerrado teve 4092 km² desmatados entre o início de janeiro e o fim de julho de 2022, um
aumento de 28% em relação ao mesmo período de 2021, sendo o maior valor acumulado
nos últimos quatro anos. Na Amazônia, o acumulado de desmatamento foi de 5463 km²,
isso representa um aumento de 7% em relação ao ano passado. Esse valor é o maior
acumulado entre janeiro e julho nos últimos seis anos5.
As atividades antrópicas no meio rural têm sido catastróficas, pois há anos vêm
delapidando a biodiversidade nacional com consequência nas mudanças climáticas do país.
No Brasil, a maior parte das emissões de GEE (Gases do Efeito Estufa) provém das
mudanças no uso da terra e das florestas (decorrente das ações: fogo, desmatamento e
agropecuária), seguida da atividade agropecuária em si.
Esses fatores se traduzem em importantes ameaças aos meios de subsistência das
pessoas. A agricultura nacional enfrenta desafios ambientais crescentes diante das
mudanças climáticas, como: escassez ou excesso de pluviosidade, crise no abastecimento
hídrico, perda de biodiversidade, compactação dos solos, pragas resistentes e aumento da

3
Disponível em: <https://www.globalforestwatch.org/blog/pt/data-and-research/dados-globais-de-perda-de-
cobertura-de-arvore-2021/>.
4
Disponível em: <https://ipam.org.br/bibliotecas/boletim-cimc-2/>.
5
Informações disponíveis em: <https://www.wwf.org.br>.
incidência de desastres naturais. Em suma, sendo demandante de recursos ambientais no
processo produtivo, a agricultura fica mais vulnerável às variações do clima e a à
degradação antrópica dos biomas (fragmentação ou mesmo destruição completa
de habitats).
A apropriação da terra, seja terra privada ou grilada 6, possibilitou a à elite agrária
assenhorear e explorar recursos fundiários e ambientais de uma porção significativa do
território nacional, na contramão dos preceitos constitucionais com fins a à conservação dos
bens da natureza, como o princípio social da propriedade (SILVA, 2021).
O agronegócio resulta na apropriação privada da riqueza privadamente e na
socialização dos problemas sociais e ambientais com a nação, acentuando os traços
estruturais do subdesenvolvimento (FURTADO, 1992), e da dependência (MARINI, 2001) do
país.
Estamos num cenário adverso para resolução dos problemas ambientais. As
premissas agrárias (concentração da terra e da renda) e o padrão de desenvolvimento do
agronegócio (mercado autorregulado, associado e dependente às grandes empresas e aos
sistemas financeiros em escala global), há várias décadas, são identificados com as
dinâmicas de espoliação dos bens da natureza e de subtração da soberania alimentar – um
arranjo econômico global que transforma terra, água e biodiversidade em lucro privado.
E ainda, os interesses do agronegócio estão na agenda do Legislativo e do
Executivo. Ressalta-se que no primeiro turno da atual eleição, 70% dos deputados
integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) foram reeleitos, e para o senado
a mesma elegeu 40 do total de 81 senadores. Esse poder político pode ser decisivo para a
aprovação das pautas do setor de exaltação da propriedade privada, como mudanças na
regulação ambiental, regularização fundiária, autocontrole da fiscalização agropecuária e
registro de agrotóxicos entre outras.
A degradação dos recursos da natureza se confronta também com à a ação
governamental atual em fim de mandato, uma vez que as políticas públicas ambientais ou
de subsídios ou de incentivos creditícios e fiscais são inadequadas, mal monitoradas e
fiscalizadas, sem nenhum monitoramento-feedback, as quais acabam por estimular ou
mesmo exacerbar a dilapidação ambiental.
De outro ponto de vista, a pauta de exportação de poucas commodities agrícolas,
aportando divisas para a balança comercial do país, trouxe consequências para o
abastecimento alimentar, com redução da oferta de alimentos, reforçando a trágica
realidade em que 33 milhões de pessoas passam fome e mais da metade (59%) da

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O grilo consiste, genericamente, em instrumentos históricos de se apoderar de terras devolutas no território
nacional, por meio da falsificação de títulos e açambarcamento de posse/domínio de outros. O ganho patrimonial
incidiu também sobre o estoque de terra grilada, na contramão dos preceitos constitucionais, mas com
beneplácito do poder público.
população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau (Rede
PENSSAN7). Isto Isso mostra que a insegurança alimentar e a devastação ambiental
tenham têm o mesmo efeito causal: o modo de produção de commodities do agronegócio
dependente e associado ao capital financeiro e a trades de suprimentos agrícolas em
escalas mundiais.
Na contramão, parte do setor do agronegócio tem em conta o problema ambiental
que vivencia, percebe a armadilha que seu modo de produção e de acumulação lhe armou,
o caos ambiental, ou seja, o processo produtivo de commodities sendo demandante de
recursos naturais fica mais vulnerável às variações do clima, à degradação dos recursos
hídricos e a à devastação dos biomas (fragmentação ou mesmo destruição completa
de habitats). Esse setor empresarial, com preocupação ambiental, tem foco na alocação
ótima de recursos ao internalizar as oportunidades de valorações dos bens da natureza ao
reduzir a emissão de carbono e ser eficiente no uso de recursos naturais ,
reconhecendo que os ecossistemas possuem limites e precisam ser conservados. Essa
preocupação então se converte em vantagem competitiva em mercados cada vez mais
exigentes com a sustentabilidade dos biomas nacionais.
Assim sendo, as alternativas a à transição ambiental que aceitam as regras e que
se adaptam às regras desse mercado, que aceitam a lógica de expansão infinita desse
capital, são soluções capazes de iniciar a transição ecológica. Nesse cenário, é possível a
crise ambiental ter solução nos marcos do sistema de acumulação vigente na economia
política do rural?
Haja visto vista que o avanço sobre os bens comuns da natureza é o status quo do
padrão de acumulação do agronegócio associado e dependente do capital global. , percebe-
se relações que os oligopólios das cadeias globais de suprimento de insumos e de
abastecimento de commodities agrícolas, associados com capital financeiro, se
estabelecem com a perpetuação da concentração da riqueza e da renda agrária no território
rural nacional, por um lado, e, por outro, o da terra como reserva de valor, reserva alimentar
e reserva de água. Portanto, hoje, a terra hoje está dentro de uma geopolítica local e
nacional muito mais complexa (SANTOS, 2022).
Temos hoje um território rural reorganizado, configurado, normatizado,
racionalizado de forma global. Uma corrida aos recursos naturais que faz uma pressão
enorme sobre o território rural e que cria uma tensão entre aqueles que querem a terra para
produção de commodities (mineral, agrícolas e energia) e os que querem a
sustentabilidade dos bens da natureza e a reforma agrária.

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Disponível em: <https://pesquisassan.net.br/2o-inquerito-nacional-sobre-inseguranca-alimentar-no-contexto-da-
pandemia-da-covid-19-no-brasil/>.
Há um conflito que se agrava entre um espaço local vivido e um espaço global,
habitado por um processo racionalizado e um conteúdo ideológico de origem distante e que
chegam a cada lugar com os objetos e as normas estabelecidos para servi-los daquelas
formas e normas ao serviço de alguns de fora.
Para Veiga (2007), há pelos menos duas grandes dimensões da globalização
contemporânea que atuam de forma cruzada sobre os destinos das áreas rurais: econômica
e ambiental. Em primeiro lugar, a dimensão econômica, que envolve as cadeias produtivas,
comércio e fluxos financeiros, tende a agir essencialmente em algumas regiões no sentido
de torná-las cada vez mais periféricas, ou marginais, há vastos territórios que se tornam
cada vez mais excluídos das grandes dinâmicas que alimentam o crescimento da economia
global. Simultaneamente, a dimensão ambiental, que envolve tanto as bases das
amenidades naturais, quanto várias fontes de energia alternativas e biodiversidade, agindo
essencialmente no sentido de torná-las cada vez mais valiosas à qualidade da vida, ou ao
bem-estar.
O ambiente econômico do agronegócio encontra-se desestruturado por problemas
ambientais que se manifestam como contendas no formato de novas preposições de
paradigmas. Essas novas problematizações abrem novas fronteiras de padrões e
alternativas em competições com o esquema econômico formal vigente (DELGADO, 2021).
A crise ecológica põe em xeque a questão da superação e de inovação
socioeconômica do agronegócio. As anomalias e os enigmas intrínsecos a à economia do
agronegócio fazendo fazem surgir outros paradigmas, principalmente no campo ecológico,.
pois, essa crise se transforma, devido à mudança climática e a à destruição da
biodiversidade, numa crise de sobrevivência humana.

Considerações finais

Do exposto, depreendem-se algumas hipóteses. No marco do sistema de


acumulação vigente na economia política rural, não é possível concatenar crescimento
econômico com melhor bem-estar social e ambiental.
Os processos de devastação da natureza e de mudança climática se aceleram a tal
ponto nos últimas anos, que não se discute o futuro, mas, sim, as emergências ambientais.
O limite da catástrofe de destruição dos bens da natureza já é o cotidiano da vida
no país. Se rReduz-se o tempo histórico para tentar impedir, parar e conter esse processo
desastroso. Portanto, se faz-se necessário encontrar e traçar outras trajetórias de uso e
ocupação do território rural capazes de criar oportunidades de produção agropecuária com a
preservação dos bens naturais gerando soberania alimentar.
A ação do Estado na regulação e na alocação de bens e serviços para construção
de uma nova trajetória agrícola, garantindo a sustentabilidade dos bens naturais (solo,
biodiversidade, água e clima) com bem-estar social, é fundamental – uma ação de governo
com outro conceito de economia rural.
No entanto, cabe advertir que, ao se ampliar as funções do Estado, tal fato não
significa por si só amenizar as condições de reprodução capitalista, pois o Estado tem como
função intrínseca promover o processo geral de acumulação do capital. Como também cabe
destacar que o regime agrário de acumulação capitalista contemporâneo, sob a hegemonia
do capital financeiro e das grandes corporações globais, afeta as ações do Estado,
principalmente deslegitimando sua intervenção na propriedade, na produção e no trabalho.
O país se defronta com relativa abundância de recursos oriundos do mercado
externo, porém, desperdiça essa oportunidade, não a transforma numa alavanca da
economia nacional, ou seja, não utiliza as vantagens comparativas da produção e
exportação de commodities agrícolas para promover, apoiar ou facilitar a emergência de
setores inovadores e domínios tecnológicos a montante e a jusante do setor, com um
legado social e ambiental, de geração de emprego e renda concomitante com a
conservação dos recursos naturais no território nacional.
Os donos do poder mantêm um processo primário-exportador ancorado na
concentração da estrutura fundiária, no abuso da natureza e do trabalho humano, com
crescente internacionalização dos domínios da terra. O Estado encontra-se apropriado por
uma elite predatória, cujas decisões vislumbram o lucro e desconsideram o direito
constitucional de acesso à terra, de alimentação e de conservação do patrimônio ambiental
da nação.
A participação da Sociedade Civil na formulação de propostas de ação e políticas
públicas e no monitoramento das ações do Estado é essencial para garantir o direito social,
a sustentabilidade dos recursos naturais e a soberania alimentar. Entretanto, utilizando o
conceito gramsciano, trata-se de uma esfera da vida social na qual diferentes grupos e
classes sociais se organizam para disputar a hegemonia, ou seja, para interferir diretamente
na correlação de forças que determinam o conteúdo do poder numa formulação concreta –
um terreno da luta de classes.
Os desafios e as oportunidades de governo na transição ecológica diante de um
novo porvir, estão em compor, no aparato de Estado, os interesses sociais, agrários e
econômicos a à transição ambiental, reconstruindo o poder público nacional, pois a
dimensão pública não é somente o aparato estatal, mas também a sociedade civil.
Assim, a viabilidade desse novo pacto Estado-Sociedade civil passa pelos
desencadeamentos de políticas públicas para fins de promover: os investimentos públicos e
privados, a conservação dos biomas, a inovação, o fomento fiscal e creditício, a política
cambial, a produção de alimentos e commodities, a agroindústria e o comércio externo,
rumo a um desenvolvimento rural sustentável, inclusivo e com soberania alimentar.
Deve-se aspirar uma outra forma de poder político e de produção que asseveram a
vida e os bens naturais comuns. De antemão, o Estado é que precisa ter a condução, mas é
imprescindível nessa trajetória a participação dos cidadãos.
As alternativas devem acontecer de baixo para cima.

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